Memórias do Comércio do Rio de Janeiro
Depoimento de Jorge Ribeiro de Moura
Entrevistado por André _____ e Edvaldo de Mello
Rio de Janeiro, 03/06/2003
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº MCRJ_HV009
Transcrito por Marcília Ursini
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 – Bem, para...Continuar leitura
Memórias do Comércio do Rio de Janeiro
Depoimento de Jorge Ribeiro de Moura
Entrevistado por André _____ e Edvaldo de Mello
Rio de Janeiro, 03/06/2003
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº MCRJ_HV009
Transcrito por Marcília Ursini
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 – Bem, para nós começarmos, eu queria que o senhor falasse o seu nome, o local e data de nascimento.
R – Meu nome é Jorge Ribeiro de Moura. Nasci no Rio de Janeiro, no dia 1/12/1945.
P/1 – E os seus pais, nome dos seus pais? Nasceu aqui também no Rio?
R – O meu pai é Abel Ribeiro de Moura Filho, também nasceu no Rio de Janeiro e a minha mãe, Iracema Catarina de Moura, também do Rio de Janeiro.
P/2 – O senhor lembra dos seus avós?
R – Meus avós? Lembro. Por parte de pai, o meu avô era português, chamava-se Abel Ribeiro de Moura. Meu pai era o Abel Ribeiro de Moura Filho. E a minha avó, Jeane Boutée de Moura. Ela é francesa.
Por parte de mãe, era José Correia Costa, brasileiro do Rio de Janeiro e a minha avó, Angelina Costa, também do Rio de Janeiro.
P/1 – O seu pai também trabalhava no comércio?
R – Meu pai era do comércio. Ele começou com uma loja [em] que hoje estou trabalhando. Eu estou continuando o trabalho dele, né?
P/1 – O senhor é... O senhor nasceu onde aqui no Rio? Qual o bairro?
R – Nasci em Bonsucesso.
P/1 – E o senhor morou em Bonsucesso?
R – Não, eu nasci em Bonsucesso e eu fiquei lá menos de um ano. Em menos de um ano eu vim morar em Maria da Graça, com nove meses. Fiquei até 24 anos de idade. Ainda ali mudei para o Rocha, depois do Rocha para a Tijuca... Do Rocha para o Grajaú, depois para Tijuca.
P/2 – O senhor e quantos irmãos?
R – Eu sou filho único.
P/2 – Filho único.
R – É.
P/1 – E como era a sua casa na sua infância?
P/2 – Em Maria da Graça?
R – Bom, eu só posso falar de Maria da Graça porque eu fui para lá com nove meses. Maria da Graça, morava na avenida… Rua Domingos de Barros, 119, casa 7. Era uma avenida e eu morava na última... A última casa da avenida. Aí foi todo o começo da minha vida, já saí dali rapaz, com 24 anos.
Estudei em Maria da Graça também. Colégio particular, nunca estudei em colégio público. Ali era bom, porque era uma avenida e do lado tinha uma casa com muitas frutas, muita árvore frutífera, então a gente passa aquela infância comendo manga e jabuticaba. Hoje em dia é difícil uma criança ter essa oportunidade, a não ser que tenha um sítio. Em frente à avenida também tinha campo de futebol, um espaço livre e joguei muito futebol. A minha infância toda joguei futebol de salão, joguei futebol de campo. Tudo aprendendo ali, em Maria da Graça.
P/2 – Como era o bairro nessa época?
R – O bairro, nessa época, era muito vazio. Tinha muito terreno que era praticamente mato, não tinha muita construção por ali. Hoje eu vou lá, a rua está calçada, mudou tudo. A rua era de barro, não tinha calçamento.
Maria da Graça tem os dois lados da linha do trem. Tem um lado que tem a fábrica da General Electric. Hoje em dia tem metrô em Maria da Graça e tem o outro lado, que é o lado mais que vem pela [Avenida] Suburbana.
P/2 – Qual o lado que o senhor morava?
R – O lado da Avenida Suburbana. A rua [em] que eu morava, Domingos de Barros, ela começa na Avenida Suburbana.
P/2 – Como era o comércio naquela época?
R – Dali da Maria da Graça só tinha bares, quitanda, açougue, padaria. Tinha algumas indústrias que hoje em dia não tem mais: a Fábrica Nova América de Tecidos, que era um pouquinho mais para frente, já pertencia a Del Castilho; a General Eletric, que era em Maria da Graça, na Rua Miguel
ngelo, do outro lado da linha do trem. A Eletromar, hoje em dia também já não... Eu não sei se ainda existe a fábrica Eletromar, mas era que... Essa rua, Domingos de Barros, começa na avenida Suburbana, mas em frente à Domingos de Barros, na Avenida Suburbana, tinha a Estrada Velha da Pavuna, onde tinha a fábrica da Eletromar. Hoje em dia não sei se ainda tem essa fábrica. Fazia uns ventiladores, ventiladores muito bons naquela época. Muita gente já teve ventilador Eletromar. [Não estou] fazendo a propaganda, mas é coisa boa, a gente tem que falar.
Era o que tinha ali no bairro, que eu me lembre, de... Era um comércio simples. Hoje está mais desenvolvido, mas naquela época tinha pouca coisa. Açougue, quitanda, padaria, bar e essas indústrias que eu falei, que eram antigas.
P/1 – Seu Jorge, como é que vocês faziam então o complemento de compras? Vocês iam para outro bairro para fazer algumas compras? Para roupa...
R – É...
P/1 – Qual era o comércio ali próximo?
R – Antigamente, a gente… Eu me lembro que a mamãe, a gente tinha que, às vezes, ir a Madureira fazer compra, às vezes tinha que ir ao Méier fazer compra. Era [para] criança o complemento de compra. Usava-se muito também o trem.
P/1 – Vocês iam de trem para esses...
R – Para esses lugares, Madureira - Méier não, o Méier era próximo... O Méier é próximo de Maria da Graça. Tinha, na época, lotações, então a gente ia de lotação. Ou Bonsucesso também. Em Bonsucesso, na Praça das Nações, tinha um comércio melhorzinho, mas eu me lembro que era... Usava-se muito [ir] para o Méier, em Madureira, em Bonsucesso, são os bairros mais próximos.
P/2 – A gente está falando aqui do transporte. Nessa época, o seu pai trabalhava onde, na sua infância? Como era o dia a dia da sua família na sua época?
R – O meu pai trabalhava na Casa Barcas. Ela ficava na Rua Clapp, número 1, ali na Praça XV. A Rua Clapp, para você ter uma noção, era quase uma continuação da Rua São José, indo em direção às barcas. Ela tinha quase a direção da Rua São José. Ela ficava, mais ou menos… Ela começava, mais ou menos, debaixo da [Avenida] Perimetral. Tinha ali um quarteirão que foi modificado com a vinda do elevado da Perimetral; aquilo foi desapropriado, foi abaixo.
Era uma loja de secos e molhados, vendia bebidas finas, essas coisas todas. E mais para trás desse quarteirão tem ali o mercado... Tinha ali o Mercado Municipal do Rio de Janeiro. Hoje o que sobrou do Mercado Municipal é o prédio onde tem o restaurante Albamar. Dentro desse mercado tinha duas lojas -
eu lembro que papai falava, tinha duas lojas de artigo de pesca. Uma que era a Casa do Anzol e a outra que... Varina. Essa Varina pegou fogo e a Casa do Anzol estava devagar, estava parando. Com a criação, naquela época, a vinda dos supermercados… Um dos primeiros supermercados que apareceu naquela época [foi] a Casa da Banha, que eu me lembro.
P/2 – Onde?
R – Foi aqui em São Cristóvão. A primeira Casa da Banha que eu conheci era muito pequena, mas foi aqui em São Cristóvão e foi, talvez, o primeiro grande supermercado que apareceu no Rio de Janeiro. Então, o que acontece? A Casa da Banha começou a colocar filiais e eles tinham um poder de compra muito grande. É uma loja pequena, eles compravam quantidade muito grande. Então, essas lojas, do tipo que a do meu pai estava... Trabalhava, começaram a enfraquecer em alguns artigos que vendiam.
Com esse acontecimento da Varina, que era loja de pesca que eu falei, dentro do Mercado... Do Mercado Municipal, [ela] pegou fogo e a Casa do Anzol já estava fechando, era casa muito antiga, o papai começou a colocar algum artigo de pesca num canto da loja. Aquilo foi crescendo dentro da loja. Inclusive, nós tínhamos um funcionário que trabalhou na Casa do Anzol; a Casa do Anzol já estava fechando e ele, na hora do almoço, ia lá para dar umas orientações ao meu pai, alguma coisa que ele fazia. Antigamente, tinha muito artigo que era feito em casa, manufaturado. Você fazia chicote, fazia bóia, fazia uma isca artificial, era muito limitado. Hoje em dia, com a importação, tem...
P/2 – Na sua casa faziam esses produtos?
R – Na minha casa, não. Eles faziam em casa, isso lá no início das coisas. A pesca... As pessoas começaram a procurar porque lá não tinha; a outra loja pegou fogo, aquela estava fechando, aí não tinha. A Casa do Anzol também vendeu um bocado de mercadoria para o meu pai e o meu pai foi aumentando ali o negócio de pesca dentro da Casa Barcas. Quando começou a vir a desapropriação daquele quarteirão e de outros, com a criação da Perimetral, aí nós fomos obrigados a sair dali. Eu estou falando nós, mas eu ainda estava...
P/2 – Isso que eu queria perguntar em relação à sua infância. Como é que o senhor lembra? O seu pai saía de manhã para ir trabalhar, como ele ia para o centro da cidade [vindo] de Maria da Graça?
P/1 – Ia de carro ou de trem?
R – Naquela época, o meu pai saía muito cedo. Tem uma passagem interessante porque o meu pai saía muito cedo, chegava muito tarde. Ele sempre lutou com muita dificuldade. Ele descia de táxi, era um táxi de um senhor que fazia uma espécie de lotação naquela época. Vários moradores dali, ele passava, pegava o pessoal e levava.
