P/1 – Bom, senhor Renato, pra começar, o senhor pode se identificar? Dizer seu nome completo, local de nascimento…?
R – Certo. Meu nome é Renato José de Paula, eu sou paulistano, nasci na capital, nasci mais precisamente na Rua Guaianazes, próximo à Praça da República, né? Mas não nasci em casa, nasci no Hospital Matarazzo que na época, ao que me parece era o melhor hospital de São Paulo. E sou descendente de imigrantes espanhóis, minha avó por parte de mãe veio de lá com quinze anos.
P/1 – Por que ela veio pra cá?
R – Acredito eu que foi uma época na Europa com problemas de guerra, problemas políticos. A Espanha, a Alemanha, a última Guerra Mundial... e muitos imigrantes vieram para o Brasil, então a minha avó veio de lá e casou-se com um brasileiro, um mineiro. E por parte de pai meu avô era português e minha avó era descendente de índios brasileiros, né?
P/1 – De índio?
R – É, aborígenes. E dessa união toda surgiu esse clone aqui que sou eu, Renato José de Paula [risos].
P/1 – Como é que foi a sua infância? O senhor continuou morando lá na Rua Guaianazes? É o lugar da sua infância?
R – Não, eu morei na Rua Guaianazes – pelo que os meus pais me passaram – aproximadamente acho que um ano, um ano e pouco. O meu pai era militar, ele era da antiga Guarda Civil de São Paulo e a sede que ele trabalhava da polícia era nos Campos Elíseos, então era perto ali da Rua Guaianazes, então é por isso que o meu pai morou ali muito tempo... algum tempo. E dali nós mudamos para o Paraíso, na Rua Estela. Ali, no fundo da minha casa, hoje passou a vinte três de Maio. Dali nós mudamos para o Bosque da Saúde... mas isso em períodos de três, quatro anos, assim. Mudamos para o Bosque da Saúde e dali eu mudei... após ter entrado no primário, né, começar a estudar, eu tinha sete anos, oito anos... mudei dali para o Canindé, Pari, morei...
Continuar leituraP/1 – Bom, senhor Renato, pra começar, o senhor pode se identificar? Dizer seu nome completo, local de nascimento…?
R – Certo. Meu nome é Renato José de Paula, eu sou paulistano, nasci na capital, nasci mais precisamente na Rua Guaianazes, próximo à Praça da República, né? Mas não nasci em casa, nasci no Hospital Matarazzo que na época, ao que me parece era o melhor hospital de São Paulo. E sou descendente de imigrantes espanhóis, minha avó por parte de mãe veio de lá com quinze anos.
P/1 – Por que ela veio pra cá?
R – Acredito eu que foi uma época na Europa com problemas de guerra, problemas políticos. A Espanha, a Alemanha, a última Guerra Mundial... e muitos imigrantes vieram para o Brasil, então a minha avó veio de lá e casou-se com um brasileiro, um mineiro. E por parte de pai meu avô era português e minha avó era descendente de índios brasileiros, né?
P/1 – De índio?
R – É, aborígenes. E dessa união toda surgiu esse clone aqui que sou eu, Renato José de Paula [risos].
P/1 – Como é que foi a sua infância? O senhor continuou morando lá na Rua Guaianazes? É o lugar da sua infância?
R – Não, eu morei na Rua Guaianazes – pelo que os meus pais me passaram – aproximadamente acho que um ano, um ano e pouco. O meu pai era militar, ele era da antiga Guarda Civil de São Paulo e a sede que ele trabalhava da polícia era nos Campos Elíseos, então era perto ali da Rua Guaianazes, então é por isso que o meu pai morou ali muito tempo... algum tempo. E dali nós mudamos para o Paraíso, na Rua Estela. Ali, no fundo da minha casa, hoje passou a vinte três de Maio. Dali nós mudamos para o Bosque da Saúde... mas isso em períodos de três, quatro anos, assim. Mudamos para o Bosque da Saúde e dali eu mudei... após ter entrado no primário, né, começar a estudar, eu tinha sete anos, oito anos... mudei dali para o Canindé, Pari, morei também um ano naquela região...
P/1 – Qual é a casa da infância que o senhor mais lembra, assim?
R – Mais lembro? Essa casa da Rua Estela, eu morei ali uns três anos, quatro anos, já...
P/1 – Como é que era essa casa?
R – Era um casarão, tinha uns doze cômodos, mais ou menos. Era uma casa que havia sido desapropriada pelo Estado, pela Prefeitura, justamente porque ia passar a vinte e três de Maio lá no fundo. E o meu pai como era... nesse período ele já não era mais da Guarda Civil, ele foi transferido, fez um concurso e passou para a Secretaria de Segurança Pública e largou a farda e passou a ser um policial civil. Ele trocou de lado, né? E eu não sei através de que influência, talvez política - o meu pai gostava muito de política - ele conseguiu mudar para esta casa, mesmo ela sendo desapropriada. E nós moramos lá uns três ou quatro anos. Foi quando eu comecei a ter consciência das coisas, eu ainda lembro dali.
P/1 – Quem morava nessa casa?
R – Somente... na parte de baixo... como a casa tinha doze cômodos, oito banheiro, coisas assim, na parte de baixo, que era enorme também, nós morávamos...
P/1 – Nós quem? Quem era?
R – Eu, meu pai e minha mãe, só.
P/1 – Ah, porque você era filho único?
R – É, eu era filho único. Sou, né? E na parte de cima morava um militar. As entradas da parte de cima e de baixo ficaram independentes, né? Morava um militar. O quintal tinha aproximadamente uns cem metros de profundidade.
P/1 – A Rua Estela fica no...
R – No Paraíso.
P/1 – Como é que era o Paraíso nessa época?
R – O Paraíso, como não existia a vinte e três de Maio você pode imaginar...
P/1 – Era um paraíso [risos].
R – Era um paraíso mesmo. O fundo da minha casa, que uma parte da vinte e três de Maio passou, além do fundo da casa, quando terminava o muro tinha um campo de futebol, de várzea, né, enorme. E aquela avenida que tem em cima, acho que é a Domingo de Moraes,
que liga com a Avenida Jabaquara, ou coisa assim, era bem mais estreita, tinha bondes, bonde que ia até a Praça da Sé, “bonde camarão”, que a gente chamava, que abria as portas, descia o degrau... ainda me lembro disso. E as casas... eram cercadas de casas grandes, com quintais grandes. E aquela região liga com a Paulista, né? Então, muitas casas ali não existem mais, são prédios. Eram casarões enormes. E a aristocracia paulista, o pessoal remanescente ainda, porque já estava numa fase... estava mudando já muitas coisas, né? O pessoal do café... ainda tinha essas famílias ali. E eu passeava por ali e ainda me lembro daquelas casas enormes. Ainda tem algumas, mas era praticamente só assim.
P/1 – E na escola? O senhor ia lá perto, por ali? Como é que era?
R – Eu freqüentei uma escola que era na Avenida Domingos de Moraes e eu vou te ser sincero. Eu não me lembro o nome da escola, eu fiz o segundo ano do primário lá. E eu me sentia ali até estranho, porque tendo um pai policial e freqüentar uma escola naquela região, mesmo sendo do Estado era uma escola... a freqüência era da classe média alta para cima, né? E eu achava bacana, o pessoal me tratava muito bem, não havia discriminação nenhuma, mas eu me sentia como se fosse, assim, uma família rica, né? Naquele tempo as famílias já iam buscar as crianças de carro, Chevrolets, Fords antigos na porta da escola, né? Eu saía a pé, _______, mas tudo bem. Eu gostava muito. Mas morei três ou quatro anos só nessa região, né?
P/1 – Depois foi pra onde?
R – Depois eu morei... mudei pra uma periferia.
P/1 – O senhor mudava sempre em função do trabalho do seu pai?
R – Não. Eu tive alguns problemas em relação aos meus pais. Eles se separaram. Normalmente o filho fica com a mãe, eu fiquei com o pai. Não por escolha, o meu pai me levou e por esse motivo eu mudei algumas vezes, assim... isso aconteceu nessa região ali do Paraíso, Bosque da Saúde, houve a separação dos meus velhos e eu fui morar... ele me levou, eu fui morar com minha avó, que era mãe do meu pai, né?
[pausa]
P/1 – Então, daí você foi morar com seu pai na casa da sua avó. Que lugar que era?
R – Era na periferia de São Paulo, mais precisamente na região de Guarulhos. O bairro chamava-se... chama-se ainda, Vila Galvão, e ali eu morei durante nove anos. Então na realidade, como meu pai trabalhava, era funcionário do Estado, eu fui criado pela minha avó, até aproximadamente quinze anos. Aí a minha avó... meu pai faleceu...
P/1 – E você não tinha mais contato com a sua mãe?
