Programa Conte Sua História
Histórias de Esperança – 29 Anos do Projeto Criança Esperança
Depoimento de Paulo Henrique Caires Pinheiro
Entrevistado por Teresa Ruiz
São Paulo, 20/08/2014
HECE_HV010_Paulo Henrique Caires Pinheiro
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Karina Barrella
P...Continuar leitura
Programa Conte Sua História
Histórias de Esperança – 29 Anos do Projeto Criança Esperança
Depoimento de Paulo Henrique Caires Pinheiro
Entrevistado por Teresa Ruiz
São Paulo, 20/08/2014
HECE_HV010_Paulo Henrique Caires Pinheiro
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Karina Barrella
P/1 – Então, primeiro Paulo, vou pedir para você falar para a gente o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Paulo Henrique Caires Pinheiro. Tenho 30 anos, dia 23 de fevereiro de 1984, São Paulo, capital, zona Sul.
P/1 – Agora, o nome completo do seu pai e da sua mãe, e também, data e local de nascimento, se você souber.
R – Nossa, a data do nascimento eu não vou saber, não. Nicevaldo Caires Pinheiro e Maria Glória Caires Pinheiro. Nicevaldo nasceu em Bahia, Teixeira de Freitas e Maria Glória Caires Pinheiro em Cachoeira do Mato, Bahia. São primos.
P/1 – O que os seus pais faziam ou fazem profissionalmente?
R – Minha mãe, doméstica e dona do lar e o meu pai é um zelador da comunidade, assim. A gente mora perto de uma praça, ele que cuida do jardim, das plantas, da bica d’água, né? Eu apelidei ele de zelador e de vez em quando ele faz bico em construção civil. E também é um ótimo dono do lar, que eu vejo ele lavando, passando, cozinhando pra nós.
P/1 – E como é que eles são, assim, de jeito, de temperamento? Como é que você descreveria os seus pais para quem não conhece?
R – Então, meus pais hoje em dia são dois senhorezinhos de idade, vindo do interior, da Bahia, com baixo letramento, eles tentam assim, muitas vezes, entre eu e o meu irmão assim, se atualizar. Eu e o meu irmão que trazemos muitas coisas tecnológicas, novidades para casa para poder interagir com eles, eles têm o contato lá com os outros parentes que a gente possui nos outros estados, só que são dois senhores, assim, pacatos, sabe, aqueles senhores que já são reservados mais às coisas de casa. Eles gostam das coisas que eles acham que é comum, para eles a pessoa tem que trabalhar, cuidar da sua casa, ter um estudo, eles são um pouco limitados a isso, a outro tipo de conhecimento. São pessoas pacatas, cidadão comum assim, de periferia, né? Muitas vezes, eles têm uma limitação de espaço, não vão muitas vezes ao centro de São Paulo, não vão a outros bairros, ficam mais ali no entorno, né? E também eles têm limitação cultural, muitas vezes, eles vão pelo o que a TV tenta dizer a eles, não buscam outros tipos de conhecimento, eu e o meu irmão, a gente tenta ajudar, a gente gosta de livros, cinema, outras coisas, tenta trazer ao conhecimento deles, mas eles deixam de lado, entendeu? Tudo bem, tudo tranquilo.
P/1 – Você disse que eles são pacatos hoje, que são dois senhores pacatos, mas e na infância? Como era o temperamento deles? Ou eles sempre foram pacatos?
R – Pelo o que os meus pais contam, a infância deles foi de pessoas que foram criadas na fazenda, né? Minha mãe mesmo fala que ela estudou até a quarta série, acordava super cedo, ajudava nas coisas diárias do cuidado da casa e da lida da roça. Em torno de meio-dia voltava para casa, se banhava, almoçava e ia para escola. Ela mesmo falava que na época dela, na Bahia, o máximo que eles estudavam era até a quarta série. O meu pai era também no mesmo ritmo. E são de filhos de famílias grandes. Então, eu sei pouco assim, o que eles falam, meu pai, acho que é uma família de 11 irmãos. E assim, eles iam atingindo a idade de 16, 15 anos, já vão se desgrudando dos pais, então meus tios começaram a vir para São Paulo, meu pai acho que veio com 21, 22, mas a infância deles foi toda de pessoas que foram criadas no meio da roça.
P/1 – E quando você era pequeno, como é que eles eram? Eles eram do mesmo jeito, de personalidade, temperamento?
R – Assim, quando eu era criança, meus pais trabalhavam muito pra poder criar eu e o meu irmão. Nós morávamos de aluguel, nós morávamos numa casa mais ou menos do tamanho desse pavimento que nós estamos, era uma cama para quatro pessoas dormirem, sendo dois adultos e duas crianças, entendeu? No mesmo ambiente que você tinha a cama, já tinha a televisão, o fogão. Eu me lembro muito disso. Quando eu me dei conta, sete anos, por aí, a gente já morava um bom período de aluguel e continuou morando até os meus 15 anos. Nossa! Meus pais trabalhavam de segunda a segunda, hoje em dia que eu tenho um emprego diferenciado, muitas vezes eles não entendem: “Como é que você diz que trabalha, mas eu te vejo mais aqui em casa do que no serviço”. Eles eram pessoas que não tinham muito tempo para levar eu e o meu irmão para lugares de lazer, tanto que muitas coisas do que a gente conhece, a gente se inteirou, eu e o meu irmão, a gente veio descobrir na adolescência, quando a gente já começou a sair fora de casa e foi buscando novos conhecimentos. Mas na infância mesmo, eu lembro, era acordar quatro horas da manhã, ir para creche e ficar até às cinco e meia da tarde, uma vizinha pegava, ficava na casa dela, em torno de umas oito horas, por aí, meus pais chegavam e tinham o restante da noite ali com nós. Quando iniciei a escola já foi um pouco mais diferente, que eles já tentaram meio que dar responsabilidade para mim e para o meu irmão. Eu, por ser o irmão mais velho, ajudar a cuidar do meu irmão que é um ano mais novo, e saber esquentar uma comida e tal, deixava as coisas prontas ali, de fácil acesso. Agora que eles estão mais pacatos assim, que eu vejo eles mais em casa e tal, que vão chegando nessa idade assim, também a questão de emprego já não vão mais batendo tanto a porta, que eu achava que naquela época, eles deviam estar assim, né?
P/1 – Você falou que tem um irmão mais novo, como é que é o nome do seu irmão, com o que ele trabalha? O que ele faz?
R – Meu irmão se chama Paulo Roberto Caires Pinheiro, ele tem 29 anos, corintiano que nem eu. Atualmente, ele é cozinheiro do Hospital Oswaldo Cruz. Eu e ele, na época em que eu conheci o Instituto Sou da Paz, nós dois fizemos ao mesmo tempo um curso de formação social, isso, acho que em 2003, 2002, ajudamos a escrever um projeto social. Meu irmão é DJ, toca em festa, em grupo de Rap e nessa época, ele já tinha meio que vontade de iniciar nessa atuação ali do hip hop, foi onde que nós dois começamos a atuar dentro do Projeto Sou da Paz, que a gente ajudou a escrever, elaborar, ir atrás do lugar físico para poder colocar em prática e sendo também educador, né?
P/1 – Quando vocês eram pequenos, Paulo, do que vocês brincavam? Quais eram as brincadeiras, com quem você brincava?
R – Ah, pra nós, crianças que temos o cotidiano na periferia, as brincadeiras de antigamente não são as atuais aí hoje em dia que a molecada tem muito contato com a tecnologia. Mas as tradicionais de futebol sempre tem, principalmente o contra da rua de cima contra a rua de baixo e gostava muito de brincar com negócio de luta, dessas brincadeiras que a gente tinha, de pique esconde, de pega-pega, né? E também a gente gostava muito de questão de carro, nossa o que a gente adorava de carrinho, eu lembro bem lá na rua foi uma febre mais as molecadas. E assim futebol a gente estava descobrindo aquele, torcer pra um time, tal né? Então era sempre um contra da rua de cima contra a rua de baixo, valendo na época não era nem Dolly, era uma Tubaína, valendo um pacote salgadinho, eu lembro muito disso. E dentro da escola você também, você quer tirar uma hora de lazer você está quatro horas lá dentro, mas com a molecada lá dentro, você também se envolve com as meninas, tinha muita coisa que na escola a gente fazia também participava, era legal, né?
P/1 – Você falou de carrinho, vocês tinha brinquedo? Era isso?
R – Sim, bastante, nossa! Principalmente carrinho, moto, eu lembro que quando eu fui dar pros meus primos assim, a quantidade, a gente pirava! Porque rapaz de periferia gosta, gosta de um veículo, de uma moto e tal, e quando você é moleque ainda, você fantasia muita coisa, que eu quando eu for adulto eu vou comprar isso, aquilo outro e tal, né? Nossa, ia e voltava na lua quatro vezes com essas conversas.
