P/1 – Nós vamos começar. Qual seu nome inteiro, seu Rominho? [crianças brincando ao fundo]
R – Romildo José dos Santos
P/1 – E o apelido?
R – É... Rominho!
P/1 – Como é que o senhor teve esse apelido?
R – Minha mãe que colocou esse apelido, né? É que eu nasci no dia do Domingo de Ramos. Aí que ela botou meu nome de Rominho. O pessoal da vacina passou lá em uma ocasião [pausa], tava com uns 6 anos, aí eles falaram “Rominho não é nome!”. Aí botaram Romildo, o pessoal da vacina né...
P/1 – O nome era Raminho antes?
R – Era Raminho! Todos que me conheciam era por Raminho mesmo. Até hoje sou Ramo ainda [risos]. Até hoje sou Raminho ainda [risos].
P/1 – Você nasceu onde, seu Romildo?
R – Hein? Na Barra Velha!
P/1 – Que lugar fica essa aldeia?
R – Essa aldeia fica pra lá de Caraíva. É... Caraíva!
P/1 – Próximo a Porto Seguro?
R – É... no ___... Porto Seguro.
P/1 – E que data o senhor nasceu? [choro de bebê ao fundo]
R – Eu sou do dia 2 de abril de 1944...
P/1 – Dia [pausa] 22?
R – É! [pausa] 2 de abril.
P/1 – Qual o nome dos seus pais?
R – Meu pai era Epifânio Honório dos Santos.
P/1 – E sua mãe?
R – Minha mãe era Cassilda Ferreira de Souza.
P/1 – Eles têm alguma origem indígena?
R – Têm! Era indígena, era índio mesmo! Barra Velha lá só tinha índio antigamente. Não tinha outra! Era índio mesmo lá.
P/1 – E o senhor pra falar deles, assim, como é que o senhor descreveria o seu pai?
R – Hein?
P/1 – Como é que seu pai era? Ou é?
R – Meu pai?
P/1 – É!
R – Meu pai era, como dizer, ele se descrevia como índio mesmo que ele era índio, né? Se descrevia como índio mesmo.
P/1 – Que lembranças o senhor tem dele?
R – Aí muita! Lembrança do meu pai... minha mãe morreu, eu fiquei com 5 anos,...
Continuar leituraP/1 – Nós vamos começar. Qual seu nome inteiro, seu Rominho? [crianças brincando ao fundo]
R – Romildo José dos Santos
P/1 – E o apelido?
R – É... Rominho!
P/1 – Como é que o senhor teve esse apelido?
R – Minha mãe que colocou esse apelido, né? É que eu nasci no dia do Domingo de Ramos. Aí que ela botou meu nome de Rominho. O pessoal da vacina passou lá em uma ocasião [pausa], tava com uns 6 anos, aí eles falaram “Rominho não é nome!”. Aí botaram Romildo, o pessoal da vacina né...
P/1 – O nome era Raminho antes?
R – Era Raminho! Todos que me conheciam era por Raminho mesmo. Até hoje sou Ramo ainda [risos]. Até hoje sou Raminho ainda [risos].
P/1 – Você nasceu onde, seu Romildo?
R – Hein? Na Barra Velha!
P/1 – Que lugar fica essa aldeia?
R – Essa aldeia fica pra lá de Caraíva. É... Caraíva!
P/1 – Próximo a Porto Seguro?
R – É... no ___... Porto Seguro.
P/1 – E que data o senhor nasceu? [choro de bebê ao fundo]
R – Eu sou do dia 2 de abril de 1944...
P/1 – Dia [pausa] 22?
R – É! [pausa] 2 de abril.
P/1 – Qual o nome dos seus pais?
R – Meu pai era Epifânio Honório dos Santos.
P/1 – E sua mãe?
R – Minha mãe era Cassilda Ferreira de Souza.
P/1 – Eles têm alguma origem indígena?
R – Têm! Era indígena, era índio mesmo! Barra Velha lá só tinha índio antigamente. Não tinha outra! Era índio mesmo lá.
P/1 – E o senhor pra falar deles, assim, como é que o senhor descreveria o seu pai?
R – Hein?
P/1 – Como é que seu pai era? Ou é?
R – Meu pai?
P/1 – É!
R – Meu pai era, como dizer, ele se descrevia como índio mesmo que ele era índio, né? Se descrevia como índio mesmo.
P/1 – Que lembranças o senhor tem dele?
R – Aí muita! Lembrança do meu pai... minha mãe morreu, eu fiquei com 5 anos, quando ela faleceu, né? Ficou um com 3 anos e outro com 1 mês de nascido. Minhas irmãs, que eram mais velhas, foi quem criou a gente.
P/1 – Quantas irmãs?
R – É! Nós temos quatro irmãs, uma é falecida e dois homens, eu um e o outro irmão meu que eu tenho. São seis irmãos só... do casal.
P/1 – E vocês ficaram com seu pai?
R – É! Ficamos com meu pai.
P/1 – E que lembranças fortes o senhor tem dele?
R – Ave Maria... muita mesmo! [risadas]
P/1 – Fala uma, assim, [pausa] das coisas que ele fazia com vocês...
R – Não... [pausa] minha mãe morreu, ele [pausa]... como diria, foi pai e mãe, né? Pai e mãe. Porque eu acho tão importante isso aí, né? Ele foi pai e mãe pra gente! Porque perder uma mãe, pra gente... como é que ia fazer? Ele que era o pai e a mãe. Aí quando ele faleceu... ele faleceu com 94 anos também, mas deixou todo mundo criado.
P/1 – Faz pouco tempo?
R – Ah [pausa], tem três anos.
P/1 – E o senhor lembra de alguma coisa que ele ensinou?
R – Não, o que ele ensinou pra mim, quer dizer, naquele tempo foi leitura, mas ele não teve condição também. Porque teve uma revolta na Barra Velha que foi a pior derrota pra gente.
P/1 – Por quê?
R – É que teve uma revolta e saímos correndo de lá e, sem casa pra morar, tocaram fogo nas casas da gente. Aí ficamos sem casa... saímos só com a roupa do corpo. Aí fomos pra outros lugares trabalhar... pessoa pobrezinha também... velha... aí ficamos dando chá de uns tempos, né? Aí também não vou ter mais poder, mais velho. Eu morei perto lá em Corumbá, fiquei morando lá, mas não tenho mais poder...
P/1 – Que revolta foi essa, senhor?
R – Uma revolta aí [pausa;, uns dois ladrões que chegaram lá e iludiram os índios pra roubar. Os índios tudo, roubalheira, não sabia o que era. Não conhecia o que é roubo, que não existia esse negócio nesse tempo, né? Aí eles... ele foi... aí lá eles invadiram esses índios pra roubar “os outro”, aí foi uma revolta. O governo mandou uma força lá e disse pra espancar os índios, saiu todo mundo lá ___ pro mundo afora e ficamos com a aldeia desprezada lá! Acabar que tocaram fogo tudo, nas casas tudo! Ficamos à toa no mundo.
P/1 – E todos vieram pro mesmo lugar?
R – Alguns vieram! Papai que não quis vir pra Barra, pra aldeia mais. Aí nós ficamos desnorteados, ficamos lá na ___ Corumbau. Ficamos mais perto da Barra Velha também, né?
P/1 – Mas lá tinha outro grupo?
R – Não, tinha não. ___ Só a gente mesmo ficava lá pescando, né? Eu comecei a pescar [risos] desde de criança com 9 anos comecei a pescar. Aí... nunca mais pude pescar lá. Eu tenho parente lá, mas eu que não quis mais. ___ Perdi a aldeia, né?
P/1 – E vivia o seu pai, e os irmão, você e seus irmãos...
R – É, e minhas irmã! É...
P/1 – Nesse lugar? Não tinha vizinhos?
R – Não, não... na aldeia?
P/1 – Nesse lugar que o senhor foi morar?
R – Ah, lá tinha pouco vizinho. Dois vizinhos só, que tinha. Trabalhava na roça [risos].
P/1 – Como é que era sua rotina?
R – É, minha rotina era, como dizer... o pessoal veio da revolta, né? Aí eles [tosse]... já arranjou um lugarzinho pra gente ficar depois acabou que mataram os ladrões, né? Aí mataram os ladrões e mataram mais dois índios, aí ___ acabou essa guerra, nós ficamos nessa roça lá, trabalhando lá, era pequeno também, né? É, com 6 anos... que 7 anos foi a seca de 51. Já ouviu falar? Da seca de 51?
P/1 – Não.
R – É... quase que o mundo acaba! Quase o mundo pega fogo! Aí nós ficamos lá nesse lugar. Quando completei 7 anos ____...
P/1 – E durante o dia, assim, o que o senhor fazia com suas irmãs?...
R – Hein?...
P/1 – Durante o dia, como é que era assim? O que é que o senhor fazia, assim?
R – Ah, o que a gente fazia era... lá tem um rio, né? A gente ia pescar no rio! Eu mais as minhas irmãs [risos], pescava no rio pra arranjar um peixinho pra poder fazer a moquequinha, né?
P/1 – Como é que vocês pescavam, seu Raminho?...
R – Era de anzol. Umas rosinhas que era unha de gato, aquelas rosinhas bem miudinhas [risos], pra poder pegar os peixinhos.
P/2 – Aí vocês pegavam o peixinho?
R – É! Aí fazia os caldinhos ali, inventava e depois no outro dia ia pra roça. Bom era na roça... plantava alguma coisa, né?
P/1 – Plantava o quê?
R – A gente plantava umas mandiocas, é... plantava cana! Lá nesse lugar o cara tinha um engenho, né? Aí carregava cana das minhas irmãs e fazia rapadura! Fazia mel e rapadura! [risos]
P/1 – Olha!
R – Aí depois passei esse tempo lá, né, nesse lugar, lá na beira desse rio. O rio chama Rio Guaxuma. Depois, não achei assim tão difícil, né? Parti pra beira da praia ___. Aí terminei de me criar lá! Fui crescendo. Com 9 anos eu tava pescando, pegava uma canoa e ia pescar pra dar comida...
P/1 – O senhor foi sozinho?
R – ...não eu sozinho pescando! Eu tinha primeiro uns companheiros...
P/1 – O senhor foi sozinho?
R – ...que eu ia com ele, né, pra... que eu não tinha prática de pescar, né? Aí meu... me levava pra pescar. Aí trazia o peixe, salgava o peixe... eu vendia pra alimentar minhas irmãs, que meu pai tem hora que ele saía pra trabalhar nas fazendas também, né? Aí eu ficava sustentando a família com 9 anos de idade. [risos]
P/1 – E você, quando ia pescar, ia no barco já?
R – Não, não era barco não! Era canoa mesmo! Canoa, né? A gente pescava peixe, salgava o peixe, aí ia e chegava os mascates que vinha já lá do sertão. E vendia e trocava carne por peixe e arroz, feijão, farinha, essas coisas assim, né? Pra aguentar na casa com minhas irmãs. Que a gente não tinha mãe, né? Meu pai que era o... então ele saía pra trabalhar e eu aguentava com a casa. Até minhas irmãs.
P/1 – O senhor já começou a sustentar suas irmãs desde muito cedo...
R – Foi de muito tempo... com 9 anos de idade.
P/1 – Mas tinha algumas brincadeiras mesmo, assim, que o senhor fazia?
R – [silêncio] Não...
P/1 – Brincava de alguma coisa, assim?
R – Não, nunca participei de nenhuma não. Nunca gostei de brincadeira! Minha vida foi só... só precisava do trabalho mermo! E outra coisa, era só no trabalho...
P/1 – Só no trabalho?
R – É, era! Só no trabalho!
P/1 – Nem jogar um futebol nem nada?
R – Não, que futebol? Que não. A gente tinha uma hora que a gente jogava, assim, na praia, mas eu não ligava não. Não era muito ligado nesse negócio de jogo não [risos].
P/1 – Não?
R – Não, ___.
P/1 – E o quê que o senhor aprendeu com esses pescadores mais velhos? Quando o senhor começou a ir pro mar, quê que eles ensinaram?
R – Ah, bom... aí é importante isso aí, né? [risos] É importante porque eles viam o meu sofrimento, assim, desde pequeno, aí com 11 anos cheguei pra ir pra Porto Seguro, depois fomos de Corumbá pra ir pra Porto Seguro. Aí meu pai morava... na hora da ajuda ia pescar com os pescadores mais velhos! E os que mais me ensinaram foram eles, né? [risos] Ensinava a gente, levava pra pescar e... quando tava com 13 anos de idade, aí eles já me levaram pro mar lá bem fora daqui, com 140 milhas daqui do litoral. Pescar garoupa! Que eu nunca tinha ido lá [risos] pescar garoupa...
P/1 – Olha!
R – ...aí saí... “Ou, vamos levar esse “caboclinho”, esse “caboclinho” é espertinho! Vamos levar, vamos levar pra ____ pescar!”. Aí o barco que eu trabalhava... o barco era tô de sal! Barco de 12 metros! E o barco... o velho não tinha motor. Quem falava em motor nesse tempo, né? Era... barco a vela! Só a vela do barco era 90 metros de pano!...
P/1 – Nossa!
R – ...e o mastro tinha um buraco furado na ponta que a gente chamava ostaga. Aí puxava, era seis homens pra içar uma vela daquela. Era um pau assim de que ____ na vela, era sete braços assim só de madeira amarrado no meio daquele pau pra suspender aquela vela. Ele tinha o chamado mezena e o outro chamado (beija-runinho?). Porque quando o barco não aguentava aquela vela de 90 metro aí a gente “arriava” a vela e botava mezena com a beija-runinho pra aguentar lá. Aguentar temporal mesmo, né? Num é negócio de... o barco não arribava não. Com os mestres, aqueles velhos, não arribava não, assim fácil não!
P/1 – O senhor lembra de algum temporal desses?
R – Ave Maria! Peguei temporal demais!
P/1 – É? Conta pra gente...