R – Sim, tinha. Ela morava nessa região de Santana, aqui na zona norte e me visitava, sim.
P/1 – Você nunca quis morar com ela, depois?
R – Não era questão de eu querer ou não, é que as famílias antigamente tinham algumas normas rígidas e eu fui criado nesse meio com normas e eu sabia que a coisa não andava bem em casa com os velhos, que não se entendiam, eles estavam separados, e eu não tinha opção de querer isso ou aquilo, né? Houve um período que eles voltaram, ficaram um ano novamente e foi muito bom isso, eu mudei da casa da minha avó. Mas se desentenderam outra vez, ela foi embora e eu fiquei com meu velho novamente, até os quinze anos. Aí ele faleceu de um problema cardíaco, morreu repentinamente, né? Aí sim, aí eu fui morar com a minha mãe, vim pra cá, pra zona norte e nesse período eu sempre estudei, não parei de estudar, com quinze anos já estava acho que na terceira... antigamente era ginásio e colegial separado, existia... do ginásio, pra você entrar no... aliás, do primário, pra você entrar no ginásio existia um curso de admissão que você tinha que fazer. Então eu fiz junto com o quarto ano do primário e entrei no colegial, né? E continuei estudando. Vim morar com a minha mãe e passei a trabalhar também. Depois que o meu pai faleceu...
P/1 – Aí você foi morar com sua mãe?
R – Vim morar com a minha mãe. E comecei... precisei ajudar financeiramente, a minha mãe era enfermeira, ela trabalhava aqui em Santana no Hospital e Maternidade Santana. Trabalhou muitos anos aqui. E eu comecei a ajudar, comecei a trabalhar. Entrei na indústria de calçados, trabalhei um ano, entrei na indústria metalúrgica...
P/1 – Mas aí o senhor estava estudando?
R – E estudando à noite. Aí eu troquei o horário de estudo, né? E terminei o colegial trabalhando e estudando.
P/1 – Onde foi o seu primeiro emprego?
R – Meu primeiro emprego foi numa _________ de calçados no Jaçanã, o nome da empresa era (Arcoflex ?).
P/1 – O que o senhor fazia?
R – Eu trabalhava produzindo calçados mesmo. A profissão...
P/1 – Como é que fazia calçados nessa época?
R – Era uma empresa alemã e eu fiquei surpreso... apesar de que eu não conhecia fábricas, né, a maneira de produzir alguma coisa, mas eles tinham já uma produção em série.
Existiam umas... uma máquina muito grande que puxava algumas cestas de ferro e essas cestas vinham com um serviço passando de máquina em máquina. Então, lá no primeiro o sujeito pegava uma sola, passava uma cola, aí o segundo punha o couro da parte de cima, aí o terceiro enfiava esse sapato numa máquina que tinha pregos, essa máquina pregava o sapato automaticamente, os pregos eram jogados numa máquina em cima, descia tudo de ponta pra baixo...
P/1 – Em que parte desse processo que o senhor trabalhava?
R – Eu trabalhei em várias máquinas. Eu trabalhei... eu não sei o porquê, mas... eles eram alemães, eu acho que até a sofisticação, em 1959, numa empresa que trabalhava com correia de produção, né, ela puxava o trabalho, e as máquinas todas colocadas em seqüências... o sapato chegava lá no fim terminado. E existia um setor que havia alguma coisa manual pra cortar o sapato, com umas fôrmas e tal, eu trabalhei lá também. Eles... não sei, acho que gostaram do meu trabalho e começaram a me trocar de seção. Eu trabalhava três, quatro meses numa seção, três, quatro meses na outra... uma vez eu perguntei pra uma pessoa porque estavam fazendo isso e ele me disse que alguns funcionários que eles achavam que tinha um pouco de habilidade ou coisa assim, eles faziam isso pra depois, no futuro próximo eles promoverem esse funcionário para que ele dirigisse alguma coisa dentro da empresa e eles gostavam do funcionário que... pra cargo que conhecesse todos os processos de fabricação do calçado.
P/1 – E o senhor tinha essa visão?
R – Eu... eles observaram isso em mim. Eu perguntei porque estavam me trocando de seção e me falaram isso, né? Mas depois de um ano trabalhando lá, um ano e pouco, o meu pai faleceu... nesse período o meu pai estava vivo ainda, no primeiro emprego. Aí eu saí desse emprego porque eu mudei aqui pra Santana e aí eu troquei de profissão. Aí eu fui trabalhar em indústria metalúrgica, foi a minha mãe que arrumou, uma pessoa que era cliente no hospital arrumou e eu fui trabalhar lá.
P/1 – Que indústria que era?
R – Era uma indústria que fabricava peças para a Volkswagen. Então a indústria de automóveis, ela até hoje depende de indústrias pra fabricar uma porção de coisas pra eles, eles fazem a parte básica do carro, mas muitas coisas eles não fazem, alguns eixos, alguns rolamentos, parte de estofamento... a Volkswagen é uma empresa enorme mas ela não tem potencial pra fabricar tudo, então por isso que quando acontece algum problema na indústria automobilística, promove desemprego também em outras firmas menores, porque elas fabricam pra eles. E eu trabalhei nesse tipo de indústria menor que fabricava pra Volkswagen. E lá produzia um eixo interno do carro que comanda... do comando de válvulas, rolamento de roda, os rolamentos que vão dentro desses rolamentos. E nessa empresa aconteceu a mesma coisa comigo, também eram alemães, né?
P/1 – _____________. (risos)
R – ___________. Ou então eles estavam querendo me botar dentro de uma câmara de gás, mas eu sei que eles gostavam de mim, os alemães, né? E tinha até um alemão já de idade, que era o pai do dono lá, ele começou a me ensinar a mexer em entorno, fresa... ele perguntou pra mim um dia se eu conhecia o valor de “pi”, quanto valia “pi”, que é 3.1416, pra achar o raio da circunferência, que eu estava no ginásio... eu falei: “Eu sei. Por que o senhor está me perguntando isso?” Ele falou: “Não, é porque eu vou levar você pra fazer engrenagem e pra descobrir quantos dentes tem a engrenagem, precisa fazer esse cálculo, achar o raio da circunferência, pra descobrir o número idêntico precisa saber fazer esse cálculo.” E me levou numa seção e começou a conversar... e falou pra mim que ele estava no Brasil já há muitos anos e que ele participou da Guerra e que ele trabalhava na indústria de tanques, na Guerra, para o Hitler. E falou que gostou de mim, que ele ia me ensinar a mexer naquelas máquinas, que achava que eu tinha jeito e tal... eu fiquei nessa empresa uns cinco anos e trabalhei praticamente em todas as máquinas e cheguei a tomar conta de um setor lá, uma sessão, mesmo sendo um garoto, né?
P/1 – E você já tinha se formado aí? Tinha cursado até...
R – Eu terminei o colegial e depois eu tentei entrar na faculdade, mas eu senti dificuldade financeira para tocar isso. Eu não consegui dar seqüência no estudo. Aí entrei na indústria farmacêutica, fui convidado um dia por um amigo...
P/1 – Mas aí, porque é que o senhor saiu dessa firma?
R – Eu saí dessa firma... é, eu saí dessa empresa porque uma pessoa foi um dia na minha casa – ele era um alfaiate – e perguntou pra mim se eu queria vender medicamentos, aí... ele era vizinho, era uma pessoa que a gente conhecia já há bastante tempo, ele chamava Paulo. Aí eu perguntei... quando ele me falou isso eu imaginei, assim, uma pessoa vendendo carnê na rua, tipo do Baú...
P/1 – Mas por que ele te fez esse convite?
R – Ele me fez esse convite porque eu morava numa vila e ele morava nesta vila também, e ele viu um anúncio num jornal de uma empresa precisando de vendedores para produtos farmacêuticos, e ele foi, passou, entrou nessa indústria. E ele tinha uma alfaiataria em casa, ele fazia alguma coisa em casa, e ele passou a ganhar praticamente três vezes mais do que ele ganhava fazendo roupas. E ele já estava nisso há um ano. E eu via ele passar com uma malinha pra lá e pra cá, mas eu nunca perguntei pra ele o que ele fazia, né? E a minha mãe eu acho que comentou alguma coisa, ele perguntou quanto eu ganhava, qualquer coisa assim... aquela amizade que vai surgindo de morar no mesmo local. E também eu não sei o porquê ele achou que eu tinha jeito talvez pra isso ou quis me dar uma chance... ele sabia
que eu estava estudando, né? E eles pediam na época o ginásio, se tivesse o ginásio completo já... eles aceitavam, né? E eu fui lá, fiz o teste. Eu me lembro do nome da pessoa...
P/1 – Mas por quê? Você ia ganhar mais do que...
