P/1 – Primeiro, para começar, eu vou pedir para o senhor falar seu nome de novo. O nome completo.
R – Meu nome é Jorge Luís Silva de Oliveira, morador de Barra de Itabapoana.
P/1 – E senhor Jorge, conta para mim também o dia que o senhor nasceu?
R – 14 de setembro de 1966.
P/1 – E o senhor nasceu aqui em São Francisco mesmo, senhor Jorge?
R – Em Barra de Itabapoana, São Francisco.
P/1 – Está certo. E senhor Jorge, me conta um pouquinho como é que era nessa época a comunidade, o que é que você lembra daqui do período de infância?
R – No período da minha infância eu lembro que a pesca era, com toda dificuldade de vida, mais farta do que hoje...
P/1 – De maior quantidade?
R – Quantidade. Não sei porque, se a embarcações aumentaram também, o número de barcos maior. Na infância a gente via muito mais peixe do que hoje.
P/1 – Entendi. E as casas aqui, como é que eram as casas aqui na comunidade?
R – As casas, como um lugar sempre carente, lugar humilde, as casas eram de palha na cobertura. Muitas casas de barro, de estuque.
P/1 – Entendi.
R – E muito carente. Televisão a gente ia para a casa do vizinho assistir pela janela.
P/1 – Como é que era isso, de ver a tv na casa do vizinho?
R – Ah, aqui no bairro meu mesmo, só tinha uma televisão. Um vizinho só que tinha uma televisão, mais ninguém tinha. Aí nós fazíamos filas, meninos de 12 anos para baixo, 13, e ali a gente ficava assistindo novela, filme. Nas casas, na janela, muitas vezes muita bagunça. Criança, né? E a senhora, dona da casa, não deixava mais assistir. Aí foi passando uns tempos, já foi aparecendo mais televisão, até chegar um ponto de a gente própria ter a televisão, mas o começo foi muito difícil.
O lugar é carente, não tinha um cinema, não tinha nada e era isso aí, muita brincadeira.
P/1 – Senhor Jorge, você conheceu...
Continuar leituraP/1 – Primeiro, para começar, eu vou pedir para o senhor falar seu nome de novo. O nome completo.
R – Meu nome é Jorge Luís Silva de Oliveira, morador de Barra de Itabapoana.
P/1 – E senhor Jorge, conta para mim também o dia que o senhor nasceu?
R – 14 de setembro de 1966.
P/1 – E o senhor nasceu aqui em São Francisco mesmo, senhor Jorge?
R – Em Barra de Itabapoana, São Francisco.
P/1 – Está certo. E senhor Jorge, me conta um pouquinho como é que era nessa época a comunidade, o que é que você lembra daqui do período de infância?
R – No período da minha infância eu lembro que a pesca era, com toda dificuldade de vida, mais farta do que hoje...
P/1 – De maior quantidade?
R – Quantidade. Não sei porque, se a embarcações aumentaram também, o número de barcos maior. Na infância a gente via muito mais peixe do que hoje.
P/1 – Entendi. E as casas aqui, como é que eram as casas aqui na comunidade?
R – As casas, como um lugar sempre carente, lugar humilde, as casas eram de palha na cobertura. Muitas casas de barro, de estuque.
P/1 – Entendi.
R – E muito carente. Televisão a gente ia para a casa do vizinho assistir pela janela.
P/1 – Como é que era isso, de ver a tv na casa do vizinho?
R – Ah, aqui no bairro meu mesmo, só tinha uma televisão. Um vizinho só que tinha uma televisão, mais ninguém tinha. Aí nós fazíamos filas, meninos de 12 anos para baixo, 13, e ali a gente ficava assistindo novela, filme. Nas casas, na janela, muitas vezes muita bagunça. Criança, né? E a senhora, dona da casa, não deixava mais assistir. Aí foi passando uns tempos, já foi aparecendo mais televisão, até chegar um ponto de a gente própria ter a televisão, mas o começo foi muito difícil.
O lugar é carente, não tinha um cinema, não tinha nada e era isso aí, muita brincadeira.
P/1 – Senhor Jorge, você conheceu seus avós?
R – Não.
P/1 – Não conheceu os avós?
R – Não.
P/1 – Seus pais, eles faziam o quê? O que é que você lembra dos seus pais?
R – Meu pai era... Eu já alcancei ele quando nasci, eu já alcancei ele trabalhando pela prefeitura, limpeza pública. Mas sempre foi lavrador. Quando veio para Barra de Itabapoana, que eles são de São Francisco, mas de outras localidades vizinhas, aí ele veio trabalhar em servidor público. E ali ele trabalhava na limpeza e, aos meus dez anos, eu perdi ele por câncer de garganta, através do cigarro. Ele ficou mudo, teve que cortar as cordas vocais dele, e ali ele ficou cinco anos. O médico deu cinco anos de vida e dentro dos cinco anos ele faleceu. Então, aos dez anos eu perdi meu pai, acabei de ser criado pela minha mãe, meus irmãos, sempre pescadores os meus irmãos. E aos 17 anos... Eu estudei até os 17 anos, depois dos 17 anos eu não tive mais condições de permanecer no estudo porque aqui não tinha aula a noite, era só de dia. Ou você trabalhava ou estudava. Aí eu tive que encarar o mar, que é a única fonte de vida, com todo risco, com toda dificuldade, mas quem oferece melhor condições é o mar.
[Pausa]
P/1 – Seu Jorge, você estava me falando que seu pai veio para Barra por conta de trabalho. Então ele saiu de São Francisco e veio para Barra. E aí vocês chegaram aqui, como é que era a casa de vocês aqui em Barra? O que é que você lembra das casas de infância?
R – Como é que era a casa?
P/1 – Isso, como é que era a casa?
R – Eram casas de tábua de madeira, com telhados até mesmo já de telha, mas ele era todo de madeira, assoalho, casa antiga. Eu nasci aqui.
Meus irmãos nasceram em outras cidades vizinhas, mas o único que nasceu em Barra de Itabapoana fui eu.
P/1 – E vocês são em quantos irmãos?
R – Oito.
P/1 – São oito. E como é que era o dia a dia, assim, na hora de comer, na hora de dividir quarto. Como é que era o cotidiano da casa?
R – Era bem difícil, precário. Minha mãe muitas vezes deixava de comer para poder a gente comer, entendeu? Meu pai, na época, não tinha férias, não era carteira assinada. Prefeitura, aquele negócio todo, e era muito difícil mesmo, meus irmãos trabalhavam na pesca. A pesca na época era boa, mas como não valorizava, não tinha valor. Muito difícil mesmo. Muitas vezes almoçava, não jantava.
P/1 – Entendi.
R – E ele ainda falava para mim, meus irmãos, que eu fui dos filhos que praticamente nasceu em berço de ouro. E eu nessa situação, agora imagina eles antes, né? Essa situação.
P/1 – E você comentou que seu pai era lavrador também, vocês tinham roça perto de casa? Tinha alguma coisa, como é que era?
R – Não, ele trabalhava sempre, assim, em sociedade com... Tinha um proprietário da terra e dava meia para ele fazer o plantio.
Aí na colheita, dividia 50%, entendeu? A terra não era dele, ele era só o agricultor. Agricultava e na hora da colheita é que iam tantos por cento da terra, tantos por cento dele como...
P/1 – Uma parte da alimentação de vocês vinha da colheita também? vinha de plantação?
R – Da colheita. É.
P/1 – Legal. E aí, conta um pouco da sua mãe. Como é que era a sua mãe, o que é que você lembra dela?