R – Aí, quando já tava administrando o barco nesse tempo eu já, nesse tava marinheiro já! Não era um marinheiro ainda porque não tinha o documento, né? Aí me levaram assim irregular pro mar, mas eu comecei a trabalhar e foi indo, foi indo... aí depois, é, eles... eu comecei a trabalhar. Aí quando foi com 22 anos eu fui a Salvador. Aí não tinha documento nenhum ainda! Eu vou te falar, fui aqui em Porto Seguro pra gerar o documento, mas ninguém tirava documento aí. Então o jeito foi ir pra Salvador, pegar uma carona pra lá em uma lancha que ia pescar, aí foi lá e tirou todo mundo em Salvador o documento. Aí comecei a trabalhar, depois já fui...
P/1 – Mas...
R – ...já fui mestrar barco! Porque eu trabalhei 15 anos de marinheiro e 35 anos de mestre.
P/1 – O quê é que o marinheiro faz que o mestre não, que é só o marinheiro que faz?
R – Não, o marinheiro tem que ser mandado pelo mestre, né?
P/1 – Ah!
R – É!
P/1 – E qual o trabalho do marinheiro?
R – O trabalho do marinheiro, como diz, é fazer obrigação que o mestre manda! É... alguma coisa que tiver errado o mestre tem que reclamar pra ele aprender, porque assim que eu aprendi com os mais velhos lá, né? O pessoal tudo mais velho, tinha que aprender com eles. Foi meus discípulos, né? Aí também muitos aprenderam comigo porque já fui discípulo aí a gente se entende [risos].
P/1 – Como é que era a pesca quando o senhor ia nesse barco? Lá pra bem pra dentro do mar.
R – Ah, aí a pesca lá era um negócio que tinha que... aquele peixe! Tinha que escalar aqueles peixes todos, tirar olfato, retalhar e salgar aquele peixe todo. É quinze, dezoito dias no mar só salgando!
P/1 – Por que não tinha gelo?
R – Não tinha gelo. Aí já tinha o salgador! Já passava aquele peixe, tampava pro peixe não chegar ruim, porque é capaz da gente chegar com 200 arroba de peixe salgado! Se um peixe daqueles apodrecesse arruinava 200 arrobas de peixe. Tinha que ser um pescador pra ser o salgador, só pra salgar o peixe, é!
P/2 – Tinha uma pessoa que só salgava?
R – É! Só pra salgar... a gente escalava aquele peixe todo, lavava aquele peixe, depois de lavado botava pra escorrer e depois jogava pra baixo pro salgador salgar, é. Ele levava 20 sacos de sal de 60 quilos pra salgar! A gente ficava com as mãos iguais um ___. Aí na hora que a gente chegava na linha de manhã não podia nem abrir os dedos de tanto talho de peixe... por onde peixe de... faca, uns se cortava, outros fumava a machadinha na mão, cortava os dedos e amarrava um pano, era um sufoco bravo ali! Só eu trabalhei 10 anos só em barco veleiro... 10 anos...
P/1 – E esse barco... no barco veleiro, pra pegar o peixe, como era? Como que o senhor fazia pra pegar o peixe?
R – Ah, tudo de anzol, tudo de linha. E linha não era isso aí não, era linha de fio de barbante. A gente fazia, “encascava” com a linha e botava no... na tinta numa ___ que eu tirei do mato, pra poder encascar com ela limpa pra poder pescar. Cada um levava suas peças de linha pra trabalhar.
P/1 – Num era nylon, era linha...
R – Que nylon! Nem existia, nem ouvir falar, nem nada! [risos] Aí a gente [pigarreio] quando terminava aquele... quando a viagem assim quando tava terminando já... a gente não levava feijão pra fora, não levava nada, só fazia um “arroizinho”, e nem só arroz, era só fazer uns caldos de peixe e pronto. E fogão à lenha ainda! Não tinha esse negócio de bujão, [risos] nem falava nisso.
P/2 – Então...
R – ...e lenha de manga verde! Não tinha negócio de... chega lá o vento acabava logo! Era 800 cachos de manga verde... era dois canteiros, 600 barris de água. Tem hora que bebia água de noite porque água tava ___... “Ah, mas não bebo ____. Mas “oia” só, esse barril aqui o senhor vai abrir só amanhã!”. Aí você bebe água de noite porque a água uma sujeira tem que botar um pano assim [risos], botava em uma caneca e bebia água com aquele lodo. E sabe que dia que a gente ia chegar? Viajava pelo vento, né? Aí a gente como ia saber que dia ia chegar?
P/2 – Como é que foi...
R – Aí tinha que economizar a água.
P/1 – E a água não bebia de dia?
R – É não, eu não entendia assim... [entrevistadora ri] era o mestre que falava. [risos] Ele dizia: “Ora, essa água aqui nesse barril, vou abrir amanhã”. O barril já tava quase mais ou menos que no meio de água, né? Barril de 100 litro, se levasse 600 litros de água... “Olha qualquer coisa se vocês quiserem beber, bebe essa água de noite!” ___ porque aí a gente abriu [risos]... a gente ia lá e metia a canequinha de noite aí a água vinha limpinha de novo! Aquele ___, né, que já tava aquele iodão no fundo do barril já tava pra ___, mas num “quietava” lá no fundo. As panelas derrubavam no fogão e a gente [risos]... tem gente que ficava... olha pra você ver, tanta coisa, né? Que lá, a hora que a gente botava um pouquinho de comida, botava dois pedacinhos de peixe. Era cada um com sua panela também, cada um com sua panela. Não tinha, é... cada um só ____ com uma panela. É, não tinha uma panela só pra todo mundo não, cada um levava sua panela. É! Cada um fazia seu café! Aí, a gente, na hora que a gente aprontava comida o mar derrubava metade, aí [risos] era um negócio sério... o mar... um negócio assim sério, né? Responsabilidade é um negócio sério.
P/2 - E esse barco era sem motor?
R – É, não tinha motor não!
P/2 – Como é que... tinha que ter vento pra ele andar?
R – Hein?
P/2 – Pra ele andar tinha que ter vento?
R – Tinha que ter vento! Se não tinha vento, o que é que a gente ia fazer? Tem que esperar o vento, né? [risos]
P/1 – Como que faz pra mexer essa vela? Como que é essa...
R – Ah, a gente... a vela ia tá bem aqui em cima, depois que a gente içava a vela, tinha que esperar. A gente saía com o terral daqui, né? O vento terral! Aí quando chegava lá esperava a viração chegar aí ficava aquela... aí ficava calmo, né? Aí esperava viração chegar que dava viagem pro barco.
P/1 – Ficava parado?
R – É! Ficava parado. E também não ancorava não! O barco só vinha ancorar no porto.
P/1 – E pra, por... o vento vinha de um lado?
R – Vinha de um lado aí!
P/1 – E se viesse de outro?
R – De outro a gente tem que ficar ali. No começo vinha pela noite! E ouvia trovoada mesmo, vindo de um lado, vindo do outro, mas tem que tá lá tomando aguaceiro em cima do convés do barco, não podia entrar no porão não. O mestre deixava a ordem pra gente não sair, pra ficar lá escondido não. Porque o vento com outro podia dar uma (luvação?) na vela e tombar o barco, né? Tudo com uma dificuldade isso aí, hein?
P/1 – Mas vocês ficavam segurando a vela?
R – Não, ficava com o rádio lá no coisa. Mas quando era muito vento a gente... quando vinha demais, via o aguaceiro, formava o aguaceiro, ele deixava uma ordem assim ó: “Olha, quando aquele negócio, quando der o aguaceiro, vocês me chamam aí! Se vier muito vento, aí vamos arriar a vela!”. E tem hora que pro barco não tombar a gente tirava no cunho aqui rapidinho, jogava a vela, jogava dentro d’água [risos] com tudo! Aí chamava todo mundo, joga essa vela pra dentro daqui... e puxava todo mundo pra... era oito homens. Aí cada um puxava a vela pra dentro d’água, molhada. A gente virava ela todinha, aí botava (mezeno?) pra cima. Aqui era um monte de atividade, né? Atividade... porque era um perigo! Porque é engraçado, eu nunca tive naufrágio no mar... trabalhei com, enfrentando ___... 68 anos, trabalho no mar até hoje, mas do tempo de veleiro nunca tive um naufrágio, até hoje! E também quando tava mestrando o barco nunca perdi um marinheiro no mar. Sempre eu trabalhava sempre na expectativa, né, a tensão e no barco veleiro também... e depois foi motorizado, né? Mas foi...
P/1 – Teve algum dia que o senhor, como mestre assim, que foi um perigo grande?
R – Ah já!
P/1 – Conta pra gente um dia desse.
R – Ah, teve um temporal, tinha 14 saveiro de pesca em Porto Seguro aí eu já tava mestrando o barco...
P/2 – Que é que é isso?
P/1 – ...saveiro.
R – ...era saveiro! Era saveiro... tudo veleiro! Aí, eu saí quando o temporal me pegou lá fora. E todo mundo arribou, mas eu não arribei! Agora essa aí... [entrevistado aponta pra entrevistadora] não chorava não que... ela deve ter muita fé em Deus... [risos] aí o temporal pegou foram 22 dias de... vindo de temporal.
P/1 – 22?
R – 22 dias! Todo mundo arribou e eu não cheguei não. Enfrentei o temporal, encarei o temporal mesmo! É... aí o pessoal dizia: “Ah, aí ele não existe mais! Todo mundo chegou e ele não chegou. Acabou mesmo!”; dizia: “Ah ele acabou, não tem mais ninguém vivo não, acabou tudo!”. Temporal brabo mesmo, temporal que... eu corri de árvore seca três hora... sem ___, não pra se livrar… (beija-ruaninho?) era 8 metros de pano... e o saveiro não resistiu. Árvore seca mesmo... chegava doer na vista de tanto mar e vento. E eu não arribei não! É, eu fui em Porto Seguro, bati o recorde... ___ [risos] E tudo correu...
P/1 – Como é que o senhor fez lá na hora do temporal?
R – O temporal eu... ___ o barco cheio de árvore seca chega caindo ___ pelo fundo, né? Pela ___, né? Temos fundo de três, quatro metro de profundidade. E tem um bote que a gente pesca... aí ninguém pesca. Aí que... ___ dos fundos... e tinha gente mais velha que eu, que era o mestre, né? E o velho de uns 50 e tantos anos aí era chamado Delmo e já era tripulante meu já. Aí ele não pedia pra arribar e falou: “Vou encarar o tempo!”.
P/1 – Mas o que acontecia nesse fundo? Nesse lugar que era bem fundo?
R – Ah, mas a gente não pescava não... a gente não pescava. Isso velejava pra pegar o baixo pra pescar. Com quatro dia de temporal e eu peguei o baixo. Aí comecei a... que as águas lá puxam pra fora! Aí aguentava, e lá vai com o (bija-runa?) e o saveiro 12 metro, mas jogava lá parecia um cisquinho lá, é. E o pessoal preocupado em terra. Todos os saveiros chegaram, arribaram com o temporal, eu não arribei! Aguentei o temporal! Só vim quando eu já tava com o sal já acabando e lenha, não tinha mais nada de lenha, acabou a lenha. Tinha um cepo que a gente botava a lenha em cima do cepo de... escalava os peixes, né? Já tava estocando aquele cepo ali pra poder cozinhar pra chegar em casa... foi. Já com uns 21 dias aí que eu encontrei um saveiro que o tempo melhorou. “Isso já morreram mesmo! Que não tem mais gente aí”, que foi quando vinha uma velinha do Norte, eu já ia embora pra casa. Aí: “Vamos chegar naquele saveiro lá rapaz!”. Chamamos o saveiro, chamava Girassol e a outra chamava Isa. Aí ele... botei assim pra, procurando ele, a maré aguentando, cheguei lá... aí gritei: “É, rapaz! Ou finado!”, eu digo: “Opa!” [risos]. Chamou de finado? “Seus finados rapazes, todo mundo tava preocupado lá seus finados!”, eu disse: “Vou chegar lá rapaz, os finados vão chegar lá!”. [risos] Rapaz...
P/1 – Deu medo seu Romildo?
R – Hein?
P/1 – Deu medo seu Romildo?
R – Não, tinha medo não. Não porque eu tava trabalhando com a ___ tanta fé em Deus... e aí fé em Deus... todo mundo... quem tava preocupado era o pessoal em terra, eu num tava preocupado não! [risos] Preocupado...
P/1 – ...Mesmo assim pescou nesse, nessa...
R– Pescamos, oxi! Trouxe uns 180 arroba de peixe ainda salgado! Que vieram com medo do temporal, né? Aí num, num... aí que uns vinham chegando e eu chegando em casa. Quando deu 2 horas da manhã cheguei em casa, ninguém dormia mais não! Aí fizeram promessa e lá... pra mim soltar, foi de 10 caixas de fogos pra mim soltar. Aí quando demora, os finados chegaram na beira do porto fazendo “zuadinha” [risos] aí chegaram os finados, né? Aí vem uma procissão vindo ___ abalou Porto Seguro inteiro!
P/1 – E a sua esposa tava...
R – Hein?
P/1 – E sua esposa como é que era?
R – Ela tava de quatro dias de neném quando eu cheguei, quatro dias. Ela disse: “Se não tinha de morrer agora, não morre mais não!”. Chegou os finados, aí foi tiro pra diacho, ninguém dormiu mais e foi uma festança danada que fizeram lá. Foi o temporal maior que eu peguei, foi esse temporal, mas eu botei a turma de Porto Seguro tudo pra correr [risos].
P/1 – Só voltando um pouquinho, você lembra do primeiro peixe que o senhor pegou nesse barco que foi...
R – Não!
P/1 – ...o primeiro barco grande...
R – Não! O peixe que eu sempre peguei lá era garoupa, né? O máximo que pesquei de peixe foi garoupa.
P/1 – Mas o senhor lembra do primeiro que o senhor pegou assim?