R – Sim. Quando ele me falou o salário eu pensei que ele estava brincando. Era coisa assim... [risos] quatro ou cinco vezes mais do que eu ganhava na metalurgia.
P/1 – Que empresa que era?
R – Era a Companhia Industrial Farmacêutica. Era uma empresa com matriz no Rio de Janeiro, fábrica no Rio de Janeiro e esta empresa representava vários laboratórios no Brasil, laboratórios que não existiam aqui, mas esta empresa produzia o produto aqui e propagava. Ela estava colocando os produtos no Brasil, trabalhando para um laboratório fora.
P/1 – O senhor se lembra dos produtos?
R – Ah, sim, eu me lembro.
P/1 – Quais eram?
R – Por exemplo... eu não sei se existe ainda. Antiflogestine. Era um cataplasma que precisava esquentar em banho-maria pra colocar depois em cima do peito. Era aquele... um tratamento, assim... uma coisa artesanal, uma coisa que funcionava mas que não era como hoje. Os medicamentos de hoje são muito mais ativos, o pessoal quase não usa cataplasma mais, né? Esses produtos eram quase que populares. Existiam produtos como regulador gesteira. [risos] Regulador gesteira é... a mulher tomava pra regular o seu ciclo menstrual. Ventre Livre era um produto que as pessoas que tem o que é chamado de constipação intestinal, né, o intestino não funciona direito então usava o Ventre Livre. Óleo Elétrico, que existe até hoje, né? Óleo Elétrico o jogador de futebol passa, tal, pra esquentar a musculatura. Esse produto é antigo e era produzido e acho que até hoje é produzido pela Companhia Industrial Farmacêutica.
P/1 – Como é que era o material gráfico, assim?
R – O material gráfico eram lâminas. A maioria não era assim, como hoje as literaturas, com muita... nome de pesquisadores...
P/1 – Informações técnicas?
R – É, as informações... existiam as informações técnicas e nomes de alguns professores e pesquisadores tal, mas não tanto quanto hoje. O mercado nosso acho que era muito carente,
tal, então qualquer informação, mesmo numa lâmina, era importante. Os materiais como hoje que é visual _________, material mais sofisticados, encartes, trabalhos maiores não... algumas multinacionais já estavam começando a trazer para o Brasil, mas esta empresa tinha o material menor, era bem mais simples.
P/1 – E o senhor se lembra da sua primeira visita, assim, ao médico?
R – Eu me lembro. Eu não me lembro do nome do médico, mas eu me lembro do primeiro setor que eu trabalhei que foi no ABC. Eu me lembro que fui em São Bernardo, o supervisor na época, que ele foi comigo lá, o Natanael, me levou até lá e entrou comigo num ambulatório, um hospital e o médico passou pelo corredor, ele conhecia mais ou menos a área, ele falou: “Aquele médico tem uma ficha aqui, chama ele.” E eu tinha feito já simulada dentro da empresa, né? Mas aquilo foi novidade pra mim porque geralmente na simulada o médico está sentado e tal... e ele estava andando, numa porta de um elevador, eu abri a pasta e ele me atendeu. Falou: “Fala, fala rápido e tal.” Eu falei de Furadantina, era uma medicação para infecção das vias urinárias, falei de Furoxone... aí a porta do elevador abriu, né? Aí ele pegou as amostras e falou: “Olha, depois a gente termina. Eu conheço a Furadantina então.” E entrou no elevador. E eu fechei a pasta com a perna meio no alto assim, e fechei a gravata dentro da pasta. Eu não esqueço que na hora que eu fui descer a pasta... [risos] naquele tempo a gente trabalhava de gravata, né? E eu fiquei meio sem jeito, ele deu risada, o supervisor falou: “Não esquenta não, isso é normal, tal, você...” Eu achei estranho, falei: “Pô, o sujeito de pé!” Ele falou: “É, mas tem isso aí também, tem propaganda de corredor...” Mas eu me lembro disso, não esqueço dessa passagem, foi gozado.
P/1 – Quanto tempo o senhor ficou nesse laboratório?
R – Eu fiquei nove anos e meio mais ou menos lá, quase dez anos, né? E lá eu fui vendedor... a gente era obrigado... porque o mercado exigia na época, você fazia propaganda, você ia na farmácia, fazia vendas e vendia também esses produtos que eu te citei aí, era o ATC (Anatômico Terapêutico Químico), eram produtos populares e que não tinha propaganda, mas a lista de preço minha era enorme, parecia uma lista de telefone, né? Tinha três laboratórios éticos que era a Glaxo, a Smith Kline e a (Iton ?), que hoje é da Schering Plough, né? E tinha uma linha grande de produtos populares e perfumaria. Tinha Corega, por exemplo, fixador de dentadura, tinha Gets it, é um calicida que passa no calo e tal, tinha pasta dental Forence, tinha escova de dente Doutor West, tinha os produtos Coty, os cosméticos da Coty e os cosméticos da linha William's. Então os pontos que eu tinha que entrar pra vender eram variados, eu vendia em farmácia, vendia em bazar, vendia em loja, vendia em grandes magazines, vendia no atacado de medicamentos, vendia no atacado de perfumaria... Essa empresa, eu não estava percebendo, mas ela... eu entrei em praticamente toda a facção que a indústria de cosméticos e a indústria de produtos farmacêuticos procura atingir... eu fui... mesmo sem ter alguém que, assim, me orientasse cem por cento como tinha que entrar em cada lugar desse, eu fui aprendendo isso, né? E eu acho que foi uma base, né?
Uma escola muito boa e... embora fosse uma correria danada, eu tenho até saudade desse tempo.
P/1 – E aí o senhor saiu de lá por que?
R – Eu saí de lá porque... lá eu fiz alguns amigos, né? Um amigo em especial que eu fiz lá é o Wladimir Pereira que pra satisfação minha ele trabalha na Rhodia hoje. E ele me convidou pra vir pra Rhodia, e esse período que eu trabalhei lá ele trabalhou também comigo.
P/1 – Mas ele foi pra Rhodia antes? Como é que foi?
R – Foi. Ele saiu... ele foi convidado não para a Rhodia, ele foi convidado para a Glaxo Evans. A Glaxo tinha saído de lá da Companhia Industrial Farmacêutica, a Glaxo já tinha feito seu laboratório aqui no Brasil, já estava produzindo. Então ela resolveu pegar o Wladimir, talvez porque o Wladimir como tinha conhecimento dos produtos Glaxo iria ser um funcionário bom pra eles, né? Apesar de que, parece que não aconteceu bem isso, ele teve algum problema lá, bateu de frente lá com alguém, ficou com ciúmes de alguma coisa e tal, ele acabou saindo. Ficou um ano e foi pra Rhodia. E depois ele foi na minha casa um dia e falou: “Olha Renato, tem vaga lá, eu falei de você, eu gostaria que você fosse lá fazer uma entrevista, na Rhodia. Isso no final de 1973.
P/1 – O que é que você já sabia da Rhodia antes de entrar lá?
R – O que eu sabia da Rhodia é que era uma multinacional francesa e eu sempre procurei saber quais são os laboratórios que trabalhavam comigo na rua, né, já que tinha dez anos de pasta, carregando a famosa Catarina aí, né?
P/1 – Chama Catarina?
R – Chama Catarina.
P/1 – É um apelido popular dela?
R – É, é um apelido popular dela porque...
P/1 – Entre a categoria?
R – Entre a categoria. Se você perguntar o que é a Catarina todos falam: “É a pasta do propagandista.” [risos].
P/1 – Por que chama Catarina?
R – Porque os vendedores de rua, esses vendedores que param na Praça da Sé, na Praça da República com uma pasta e abrem-na para vender óleo de fígado de baleia, não sei do quê que cura tudo quanto é coisa, ervas... carrega uma pasta. E é um pessoal que fala com o público, faz algumas brincadeiras e tal. E o propagandista com aquela pasta grande, era confundido com esse tipo de propagandista também. E dentro desta pasta geralmente o vendedor de rua, né, o propagandista da rua ele carrega um calango, carrega um animal que parece uma lagartixa enorme lá. E ele tira aquilo e geralmente chama ela de Catarina, diz que é uma fêmea e tal, ela sai no chão assim, botando a linguinha pra fora... Então a pasta ficou com o nome de Catarina por causa deste tipo de coisa [risos].
P/1 – “Abra a Catarina!” [risos]
R – “É a Catarina. Vou soltar a Catarina aqui então!” [risos] E acabou ficando o nome da pasta com esta brincadeira aí. Essa história que eu tô te contando é uma coisa que também, quando eu entrei no ramo eu questionei e falei: “O que é que é isso aí? Por que é que tem nome de Catarina?” Aí me contaram isso, essa história. Então é isto. Eu trabalhei ali esses dez anos e fui apresentado na Rhodia pelo Wladimir...