R – Minha mãe... Ela era uma mulher que nunca tinha ido à escola, mas aprendeu com seus próprios irmãos. Meus tios ensinaram a ela alguma coisa em casa e ela veio passando para a gente até chegar um ponto de a gente começar a estudar no colégio público. Esse Ana Nunes Viana, que foi o colégio que estudei e parei. Ela sabia muitas coisas, mesmo sem ter escola, então ela passava.
P/1 – O que você lembra dela ensinar para vocês?
R – Ela ensinava o nome, quando fomos para a escola a gente sabia fazer o nome da gente, ensinado por ela. Quer dizer, o pouquinho que ela soube ela passou para a gente. A mulher que carregava muita lenha na cabeça, fogão a lenha... Água. Nós não tínhamos água potável. Desse rio Itabapoana, nós carregávamos muita água na lata para dentro de casa. Para tudo, essa água do rio. E lenha, nós saíamos pelas matas catando graveto. Aqui mesmo na praia, eu morava lá perto do Ana Nunes, depois vim morar aqui para o bairro onde a gente esteve ali. A gente saía catando, o mar jogava as lenhas para cima, o lixo para cima da praia, saía catando aqueles paus. Não existia gás, até existia, só que a gente não tinha um fogão a gás.
P/1 – E eram muitas casas aqui antes? Ou era pouco?
R – Não, tinham bastante, mas espalhado. Até porque podia tomar posse, chegar aqui na praia e fazer uma casa, ninguém impedia. Hoje não pode. Chegava em um mangue desse, fazia ali um barraco, ali você ficava morando, ninguém te atrapalhava, ninguém pedia para você desmanchar barraco, entendeu? Tem uma diferença. Então eram muitas casas assim, espalhadas. E luz elétrica mesmo... Eu lembro quando, na minha infância, a luz ia até as dez horas da noite. Tinha um gerador. Aqui não tinha luz elétrica, aqui era um gerador e tinha hora para ligar e hora para desligar. Então tinha o operário do gerador, que às 18 horas ele ligava o gerador e, as 22h50 todo mundo já sabia que ia ficar no escuro. Então, aqueles que tinham energia já sabia que iam ficar sem. E a gente quando viermos morar aqui, morei nove anos na praia. A gente ficava todo prosa quando via aquele clarão de luz lá, mais fora um pouquinho no Centro ali... A gente no escuro, com lamparina, luz a querosene. Quando nós fomos morar no Centro daqui da Barra, para nós que estávamos no Rio de Janeiro, no meio de luz, vê muita diferença.
Uma coisa simples, mas faz a diferença.
P/1 – Agora Jorge, apesar dessa infância sofrida, vocês tinham brincadeiras, era muito de brincar com os irmãos? Do que é que vocês brincavam?
R – Muitas brincadeiras –de bola de gude, de bola, de pião, de pique-esconde. Não existia maldade, todo mundo crescia junto com as crianças sem maldade, sem violência. Seus pais nem se preocupavam porque ali a vizinhança era só mesmo brincadeira. Não tinha de, como hoje em dia, não pode deixar certas crianças brincarem com certas crianças, mas naquele tempo era muito bom.
P/1 – E aí você já nasceu na praia? Como é que era essa relação com o mar, com a praia, como é? Tinha muito de ir para a praia brincar por aqui?
R – Não. Até porque a gente não brincava muito na praia, os pais se preocupavam muito, uma área perigosa. A gente brincava mesmo assim, em rua, jogava bola em rua, fechava a rua, passava o carro a gente parava de jogar bola para o carro passar, passava uma pessoa a gente parava de jogar. A nossa brincadeira era mais em rua, em frente as casas.
P/1 – Entendi. E aí você frequentou a escola até os 17? Quais são as primeiras lembranças da escola, Jorge? Primeira vez que foi para a escola, como é que era? O que é que você lembra? Tinha algum professor? Ou a escola era um lugar marcante? Qual era a relação com a escola?
R – A escola eu tenho como... Desde o primeiro dia que eu entrei na escola, nunca fui santo, mas eu era um dos alunos que a professora sempre dava uma nota máxima porque eu não era bagunceiro. De comportamento eu fui um exemplar para a diretora, que hoje já é falecida, a Maria Léia de Augusto Barreto. Ela me levava muitas das vezes lá na frente do auditório como exemplo de um filho que não tinha pai e mãe sacrificada e nunca deixou de ir ao colégio, sem ter uniforme. O meu uniforme era a mesma roupa que eu saía para alguma festa, um aniversário, era a roupa de colégio, porque eu não tinha outra roupa. Então essa roup... Eu nunca fui sem uma meia mesmo sem ter pai, entendeu? Ela me levava porque tinha pessoas ali com condições de ir todo uniformizado e não ia por não querer, talvez por relaxamento até. Eu tinha aquilo ali marcante na minha vida pela situação difícil que eu levava com meus pais, de ter perdido ele, e ela falava assim: “Está vendo esse menino aqui? Mesmo sem pai, com sua mãe sacrificada, olha o estado dele”; mas aquela roupa, o calçado era um Kichute. Na época de Kichute, era o meu sapato de sair e de ir para o colégio. Era em um saquinho de arroz que levava o caderno, quando eu ganhei uma pasta depois... Já na terceira série, me deram uma pasta. Alguém da minha família me deu uma pasta, eu fiquei muito alegre. Hoje eu tenho até... Na família hoje, eu tenho as minhas crianças, tenho duas netas... Acabei de criar duas netas. Hoje fica escolhendo mochilas, né? “Com mochila boa do ano passado eu não quero estudar esse ano”. Aí eu fico falando para elas que a gente não teve esse conforto, hoje nós temos mochilas lá em casa que dá para outras crianças estudarem. Porque as crianças hoje estão cheias de... Escolhendo, né? E a gente, naquele tempo, não tinha essa escolha. Era aquele saquinho de arroz, era aquela camisa para tudo. A mãe tinha que lavar. Você tinha que ir em um médico na manhã, tinha que tirar aquela camisa que veio do colégio, passar uma água –era fininho, poliéster, secava até no vento – para poder ir ao médico no outro dia, ou talvez... Era muito difícil mesmo.
P/1 – Entendi. Aí você falou que com dez anos você perdeu o seu pai.
R – É.
P/1 – Como é que ficou a vida? Sua mãe já era batalhadora, seus irmãos já ajudavam trabalhando, como é que foi?
R – É, meus irmãos como pescador, tinha um que trabalhava em fábrica de farinha. Meu pai, no último suspiro dele, pediu que cuidasse da gente, não deixasse eu e minha irmã, que era mais nova, passar fome. Fazia sinal, gesto. E eles, graças a Deus, com todas as dificuldades, nunca deixaram a gente passar fome. Aos 17 anos eu tive que escolher. Para eu estudar, como é que eu ia manter meu colégio? Eu tinha que trabalhar. Então foi onde eu parei, passei para a sétima série, mas não cheguei nem a fazer. Parei na sexta. Até hoje não terminei, até porque, hoje tive até condições de terminar, mas já não tenho mais vontade de estudar. Entendeu?
P/1 – Entendi. E Jorge, você já trabalhava desde pequeno? Como é que era? Já tinha que trabalhar ou você, até os 15, você foi só para a escola? Como é que era?
R – Não, aos nove anos eu já fazia algum biscate, alguma coisa. Eu vendia muito doce. Aos nove anos eu saía com tabuleiro de doce para uma moça que fazia para vender, inclusive. Ela vendia doce e me botava para vender na rua. Eu ganhava comissão quanto mais eu vendesse. Aí eu saía nessa barra todinha, rua por rua...