R – Garoupa! Foi uma garoupa, que eu peguei, é!
P/1 – E qual a sensação assim de...
R – Ah, a gente ficava alegre porque, quando eu pego, assim, a primeira vez, tu fica alegre, né? Eu e a isca, que a gente levava era uma isca salgada... que a gente botava. Pegava um peixe pra isca, lá tinha que pegar a isca primeiro lá, levava uma isquinha salgada e botava. Ficava umas rosinhas pequenas, aí pegava um peixinho e agora já tinha a isca! Agora todo mundo... cada um bota uma isquinha aí pra pegar o peixe, pronto, aí não levava sardinha, não levava, só levava sal, e água, e farinha, e [risos] um litro de óleo e cebola pra poder comer.
P/1 – Teve algum peixe que o senhor pegou que lutou pra não...
R – Ãhn?
P/1 – Teve algum peixe, assim, que o senhor foi pegar e lutou bastante pra não ser pego?
R – Não! Isso aí já tinha acontecido muito, né? Porque isso aí que é o... eu chamo o pescador! Porque é uma a dor do peixe e a outra da gente quando o peixe vai embora [risos]... outro peixe... pescador é dor! O do pescador que o peixe vai embora e o pescador que o peixe pescou a linha do anzol. Chama pesca-dor! [risos]
P/1 – Por isso que chama pescador?
R – É o pescador! Porque a dor é dor, é uma dor do pescador e do peixe. Um quer “escapulir” do anzol e o do pescador: “Opa! O peixe que foi embora era o maior!” [risos].
P/2 – Ô seu Raminho, nessa época no barco não tinha...
R – [Entrevistado arrasta a cadeira pra frente]
P/2 – ...não tinha motor, imagino que também não tinha GPS [Sistema de Posicionamento Global], como é que era?
R – Que GPS! Só tinha um radinho velho de pilha lá que a gente via quando escutava as fofocas daí de Salvador [risos].
P/2 – Como é que vocês se encontravam no mar?
R – Ah, era... um cruzava o caminho com o outro. Quando o tempo tava bom a gente se encontrava, falava um com o outro, né? Não tinha rádio, não tinha nada.
P/2 – Mas vocês gritavam?
R – É, gritava um com o outro! Encostava assim, um perto do outro e falava: “Ou, que dia vai embora, rapaz?”; eu dizia: “Ô rapaz, não sei não! Muita atenção pra gastar!” [risos]; só voltava quando o sal gastava também...
P/1 – Só voltava quando gastava o sal?
R – ...sal gastava! Quando o sal ia... ó, o último saco de sal pra mim vazar aí... é sal batido! Chamava sal batido. Então minha duas... tava duas pilhas de garoupa salgada, peroá, (badester/Badertscher?) e cioba... havia... tudo salgadinho já! Já tava seco. Chegou aqui na... já tava igual bacalhau, o peixe. É... porque ficava tudo empilhadinho o peixe, tudo arrumadinho chega aqui pra descarregar ele... é!
P/2 – E como é que fazia pra se encontrar, assim, pra voltar pra casa, pra saber onde é que tava?
R – Ah, a gente sabe, poxa. Por causa da bússola.
P/2 – A bússola?
R – É, bússola que ensinava tudo! N tinha sonda, a sonda era chumbada! A gente dava uma chumbada de dois quilos, onde sabia onde tava... eu aprendi porque...
P/2 – Como eram essas sondas, senhor?...
R – ...porque até a cor do peixe... lembro até a cor do peixe, eu sei o lugar que eu tava.
P/1 – A cor do peixe?
R – A cor do peixe!
P/1 – Como assim? Como era?
R – Porque tem um peixe lá! Um... o tipo do Passé... porque o peixe tem uma qualidade branca, e tem outro mais coradinho e têm uns aí que... que os “peixezinhos” são rajados... aí já sabíamos que estávamos andando de Passé! Aí na chumbada a gente conhecia! Na chumbada...
P/1 – O que é que é a chumbada?
R – A chumbada é um pé de chumbo assim... a gente botava o sabão no, assim, fundo dela assim, cortava e batia... aí batia o chumbada. Se era pedra ou não, é... se era pedra. E sabia as braças também!
P/1 – Como assim?
R – ...tudo das braças, porque a gente pescava. Das 35 braças pra dentro, mais 28 braças...
P/1 – E como fazia?
R – ...até as 27 braças de fundura. Agora, pra dentro a gente não pescava, porque lá já pega o fundo, né? Já pega o paredão do fundo pra... se a senhora quiser ver uma carta náutica pra ver como é que é uma... carta náutica, né? Aí só pescava naquela área do baixo!
P/2 – Ah, mas aí vocês tinham uma carta náutica?
R – Não, não tinha carta náutica. Tinha não! Aí a gente controlava pela profundidade do fundo. A gente olhava, a gente botava a correia aquele tanto assim na vela, ela vai, lá vai, lá vai... chama capa! Aí a gente via quantas chumbada. Quando afundava a gente dava ordem assim: “Olha! Quando dá tal hora, você vira de bordo pra controlar o do baixo pro fundo, pra não perder o dia”. Se ficasse no fundo perdia o dia, porque é tão fundo lá o fundo, aí controlava o barco do fundo pro seco... pro dia todo tá pescando. A gente, é, não ancorava não. Era capionga! Na capa o dia todinho, ali depois quando der mais tarde era... aí pra cá... quinze dia!
P/1 – E à braçada?...
R – É, e sempre soltando a braça!...
P/1 – Ah, de linha?
R – É, de linha! Já tinha a linha marcada. 35 braças, 30 braças e 27 braças. Ali ficava sabendo onde a gente já estava... o lugar que tá.
P/1 – Como será, né? Como que foram descobrindo 35...
R – Não, porque... aqueles mestre velho, né? Eles já têm aquele, aquela tática... meio que aprenderam há muito tempo. Que Porto Seguro tinha mestre que, naqueles tempos, levava 30 dias no mar! O pessoal tudo com essência de português, né? Ele era só uma ___, mas tudo português. Aí ele fazia essas lanchas grandona só pra ficar lá, levava sal à granel pra salgar peixe... era. Não tinha motor, não tinha nada não, era lancha grandona mesmo e levava 30 dias no mar. Aí esbarrava em qualquer canto lá... aí chegava lá, o pessoal chamou ele de: “Ou, chegou os careta, né não, amigo? Defende pescador de Porto Seguro!” [risos]. Pescador de Porto Seguro e todo arregaçado... 38 no mar todo... ãhn… a vida lá fora é muito triste pra caramba.
P/1 – Por que é que eles falavam pescador de Porto Seguro?
R – É porque esse pessoal é tudo de Porto Seguro. A lancha e tudo pescava de salgadeiro era tudo de Porto Seguro. Ilhéus não tinha, era só o Porto Seguro isso aí... essas frescuras aí de sal. Era mais Porto Seguro... tudo de sal era Porto Seguro e eles eram os portugueses, né? [risos]
P/1 – Senhor Rominho, e os indígenas, eles tinham um outro jeito de pescar? O que o senhor aprendeu com eles era diferente?
R – Não, eu não aprendi com o povo indígena. Aí foi que chegou um pessoal da ___, um casal do Rio Postes... tava com o quê, uns quinze anos, por aí, uns quinze anos. Chegou o pessoal do Rio Postes, ele que corre o Brasil inteiro aqui, né? Aí ele me chamou ali... tinha um rapaz, chamava Chico, e disse assim: “Oia, acha uma pessoa, um mestre aí, pra levar a gente naquele navio que tá no fundo!”, tinha um navio ali no fundo, né, aí ele: “Rapaz, aqui tem um mestre aqui”. Aí, ele chegou, aí pegamos, logo aqui tinha um barco, né? Aí... embarquei, duas pessoas do Rio Postes e um rapaz que era índio Tukano. Aí saímos aqui, chegamos lá. Corri assim, demos a volta, ele tirou a minha foto e lá na popa do barco, aí ele disse: “Saltou ali!”; disseram: “Já corri esse Brasil inteiro, quase todo, eu nunca vi um índio mestre!”; que ele falou: “Nunca vi um índio mestre, encontrei aqui em Coroa Vermelha!”. Foi eu! Dizia ele que nunca tinha visto não. Naquele dia, quando eu falei com ele que eu viajava aqui 140 milhas do litoral, ele achou [risos] difícil aquilo ali, né? 140 milhas tava longe daqui! Muito longe pra caramba! 140 milhas...
P/1 – E como foi que o senhor passou de marinheiro pra mestre?
R – Aí foi eu... tinha que fazer curso! Tinha que fazer curso; fui pra profissional, depois foi pra, pra patrulha de pesca regional.
P/1 – Onde era o curso?
R –O curso era em Porto Seguro, fazia com... o pessoal da Marinha aí! O capitão, né? O cabo da Marinha, esse pessoal, tudo de gente formada na Marinha, né? Eu tenho carta de mestre aí.
P/1 – A sua juventude, seu Raminho, o senhor passou aonde, assim, dos 14 anos pra frente?
R – Poxa, eu não tive juventude! Minha juventude, é, foi só trabalho! Não tive juventude! Eu fui pescando, me casei com 16 anos de idade e fui constituindo família. Criei foi 12 filhos... com 13 anos de idade, adotei um ainda...
P/2 – O senhor casou com... quanto?
R – 16 anos de idade! Eu que corri pro cartório, pra casar com a dona aí.
P/1 – O senhor morava aonde?
R – Morava em Corumbau!
P/1 – Corumbau, hein?
R – Foi, eu me casei em Caraíva.
P/1 – E o senhor conheceu a sua esposa...
R – É, conheci, ela era aqui de Porto Seguro... conheci ela.
P/1 – ...conheceu ela aonde?
R – Conheci ela, é, lá em Corumbau! É que ela morava em Porto Seguro. Mas era bem garotinha que nem eu... a gente se conhecia, né? Quando ela foi pra Corumbau, aí ela ficou um tempão em Corumbau! A mãe dela morava lá, aí... ia no... aí fiquei foi viajando, viajando, viajando... foi uma sorte vencer lá, uma sina, né? [breve risada] E foi sempre lá, eu saía pra pescar aí falava dela, assim: “Ou, vou pedir essa mulher em casamento! Vou pedir essa mulher em casamento.”. Aí fui conhecendo, trabalhando… cheguei a ter 16 anos e eu sem mãe. Não tinha mãe, vivia com minhas irmãs, né? Não tinha ninguém. Meu pai também arranjou outra mulher, depois que ele ficou viúvo, arranjou outra mulher, né? Aí... e ficava num lugar difícil pra mim, aí eu cheguei, fiquei trabalhando... já tava embarcado já. E o barco aloprado, ia pra uma região e ia pra Ilhéus, aí ele sempre... a ___, aí a mãe dela não queria que eu casasse, que era muito novinho, né? ___ não queria o casamento. Nós chegamos no dia do casamento, ele não queria: “É, eu não vou casar essa criança não!” e tal.
P/1 – E quando o senhor falou com ela? Como foi que o senhor queria casar com ela?
R – Hein? Eu falei com ela, mas a mãe dela não queria não.
P/2 – Quantos anos que ela tinha?
R – Ela tava com 18 anos já, eu com 16. Aí teve que documentar minha idade pra 18 anos.
P/1 – E como foi o dia do casamento? O senhor falou que foi no cartório...
R – É, foi no cartório... eu vim de noite de Corumbau, aí cheguei... eu que meio que fui o “queixoso” mesmo, né, [risos] ter responsabilidade. Que filha dos outro não é cachorro, né? Ela não tinha pai também, o pai dela tinha morrido há muito tempo, só tinha a mãe. E dei uma cuidada dessa... essa dona aí. Aí casei com ela, até hoje tô vivendo com ela, tenho 12 filhos com ela. Até hoje tô feliz, né?
P/2 – E como é que foi quando nasceu o seu primeiro filho?
R – Ah, fiquei alegre, aí demo dois tiros de espingarda... pra cima! [O entrevistado simula como foi quando ele atirou com a espingarda e disse “Pow!” enquanto dava risada] Eu fico alegre! Primeiro veio o filho homem, né? Aí fiquei alegre, né? Aí depois foi multiplicando mais...
P/1 – Quantos têm de homens e quantas têm de mulheres?
R – Eu tenho 5 mulheres e 7 homens, é, e têm duas gêmeas ainda.
P/1 – O senhor falou que um deles, quando nasceu, o senhor tava no mar, foi só esse?
R – Não, foi não... esse aí foi, eu tava no mar.
P/1 – E teve outros que o senhor tava no mar?
R – Não, outros tudo eu tava em terra. Só esse mesmo que tive essa... coincidência.
P/2 - Mas o senhor só ficava sabendo depois?
R – É... mas os outros eu tava em casa já.
P/1 – Seu Raminho, mesmo... é, o senhor trabalhou muito, disse que não teve nem juventude...
R – Juventude, eu não tive juventude de maneira nenhuma!
P/1 – ... mas se divertia de algum jeito?
R – Não [pausa], me divertia não.
P/1 – Não tinha nenhuma diversão?
R – Não porque senão... a não ser quando tinha algum forrozinho, aí lá uma vez na... [risos] tive que dançar um forrozinho ainda, né? Mas era de... mais difícil.
P/1 – Onde que era o forró?
R – Eu me... era em casa de família mesmo... os forrozinho era...
P/1 – E em Corumbau ainda?
R – Em Corumbau!
P/1 – E festa tinha, assim, alguma festa que era mais tradicional assim?
R – Lá não tinha não, a não ser algumas na roça, que tinha algumas festinhas, né? Nas roças, vez em quando a gente ainda ia lá nas roças. Mas minha juventude foi mais trabalho, não tive juventude.
P/1 – Corumbau fica próximo de que, ou é de que município, Corumbau?
R – É município de Prado! É porque ele, é, tem o farol, a divisa é o rio, tem o farol e o lado de cá é Porto Seguro e lá é Prado, a divisa de Prado, né?