P/1 – E você é corintiano hoje, né? Como é que você se tornou corintiano? Você lembra?
R – Sim, foi o ano passado! Que assim, lá na infância, ainda lá na infância mesmo, tem aquela coisa de você torcer pelo time do pai. Meu pai era palmeirense e meu irmão não, meu irmão já começou a gostar do Corinthians não sei porque, acho que por causa dos vizinhos, alguma coisa deve ter influenciado ele. Aí, eu: “Pá rapaz, eu vou torcer pro mesmo time que é o seu”. Eu lembro que só tenho uma única foto assim de eu com a camisa do Palmeiras, aí no ano passado ali com 29 anos eu caramba tal, eu e meu irmão, nós moramos em casa, filho do mesmo pai e da mesma mãe, eu já comecei a simpatizar assim, eu nunca tinha ninguém do pessoal dos meus amigos “Que time você torce Henrique?” Nunca tinha aparecido, aí foi do ano passado eu comecei a torcer pelo mesmo time do meu irmão. A gente assiste o jogo junto, eu já fui pra estádio e tal, né? Só que eu não tinha o mesmo amor, não gritava gol que nem ele, eu ficava só admirando, eu falei: “Ah então vou começar a torcer pelo mesmo time ai”. E estamos até hoje aí.
P/1 – Mas foi por causa da torcida que você acha?
R – Não, por causa do meu irmão mesmo, lá dentro de casa, lá mesmo, eu falei: “Tem meu irmão aí, nós da hora e tal, né?” Já não tinha nenhum amor por outra agremiação, de vez em quando a gente: “Ah, vamos assistir um jogo em tal lugar tomar um refrigerante”, eu não tomo cerveja, né? Porque se quiser tomar um refrigerante, uma cerveja, que a gente gosta muito de fazer isso: “Vamos pra tal lugar, vamos assistir um filme, vamos pro cinema”. Muitas vezes a gente prefere nós dois mesmo do que grupo de amigos, fazer isso daí. E agora que ele tem uma filha, melhor ainda que é a minha sobrinha, nossa princesa da nossa vida, né? Aí gente sempre, ai eu falei: “Não mano”, aí eu já comecei já, já catei, fui no shopping, comprei uma camisa e já comecei: “Mano, vamos torcer pro Corinthians juntos aí”. Aí já era, né?
P/1 – Paulo, quantos anos você tinha quando você começou a frequentar a escola, e quais são as primeiras lembranças que você tem da escola?
R – Sim, sete anos, 1990, eu lembro até hoje o primeiro dia que eu fui pra escola. É uma coisa meio abstrata assim, que eu tava vindo da creche, né? Eu lembro que no primeiro dia que eu fui pra aula, pra escola assim, eu ficava meio perdido. E era aquela época lá que você tinha que fazer a fila, cantar o Hino Nacional, e eu estava vindo, eu tinha acabado de terminar a creche, não era nada disso, eu ficava imaginando como é que será as lições, se tem brincadeira e tal. Mas eu lembro que foi fevereiro ou março de 1990 que foi o ano que eu entrei na escola, mas eu fui totalmente perdido. Aí nos primeiros dias de aula, totalmente diferente, você já começa a receber o letramento, eu já fui vendo que tinham os meninos maior, menor, as meninas, o jeito que é, os procedimentos, né? E eu estudei dez anos na mesma escola. Até hoje, eu fiz grandes amizades lá, gostei pra caramba da escola também, né?
P/1 – Era perto da sua casa?
R – Sim, eu acho que andava em torno de 50 metros da minha casa até a escola. Isso foi um dos fatores que meu pai quis colocar eu e meu irmão lá, por causa disso, né? Colégio mais perto de casa, qualquer coisa, emergência, está ali pertinho, né?
P/1 – Qual que é o colégio?
R – Se chama Eulália Silva, fica no bairro de Santa Margarida, perto do Guarapiranga.
P/1 – E você teve nesse tempo de colégio algum professor ou alguma professora marcante?
R – Não, assim nesse período de colégio eu tive professor, nesse período não, mas quando eu comecei com 15 anos, que eu já comecei a querer andar de skate a se envolver com hip hop. A partir desse ano eu já comecei a ter uns professores que eu comecei a interagir mais com questão de musicalidade, que já tem uns professor que eu comecei a observar, já tem uma aparência mais jovial, parece que está mais próximo de mim. Aí um dia está com a camisa de alguma coisa, de uma banda, de um grupo, já começou a puxar um assunto. Até esse período era uns professor normal, eu lembro que eu tinha uma professora, tem o pai da minha afilhada que nós troca umas ideias, que é uma professora de Português. Ela é uma professora tão carrasca que ela escrevendo na lousa de costas você falava e ela: “Cala boca, Paulo Henrique!” Mano você é mutante, é? De costas, como ela sabe que sou eu e tal, entendeu? Aí era bem chato, mas depois dos 15 anos em diante eu estudava de segunda à quinta ou de segunda à quarta, eu comecei a andar de skate, sexta. Muitas vezes na quinta não queria ir porque era véspera de sexta, sexta era véspera de final de semana, valeu aí. Eu lembro que eu comecei a estudar menos, mas eu terminei a escola, terminei tudo certinho. E foi quando minha rede de amigos começou a crescer mais ainda, que aí você já vai tendo mais contato com os meninos: “Vamo colar com os manos ali do rock, os caras ali também curte um skate, do hip hop, tal”. E foi nessa época que meu irmão conheceu um projeto social lá no Jardim Ângela, que fez a gente ter contato com o Sou da Paz, a Sociedade Santos Mártires, que eu lembro que meu irmão foi fazer um curso de DJ e depois eu já também fui participar de um hip hop; através desse curso que o Sou da Paz foi chegar até nós, jovens lá, pra poder começar a trabalhar nessa área social.
P/1 – Essa fase ainda de infância, comecinho da adolescência, você lembra se você tinha desejo assim, você pensava: “Ah, quero ser tal coisa quando crescer”, tinha alguma projeção de profissão?
R – Não, não. De desenhar esse futuro não. Eu lembro que quando eu fui mesmo começar a pensar em emprego eu já estava beirando os 18 anos. Eu lembro que em casa assim, eu: “Pô, eu vou trabalhar, mas vou trabalhar do quê?” E eu já estava nesse período radical da juventude: “Pô, mas aí eu vou ter que trabalhar de um jeito que os caras e tal”. Eu lembro que eu ficava metalizando: “Pô mano, eu queria ter um emprego da hora, um emprego fácil, show de bola”. E, caramba, o pensamento é uma força criadora e eu consegui mesmo, né? Nada caiu nas minhas mãos e tal, mas lá no período da infância mesmo era aquele cotidiano da escola pra casa, de humilde, né? Quando a gente mudou de bairro, quando eu tinha uns 15 anos, aí já começou, o meu irmão já andava com uns caras mais roqueiros, os caras andavam de skate e a gente já começou a participar dos movimentos. Foi quando a gente já foi buscando coisas que não estavam dentro de casa, ali próximo de nós. E foi muito bom, conhecemos muitas pessoas da hora, pessoas que trabalham com música ainda, também, pessoas que trabalham na área social. Eu acho que o período da adolescência pra mim foi o melhor, hoje em dia eu converso com nossos amigos, nós já temos 30, 32 anos, eu falo: “Pô mano, lembra quando a gente se conheceu como adolescente e tal, nós vivemos maior fase rock’n roll radical e tal, e hoje em dia a gente já está com outra visão passamos da hora aí”. Infelizmente outros jovens acabam nem concluindo ou, de repente, cai num calabouço de uma drogadição e tal, né? Eu gostei da minha juventude e adolescência até hoje, né?
P/1 – Conta um pouco como é que foi dessa fase, então? Você falou que se aproximou da música, do skate. Como é que você teve contato com esse universo,, o que é que você gostava de ouvir, o que você fazia pra se divertir?