P/1 – O que é que falava? O que é que você gritava para vender os doces?
R – “Oh, o doce”, né? Falava o que tinha, doce de inglês, cocada. E eu vendia todos os dias nesses braços aqui. Não era nada pendurado no pescoço não, era nos braços, oferecendo um e o outro. E muito picolé, vendi muito picolé, até ali em frente ao Ana Nunes. Tem o rapaz do bar chamado Didi, eu vendi muito picolé para ele, muito picolé. Em praia, em futebol. Ganhava aquele pouquinho para ajudar em casa.
P/1 – Qual era a coisa que você mais gostava de fazer, de pequeno?
R – Era brincar quando chegava depois do colégio. Da gente se juntar, brincar. Até mesmo brincadeira de pique-esconde, essas coisas.
P/1 – E me conta uma coisa Jorge, você falou que seu pai não era pescador. E como é que seus irmãos aprenderam a pescar? Com quem é que eles aprenderam a pescar?
R – Os meus irmãos vieram a aprender... O primeiro irmão meu, Amaro Silva de Oliveira, ele também não era pescador, ele nasceu em localidade vizinha, aí quando veio para aí... Está vivo o rapaz que ensinou ele pescar, chamado Arildo. É até uma pessoa excelente para fazer uma entrevista dessa, até informo você como é que chega até ele. Uma pessoa que já está aposentada na pesca, foi ele quem ensinou meu irmão a pescar, como muitos. Essa semana eu estive conversando com ele. Através dele meu irmão foi ao mar e ali foi pegando gosto, a necessidade também obrigando. Ele passou para outro irmão meu, que era o trabalhador de fábrica de farinha, e também começou a pescar. E eu, por ver eles pescando e gostando também. Aqui não tinha opção, escolha. Caí na pesca também, mas através desse irmão meu que a gente começou a... Eu tenho 25 anos de pesca, conheço essa costa brasileira bastante, não é só aqui não. Cabo Frio, Angra dos Reis, Rio de Janeiro, qualquer hora eu entro com barco e saio. Descarreguei muito peixe no Rio, na Bahia, em certos lugares na Bahia. Conheço bastante essa costa, minha pescaria é de mar aberto, lá nas plataformas, peixe bravo mesmo. Pesquei muito aqui camarão de arrasto, muito peroá, mas atualmente é pescaria lá de alto mar.
P/1 – E esse primeiro rapaz que ensinou seu irmão, como é que vocês conheceram ele?
R – Porque ele é daqui mesmo.
P/1 – Era alguém da comunidade?
R – É, o pai dele sempre foi pescador. Os irmãos dele, todos pescadores.
P/1 – Mas ele era uma referência? Ele era uma pessoa que você falou, que ensinou o seu irmão porque era um bom pescador? Ele era alguém que estava aqui sempre disponível?
R – Quem?
P/1 – O rapaz que ensinou seu irmão. Porque é que ele ensinou? Seu irmão pediu? Como é que foi? Como é que seu irmão chegou nele?
R – Porque meu irmão pediu a ele. “Me leva para o mar? Preciso trabalhar, me leva para o mar”, aí ele precisando também, deu uma oportunidade. Como eu, no decorrer desses 20 e poucos anos, muitas pessoas já aprenderam o pescado comigo porque é preciso ter a primeira oportunidade. Se ninguém levar, você não sabe se você vai ser um pescador amanhã, porque é muito fácil pegar uma linha e jogar na praia, mas ser um pescador profissional, artesanato... Esse meu irmão meu chegou para o rapaz e pediu, “Me leva para o mar, preciso trabalhar”. Aí ele foi, nunca enjoou, nunca ficou mareado. Eu tive uma dificuldade grande para me acostumar, mas acostumei. E através da tradição a gente vai pescando. Esse rapaz ensinou muita gente.
P/1 – Entendi.
R – Tem muita gente também que hoje é pescador através de mim, através de outros colegas. E tem pessoas que pegaram, “Não vou levar porque você nunca foi”, mas se você nunca foi, você não vai saber. É difícil, no mar é muito difícil, para quem nunca foi mar.
P/1 – Você falou das dificuldades, quais foram as suas dificuldades no começo Jorge? O que é que ficar mareado? Você ficava enjoado?
R – Ah, muita coisa.
P/1 – No começo eram?
R – É. Eu cheguei a tomar Dramin e fiquei até dependente porque tinha na psicóloga, se eu parasse de tomar aquele remédio eu ia passar mal. Já não estava mais passando mal, mas o dia que eu não tomasse ele, ia passar mal. Naquilo ali foram passando anos, levei mais de anos tomando aquilo. Um dia um colega meu falou assim: “Você para rapaz, você para que você já não enjoa mais não”. Aí eu para não parar de vez, cortei a metade de um comprimido até chegar a ponto de não tomar mais. Mas passei muito mal, levei muito tempo enjoando, é horrível.
P/1 – E aí você começou a falar um pouco, Jorge, do que era diferente. Antes você falou que tinha peixe mais abundante, que mais que era diferente? Tinha outro jeito de pescar antes? O que é que mudou, assim, dos 25 anos atrás desde que você...?
R – O que eu acho que mudou é o que eu estou falando, por ter prosperado no número de barcos, e as embarcações serem maiores, antes a gente ia todo dia e voltava com o barco cheio de peixe. Todo dia, saía de manhã e voltava a tarde com uma boa quantidade. Depois passamos a ficar dois dias, três dias para trazer a mesma quantidade que antes a gente ia de manhã e voltava de tarde. Depois, barco que levava quatro dias, passou a ficar oito, e chegamos ao ponto de, atualmente, nós estarmos ficando 13 dias, 15 dias no mar. A gente não sabe o porquê, só a Deus pertence, mas eu creio que seja com as influências das pesquisas sísmica, que atinge bastante a área da pesca. Ela ajuda muito, né? Tem muitos empregos hoje através do petróleo, mas também a procura do petróleo deixa a desejar a área da pesca e nós temos sofrido muito com isso. O próprio ser humano, ele destrói o que Deus constrói. O ser humano destrói. A gente pescava com anzol, muitas vezes passa a pescar de fuçar, passa a pescar de materiais, mas pega os peixes pequenos que não deveriam ser pegos, e assim o próprio ser humano destrói. Então, creio que juntando tudo, um pouquinho de prejudicação daqui, prejudica dali, creio que no final deixa a desejar. Hoje muitos pais não desejam que seus filhos sejam pescadores, passar o que ele passou, que vem passando.
P/1 – E Jorge, quando você lembra dessa época de quando você começou a pescar, dava para viver da pesca?
R – É, como até hoje a gente vive. Hoje tem coisas que estão bem melhores do que antes. Antes a gente era escravizado, entendeu? A pesca, ela escravizava pelos proprietários que comprava o peixe. Você é obrigado a vender a ele, nós éramos obrigados a vender aos donos de frigorífico, senão tinha que jogar fora o pescado. Se ele botasse 50 centavos, nós éramos obrigados a vender à 50 centavos porque nós não tínhamos opção. Hoje nós temos. Acho que já chegou ao seu conhecimento, nós temos caminhões fretados para levar para o Ceasa em Irajá, todo pescado aqui é levado para o Ceasa e vendido no Irajá. Pagamos uma boa porcentagem, 10%, em pregoeiro, pagamos frete, pagamos acostamento, gelo para colocar em cima... Isso é só para o peixe viajar daqui para o mercado. Gelo para conservar o peixe até o mercado. Mas mesmo assim, hoje está melhor do que antigamente, porque antigamente nós não tínhamos opção. Éramos obrigados a vender a ele. Hoje você escolhe, ou você vende a ele, ou você leva para o Rio. Eu, como estou falando, pesco muito fora daqui, Cabo Frio, Macaé. Então eu procuro sempre quando estou mais próximo, do porto mais próximo, e vendo por lá mesmo. Não precisa mandar para o Rio, vendo em Macaé, em Cabo Frio, em Angra dos Reis.