O meu pai saía às seis da manhã, chegava às onze, meia-noite. Quer dizer, quando ele saía, eu estava dormindo; quando ele chegava eu estava dormindo. [Aos] finais de semana também, o papai sempre foi ligado a clubes. No domingo eles se reuniam lá na Praia de Ramos. Esse grupo juntava as coisas ali, ficava lá na praia.
Esse grupo, uma vez, resolveu fazer um barraco para mudar de roupa, aí criaram esse barraco na Praia de Ramos. Hoje em dia, esse barraco é o Iate Clube de Ramos. Meu pai e o cunhado dele, meu tio, foram fundadores do Iate Clube de Ramos. Infelizmente, hoje em dia, o Iate Clube de Ramos tem muita favela ali na entrada, muita gente evita, mas o clube está lá, está muito bem.
Ele também, o meu pai, ele velejava, então ele… Uma coisa também que eles criaram dentro disso. O clube foi crescendo com o passar dos anos, aí participavam de corrida de barco à vela. Naquela época, não tinha esses troféus que a gente ganha, enormes; [quando] tirava primeiro lugar ganhava uma medalhinha desse tamanho. Eu tenho lá a coleção de medalha dele, tenho foto dele no barco com os amigos.
Eu falo isso com muito orgulho, porque meu pai foi o meu grande mestre. Ele me desviou um pouquinho da minha escolha, mas eu não me arrependo porque eu falei para você que eu estudei. Naquela época, segundo grau era o curso Científico. Eu tinha vontade de fazer Arquitetura, mas como mudei de um colégio para outro, eu tive dificuldade de aprender a Geometria Descritiva, que era… Na época [que] eu ia fazer Arquitetura, a Geometria Descritiva era super importante. Dois anos depois, eles tiraram a Geometria Descritiva do vestibular de Arquitetura, mas tudo bem. E eu continuei com a música, que eu gostava, e o papai no comércio dele.
Voltando o que eu falei - eu estou misturando um pouquinho, uma coisa vai lembrando a outra. Com a vinda da Perimetral, aquilo ali foi abaixo, desapropriou. O que é que ele fez? Mudou para dentro de um prédio... Naquela época, chamava-se Cantareira, porque a Cantareira tomava conta daquelas partes das barcas. Hoje é STBG. Então tem um prédio ali que eles pediram... Eles fizeram um galpão ali. Tinha um galpão ali dentro, um espaço muito grande e ele [se] mudou ali para dentro. O cartaz lá na frente: “Mercadinho do Papai”. Era um mercado e ali dentro tinha várias lojas. Tinha casas de charque, biscoito Nossa Senhora do Rosário, no fundo tinha açougue Santo Agostinho, tinha Casa Gaúcha de artigo de caça e pesca, que é a razão social da nossa firma, e na frente tinha um bar. No meio tinha aquelas gôndolas e vendiam frutas - inclusive está ali, perto de mim, da loja, o Príncipe das Frutas, também uma casa antiga.
P/2 – O senhor tem lembranças desse período? O senhor visitava esse mercado na sua infância ou são coisas que o seu pai contou?
R – Não, eu lembro porque aí eu falei... Antes teve um fato muito interessante: o papai saía às seis da manhã, voltava às onze e pouco da noite, então ele sempre dizia: “Poxa, eu não vi o meu filho crescer.” Um dia, eu cheguei lá na loja com o meu primo; eu já estava com dez, onze anos e ele se assustou. Eu apareci lá na cidade, com o meu primo: “Ué, você aqui?” Porque ele... Lógico, ele me via dormindo todo dia.
[Aos] fins de semana ele ia para o clube, trabalhava de garçom no Iate Clube de Ramos. Trabalhava também no Iate Clube em Paquetá, também de garçom. Eu sei que uma época da vida dele, ele comprou um táxi, então ele trabalhava na Casa Barcas até uma determinada hora, depois pegava o táxi para trabalhar até mais tarde para poder sustentar a família, comprar o leite para o Jorge.
Teve uma história interessante, que ele quando contava, eu pedia a ele: “Pô, papai, deixa isso para lá. Não conta não, é coisa triste.” Mas hoje eu até... Quando eu era mais novo eu não gostava de ouvir isso, é uma fase ruim que ele contava. Ele não tinha chave de roda para apertar a roda do táxi. Toda hora ele tinha que parar e apertar com alicate. Uma vez, a roda saiu; os pneus eram carecas. Ele contou que uma vez estava levando um passageiro pela Presidente Vargas. Estava chovendo, ele freou, o carro... Ele estava indo para a Zona Norte, quando ele parou o carro, estava virado para a rua, a igreja da Candelária. Quer dizer, são umas coisas assim, interessantes. Quando ele me contava isso quando era pequeno, eu ficava muito triste porque é uma coisa ruim de tristeza, eu não sabia diferenciar essas coisas. Hoje eu estou lembrando dessas coisas, desses momentos que ele contou, então eu...
Essa surpresa que eu falei, chegar à loja com o meu primo… O meu primo também tinha a minha idade, diferença de meses. A gente com dez, onze, e ele se assustou quando a gente chegou à loja. Ele trabalhava muito, sempre trabalhou muito e foi até o final do dia dele trabalhando.
P/2 – Seu Jorge...
R – Pois não.
P/2 – Você tinha falado antes que sempre estudou em escola particular. Tinha alguma diferença na época entre escola particular e pública?
R – Olha, eu não posso dizer. Acho que era dificuldade de vagas. Talvez, vamos dizer, os pais na época procurassem colocar os filhos na escola particular porque
achavam que era melhor. Eu acredito que fosse isso.
P/2 – E essa escola era em Maria da Graça?
R – É, eu estudei... Quando eu comecei a estudar, eu estudei numa escola de uma senhora que era professora, que dava aula para um grupo. Depois dali, era até mais perto de Del Castilho. Dona Menina, foi ali que eu comecei a aprender alguma coisa. Na época da régua, régua de bater na mão.
P/2 – Como era essa época da régua?
R – A professora tinha uma régua de madeira. Quando um aluno fazia alguma coisa errada, era muito levado, ele levava reguada na palma da mão e ela tinha… A escola era muito simples. Era tipo um barraco, com mesas compridas, bancos compridos.
P/2 – O senhor tinha quantos anos nessa...
R – Era garoto. Devia ter seis, sete, oito anos - não, isso não. Mais ou menos seis, cinco anos, por aí. Eu me lembro disso. E ela tinha também… Atrás dela tinha um outro comodozinho, que era o quarto escuro. Além do camarada levar, o aluno levar, às vezes, uma reguada na mão, ela ainda botava no quarto escuro de castigo.
Pô, eu estou lembrando isso hoje. Olha, vocês estão fazendo eu lembrar coisas... Sério mesmo, agora eu estou lembrando. Parece que foi agora. Muito interessante isso hoje. Naquela época, não achava graça não porque tinha medo de levar reguada e ir para o quarto escuro. Mas acontecia isso.
O meu primeiro colégio foi Dona Menina, ali. Depois eu fiz uma provinha para o curso São Luís, que era em Maria da Graça. Estudei no curso São Luís, se não me engano, até terceira ou quarta série primária, aí fui para o Colégio Brasileiro São Cristóvão. Fiz o curso de férias, admissão e dois meses. Naquela época tinha isso. Não sei se hoje tem isso… Não tem mais. (risos) Eu estou com 57 anos, não sou nenê, muito tempo isso.
Fiz uma prova e passei, aí fiz admissão em dois meses e fiquei no colégio Brasileiro até o primeiro do científico. Eu repeti o terceiro ano do Ginásio e fui até o primeiro do Científico...
P/2 – O senhor fez onde o Científico?
R – Lá no colégio Brasileiro. Dona Menina, curso São Luís. Curso São Luís, primário, aí fiz prova para a escola... Colégio Brasileiro São Cristóvão. Aí fiz admissão em dois meses, fiz admissão, passei para o primeiro Ginásio. Aí fiz o Ginásio lá e repeti, me lembro que eu repeti o terceiro ano do Ginásio e fui até o primeiro Científico.
Lá, no colégio Brasileiro tinha uma coisa que eu não achava legal, porque tinha duas turmas de primeiro Científico e uma turma de segundo Científico, de terceiro. Quando passei para o segundo Científico, eu fui convidado a me retirar do colégio por várias razões. Naturalmente por... Talvez pela colocação do nível intelectual do aluno, pelos estudos e por ser aluno levado, então me convidaram a me retirar do colégio e eu fui para... Eu fui estudar no Méier. Era um colégio que, quando eu cheguei lá, já peguei o segundo ano de Geometria Descritiva, que eu falei que, na época, era o fantasma da Arquitetura e...
P/2 – Isso era, mais ou menos, em que ano? Só para a gente situar.
R – Xiii, rapaz. Vamos dizer, eu nasci em 1945, eu devia estar com vinte anos. Foi 1965, por aí. E foi exatamente [em] 1965 quando a loja saiu do Mercadinho do Papai e veio para onde nós estamos agora.
P/2 – Desculpa, mas o senhor está falando a época que o senhor já está na juventude. Falando da infância do senhor, em Maria da Graça, eu acho que o senhor está circulando bastante pelo Rio de Janeiro, pelo Méier, por São Cristóvão. Como foi essa juventude? Com o que o senhor se divertia, além de estudar? Como eram as paqueras na época? Está na época...
R – Ah, sim. Na época, não tinha muita opção de paquera. Eu sempre gostei de dançar, aprendi a dançar com a minha mãe, pequenininho. E até hoje eu danço. Eu faço dança de salão. Mas naquela época, as paqueras eram cinema; a gente paquerava muito no cinema e depois no clube, nos bailes, no Hi-Fi. Na época, a pessoa fazia Hi-Fi, a cada semana era na casa de um. Na época do Cuba Libre...
P/2 - Explica para o pessoal que não sabe o que é isso, como é um hi-fi?