R – Sim. Foi assim, o meu irmão conheceu o Sociedade Mártires aí ele falou: “Eu vou fazer um curso de DJ ali”. Ele foi começar a fazer e depois de um tempo, acho que de um semestre desse curso que ele fez, no ano posterior, eu: “Ah, eu vou me inscrever lá e tal”. Aí na Sociedade Santos Mártires eu fazia um curso de segunda à sexta-feira, da uma às cinco e meia da tarde. E segunda-feira a gente tinha um acompanhamento pedagógico com a psicóloga. E ela já: “Ó, vocês que estão beirando 15, 16 anos, a gente vai ajudar vocês a começar a ver o mundo de outra forma. Como vocês vão buscar um emprego, de que forma”. Nós tínhamos isso daí. Tinha também as oficinas de dança que era break, hip hop, capoeira e DJ. Aí, através do professor Zinho que ele trazia, ele que apresentava a nós: “E aí rapaziada, eu sou o professor Zinho, eu também moro aqui no Jardim Ângela, vamos trabalhar com DJ. Vocês sabem o que é um DJ?”. E a gente: “Ah, é o cara, nós vamos no show de rap o cara faz isso.” Ele: “Não, é um músico. Porque o DJ, ele vai tocar numa festa, se a música não estiver agradando ele tem que saber dar a volta por cima”. E ele começava a trazer muitas coisas pra nós, tanto coisas atuais, por ele ser um DJ mais experiente: “Ó rapaziada, eu trouxe um CD, trouxe um disco aí ó, se vocês quiserem gravar, já aproveita, já espalha entre vocês?” Ou ele trazia muitas coisas antigas: “Ó rapaziada, vocês não conhecem tal banda, tal grupo, fez tal som”. E hip hop, eu gostava muito de ouvir hip hop, até hoje eu gosto dos Racionais, o mano Brown mora perto de nós lá de casa, o Paulo Soares Pereira que é o nome dele, né? E eu gosto até hoje. Reggae também eu gosto muito. Na época a gente ouvia muito isso daí, muitas bandas nacionais. Nossa, era a época que estava o Rappa, Raimundos, Planet Hemp, o Charlie Brown, nossa! Foi uma das melhores épocas que eu vivi. E eu lembro que a gente ouvia muito isso daí, tinha muito evento legal, que hoje em dia não tem gratuito. Eu lembro que nessa época tinha muita coisa que acontecia no Parque do Ibirapuera; eu lembro que tinha a Passeata da Paz que era um evento que era promovido no centro, né? Nossa! E através da Sociedade Mártires ela ajudou a gente adquirir um pouco de cultura, porque muitas ONGs, muitas entidades, Parque Ibirapuera eles tinham as exposições do MAM e queriam voltar a projetos sociais, eles convidavam nós, entendeu? A gente foi conhecer muitas coisas, muitos artistas da nossa história, brasileiros, através de todo esse período, né?
P/1 – E nessa fase você se lembra de algum episódio, alguma situação que você tenha vivido que tenha ficado marcado na memória? Alguma coisa que foi forte, ou uma dessas descobertas, assim?
R – Nessa época da adolescência?
P/1 – Isso.
R – Ah, foi legal. Foi um período que quando a gente estava envolvido com música, a gente teve uma ideia de fazer um grupo de música e tal, e a gente se apresentava pela Sociedade Santos Mártires, era uma coisa assim, bem gostosa, bem legal, a gente ensaiava, escrevia umas poesias, umas rimas, umas letras, né? Aí se apresentava e tinha as pessoas: “Ó meninos, legal as músicas”. Eu falava: “Ó, malandro, que dá hora, as pessoas gostarem”. A vida de um artista, de um músico é dessa forma, né? Cola com nós aí ó.
P/1 – Como é que se formou esse grupo?
R – Esse daí era assim: era eu, meu irmão já fazia o curso de DJ lá no Sociedade Santos Mártires, veio o Douglas e um outro rapaz chamado William, porque eles já gostavam mais mesmo, que era que nem nós, assim, show de rap. Uma vez nós lanchando lá dentro do projeto, ele: “Ô mano, vamos fazer uns rap, aí?”. E eu falei: “Mano, eu não sei não”, eu não sabia escrever, nem tal. Ele: “Vamos experimentar aí, vamos fazer uma brincadeira e a gente escreve uma rima e tal”. Um dia nós chegamos lá: “Eu escrevia tal coisa”, apresentava pra eles. “Ah legal, vamos ver o Zinho”. Aí o nosso professor de DJ: “Ó rapaziada, tem um instrumental aqui ó”, e a gente começou a cantar lá brincando nessa aulas e ele: “Ó, vai ter um evento do Sociedade Santos Mártires, vocês não querem se apresentar? Acho que eles gostariam, vocês são jovens do projeto e tal, né? Vocês cantando, mostrando a realidade que vocês vivem”. E a gente: “Ah, a gente pode ensaiar?”, ensaiamos e fomos cantar. Aí eu: “Nossa, maior legal. Obrigado pela atenção”.
P/1 – Tinha um nome o grupo de vocês?
R – Tinha. Foi até o William que colocou, que era um grupo, não sei se era um grupo ou era um negócio de pichação, chamava “Desacato à autoridade”. Teve uma vez que a gente foi se apresentar pela Sociedade Mártires lá na base policial do Jardim Ângela! Aí: “Mano, qual é o nome do grupo?”. E a gente: “Desacato à autoridade”. Já teve que subir com a sigla, né? Aí uma letra que a gente foi cantar, era letra que esse nosso mano William tinha escrito que ele falava mal da polícia, entendeu? Não deu a segunda estrofe, os caras: “Ó valeu aí rapaziada, mas, está eliminado vocês”. Eu lembro disso até hoje, foi legal pra caramba também.
P/1 – Vocês foram mandados embora? Foi isso?
R – Não, os caras já meio que começou a abaixar a base, a desligar o som. Aí veio o
Padre Jaime: “Rapaziada, os caras não gostaram da letra de vocês, não”. E a gente: “Ah tá bom, fazer o quê, né?”. Eu lembro que nesse mesmo dia foi cantar um outro grupo de rap, os caras subiram no palco e: “Ó pessoal, valeu a atenção, mas não dá também não pra cantar a letra”. Lembro disso até hoje, que nós ficamos dando risada, assim tal, acabou se tornando cômico, né? Também, a gente foi falar mal dos polícias na frente dos caras, é um tapa na cara deles, né?
P/1 – Tinha muita gente?
R – Tinha, nossa! Esse evento acontecia direto no Jardim Ângela, ele chamava Polo Cultural na Base do Jardim Ângela na Estrada do M’Boi Mirim, hoje não existe mais, não tem mais nada lá, só tem a própria base de polícia, eles não promovem mais nada pra comunidade, né? Eu lembro que antigamente eles tinham mais participação lá, principalmente com a Sociedade Santos Mártires.
P/1 – E nessa fase assim, Paulo, foi a fase que você começou a sair mais da região e do bairro.
R – Sim.
P/1 - E você lembra como que você se sentiu? Como foi conhecer outros lugares da cidade, expandir um pouco disso que você falou do horizonte de cultura?
R – Foi muito bom, muito gostoso. Que nem hoje em dia, hoje em dia, a tecnologia, a matrix aí aproxima a gente. Nossa, mas eu lembro, eu saí da Zona Sul de São Paulo, pra a gente começou gostar muito de hip hop, pichação, a gente começou a ir pros points do Terminal Santo Amaro, entendeu? Lá no point do Terminal Santo Amaro a rapaziada, nós fazíamos as folias de pichação: “Ó tem um point do centro que lá que está acontecendo”. Aí, de repente você começa a ir lá pro lado do centro, você já descobre a Galeria: “Ô mano, a galeria é um lugar que tem”, mano, você vê os caras skatistas, os roqueiros e tal, tudo misturado, tudo no mesmo prédio. Aí já começamos, dali você já vai conhecendo os caras: “Ó e tal mano. Tem uma pista em tal lugar”, entendeu? “Tem apresentação de uma banda, de um grupo, a gente é uma rapaziada de um grupo aí e tal”. Nossa, isso daí é muito bom. E também você aprende muito a como lidar e tratar com as pessoas, né? Pô, eu estou vindo lá do extremo da zona Sul, estou encontrando um cara ou uma mina que é aqui da zona Leste aqui, nós estamos na região central, isso também te ajuda a aproximar das pessoas, se aproximar com respeito e tal. Principalmente naquela época que você é meio jovem, você é meio rebelde, meio tipo: “Ah eu sou o super star”, entendeu? Tinha muito de querer isso. Nessa época de pichação também tinha muitos amigos: “Aqui é zona Sul, ó tamanho da nossa banca, ó tamanho dos caras que estão aqui”. Eu lembro que isso também ajudou bastante. E a não ter preconceito. Eu lembro que vai, eu e meu irmão, a gente gostava desses negócios de hip hop e tal, meus amigos lá do bairro, tinha uns caras que eram roqueiros: “Mano, a gente vai final de semana em tal lugar, só que só vai ter roqueiro mano, se quer encostar?”. Pô, bom, né? Você aprende a não ter preconceito na questão das pessoas que ouvia... Pô mano, eu via os roqueiros, punks lá mesmo, eu: “Nossa mano, eu pensava que eu era diferente, mas você vai pra uns lugares e vê umas pessoas mais radicais ainda. Pô mano, legal poder trocar uma ideia com vocês, você olhando assim de longe você toma um susto e, pô, mano, é que nem nós periferia, humilde”. Isso é bom, isso ajudou bastante, né?