P/1 – E aí o valor acaba compensando? Acaba valendo?
R – É, porque aí eu ganho tempo, né? Eu já estou próximo do porto.
P/1 – E Jorge, você lembra a primeira vez que você foi pescar?
R – Lembro.
P/1 – Como é que foi a primeira vez?
R – A primeira vez foi difícil. A gente querendo pescar, mas em terra a gente faz a maior folia. Aqui em terra a gente pula, “Eu quero ir” e, depois quando bate lá, o negócio é estreito, muito estreito. Mas também, com o decorrer dos tempos e a força de vontade, a gente já passa como fosse hoje. A gente está conversando aqui, eu no mar é o mesmo que estar aqui conversando. Passei por um processo muito difícil.
P/1 – Eu ia te perguntar, como é que eram os barcos nessa época? Você sempre em mar aberto? Sempre foi de pesca de mar?
R – Na época o que eu cheguei a pescar já era motor a diesel.
P/1 – Já era motor…?
R – Era motor pequeno, motor MB10, barulhento. Motor que a gente não podia conversar com outra pessoa que ele atrapalhava, que ele dá muita vibração. Aí começa a dar coceira no nariz da gente e você não consegue ficar. Mas antes, meu irmão já começou a trabalhar no motor a gasolina. Quando começaram a pesca aqui, antes nem motor era, era batelão. Inclusive é o que eu estou falando, aquele rapaz que...
P/1 – Que você falou?
R – Aquele rapaz que ensinou meu irmão, ele começou a trabalhar antes de ser motor.
P/1 – Batelão é como um caiaque? Como é que é?
R – É uma canoa de uma madeira só. Saía de mar afora à remo. Eles trabalhavam para depois chegar o motor à gasolina. Motor a gasolina, o barco não tinha nem a tapagem do motor, era aquele... A gente tratava como boca aberta, era um casco sem convés. Então aquele motor ficava destampado, quando o mar estava agitado, que ia passar na boca da Barra, o mar entrava dentro do barco, afogava o motor, que era a vela, o carburador... E aí era problema. Quando chegou o motor a diesel, os primeiros motores foram o BMB10, para chegar até um Mercedes, um Scania, um MWM, que é o que a gente usa hoje, turbinado. Quer dizer, hoje nós estamos com toda dificuldade, o barco tem alojamento, antigamente a gente não tinha nem o motor para cobrir, quanto mais a gente.
P/1 – Como é que é para comprar esses barcos? Antigamente alguém fazia? O batelão fazia aqui mesmo, né?
R – É, são todos construídos aqui mesmo. Tanto o barco como os batelões. O batelão era feito aqui mesmo, tinham pessoas, já falecidas, que faziam no manual. Só coisas manuais mesmo, não tinha nada elétrico como hoje. E eles faziam, eu cheguei a ver chegando a pesca criança, a gente lembra. Agora eu comecei a trabalhar em motores menores, mas a diesel.
P/1 –E aí quais eram os peixes mais abundantes nessa época? Que peixe que era mais farto?
R – Era a pescada, era a sarda, corvina.
P/1 – Esses tinham bem mais antes?
R – Tinha fartura, robalo... Inclusive, esse rapaz que ensinou meu irmão a pescar, o pai dele tem fotos do batelão só de robalo, você nem chega a ver eles direito dentro da canoa, só robalo. Hoje está raro. Muitos peixes.
P/1 – E Jorge, queria que você explicasse um pouco que tipo de pescaria que você faz. Vocês entram no barco, são quantas pessoas, como é que faz? Como é que é, se é rede?
R – Espinhel.
P/1 – E como é que funciona?
R – Atualmente, onde eu vivo hoje, são cinco tripulantes comigo, eu e mais quatro. Nós temos... Materiais é anzol. Trabalha com espinhel também, na época do dourado é com espinhel. Essa época agora é de linha de fundo. Então a gente trabalha com cinco pessoas, fica lá 12 dias, 13 dias de mar, chega até 15. Mas normalmente são 12, 13.
P/1 – E como é que é ficar 15 dias embarcado?
R – A gente já está acostumado. Não vou dizer que sejam coisas boas, porque você deixa seu lar com sua família para conviver dentro de uma embarcação 13 dias, 15 dias. A gente passa até a acostumar, mas a gente não vê a hora de chegar o dia de retornar. E a pesca, quanto mais ela aparecer, mais cedo a gente vem. Mas, atualmente, pela capacidade do barco, a gente demora mais. Porque antes, mesmo com pesca ou sem pesca, era obrigado a vir embora com sete dias, oito dias, porque o gelo não aguenta tanto tempo. Mas hoje não, hoje a gente tem capacidade de ficar lá 15 dias com bastante compra, que é o rancho que a gente fala. Mercadoria, muito gelo e poliuretano. O barco hoje não é mais isopor, antigamente as urnas eram revestidas de isopor, hoje é poliuretano, ele conserva melhor o gelo.
A gente só vem embora mesmo quando acaba o gelo, porque enquanto tiver a mercadoria, o alimento, o óleo e água potável, a gente vai ficando. Mas quando o gelador fala: “O gelo acabou, só dá para hoje”, aí não tem meio porque lá não tem como arrumar.
P/1 – O gelador é a pessoa que fica responsável só pelo gelo?
R – É. A gente fica como mestre na embarcação, comandante. Já tem o cozinheiro, ele pesca, mas ele tem que se preocupar com a cozinha, com o alimento, e tem o gelador, que é o que conserva o peixe no gelo. Cada um tem a sua função ali, os outros dois é convés, só trabalha e arruma o convés.
P/1 – Quando pega o peixe tem que temperar ou já coloca no gelo? Como é que funciona?
R – Não, no gelo ele é normalmente. Tirou do anzol, já vai para o gelo.
P/1 – E para eu ter uma ideia, em um período desse que vocês 15 dias, tira que quantidade?
R – É como eu estou te falando, duas toneladas, três, uma e pouco, 1.500 quilos, uma tonelada e meia, praticamente a pescaria foi ruim. Pescaria para ser boa tem que ser de duas e meia para cima.
P/1 – Para a pescaria valer a pena? O tempo que ficou lá?
R – É.
P/1 – Me conta um pouco mais do processo. Você falou, por exemplo, da linha de fundo. Me conta um pouco mais sobre a pesca em si, quais são os assoalhos? Eu sei que varia de acordo com o peixe, né? O jeito que você usa, você falou assim, “É anzol”, porque é uma quantidade muito grande que vocês pegam?
R – É, quantidade e anzol em várias qualidades. Cada peixe eu pego de um anzol diferente. O náilon, a linha de fundo, que é a linha que vai até lá no fundo mesmo do mar, é 160 milímetros. 200 metros, 300 metros de profundidade, é 160 milímetros a espessura dela. E o anzol, dependendo o peixe, nós temos o anzol zero sete, muitas pessoas falam que é o 17, mas o certo é zero sete. O anzol zero cinco, que é maior um pouco. Cada peixe a gente trabalha com um material. Nós temos tudo, normalmente é mil reais só de materiais.
P/1 – Entendi.
R – Entendeu. Então nesses R$ 1 mil
P/1 – Para poder sair?