R – Hi-fi era... Hi-Fi era um baile com um som e as pessoas tinham som em casa, reunia os amigos. Cada um levava alguma coisa, as moças levavam um salgadinho, uma coisa assim. Rapazes levavam Coca-Cola e naquela época não tinha Fanta, era Crush... Coca-Cola era para fazer uma bebida misturada com rum, o Cuba Libre. E tinha uma outra bebida, que misturava com Crush...
P/2 – Hi-fi mesmo.
R – Era o hi-fi. Pois é. Mas era aquilo muito, muito sutil. Não tinha muita bagunça, porque era feita na casa de cada um. Era uma coisa assim, na casa de um rapaz ou
na casa das moças, os pais ali, presentes. A gente dançava, comia um salgadinho, a gente tomava uma bebida. Era uma coisa bem superficial, não era nada de bebida forte.
Tinha também os bailes nos clubes, mas o baile no clube não tinha muito hi-fi, não. O hi-fi era mais em casa de família. Em clube, às vezes.
Uma determinada época depois passou a ter boate. Boate com som de disco, daquela época era disco, as discothèques. E quando tinha baile, tudo bem. Os clubes de bairro não tinham muito poder aquisitivo para contratar um conjunto muito bom, mas Maria da Graça que… Por sinal, o meu pai também foi fundador desse clube, que era em Maria da Graça. Eles tiveram bons bailes lá, naquela época, com Ed Lincoln, com _________, Zito Riguel, Humberto Garin, mas esses bailes eram uma, duas vezes por ano. E os outros bailes, não. Os bailinhos hi-fi eram em casa de família, casa dos rapazes ou das moças. E os rapazes também, muitos tinham irmã, era uma coisa bem respeitosa.
Naquela época… Você vê [a] novela Anos Dourados, o camarada, a moça falando, a Malu Mader interpretando o papel de um moça. Para segurar na mão era seis meses, para dar um beijo era um ano. Aquela época tinha essa história, mais ou menos.
P/2 – E os cinemas que os senhores iam? Quais eram os cinemas?
R – Cinema ali, tinha um em Del Castilho...
P/2 – O senhor lembra o nome dele?
R – Não. Eu lembro, tinha o Higienópolis, chamava-se Palácio Higienópolis. Era na [Rua] Darke de Mattos, quase chegando lá na Avenida dos Democráticos. Aquele ali veio depois do Del Castilho. Depois acabou tudo. Hoje em dia não tem mais nada disso. Até na Praça _______ não tem mais cinema. Começou a vir fita de vídeo, enfraqueceu, mas é legal você assistir um filme, ir ao cinema.
Outra diversão da gente também era o futebol. Em frente à avenida tinha campo de futebol e tinha a quadra no Maria da Graça, a quadra de futebol de salão. Maria da Graça, durante muitos anos, tinha um time de futebol de salão muito bom. Eu cheguei até a jogar dois jogos pelo Maria da Graça. O time de Maria da Graça representou algumas vezes a Portuguesa no Campeonato Carioca de futebol de salão. E tinha uma quadra lá em Del Castilho, que era dentro… Existia a fábrica Nova América de Tecidos em Del Castilho, do outro lado da avenida Suburbana; ela tinha um terreno enorme com dois campos de futebol, um cercado e o de trás não, o de trás era aberto. Cercado, eu digo assim, tinha um alambradozinho em volta.
Eu lembro quando era garoto que ali naquele campo do Nova América, o campo principal, jogavam os times de chuteira, aqueles times calçados. Tinha o Associação Atlética Del Castilho, jogava com o Nova América. Nova América também tinha time de futebol de campo e o Botafogo, eu me lembro que eu conhecia pessoalmente o Garrincha, o Pompéia. [Quando] eu era garoto, eles iam treinar lá no campo do Nova América. O América também treinava lá de vez em quando, no campo do Nova América, ali em Del Castilho.
P/2 – Mas, senhor Jorge, a gente estava falando das festas de 1965. O senhor tinha falado em off aqui para gente que o senhor foi músico, né?
R – É.
P/2 – Como apareceu a música na sua vida?
R – Olha, eu sempre gostei de música. Eu acho que tenho uma coisa ligada à outra, se bem que eu tenho muitos amigos que são músicos e não sabem dançar nada, tem outros que dançam muito também e não tocam nada. Mas a música, eu sempre gostei de música. Eu ficava encantado quando ouvia na televisão um pianista tocando. E gostava do trompete, instrumento de sopro, que o pessoal chama de piston, trompete; achava muito bacana.
Naquela época, tinha o Billy Butterfield, que era um pistonista. Acho que nenhum de vocês aqui deve lembrar, mas ele fez um sucesso enorme. Ele gravou um LP solando no trompete, praticamente quase todas as músicas daquele LP foram sucesso. Tocava muito na rádio. E outros trompetistas que eu fui conhecendo também, mas este, talvez, tenha influenciado mais na minha vida musical. Aí eu comecei… A minha mãe: “Poxa, como o Jorge adora. Olha como ele gosta de piano.” Eu acho que ela falava isso porque naturalmente ela estava querendo que eu tocasse piano. E realmente eu achava bacana, mas eu gostava de trompete.
Quando eu tinha, mais ou menos… Acho que foi com quinze anos, a minha mãe falou assim: “Olha, existe uma bandazinha chamada Banda dos Irmãos Pepino...” Ela existe até hoje. Eram quatro irmãos e formaram essa banda. Um era maestro, o outro tocava sax, o outro tocava clarinete e requinta e o outro tocava trombone. Eram quatro. Eles tinham uma oficina mecânica na Avenida Suburbana, mais ali para Higienópolis. Um dia a minha mãe chegou e falou assim: “Olha, Jorge, lá... Eu falei com o seu Inácio da bandinha, eles estão dando aula lá. Você não quer estudar música?” Eu falei: “Pô, legal.” Fiquei todo entusiasmado.
Com dificuldade, o meu pai comprou o instrumento para mim, um piston Veril, era nacional e eu... Primeiro a gente começa estudar solfejo, né? A ler música, solfejar. Eu comecei a estudar com o seu Inácio. Seu Inácio tocava saxofone. Depois, chegou um tempo, o seu Inácio me passou para o seu Pinho, que era o arranjador da banda. Era um senhor português que fazia os arranjos da banda, fazia pout-pourris, fazia ouverture, umas coisas bacanas. Comecei a estudar com ele o piston, gostava muito. Dali eu fui seguindo, aí me convidaram para tocar na banda. Eu fiquei meio em choque. [Disseram]: “Mas você já está tocando.”
Comecei a estudar as partituras da banda. Entrei como terceiro piston e o seu Pinho... Quando você faz uma coisa que você gosta, você consegue se dar bem naquilo. Você pode não ser um grande músico a estourar nas paradas de sucesso, mas você vai aprender aquilo porque você gosta. Nada como fazer uma coisa que você gosta, você tem mais facilidade de aprender. E eu comecei a progredir muito, estudava muito. Eu morava na avenida, eu tocava e, às vezes, os vizinhos ficavam lá ouvindo. A mulher lá na janela batia palma. Aquilo tudo incentivava você e esse professor pegava as partituras da banda. Eu entrei tocando terceiro piston, ele pegava a partitura de segundo piston. Depois passava a partitura de primeiro piston e solo e tudo.
Com essa minha ascensão de música durante um tempo na banda, um dia, no meio do ensaio, o maestro... Nós estávamos ensaiando, aí o maestro parou porque um rapazinho... No conjunto que eu toquei - eu falei do conjunto que eu toquei -, esse rapaz saiu antes de mim, mas ele tocou na banda. E eu quando fui para lá, ele estava tocando. Quando a banda começou a tocar, ele era pequenininho, então, às vezes, assistia a banda, aí ele fazia o solo, ele subia em cima do banco para poder solar. César, ele era o primeiro piston da banda. Tinha uma mecânica muito boa do instrumento. Depois o César saiu e formou um conjunto.
P/2 – Qual é o nome desse conjunto que ele formou?
R – Bossa e Música.
P/2 – Bossa e Música.
R – É, conjunto Bossa e Música, depois eu fui para lá também. Na banda, era o César o primeiro piston e o João Laetrula. O João era um português, tocava um trompete, um som maravilhoso. Aí o César saiu, foi formar o conjunto. O César, naquela época, estava tocando no programa da Tupi. Esse programa que tinha na TV Tupi era sábado de manhã e tinha um programa na TV Rio que era sábado à tarde, que era a Festa do Bolinha. E eu conheci a minha esposa fazendo programa na TV Rio, no sábado à tarde, ela fazia esse Clube do Guri. (risos) Clube do Guri, que era na TV Tupi. E o César também conhecia a minha esposa da TV Tupi, no Clube do Guri.
P/2 – Conta essa história para gente de como vocês se conheceram?
R – Pois é. Então, eu me perco. Eu começo a contar, começo a sair porque vou lembrando as coisas.
Bom, na banda, o César saiu. Era primeiro piston, saiu. Ficou o João, o Helinho era segundo piston, eu era terceiro. Tinha um outro rapaz terceiro piston, aí fizemos algumas saídas, tocar. Eu já estava lá, não sei, um ano na banda e o primeiro lugar que eu toquei em púbico na minha vida foi na Casa do Escoveiros, na Barra da Tijuca. Tremia para caramba. Foi a minha primeira vez. A banda ia tocar lá numa festa, que eles fazem Casa do Escoveiro, Casa da Vila da Feira, eles fazem essas festas típicas portuguesas. Então foi a primeira vez que eu toquei lá. O César saiu da banda, foi formar o conjunto Bossa e Música e na época não era Bossa e Música. Era “A Bossa e a Música”. Aí começaram a fazer baile.
Um dia, o maestro, no ensaio, bateu a baquetinha para _______: “Agora, Jorge, passa para cá. Passa aqui para o primeiro piston.” Passei do terceiro para primeiro piston. Eu já estava ensaiando todas as partituras do segundo, terceiro, solando; comecei a tocar o primeiro piston e comecei a solar também, porque o João era o solista e tocava muito bem - João Laetrula, meu amigo, gosto muito dele. Ele está vivo até hoje. Não sei se ele ainda está tocando.