P/1 – E depois o senhor continuou morando lá até?
R – É... aí eu comecei, é, morar... porque eu fiquei logo... quase que ela morre de parto do primeiro menino, né? Eu fiquei jurado com aquilo, não tinha médico, não tinha um carro, não tinha transporte, não tinha nada! Eu: “Pelo mar ela enjoa, é só ela embarcar no mar que daqui a pouco tá enjoando. Se trouxer de canoa ela ia morrer no meio do mar.” Aí... eu cheguei, aí vim pra Porto Seguro, vim morar em Porto Seguro, fiquei morando em Porto, aí de Porto Seguro vim pra aqui?
P/1 – O senhor ficou em Porto Seguro até quando?
R – Ah... até... eu fiquei 20 anos na cidade, 20 anos.
P/1 – Sempre trabalhando como pescador?
R – Barco! Eu tive quatro barcos de pesca, comprado com meu dinheiro! Minha luta de trabalho, criando esses filhos todos, fazendo casa, é... [risos] como uma guerra mesmo, né?
P/2 – Aí você conseguiu comprar seu próprio barco?
R – É, mas barco agora eu não quis mais barco não, vendi os barcos todos fiquei só com o barquinho pequeno, só pra gente pescar aqui.
P/1 – O senhor teve um, quatro...
R – Eu tive quatro barcos de pesca!
P/1 – Ao mesmo tempo?
R – Eu vendia e comprava outro, vendia um e depois comprava outro. Aí fui vendendo, aí depois eu empenhei uma casa minha em Porto. Uma casa lá pra gente fazer ventura, né? Eu tinha meu dinheiro no banco, mas não tinha pra comprar um barco novo. Comprava aqueles barcos mais velhos, aí era aquele barco que só defeito, defeito e eu tinha um dinheirinho no banco, ia tirando pra pagar, dar pros pescadores que ____... falei: “Não, acabou meu dinheirinho do banco!” [risos]. Empenhei uma casa minha, aí em 1983 empenhei uma casa, aí hoje peguei e fiquei sem barco e a gente tá aqui pra...
P/2 – Como é que foi comprar o seu primeiro barco?
R – Ah, o barco... ah, eu tinha que pescar no barco veleiro, como eu tava falando, barco veleiro. Aí eu fui tirar as cavernas no mato. E tinha um rapaz que construía um barco, né? O primeiro barquinho que tive de boca aberta tinha 7 metros o barco, mas aí continuei lutando! Eu tirei as cavernas, paguei o cara, ele cobrou 900 cruzeiros, naquele tempo não era real era cruzeiro, né? Aí paguei 900 cruzeiros pra fazer o barco. Aí foi e comecei a pescar no meu barquinho já. E a vela, eu tive que comprar uma peça de pano numa viagem que eu fiz de barco veleiro pra poder comprar uma vela, lá na Isabel ainda, pra fazer a vela pra poder pescar. Sem motor, sem nada [risos]. Foi um sofrimento.
P/2 – Nessa época já tinha motor?
R – Hein?
P/1 – Nessa época...
R – Já tinha motor, mas não podia comprar um motor porque eu não podia...
P/1 – Por que era caro?
R – Era caro, não podia comprar, né?
P/1 – E quem fazia o barco naquela época?
R – Naquela... era um rapaz aí, em Porto Seguro que fazia... era o rapaz, costumava chamar Mandioquinha, hoje já morreu já. E essa tripulação que viajaram comigo, outros mestres que trabalharam, só existem uns três ou quatro em Porto Seguro, já morreram quase tudo. Só quem tá no ___ era eu, mais dois em Porto Seguro. Morreu quase tudo!
P/1 – Que viajavam com o senhor?
R – Que viajavam com a gente, que viajavam com os outros mestres... já morreram tudo. ___ contando vitória, conta história [risos].
P/1 – O senhor foi mestre em barco de outro, né?
R – É, fui mestre em barco de outro. Depois que eu comprei o barco, quem foi o mestre... também, o barco... quem foi mestre foi eu mesmo.
P/1 – Seu Raminho, quando o senhor é mestre em barco de outro, o peixe, quando vocês pescam, fica só pro dono do barco?
R – É a pesca meia. Não é pesca de quinhão, é pesca meio.
P/1 – Metade pro mestre...
R – Metade pro dono e a outra metade pra tripulação, é.
P/1 – E como dividia quando o senhor era mestre de outro barco? De outro dono? Como que dividia o mestre com a tripulação?
R – Ah, cada um pesca… os peixe tudo marcado! Cada um marca seu peixe! Cada um que pesca mais. Fui eu que foi preguiçoso e tava lá pra dormir, não pegava peixe [risos], mas tu tem que, sempre, ser batalhador lá pra pescar. Se ele dormir demais, cadê a produção que ele traz? Ele tem que ser batalhador lá pra pescar! Se dormir demais, cadê a produção que ele traz? Aí eu bati o recorde lá que eu... [risos] não dormia de noite, naquele tempo tava novo, né? E tacou o pau, a noite toda pescando. Quando o céu raiava até o ___ tava feito aí de peixe aí. A gente... [risos] até eu ficava com o meu, mas foi lá pra pescar ou foi pra dormir, né? Aí: “Ou rapaz, bora pescar! O peixe tá aí rapaz]!” o cara olhou, ficava, não queria pescar, aí...
P/1 – Mesmo o mestre pesca igual os outros?
R – Mais pesca! O que mais pesca é o mestre porque pesca na popa... [entrevistadora exclama impressionada] o mestre e o cozinheiro que pesca na popa. É!
P/1 – O mestre sempre pesca na popa?
R – É... agora eu só que eu não pagava despesa, né? Ainda tinha uma porcentagem por tonel de peixe. Dizer os meninos pagava, naquele tempo, 50 reais por tonelagem. 50 vezes 4000 quilos era 200 reais. Agora, não pagava despesa, né? Sempre tinha uma vantagenzinha a mais porque eu também, eu pegava muito, né? Agora que sou mestre tenho que preocupar menos... que ele, quem é o mestre, quem é tem que lutar pra adquirir produção, né?
P/1 – E o que é que o mestre faz, assim, a gente imagina, mas se o senhor puder falar. Que é que o mestre faz, assim, num dia inteiro, assim, de pesca? Além dele pescar...
R – Ah não, ele tem que ter o pensamento como mestre, né? Ele tem que saber olhar primeiro o barco de gelo. Ele tem que olhar, falar com o gelador se como é que o gelo, como é que tá o gelo e tá longe da praia, né? E saber avisando o como é que tá... mandar o motorista funcionar o motor, se tá em dias mesmo. Às vezes tá num lugar de peixe, aí o mestre assim: “Pô! Vamos matar mais peixe não!”. A gente deixava uma reserva de gelo pra viagem. Porque ia ver ter uma hora que a gente tava longe gastava 22 horas de viagem do lugar que eu tava, 22 horas de viagem, do lugar que eu tava pra chegar em Porto Seguro. Aí ___ tem que ter... o mestre dá ordem pra poder deixar o gelo pra reserva do peixe, gelar o peixe e deixar sempre uma reserva porque e a visão do barco quebrar o negócio, pra ter uma reserva de gelo pra poder gelar o peixe, né? Pra não vim só com o gelo em cima do peixe... aí se o barco quebrar apodrecia o pescado todo. Não tinha rádio pra comunicar, não tinha nada, né? Aí tinha que avisar logo, mas dava pela ordem pra num... pra num chegar o peixe todo mal, né? Porque... diz que a gente fez os cursos até pro... até... disse pra não deixar o peixe arruinar, o peixe não pode ficar no convés um horário. Na hora que chegar aquele horário, tem que jogar o peixe pra baixo e jogar o gelo em cima do peixe, você não pode deixar o peixe descoberto senão o peixe esquenta e quando vai gelar o peixe já tá mole. Já... aí já... o SIF [Serviço de Inspeção Federal] condena o peixe chegar ruim, o SIF condena e o pescador perde pescada. Aí tem que tudo... tem que ter o gelo, ser batido bem fininho pra poder jogar em cima do peixe, pra jogar outra camada de peixe, pra não furar o peixe, e tudo tem que ter isso. É a organização danada pra chegar o peixe todo sadio por... eu nunca perdi pescada, nunca perdi, que sempre o peixe ia pra boca da urna lá: “Olha, não é assim que gela o peixe, rapaz! Não é assim que gela!”. Uma vez eu ficava, eles ficavam com o peixe lá. Uma vez... tem hora que eu descia de noite e ia gelar o peixe. Que ao invés de eu ir dormir e deixar o peixe lá de boa numa camada de peixe dessa aí, de manhã o peixe ia perder a temperatura dele. Eu tinha que ir descer à noite, lá calçava uma bota e ia gelar o peixe de noite. “Aí, o peixe tá gelado aí!”. Se não, não deixava peixe pra vocês em terra, né? Tudo prejuízo...
P/1 – E o sobre a pesca, assim, cada pescador fica no lugar que quer no barco?
R – É... cada um tem sua posição de pescar. É, cada um ia pescar, aí eles... e cada um marcava seu peixe quando chegar. Aí que a... quem tinha mais peixe, quem mais pesar, esse ganha, né? Aí o dono tirava a parte dele e o pescador tira a parte dele. Aí tira a despesa, né? A despesa era bem dividida, o peixe dividia, a despesa dividia também.
P/1 – E na hora de vender, como era? Em quantos segundo...
R – Aí tem que ir para as cooperativas. A cooperativa recebe todo o pescado! Só na cooperativa de Porto eu trabalhei 20 anos, na cooperativa de Porto Seguro.
P/1 – Vendendo? Pra eles?
R – É! Não, é... a cooperativa recebe o peixe agora e, faz a conta e paga a gente. Ela recebe todo o pescado, a cooperativa.
P/2 – Era bom esse esquema?
R – Não... era... não, o negócio da pesca meia que você não tem, como diz... num, é, não tem tempo de trabalho! O que você ganhou durante a sua... a meia... só tem direito nas linhas que você pesca e pronto. Se você ir lá, no dia que você quiser desembarcar o mestre desembarca, vai na Marinha, desembarca, você vai ter o direito de trabalhar em outro barco. Às vezes você não quer trabalhar mais ali, vai trabalhar, mas é difícil pra caramba, né? Agora quando é o quinhão não. Aí ele paga um preço, aí você já tem direito, entendeu? De algumas coisas. É por quinhão!
P/1 – O que é que é o quinhão, seu Raminho?
R – O quinhão é porque o dono, ele vende o pescado e paga você por outro preço. Ele já tirou a parte dele. Então vende mais caro, mais caro um pouquinho, paga a gente mais barato e então todo mundo tem o dinheiro, tem o quinhão! Aí você tem direito a alguma coisa...
P/1 – Mas se é...
R – Se sair ele tem obrigação dele pagar, seu direito, sabe? Tem direito. Agora mesmo que não tenha, é meia, trabalhou uma meia, foi meio do dono [risos]. Aí pronto, aí você já trabalhou uma meia comigo você vai levar só sua linha e pronto, não tem mais nada. Dá o distrato na... saiu de acordo e pronto. É, é ordem...
P/1 – E o... esse outro jeito a meia é só o peixe?
R – É, só o peixe!
P/1 – E nesse outro jeito do quinhão, além do, de ele pagar uma parte...
R – É!
P/1 – ...qual outra vantagem?
R – Vantagem porque, caso você sair do barco, você tem direito a ele pagar seu tempo.
P/1 – E nesse outro jeito ele não...
R – É, ele não tem tempo! Não tem tempo.
P/1 – Entendi!
R – É... tá vendo? [risos da entrevistadora e do entrevistado] É o povo quinhão! [risos]
P/1 – E de Porto Seguro, aí como que o senhor veio pra cá?
R – Não... eu saí de Porto Seguro porque... eu olhava o meu... eu desembarquei de onde tava, porque tava enjoado de tanto entrar em barco, né? Eu também vendi meus barcos. Aí eu: “Vou lá pra Coroa Vermelha!”, ficar lá pertinho da praia que aqui é bom pra pescar, né? Eu digo: “Vou lá pra Coroa Vermelha!”. Aí estamos há alguns anos aqui.
P/1 – Quando que o senhor veio pra cá?
R – Hein?
P/1 – Quando que o senhor veio pra cá?
R – Ah, olha, eu já tô com uns 23 anos aqui já. 23 anos.
P/1 – Então isso... em Porto Seguro, ficou quanto? Que o senhor falou...
R – Hein?
P/1 – Ficou quanto tempo em Porto Seguro?
R – Aí depois... que eu fiquei quase 20 anos em Porto...
P/1 – 20 anos...
R – ...Oi? É... 20 anos.
P/1 – E seus filhos todos, então, cresceram lá?
R – É! Cresceram lá depois que... que quando eu vim pra aqui eles tudo me acompanharam.
P/1 – Vieram junto?
R – Todo mundo! Tá todo mundo aqui!
P/1 – Lá...
R – ...mora todo mundo aqui junto comigo.
P/1 – Lá algum já virou pescador lá?
R – Não, já pescava comigo lá! É mesmo com meus barcos eles já começaram a pescar nos barcos já.
P/2 – Eles começaram com quantos anos?
R – Eles começaram... um ficou com 15 anos começou a pescar.15, 16, pescando, o mais velho.
P/1 – Os sete...
R – Já tá com 49 anos já aí...
P/1 – ...os sete se tornaram pescador?
R – É, os sete filhos! Agora só um que não... é difícil pescar. Um caçula [risos], é, com 23 anos.
P/1 – Os outros 6 pescadores...
R – Os outros tudo pescador, não quiseram estudar, botei tudo no estudo não quiseram, eu não reclamei porque não tive essa condição, né? Mas eu botei tudo no estudo, não quiseram estudo. É, fugia do colégio, foi indo e não quiseram estudo de jeito nenhum! Foram tudo pra pesca. Aí tem que... uns que tem um barco, cada um tem seu barquinho aí.