R – Levar um pouco de cada. Para poder chegar lá, “Ah, eu quero pegar o dourado”. Dourado é o anzol zero cinco, mas o náilon é 140, você não pode botar um náilon 100 que você vai perder o peixe.
P/1 – E como você aprendeu isso, Jorge? Na prática? Como é que?
R – Na prática, tudo na prática. Inclusive, hoje nós temos aparelhos como sonda, GPS, antes era tudo olhando para o Sol para saber onde estava a terra para poder vir embora.
P/1 – Me fala, nesse ponto que você falou de antes, hoje tem GPS... Como é que sabia quando é que podia pescar, antes? Como é que sabia se a maré estava boa ou não? Como é que funcionava?
R – Sobre a maré, no caso, a gente via se ela estava boa. Mas quando ela chegava aí, a gente ia pela estrela, estrela cadente, estrela d’alva pela madrugada. Você criava um rumo, você olhava assim, “Eu quero ir para essa reta”. Na época a gente não sabia se era, não tinha bússola, não tinha nada, não sabia se era 120 graus, se era 100 graus. A gente olhava, “Ah, vou nessa reta aqui”, e começava a trabalhar.
P/1 – Aí seguia a direção pelo...?
R – A estrela ia sumindo, a gente ia procurando outro meio. Aí vinha o Sol, o raiar do dia, dava certinho na proa do barco. Você chegava, marcava no relógio, duas horas, três horas de viagem para dentro. Na hora de vir era o contrário, você olhada para as ondas do mar, para onde o mar ia fazendo aquele encosto para a terra. Você está sabendo, “A terra está para cá”. E o Sol também, ele ia se pondo então você sabia que estava para lá por causa dele. Mas o dia que estava chovendo, que não tinha Sol? Aí era pelo mar. Não sabia se ia aparecer aqui em terra... Se nós iríamos aparecer, podia próximo, podia ser mais distante um pouco. Então, foi pela prática até aparecer uma bússola, aí nós começamos. Inclusive a minha mãe até se preocupou muito quando falei que ia pescar peroá, que é uma pescaria mais afastada. “E como você vai? Você sabe isso, você sabe vir?”, Falei: “Eu vou acompanhar os outros colegas. O que eles fizerem, eu vou fazer”. Então a minha primeira vez foi assim, foi pegando a prática no dia a dia, a cada dia. Chegar a ponto de hoje... Nós temos uma embarcação equipada com aparelho, mas o começo foi assim, sendo na prática, como hoje é na prática. Hoje nós não temos curso para pescador, nós temos curso em sobrevivência no mar, como eu fiz na Falck Nutec, mas já é patrocinada pela Petrobrás. Um curso como fosse um salvatagem, sobrevivência ao pescador no mar, muito útil, como combate incêndio, tudo incluído. Mas como pescador, você tem que ir pela prática, jogar o anzol. Não pode dar o peixe parar o rapaz, tem que dar a ferramenta para ele pescar o peixe. Assim me deram uma ferramenta, uma oportunidade para eu ser um pescador hoje.
P/1 – Jorge, você comentou que, às vezes, vocês iam e não necessariamente voltavam para o mesmo lugar. Tem alguma situação que você lembra em que você voltou para o lugar errado?
R – Várias vezes. Várias vezes, quando chega a ponto de você pensar que está em Barra, está em Marataízes, está em Gargaú. Também não tem muita diferença não, mas... “Ah, vou lá para Vitória. Não, porque o grau a gente tem uma noção, antes da bússola. Pela saída que você ia, tinha uma noção que ao jogar do mar para terra, você ia aparecer na terra. A diferença é essa, é mínima. Do Gargaú à Barra não é tão longe, aí você já vendia o pescado por lá mesmo. Apesar da família ficar preocupada, não tinha telefone, não tinha nada de contato e as pessoas levarem três dias para dar notícia, e tão perto. Mas depois da bússola, mesmo com a bússola dá errado o lugar também porque às vezes você traça um rumo, mas lá você esquece porque não chega e parou naquele lugar. Você fica à deriva pescando. Aqui não tem nada, você vai parar ali. “Ah, aqui pegou pouquinho peixe, eu vou procurar mais um peixe ali na frente”. Você só vê céu e água, quando chega a hora de vir embora, não sabe mais a direção que estava. É onde acontece e dá errado.
P/1 – Entendi. E tem alguma situação que você lembra de passar perigo no mar?
R – Tem muita também.
[Pausa]
P/1 – Então Jorge, para retomar, eu tinha te perguntado sobre situações de perigo no mar. Aí você falou que têm muitas. Tem?
R – Na pesca artesanal, assim que eu comecei até mesmo no prolongar dos tempos. Antes de eu ir lá para o mar aberto, a gente pescava o camarão, pescava o peroá e, muitas vezes, na hora de entrar na boca da Barra, a gente perdia todo o pescado. O mar invadia, levava todo o pescado, você voltava puro. Você trazia o pescado tão longe e chegava ali, na hora de entrar, o mar estava agitado. Entrava o mar dentro do barco e varria tudo o que estava dentro e chegava de mão vazia. Agora no alto mar, por várias vezes, quase náufrago. Por misericórdia Deus nos livrou, mas de pessoas quererem abandonar o barco? Sempre fomos pessoas assim, evangélico, tem mais uma noção e as pessoas são também tranquilas. Sempre pedimos calma antes da pessoa abandonar o barco, de querer abandonar o barco antes do tempo. Como uma pessoa mais experiente, pedia só no último, se não tiver jeito mesmo a gente esvazia o barco. Quando entra água de chegar a tampar o motor, motor MWM, esses barcos grandes, a gente pede calma, diz que vamos conseguir e chama as pessoas no rádio para dar apoio, auxílio. Pros colegas encostarem próximos e ficar auxiliando até resolver o problema. Já teve muita agitação, tanto é de naufrágio, próximo naufrágio e mal tempo... Sofremos muito.
Fui atingido também por um navio cívico, no mar de Cabo Frio. Não me recordo o ano, mas o navio nos rebocou. Nós ancorados, dormindo. A gente faz o quadro de vigia, tem os horários, cada um faz duas horas, uma hora, até amanhecer o dia. Esse navio tinha barco de apoio, que normalmente ele tem um barco de apoio pedindo aos pescadores para se afastar, alertar. E esse não tinha, ele estava praticamente trabalhando sozinho, só que durante o dia ele estava distante da gente trabalhando. A gente trabalhava de um lado, ele trabalhava de outro. A noite ele se aproximou da gente e aqueles cabos que eles rebocam agarraram na nossa amarra e foi nos rebocando.
P/1 – Levou embora.
R – Levando, muito desespero. Nesse tempo eu estava... Não era o comandante do barco, era um dos tripulantes, e o meu sobrinho... Nós pedimos calma a ele, o rapaz no rádio agressivo com a gente, o comandante do navio, até porque o barco era associado a uma central de rádio, Atalaia em Cabo Frio. A gente tinha um canal, eles estavam chamando a gente no canal 16, eles chamaram. Só que nós tínhamos um canal zero três, que é o canal da central de rádio, então não podia ficar fora do canal. Só por um instante, mas depois tem que retornar ao canal. Assim como tem o canal 16, nós tínhamos o zero três. E ele chamava a gente no canal 16 e não encontrava, então, naquilo ali criou um contorno muito difícil. Um bate boca, uma coisa... Aí um colega meu cortou a amarra para a gente sair do perigo, teve uns danos no barco, mas deu para navegar até a terra. O rapaz da central de rádio entrou por via telefone e tirou conclusão, entrou Capitania. Não resolveu nada, parece que estava clandestino fazendo um serviço. Nesse meio tempo foi um susto muito grande, muitos acontecimentos que a gente vai... A gente costuma até. Hoje serve para vocês, hoje, fazendo uma pesquisa para a gente, uma entrevista. Mas tem coisas que a gente dá como esquecido para não ficar relembrando tempos ruins. Teve muitos colegas meus que já passaram, perdi muitos colegas agora, recente. Tem embarcação aqui que perdeu cinco tripulantes em uma só vez. É muito difícil.