P/2 – Seu Jorge, conta essa história. O senhor tocou, mas fugiu do assunto. Essa história de como o senhor conheceu a sua esposa no programa de televisão.
R – Tudo bem. Passado um tempo um tempo na banda, eu comecei a estudar violão. Eu queria aprender harmonia - porque instrumento de sopro é só melodia -
e um instrumento de harmonia, porque eu estudava música no Instituto Villa-Lobos aqui na cidade. Fiz uma temporada ali, mas o tempo também foi dificultando. Então depois de um determinado tempo, eu saí da banda e fui tocar no conjunto do César, esse rapaz que saiu. Nesse conjunto, meu pai ajudou, aí nós começamos investir em instrumento...
P/2 – Como se comprava instrumentos nessa época?
R – Comprava numa casa ali na Rua Gomes Freire. Paulo, ele cobrava caro, mas facilitava para gente.
P/2 – O senhor lembra o nome da loja dele?
R – Ah, rapaz, agora eu não lembro porque a gente sempre falava: “Vamos lá no Paulo.” É uma loja grande, tem loja até hoje.
P/2 – Existe lá ainda, até hoje.
R – Eu não sei, eu não lembro o nome da loja.
Na época, o meu pai também gostava de música, aí ele começou a incentivar. Ele me emprestou dinheiro para comprar um teclado, para comprar um órgão e dois teclados. Depois de comprar, com o passar do tempo, compra um menor.
Eu entrei para o conjunto, aí começamos fazer baile. Quando começamos a aparecer na televisão, um amigo nosso, não sei se eu falei aqui, lá de Maria da Graça, trabalhava na TV Rio. Ele arrumou para gente apresentar uma música num programa, que tinha o João Roberto Kelly, que era às quartas… Terça ou quarta-feira, durante a semana. Nesse programa ia muito estudante assistir e esse amigo falou assim: “Olha, eu arrumei para vocês tocarem uma música lá no programa do João Roberto Kelly. “Pô, legal.”
Fomos para a TV Rio. Ele falou: “Lá naquele canto do estúdio”, que era o depósito da maquinaria. O depósito da maquinaria era onde guardam cenários e aquelas... Queijos de madeira e aqueles troços redondos - a gente aprendia aquilo quando estava na televisão, a gente conhecia aquelas coisas. Agora não entendo muito, não. Muita coisa já esqueci, já mudou.
“Ensaia ali que eu vou lá falar com ele.” Começamos a ensaiar a música que a gente ia tocar. Ele foi tocar com o João Roberto Kelly, ele tem que chegar muito antes do programa. Daqui a pouco ele veio com o João Roberto Kelly - ele muito simpático, muito educado. Cumprimentou todo mundo. Olhou assim: “Parabéns...” Aí saiu com esse rapaz.
Esse rapaz chama-se Alfredo, Alfredão, porque ele era altão, sabe, bem alto. Daqui a pouco o Alfredão voltou: “Olha, prepara mais uma música, vocês vão tocar duas.” Ele começou o programa, tocamos duas músicas; aquela turma toda - porque era um conjunto, tocávamos de tudo, música jovem - aplaudiu tanto, pediram bis e ainda tocamos três músicas. Depois ele convidou a gente para fazer o programa.
Depois nós arrumamos uma apresentação no programa do Jair Taumaturgo, na Festa do Bolinha. Naquele tempo, tinha um conjunto dos Aranhas, que era um conjunto que eu acompanhava os cantores, os calouros. Tinha os Aranhas e tinha uma outra, uma miniorquestra lá, que eu não estou lembrado o nome. Começamos a frequentar a TV Rio, de vez em quando tocávamos uma música, até que o Jair convidou a gente para tocar porque os Aranhas já estavam meio dispersivos. Nós entramos no lugar dos Aranhas para acompanhar os artistas.
Tinha uma morena muito bonita, cabelos compridos, pretos, linda, maravilhosa, chamada Marilande. Ela cantava no Clube do Guri e esses meus colegas já a conheciam. Eu não conhecia. Ela também cantava na Festa do Bolinha, cantava muita música do Roberto Carlos. Uma vez, o Roberto Carlos foi ao programa, tirou até foto com ela, tem guardado lá. E eu a conheci lá.
Nós a convidamos uma vez para fazer uma boate. Boate era um baile que você fazia, por exemplo, das oito à meia-noite, no meio da semana. Por exemplo, quarta ou quinta-feira, você fazia aquele bailinho de oito à meia-noite. Como a gente estava na televisão e acompanhava muito bem os cantores, a gente pegava o disco deles, fazia o arranjo, ele, às vezes... Quando a gente ia fazer shows, não precisava nem ensaiar: “Quem está aí? É o Bossa e Música.” Aí ele fazia sinal que ia cantar. A gente já tinha o arranjo, o Egídio fazia o arranjo e a gente acompanhava.
Convidamos a Marilande. Ela morava em Coelho Neto; naquela época só eu que tinha carro, era um Jeep que era do meu pai. [Disseram:] “Como é que vai fazer? Vai tocar na Maria da Graça?” “Bom, eu posso ir lá buscá-la.” Fui buscá-la em Coelho Neto, ela cantou lá. Aí depois... Começamos a namorar. Ela continuou cantando.
Foi assim que eu conheci a minha esposa. E esses bailes que a gente fazia em Maria da Graça, essas boates… Na época das férias, a gente convidava cantores que... Não eram artistas que faziam muito sucesso, mas na época cantavam sempre no programa dele; convidava, eles iam lá.
P/2 – Qual era, mais ou menos, o repertório do Bossa e Música?
R – Naquela época, era época do “ei ei ei ei”, mas a gente tocava de tudo. A gente tocava valsa. Eu lembro que nós fizemos um baile no Clube dos Sargentos no Rocha e teve uma solenidade, nós tocamos até o hino nacional, porque eu e o César tocávamos em banda. A banda toca isso tudo, só que eu estava no baixo e ele no piston. E a gente tocava hino nacional, o hino da cidade do Rio de Janeiro, que ficou oficializado depois. Todo mundo usava aquela música como hino, depois oficializaram “Cidade Maravilhosa” como o hino da cidade do Rio de Janeiro e a gente tocava isso tudo.
Então a gente estava preparado: a gente fazia baile de formatura, tinha que tocar uma, duas valsas. Tocava baile dos... A gente tocava de tudo: bolero, samba, valsa, marcha, tudo o que era necessário. Com isso, a gente conseguia arranjar muito baile também. O que estragou a gente foi quando começou a vir a discothéque, aí começou a enfraquecer. Foi quando a gente começou a acabar o conjunto de baile para trabalhar: fazer show, acompanhar artista, tocar em televisão, inauguração de supermercado.
P/2 – Conta para gente como foi essa época, em termos de moda? Como é que vocês se vestiam, onde vocês iam comprar as coisas? Existia um point onde... Nesse momento de juventude?
R – Ah, tinha. Naquela época de jovem a gente tinha muita influência das roupas dos artistas que a gente gostava. Calças Saint Tropez, boca de sino, botinha do Motinha. Motinha era um loja que fazia botas aqui na... Aqui, parece pela Mendes Sá, se eu não me engano. Mas uma bota do Motinha era cara, não era todo mundo que podia ter uma bota do Motinha e era sob medida, entendeu? Eu cheguei a comprar uma. (risos) Consegui comprar uma. Eu usava bota de outros fabricantes. As roupas eram assim.
P/2 – Compravam onde? Lembra outras lojas de roupa?
R – Bom, eu, por exemplo, nunca... As coisas nunca foram muito fáceis para mim,
mas eu morava em Maria da Graça, eu comprava muito tecido na Nova América, tinha muito tecido bom. A Nova América fabricava tecido de alta qualidade. Eu comprava o tecido e tinha uma senhora lá no Lins que fazia os blusões para mim, fazia calça, entendeu? Então comprava o tecido da Nova América, escolhia o modelo que fosse, ela fazia muito bem feito, legal.
No conjunto, não. Depois, quando fizemos o conjunto de baile, nós andamos fazendo alguns uniformes, porque você tinha que se apresentar de uniforme. Às vezes um baile mais à vontade, a gente ia até com roupa avulsa. Cada um botava uma roupa meio extravagante.
P/1 – Como é que era esse uniforme, mais ou menos?
R – Olha, nós fizemos uns uniformes bacanas. Os tecidos bonitos. Não era de lamê, porque naquela época a gente condenava o lamê, fica muito esquisito. Mas tinha um tecido bonito, bem diferente do normal. A gente fazia camisa até com camisa com rendas, uma gravata... Gravata borboleta de veludo. Nós fizemos um uniforme branco, uniforme preto... O uniforme era mais para bailes sociais, de formatura, um baile mais importante, como uma comemoração. Aí a gente tinha que ir de uniforme.
P/1 – Explica aqui para gente como foi essa transição sua da música para o comércio. Como é que foi isso?
R – Isso foi o seguinte: chegou uma época, eu senti que o meu pai começou a querer me puxar para loja. Eu estava naquela influência da música, fazendo muito baile e ele também ajudando. Chegou uma época que o meu pai falou assim...
Nós tínhamos um problema para transportar os instrumentos porque o conjunto, quando eu... Quando eu entrei no conjunto, o conjunto já tinha um ano. Aí entramos eu e o Julinho. O Julinho era um moreninho, está vivo até hoje, muito simpático, daquele que as garotas ficavam louquinhas por ele. Ele entrou como instrumentista, como percussionista e o sonho dele era cantar. Aí eu falei: “Julinho, por que você não...” “Ah, eu acho que o pessoal não vai deixar eu cantar.” “Você vai cantando, vai treinando.”