P/1 – Que região que você pegou? Pra trabalhar em qual região inicialmente?
R – Inicialmente eu fiz a zona norte com uma parte da zona leste. Isso pela Rhodia, né? Pela outra empresa que eu trabalhei eu fiz um monte de coisas, um monte de bairros.
P/1 – Mas já falando da Rhodia. Qual foi o produto? Logo que você entrou, qual o produto que estava lançando, que você trabalhou?
R – É, eu peguei...
P/1 – Que ano que é isso?
R – Isso foi em 1974, eu fui registrado na Rhodia dia 21 de Janeiro de 74. Eu peguei a fase de lançamento de um produto muito importante que mexeu muito com o mercado farmacêutico, que foi o Nootropil. Estava quase no meio do lançamento, então eu entrei nessa fase e quando eu comecei a fazer a propaganda nos consultórios eu percebi que eu estava fazendo alguma coisa muito importante ,porque os médicos achavam interessante alguém falar com segurança de neurônios, as ribossomas... os médicos questionavam muita coisa, mas nós estávamos bem preparados e esse produto foi um sucesso. E eu me lembro, marcou muito isso, esse fato de ter participado do lançamento do Nootropil.
P/1 – E o senhor se lembra, assim, como era o treinamento disso? Como foi o treinamento?
R – É, o treinamento foi feito por um pessoal que era formado em farmácia e era muito bom o pessoal. Até eu fiquei surpreso quando eu entrei na Rhodia, depois de trabalhar dez
anos numa empresa que eu fui propagandista, fui vendedor, fui supervisor, eu fui treinador, eu admitia, eu demitia... e era uma empresa pequena, não tinha muita estrutura... e vim pra Rhodia, que tinha departamentos já, na época. E eu fiquei surpreso de...
P/1 – Você sentia diferença?
R – Enorme, porque quem estava ministrando aula pra mim, ao contrário da outra empresa, que eram leigos, na Rhodia eram farmacêuticos. E um deles dava aula na USP ou coisa assim... eu não me lembro o nome dele, ele até fez uma fórmula...
P/1 – João Domingos.
R – É o João Domingos. Ele fez uma fórmula de um produto que chamava-se Dienterol e esse produto foi lançado aqui e ele tinha técnica pra dar aula, subia na cadeira, fazia umas brincadeiras, ele marcava muito, a gente aprendia com ele. Outra pessoa fantástica também é o João Torres Silas que saiu até recentemente da Rhodia, também ficou muitos anos na Rhodia, também era o nosso treinador, um excelente treinador, aprendi muito com ele. E eu concluí que eu estava... eu não sabia quase nada, eu tinha muita coisa pra aprender ainda, mesmo trabalhando dez anos no ramo. E acho que absorvi alguma coisa, mas ainda tenho muita coisa pra aprender.
P/1 – E o senhor se lembra assim, de alguma história pitoresca que o senhor presenciou, que aconteceu entre o senhor e o médico ou com outros propagandistas, algum “causo”?
R – “Causo”, né? Você quer triste ou você quer alegre? Ou você quer os dois?
P/1 – Os dois.
R – Uma coisa que me marcou muito nesses trinta e cinco anos que eu trabalho nisso... eu vou contar primeiro a coisa ruim, né? [risos]. Por exemplo, eu dei a mão para um médico, doutor, Duarte, uma vez no Pari... ele era militar, um médico militar... e ele estava com febre, eu senti a mão dele muito quente... isso foi no período da tarde, já quase a última visita da tarde, e eu comentei, falei: “Doutor Duarte...” Ele era brincalhão, gozador, junto com o dentista do consultório...
P/1 – Que produto que você estava lançando?
R – Na época eu fazia propaganda, estava em promoção muito o Ronal. O Ronal e parece que o Optamine, era uma mistura de Hydergine com Nootropil. O Hydergine era nosso concorrente, no fim a Rhodia pegou o sal dele e misturou e fez um produto que era tudo para o cérebro, né? ___________ a propaganda [risos]. Esse produto não existe mais também. Mas eu dei a mão pra ele e ele estava com febre, eu senti que ele estava quente, eu falei: “Doutor, o senhor está com febre?” Ele falou: “Sim, eu estou, meu filho.” E eu falei
pra ele: “E daí, o senhor já tomou alguma coisa?” Ele falou assim: “Não, não tem muito jeito, eu estou com (Roding ?).” E eu dei risada, porque ele era muito gozador, eu falei: “Meu Deus, Você está com (Roding ?)? Isso é um câncer linfático.” Ele falou: “Sim, eu estou com Hodgkin.” E ficou sério. Aí eu perdi até o jeito de fazer a propaganda, né? Eu falei: “O senhor não está brincando?” “Não, eu estou falando sério.” E me falou o seguinte... era meio do ano, mais ou menos, Junho ou Julho: “E não vou comer castanha esse ano.” Aí eu falei: “Doutor Duarte, pára de brincar.” Ele falou: “Não, é sério.” Aí eu perguntei quem deu isso: “Quem deu esse diagnóstico para o senhor?” Ele falou: “Eu descobri, eu mandei fazer os exames, eu senti que eu estava com sintoma de alguma coisa parecida com isso...”
[pausa]
R – “... e agora eu já fui em algum amigo, em algum colega especialista, está confirmado. Eu tenho esse problema e eu não estou bem hoje porque eu fiz quimioterapia e a quimioterapia me dá umas reações que não adianta muito eu tomar analgésico, antitérmico. E é isso aí. Mas não tem problema não, continua a sua propaganda.” E ele faleceu mesmo, antes do fim do ano.
P/1 – Antes de comer a castanha?
R – É, antes de comer a castanha. Numa outra oportunidade – ainda uma história ruim – o doutor Luís Carlos Hipólito, uma pessoa que... era um médico e burocrata, ele quase não clinicava. E trabalhou em alguns hospitais e a gente vendia nos hospitais e eu peguei amizade com ele por causa disso, eu negociava com ele. Eu tinha que procurar ele nos corredores. Batia na porta, ele era desbocado e gritava lá de dentro: “Quem é o filho não sei do que tá aí?” Eu falava: “Sou eu, o Renato, o Cabeça.” “Ah, entra aí. O que é que você quer, não sei que...” Muito brincalhão, mas uma excelente pessoa! Fumava quatro maços de cigarro por dia, um sujeito interessante, contava muita piada, brincava. E ele trocou de área, do hospital e tal, mas estava sempre no meu pedaço. De vez em quando eu encontrava com ele. Um dia eu encontrei com ele no Hospital Presidente aqui no Tucuruvi e ele tinha arrendado o serviço médico lá e me chamou no corredor: “Oh, Cabeção, tal...” - meu apelido, né? E eu voltei e os colegas perguntaram: “Quem é esse médico aí te chamando de Cabeção?” Eu falei: “É um amigo meu de alguns anos já.” “Vamos tomar café, o pessoal tá trabalhando aqui...” “Mas que trabalhando? Eu arrendei esse serviço médico e tô mandando aqui. Eu sempre mando. Eu não trabalho coisa nenhuma. Vamos tomar café.” Daí vi ele várias vezes lá. Uma das vezes que eu encontrei com ele, passei, assim, uns dois, três meses sem vê-lo e ele estava... encontrei com ele numa esquininha perto do hospital, ele estava andando quase agachado, tinha emagrecido muito e quando ele me viu ele me segurou no braço, eu falei: “Doutor Hipólito, o que é que houve?” E fiz a seguinte brincadeira com ele, eu falei: “O que é que foi, o senhor operou a hemorróida ou quebrou a coluna? O que é que houve que o senhor está andando desse jeito? O que é que está acontecendo? “Aí ele deu um sorriso assim, meio... eu senti que ele estava com dor, até. Ele falou: “Eu não vou te
esquecer nunca, você é muito brincalhão. Vamos tomar um café ali.” E eu fui andando com ele, ele foi apoiando em mim. Eu falei: “Pô, você tá mal, o que é que você tem?” “Eu tô com câncer. Eu tirei um pulmão e eu fiz quimioterapia também, tô enjoado, minha família não queria que eu viesse aqui mas eu vim porque eu preciso me despedir dos meus amigos aqui.” Foi num telefone do lado do barzinho e falou assim no telefone: “Eu cheguei...” e largou o... [choro].
[pausa]
R – E por incrível que pareça ele falou também que não ia comer a castanha no natal e também aconteceu isso aí. E um outro, um japonês também, que desenvolveu um tumor cerebral e também me contou isso e morreu. Esse aí não teve problema de natal, mas faleceu também. Essas coisas marcam, né?
P/1 – O senhor acabava tendo uma relação íntima com os médicos a ponto deles contarem isso?