P/1 –Jorge, o que é que te fez então mudar da pesca artesanal para essa pesca de alto mar? Quando você decidiu e falou: “Pô, eu preciso mudar”?
R – Porque o pescador, ele visa muito. A pesca artesanal é uma pesca boa, próxima à terra, tem como, muitas das vezes, estar todo dia em casa. Mas a pesca à mar aberto é uma pesca assim, ela dá mais condições de arrumar um dinheiro melhor, com toda dificuldade. A gente passa a acostumar também com a pesca porque o peixe... Cada peixe tem seu valor. Aqui da beirada tem um valor, lá tem outro e a gente costuma ver uma diferença. Então onde estiver melhor é onde a gente fica. Hoje, trabalhar na pesca, de modo geral, está ruim lá no mar aberto. A gente vai para a costa.
Mas tem pessoas, como meu irmão mesmo. Ele não pesca outra pesca a não ser artesanal, é só essa e pronto. Pode ter, pode não ter, ele dá o jeito de passar, mas ele não abre fora. Ele não consegue ir lá no alto mar, é uma questão de...
P/1 – De opção?
R – É, dele não querer. Plataforma, para ele... Ele não conhece uma plataforma pessoalmente. Ele vê pela televisão, mas eu não, eu conheço outros lugares, sou mais andado. Dediquei, assim, eu sou de 1987, comecei na pesca, até 2000... No ano 2000 eu estava mais na pesca artesanal, depois comecei a abrir fora. E vai pegando gosto, vai gostando, vai conhecendo vários peixes diferentes. Até porque eu acho o rendimento melhor um pouco, é onde eu estou hoje.
P/1 – Você falou as coisas dos peixes diferentes, como é, eles variam ao longo do ano? Como é que é a variação de peixes? De acordo com o lugar?
R – Variam mais no ano. Cada peixe tem a sua época, tem peixe que dá o ano todo, tem que peixe que não. Inclusive, a pesca hoje é o pitangola, olho-de-boi, o olhete, que são uns peixes de primeira. Esse está na época. Já o dourado tem um período de setembro à fevereiro, só pesca mais é o dourado. A anchova é agora de abril, vai até julho. É um mês, dois meses. Então cada peixe tem um... Pode até acontecer de você pegar ele o ano todo, mas não quantidade, pega alguns. O dourado mesmo, é muito difícil você ver um dourado fora de época, mas sempre pega alguns, entendeu? Mas a safra dele mesmo, a fartura dele é de setembro a fevereiro.
O olho de cão, que é muito pego aqui na Barra, um vermelho, ele é no inverno. No verão é raro você pegar ele. Parece que eles se entocam muito, faz desova, alguma coisa.
P/1 – E tem diferença o horário que pesca? Você pesca de dia, você pesca de noite?
R – Tem. A anchova é só a noite, a anchova não pega de dia. Pelo menos na nossa região ela só aparece a noite. De dia ela não aparece. O dourado já é de dia, você pode até ver ele de noite, pegar até meia dúzia dele, mas é muito raro. Já aconteceu de eu ver muito peixe dourado de noite e pensar até em naquele dia mesmo fazer a carga e retornar, mas não consegue pegar. Eles ficam só passeando. Já de dia, ele já pega. Ele pega de noite também, mas é raro. O olho de cão pega de dia e pega de noite.
P/1 – Entendi. Jorge, você já me contou, em geral tem o comandante que é o dono do barco e a tripulação. É isso?
R – O comandante é o mestre do barco.
P/1 –Aí o barco normalmente é do comandante?
R – Hã?
P/1 – O barco normalmente é do comandante? Porque, por exemplo, quando vocês vão embarcar, o barco é de quem?
R – Aqui existe... Eu,no caso, sou apenas o comandante, existe o proprietário do barco. Que é o dono que fica em casa. Agora, tem muitos comandantes, mestres que são os próprios proprietários. Tem muito.
P/1 – Como é que vocês fazem a divisão lucro?
R – É dividido 10%. No caso é dividido em dez partes, 50%...
P/1 – 50% para quem é dono?
R – É do dono. No caso o dono vai ficar com 40%, porque 10% ele dá para o celeiro cuidar do barco, para o mestre no caso. São divididos assim, o mestre tem uma parte a mais. 60% fica para o mestre e a tripulação, aí o mestre fica com 20% e os outros 40%...
P/1 – Para quem é o dono do barco...
R – Porque é assim, 10% é por eu zelar do barco, ter meu trabalho ir lá.
P/1 – Entendi. Você já me contou um pouco das coisas dos compradores, que hoje mudou. Hoje vocês já conseguem fretar o peixe, não precisa vender para o frigorífico. Como é que é isso mesmo? Frigorífico só em último caso?
R – É. O frigorífico, hoje, sempre para a gente abastecer de gelo, óleo. Vai no mercado, faz a compra. E eles vivem agora da pesca artesanal, quem trabalha pela beira vende a eles o camarão, peixe de rede, essas coisas sim são vendidas a eles. Mas o peixe de mar aberto ninguém vende a eles não, primeiro que nem compra, porque aí não vão botar um preço que a gente quer.
P/1 – Vocês conseguem negociar, então?
R – A gente negocia, uso ali o estabelecimento dele para abastecimento de gelo. Óleo é uma a chegar duas toneladas para cada barco. De qualquer forma rende para ele, estamos gastando nele. O gelo, só temos duas fábricas de gelo aqui. Eram quatro, duas faliram. Só tem duas, então ou que seja em um, ou que seja em outro. A gente abastece de gelo uma média de 300, 350 caixas por barco. Compra o gelo e o diesel dele, e o rancho, a compra a gente já faz no mercado. De qualquer forma, só o produto é que é levado para fora.
P/1 – Vocês sabem para quem vem de fora? Vocês negociam com alguém? É sempre a mesma pessoa?
R – Não, aqui nós temos um pregoeiro no Rio de Janeiro chamado Tião Bacalhau, conhecido com Tião Bacalhau. Inclusive os três caminhões que fretam são dele. Ele bota para fretar. Além da gente pagar a comissão a ele pela venda do peixe, paga o frete. Porque no mercado, no pavilhão você tem vários, tem muito pregoeiro. Aqui já tentaram modificar, diferenciar um pregoeiro do outro, questão de tentar uma melhora, mas não consegue porque esse Tião Bacalhau vende muito peixe. E o caminhão é só dele, ele não aceita você botar o peixe no caminhão...
P/1 – E levar lá.
R – E botar na mão de outro lá, claro. Por não ter outro caminhão particular para mandar o peixe, a gente é obrigado a se sujeitar, botar no caminhão dele.
P/1 – Entendi.
R – Então é onde já tem essa pessoa certa, entendeu?
P/1 – Que ele acaba viabilizando o transporte também.
R – É.
P/1 – Entendi. E aí vocês têm aqui, Jorge, alguma cooperativa, alguma organização? Vocês conseguem?