Ele começou a cantar; ele progrediu muito, cantando. E quando nós entramos no conjunto, porque o conjunto era muito… Como se diz, era um conjunto muito familiar... Muito doméstico, entendeu? Era coisinha de… Porque era uma coisa normal. O César era mais novo, a menina que cantava era do Clube do Guri, depois ela saiu. A mãe a acompanhava, a mãe e o pai do César o acompanhavam, entendeu? Às vezes, a mãe do outro menino também acompanhava, então ficava aquele conjuntinho de família. Não que nós não fôssemos família, talvez esteja usando a expressão errada, mas [era] uma coisa muito doméstica, menos profissional.
Aí eu entrei no conjunto, o Julinho entrou. Nós começamos a mandar umas outras ideias e modificar repertório e o conjunto não tinha teclado, era acordeom. Esse rapaz fazia o arranjo, ele era... Tocava acordeom, o conjunto também fazia... Quando fazia apresentação, ele fazia uma mistura porque o rapaz do acordeom tocava piano, aí o baterista tocava violino, então, às vezes, num baile... Como se fosse um show revezado.
Bom, quando nós entramos para o conjunto, o meu pai [estava] dando uma ajuda, incentivando. Quando começamos aumentar o instrumental do conjunto, aí começamos a comprar uma bateria nova, teclado e iluminação. Aquilo, a gente já não podia levar num carro só, aí tinha que alugar uma Kombi. Aí o meu pai falou assim: “Eu acho que vou comprar uma Kombi para você. Você aproveita, faz o frete dos instrumentos; já é mais um dinheiro que você vai ganhar.” Tudo bem. Um belo dia, ele falou assim: “Olha, chegamos a ver Kombi, podia [ter] uma Kombi para levar os instrumentos e outra para levar os músicos.” Chegamos a ver na época, ver a Kombi. Um dia, o papai falou assim: “O Jorge, olha, negócio é o seguinte; ao invés de comprar a Kombi, eu vou fazer o seguinte: vou comprar a parte na sociedade do seu...” Um sócio que tinha lá, que era sócio-cotista “e vou botar no seu nome.”
P/1 – O sócio que o senhor disse, sócio...
R – Sócio-cotista. “Eu vou botar para o teu nome.” Eu falei: “Tá legal.” Eu estava sentido, mas, pô, legal, não me incomodei, não. Comecei a trabalhar na loja e na música, só que pouco tempo eu tinha para loja porque era ensaio todo dia - fazia show de inauguração de supermercado, um show... Tinha muito antigamente. O camarada armava um palanque na frente do supermercado e convidava vários artistas. Nós chegamos fazer isso na ilha do Governador, em Madureira, em vários lugares.
P/1 – O senhor lembra de algum supermercado, em particular, na Ilha do Governador?
R – Supermercado?
P/1 – É, que você tenha feito.
R – Na época, quem inaugurava o supermercado era Haroldo Eiras, da Rádio Guanabara e ele tinha os esquemas dele de produção. Eu não vou falar que é para não errar, porque eu não lembro agora o nome do supermercado, que hoje em dia é tanto... Os supermercados mudam, até esses mais recentes já mudam. Tem o Pão de Açúcar, hoje já não é mais Pão de Açúcar, já mudou para não sei o quê. Esses já são antigos, isso já tem... Calcula isso aí quanto tempo tem. Mais de trinta anos -
trinta anos tenho de casado, tem mais. Se bem que eu estava na música ainda, eu casei em 1973 e o meu pai teve infarto em 1974, foi quando eu parei na música e fiquei só na loja. Setembro de 1974. Mas para você ver, de 1974 para cá, quanto tempo tem isso? Tem muito tempo. Então, não lembro um supermercado que o Haroldo Eiras… Cada disc-jockey tinha a sua produção. Ele inaugurava um supermercado, então ele ia lá, chamava os artistas.
P/1 – Quando o senhor começou no Mercadinho do Papai, como era a Praça XV, como é que o senhor se lembra? Como era o comércio, como funcionava?
R – Quando fui para o Mercadinho do Papai… Eu fui em 1967 começar a trabalhar com o meu pai e naquela época eu ainda era músico, mas eu ia... Tinha muito ensaio, eu não ia todo dia. A partir… Até trabalhar com ele, até 1967, o meu pai nunca tinha tirado férias, então eu fui para lá, ele foi para o Sul de férias. Fiquei tomando conta da loja. Eu só ia de vez em quando.
Mas nós saímos porque em 1967, quando eu comecei a trabalhar, a loja já era na Travessa do Paço. A loja, que era onde tinha aquele espaço que eu falei da STBG, que tinha aquele mercado… Eles pediram, naquela época eu acho que era Cantareira, pediram o prédio. O papai teve que sair dali. Se eu não me engano, foi em 1965 e viemos para ali...
P/1 - Ele gostou dessa mudança ou não gostou muito?
R – Na época não, porque lá nas barcas tinha muito movimento. E tinha também um movimento daquelas barcaças que levavam os automóveis. Os carros faziam fila ali [na Avenida] Alfredo Agache - ainda existe Alfredo Agache, um pedacinho dela. não é bem rua agora, agora é um calçadão.
Tinha duas barcas. Tinha uma barca que saía dali, do lado de onde tinha esse Mercadinho do Papai, e tinha outra lá embaixo, perto da Polícia Federal, que agora é Polícia Federal... Não sei o que portuária lá, tinha outras barcas lá. Lá era Valda, se eu não me engano. E aqui era Cantareira. E naquela época, que o mercadinho era ali, tinha muito movimento [do] pessoal que atravessava as barcas para pescar lá do outro lado, Niterói, naquelas praias de... Do outro lado, que é Piratininga e Itaipuaçú, Cabo Frio. Todo mundo atravessava por ali.
Nós viemos aqui para Travessa do Paço. Aquela travessa era um deserto, não tinha nada ali, nada. Inclusive aquela loja onde nós estamos, tinha uma outra firma ali, que ficou até... Ficou ainda com um geralzinho lá dentro durante um período, até terminar o contrato deles. Depois eles passaram o contrato direto para a nossa firma, porque o prédio pertence a Irmandade da Igreja São José.
Ali era deserto, não tinha o movimento que tinha lá. E não parece nada, a distância não é muito grande. Mas modifica também muito o tipo de artigo. Tem artigos que você deixa de vender, tem outros que a pessoa procura. Dá uma modificação grande.
P/2 – O quê, por exemplo? O que vocês tiveram que parar de vender, o que vocês começaram a vender com essa mudança?
R – Talvez por influência dos marinheiros, das barcas, vendia-se muita faca, talher,
além de artigo de pesca. Coisas que deixou de se vender: marmita, prato, caneca, talher, coisas que usavam no dia-a-dia. Eu acho que na embarcação estavam sempre perdendo aquilo ou caía dentro da água. Outras coisas também, que agora eu não estou lembrando.
Nessa época, eu não estava trabalhando lá, mas eu sei que quando a loja mudou dali das barcas para a Travessa do Passo, algumas mercadorias dessas foram para lá, lógico. Eu mesmo, chegando em final de 1967, ainda peguei estoque dessas mercadorias que ficaram no saldo, encalhadas. Muitas coisas que... Agulhas para marinheiro costurar, fazer determinadas costuras que eles fazem de marinharia. Tipos de linha que o marinheiro usa muito.
Ali na Travessa do Paço era bem deserto. Do lado, hoje tem um bar e um restaurante. Ali era um depósito de banana. Não tinha nada a ver ali. Debaixo daquele edifício 23 que tem ali, que tem aquela churrascaria... Não tinha churrascaria, não tinha nada. Aquilo inclusive estava vazio, estava para vender.
Depois foi criado também... Não existia o Palácio da Justiça. O Palácio da Justiça não era ali. Aquilo ali era um terreno baldio, tinha outras coisas ali. Depois, com a vinda do Palácio de Justiça para ali, poxa... Até o Edifício-garagem Menezes Cortes também não tinha naquela época. Foi criado depois.
P/2 – Como era o comércio da região? Como o senhor classificaria? O que se vendia mais depois dessa mudança?
R – Nossa loja vendia de tudo, tudo quanto era material de pesca. A gente também pegava fregueses de Niterói porque ali é passagem, a pessoa de Niterói comprava com a gente, como muitos compram até hoje; de lá da Ilha de Paquetá, também compram com a gente.
Você muda de um lugar para outro. Quando é uma firma grande, pode fazer propaganda, na televisão, no rádio: “Nós estamos em tal lugar.” Uma firma pequena não pode fazer isso. Você não tem grana para investir na mídia, então você põe um panfletinho aqui, outro... Às vezes, você perde um pouco de cliente, embora a distância seja pequena.
Sempre o básico foi artigo de pesca e mais o chimarrão. A gente vendia erva de chimarrão desde quando eu contei… [Desde] quando o papai começou numa loja chamada Casa Barcas de comestíveis, na Rua Clapp, que foi abaixo por causa da Perimetral, ele continuou vendendo chimarrão para não deixar o pessoal do chimarrão. As outras coisas [se] encontrava, mas o chimarrão era difícil, então tinha pessoas que vinham para o Rio de Janeiro [que], já vinham até com indicação de outro: “Olha, se quiser chimarrão, lá no Mercadinho do Papai você encontra.” P pessoal foi passando isso. A gente sempre vendeu muito artigo de pesca e que também vendia o chimarrão e o mate queimado - mate nacional de excelente qualidade. Vamos fazer um elogio às nossas coisas, que… Tem fregueses nossos que compram chimarrão para mandar para fora, para amigos que estão fora daqui e tomam chimarrão, mate queimado. Fora de pesca, só o chimarrão e o mate queimado.
P/1 – Qual é a história da que a razão social é uma e o nome fantasia é outra? Qual é a história de nomes da...
R – A história é a seguinte… O nome Mercadinho do Papai, ele ficou por quê? Porque quando ele saiu do ramo de... Ele estava colocando a pesca dentro da casa de comestíveis, começou a progredir e foi para esse prédio das barcas que, antigamente, se eu não me engano, era Cantareira. Na frente desse prédio, é um prédio antigo e tem um espaço grande por dentro. Eles trabalharam por dentro, fizeram tipo um galpão; ali dentro tinha várias lojas. Do lado de fora, eles colocaram Mercadinho do Papai. Não sei quem colocou isso, talvez alguém que criou aquele espaço para alugar.