R – É, gozado isso, eles abriam para algumas pessoas, né? E eu tenho essa...
P/1 – Característica.
R – Afinidades, sei lá. O pessoal... de tanto você ficar na coisa... eles fazem parte da vida da gente. Você acaba sabendo esse tipo de situação.
P/1 – Por que o seu apelido é Cabeção?
R – Um amigo que trabalhava num banco na Cardoso de Almeida, caixa do Bradesco, e aí eu ia lá receber... que antigamente você recebia num caixa só, você chegava lá e tinha naquele número no caixa, no balcão, você não podia ir em qualquer caixa. E o nome dele é Rui. E ele: “Vê aí pra mim meu saldo, me dá um talão.” Ele olhava meu saldo e falava: “Porra, meu, você ganha muito. O que é que você faz?” Um sujeito brincalhão, um camarada fantástico! Assim, fazia amizade... ele fazia algumas perguntas que normalmente você fala para o cara: “Você não tem nada que ver com a minha vida.” Mas você dava risada de ver o jeito dele, muito alegre! E ele achava que ele ganhava pouco lá e queria trabalhar em alguma coisa. Ele falou pra mim: “Vem uns colegas seus aqui, parece que trabalham tudo na mesma empresa. Pô, vocês ganham uma grana, meu. O que você faz, não sei que...” Um jeito gozado, assim, uma pessoa gostosa de conversar com ele, né? E ele pedia: “Você me apresenta no teu ramo, e não sei que...” E era perto. A empresa era no Pacaembu e a Cardoso de Almeida e o Pacaembu é perto. E um dia apareceu uma vaga lá e eu falei para o gerente. Falei: “Olha, tem um maluco aí que vive pedindo pra mim, e estuda e é um sujeito que conversa bem, ele é muito simpático, tal.” “Manda aí, Renato, vamos ver quem é.” E ele foi lá e passou, entrou. Um dia o gerente falou: “Olha, é isso aí que eu precisava.” Não tinha porta fechada pra ele, ele abria qualquer porta, punha apelido em
todo mundo. O pessoal não ligava muito para os apelidos. Hoje ele é delegado de polícia, esse rapaz, ele se formou em Direito trabalhando em laboratório, trabalhou lá na Companhia Industrial comigo. E ele me chamava de Cabeção porque ele sentava atrás de mim e ele achava que a minha cabeça atrapalhava quando o chefe estava falando: “Tira esse cabeção daí, ô Cabeção, Cabeção...” Mas só ele me chamava. Quando eu fui pra Rhodia o meu supervisor era um japonês, farmacêutico, assim, muito austero, o camarada não gostava muito de brincadeiras e tal e esse supervisor saiu com o vendedor na zona leste pra trabalhar e ele encontrou e viu que era da Rhodia e sabia que eu estava lá e perguntou, falou: “Escuta, e o Cabeção?” Aí o japonês, o __________ falou: “Quem é o Cabeção?” Aí ele falou: “O Cabeção é o Renato. Você não conhece o Cabeção, você não conhece o Papa, e não sei que...” E ele deu risada, ele achou graça disso. No dia seguinte, quando eu cheguei no laboratório - a gente ia diariamente no laboratório - a equipe já estava lá na hora que eu cheguei, eu entrei, cumprimentei todo mundo: “Bom dia, bom dia. Bom dia, seu _________.” Ele me respondeu: “Bom dia, Cabeção.” Aí todo mundo riu. E na Rhodia ficou isso, né?
P/1 – E todo vendedor tem, geralmente, um apelido?
R – Tem. Tem o “Engana Ladrilho”, tem... o Engana Ladrilho é uma pessoa que tem um problema na perna, então quando ele anda, ao invés de pisar no ladrilho, ele pisa no ladrilho do lado, então, Engana Ladrilho... [risos]. Tem o “Língua Preta”, né? Língua Preta toda vez que fala de alguém fala mal, então puseram apelido de Língua Preta. Tem o “Bucha”, que também tem um probleminha na perna, tem o “Gnomo”, o Gnomo trabalha na Rhodia, que é o prensinha, ele é pequenininho, então apelidaram ele de “Anão de Jardim” ou Gnomo.
P/1 – E esses apelidos surgiram tudo na Rhodia?
R – Surgiram na Rhodia e na rua. Tem colegas que vêm já de outros laboratórios com apelido. Mas é uma coisa carinhosa, uma coisa que serve pra identificar, e não tem problema, é até gostoso. Porque os médicos acabam chamando a pessoa por... serve até como uma... pra marcar. A indústria farmacêutica bota um ícone... uma coisa desse tipo, né? O sujeito fala: “Fulano.” Aí já sabe quem é. Existem gerentes, diretores de laboratórios que saíram da __________ que carregam o apelido lá pra dentro e vão pra cima, lá, né? E o pessoal até esquece que é apelido aquilo, viu?
P/1 – Já chama de Cabeção _______________.
R – Chama, é, direto. Nem Cabeção mais é, é Cabeça. Quando a pessoa entra no ramo, que é meio nova no ramo e pela primeira vez escuta assim, e dá uma risadinha e tal, mas depois vê que parece que virou um nome aquilo pra pessoa, fica normal, fica com um pouco de medo... hoje em dia eu percebo isso, os mais novos ficam meio assim de me chamar de Cabeça, aí eu percebo, aí eu falo: “Pode me chamar de Cabeça que não tem problema não.”
P/1 – E as histórias engraçadas que você ia contar?
R – É, existem algumas coisas, por exemplo... eu costumo falar... no dia que você me telefonou eu falei pra você que era uma brincadeira, né? Você falou que era do Museu da Pessoa, eu falei: “O que é? Vocês querem me mumificar e botar lá pra fazer exposição? O que é que é isso?” Aí você me explicou que era uma empresa contratada e tal... eles são terríveis, terríveis! Eles aprontam, como por exemplo, né? O Toledo – inclusive tem fotos dele aqui, de funcionário da Rhodia - aquilo foi um dos representantes que passaram na indústria farmacêutica na década de 1960 até 1980, mais ou menos, ele trabalhou muitos anos na empresa. O pessoal tinha até medo dele. Por exemplo, aqui na zona norte um colega entrou de férias, ele pegou um cartãozinho de missa de sétimo dia, aquele santinho, arrumou uma foto dele do sindicato e pôs lá, botou data de morte e tudo, e saiu distribuindo para os médicos. O sujeito trabalhava aqui há uns quinze, vinte anos, na zona norte. E existem aquelas afinidades que acontecem com representantes e algumas pessoas. Por exemplo, uma enfermeira do doutor Nelson Proença, que acho que foi até vereador ou deputado, um médico que tinha aqui na Água Fria, ele dava alguns medicamentos pra ela, e a família tomava, o pai dela tomava... Então, quando ele deu o cartãozinho pra ela, ela chorou. Falou: “Coitado, ele me arrumava tanto remédio aqui, tal...” Aí, depois de umas duas semanas ele entrou e ela estava mexendo no fichário e ele cumprimentou: “Como vai, dona Amélia, e tal...” A mulher caiu dura lá, desmaiou, o médico veio lá, falou: “Porra, você não morreu? O Toledo trouxe o cartãozinho.” Ele falou: “Quê?! Eu tô vivo, esse desgraçado fica entregando esses negócios aí.” Coisas desse tipo, né? [risos] É até arriscado um cara de uma empresa ir pra outra e fazer esse tipo de brincadeira.
P/1 – Ele era de outra empresa?
R – O outro era de outra empresa. As brincadeiras geralmente são feitas assim. Ele tinha também... conversando com a pessoa ele descobria onde o sujeito morava, a rua, o nome da patroa do sujeito, o telefone, o endereço, tal. Ele costumava fazer o seguinte, ele punha, por exemplo, a casa do sujeito pra vender: “Casa na rua tal, número tal, tantos cômodos pra vender a um preço baixo.” Assim, abaixo do mercado, né? E botava no jornal, pagava o anúncio e o atendimento, das seis às sete da manhã de domingo. Aí o sujeito via um monte de nego tocando a campainha, aí o cara levantava lá: “O que é que é?” “Não é essa a casa pra vender?” “Mas que casa pra vender?” “Não, tá aqui no jornal. O senhor não é o seu fulano de tal?” “Sou.” E aquele monte de gente perturbando o camarada lá e era o seu Toledo que tinha feito esse tipo de coisa [risos]. E coisas desse tipo, né?
P/1 – E com médico, assim, alguma coisa do propagandista com o médico, alguma história que o senhor lembra? Curiosa...
R – Eu notei o seguinte, né? Eu contei pra você coisas tristes que me marcaram na propaganda médica... por exemplo, nós fazemos muitos convênios com os médicos, né? De convênio médico pra jogar futebol, a gente faz coffee break das sextas...