P/1 – E essa questão da pichação, quando é que você começou a se aproximar e fazer? Como foi isso? Quando você descobriu, começou curtir e tal?
R – A pichação, quando eu comecei a inserir no skate que eu fui descobrir, né? A pichação eu comecei a descobrir pela tag, pela assinatura dos meu amigos. Eu via os caras de vez em quando faziam no caderno assim, eu: “Ô, mas que negócio é esse aí?” “Ah, isso aí é uma assinatura minha e tal, uma pichação, né?” “E como você descobriu?” “Ah, tem um maninho lá na escola que já faz e tal. E aí mano, ele quer uns mano aí pra assinar esse picho aí, você não quer encostar?” “Mas como é que é?” “Então a gente vai colar sexta-feira à noite lá no point da pizzaria, eu vou te apresentar uma mina, vamos trocar umas ideias, tá bom?” A gente encostou lá no dia e o cara: “Ó mano, eu tenho um grupo de pichação” que era tipo MMS, que a gente falava, que era os Meninos Mal do Skate. “Somos eu”, ele apresentou os outros meninos, “Se você quiser andar com nós, começar a assinar. Só que é o seguinte, tem que colocar os pichos na parede aí tal, a gente costuma ir pros points do centro, ali em Santo Amaro, a gente não tem treta com nenhum. E aí, vocês querem começar a colar com nós?” Eu: “Orra, vamo aí, demorou”, já começamos a riscar as paredes. Aí foi através disso que eu fui descobrindo a pichação, e através da pichação que eu descobri o grafite, né? Hoje em dia eu sou fã das duas artes, da pichação e do grafite, que são coisas únicas nossa aqui de São Paulo. Uns vê como meus pais não aprovam: “Essas porcarias, esses negócios aí. Você fica rabiscando e tal”. Eu: “Pai, é que você não tem a mesma visão que nem nós, a gente acha da hora”.
P/1 – Você faz até hoje? Grafite, pichação?
R – Sim, assim a parte da minha escrita também, eu não consegui escrever letra de mão, eu tive muita dificuldade, então eu fui aprimorando a letra de forma. Através da pichação que eu fui descobrindo um novo abecedário, o novo letrar, o jeito de fazer as letras que me ajuda hoje na escrita também, né? E hoje em dia, como eu trabalho num serviço que eu tenho 12 horas ali eu usufruo daquelas 12 horas. Aí eu risco, rabisco, tenho muitas vezes mania de fazer intervenção no jornal, eu vejo a capa do jornal, já aproveito e já faço uma outra coisa ali por cima. No meu bairro já tem uns pichos meus, lá no meu bairro eu já tenho coragem de fazer, porque lá eu não estou correndo o risco de tomar um enquadro da polícia e ser preso, né? Aí já tem.
P/1 – Você já teve alguma situação difícil com a polícia?
R – Sim, já tive que correr, fugir de enquadro. Nossa, ou senão você está assim em um point e vê a rapaziada brigando que um atropelou o picho do outro. Eu já passei já, nossa! É tipo aventura, pra gente que é jovem, você, mano, quando você passa por uma situação dessas você ri, né? Aí você conta até: “Pô mano, aquele dia que nós tomamos enquadro”, e bibibi bóbóbó, nós estávamos em tal prédio.” Teve uma vez que a gente foi pichar a Estrada do M’boi Mirim, eu lembro disso, isso eu já tinha uns 21 anos, eu e mais a rapaziada da vila lá. A gente encostou de frente para um salão de cabeleireiro, aí sacamos os spray e quando a gente está agitando a gente viu lá do outro lado da rua: “E aeee!”, a gente olhou, era tipo uma família: “E aí mano, vocês vão pichar aí?”, a gente: “Ô, vamos sim!”, e o cara: “Então vou chamar a polícia porque eu sou o dono do estabelecimento”. A gente pá, saiu correndo e tal. Aí mais pra frente a gente: “A gente foi burro, né, mano? A gente está num lugar e foi pichar”, o pessoal gritando e a gente pensou que eles iriam aceitar de boa, querer riscar com nós e era logo os donos do estabelecimento.
P/1 – E hoje você faz parte de um grupo também, ou não, é mais por conta própria?
R – Hoje em dia a gente tem uma denominação lá na vila, eu e mais a rapaziada que desde a época a gente andava de skate, hoje em dia a gente anda até com uns caras mais novos assim: “Nós somos aqui do Vila Remo e tal, qual o nome da nossa banca?”, hoje em dia a gente fala: “Ah mano, a gente é tipo Kingstone Remo”, que é como fosse o país da Jamaica, lá, entendeu? A gente vê lá, a gente gosta desses negócios de reggae, de música. Muitas vezes a gente: “Ô mano, vamos jogar uma bola na quadra”, a gente fica ouvindo. Os meninos mais novos já gostam de ouvir um funk assim. O que a gente é? A gente brinca lá que é como se a gente morasse em um condomínio fechado que a gente chama de Kingstone Remo: “Ah mano, aqui é o nosso condomínio fechado, a gente está de frente pro córrego, é a beirada da minha piscina”. A gente tem muito a mania de brincar disso: “E aí, mano, já bateu o cartão hoje do condomínio?” “É mesmo, sou funcionário aqui do condomínio e tal”. De vez em quando a gente está na pracinha lá, pra dizer que a gente está, sabe pra distrair a mente? E nós falamos. Os meninos já têm mais vontade: “Ô mano, vamos fazer tipo Kingstone Remo, já viu as camisas de time, tal?” O pessoal, você vai num dos outros bairros e você vê a rapaziada com a camiseta do time. Eu falei: “Ah, se vocês quiserem fazer, eu não sou o dono”, eu que dei o nome, Kingstone Remo, né? Kingstone do Bob Marley e Vila Remo só tirei o Vila. “Se vocês quiserem fazer, isso não tem nome, ninguém é pai disso aí, eu vou querer até usar a camisa se vocês me derem”. Só que assim, a gente faz mais no entorno do nosso bairro, que a gente sabe que a gente está protegido por ali mesmo, não vai ter problema de ser preso, nem nada, o pessoal do bairro já conhece nós. Então, umas casinhas mais velhinhas lá a gente já deixou a assinatura.
P/1 – E nessa fase de adolescência ainda, na parte mais amorosa de namorada, paquera, teve alguém que tenha sido marcante?
R – Sim, naquela foto que eu te mostrei lá, aquela jovem que está lá comigo eu conheci ela no Criança Esperança. A Andreia, era aluna lá e eu já estava trabalhando no projeto, iniciando e tal. A menina era mais velha do que eu, eu estava acho que com 18 ou 19 anos, a menina de 24, 25 anos. E eu, pô mano, e gostava das coisas que eu gosto. Eu estava finalizando o curso e comecei a trabalhar. Gostava de skate, tal, vamos pro Ibirapuera. “Ô, a gente vai pra Galeria lá na 24 de maio” ou “A gente vai encostar num point ali de pichação”. Nossa, show de bola. Um primeiro amor, eu já estava iniciando a vida sexual também, eu: “Nossa, malandro! Show de bola, ganhei na loteria, ganhei um emprego e uma namorada” (risos). Eu até falava com a rapaziada lá do trampo e os caras: “É mano, você tem que ficar esperto que você trampa aqui, não é pra ficar namorando, entendeu?” “Não, então deixa pros eventos”.
P/1 – Quanto tempo vocês ficaram juntos?
R – Ficamos em torno de um ano e meio, um ano e oito meses. Depois ela mudou e depois ela ainda foi se tornar crente, deixou as coisas tudinho de lado. Esses tempos atrás aí a gente se encontrou e ela falou: “Nossa, eu abandonei tudo” “É, estranho, você começou a parar de querer ir para os lugares, de querer se vestir”. E ela: “Acho que é o processo de amadurecimento ali, tal”, eu falei: “Acho que deve ter sido, da forma também que a gente terminou”, ela: “É mesmo”. Hoje em dia ela é uma pessoa normal, uma mulher que tem um cotidiano normal e tal, ainda mora com os pais dela. Eu falei: “Lembra naquela época da adolescência, a gente mal parava em casa?” Da adolescência não, da juventude, tal. “Eu lembro que eu tinha aquele emprego do Criança Esperança, eu podia trabalhar todo à vontade; você frequentava lá e estava sempre direto comigo”. Ela: “Caramba, e puf, depois de um tempo eu já fui deixando de canto, sei lá, fui amadurecendo”, que a mulher amadurece primeiro do que o homem, né?
P/1 – O Criança Esperança foi seu primeiro emprego?