Lá dentro tinha várias firmas com razões sociais diferentes. Eu falei na Casa do Charque, aqueles negócios todos e a nossa... Quando o papai foi para lá, ele tinha que registrar a firma. Ele nunca muito ligado nessas coisas. Até para... Se ele comprava um carro para escolher, “qualquer cor está bom”. “Qual é o nome que o senhor vai colocar na firma?” A pessoa vai criar uma firma, vai escolher, vai pensar. Ele não sabia o nome que ia colocar. Olhou o pacote de chimarrão. Naquela época, [havia] um chimarrão chamado Gaúcho. Ele “Bota ‘Casa Gaúcha’.” Ficou a razão social até hoje, Casa Gaúcha de Artigos de Caça e Pesca Limitada. Quem conhece por esse nome são os nossos fornecedores, porque 99% dos clientes só conhecem como Mercadinho do Papai.
Quando entrei na loja, nessa época, fiquei um pouquinho preocupado com isso. Eu falei para ele: “Olha, vamos registrar esse nome, “Mercadinho do Papai”, para evitar problemas.” Fizemos um registro dessa marca e [a] usamos até hoje.
P/2 – Seu Jorge, essas outras casas que existiam, o antigo Mercadinho do Papai, Casa do Charque, o senhor falou... Pode citar os outros nomes depois para gente e dizer o que aconteceu com essas casas dali, que eram casas também tradicionais?
R – A Casa do Charque era uma casa, tipo um supermercado, e o forte deles era salgados. Acho que, com o tempo, mudou o grupo ou mudou de nome. Uma firma quando é muito grande, às vezes [os sócios] encerram aquela razão social e abrem outra ou vendem, aí a pessoa que compra muda o nome.
A Casa de Biscoitos, eu sinceramente eu não sei porque nessa época não frequentava a loja. O açougue Santo Agostinho… Uma vez na vida, outra na morte, o seu Agostinho aparecia lá na loja: “Oh, tudo bem?” Sei que o seu Agostinho mudou o açougue dele para outro lugar.
O bar eu não sei, mas alguns funcionários daquele bar trabalharam no outro bar que tem ali, onde tem a posição da Alfredo Agache, que agora tem o Mergulhão. A parte de cima era Alfredo Agache. Ali tinha os bares, ainda tinha alguns rapazes que trabalharam ali - o caixa, o gerente, trabalhando ali. Eu conheço de vista alguns ainda, às vezes vejo.
A parte do centro, que tinha as gôndolas de fruta, está ali na esquina de onde eu tenho a loja: é o Príncipe das Frutas, o seu
ngelo e o Francisco. Eles são sócios, estão ali, bem na esquina. E tinha uma outra... Eu tinha também uma espécie de uma gôndola que era de laticínios e queijos e presuntos. Tinha o seu Sodré [que]
trabalhava lá. Aquilo ali, eu acho que acabou. O filho dele trabalhava com ele; quando eles mudaram de lá, que aquilo acabou, ele trabalhou com a gente lá na nossa loja, o Celso. O Celso trabalhou vários anos com a gente, depois saiu e foi ajudar... Foi trabalhar numa loja de flores, o rapaz queria colocar alguma coisa de pássaro e tudo. Como ele trabalhou com a gente, ele foi para lá gerenciar esse novo lado da loja e dali, depois, eles compraram a loja em Friburgo. Depois montou a loja para ele, mas infelizmente ele já faleceu.
P/1 – Senhor Jorge, o senhor falou que antes não tinha o Palácio da Justiça, logo que vocês mudaram. Lá era um terreno baldio, tinha outras coisas. Qual foi o impacto para a loja da construção do palácio ali? Aumentou a clientela? Vocês têm um cliente de lá, tem um...
P/2 – Assembleia também...
P/1 – Assembleia também.
R – Assembleia, o Palácio da Justiça ali é muito importante. O Palácio da Justiça, para todo mundo ele movimenta muito. Tem um movimento muito grande ali de advogados, de juízes, de pessoas que têm serviços a fazer.
Conheci meninos que trabalhavam lá dentro, na época do bagrinho. Eu não sei se vocês já ouviram falar nisso: ‘bagrinho’ era o nome que se dava àqueles garotos que trabalhavam lá dentro, mas que não eram funcionários de lá de dentro. Serviam cafezinho, compravam uma outra coisa, uma água, uma bala. Eles permitiram. Depois de um determinado tempo, eles cortaram isso.
Conheci esses rapazes [quando eram] garotos. Hoje já são homens com família constituída. Garotos bem novinhos mesmo, não só de lá do Palácio de Justiça, também no dia a dia a gente conhece menino de rua, menino de rua que quer engraxar sapato. Hoje, tem uns que eu conheço que já são chefes de família, que graças a Deus, seguiram. Uma criança solta na rua está sempre, a qualquer momento, [exposta a] aprender coisa ruim.
Eu, pelo menos, sou um cara muito emotivo. Fico muito satisfeito quando vejo um menino desse crescido e pelo aspecto dele você vê que está melhor do que quando começou. Eu tenho um funcionário que trabalha comigo, que ele... Ele era menino de rua. Eu já o conhecia daqui, da Praça XV, de vários anos. Ele já trabalhou em várias coisas e [em um] determinado tempo foi trabalhar comigo. Ele, desde criança, na rua e não foi para o lado ruim, até hoje é uma pessoa… Eu gostaria de falar para vocês que até agradeço estar aqui nesse momento, porque ele está lá tomando conta da minha loja. Ele trabalha comigo. Ele... Já o conheço muito, você pode deixar ouro em pó na mão dele. [É] pessoa de confiança.
Quando a Fátima me convidou, eu coloquei umas condições: “Olha, eu vou precisar de você na terça-feira” porque agora está fazendo serviço de conserto, então ele já não fica, precisa cumprir o horário todo comigo. Ele conserta e vai, às vezes, resolver lá os problemas dele. Falei: “Terça-feira eu vou precisar de você.” Aí ele falou: “Está legal.”
Hoje ele estava lá. Era um menino de rua, entendeu? E ele tem filhos criados, tem...
P/2 – Senhor Jorge, só um minutinho. Em relação... Qual o perfil da época quando o senhor se mudou para essa nova loja, a Mercadinho do Papai antiga? Qual era o perfil comercial daquela região e como é hoje em relação à venda dos artigos que o senhor vende? Existem outras lojas especializadas em artigos de pesca na região ou não existem mais?
R – Não, existem sim.
Eu vou ser sincero a você, eu sempre tive medo de incomodar, de chatear, de contrariar as pessoas. É difícil eu visitar a loja de um concorrente porque, às vezes, eu fico com medo que ele possa achar que eu estou lá especulando, bisbilhotando. Eu não quero incomodar ninguém. Mas, graças a Deus, eu tenho contato com todos eles. Eles me telefonam, a gente bate um papo.
Aqui na Rua do Ouvidor tem duas lojas: tem a Casa Lírio, tem lá o Renato, que antigamente tinha o outro menino que... Filho do Lírio, mas ele é policial, se afastou. O Renato está tomando conta da loja. Tem a Bazar Marinho, que é na esquina da Ouvidor com Travessa do Comércio; é do Jorge, meu xará, só que ele é engenheiro, trabalha com construções e não fica lá. Mas a loja é dele.
Tem a Big Pesca, lá na rua do Acre, que é do Big - o apelido dele é Big. Também me dou muito com ele. O Big, inclusive, antes de abrir a loja dele, era meu freguês e ficou lá durante muito tempo. Todo dia ele ia lá na loja, a gente almoçava junto. Às vezes eu brinco com ele, que antes de abrir a loja dele, ele fez um estágio comigo. (risos) Mas as pessoas vivas têm que ser assim.
O Big da Big Pesca tem uma loja... Tem uma loja nova na [Avenida] Marechal Floriano. Tem uma loja antiga, que é a Caça e Pesca do Rio, que eu não sei se é mais antiga que a nossa porque a nossa tem 46 anos. Talvez a Caça e Pesca até seja mais antiga. É uma senhora que está lá gerenciando, eles trabalhavam com armas e munição. Eu não trabalho com armas e munição, trabalho só com armas de ar comprimido, carabina.
Tem o senhor Hajime que é [da] King’s Pesca, na [Avenida] Rio Branco, subloja. É até um edifício conhecido - se eu não me engano, é Marquês de Herval. Seu Hajime, ele é japonês. Lá em Copacabana tem o Vareta - o Vareta também era meu cliente. Vareta Caça e Pesca é do Paulo Vareta, Paulo Granadeiro - vareta é o apelido porque ele era alto e magro. Eu também me dou muito bem com ele. Acho um gesto muito bonito: quando ele foi abrir a loja dele, nós estávamos competindo na Ilha do Mocanguê e ele era... Eu sou de um clube, do Pampo Clube de Pesca e ele era de outro clube naquela época, os Cocorocas. E aí ele falou: “Jorge, depois da prova quero falar com você.” Eu falei: “Está legal.” Aí acabou a prova, ______. “Oi, Paulinho, tudo bem?” “Ah, Jorge, eu queria falar com você. Sempre fui seu cliente, desde criança. Eu estou abrindo uma loja, então gostaria de comunicar a você.” Aí eu fiquei até emocionado, falei: “Pô, Paulinho, que legal. Se depender de mim, eu estou aqui para te ajudar.” Eu achei o gesto dele bonito porque ele era meu cliente, estava abrindo uma loja.
Então tem o Paulinho da Vareta, lá em Copacabana. Tem, parece que uma loja também, Cheiro de Mar. Acho que é na mesma rua dele, aqui no centro [de] Copacabana.
P/2 – E as casas que fecharam? Existiam outras casas com... Não se adaptaram aos tempos e fecharam?