P/1 – A gente quem? Vocês e os outros convidados, outros laboratórios?
R – Na maioria das vezes só o da Rhodia, às vezes, é só da Rhodia e, às vezes, algum evento...
P/1 – Esse faz parte do trabalho?
R – Faz parte do trabalho.
P/1 – Vocês têm algum tipo de verba pra promover isso?
R – Temos, temos. A gente tem e é muito bom isso porque aproxima mais ainda a gente do médico, cria uma espécie de vínculo, né, um compromisso, e torna o nosso trabalho... a chegada ao nosso objetivo é bem mais fácil, né? O médico fica aberto. E você, quando pede alguma coisa para o médico você recebe um retorno disso. E acaba... nesses momentos a gente acaba descobrindo pessoas e fazendo algumas amizades mais fortes e percebendo certas coisas até interessantes que te chamam atenção. A primeira vez que eu vi uma coisa interessante foi... eu fiz um evento quase no fim de ano e fiz um jogo de futebol e arrumei uma quadra, um campo de futebol no Hospital São Luiz Gonzaga que pertence à Santa Casa de São Paulo, tinha um campo lá. E eu descobri que os médicos de lá, alguns jogavam bola lá. Então eu pedi o campo e ele: “Olha, eu deixo você usar o campo, mas eu quero jogar também.” Eu falei: “Não, tudo bem. Eu vou trazer também alguns médicos aqui.” E fiz o churrasco. E eu levei alguns médicos que nunca tinha jogado futebol de várzea, no campo. E tinha um coberto, compramos lá carne...
P/1 – A Rhodia dá o dinheiro para o churrasco?
R – A Rhodia... do churrasco.
P/1 – Desde quando vocês têm essa verba pra patrocinar esse tipo de evento?
R – Antigamente já existia alguma coisa, mas não era uma verba como hoje. Hoje...
P/1 – O vendedor acaba sendo um promotor de eventos também? Um promoter?
R – Sim, então promove, faz evento, é um evento... e traz resultados muito bons pra empresa, isso, né? E nesta brincadeira que eu fiz, esse evento que eu fiz, os médicos começaram a jogar bola num campo de terra, uma terra preta, tinha médico jogando lá que nunca tinha jogado num campo de futebol, e começou a chover. Começou a chover, aquele barro preto... Eu pensei: “Acabou, né? Acabou o churrasco.” E inclusive tinham alguns médicos que já tinham saído, que já estavam cansados. O time já não estava com onze contra onze, já tinha uns oito contra oito, sete contra sete, o resto já estava tomando uma lá. Aí começou todo mundo a escorregar e cair naquelas poças de água... Eu imaginando: “Vão
parar, o médico no meio do barro, ele não vai ficar aí.” Aí os que estavam fora entraram no meio do barro também, aquilo virou uma salada, aqueles médicos brincando lá e rindo. Eu falei: “Eu não acredito que está acontecendo isso.” Aí, na hora de tomar um chope veio dois conversar comigo. Eles falaram o seguinte: “Renato, eu tinha tanta vontade de fazer um negócio desse e eu não imaginei que era tão bom, né? Eu estudei tanto na minha vida, vim de uma família da classe média alta e eu nunca imaginei que era tão gostoso. Eu via um sujeito... Às vezes um camarada aparecia no hospital cheio de barro lá com o dedo quebrado, com a perna quebrada, eu falava: - que sujeito imbecil, né? Jogar bola com barro, com chuva?! E é tão gostoso!” E me disse o seguinte, que ele percebeu que as coisas boas da vida são simples, né? O sujeito pode ter isso como lazer quase todo fim de semana só. Mas o cara é feliz, o cara, ele faz uma coisa... ele achava que era sensacional. Ele falou: “Pô, nós precisamos arrumar outro jogo e precisa ver se chove outra vez porque foi muito bom.” E eu senti isso.
P/1 – Em que ano que foi isso?
R – Isso faz uns quinze anos, eu estou há vinte e cinco na Rhodia. 1979, 1980, por aí.
P/1 – Era lançamento de que produto nessa época?
R – Eu acho que... em 1980 nós já estávamos falando do Ronal, por aí, viu? E muito do Nootropil ainda. O Nootropil é um produto que nós trabalhamos muito.
P/1 – Foi o produto que mais marcou o senhor na carreira? Na Rhodia?
R – O produto que mais me marcou da Rhodia é o Profenid. É o Profenid. Daquela época, né?
P/1 – Como é que foi o lançamento do Profenid?
R – O lançamento do Profenid...
P/1 – Em que ano?
R – Em 1974. O lançamento nós fizemos uma reunião em Poços de Caldas, uma boa parte do Brasil foi pra lá, o interior de São Paulo, e foi uma reunião bastante interessante. Junto lançaram um produto que se chamava ___________. Esse produto não se fixou bem no mercado, mas o Profenid pegou bem. E foi gostoso porque nós entramos num mercado que já existia o Voltaren que ainda é líder do mercado até hoje. Cataflam e Voltaren a mesma coisa, né? Tem uma diferençazinha, um é sódico o outro é potássio, uma coisa assim, mas é o mesmo produto e eles já tinham um mercado grande. Então nossa briga sempre foi com eles. E mais alguns produtos também para inflamação e dor, né? E foi gostoso. E eu me lembro, por exemplo, alguma coisa interessante, que nós lançamos uma
ampola... o Profenid era injetável, ele tinha uma ampola de solução de cinco mL e um liofilizado de cinquenta miligramas, né? E aquilo doía tanto na aplicação que o sujeito esquecia de qualquer dor, porque é uma garrafa de caçulinha quase, né? E depois a Rhodia mudou a apresentação pra dois mL e aumentou a concentração pra cem miligramas e já vem preparado. E um produto que me marcou muito, ele tem várias apresentações e está há vinte e cinco anos no mercado e está bem colocado ainda no mercado.
P/1 – É o que mais te marcou?
R – Também. Me marcou e eu gosto muito de trabalhar com este produto.
P/1 – Como é que é o convívio, assim, do propagandista... quer dizer, se o senhor tivesse que definir... primeiro, como é que o senhor se define como propagandista?
R – Como eu me defino como propagandista?
P/1 – Pensando no senhor e pensando, assim, numa característica que a pessoa tem que ter pra ser um propagandista, um representante.
R – Eu aprendi, logo que eu entrei no ramo, que o propagandista é uma pessoa que precisa trabalhar em equipe, saber dividir o que ele sabe com os outros, porque os outros fazem isso com você. Você, quando sai pra trabalhar em campo, trabalhar na rua, os propagandistas dos outros laboratórios que são seus concorrentes e, entre aspas, os seus “inimigos”, quando percebem que você está começando eles te pegam pela mão, pegam seu fichário e falam pra você: “Olha, esse médico atende tal hora, vamos aqui, vamos lá” Te leva no roteiro...
P/1 – Existe uma solidariedade?
R – Enorme! Eu aprendi isso aí, você ser solidário. Você trabalhar em equipe, você informar as pessoas, receberem informação. É lógico que estrategicamente – você aprende também com o tempo – que às vezes aquele “inimigo” seu que é um excelente amigo, você tem que segurar alguns trunfos porque você não pode entregar tudo também pra ele. Mas de uma maneira geral o seu dia a dia, os segredos da profissão, de como chegar no médico, você aprende e são características que cada um desenvolve dependendo do seu potencial pra receber, pra digerir aquilo lá. Tem pessoas que começam no ramo e têm muito talento. Então o sujeito absorve rápido, aprende rápido e bota em execução, de observar o outro trabalhar, né? Prestar muita atenção no que está acontecendo à sua volta. Eu aprendi isso, uma característica que eu acho interessante e gosto de fazer isso, é trabalhar sempre em equipe, dividir os meus conhecimentos, procurar estar sempre estimulado e auto-estimular as pessoas. Eu acho que isso aí, o trabalho em equipe, é importante. Quando não há trabalho em equipe você não consegue fazer nada, nada sozinho.
P/1 – Equipe você fala levando em consideração os outros laboratórios?
R – Mas a sua equipe, a sua empresa. Ali você tem que fazer esse tipo de característica, esse tipo de informação, que você aprende e bota em execução. Trabalhar em equipe, ser solidário, marcar algum objetivo e fazer com que todo mundo se dirija para aquele objetivo e sem perder o pique, embora possa acontecer qualquer coisa ali no meio que atrapalha os seus planos, a sua tática. Mudar, se for mudar alguma coisa, mudar todo mundo direitinho, Se alguém fizer alguma coisa diferente e der certo, procurar o pessoal fazer aquilo que está dando certo... isso é trabalhar em equipe, ser solidário. Quem não trabalha em equipe dentro da indústria farmacêutica ele não sobrevive muito tempo, ele acaba saindo e o próprio grupo coloca ele pra fora porque ele não divide os conhecimentos. A pessoa egocêntrica não tem sucesso na indústria farmacêutica.