R – Foi, nossa! Que nem assim, o jovem que tem vontade, tem uma banda de rock e acaba acontecendo. Eu fui convidado pra trabalhar em um projeto onde eu trabalhava do lado de casa, pra estar às oito horas da manhã, eu acordava às 7:40. Tomava o café da manhã lá, almoçava, ganhava o lanche da tarde, saía às cinco horas de lá, 5:10 eu já estava em casa. Meus amigos do bairro encostavam lá no meu trabalho. Aí pô, tinha o pessoal lá das oficinas de hip hop que eu já tinha pegado uma amizade por ter frequentado umas aulas, já conhecia. Aí já começou, a maioria dos eventos que tinha ali pela zona Sul, pessoal sempre encostava lá no Criança Esperança lá, ajudava: “Vocês têm como divulgar”. Ali mesmo a gente: “Evento, vamos”, o mesmo pessoal que frequentava lá era o pessoal que eu frequentava no meu bairro, saía pra andar no final de semana de skate. Nossa, um trampo assim, os amigos que eu tive lá, eu era o caçula, eu tinha 19, 20 anos, os meus companheiros tinham de 25 pra cima, 25, 32, 34, 37, eu era meio que o caçula de lá, era dá hora. Não era um emprego, eu não tinha que chegar de manhã, bater cartão; eu podia ir à vontade de bermuda, chinelo, camisa, do lado de casa. Chegava os eventos, os passeios que a gente tinha lá pro Criança Esperança, a gente ajudava a organizar as crianças, os jovens e era gostoso trabalhar no meio de jovens e crianças. Hoje em dia eu trabalho, eu continuo. Eu falei: “Nossa, é legal”. Hoje em dia tem os meninos lá do meu bairro que eles, eles me chamam até de Miguelito ainda. Eu falo: “Nossa! Lembra quando você era pequeno, você fazia o curso lá, tinha um cabelão e era assim, assado?”, eu: “Nossa, hoje em dia, ó o tamanho que você está. Ó o que esse projeto fez: a gente morar dentro do mesmo bairro, ter uma grande diferença de idade, mas você está no mesmo lugar onde eu trabalhava e a gente acabou se aproximando, eu vi você crescendo e você viu eu envelhecendo”. Foi um emprego gostoso assim. Depois fui lá pra zona Norte. Na zona Norte já fui conhecer outros jovens, o jeito que eles se comportavam lá, porque eles: “E aí, pá?” “Eu sou zona Sul, Capão Redondo”. E eles: “E aí, pô, mas lá mata pra caramba”, eu: “Não, mano, aqui que vocês matam pra caramba, vocês matam com uma dúzia de ovos”, com esse negócio de zoeira assim, fui conhecendo pessoas de outro bairro. Tive as oportunidades de ir pro Rio de Janeiro, Brasília, conheci outros estados, conheci outras pessoas que trabalhavam com outros projetos sociais. E o trabalho também era envolvido com música, com arte, eu comecei a trabalhar até na banda lá do meu supervisor na época, que era o Macarrão, comecei a trabalhar na banda de reggae dele. Nossa, foi um emprego inexplicável para um jovem. Ganhava maior dinheiro da hora, eu lembro que só virava festa meu dinheiro, não gastava com nada de ajudar em casa (risos), né?
P/1 – Você lembra de alguma coisa que você comprou, que você queria com seu primeiro salário, bolsa?
R – Sim, lógico que eu lembro! Os móveis pra dentro de casa. A primeira coisa que eu fiz com meu primeiro salário foi colocar um piercing na língua. Eu recebi na sexta, no sábado eu já coloquei o piercing. Agora gastar um dinheiro mesmo, uma quantidade maior foi ajudar: “Vou comprar um som legal aqui pra gente colocar aqui dentro de casa e tal”, que aí meu irmão já ia curtindo. E já fui ajudando a modificar a estrutura da casa mesmo, ali, tal, algumas coisas. “Pô mano, vamos comprar um videogame da hora pra nós”. Eu e meu irmão gostava de skate, então a gente já sempre comprava as roupas, peças; final de semana vamos pra evento tal. Eu lembro que eu ajudei a fazer isso daí. Hoje em dia que eu ajudo mais como manter a minha casa, mas na época da juventude mesmo, meus pais trabalhavam, eles tinham maior poder financeiro, eles que continuavam a suprir a necessidade de casa.
P/1 – Deixa só eu voltar um pouquinho. Você deu um panorama do trabalho no Criança Esperança, mas eu quero saber mais em detalhes. Antes de perguntar isso eu queria saber por que o apelido Miguelito?
R – Sim, de Miguelado, regulado. Quando eu fui fazer o curso do Sou da Paz, aí já tinha o Macarrão e o Edinho. E em vez dele falar: “E aí, Miguelado?”. Tinha uma banda que eles gostavam, de rock, que era Miguelito e não sei o restante da banda e eles começavam: “E aí, Miguelito?”, aí começou a pegar pelo pessoal do projeto. Quando eu fui trabalhar no Criança Esperança, o Macarrão e o Edinho também já estavam atuando nessa área social, eles também já estavam dentro do projeto. E ali, como todo mundo, eles me chamavam de Miguelito e tal, aí já foi levando esse nome por aí. Poucas vezes lá alguém me chamava pelo meu nome: “Aí, Henrique!”, tal. Os meninos do meu bairro já me chamavam: “E aí, Henrique”. O pessoal: “Henrique? Não tem nenhum Henrique, não” “Não, é que os manos lá da minha vila não ligam eu ao mesmo vulgo que vocês”. Depois que eles foram começando até a chamar mesmo. E os jovens que eu conheci dentro do projeto e moravam dentro do bairro, hoje em dia me chamam pelo apelido daquela época, mas foram o Edinho e o Macarrão que colocaram o apelido em mim. Eu gostei muito de ter conhecido eles, trabalhado com eles. Até hoje em dia eu tenho contato com o Macarrão, ele trabalha em outros projetos sociais. Ele era um cara já mais velho, ele dava umas ideias em nós. Eu: “Pá, malandro, isso é dá hora, coloca nós aí”, e já comecei a trazer ele também pelo contato da minha família.
P/1 – Me conta mais em detalhe como é que foi que você chegou no Criança Esperança, ou como o Criança Esperança chegou até você. Como foi a aproximação, foi por meio de quem? Como foi, mais em detalhes?
R – Quando o Criança Esperança foi lá pra zona Sul foi para um lugar chamado Clube da Turma. Esse clube era presidido pela instituição Bom Serviço Social de Pirapora. Eles começaram a trazer uma semana, dez dias de oficina experimental. Eu lembro que eu fiz uma oficina de vídeo, já estava começando a iniciar as oficinas de hip hop e tal. Nessa mesma oficina de vídeo que eu fazia tinha o Dag, ele morava lá, que é o Eduardo Pardinho, o apelido dele é Dag. Ele morava lá no Nakamura, já fazia grafite, era um cara mais velho – devia ter em torno de 24 anos. Quando a rapaziada que estava ali finalizando as oficinas do Criança Esperança, as pessoas que estavam ajudando o projeto já estavam: “Mano, o pessoal aí gostou, teve um cálculo aí”, chamaram ele. E uma vez ele me contou: “E aí Henrique, mano, quando vir aqui o Criança Esperança”, que nós chamávamos de Núcleo Multimídia, não era nem Criança Esperança, “Eu vou dar umas aulas de grafite, você encosta comigo e tal”. Eu falei: “Da hora, mano. Você tem o telefone de casa, quando tiver perto de acontecer eu venho encostar com você”. Depois de uns dois meses veio a se iniciar mesmo, aí já deixou de ser Clube da Turma, já veio como Espaço Criança Esperança Jardim Ângela. Ele já tinha me ligado: “Sabadão já vou iniciar uma oficina de grafite, você encontra lá comigo”. Aí tum, já comecei a encostar com ele como aluno. A gente já gostava de skate, hip hop, também tinha um grupo de rap, aí tal, as oficinas foram acontecendo. Quando estava beirando o final do ano ele disse: “Henrique, os caras pediram para eu escolher uns alunos pra ajudar a fazer uma oficina experimental pra jovens de outros lugares que eles vão trazer. Você quer ministrar uma oficina?”. Eu falei: “Mas como eu tenho que fazer isso?” “Eu vou te ajudar a escrever, é o que você faz aqui no curso, que é grafitar e pintar, a gente vai ensinar as outras pessoas”. Eu falei: “Tudo bem”. Dessa forma que eu já fui começando a interagir mais dentro do Sou da Paz, já fui participando de uma reunião de avaliação e já estava dentro do Criança Esperança como aluno. Quando zerou o ano, acho que já foi pro início de 2004, janeiro, fevereiro, eu já comecei a participar de reuniões avaliativas daquela oficina experimental dentro do Criança Esperança que eu tinha participado. Aí eu lembro que quando estava beirando ali, março, eu fui participar na sexta-feira de uma reunião, na quarta-feira, aí estava presente o Macarrão, a Bete, a Luciana Guimarães, aí ela me chamou: “Você não quer trabalhar com nós?” “É, mas trabalhar como?” “Cola com nós que você vai passar de ano, você vai trabalhar com nós aí na área social”. E eu: “É? Mas como é esse serviço?” “É o seguinte, eu vou ligar pro Macarrão e vou pedir pra ele ir te dizendo como é o serviço”. Eu fui e comecei a trabalhar com ele, eu lembro até hoje, eu trabalhava sexta-feira das oito da manhã ao meio-dia e recebia 160 reais e enquanto isso eu ainda fazia as oficinas do Criança Esperança. Eu lembro até que meu pai nem deu uma ideia: “Cai fora desse trampo, ganhar 160 reais?” Eu: “Ó pai, mas eu trabalho só quatro horas por dia, uma vez por semana”. O Criança Esperança já estava começando a ter forma de projeto e tal, a querer expandir as oficinas e nós fomos começar a construir a rede do Criança Esperança, juntamente com o Márcio, Macarrão, eu fui ajudar ele a mapear as entidades. Depois de uns três meses que eu estava mapeando que eles decidiram assim: “Pessoal, a gente vai dividir o núcleo de funcionários do Criança Esperança”. Era eu, Macarrão, Douglas, o Leandro, não vou lembrar o nome do coordenador agora, que aí estava lá dentro do Criança Esperança. Ele falou: “Ó Miguelito, a partir de hoje você não vai mais precisar ficar com o Macarrão pra fazer a história da rede, eu quero que você seja um monitor de um Núcleo Multimídia”. E eu: “Como é que é isso daí?” “Os professores daqui, muitas vezes eles precisam de materiais, espaços, tudo pra realizar as atividades. Em vez dele nos procurar, a gerência, que estamos gerindo o Criança Esperança, ele vai até você. Então, muitas vezes você que vai ajudar a nós, o pessoal da administração pra comprar material. Se ele precisar tirar 20 xerox e tal, você vai ajudar a ficar ali como monitor no multimídia, não deixar a molecada zoar o espaço, ajudar meio que a zelar. Eu deixei de fazer parte da rede do Sou da Paz, que estava atuando mais pra fora do Criança Esperança, e comecei a trabalhar mesmo, diariamente, de segunda à sexta-feira. O Sou da Paz já me registrou da carteira, me registrou como agente educador pelo Instituto Sou da Paz para eu trabalhar dentro do Projeto Criança Esperança e ser um funcionário do Criança Esperança. E ali nós ficamos em torno de um ano.