R – Olha, eu... Ao certo, eu não sei te dizer por que. Talvez porque, naturalmente… Você sabe: você abre uma casa comercial, você depende do movimento. Aquilo não pode ter dado movimento; às vezes, a pessoa imagina uma coisa e é outra. Existem ramos que têm muito mais retorno. Eu segui o caminho do meu pai, nós temos uma vida simples. Eu não tenho riquezas, não sou… Então, é uma coisa...
Às vezes, a pessoa pode imaginar que vai ficar… Vai criar uma fortuna muito grande na pesca, mas não pode esquecer que a nossa pesca é voltada... É mais para pesca amadora. A pesca é um artigo supérfluo, não vai fazer falta se você... Você pode sentir falta de pescar porque está acostumado a pescar, mas não é como a comida, uma roupa. Você tem que se vestir, mas assim mesmo você pode usar uma roupa mais velhinha, um sapatinho velho.
Não vai fazer falta se você vai deixar de comprar um material. A pesca tem esse lado. Às vezes, a pessoa pode se iludir, achar que está criando uma loja de artigo de pesca que vai ter muito retorno e, às vezes, não tem. Mas existe o outro lado, que eu gostaria de falar. Às vezes, o sucesso também pode ser de uma concorrência que existe hoje, não só na pesca: a concorrência de camelô, camelôdromo, [que] não tem as obrigações, as despesas que uma firma tem. Às vezes, o camarada… Lógico, quem não quer comprar a mesma coisa mais barata?
P/2 – O senhor lembra de uma casa de tradição que não tenha perdurado? Uma loja que o senhor lembra da infância, que o seu pai contava ou que o senhor tenha visto e fechou.
R – Dentro do nosso ramo?
P/2 – No ramo de pesca.
R – Fora do nosso ramo, a gente tem vários exemplos, né? A gente conhece nomes famosos que fecharam.
P/2 – Dentro do ramo de pesca.
R – É o que eu costumo fazer. A nossa, que não tem nem tamanho, a gente está se segurando esse tempo todo.
Tem, por exemplo, a Casa Tubarão, que é uma das casas, talvez, mais fortes no Rio de Janeiro. Eles tinham três lojas: uma loja na Rua do Mercado, uma loja na Rua do Ouvidor e uma loja na Travessa do Comércio. Depois eles fecharam uma, abriram uma na Rua do Acre. Eles foram diminuindo, depois fecharam.
Eu acho que o Tubarão também fechou não... Talvez por falta de material humano. Nosso ramo é difícil; você coloca um anúncio de um funcionário para uma loja de artigo de pesca, é difícil você encontrar. Pode até parecer um monte, mas você vai ver, ele não tem... Você tem poucas lojas de artigo de pesca e poucos são aqueles que trabalham na loja de pesca que têm, vamos dizer assim...
P/1 – Conhecimento.
R – Conhecimento bastante. Eu tenho um funcionário na minha loja que tem 45 anos. Eu tinha outro, agora saiu porque ele teve um princípio de derrame; tinha 46 anos, entendeu? Teve esse derrame no carnaval, aí não pode mais trabalhar, saiu. Tenho mais dois funcionários. Você leva muito tempo porque além de você... É complexo o material, a pessoa conhecer, saber nome, tem variedade de tamanho. Além disso tudo, você tem que saber explicar para o cliente o que ele vai usar para determinado peixe. Você tem que conhecer os peixes, como os peixes comem - se comem em cima, embaixo, no meio, no fundo. Qual é o tipo de anzol, porque além dos peixes serem diferentes, uns pegam em isca... São da classe dos predadores, então eles pegam a isca em movimento ou então uma isca viva. Outros já comem no fundo. Além disso, tem que saber mais ou menos o que ele vai pescar porque também tem o tamanho do anzol. Às vezes o peixe é grande, mas tem a boca pequena. Às vezes o peixe é pequeno, tem a boca enorme. Pelo menos os principais, você tem que conhecer. Isso leva tempo.
Numeração de linha, numeração de anzol, tem vários fabricantes.
P/2 – O senhor ensina isso para os funcionários ou...
R – Eu ensino e o meu funcionário mais antigo ensina. Isso vai passando de um para outro.
P/1 – Seu Jorge, o senhor falou que fazia parte de um clube de pesca. Qual é o nome desse clube? Há vários clubes de pesca no Rio, né?
R – Existem vários clubes.
P/1 – Tem algum clube específico que tem mais clientes seus? Como funcionam esses clubes?
R – Olha, o meu clube... O clube que eu faço parte chama-se Pampo Clube de Pesca. Ele foi fundado mais ou menos na época que eu comecei trabalhar com o meu pai - 1967, por aí.
Meu pai não foi o fundador do clube. Nós entramos um ano, dois anos depois, mas o meu pai trabalhou muito pelo clube. Ajudou a fundar a sede de praia, que é lá na Praia de Jaconé, durante muitos anos foi capitão da equipe de pesca e foi diretor de pesca durante muitos anos. O clube tem vários títulos de campeonato carioca, de campeonato brasileiro, tem muitos títulos. Estamos preparando um site para o clube, para colocar isso na internet.
P/2 – O senhor dá desconto para o pessoal que é do clube do senhor e deixa o preço normal para os outros clubes ou não? Como é que o senhor faz?
P/1 – Facilidades…
R – Não só para o meu clube porque o negócio é o seguinte: a pesca esportiva é uma coisa, a pesca recreativa é outra. A pesca esportiva usa material específico.O pescador de pesca esportiva é mais cuidadoso, escolhe coisa boa; ele cuida, ele faz o material dele. Nessa criação de material, às vezes, ele descobre um detalhe que fica até como segredo para obter mais resultado na competição.
Já o pescador de pesca recreativa é aquele que pesca sábado, domingo, quando ele tem folga. Ele gasta mais material, o competidor não. O competidor cuida do material dele, chega em casa, limpa. Ele usa um material, às vezes, mais caro do que o de pesca recreativa, então o material na mão do competidor dura muito. O competidor pesquisa muito, manda vir de fora, o amigo traz. Não é muito freguês, não.
P/2 – Como é essa questão dos fornecedores? O senhor compra muito importado, tem uma boa indústria nacional dos produtos que o senhor vende?
R – Hoje em dia, material nacional tem pouca coisa. Existem poucas indústrias de material. Agora, vamos dizer assim, já está ficando melhor, porque antigamente todo mundo reclamava que o japonês copiava tudo. “O japonês copia tudo e faz mais barato.” Mas eu estou sentindo que a indústria brasileira também está crescendo, está copiando e está fazendo bem. Eu não acho isso muito ruim, não. Se não fizer de boa qualidade, ninguém vai aceitar um produto desse.
Molinete, hoje em dia a gente só tem uma fábrica no Brasil, que é a Paoli. As outras já foram todas para o vinagre. O molinete Paoli é copiado do molinete estrangeiro, mas feito com qualidade. Até molinetes estrangeiros, muitos estão parando por causa da indústria… Eu acho que é considerada como o Tigre Asiático, né? China, Coréia, Tailândia, não sei o quê. Parece que é isso. Eles estão fazendo um monte de material, mas de qualidade bem ruim. Você tem que escolher muito bem o material.
Além de fazermos o comércio de material de pesca, nós temos oficina de conserto de molinete, de carretilha, fazemos conserto de varas, reposição de peças, trabalhamos com isso. Foi uma coisa que desde o meu pai começou a trabalhar... No início não existia o que existe agora, é lógico. Só existia um tipo de material que era carretilha Penn, americana, um molinete Ru Atlantic, que era francês, e um molinete Soft veio um pouco depois, era português. Na época, não tinha ninguém que mexesse nisso. Ele começou a mexer, consertar e nesses anos todos, a gente sempre fez manutenção, lubrificação, conserto, reposição de peça desse material.
P/1 – Senhor Jorge, qual o produto mais vendido da loja?
R – Mais vendido tem que ser anzol porque o anzol agarra, ele prende. Ele enferruja porque você sempre gasta mais anzol. Tem algumas outras coisas que quase vão juntas - a linha, às vezes, prende também, arrebenta. Com o tempo, com água salgada, ela vai enfraquecendo. Mas o que gasta mais é anzol mesmo. Vamos dizer,
o que é mais barato da pescaria é o anzol.
P/2 – Descreva a loja do senhor e os outros serviços que ela presta também de conserto, outros serviço, como assessoria… Descreva como é a loja do senhor fisicamente e o que é a loja enquanto serviço.
R – Bom, essa loja fica na Travessa do Paço, atrás da Igreja São José. Aquele prédio todo pertence a Irmandade da Igreja São José. Nós temos na entrada [uma] vitrine com molinete, com vários artigos. Nosso balcão tem uma característica já de muitos anos: a parte de cima do balcão _____ várias gavetas, então o freguês… As gavetas têm essas divisões: todas aquelas divisões estão completas com anzóis de vários tipos, vários tamanhos. Nesses galpões não dá para completar todas as quantidades de anzóis porque existe uma quantidade enorme de anzóis.
Trabalhamos com tudo que é possível da pesca: molinetes, varas, linhas, grampos, distorcedor, haste e chicotes, que muita gente chama de pargueirzinha ou pargueira, para pescaria de fundo. Nós procuramos ter todo material de toda modalidade de pesca, ou seja, material para pescaria de praia, para pescaria de costão, para pescaria embarcado. [Temos] algum material para pescaria oceânica - o material é um pouco limitado porque o pessoal que faz a pescaria oceânica, a maioria deles são pessoas de poder aquisitivo alto, viajam muito, trazem material de fora. Então...
P/2 – Pescaria de rio não tem nada?
R – De rio também, pescaria de rio...
P/2 – Tem cliente para pescaria de rio?