P/1 – O senhor gostou deles terem ido pra pesca?
R – Não... eu não sei, o gosto foi deles, não meu. Por mim eu não queria que eles fossem pra pesca. Já basta eu ter ido...
P/1 – Por quê? Por que seu...
R – ...na minha juventude. Não isso é que é... a pesca o camarada é bom, é certo quando tendo o barco dele mesmo, não presta pra trabalhar pros outros. Então pra gente tudo bem, né? Pros outros que não tem resultado. Mas como ele tá trabalhando pra ele, não é empregado de ninguém, né? Nós fundamos essa associação aí, foi em Brasília. Fomo umas 3 vezes em Brasília. Que adquirimos esse prédio aí pra... essa cooperativa que tínhamos com um pessoal do (PSDS?). Ele veio aqui aí deu pra gente, aí a gente tem isso e aí falamos com... em Brasília...
P/1 – ...a gente vai falar depois da associação, mas falando dos seus filhos ainda, seu Raminho, eles pesca... todos eles pescavam no barco de vocês?
[Mulher ao fundo “Me dá licença, por favor...”]
R – Não, só o mais velho.
[Mulher ao fundo “Um momentinho só”]
P/1 – Só o mais velho, né?
(troca de fita)
P/1 – Seu Raminho, a gente tava falando dos seus filhos que todos quiseram ser pescador.
R – É... todos eles.
P/1 – E eles pescavam todos, um só no seu barco?
R – Era... só um, o mais velho.
P/1 – E depois, os outros?
R – Ah, os outros depois que eu vim pra aqui, eles começaram a pescar.
P/1 – Aqui?
R – Aí saíram do colégio, aí foi tudo pra pesca.
P/1 – Lá em Porto Seguro eles estudavam?
R – Não, só pescava um, o mais velho.
P/1 – Sim, mas é, os outros...
R – O mais velho já tinha um barco de pesca aí tem hora que eu não ia. Meu cunhado ia com eles, com mais uns dois tripulantes, que eles caçavam umas vezes umas viagens assim aí eu... eles caçavam, eu mandava meu cunhado ir aí eles iam com meu cunhado. E tem vez que ele ia comigo, pra fora.
P/1 – E os outros estudavam... lá?
R – Os outros estudavam. Via pra aqui mesmo eles tavam estudando, depois saíram tudo dos estudos. Como é que é que eu vou fazer, né? [risos]
P/1 – Eles quiseram vir com o senhor?
R – Hein?
P/1 – Eles quiseram vir junto?
R – É.
P/1 – ...com os filhos?
R – Foi! Não, eles já tavam... é aquele... vieram tudo já garotinho ainda, né? Aí eles vieram junto pra aqui comigo, começaram a pescar, não quiseram o estudo aí... [risos] se eles vieram pra pescar, então vamos pescar, né?
P/1 – Ô seu Rominho, o senhor falou que o senhor cansou lá de Porto Seguro. Teve algum motivo, assim, mais forte?
R – Não, não... tive não. Eu porque... eu vendi minha casa lá, né? Que eu já acertei muito porque eu fiz minha... feito... vendi essa casa na hora que eu fiz um negócio no cartório com um rapaz lá de Ilhéus, né?
P/1 – Para um pouquinho só...
R – E ele...
P/1 – ...desculpa, pode falar.
R – Então é... eu fiz a casa com 200 mil de volta. É, 200 mil de volta. Ele me dando um barco, o barco era de Ilhéus, ele me dando um barco e ele me voltando 200 mil lá. Aí passou uma semana quando eu fui pra Ilhéus. Quando chega lá fui pro enterro do camarada. É aí foi já um desacerto já que eu fiquei meio injuriado, né? Uma casa boa que eu tinha lá em... troquei por um barco pra não tá pescando no barco dos outros... “Vou empenhar minha casa. Aí casa faço outra aí!” [riso,] e foi um desacerto. Aí o cara chega lá, eu chego lá fui logo pro enterro do cara.
P/1 – Para um pouquinho, seu Raminho. Sabe por quê? A moça tá... Ah, então o senhor num... o senhor não conseguiu os 200 mil?
R – Não, eles me pagaram, o que eu... passou a questão pro filho dele e o filho dele me deu um cheque. Aí o outro pesando o dinheiro aqui em Porto Seguro, deu o cheque pro rapaz. De lá de Ilhéus o filho dele já sustou o cheque [alguém grita um nome ao fundo] e eu fui pagar o juro do cheque que eu tomei à mão, tomei emprestado da mão do rapaz. “Aí depois eu acerto.” [entrevistadora exclama um nossa], aí ele passou oito meses pra receber esse dinheiro! Quando foi receber não tinha mais valor. Aí esse menino tava trabalhando, ainda conseguiu fazer uma casinha lá em Porto. Depois eu vendi tudo e fiquei meio injuriado em Porto.
P/1 – E o barco também não conseguiu?
R – Não, o barco eu já tinha passado no cartório pra ele. É, um pessoal assim: “Ah rapaz, você podia ter tomado o seu barco de volta!”, não, eu não gosto de fazer isso, esse cara morreu! Eu passei no cartório pra ele, ele me fez a escritura do barco e eu fiz a da casa pra ele. Então eu não ia fazer uma, um papel desse de gente safado, né? Aí eu também digo: “Deixa... lá!”. Também eu fiquei meio injuriado, é, porque foi um desacerto que eu... que a gente tudo tem um desacerto na vida, né? Mas graças a Deus, tô feliz! [risos]
P/2 - Por que é que o senhor veio pra cá?
R – Hein?
P/2 - Por que é que o senhor veio pra cá?
R – Não, porque...
P/1 – Escolheu aqui esse lugar?
R – ...não, porque eu vinha aí pra Ponta Grande. Daí de Ponta Grande eu fui e comprei duas chácaras no ___ :“Vou morar numa... na roça aí!” [risos], aí depois da roça não deu certo, aí eu cheguei e vim pra aqui. Porque você mesmo viu que eu gosto da beira da praia, os meninos também gostaram da pesca, aí vim pra aqui.
P/1 – O senhor não acostumou com a roça?
R – Não, porque é muito trabalho a roça. Aí meus meninos não acostumou com a roça [criança chorando ao fundo].
P/1 – Seu Raminho, nessa época é... ainda em Porto Seguro, porque aqui já é outro jeito, né?
R – É!
P/1 – Lá, é, o que o pescador conseguia com a pesca era um bom negócio? Conseguia ganhar pra sobreviver?
R – Não, pra mim dava porque eu sempre sustentei minha família toda. E eu comprei barco com o dinheiro da pesca, eu fiz casa, criei esses filhos tudo com dinheiro de pesca. É! Mas que foi um desacerto que eu tive. Que eu tirei meu dinheiro do banco que mais eu comprei um barco velho foi o que mais deu prejuízo. Antes de sair pra fora eu trabalhava com 6 homens, tinha que dar vale naqueles pescadores. E o barco quebrava, aí tem que reformar outro vale. O barco vivia de reboque. Aí perdi a casa e esse barco que eu comprei foi pro fundo duas vezes, que eu comprei desse cara de Ilhéus que eu tô falando [entrevistadora exclama impressionada]. O barco foi pro fundo duas vezes, quando cheguei... eu... o barco carregado quando cheguei lá de manhã pra sair, o barco tava no fundo com todo o meu material.
P/1 – Nossa...
R – Mas foi desacerto... foi desacerto completamente. Eu vendi esse barco por 900 cruzeiros. Aí foi só desacerto ali. Aí fui injuriando.
P/1 – E hoje um, hoje, nesses dias agora, aqui em Coroa Vermelha um pescador consegue também... comprar um barco?
R – Consegue! Ainda mais que eu entrei agora nessa associação aí que eu tenho condições de agora comprar um barco, né? Porque o governo já deu pra gente um barco pra associação da gente aí já, né? Aí só não vai pescar quem não quer pescar, né?
P/1 – E antes da associação? Um pescador que era... tem um barco, ele consegue... ou... antes, quando ele é mestre, ele consegue comprar um outro barco?
R – Pode, pode sim...
P/1 – ...consegue ganhar bem com a pesca?
R – Dá pra ganhar sim! Dá pra ganhar, depende ele saber comandar, ter artifício de pesca, né? Ele não pode... tem que ter artifício, todos os artifícios de pesca, ter rede, ter pesca de linha, tem o balão também pra arrastar. De todo jeito eles ganham o dinheiro deles, o dia que não der pro peixe ele tá lá na beira da praia com o camarão dele, tá ganhando dinheiro do mesmo jeito, né? O importante é o barco ser novo. Mas o barco velho é desemprego! Porque um barco desses só dá trabalho porque foi o que me acabou também, foi o barco velho. Mas um barco novinho dá pra ganhar dinheiro, dá sim!
P/1 – E os pescadores que são só marinheiros, assim só...
R – Hein?
P/1 – ...e os pescadores que não são mestres, assim, com o dinheiro deles, da pesca, é possível viver?
R – Não, dá pra ganhar o troquinho dele. Agora têm uns que não sabem aproveitar o dinheiro! Aí é que é! Não sabe aproveitar o dinheiro. Vez pega um dinheiro, quando chega em terra mete o pau na cervejada e tudo o dinheiro acaba. E pra sair pra fora tem que ter o vale, pra ele sair, se não sai, ele não ganha... não vai pra fora se não tiver o vale [risos]. Se não tiver o vale, ele num vai pra fora... é, não vai pra fora de maneira nenhuma.
P/1 – E o senhor tava falando da associação, né? É... o senhor participou do começo da associação?
R – Do começo! Eu sou o fundador daí de dentro da associação...
P/1 – Como foi o começo?
R – ...eu sou vice, fui vice da associação. Eu tenho até a carteirinha de vice aí, mas depois... você sabia que é ruim de trabalhar em área indígena? É ruim de trabalhar.
P/1 – Por quê?
R – A pessoa não entende as coisas, né? A gente que trabalha, que somos pescadores... eles não entendem o que é a pesca. Eles podem entender de outra coisa, da forma, do artesanato, essas coisas, mas a gente que entende da pesca. A gente tinha um atacado aqui, não tinha nada... a gente tinha um escritório e daí ia em Brasília ver se tomava algum dinheiro pra poder pagar às vezes um aluguel do escritório da gente porque tava fundando primeiro o escritório. Teve gente que veio aqui que não era sócio dos pescadores e foram atacar o escritório da gente! Atacar!
P/1 – Mas eles eram quem essas pessoas?
R – Era gente daqui mermo, né? Pessoal indígena às vezes não entende o certo direito. Agora o que vinha, ia pescar era gente. Gente que somos os associados, que tem um direito daquele de oprimir aquelas pessoas no escritório, mas eles não. Atacaram o escritório pela noite, não tinha dinheiro, não tinha nada... aí a gente quase... porque ainda tinha que ter um, um pelo menos, uma cooperativa pra gente, né? Pros nossos filhos vai, né? Agora pra poder ir melhorando a situação.
P/2 - Por que...
R – Porque pra ter uma Cruz de Cabrália, Porto Seguro... pra ter... pra ter tudo aí.
P/2 – ...por que é que vocês criaram essa associação?
R – Ah, foi que nós conversamos com uma pessoa aí... pegamos estatuto! Aí criei uma associação. Aí nós tivemos que ir em Brasília, tinha o embaixador Murtinho em Brasília que puxou muita coisa pra aqui pra Coroa Vermelha. Aí nós falamos com ele isso né, é fácil vocês criar uma associação, é fácil vocês criar. Aí depois eu vou em Brasília lá, a gente providência isso aí, a gente providência ter uma cooperativa pra vocês aí.
P/2 – Por que é que é bom ter essa...
R – Hein?
P/2 – ...por que é que é bom ter essa associação?
R – Associação... porque é uma ajuda porque pelo menos você faz um projeto e o projeto vem lá estando tudo kits, direitinho, né? Tudo prontinho. Aí você faz um projeto e o projeto vem. É o projeto de barco, projeto de rede, projeto vem... pra ter uma associação pra adquirir essas coisas aí, pra ajudar o pescador, né? Essas classes sofredoras, né? [risos]
P/1 – Seu Raminho, é, quando o senhor chegou aqui em Coroa Vermelha um pouquinho antes da associação ainda, o senhor conhecia já pessoas aqui?
R – Não, muita gente eu conheci aqui, mas quando eu vim pra aqui não tinha nem uma canoa pra pescar, foi.
P/1 – E aí, como foi?...
R – Aí, aí... eu cheguei e... aí mandei tirar uma canoa aqui na mata... foi que eu comecei a pescar. Mas não tinha nem uma canoa quando vim pra aqui.
P/1 – E aí, como é que o senhor foi conseguindo?
R – Aí foi conseguindo e... aí fui fazendo um botinho aí, até hoje tenho um botinho. Minha filha também tem um barquinho deles aí também. Pra eles sobreviver! Mas tenho projeto aí pra barco se eles quiser, né? Eu que não quero mais! Só quero meu barquinho pra mim pescar aqui mesmo, pertinho, depois de meio dia [risos].
P/1 – Mas aqui o senhor chegou a ser mestre de novo?
R – Hein?
P/1 – Aqui o senhor chegou a ser mestre...
R – Não, aí não contratei mais porque o mestre tem que dar... na capitania, tinha uma lista de tripulantes de contratar o pessoal, uma lista que eles faz na Marinha. Aí eu tenho que assinar aquela lista todinha de oito tripulantes, de seis a oito, tem que assinar tudo ali... ___
P/1 – Aí quando o senhor assina isso aquela tripulação fica por um tempo com você?
R – É! Fica comigo. Aí depois a... quando precisa tirar uma pessoa do barco, que eu que quem tiro, né? Que quem conhece o gado é o vaqueiro [risos]. Aí eu que vou tirar ele se ele não serviu, aí eu vou lá na capitania, aí destrato e risca esse tripulante...