R – Não, não tem. É o que temos lutado, nós temos feito muita palestra, às vezes vêm pessoas enviadas pela Petrobrás, por essas firmas que querem dar uma ajuda de compensação ao pesqueiro, pescador. A gente bate muito, a gente bate, “Uma cooperativa, é uma coisa para nos ajudar nesse sentido”. Aí é projeto em cima de projeto, é aprovado, mas a gente não vê nada. É o que acontece, mas a gente tem vontade de preparar uma, se juntar, né? Para ver se melhora.
P/1 – Mas a relação entre os pescadores é boa aqui em geral? Ou é cada um por si? Como é que funciona?
R – A cooperativa?
P/1 – Não, hoje em dia. Sem a cooperativa.
R – É, hoje é cada um por si. Cada um olha o seu lado, manda o peixe. Uns levam lucro, outros levam prejuízo e assim vai. E a cooperativa trabalha diferente, cooperativa se for bom para mim, vai ser bom para todo mundo. Se for ruim, também vai ser. Já assim não, às vezes foi bom para mim esse mês, mas para o outro não foi. Tem essa diferença.
P/1 – Além da pesca, você tem que fazer mais alguma coisa para sobreviver, Jorge? Ou você consegue viver da pesca hoje em dia?
R – Normalmente é o problema da pesca, porque a gente não pode se envolver. Primeiro porque às vezes não tem condições de, na realidade, manter outra coisa. Então a gente sempre foi da pesca, porque se a gente leva 15 dias lá, tem que recuperar os outros dias para poder voltar. Se você tiver outro meio, seu tempo é pouco. E segundo, porque o pescador só vive da pesca mesmo, a fonte de vida dele mesmo é da pesca. Sobrevivência, tudo é da pesca.
P/1 – E aí o peixe, vocês também se alimentam do peixe que vocês pescam? Acaba ficando?
R – Com certeza, tem a parte. A gente tira um pouco.
P/1 – Você já me contou que ensinou, Jorge, para outras pessoas. Como é que é o processo de dar essa primeira oportunidade para alguém, orientar, ensinar a pescar?
R – Assim, como alguém me ensinou, passou para mim como é que é, me deu oportunidade de chegar até lá para provar e ficar até hoje, eu também já fiz muito. Às vezes você bate em uma porta e aquela porta não quer abrir para você. Eu tiro por relação a um emprego, a maioria das empresas pedem experiência, mas se você nunca trabalhou no ramo como você vai ter experiência na carteira? Se você nunca exerceu aquela profissão? Mas se é formado naquela profissão, então precisa que uma porta venha a abrir para você, para que venha a criar experiência. Então a pesca não é diferente, a pesca é experiência. Você tem de ter uma oportunidade para ir no mar, ver e tentar chegar no objetivo. Aí a decisão é sua, continuo ou paro. “Ah, gostei”, “Ah, pensei que fosse mais difícil, aí vou continuar”. “Ah, não, pensei que era chegar aqui, jogar o anzol na água e o peixe já vinha. Mas tem que ficar segurando essa linha”? “Ah, tem que dormir aqui? Ah, não vou não”, “Ah, pensei que o mar fosse como eu se estivesse passeando dentro do rio de água doce, nem balançar”. Lá não é assim, entendeu? Acontece de chegar uma bonança de nem o barco se mexer, mas acontece de ficar assim: tem pescador no mar, mas não é para ir no mar. Tem pessoas que já estão lá, já pegou o mar agitado. Agora quem está hoje aqui na terra, não vai porque sabe que o mar não tem condições. As experiências são essas, é oportunidade, e assim como eu tive, já passei para outras pessoas.
P/1 – E os jovens se interessam hoje em dia? Por exemplo, aqui em Barra tem gente ainda virando pescador?
R – Hoje na verdade tem pouco. Até porque não tiro a razão, porque antes nós não tínhamos opção, como no meu tempo de infância eu não tive escolha. Falei que vendi muito picolé, vendi muitos doces nesses braços aqui pelas ruas. Não é doce que minha mãe fazia para eu vender não, vendendo para outras pessoas para ganhar aquela comissão, poder ajudar em casa. Depois, um comerciante me chamou para tomar conta de um bar, eu estudava de meio dia para tarde, então a parte da manhã eu tomava conta do bar dele, criança ainda. Mas não tinha estudo à noite para a gente “Ah, vou trabalhar de dia”. Hoje não, tem pessoas estudando à noite, trabalhando de dia, hoje tem curso patrocinado pelas empresas nas colônias. Tenho até sobrinho que está formando, vários cursos. Tem muita gente hoje que está procurando um meio diferente para não ser obrigado a cair na pesca. Nós temos promessas de umas empresas para abrir uns portos aqui, vai gerar muito emprego. Eu tenho esperança, que não seja para mim, mas que seja para muita gente, para essa infância de hoje. Essa juventude tem interesse, tem faculdade hoje em Campos, ônibus levando e trazendo. Então acredito que não está mais como antigamente. Chegar e formar pescador? Não. Por esse motivo que muitos estão deixando até a pesca, tem pessoas que estão deixando de pescar porque está ficando muito difícil de arrumar o tripulante. A pesca, hoje em dia, não está tendo mais aquela fartura de antigamente. Você chega lá e logo vim embora. Está ficando muito difícil.
P/1 – Na sua vida, Jorge, qual a importância da pesca? Se fosse falar sobre a importância da pesca na sua vida?
R – Primeiro, a importância de porque a pesca não pode acabar. Porque foi uma das coisas da criação do mundo, que existia e... O que seria de nós se não existisse o pescador? Vai comer o peixe de onde? O peixe é um prato, faz parte da vida, então acredito que não vai chegar a esse ponto, né? A pesca tem que prevalecer, ou que seja com pouco ou com muito. Já pensou chegar ao ponto de não existir peixe porque não tem pescador? Acho que não. Acho que vai nascendo muito pescadores, só que antigamente era mais fácil. Hoje as pessoas estão deixando de pescar para cortar cana, porque cana tem carteira assinada hoje. Colega meu hoje não pesca mais, ele prefere ir lá no canavial cortar cana, que vai assinar sua carteira. E o pescador, hoje, ele assina a carteira. Aqui ele não assina. Eu era embarcado, minha matrícula é de embarcado tantos anos, mas é uma mão atrás, outra na frente. Para tentar tem que jogar em justiça, a gente não faz isso. A gente conta só com a aposentadoria com 60 anos de idade se estiver associado em uma colônia, nós somos segurados especiais pelo governo, temos o mesmo direito, somos segurados especiais. Então se machucou, é alguma coisa, nós temos como pegar a declaração da colônia e correr no INSS [Instituto Nacional do Seguro Social]. Muitos não estão conseguindo, mesmo com o documento em dia não está conseguindo. Não passa na perícia, aquela coisa toda. Futuramente, o que a gente tem é só a aposentadoria de um salário mínimo com 60 anos. Se morrer antes, a viúva não tem direito.
P/1 – Direito a pensão?
R – Só se morrer já aposentado.
[Pausa]
P/1 – Jorge, aí você falou que tem perspectiva de, de repente, abrir um porto. O que é que você gostaria que ainda mudasse aqui na comunidade?
R – O que eu espero é uma coisa que gere bastante emprego. A gente não tem uma indústria aqui, nós só temos a pesca mesmo. Pode dizer que todos, a maioria aqui, só vive da pesca. Então, não tendo a pesca fica difícil. Fica para um comerciante, que vive também da produção da pesca. Nós temos aqui um... Não temos indústria, não temos nada para gerar emprego. A gente espera que, no decorrer dos tempos, ainda venha uma. Assim como está para acontecer, que venha a acontecer, uma coisa para gerar emprego para o nossos filhos e netos. Para as pessoas não ficarem... Voltar a ser pescador, ou senão nascer sendo pescador, uma coisa que dê outra opção de sobrevivência. Que mude um pouco, que venha a crescer em matéria de emprego.