R – Tem. O pessoal aqui usa muita pescaria de rio em grupos para temporada, porque tem... A pescaria de rio tem uma temporada certa para a pessoa ir, entendeu? Você não pode fazer uma pescaria de rio quando o rio está na cheia. Você já deve ter visto uma reportagem que tem, eu gosto muito de assistir... Tem um programa às sextas-feiras [que] mostra isso. Quando o rio está cheio, ele transborda, entra água por dentro da mata e o peixe também vai embora. Ele se afasta, ele vai ali por dentro; às vezes fica escondido, então dificulta a pescaria. A época de pescaria de rio é na vazante, porque a água está passando só no veio do rio, então o peixe está concentrado ali. Ele não está espalhado por dentro da mata. No Globo Repórter de sexta-feira passada estava até mostrando o peixe pulando de dentro d’água para pegar alimento na ponta do galho. Com a enchente do rio, a água se espalha por dentro da mata e os peixes vão para lá.
P/2 – Então, quer dizer, além de vender o produto, consertar o produto, o senhor ainda pode dar dica para o leigo que chegar lá. O senhor ensina o cara a pescar?
R – Ah, com certeza, por isso que eu falei que a dificuldade e isso é um medo... Uma vez eu estava conversando com um cliente meu. Eu estava falando para ele, porque ele estava sugerindo que eu passasse, não...
Veja bem, eu não me considero o mais conhecedor de tudo. Eu tenho noções gerais da pesca, mas a gente... Por exemplo, que passasse… Ele falou até que existia um projeto do governo, eu falei: “Poxa, a minha vontade era criar uma apostila de orientação para quem quisesse trabalhar em loja de pesca.” Por exemplo, eu estou com dois funcionários novos, eles não sabem nada. Peguei até de revista, fiz cópia; fiz [uma] espécie de apostila para eles darem uma lida. Eles não vão conseguir assimilar tudo de uma hora para outra. Você tem o básico, você tem que passar logo, eles têm que entender logo, senão não vão atender o freguês.
Eu estava falando sobre o negócio da pescaria de rio. Aqui no Rio de Janeiro tem pouco rio, mas muita gente faz pescaria em rio. Muita gente faz grupo para pescar no Pantanal, para pescar em Manaus, no Araguaia, mas tem que ser aquela época certa. “Está na época da pesca no Pantanal, pesca do tucunaré.”Tem que ser nessa base. Se o camarada for fora da época, ele não vai conseguir pescar legal, entendeu? Então, forma os grupos...
P/2 – O que acontece lá influencia o que o senhor vende aqui?
R – É. Tem firmas que já têm… Vendem passagem, tem hotel, tem tudo. É um pacote e já tem o barco lá, com ar condicionado, com tudo direitinho, vão para determinados lugares. Esses barcos carregam lanchas menores com piloteiro. Cada piloteiro leva três, quatro pescadores e saem para fazer a pescaria. Aí você tem que dar uma orientação básica porque como no futebol, a pescaria é a mesma coisa: cada pescador é um técnico. Você vai fazer a mesma pescaria, vou fazer uma orientação e o seu amigo chega para você: “Não, isso aí está errado, não é assim, não.” Você vai olhar, mas o fundamento é o mesmo.
P/1 – Vocês têm algum símbolo na loja, um...
R – Um logotipo? Tem...
P/1 – Logotipo.
R – Tem sim.
P/1 – Como ele é? Descreva esse logotipo e conte um pouquinho da história.
R – Ele já foi modificado, porque o papai não se preocupava muito com isso, não. A preocupação do papai era… Ele sempre falava: “Você tem que atender bem, tem que ter produto com preço bom e tem que fazer sempre... Procurar sempre ter o material que as pessoas precisam.”
Vamos dizer, você vai fazer uma pescaria de enchova, então você tem que ter tudo aquilo que o camarada precisa para pescar enchova, não basta ter uma coisa só. Se você for... Você vai comprar o material para filmar; [quando] você chega lá, o cara tem que ter microfone, tem que ter o cabo, tem que ter a tomada, o fusível, então você encontra tudo naquela loja. Você não vai comprar uma coisa e tem que ir na outra loja comprar outra, “está em falta.” Então ele sempre procura atendimento... Como a gente nunca pode ter recursos para fazer uma propaganda, então procurava dessa forma atrair o freguês.
Eu estou falando isso para chegar onde ele me perguntou. Ele não se preocupava muito com essas coisas, mas é uma coisa importante. Você cria o logotipo para a pessoa bater o olho e lembrar da sua loja. E eu, uma vez… Depois que eu trabalhei com ele, eu comecei a modificar algumas coisas, centralizar as coisas. Encontrei um recorte que ele tinha feito de um... Acho que era uma revista importada, feito uma caricatura, eu achei aquilo bacana. O camarada, um pescador, segurando um peixe assim, aí eu comecei usar aquele logotipo.
Depois, como o nosso nome é Mercadinho do Papai, quem não for da pesca não vai identificar muito. “O que é o Mercadinho do Papai?” É o mercadinho comum que vai vender um ou outro artigo qualquer. O logotipo era o pescador segurando o peixe, aí comecei a pensar assim: “Isso aí está parecendo uma peixaria, né? Mercadinho do Papai deve ser propaganda de uma peixaria.” Conversando com um amigo meu, que é arquiteto, eu falei: “Eu queria… Vê alguém que trabalha no ramo de desenho. Ele deve pegar esses personagens aqui e criar uma outra forma.” Eu não sei como é que dá o nome a esse artista que faz isso, mas cada profissão tem... O camarada que trabalha com desenho, ele pegar esses personagens aqui... O desenho do peixe é um peixe simpático, o peixe é simpático, embora esteja ali como se estivesse fisgado e morto, mas ele tem o olhinho engraçado. Aí ele fez uma modificação, botou o mesmo personagem com caniço na mão e o peixe na outra ponta. Durante um tempo eu usei aquele logotipo, depois foi modificado. Esse mesmo amigo fez um outro logotipo com barquinho e a gente está usando aquele outro logotipo.
P/2 – O outro tem o barquinho.
A gente está se encaminhando para o final...
R – Tem o barquinho com... Vamos dizer assim, um barquinho numa onda estilizada,
tem uma varinha com uma linha e tem o peixinho agarrado assim.
P/2 – Seu Jorge, a gente está chegando já ao final da entrevista, vou pedir para o André fazer...
P/1 – Bem, seu Jorge, o senhor contou a história de como conheceu a sua esposa. O senhor tem filhos?
R – Tenho três filhos.
P/1 – O que eles fazem?
R – O Márcio é técnico industrial e estava trabalhando comigo até outubro do ano passado. Ele foi convidado pelo engenheiro [com] quem estava fazendo estágio no SENAI para ir para Macaé. Eles abriram lá um laboratório, trabalham com _______, analisam isso; esse é o trabalho dele. Ele está trabalhando lá. O Márcio está com 24 anos.
A Luciana tem 26 anos, é farmacêutica, trabalha no La Freguine e está fazendo concursos. E Aline, mais velha, tem 28 anos, também farmacêutica. Hoje ela é tenente do Exército. Ela fez prova e se formou.
P/1 – O senhor gostaria que algum deles fosse comerciante e tocasse o negócio, já que o seu pai lhe preparou, mais ou menos, para continuar com o negócio?
R – Talvez o mais indicado seria o Márcio, porque... Não tenho nada contra as mulheres, não é nada disso. Ele é homem e normalmente o homem… Para loja de pesca, talvez seria mais indicado. Inclusive o Márcio, desde pequenininho, ia lá. De vez em quando, ele ia lá para a loja, sentava no colo do avô e o avô ficava lá consertando os molinetes. Ele pegava a chave de fenda e abria molinete. Hoje, esse meu filho Márcio conserta molinete, carretilha. Até as carretilhas mais complicadas, mais difíceis ele tira de letra. Deixo para ele ver; embora ele não esteja trabalhando mais comigo, ele sempre faz esse serviço. Mas eu não quero atrapalhar o caminho dele. Eu acho que ele tem que seguir o caminho que escolheu.
P/1 – Para finalizar, o que o senhor acha de ter participado do Projeto de Memória do Comércio do Rio de Janeiro?
R – Olha...
P/1 – Falando da sua experiência como comerciante, o que você achou do...
R – Eu achei maravilhoso. Espero que eu tenha conseguido passar alguma coisa de útil. Eu quero pedir desculpas a vocês. Eu acho que vocês não imaginavam que... Convidar um tagarela como eu porque começa a falar, eu começo... Eu avisei no início, eu começo lembrando de outra coisa, aí eu desvio do assunto, passo por ali porque a história é muito comprida.
Fiquei muito satisfeito e aceitei isso até como uma homenagem ao meu pai porque ele foi o criador da loja. Se não fosse ele, essa loja não estaria lá até hoje e eu também tenho uma satisfação de ter podido segurar essa peteca até o momento. Fizemos agora 46 anos, no dia dezessete de maio. Sabendo como a situação das coisas estão, a gente fala isso sabendo das dificuldades que a gente passa.
Acho que o trabalho de vocês é uma coisa muito bonita, muito importante, porque vai bem na raiz. Vocês não vêm perguntar aqui só pelo comércio, vocês querem saber de tudo. Eu achei muito bonito isso, muito bacana. Fiquei emocionado, me lembrei de coisas aqui que eu há muito tempo não lembrava. (risos) Fui lembrar aqui do quarto escuro da Dona Menina, coitada. Ela não é mais viva, eu era criança, ela já era uma senhora. Muitas e muitas… Vocês não devem ter passado por isso, graças a Deus, de ter levado uma reguada na mão, mas eu presenciei isso e eu acho que levei algumas. (risos) Com certeza, levei algumas. É uma régua preta que machucava.
Eu acho que isso é super importante. Eu gostei muito, muito obrigado pela oportunidade, e quando precisar... Desculpa aí, muito falatório.
P/1 – Não, foi ótimo.
P/2 – Seu Jorge, nós que agradecemos. Foi um prazer tê-lo aqui. A gente quer agradecer em nome do Sesc e em nome do Museu da Pessoa a participação e contribuição que o senhor está dando para a história do comércio da cidade do Rio de Janeiro.
R – Tá ótimo, muito obrigado.
P/2 – Muito obrigado.Recolher