P/1 – Onde fica esse lugar? A capitania?
R – Aqui em Porto Seguro.
P/1 – Em Porto Seguro?
R – É! Essa capitania era em Belmonte. Quando eu tava... quando eu cheguei pra Porto Seguro essa capitania não era em Porto Seguro não, era em Belmonte. Gente enfrentava uma “pedrasta” daqui de lá de... chama Itapebi... 88 quilômetros de pedestre. Pra contratar e distratar esse pessoal. Ia era dez homens em cima do carro lá pra contratar e distratar. O tenente chega lá pro pessoal de Belmonte: “Olha, eu vou deixar vocês aqui, que vocês já moram aqui, vou tratar, resolver esses problemas do pessoal de Porto Seguro porque já vem de longe, vem sofrendo nessa estrada aí.”. Aí contratar ou destratava a gente ia lá. Aí depois que fizemos um abaixo assinado pra Brasília os... todos os pescadores, né? Que lá só tinha canoa de banana. Lá em Belmonte não tinha porto de embarcar disso. Aí nós fizemos... aí de lá veio em Brasília, de lá veio a ordem pra capitania de Porto Seguro. Foi tirado pela gente [risos], quem botou essa capitania foi a gente!
P/1 – E aí...
R – Porque o pescador tem força! O pescador é, se organizando, ele tem muita força, os pescadores.
P/1 – E o senhor encontrou outros companheiros aqui que o senhor nem conhecia. Ficou conhecendo depois!
R – Foi, depois é que eu... quer dizer, mas tem uma gente conhecida aqui já, mas...
P/2 – De onde você conhecia eles?
R – Ãhn?
P/2 – De onde você conhecia eles?
R – Rapaz, eu conhecia eles lá pra cá de Caraíva. Conheci o Itambé que é o que tá de perna cortada, conheci ele...
P/2 – Na época da aldeia?
R – É. Não, mas eles moravam sempre particular, não sei se ele morou na aldeia, na da Barra Velha, mas esse aí era sempre mais particular por causa de Caraíva... é.
P/1 – Então foi fácil o senhor... já...
R – É localizar, né? Porque sabendo que, a gente, que aqui é que nem era na aldeia não. Era aldeia isso aqui não.
P/1 – ...como era?
R – Aldeia era Barra Velha [entrevistadora exclama]. É, aqui não era aldeia, formaram essa aldeia aqui, mas não era aldeia não.
P/1 – Aqui não tinha nada antes?
R – Não! Isso aqui era terra de município. Depois que o índio formou, fez uma... chegou um grupo de gente, fez uma aldeia aqui, mas não tinha aldeia aqui não. Se na festa dos 500 anos... foi que passou depois da festa dos 500 anos que passou a ser aldeia, mas não era aldeia isso aqui não. Até aqui tinha um valor nessa terra aí. Tiveram ___ uma casona que os índios venderam pros caras, pro pessoal branco que vieram aí. Quando deu a festa dos 500 anos teve que derrubar tudo, jogou tudo embaixo. Casas boa que fizeram aí ó! Tirou tudo, os brancos daqui. Aí formou aldeia, mas nem é aldeia isso aqui. Meu pessoal tudo voltaram pro fundo do... deu tudo branco aqui de novo. Achei difícil, né?
P/1 – Por que quando formaram aldeia vocês pescadores já estavam aqui...
R – Já tava aqui, já. Foi na festa dos 500 anos é que foi que já se passou a ser área indígena.
P/1 – Então tinha menos indígenas?
R – Ah tinha! Eu cheguei aqui tinha pouca gente aqui, rapaz. Tinha... eu quase... agora que cresceu isso aqui, ó. Tinha pouca gente aqui.
P/1 – Quantos pescadores mais ou menos tinha nessa...
R – Ah... quase aqui acho que não tinha nem dez pescador! [risos] Nem dez não tinha.
P/1 – ...tem algum ainda que...
R – Hein?
P/1 – ...tem quantos... quem são eles aqui? Esses dez, o senhor lembra deles?
R – Ah num... eles pararam de pescar. Algum que tava pescava aqui, parava de pescar... aí todo mundo que tava de longe aí não quer mais pescar, né? Só a gente que somos profissionais mesmo, que já temos todo o documento de pesca, que estamos exercendo a pesca. Mas eles num era pescador, é, seguir sem documento... trabalhar irregular não pode embarcar. Pode... existiram um povo assim nas ___, mas não tem documento.
P/1 – O senhor tá falando que esses têm que ter documento?
R – É, pra exercer a pesca tem que ter documento!
P/1 – Exercer, né?
R – É! Exercer a pesca tem que ter documento, mas sem documento é irregular e não pode trabalhar, né?
P/1 – Certo...
R – Não pode!
P/1 – ...e os mais antigos não têm, né, seu Raminho?
R – Não têm, eles pescava sempre assim irregular. Assim pra matar os peixes pra comer. Agora a gente pra embarcar tem que ter documento, né?
P/2 - Tem fiscalização, assim?
R – Não, a Marinha aqui... enquanto ela não vem, aí não dá fiscalização não, mas é obrigação dela fiscalizar o pessoal. Porque não pode sair irregular, porque nunca sai irregular pra fora. Um dia saí aqui só pra fazer umas... um barco que nós compramos aqui em Nova Viçosa, saiu pra dar uma pescadinha aqui, mas nem pensar ___... nunca a Marinha me pegou lá fora. Nunca ela me pegou! Aí quando eu cheguei lá fora, fui fazer um... pescar um peixe pra comer. Aí veio a Marinha de lá de Salvador, vinha em emergência pra Brólio, era fazer... tava fazendo uma pesquisa aí. Me pegou na reta e prendeu o barco. [entrevistadora exclama de surpresa enquanto entrevistado segura risada] Nunca me pegou. E olha que eu pesquei fora daqui já, foi longe pra caramba... nunca me pegou... tá ___... tá tudo bonitinho, aí saí nesse dia irregular ela multou. Na hora que veio...
P/1 – Aqui ainda em Coroa Vermelha?
R – Foi aqui na Coroa... foi, saí pra pescar com um barco que comprei pra associação aí. [entrevistadora exclama de surpresa] Aí ela, sabe, foi um pouquinho aí fora, ela vinha e pegou a gente aí... essa ___ deu a multa. Mas o capitão mandou não prender porque mostrei todo o documento. No outro dia fui lá, e mostrei pra ele: “Não, o seu documento é muito bom! Agora você não precisava ser amostrado não!”.
P/1 – Seu Raminho, o que é que o senhor acha dessa mudança? Agora precisar de documento, essa fiscalização, o que é que o senhor acha? Isso foi melhor ou pior pro pescador?
R – Não... tem que ser melhor, poxa. Não pode ser pior do que isso, né? Tem que trabalhar todo documentado todo mundo, né? O documento...
P/1 – Mas e pros mais antigos?
R – Hein?
P/1 – E pros, pros mais antigos isso aí... ajuda também?
R – Hein?
P/1 – Pros pescadores mais antigos tem que ter o documento, mesmo assim é melhor?
R – É, não, porque agora, os mais antigos que já tão aposentado não podem tirar documento mais... que tão aposentado aí... e pôr o pescador pra aposentar, porque eu sou aposentado pela Marinha, mas eu..., mas minha aposentadoria é aquilo, né? Como dizem [risos]. Que eu fiz o curso capitão de pesca. Eu falei, não, o curso capitão falou: “Oia, quando vocês aposentarem, esse curso capitão de pesca regional não é um salário só não hein! Eu tô avisando pra vocês”. Aí eu adoeci, né? Porque eu tenho problema de sinusite, aí, eu não... já tava com 56 anos. Pra tirar é 60 que eu aposento com 60 anos, né? A pesca e índio! Eu não optei por índio, optei pela pesca, né? Ah, mas eu tinha tanta, eu tinha quase 38 anos de pesca já, tudo na minha matrícula de pesca... tem matrícula de pesca! [entrevistadora exclama impressionada] Toda assinada pela Marinha...
P/1 – Sei!
R – ...quer dizer, fiz discursos e quando acabou me aposentaram com um salário só. Com tanto trabalho! Paguei o Inps [Instituto Nacional de Previdência Social], eu paguei só o INPS, paguei ali na empresa de Salvador Augusto Monteiro. Não “roculeram” meu Inps... eles comeram o dinheiro. Aqui na firma Castor de Andrade... aí fala Castor de Andrade, né? Só eu trabalhei oito anos na firma de Castor e não ___ meu Inps, tudo foi dinheiro perdido. Na cooperativa paguei 20 anos de fundo rural e só pagar... só fui receber pela colônia dos pescadores que eu paguei, fui pagando a colônia. E nesse de querer os papéis tudo pra poder aposentar. Perdi muito dinheiro.
P/1 – E quando o senhor chegou, o senhor tava falando aqui em Coroa que tinha uns dez pescadores só, né?
R – Era, mas era pescador... não tinha pescador assim, né? Que não tinha documento...
P/1 – Sim...
R – ...né? Pescador não é nada, sem documento é trabalhador irregular. Agora não, pescador tem uma caderneta, tem um documento que a Marinha exige, né? Que a Marinha tá ali, né? Agora pra você ir e não tirar um documento. Ela vai... já prestou um curso aqui dentro aqui já, fez curso, a Marinha com os pescadores daqui já... 14. Aqui fazem ___, todo ano ela faz curso pra pescador...
P/1 – O senhor fez aqui curso com a Marinha?
R – Não, eu fiz em Porto!
P/1 – Aqui...
R – Agora aqui meus filhos que fizeram.
P/1 – ...aqui seus filhos...
R –Eles que fizeram!
P/1 – Que é que eles ensinam nesse curso, assim, principalmente?
R – Não, eles ensinam muita coisa, eles... um bocado de coisa... é tudo bem navegação, tudo eles fez e exige na navegação, tudo, né?
P/1 – E o que mudou quando veio esse grupo maior de indígenas pra cá, seu Raminho?
R – Hein?
P/1 – Que é que mudou aqui em Coroa Vermelha quando veio esse grupo maior de indígenas?
R – Rapaz, vou te falar, depois que cresceu isso daqui piorou a situação aqui.
P/1 – É?...
P/2 – Por quê?
P/1 – ...por quê?
R – É... porque o pessoal hoje misturou com pessoa aí... com esses ___ de droga, essas coisas aí, né? E o povo indígena, rapaz, é [pausa]... se metendo em droga, né? Eu acho ___ meio difícil um pouco. O indígena ele fica assaltando turistas aí fica difícil, aí entra em jornal, essas coisas assim, né? Fica é feio pra eles. Porque fica difícil pra... porque contava pra eles não existia isso aqui, era tranquilidade! Você deixava uma coisa no porto, ninguém pegava. Hoje em dia você não pode deixar nada ali. Aí rouba as coisas da gente, rouba os turistas aí na praia, aí é uma confusão danada. É, pobre índio. É, antigamente nem existia isso aí, quando cheguei pra aqui tinha pouco, depois cresceu essa população aí, há! Aí ficou pior isso aqui.
P/1 – Sim.
R – É, eu já tô querendo mudar daqui já pra [riso e exclamação de surpresa da entrevistadora], outro lugar que eu fique mais quietinho. [risos]
P/1 – Seu Raminho...
R – Querendo mudar já.
P/1 – ...e a gente falou da associação só um pouquinho, né? Agora a gente gostaria de saber mais. O senhor reuniu com outros pescadores...
R – Foi!
P/1 – ...e como é que foi essa história?
R – É, nós somos um remendo com os pescadores mais práticos, né, de documento, soube fazer a reunião. Até eu fui vice da associação. Aí... mas começaram o cara a fazer coisa errada aí também, né, associação, né? Aí... foi trocando de presidente, foi trocando presidente. Eu também perdi minha administração... eu tirei, saí e botaram outro vice, fizeram até reunião. Eu não... é, serviço aí vai presidente e tal. E já teve uns dois ou três presidentes que entrou aí e não dá conta do recado. A gente vê que tava botando e tirando presidente, mas não melhora, né? Não temo um... ___, mas só que pra tirar um é a gente que somos pescadores. Um grupo de 40 pescadores... não ___. A gente chega lá porque a gente devia ter quase uns 40 pescadores aqui já, né? Começamos com um presidente do SDS [Secretaria de Defesa Social], ele fazia a reunião dele no jornal... ele fazia... 200 mil pessoas a reunião dele, o presidente do SDS. Chegou aqui só tinha 18 pescadores. Agora não, que tava chegando mais uns, que a gente vai, né, pra poder ter mais gente pra poder um grupo de pescador crescer mais um pouco, né? Pra poder a comunidade ter mais produção pra vender o peixe.
P/1 – E quando o senhor com... vocês eram um grupo, assim, que eram poucos que começaram a pensar na associação, né?
R – É, exatamente! Foi a gente mesmo que começou a fazer.
P/1 – E aí o senhor... vocês tentavam convencer os outros pescadores? Conversar com eles? Como foi?
R – É, uns não queria, não queria; eu: “Rapaz, vamos fazer uma associação aqui rapaz!”.
P/1 – O que é que eles diziam, seu Raminho?
R – “Ah, eu vou trabalhar no que é meu mesmo... levantar com associação...”. Pessoas sem esperança das coisas. Aí depois que me viu, a gente chegar... o que nós fizemos desse projeto aí, do prédio quando o governo mandou fazer, o prédio aí, o pessoal do governo, veio engenheiro, tudo mandado do governo. Aí eles tomaram fé! Agora os que tava fora agora tava... [risos]. Tá vendo como é o negócio? Aí todo mundo agora quer ser sócio. Aí eu sou sócio fundador daí de dentro, não faço questão de nada e eu quero que meus filhos que deseje, que agora que tão mais novo por enquanto, pra tirar um barco. Que eles já tem o barquinho deles, mas que ele... vai chegar mais barco aí, já tem dois barcos grandes que o governo passou pra gente aí, né? Aí eles já vão trabalhando, né? Eu não que eu já tô aposentado, eu pego meu peixinho aqui mesmo e dá pra mim sobreviver [risos].