P/1 – Jorge, você já comentou um pouco, mas qual é o impacto você acha que causou essa coisa do petróleo? De exploração de petróleo em relação aos peixes? Você falou que no alto mar, quando vê uma plataforma, você percebe que diminuiu muito. O que é que você percebe que muda em relação a pesca?
R – Olha, o impacto dessa pesquisa, como eu falei, nós já tivemos. Passamos por uns danos que não foram comprovados, não foi ainda comprovado que realmente foi, mas nós tivemos já. Onde ele passa, a gente volta e não encontra mais o peixe. O que eu quero dizer é que peixe, pela experiência que a gente tem como pescador, ele mora em uma pedra, em uma oca e faz a criação ali. Nós temos posições de peixe, pode passar muito tempo sem ir ali, a tendência é só produzir. Temos a posição marcada em GPS, pode passar um ano, dois anos, três anos, a gente vai no mesmo lugar que o GPS nos leva e sempre tiramos peixe dali. Acontece deles pedirem para gente… Matando peixe... Acontece da gente chegar ali, eles pedem pelo rádio, o barco já foi, chega e pede para afastar tantas milhas, porque vai passar ali a pesquisa tal. Assim que eles passam a gente retorna e não encontra mais nada. Nós temos também o conhecimento que ali é uma explosão muito grande quando eles encontram, que tem aqueles canhões de ar. Quando eles precisam dar aquela explosão, não tem como ficar um peixe. Já não encontramos peixe morto, mas baleia, muitos golfinhos, até mesmo com marca de queimadura. A gente não está, como se diz, tomando conhecimento que foi aquilo, mas tudo pode ter sido, né? O impacto. É tão perigoso que eles pedem cinco milhas. Sabe quanto são cinco milhas? Cinco milhas é uma hora de uma embarcação. Você ter que sair de onde está trabalhando por uma hora. Andar uma hora de distância para aquele barco ficar trabalhando sozinho. Uma hora perdida, para você retornar e não achar mais o peixe. É muito difícil, dá um impacto ambiental ali. O pescador, se ele derramar um óleo, um vazamento de óleo, ele pega cadeia porque não tem fiança para ele pagar. Agora essas firmas grandes, é complicado.
P/1 – Queria voltar agora um pouco para sua vida pessoal. Primeiro, como é que é ter uma vida pessoal tendo que pescar e ficar em terra? Como é que é essa relação? De ter que ficar no mar e ter família aqui, como é que pescador administra isso?
R – Como falei, passa a acostumar com o caso. A gente fica um tempo afastado, sai, dá um beijo nas crianças e na esposa, não sabe se vai retornar. É uma coisa bem sem segurança, só Deus mesmo. No caso ficamos um tempo alojados em uma pequena embarcação e, quando retorna, tem uns dias para ficar recuperando para retornar de novo. É uma vida muito difícil, os filhos crescem praticamente sem. Longe, né? Tem pessoas aí que trabalham e ficam muito ausentes. É como eu estou te falando, quando a gente entra em outro porto, dobra mais ainda, porque tem que retornar pescando. Então quer dizer que já não foi mais uma viagem, foram duas fora de casa. É uma vida pessoal muito difícil.
P/1 – Para os filhos, o que é que os seus filhos fazem? Você imagina os filhos sendo pescadores? Ou você fala assim: “Ah, eu não quero isso para os meus filhos”? Você queria que os filhos fossem ou não pescadores?
R – Hoje eu diria que não. Hoje eu diria que não porque tem escolha, pode estudar, pode continuar estudando e ser alguém. Não que eu tenha nada contra a pesca, como eu sou pescador, mas volto a falar: hoje tem opção de ter uma vida melhor. Pro pescador, pelo o que vejo, só vai piorar mais ainda, em tudo. No pescado, nas dificuldades. Então acho que... Eu falo para os filhos que tem outro meio de sobrevivência, até porque não é nada ruim. Pesca até é muito boa, mas para quem não tem opção. Hoje em dia, se tiver opção de estudo, tem como se formar em outra coisa, creio que muitos não vão nem ser pescadores.
P/1 – Se você pudesse mudar na sua vida alguma coisa, você mudaria?
R – Como assim, de profissão?
P/1 – Se você pudesse... A gente está imaginando, que você fala assim: “Ah Gustavo, eu preferia não ter sido pescador, eu queria ter terminado os estudos”, o que é que você gostaria de ter feito? Ou o que talvez você não tenha feito, ou o que você gostaria de mudar na sua vida?
R – Eu gostaria, se eu tivesse oportunidade, de não sair da área marítima. Ser um marinheiro, manter sempre a categoria marítima. Mudar só em categoria de pescador para um embarque, uma coisa mais... Que valoriza mais. Mais certo, mas dentro da área do mar. Eu tenho vontade de deixar de ser pescador se eu tiver essa oportunidade, apesar da idade já estar ficando muito difícil. Mas continuar no mar em uma coisa com mais segurança. É como eu acabei de falar, 25 anos de mar não são 25 dias. Matrícula de embarcada e sem futuro nenhum amanhã. A única coisa que eu posso estar contando é com a aposentadoria de um salário mínimo pela pesca. Não é muita coisa, se machucar ou trabalhar quatro, cinco anos, como eu trabalho quatro, cinco anos em uma embarcação, tomando conta de uma embarcação, sai sem direito a nada. Não paga tempo, não paga o INSS, não paga nada. Então se você não tiver uma colônia, associado em uma colônia, que é o segurado, você está... Tem pessoas com nós que não tem documento de pesca porque a maior dificuldade nossa é tirar um documento, porque o curso vem do Governo, como tem vindo aí 30 vagas para mais de 1.500. Aí essas 30 vagas são distribuídas para Gargaú, Guaxindiba e Barra.
P/1 – Nossa.
R – Aí pega dez pessoas aqui, tem mais de mil pessoas esperando oportunidade de tirar um documento de pesca e tem dez vagas. Não é nada. Então, a dificuldade nossa é essa, a pessoa trabalha clandestina, trabalha sem um documento. Quem é documentado já não tem um direito melhor, acaba não interessando nem em tirar documento, fica trabalhando na deriva.
P/1 – E para a gente terminar, Jorge, tem só mais duas perguntas. Você tem algum sonho ainda? Você fala assim: “Ah, Gustavo, eu tenho um sonho”?
R – Não, eu não tenho sonho. Não sonho com... Penso muito é na saúde mesmo, não sonho em realizar, assim... Só ter uma vida digna, continuar.
P/1 – Está certo. E para terminar, queria te perguntar como é que foi contar um pouco da sua história de vida, como é que você se sentiu, como é que foi?
R – Como?
P/1 – Como é que foi a entrevista? Como é que você se sentiu contando um pouco da sua história?
R – É tranquilo, uma entrevista dentro do possível. Peço até desculpas se não poder ter respondido melhor, mas também é o que a gente vai responder, o que a gente sabe, o que a gente lembra. Como sempre sou... Acabou e chega um amigo meu aqui, né? Um dos pescadores mais antigos, tem muita experiência pela vida para contar. Como eu informei o rapaz, se quiser saber, depois eu passo o nome de uma pessoa para você procurar ele. Gostei muito, foi um prazer. Assim que você tiver oportunidade, vier me procurar, ela já até sabe onde eu moro.
P/1 – Estaremos de volta, em um mês a gente volta. Mas está certo. Obrigado, Jorge.
R – Está bom. Obrigado vocês.
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