P/1 – E me fala uma coisa, o senhor falou que o senhor almoça com outros representantes?
R – Sim.
P/1 – E há quanto tempo vocês almoçam juntos?
R – Atualmente...
P/1 – É um point, né?
R – Sim, tem. Atualmente eu faço a região da zona oeste e o período mais ou menos de dois anos e meio para três anos o local que a gente se reúne é na Praça Cornélio, na esquina da Rua Coriolano, né? E nós temos inclusive um grupo que nós denominamos de Cafofa, nós temos camiseta com esse nome, Cafofa, chapeuzinho...
P/1 – O que é que significa Cafofa?
R – Olha, vou te ser sincero, eu não... é um nome que eles acharam, assim, que significa quase que um fofinhos, ou coisa assim. Achei até interessante isso, eu falei: “Pô esse negócio tá meio gay.” “Não, mas não é nada não, Renatão. Ficou bonitinho o nome e tal.” [risos]. E até uma das pessoas que ajudou a idealizar esse nome é o Proença que está na Rhodia, né? Ajudou a fazer lá um logotipo, coisa assim. Então nós temos camisetas, temos chapéu...
P/1 – Que é de vários...
R – É do grupo da zona oeste, da Lapa. Inclusive Cafofa Lapa, tá escrito, né?
P/1 – Porque tem outros representantes, tudo?
R – Eu tenho camiseta aí que eu posso te mostrar se você quiser.
P/1 – Ah, legal.
R – Tenho várias camisetas. E esse grupo tem um pessoal... todo grupo, toda área, todo setor que tem um grupo de representantes, tem um número de pessoas que geralmente gira em torno de três ou quatro que comandam algumas atividades dentro desse grupo, como por exemplo, o pessoal é solidário ao ponto de procurar saber se tem algum colega que está com problema até financeiro, familiar, a pessoa se reúne, se for pra ajudar vai na casa, faz compra para o sujeito, dá um dinheirinho... a gente tem essa preocupação, né? Porque a gente vive numa cidade grande, numa megalópole e os problemas acontecem rápido, às vezes, né? Doença, acidente... e um monte de coisa que pode acontecer e a solidariedade não é só financeira, a gente tem... o colega, quando ele tem algum problema sentimental, familiar e conversar, aconselhar... Está acontecendo também uma coisa muito interessante de uns dez, quinze anos pra cá, com a entrada da mulher no nosso ramo, existem casais que são propagandistas e, às vezes, acontece alguma coisa, aquelas briguinhas naturais e o pessoal faz uma brincadeira pra deixar a coisa, assim... esfriar aquela situação, até acaba ajudando, né? Então é uma geração nova que está aparecendo aí de casais representantes. A mulher é propagandista e o...
P/1 – O pessoal da Lapa almoça onde?
R – No Valadares, no Restaurante Valadares. Lá tem dois Valadares, tem o Valadares da Cornélio e tem o Valadares da rua de baixo, lá na Fáustulo. Lá é mais, assim, pra um tira gosto, eu nunca fui lá. O pessoal ali, o pessoal gosta de reunir na mesinha, tomar uma cerveja e ficar só batendo papo, não serve, parece, que refeições. Agora o Valadares que nós vamos é um Valadares que serve refeição.
P/1 – A Cafofa vai?
R – A Cafofa? Nós temos tanta amizade com o pessoal lá que nós colocamos numa das paredes uma placa com “Recanto da Cafofa” e na hora do almoço ele coloca quatro mesas e aguarda a gente. E lá tem sal especial, de um colega, com menos potássio, tem açúcar do colega fulano, tem tudo guardadinho lá. Quando ele põe a mesa ele já vem colocando refrigerante com gelo, com limão, ele já sabe o que a turma toma, que um é diet, o outro não é diet. Então é um lugarzinho gostoso que o pessoal se encontra, fica ali uma hora mais ou menos, né? No período do almoço, trocar algumas idéias, algumas informações, ou precisa de algum produto um do outro ali, o pessoal faz esse tipo de troca de algumas coisas, às vezes, tem algum desempregado lá no meio que a gente fala: “Olha, o laboratório tal tá pegando, o laboratório tal tá fazendo... pega o curriculum, leva pra cá, pra lá.” O pessoal do ramo... uma vez eu escutei uma coisa que me incomodou um pouco. Eu não vou citar nomes aqui, mas uma pessoa uma vez falou o seguinte, que nós pecávamos, a indústria farmacêutica pecava porque os representantes eram...
P/1 – Alguém da Rhodia falou isso?
R – Sim, falou. Que os representantes eram corporativistas. E aquilo me esquentou, sabe? Eu me lembro que uma pessoa levantou e falou que não era nada disso e tal... eu achei ele até meio kamikaze, porque ele dividiu com uma pessoa da chefia até, né? E ficou por isso mesmo, essa pessoa está até na Rhodia, até hoje, e recentemente eu tive a oportunidade de cumprimentá-lo por ele ter a coragem de ter falado alguma coisa contra isso. Tudo isso que eu falei pra você, essa solidariedade, essa união, esse sentido que o representante desenvolve de ajudar o seu parceiro que está entrando no ramo, ensinar o seu parceiro, né? De ser solidário e de se preocupar e de quando o sujeito está desempregado ele tentar colocar o sujeito dentro do ramo... foi confundido com corporativismo, de tanto que os representantes se auto-ajudam, né? Formam uma família. Não existe, eu acho, nenhum outro ramo de vendas que os vendedores são solidários. O vendedor encontra um concorrente parece que está olhando para um inimigo. E eu sei de casos até de bate-boca, assim, de se desentenderem, né? É muito raro acontecer isso dentro da indústria farmacêutica.
P/1 – O senhor ganhou algum prêmio de trabalho, assim, de venda?
R – Sim, eu ganhei alguns prêmios, eu ganhei um prêmio que me marcou muito. Até por um sorteio, não foi um prêmio assim, por desempenho. Eu ganhei vários por desempenho, inclusive tem algumas fotos aí, eu acho que foi uma das poucas equipes no Brasil que foi tetracampeã de propaganda, venda, conhecimento, um monte de coisas... eu tenho aí o... inclusive está o Waldemiro, o preto...
P/1 – Em que ano foi isso?
R – Eu acho que foi entre 1976 até 1980 mais ou menos, uma coisa assim. Quatro anos em seguida. Depois foram havendo mudanças, sai o pessoal da equipe tal, muda regras, muda prêmio, muda uma porção de coisas, mas várias vezes eu ganhei prêmios. Ganhei um prêmio uma vez, mas foi como um sorteio, na reunião do _________, uma viagem pra Fortaleza e fui sorteado. Então tiraram meu nome lá, entre quatrocentas pessoas, acharam meu nome lá no meio e era com a esposa. E eu fui viajar, poderia escolher período, escolher um período em que eu poderia levar a esposa. Fui viajar, me pagaram a viagem, me deram um fundo pra gastar. Lá, o gerente da área foi no hotel, me levou um carro da Rhodia que: “Olha, esse carro é um carro reserva, tal, o gerente de São Paulo conversou com a gente, está aqui o carrinho pra você.” Passeei bastante lá com o carro. E eu gostei disso, a minha mulher nunca mais esquece porque ela nunca tinha andado de avião, né? Então foi a primeira viagem que ela fez de avião e foi a única, por enquanto. Mas foi gostoso, também ganhei. Agora, eu ganhei um prêmio, o ano passado, que foi o maior prêmio que eu já ganhei na indústria farmacêutica.
P/1 – Em dinheiro?
R – É dinheiro, porque top-prêmio é dinheiro. Você quer que eu falo o valor pra você?
P/1 – Não, não precisa. Pode falar.
R – Então é de sete mil e quinhentos reais. Fora, tudo o que eu ganhei, os prêmios normais que eu ganhei, acima de todos os prêmios normais eu ganhei isso aí.
P/1 – Vendas?
R – Por desempenho de venda, de equipe, de vendas, foi. E não foi só a minha equipe. Agora, esse prêmio, eu gostaria de fazer alguns comentários sobre ele. Na realidade ele não seria sete mil e quinhentos reais, ele seria cinco mil e quinhentos. Meu supervisor, pelo fato dele ter sido o primeiro em vendas no Brasil, ele teria direito a vinte mil reais em top-prêmio. E ele fez o seguinte, ele nos reuniu e disse o seguinte: “Eu não ganhei esse prêmio, quem ganhou esse prêmio foram vocês, então eu vou dividir com vocês.”