P/2- Eles também vão nessa associação?
R – Hein?
P/2 – Os seus filhos?
R – Vai! Não pode perder reunião não. Porque, assim, não pode, tem que apresentar toda a sua... na hora de reunião tem que tá lá! Porque tem que todo mundo escrever lá na ata, né? Marcando presença.
P/1 – Além desses projetos que vocês conseguiram continuar com a associação, é, por que é que é bom pro pescador, seu Raminho?
R – Não, pra mim é muito bom pra eles, né? Principalmente a pessoa que vai, como é que diz, tem filhos. E os filhos, tem vezes que os filhos não quer estudar, aí já bota na pesca! Tem uns que não quer estudar, pra eles é vantagem, né? Porque tem uns mesmo, e meu filho mesmo tem uns dois filhos, que não quer nada com trabalho. Não quer nada, joga eles pra pesca.
P/1 – E a associação...
R – Com um barco aí.
P/1 – ...é boa pra quê?
R – Não... ___ o negócio porque... eu só sei que a associação é assim... porque a pessoa tem um barco, é pescar pra associação, pra ela, pra ele ter a produção. Durante o ano ele tem que produzir pra dentro da associação. Agora, no final do ano, ele vai o quanto ele produziu, que ele tem a porcentagem dele da Assembleia Geral, sabe? Porque ele, se ele não entregar, ele é um sócio! Ele tem que pagar o tributo dele, isso é obrigação e é pro estatuto, né? Pelo... ele tem que pagar o tributo dele lá porque ele é um sócio! Se não tiver pagando o tributo dele, ele não é um sócio... de qualquer entidade, né? [entrevistadora concorda] É! Aí eles tem que pagar o tributo aí. E tem que ter os barcos dele pra funcionar pra entregar toda a produção na cooperativa! Porque no final do ano eles dizem assim: “Ah, eu não tô ganhando nada pela cooperativa”; “Você não tá entregando a produção lá!”. Como é que ele vai ter produção de lá? Né? O senhor tá precisando de dois barcos aí, tem dois barcos grandes aí, barco de 10 metros e 30. Só tem 1 pescando! Falta de tripulante pra ir lá, não querem ir lá pra fora pescar! Eu digo: “Ah se eu tivesse meus 25 anos, aí só vinha com dinheiro quando eu chegava, né?”. Barco carregado só chegava com gelo em cima peixe ___... hoje não querem mais ir pescar, querem pescar aqui só na beirada.
P/1 – E o senhor acha que eles não querem mais pescar lá pra dentro do mar por que, seu Raminho?
R – Não sei porque não querem! Acho que ter tanto trabalho, perder noites, coisa assim. Porque lá é temporal, lá é uma penca de uma “reborda” de temporal lá, feio lá. Acho que eles ficam porque eles botam a rede deles e vem pra casa dormir, né? De manhã cedo vai buscar [risos], tirar eles. Mas a produção tem que entregar lá na cooperativa. Já fizemos reunião pra isso, pra o peixe ser mais barato, mas tá sabendo que ali essa ação é deles mesmo! Já poder, final de ano na Assembleia Geral, saber quanto lá deu de rendimento, quanto ela pagou de imposto, quanto ela não diz o quanto sobrou pro pescador e saber se produziu tanto. Então você tem uma cota de sua porcentagem aqui. Prestar tudo, marca isso aí, tem que saber.
P/1 – Agora, durante o ano, é melhor os pescadores todos se pudesse, se eles quisessem...
R – Aham!
P/1 – ...era melhor pra eles todo peixe vender, é, deixar pra associação pra redistribuir?
R – Todo o peixe?
P/1 – Todo o peixe.
R – Todo o peixe!
P/1 – Mas aí durante o ano ele ia recebendo também?
R – Mas se ele não tem produção lá como é que ele vai receber?...
P/1 – Uhum.
R – ...ele tem que receber o que ele produziu! Ter a porcentagem dele.
P/1 – E é melhor assim... eles vem, os pescadores, deixarem o peixe na associação é melhor do que vender cada um?
R – Claro! Assim bagunça... o peixe tem ___ pra tá vendendo peixe particular que sendo sócio. Então temos jeito de entregar na cooperativa. Eu tô vindo pescando com a cooperativa, entregar o peixe pescado tudo lá! O pouco, ou tudo, qualquer qualidade de peixe entregava lá!
P/1 – Qual a vantagem, seu Raminho, de ser na associação e não cada um vender o seu? Qual é a vantagem? Por que é que é melhor vender na associação do que vender, assim, direto?
R – Não, pra mim a gente tem que entregar direto na associação porque sem vender ela fica um negócio desativado, a associação. Aí os sócios, como é que a minha pesca não tem sócio, porque associação só na hora da presença e não vê peixe. Chegar na associação, como é que vai, ela vai crescer? Ela não cresce se ela... toda firma só vai com produção...
P/1 – Uhum.
R – ...e a produção não cresce, né? Você tem que crescer junto com a associação, né? [risos]
P/1 – Tá certo.
R – Igual essa placa, né? Não tem um emblema que cresce junto, né? Igual a associação! Ela tem que crescer junto com os pescadores. Ser o que mais não entrega a produção, qual é a diretriz? O instituto, ele pagar o tributo dele é obrigação, né? Pra ele ser um sócio... porque você, às vezes, faz um projeto de uma coisa de rede, ou um barco então aquele barco vai ser, é, passar pra ele. Pra ele ir trabalhando, vai pagando o barco e na hora que ele terminar de pagar o barco é dele.
P/1 – Uhum.
R – Né?
P/1 – Sim!
R – Tudo isso, tem que fazer isso.
P/1 – E o senhor hoje participa ainda?
R – Hein? Participo! Ontem foi que eu não fui, é, ontem que eu não fui. Mas eu tô, toda reunião que eu tô indo. A gente foi a Brasília umas três vezes, o embaixador mandou a passagem de avião pra gente [risos].
P/1 – E como é que foi lá em Brasília, seu Raminho?
R – Ah, bem! Rapaz, lá é “bem recibo” lá. Quando a gente chega lá é bem recebido.
P/2 – Que é que vocês foram fazer lá?
R – A gente foi pra adquirir essa associação, né, pra começar ela. Foi muito tempo já. Ela já tava com uns dez anos de associação já! Porque ela desativou que os presidentes que entrava desativou ela. O embaixador, ele deu um, pela cultura, ele deu um dinheiro pra limpeza desse rio aí e o presidente, o dinheiro não era dele e nem da associação era pra limpeza do rio, ele vai, depositou o dinheiro no banco e pegou o cheque e danou a dar cheque sem fundo aí... desativou a associação [entrevistadora exclama de surpresa]. Foi, aí ficou, até hoje tá desativado porque foram trazer ontem da reunião eles falaram que tá três mil reais devendo aí. O banco... ele deu um cheque sem fundo aí, não era! Esse dinheiro era pela cultura! Pra limpeza do rio aí que o embaixador disse assim: “Olha, você fala com o prefeito lá. Se por acaso ele dá um agrado pra limpar aquele rio lá, pra lixo, soltar peixe daquele rio, pra não poluir a água por causa dos turistas ali. Aí se ele não der o agrado você telefone aqui pra Brasília que eu lhe mando um agrado pra limpar aquele rio todinho aí, seu aí. Limpar, deixar ele limpinho, soltar peixe ali dentro, ficar tudo bonitinho ali pra, pra não poluir a água, né?” Aí...
P/2 – E depois conseguiram limpar, ou não? [barulho de algo sendo batido em um ferro e crianças falando ao fundo]
R – Não, aí quando desativou ele não mandou mais dinheiro. Aí o cara desativou, também tiraram ele já, tirou ele já.
P/1 – Aí quando tiraram, como é que tá depois a associação?
R – Aí tá devendo esse dinheiro lá que um monte já pagou. Um monte de cheque já pagou que a associação pagou as três, já pagou, mas ainda tem dois cheques ou três na rua aí ainda, né?
P/1 – E quem entrou...
R – E o banco tá cobrando juro em cima disso daí, né? E o banco, entra lá tá pra ir pra 3 mil reais já. O cheque de, parece que de, 200 reais. Tava de 50 reais, já tá pra 2 mil e tanto já. Brinquei com um negócio desses.
P/1 – E agora com essa gestão o senhor falou que tá voltando, o pessoal tá voltando...
R – Tá!
P/1 – ...tá se animando de novo?
R – Tá se animando, pessoal agora tá com mais... se animando porque pra chegar mais quatro barco salvador, né? Esse barco vai ser passado pro pescador, pro produtor, que quem vai produzir são eles, né? Então eles têm que produzir o pescado e entregar tudo na cooperativa. Aí ela cresce... vai ter uma outra fábrica de gelo! Nós já, como dizia, eles vão limpar e “amurar” tudo aquilo ali, deixar tudo amurado, vão fazer um lugar pra sala de reunião porque a cada pesca não pode tá em reunião aquilo lá e deixar o negócio mais organizado ali, né? Chega o pessoal que vem aí pra... chegar já tem a sala de reunião. Limpeza de peixe é tudo particular dali, só pra venda ali no varejo, né?
P/1 – Tem muitos planos?
R – Tem muito plano! [risos] Porque não, vê, eu não posso alcançar mais meus filhos agora... ___. [entrevistado começa a espantar o cachorro dele]
P/1 – Agora, sobre... e o projeto, seu Raminho, você quer perguntar mais da associação? O projeto, esse “Pescando Redes 3G”, como que o senhor ficou conhecendo esse projeto?
R – Rede?
P/1 – É... esse do... que trabalha o Fabrício, o Rui. O senhor sabe desse projeto?
R – [barulho de algo batendo ao fundo] Não, esse projeto eu ainda não tô por esse projeto aí.
P/1 – Sim.
R – Porque eu pouco lutei com, com rede, né? Minha pesca foi mais linha... pesca de linha.
P/1 – Certo.
R – É! Minha pesca foi só linha.
P/2 – É, você ouviu falar desse projeto?
R – Não, ouvi falar não.
P/2- Mas...
P/1- 3G?
P/2- Esse da sua camiseta aqui?
R – É.
P/2 – Não?
R – Não.
P/1- Sim.
R – Agora que me advertiu, eu soube que chegou esse projeto aí do 3G, né?
P/1 – Soube que chegou?
R – Chegou!
P/1 – Mas assim, pro senhor mesmo, o senhor não ficou sabendo?
R – Não!
P/1 – E seus filhos falaram alguma coisa?
R – Falaram que isso tava na reunião, isso daí foi alguma... eles falaram alguma coisa lá [choro de criança e gritos ao fundo] na associação, né?
P/1 – Sei, mas pode falar...
P/2 – Não, você sabe que eles distribuem uns equipamentos assim...
R – Hm?
P/2- ...que aí tem computador pro barco, comunicação, umas coisas diferentes. Que é que você acha disso tudo?
R – Bom, aí eu tenho que... esse negócio aí tem que ter curso pra poder operar isso aí, né? Tem que organizar mais essas coisas porque pra não ficar desorganizado, né? Eu acharia isso.
P/1 – Os seus filhos, é, também não comentaram nada com o senhor desse...
R – Não, comentaram não!
P/1 – Porque olha, eles deram alguns celulares...
R – Hm?
P/1 – ... [entrevistado faz barulho com a boca] pra alguns pescadores e deram um, um equipamento como um minicomputador que você vê o tempo, se vai a maré...
R – Ãhn?
P/1 – ...se vai chover se não vai e também o como é que tá o tempo fora daqui da Bahia, né?
R – Ãhn?
P/1 – Como é que tá o tempo no Sul, mais no Norte e além disso tem nesse equipamento, aqui o pescador leva, como se fosse um telefone maior...
R – Ele chegou aqui.
P/1 – ...tablet...
R – Com os meninos, acho que ele deve tá com eles aí.
P/1 – ...é o tablet...
R – Esses aparelhinhos lá.
P/1 – ...é!
R – Deve tá com eles.
P/1 – Aí também põe o quanto que pescou, qual a despesa...
R – É.
P/1 – ...pra o pescador já ir vendo se tá...
R – É.
P/1 – ...já tendo lucro, seu Raminho.
R – É.
P/1 – O senhor acha que um equipamento desse faria diferença?
R – Não, eu nunca tive que me acostumar a trabalhar com esse tipo de equipamento, né? Eu trabalhava mais com bússola e sonda. Esse equipamento é equipamento moderno. Aí nunca trabalhei com esse equipamento. Meu equipamento foi só com sonda e bússola, aí que eu trabalhei. Mas esses equipamentos novos modernos agora eu num.
P/1 – Mas, é, o senhor acha que...
R – Nunca trabalhei com ele não...
P/1 – ...ajudaria alguma coisa?
R – Não porque esse...
P/1 – Na sua prática?
R – ...equipamento de hoje tem que melhorar, né? É, tem que ter porque… mas tinha que fazer um curso pra isso que nem todos tem, né?
P/2- Seu Raminho, como é que você controlava antes quanto que você ia ganhar?
P/1 – Ãhn?
P/2 – Como é que você fazia o controle de quantos peixes você já tinha pescado, quanto que você ia ganhar em dinheiro...
R – Ah, aí não!
P/2 – ...como é que você fazia isso?
R – Aí não tinha controle não, a gente ia empilhando o peixe lá, só vinha fazer conta depois que eu dava conta de quanto eu ganhei. A gente não podia saber, o peixe amontoado não podia calcular assim mais ou menos, né, que... só calculava quando ia pesar o peixe que fazia que eu ia saber o quanto que eu ganhava.
P/1 – O senhor, é... hoje, se tivesse uma coisa assim pro senhor calcular: “Eu gastei isso...”, aí anota lá...
R – É.