P/1 – Esse Núcleo Multimídia que você está falando era no Jardim Ângela, é isso?
R – Exatamente. Hoje em dia ele existe ainda, o Bom Serviço Pirapora de Jesus voltou a gerir, voltou a ser Clube da Turma. Só que hoje em dia já não, só os alunos deles, que têm carteirinha, que vêm pelo Clube, que podem usufruir desse espaço. A rapaziada que tinha um grupo de samba, rapaziada que está cantando funk e sabe que lá tem um estúdio, mesmo dentro da comunidade, se você não participar de alguma oficina lá desse projeto, infelizmente você não pode usufruir daquela estrutura que o Criança Esperança deixou.
P/1 – E como é que foi pra você? Queria que você contasse um pouco da sua experiência, primeiro como aluno, depois a gente fala um pouco como educador. Como foi a experiência como aluno, dessas oficinas do Criança Esperança? Eu queria saber assim, o que mudou pra você, o que você aprendeu, qual foi a importância que teve na sua vida?
R – Foi legal assim, as oficinas dentro do Criança Esperança. Eles estavam ali com as oficinas, podia ser de hip hop, multimídia. Eles também tinham muito contato com outras coisas que vinham de fora para eles poderem agregar a nossa cultura. Eu e os alunos lá gostávamos de grafite e tal, mas aí o professor, acho que o pessoal devia trabalhar uma dinâmica com eles: “Não deixa essa oficina limitar a essa coisa”, então o professor já começou a trazer muitas coisas de fora pra nós. Eu lembro que a gente foi assistir a um documentário sobre o Basquiat, um cara que viveu na Europa, que era morador de rua, ele deixava as poesias na parede e se transformou em um grande artista. A gente: “Pô, malandro! Caramba, eu estou aqui na zona Sul e fui conhecer a história de um cara que não tinha nada e deu tudo certo”. Isso começou ajudar a nós. Pros professores, acho que era a dinâmica que eles tinham pra não ficar limitado a essa coisa: “Ó, você não tem que rezar, seguir, só por esse livro”. Eles começavam a introduzir muitas coisas para nos ajudar. “Pô, mano, vamos trabalhar com esses jovens. Nós estamos aqui no Jardim Ângela, na zona Sul, na casa deles, né? Vamos começar a trazer coisas de fora para inserir na cultura deles. E vamos ajudar eles”. E já era época que estava começando a internet, os caras: “Ôpa, vamos trazer uma lan house pra eles. Vamos deixar eles terem acesso à internet, vamos ajudar eles usufruirem dessa ferramenta”. Aí tinha as oficinas lá, tinha oficina de Rádio; você, pô, observar um cara lá, aprendendo a como ser um radialista, tal, isso já começou a abrir a mente de muita gente. Os próprios professores, acho que eles conseguiam ver: “Você tem uma boa dinâmica, você fala bem, se expressa bem, já pensou em fazer uma oficina para poder trabalhar com isso?” Aí: “Eu nunca pensei” “Você quer participar?”. Eles tinham contato com outras entidades, entendeu? E eu lembro que eles tinham uma, não era Jovem Aprendiz, não era Meu Primeiro Emprego, mas ele ajudou a inserir muitos jovens na questão de emprego. Eu lembro que tinha outros companheiros ali que começaram a trabalhar, fazer pequenas atividades ajudando eles e a receber uma remuneração. E isso ajudou a gente a ver outras questões: “Pô mano, a gente está indo no Jardim Ângela”. Eu lembro que na época de 90, pô, era o bairro mais perigoso. Dentro das oficinas eles ajudaram a gente a trabalhar: “Pô mano, ó, você está aí no Jardim Ângela, você vai falar mal da casa que você mora? Começa a observar a região onde você mora. Vocês viram as pessoas que vocês estão conhecendo aqui, pô, tem um menino lá que grafita, tem um menino que dança, tem os meninos que tocam samba. O que você acha do trabalho dele?” “Ah, acho legal”. Eles começaram a mostrar pra gente outra visão, as coisas produtivas que estavam dentro do nosso bairro. E assim, vai, eu estava muitas vezes lá no meu bairro e estava um menino lá que tinha uma arte, eu gostava de tirar umas fotos e tal, tinha os meninos que andavam com nós de skate: “Deixa eu tirar foto de você? Eu gosto”, e você pensa em ser fotógrafo, sim. “Eu gostaria de fazer um curso” “A gente conhece o Criança Esperança em tal lugar, eles têm umas oficinas lá, se você quiser o endereço, tal”. E eu lembro que isso também ajudou a inserir outros jovens, a mudar a realidade deles também.
P/1 – Você lembra de algum exemplo específico, desse que você está falando, de alguém que tenha ido até o Criança Esperança e tenha ido trabalhar com isso?
R – Sim.
P/1 – Que tenha mudado. Se você puder me contar alguns exemplos.
R – Sim, até hoje. Eu tenho uma amiga minha chamada Fernanda, ela se formou como professora de História e Educação Artística. Ela foi aluna do Criança Esperança, foi aluna do Sou da Paz, trabalhou muito tempo na área social, não vou nem lembrar o nome do projeto dela. E a visão que ela teve disso tudo é que ela quis: “Eu quero continuar trabalhando com jovens, com crianças”, se formou uma educadora. Hoje em dia a gente tem contato: “Nossa, adoro minha profissão”. Foi uma pessoa que eu vi chegando, a gente foi se conhecendo, amadurecendo, teve outra visão, foi correndo atrás das oportunidades. O pessoal do meu bairro mesmo, teve outros jovens hoje em dia que, não assim, não mudou nessa forma, mas pô, construíram as famílias deles, ajudou a preencher aquele espaço ocioso. Eu mesmo, a minha família ajudou a gente a ter uma visão. Meu irmão foi trabalhar em outro projeto social. O poder que eu tive de conhecer o pessoal do Criança Esperança; poder também trazer lá pro pessoal do meu bairro: “Pô, mas você trabalha no Criança Esperança, lá é a maior enganação, né? O pessoal doa e você não vê o dinheiro chegando” “Não, é um projeto que é assim assado, não é só aqui que eles agem, eles agem em outros lugares”. Isso foi muito bom, me ajudou também a mudar a minha visão de periferia, a minha visão de futuro, legal pra caramba. Eu gostei, nossa, e gostei de ajudar, muitas crianças chegam até o projeto ali também. Infelizmente hoje o espaço lá é mais limitado, ele tem uma restrição.