P/1 – Que bacana!
R – Aí a equipe não queria e ele fez questão de fazer isso, ficou bravo pra chuchu, ele falou que não ia receber se a gente não quisesse e tal. Bom, aí acabou dividindo o prêmio e ele disse o seguinte na reunião, ele falou que ele nunca tinha trabalhado com uma equipe tão unida, tão solidária e que ele não conseguiria dormir se ele pegasse esse prêmio. Então, o prêmio que deveria ter sido de cinco mil e quinhentos, que já era o primeiro prêmio _________... pra você ter uma idéia eu acho que o que aproximou mais deve ter ganhado uns três mil. Nós ficamos na frente assim, muita coisa.
P/1 – Foi um papai noel?
R – É, um Airton Senna da vida, chegava na frente em três voltas, de todo mundo, né? Mas foi um negócio, foi uma coisa! Ele falou: “Eu consegui reunir aqui um pessoal bom, um pessoal de experiência. Os que não tinham... os que têm mais passaram para os outros, fez questão de fazer isso e eu acho que eu não vou ter chance nunca mais de... eu espero que no ano que vem que é agora, né? mil novecentos e noventa e nove, vocês estejam tudo comigo aqui pra gente fazer de novo. Mas, chegou neste ponto e eu quero dividir.” Então, foi o maior prêmio que eu ganhei nesses trinta e cinco anos que eu trabalho no ramo, foi o ano passado. Não vou esquecer também.
P/1 – E a última..., assim, pra gente dar uma encerrada, porque muitas coisas também já foram tratadas no vídeo, então estou tentando perguntar um pouco o que não foi englobado lá. Depois. Se ficar eventualmente alguma pendência... Existe diferença entre os médicos, assim, eu gostaria, se o senhor pudesse, me pontuar. Qual é a característica da região que o senhor trabalha, a zona oeste? E qual a diferença entre as regiões, assim, zonas mais
periféricas, zonas mais centrais, médico do interior, médico da capital, já que o senhor é uma pessoa experiente no ramo?
[pausa]
(fim da fita RHF_HV040 – Renato José de Paula - fita 01)
R – Antes de falar da minha preferência, né, de onde eu gosto e que tipo de médico eu gosto, eu sei que existem diferenças no atendimento, dependendo de onde esse médico se localiza, dependendo da formação desse médico e... por exemplo, as áreas centrais, Itapeva, Paulista... ou então escolas onde existem professores, né, o atendimento é diferente. Existe o dia marcado, existe número de representantes para atender, tem médico que atende três representantes na Quarta-feira, quando não está chovendo, né? E não pega literatura, não quer amostra, quer só que você fale... cada um tem uma mania e tem uma preferência. Eu acho que é direito do médico, nós estamos entrando no seu local de trabalho, eu não questiono o fato dele colocar normas, desde que ele receba bem o representante, que na realidade além dele desejar o receituário do médico que _________, nós que somos vendedores, ele faz também uma prestação de serviço. O representante está levando... a indústria farmacêutica ela pesquisa, ela está muito à frente do médico que não tem tempo de ficar lendo muita coisa, tem muitos afazeres... então nós levamos de vez em quando, realmente, informações novas para o médico. Então é uma prestação de serviço. Eu fico chateado quando ele não quer mais receber a propaganda, quer dizer, ele está obstaculizando, ele está tirando o seu direito de trabalho. Eu sou um propagandista, tenho orgulho de ser propagandista e respeito qualquer profissão, não importa o que seja, que seja um balconista ou seja um cobrador de ônibus, cada um faz o que ele tem condições de fazer. Eu sou um propagandista e fico chateado quando vejo um propagandista destratado por um médico, por exemplo.
P/1 – Só um parêntesis, existe um nome a que vocês se auto-referem, pra chamar de propagandista? Você falou ontem pra mim.
R – Quando começa no ramo?
P/1 – Não. Curumim, não é? Não tem...
R – Ah, sim., quando começa no ramo, né? Quando começa no ramo...
P/1 – Chama curumim?
R – Não, tem dois nomes. Tem um nome, assim, mais sofisticado um pouco que é o neófito e tem o cururu também. É o sapo do brejo, né?
P/1 – Que tá começando?
R – Que tá começando. Então quando chega um garotinho, assim, começa na propaganda: “Ah, esse aí é cururu aqui no pedaço?” Mas é uma coisa até meio carinhosa também, não é ofensiva, né? Mas eu gosto... eu estava falando dos médicos de centro, né? Existem uns médicos que trabalham em algumas áreas que não chega a ser área central e não é periferia, é uma área intermediária, né? Já começa a ficar melhor o atendimento. Ainda existe horário, existe alguma coisa desse tipo mas já é mais flexível. E eu gosto... o local que eu gosto de trabalhar, eu gosto de trabalhar na periferia. Na periferia o médico se torna amigo, te recebe bem melhor e troca idéia com você e participa com mais freqüência desses eventos que eu falei pra você, um jogo de futebol, um churrasco, o médico se torna uma pessoa como outra qualquer, ele tira a roupa de médico, ele desce de um pedestal. E eu acho até que, atualmente, o médico não é como o médico de vinte, trinta anos atrás que você entrava no consultório ele estava de jaleco, tinha um atendimento assim, muito formal, né? Hoje o médico está de camiseta, está de tênis e bate um papo com você sobre assalto, sobre enchente, sobre... faz um monte de brincadeiras também, e antes de começar a propaganda, né? Você já entra quebrando... aqui nós chamamos de quebrar o gelo, é. E eu gosto de trabalhar na periferia. Existe também os médicos que trabalham na área hospitalar. É um trabalho diferenciado, o médico tá sempre correndo, trabalha em áreas de difícil acesso como UTI’s, por exemplo, então você tem que saber onde pegar esse médico pra você levar a sua mensagem. É uma área que existe a venda, ainda. A venda do produto, a venda da idéia, a padronização. É um serviço que quando o representante vai pra lá ele tem que ter experiência na rua, primeiro nos consultórios, em alguns setores, que é pra ele saber abordar o médico, levar a mensagem certa e comprometer o médico. Então, grosso modo é isso. E eu prefiro a periferia, pra mim é uma delícia trabalhar na periferia.
P/1 – Bom, o senhor já respondeu algumas perguntas que a gente normalmente faz que já tá lá no vídeo. O senhor, ainda bem, antecipou, então só não vou perguntar novamente para não duplicar. Pra encerrar eu gostaria de perguntar o que é que o senhor achou da experiência de estar dando um depoimento para um projeto de memória?
R – É, eu... no meio dessa entrevista eu já fiz um comentário, que eu fiquei surpreso e pensei que era uma brincadeira, né? Você me deu mais ou menos a seguinte informação, que vocês entrevistaram aproximadamente quarenta pessoas da Rhodia, certo? Levando em consideração o número de funcionários que a Rhodia tem, que eu não me lembro exatamente quantos tem, a percentagem que vocês entrevistaram foi bem pequena. Quer dizer, eu tive a sorte ou a satisfação de ter sido escolhido, né? E os comentários que eu fiz, quem escutar isso aqui, se vocês projetarem em algum lugar ou passar para o pessoal da Rhodia, e que talvez alguns deles me conheça, sabe que eu falei de coração. Se nos meus comentários eu cometi algum deslize e alguém sentir que fui ofensivo, eu peço desculpas e ao mesmo tempo, se essa pessoa me conhece bem, sabe que eu sempre fui uma pessoa transparente, eu nunca escondi nada de ninguém, quando eu não gostava de alguma coisa eu sempre falei, né? Já cheguei a ser... tentaram fazer com que eu mudasse um pouco
esse comportamento meu: “Ah, você precisa ser mais político, tal...” Eu falei: “Eu não sou político, eu falo o que eu penso.” E espero que esta entrevista, este depoimento que eu estou fazendo aqui, algumas coisas que eu falei, possa ser de paradigma, possa ser que alguém pegue alguma coisa disso aqui e use para que tenha sucesso no futuro e eu espero que a indústria farmacêutica continue e que eu continue nela ainda, né? Eu pretendo ficar bastante tempo nela. E para finalizar, eu estou muito orgulhoso de ter sido entrevistado e espero encontrar ainda um pessoal que está escutando isso aqui, na outra empresa que está surgindo aí que é a _________, e gostaria, porque eu acho que participei de alguma coisa nessa empresa, na Rhodia, as empresas passam, as pessoas ficam, e quando a empresa... aliás, o contrário, as empresas ficam, as pessoas passam, mas quando a empresa fica bem a gente se sente bem porque nós contribuímos, nós trabalhamos lá, a gente percebe que o que a gente fez não foi em vão. Então é isso aí. ______________ [risos].
P/1 – Obrigada, adorei a entrevista, foi super bonita.
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