P/1 – ...aí lá no mar o senhor ia pondo quanto peixe já tinha pescado...
R – Ãhn?
P/1 – ...o senhor acha que um equipamento desses fez falta pro senhor?
R – Não fez falta pra mim não. Porque... aquele... era difícil esses aparelhos de agora, né? Eu não, porque tinha que trabalhar mesmo... como é que diz? Era com sonda, e bússola e pronto, era com o que eu trabalhava.
P/1 – A gente, na verdade, quer saber assim, se um equipamento desse faria alguma diferença, ajudaria em alguma coisa?
R – Pra mim não! Pra mim não tem muita diferença não. Agora o GPS é importante...
P/2 – GPS usou?
R – GPS ajuda em muita coisa.
P/2 – O senhor chegou a usar GPS?
R – A gente usava aqui no barco aqui, da primeira viagem... eu fiz duas viagens no barco aí [pausa], eu fiz duas viagens nele...
P/1 – No que é que ele melhorou?
R – … mas depois eu num quis mais não. Porque eu não podia tá contratando o pessoal, né? A Marinha uma vez me deu uma prensa aí, porque eu... o termo de contrato eu contratava e destratava, aí tudo bem. Agora eu não posso fazer essa equipe mais, porque o pessoal tá aposentado. Só posso ir dar uma pescada, levar os meus documentos, posso pescar. O capitão me dá o direito de eu pescar, né? Levo meu documento pra fora lá e [pausa] posso pescar.
P/2 – E como é que é com o GPS? Muda alguma coisa?
R – Não, o GPS muda porque ele marca o lugar do pesqueiro, né? Marca o lugar do pesqueiro. Se o cabra digitou ele, para no lugar quando tem peixe, o cara pode marcar que ele vai certinho lá [pausa]. É!
P/1 – Mas de longe?
R – Hein?
P/1 – Mas de longe ele marca?
R – Marca!
P/1 – Mas distante?
R – É! Mais distante!
P/1 – Antes o senhor tinha que chegar mais perto?
R – É! [Pausa] Mais distante.
P/1 – E rádio ajuda também?
R – Ajuda, ave Maria!
P/1 – Como é que vocês se comunicavam antes?
R – Primeiro que não tinha comunicação não, agora é bom que tem o rádio, né? Pra gente comunicar dum barco pro outro algum perigo, umas coisas, né? Outra, você entrava numa firma de Castor, uma firma daquela dali, não tinha um rádio. Uma loja ___... pegava 11 toneladas de gelo! E não tinha um rádio. [pausa] É! Agora não, esse barco já vem com rádio, com tudo aí. Tem que comunicar com o outro parceiro lá fora, né? Aí haja força! Uma vez o barco quebra já avisa pro companheiro senão [pausa]... falei com um pessoal da Marinha no dia que fazer uma vistoria no barco aí tive que ligar pra Marinha uma hora em um momento assim...
P/2 – Hm.
R – ...aí ele disse que podia. Não todas as horas podia ligar pra Marinha, né? Mas em uma hora de necessidade pode ligar pra Marinha, não tem problema! Problema nenhum [pausa]. Mas a gente liga mais para os companheiros pesqueiros aí fora. Aí mesmo é muito bom isso aí.
P2 – Como é que era antes ficar tantos dias no mar sem comunicação nenhuma?
R – Sem comunicação nenhuma?
P2 – Como é que era isso?
R – A gente tinha que dar um jeito! Não tinha comunicação, então tinha que comunicar com quem tá lá! [risos] Só tem que chegar em terra. Não tinha jeito não... não tinha celular, não tinha nada porque naquele tempo não existia.
P/1 – Seus filhos levam celular, agora, no barco?
R – Levam, porque eles pescam aqui mesmo, perto! [entrevistadora 1 exclama] Aqui pertinho.
P/1 – O senhor sabe de alguém que usa o celular no barco?
R – Os meninos ali eles usam...
P/1 – É?
R – ...os caboclos ali eles usa celular, né? Tem um rádio e um celular, né? Porque perto... o celular muito longe demais ele não pega. É! Só o rádio mesmo! Tem vez que o barco aqui tá no porto e um sai pra fora, mas de seis em seis horas, de manhã e de tarde, tem que ir lá no barco lá pra comunicar com o outro que tá lá fora. Porque se quebrar já tem o socorro já. Ele já vai buscar ele, né? Tem sempre um que fica parado porque não tem mestre.
P/1 – O rádio tem alcance maior do que o celular?
R – É, alcance maior! [pausa] Ele alcança… estou lá em Vitória, tá aqui na área aqui, perto de Vitória, pra cá em Abrolho, aí a gente, às vezes, conversando um com o outro, aí a gente liga no canal, né, e fica conversando um com o outro. [risos] Mas o rádio é bom demais!
P/1 – Seu Raminho, além desse equipamento do tablet, né, do telefone do celular, o projeto teve algumas outras ações. O senhor ficou sabendo de alguma?
R – Não!
P/1 – O projeto na associação, o senhor não ouviu falar, né?
R – Não.
P/2 – Alguma coisa do marisco, nada?
R – Não!
P/2 – Ô seu Raminho, qual é a importância da pesca na sua vida?
R – Hein?
P/2 – Qual que é a importância da pesca na sua vida?
R – Não, a importância da pesca pra mim é que foi bom. Toda minha vida eu criei meus filhos nela e, como diz, é uma via sadia, né? Mas a importância da pesca é... que foi bom porque pelo menos a pessoa não tem grande estudo, mas a pesca te ensina a viver, [risos] pelo menos a sobreviver, né?
P/1 – E, assim, aqui na comunidade, seu Raminho, o que é que o senhor gostaria que acontecesse se o senhor pudesse: “Olha, eu gostaria que acontecesse isso!” Essa mudança...?
R – Como a mudança?
P/1 – Alguma coisa aqui na comunidade pra melhor, se o senhor pudesse...
R – Aí eu não posso nem responder isso aí porque...
P/1 – ...que é que o senhor gostaria que mudasse aqui? Tem alguma coisa?
R – Bom, mudar é organizar algumas coisas aqui dentro que falta, né?
P/1 – O que...
R – É.
P/1 – ...que o senhor gostaria de organizar?
R – Como que a senhora fala assim?
P/2 – Não...
P/1 – Na comunidade que o senhor vive aqui tinha uns dez pescadores...
R – É.
P/1 – ...hoje cresceu bastante...
R – É.
P/1 – ...o senhor tá vendo muita coisa aqui...
R – É.
P/1 – ...o senhor tem muita experiência na pesca...
R – É.
P/1 – ...o senhor tem alguma coisa aqui na comunidade que o senhor gostaria de arrumar? De organizar? Ou na associação mesmo?
R – Não, na associação é... pra mim é organizar a associação porque ela tá desativada e eu quero que ela melhore do que... pior já teve, né? Que não tinha nem nada aqui, não tinha um prédio desse aí, mas agora já tem como a pessoa sobreviver, já dá emprego pra algumas pessoas. Dá emprego porque... o camarão mesmo tem que ser entregue tudo ali ó! [pausa] Pra poder, pelo menos as marisqueiras, catar o camarão pra poder ganhar o dinheiro delas também, né? Porque tem umas que, às vezes, ficam nessas sem trabalho pra poder elas sobreviver também porque tudo tem que ser... por isso que eu digo, tudo tem que ser entregue tudo ali, porque todo mundo quer ter seu camarão fora. Então tem que... é sócio! Tem que entregar o camarão lá! Pra poder as marisqueiras catar o camarão. Pra poder ela melhorar a vida também, porque ela ganha o troco dela, ganha o segurinho dela e já ganha o dinheiro de marisqueira, né? [pausa] Porque antigamente não tinha isso, agora já tem, né? Porque o governo já tá ajudando aí bastante e vocês também ajuda aí a gente também um pouco.
P/1 – É por isso...
R – É.
P/1 – ...que a gente tá perguntando dessas coisas...
R – Pois é.
P/1 – ...pra entender, né?
R – É.
P/1 – ...como é que funciona. A associação, se organizando, mais gente poderia trabalhar nela?
R – Hein?
P/1 – A associação, se organizando, o que é que ela ajuda pras marisqueiras?
R – Marisqueira?
P/1 – É!
R – Não, eles pagam elas parece que é dois reais por quilo de camarão. Eles pagam pra elas pagar o camarão, né? O filé eles pagam dois reais e o maluquinho, que eles chamam de maluquinho, aí é só tirar a cabeça aí eles pagam um real e 50 centavos. Aí é o dinheiro que eles pagam às marisqueiras aí.
P/1 – Hoje as marisqueiras elas trabalham com... a gente viu algumas trabalhando...
R – É.
P/1 – ...com camarão...
R – Pois é.
P/1 – ...como que elas conseguem...
R – Mas...
P/1 – ...esse trabalho?
R – Foi tudo particular. Todos esses caras que tem barco de camarão, todo mundo quer tá catando camarão particular. Nisso que vai ter na reunião tem que ver isso aí porque ele... a gente tem que receber essa produção tudo aí, mas por enquanto não tem lugar pra gente catar camarão lá, né? Agora que tão fazendo lugar lá pra catar camarão, tratar mais de peixe, aí vai precisar das marisqueiras pra trabalhar, né? É porque, por enquanto, tá tudo catando, assim, separado. Cada um quer vender o seu camarão fora assim, mas tem que ter o lugarzinho pra elas catar o camarão pra elas ganhar o troquinho delas, né? [risos]
P/1 – E um sonho? O senhor tem um sonho, assim, ainda...
R – Hein?
P/1 – ...o senhor tem um sonho ainda que gostaria de realizar?
R – Eu?
P/1 – É!
R – Ah! Muitos sonhos. [pausa curta] Realizar o sonho é, como diz... eu quero um barquinho pra mim trabalhar e dá uma passeada ainda porque não tinha dado pra mim passear. Mas eu conheci a capital do Brasil, mas, como é que diz, trabalhando. Trabalhei no Rio de Janeiro, aí só vim embora por causa dos filhos, tudo pequeno, né? Mas achei um bando de emprego no Rio de Janeiro lá, é, trabalhando de veleiro, trabalhando em lanchas lá, mas eu... fui trabalhar numas coisas lá que o cara... fiquei lá três meses, mas...
P/1 – Turismo? Era turismo?
R – Era turismo, é!
P/2 – Você ficou lá?
R – Fiquei, foi, fiquei.
P/2 – Em uma época?
R – Fiquei 3 meses no Rio de Janeiro trabalhando lá no Rio. Mas se não fosse a família, tava até hoje lá no Rio ainda, tava bem empregado, já tinha aposentado melhor do que fazer mais cursos pra frente, né? Fazer os cursos lá e tava meio quebrado, mas eu não perdi a esperança de Deus não, né?
P/1 – Esse barco que o senhor sonha, com ele seria pra continuar na pesca, ou talvez...
R – Não quero mais barco não!
P/1 – ...pra passeio?
R – Eu não quero mais barco não. Eu tenho só um barquinho pequeno aí só pra minha pescaria aqui mesmo, pertinho mesmo. Quando der eu compro uma lanchinha pra dar uns passeios aí [risos].
P/1 – Ah, sei, sei!
P2 – Só pra...
P/1 – É pra passear.
R – ...passear um pouquinho, né? Que já trabalhei muito. Trabalhei muito aí queria muito uma lanchinha assim pra mim passear aí por aí. Tomar uma cervejinha em dia de domingo, na folga [risos].
P/1 – Seu Raminho, tem alguma coisa da sua história que o senhor gostaria de deixar gravado ainda? Porque a gente já tá terminando...
R – Hein?
P/1 – Nós já estamos terminando.
R – Ô felicidade, hein? [risos] A história eu... a pesca me deixou uma saudade! Tá me deixando sempre uma saudade porque não posso mais navegar fora, né? Mas pra mim tá bom! Porque já naveguei muito. Porque… mas eu tô com saudade da pesca, tenho meus filhos tudo na pesca aí tenho saudade da pesca. [risos] Até hoje tô pescando, eu fui pescar hoje ainda, mas pra mim tô alegre com a pesca que meus filho tudo é, como diz, são pescador, só um que não quer pescar, mas pra mim, eu tenho uma saudade da pesca.
P/1 – Qual é essa saudade? Se o senhor pudesse dizer: “Eu tenho uma saudade da pesca...”. O que é que dá aquela saudade na pesca?
R – Hein?
P/1 – Que é que o senhor sente falta na pesca?
R – Hein?
P/1 – Do que é que o senhor sente falta da pesca? De sair pescando... o que é que o senhor sente mais falta?
R – Ah, eu sinto falta porque na hora que tinha pescado uns peixes de 30 quilo, 40 quilos, né? Aí chegava assim, o convés do barco, de manhãzinha assim, fica alastrado de peixe. Só de manhã, se a gente matar 500 quilos de peixe só de manhã, 600 quilos de peixe, aí ficava alegre quando via. Não tem um pessoal que fica alegre quando vê quando tem o pescado? [risos] Quando o pescador, quando não encontra o peixe fica com raiva. Um fica zangado com o outro: “O mestre não é bom... num sei o quê! O nosso mestre não tava tendo lugar de peixe... não sei o quê!”; mas na hora que o mestre bota no lugar de peixe eles fica tudo alegre, né? [risos] Todo mundo gostava de trabalhar comigo… eu trabalhava quando eu tinha o juros por nada, né? Aí o (Zure?) tirava, quando chegava em terra, tirava os peixes do jeito que ele queria, salgava o peixe lá fora pra ele trazer pra casa dele... nunca tive essas conversa com esse negócio de peixe. Mas eu... a pesca pra mim foi a maior alegria! [risos]
P/1 – Que bom!
R – Alegre de pescar.
P/1 – Tá certo! A gente terminou, seu Raminho, muito obrigada...
R – Obrigado!
P/1 – ...pela sua história bonita, do seu jeito, viu?
[entrevistado ri uma última vez]
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