P/1 – Esse espaço continua fazendo parte do Criança Esperança? Ou não, ele ganhou uma autonomia e o Criança Esperança ajudou a estruturar. Foi isso?
R – Ele já era uma outra instituição. Na década de 90 esse Clube da Turma era uma Febem. Teve uma rebelião, a molecada conseguiu fazer uma fuga e tal. Eu acho que a prefeitura, o Governo de São Paulo viu que aquele espaço é um espaço muito grande: “Vamos deixar de ser Febem e vamos tentar trazer uma coisa aqui pro pessoal poder usufruir”, fizeram um Clube da Turma. E a Serviço Social Bom Jesus, ele que gere o projeto todo, eles são os caras que estão frente de linha ali. Eles que recebem o orçamento da prefeitura e gere tudo lá e tal. O Criança Esperança chegou só que tinha muitas brigas internas, isso que fez com que o projeto saísse de lá. Porque assim, a gente pensava o seguinte, a gente quer trazer a comunidade pra cá, seja o pessoal do Capão Redondo, Jacira, Campo Limpo, o pessoal da zona Leste, só que eu não quero que o cara chegue lá na portaria: “Ah, você quer entrar aqui, mas você tem que fazer a carteirinha”, eu quero que ele tenha acesso livre. O Criança Esperança quis fazer isso com aquele espaço lá, quis trazer essa oficina de hip hop, fez uma entrevista com as crianças, perguntavam: “O que vocês acham que seria legal ter aqui de oficina?”, e a gente queria muito isso. Só que a outra instituição era uns caras que vêm da igreja, a gente andava à vontade, cabeludão, barbudo, tatuagem, a gente estava muito mais próximo do jovem do que eles que vêm de uma coisa que a igreja já prega, entendeu? Isso, eles já começaram a não gostar: “Pô, mas vocês trazem os caras pra trabalhar aí, o cara ali é o maior molecote, 19 anos, cabeludão”, eles começaram a não gostar disso, né? “Pô mano, e vai vir uma pá de cara diferente aqui que nem vocês passando aí pelo nosso portão e a gente não vai poder barrar ninguém”. Começou a ter umas brigas internas, só que eu e mais a rapaziada ali dentro, a gente: “Mano, vamos fazer o nosso trampo, vamos ajudar o projeto a crescer, todo mundo da quebrada a ser conhecido”. A gente tentava ajudar, tentava, vamos deixar essas coisas aí pro pessoal lá do Sou da Paz que gere lá a instituição. Começou uma briguinha, eu lembro que eles comentavam que, pô mano, antes de alguém do Sou da Paz estar lá pra gerir o Criança Esperança, eu acho que começou a entrar uma verba e os caras não faziam nada. Eu lembro que eu ouvi isso daí na época que eu estava entrando no Criança Esperança. O Sou da Paz: “Não vamos deixar assim, não. Vamos levar alguém, contratar uma pessoa pra ficar lá dentro junto com eles. Se vai entrar uma verba e tal, vamos ajudar, alguém nosso tem que estar lá também para assinar esses documentos”. E foi isso daí que a gente começou a observar muito. Só que a gente, pô, em nenhum momento vamos deixar os alunos, vamos deixar chegar em quem está frequentando o projeto. Aí, muitas vezes o que o pessoal da portaria tinha, chegou pessoa tal assim é pra fazer a carteirinha, aí a gente: “Pô mano, deixa o pessoal aí, a gente tem um controle nosso, entendeu? A gente não quer que esteja esse negócio aí. Isso aqui é aberto à comunidade, entendeu, isso aqui é um projeto social” “Ah, mas é a ordem que vem lá da secretaria, é pra gente barrar quem não tiver carteirinha para entrar”. Aí pô, pra fazer os eventos lá tinha que pedir pros caras: “A gente quer portão livre, entendeu? A gente vai trazer outras entidades, jovens que estão começando a trabalhar com jovens, com jovens que estão com estado não sei o que lá e a gente quer dessa forma”. E tinha muito essas rixas internas. O projeto ficou lá acho que em torno de uns três anos, eu entrei acho que no último ano e meio que foi quando mudou pra zona Norte, pra Brasilândia.
P/1 – E o que mudou pra você, Paulo, quando você deixou de ser aluno e começou Esperança? Quais eram suas atividades, o que mudou em termo de responsabilidade, o que você fazia?
R – A mudança é que eu era aluno, no caso eu tinha ali um amigo meu que me ajudava ali nas oficinas e a gente trocava as ideias em assuntos a esmo. Quando eu fui trabalhar no projeto, que a rapaziada: “Ó o Henrique, está trabalhando no projeto, está ganhando uma grana”. Eu fui ver como era a sistemática de um projeto social. Agora eu estou nos bastidores. Você vai lá o Criança Esperança: “E aí, pessoal do Jardim Ângela, tudo bem? Dia 20 vai ter uma exposição lá no MAM. A gente gostaria de convidar vocês, a gente vai ceder um ônibus com 44 lugares e a gente gostaria que vocês trouxessem jovens que gostariam de participar desse evento”. Aí já chegava em nós, chegava no pessoal da rede, lá no Rodrigo que era a parte administrativa, ele passava pra nós. E a gente já começava, eu chegava nos meus amigos: “Pessoal, tudo bem?”, pedia licença lá pro educador, professor. “Pessoal, vai ter tal evento do Criança Esperança e tal e a gente gostaria de convidar vocês tal horário, a gente vai levar com ônibus, pra vocês participarem de tal evento. Vocês gostariam de ir?”. Tinha muitas vezes, se eram crianças menores a gente pedia pra levar uma autorização para os pais. Eu fui começando a ver como que é um projeto social por trás, porque uma eu era aluno, eu ia pros passeios, me divertir e tal. Quando eu comecei a trabalhar por trás, eu: “Ô meu, da hora, mano, a gente está ajudando ali”. Vai o menino chegar lá querendo fazer um curso e você: “Faz uma ficha aqui, esse curso é um professor muito legal”, você ajudando ele a mudar a visão dele. Nossa, aí eu: “Pô mano, eu vou em tal projeto, vai ter uma excursão junto com eles”, nós ficávamos preocupados: “Tem que ter lanche, tem que ter isso, aquilo”, você ficar no controle da criançada, eu me sinto como se eu fosse um professor, maior legal, você tem que tomar cuidado com as crianças aqui. É uma coisa carinhosa, gostosa assim. Eu não tenho filho, mas eu gosto de criança: “E
aí molecadinha, a gente está indo para um evento, então, pra gente não se perder a gente vai procurar andar todo mundo de mão dada, vocês estão todos com camiseta do Criança Esperança”. Aí já se apresentava: “Meu nome é Miguelito, tal, tal, qualquer coisa que vocês precisarem”. É uma coisa gostosa, carinhosa, você está abraçando de uma forma, é metáfora, mas você está abraçando. E muitas vezes eu ia com meus amigos e tal, e assim: “Rapaziada, da hora esse evento”. Os caras: “Henrique, você tem um emprego da hora! Cada lugar que você está trazendo nós”. Eu falei: “É, se fosse por nós mesmos nunca a gente estaria em tal lugar”. A gente ia para eventos de hip hop, que a gente não ia ter acesso financeiro. Eu já pensava nos meus amigos mais próximos: “Rapaziada, vai ter um ônibus lá pra nós, vocês querem ir, tal?”, os caras até me agradeciam. E assim, fora essas coisas que a gente via, quando tinha os eventos lá do Criança Esperança, eu já avisava meus familiares: “Ó, nós vamos estar apresentando bandas, vai ter uns artistas lá que a Globo levava lá pro Criança Esperança”. Aí meus familiares me encontravam: “Henrique, você está trabalhando”, via eu com a camiseta, eu: “É, né” “Caramba! Como é seu emprego?”, e eu meio que falava isso: “Eu ajudo a gerir o projeto. Que nem você está aqui hoje, eu não convidei vocês? Isso também faz parte do meu projeto. Muitas vezes não é ficar só interno, aqui, é expandir”. Aí os caras: “Pô, e você trabalha a vontade” “Do lado de casa, se eu quiser almoçar ali, rapidinho”. Até eles me perguntavam: “Mano, como é que você fez pra conseguir um emprego desses?” “Eu não sei qual foi a receita, eu lembro que eu queria ter um emprego da hora e fácil, e fui convidado”. Aí até meus amigos falavam: “Ó, parabéns aí, emprego da hora”, porque eles também tinham a mesma idade ali, beirando eu. E os meus familiares já viam de uma forma assim: “Legal, é uma coisa grande, vi os artistas e tal”, aí já via que eu não tinha tanta limitação, por eu ser um funcionário do projeto conseguia estar mais próximo deles, conseguia estar em eventos, a gente muitas vezes aparecia na TV. Eu lembro que tinha parentes lá da Bahia que ligavam pros meus pais: “Nossa, a gente viu tal tal o meu sobrinho, parabéns. Ele trabalha? É, a gente viu ele aqui na televisão e tal”. Até minha família lá do outro lado começou uma coisa a crescer que estava fora do meu controle, né?
P/1 – E qual é a importância que você acha que teve pra você ter essa experiência profissional, Paulo?
R – Ah, é uma coisa da maior importância, é uma coisa gostosa que seja o professor, seja o agente educador, quem está na área social, as pessoas que estão tentando transformar a vida de outras pessoas em coisas melhores. Muitas vezes a gente vê relato de muitas coisas tristes. E quem está na área social hoje em dia, ou tem outras ferramentas que as pessoas estão se organizando e criando iniciativas de poder transformar, seja as pessoas jovens, idosas, velhas, pessoas em situações de risco estão trabalhando nisso, é uma coisa tão gostosa de você poder dar esperança, entendeu? Principalmente as pessoas que trabalham com a criançadinha menor. Eu trabalho em um colégio, eu vejo muita criançadinha pequena lá, são pessoas curiosas e se a gente puder levar um aprendizado do bem que aguce a curiosidade deles vai ser uma coisa gostosa, entendeu? E a transformação que a gente vê, poder ver jovens que têm um talento, poder chegar a mostrar pra outras pessoas esse talento. Nossa, foi uma coisa gostosa, hoje em dia ainda tenho contato com os amigos que trabalham na área social. Eu trabalho dentro de uma instituição social, mas de uma forma diferente, que eu que controlo o acesso das pessoas, mas tenho o contato lá com a criançada, gosto de conversar com eles e vejo o que é. Na década de 90 não existia a área social, hoje em dia tem mais. Hoje em dia tem muitas pessoas fazendo coisas boas aí, independente da faixa etária, do público que ele atinge, mas é muito bom saber pra gente poder construir um mundo melhor pras crianças que vão deixar os futuros jovens e idosos.
P/1 – E nessa época que você trabalhou com o Criança Esperança, você lembra de algumas ou de alguma história que tenha sido uma coisa que você tenha vivido um episódio, uma história, uma situação que tenha te marcado? Nesses passeios?
R – O que me marca é a atuação, as pessoas que eu me aproximei, os amigos que eu fiz, os meus companheiros de trabalho são pessoas que até hoje eu gosto, gosto de ter contato com eles. Tenho conversa com eles. Os meus amigos que foram tanto de projeto como aluno, que hoje em dia são adultos, que têm a vida deles, que isso também mudou a realidade deles no passado lá. Isso marcou muito, eu acho que a rede que eu constituí e até hoje ela é firmada, seja os companheiros que eu trabalhei e até hoje eu tenho contato, sejam amigos meus que estavam na mesma faixa etária, adolescente, cursando o projeto como eu, que hoje em dia eu tenho contato com eles, vemos que nos tornamos adultos de boa índole, estamos trabalhando, estamos tentando construir outro futuro e mudar a realidade dos familiares, dos nossos mais próximos.
P/1 – Dessas pessoas que trabalhavam com você, ou das pessoas da época que você trabalhava no Criança Esperança, que frequentavam essas excursões, do público mesmo que era aluno, que era atendido, tem alguém que tenha te marcado em especial? Alguma história de vida de alguma dessas pessoas?
R – Sim, tem! Eu não vou lembrar o nome do professor... tinha um professor que dava aula na mesma escola, não chegou a dar aula na minha escola, eu não vou lembrar o nome dele, o apelido dele acho que era Tuquinha. Ele trabalhava lá dentro do Criança Esperança também, até hoje ele toca e tal. Ele trabalhava com música e era professor de História ou Geografia. Eu lembro que ele também tentava trazer isso daí, muitos: “Pô mano, eu gosto de música e tal”. Ele começava, o padrão de aula dele não era uma coisa formal que os professores faziam, isso que marcava muito: “Pô mano, eu conheci o Tuquinha, professor, ele é um cara da hora”. O jeito que ele dava aula, tinha amigos meus que tinham aula com ele: “Pô mano, você tem que ter uma aula com ele, não é como aquele professor que copia coisa do livro”. Eu ficava: “Pô mano, que cara da hora. Eu vou querer ser um cara assim, da hora, não vou querer ser um cara fechado às regras. Se você vai trabalhar com jovens e tal, eu já vou querer ter mais a visão deles”. Eu lembro muito disso. É bom ter conhecido esse cara. Outros alunos também que eu conheci, pô mano, hoje em dia a rapaziada vive no underground, na música ainda: “E a rapaziada, vocês ainda têm a banda, ainda toca?”, ainda tem aquele jovem que está tentando manter aquele sonhos. Mesmo que tenha uma realidade diferente ali, mas nossa. E uma coisa que me marcou muito foi ter conhecido meus companheiros de trabalho; conhecido o Macarrão, o Douglas, o Rodrigo, o Grego, são pessoas que eu tenho carinho até hoje. Nós viemos da mesma região, da zona Sul, do Jardim Ângela, com realidades diferentes. O Macarrão era um cara que já estava dentro da música e na área social trabalhando há muito tempo com o Sou da Paz. O Rodrigo trabalhava a arte administrativa, ele era um cara da periferia com um talento artístico, que estava fazendo uma faculdade; ele era o cara que trazia as coisas mais de longe, tal, de mostrar pra nós. O Douglas era um jovem que nem eu, mas ele: “Pô mano, eu quero ser músico, eu quero ser músico”. Ele comprava instrumentos musicais: “E aí, Miguelito, comprei um baixo, mano, eu vou procurar ter umas aulas e tal”. E ele era evangélico, mas ele não parecia ser um cara evangélico. O Leandro, que era um cara de 34 anos e que a gente chamava ele de ‘Tiozão do Rock’: “Ô Leandro, você é o maior cara ultrapassado” “Mano, é que vocês que estão querendo ser muito jovens e tal”. Ele era um cara que era dez, 12 anos mais velho com nós, só que ele já começou a se comportar como nós, a falar como nós. Tinha muita coisa que ele não entendia. Nosso vestuário, ele: “Pô mano, quando eu era jovem, eu lembro que eu era roqueiro, a única coisa era deixar o cabelo crescer. Agora vocês têm uns negócios que vocês falam, as calças são maiores do que vocês e piriri pororó e tal”. E já estava começando a tatuar, usar piercing, a gente começou a trazer ele pra cá, aí já começou a interagir mais. Aí tinha o nosso companheiro Grego lá, já era um cara da Informática, ele era meio nerd; a gente falava que a gente fazia bullying com ele, tem uma hora que a gente: “Pô mano, nós também, com o nosso companheiro de trabalho, a gente transforma ele em piada, mano, vamos começar a rir com ele e parar de rir dele”. Isso, nossa, até hoje eu gosto muito de ter conhecido essa rapaziada aí. É muito bom ter, o meu primeiro emprego, os projetos sociais, me levaram a ter contato com eles.
P/1 – E desses passeios todos que vocês fizeram, você falou pra gente, teve algum que tenha sido mais marcante? Pode ser um lugar que você conheceu e gostou mais.
R – Sim. Um evento que acontecia que era chamado Hip Hop DJ, acontecia na Pompéia e o cara que promovia era o KL Jay, o DJ do Racionais. Puta, eu sou o maior fã dos caras do Racionais, maior poeta, e poder ir num evento do cara, entendeu? Era uma coisa muito distante pra mim, eu não sabia como chegar na Pompeia, era questão de dinheiro, e de repente um projeto que eu estava trabalhando, num evento ali, ou como aluno, poder ter um contato próximo com um cara, não era aquela coisa que você vê o cara no palco e de repente você num evento e o cara está lá do lado de você e você poder falar: “Mano, eu gosto das suas músicas, parabéns”. E quando eu fui pro Criança Esperança e quando eu me tornei profissional, virei um funcionário, eu poder ver o Didi, a Xuxa, Faustão, pô meu, os artistas da minha infância, você poder: “Parabéns aí, o seu trabalho. Eu era criança, ficava do outro lado da tela e hoje em dia eu estou na mesma sala como você. Parabéns aí, tá bom? Tudo de bom”. Uma coisa gostosa. Tem muitos fãs, muitas pessoas que se matam pra ter um contato e eu estava tendo um contato muito mais próximo daquele artista, que eu via de longe e poder: “Parabéns aí”, é bom o que um projeto desse pode fazer, de trazer jovens que vivem uma realidade longe daquele artista ter um contato com ele. Nossa, já teve outros eventos que a gente fazia no Criança Esperança que, pô mano, uma criança poder tirar uma foto com a Angélica e chorar e você... Nossa, é gostoso, você queria ficar abraçado com ela, queria levar pra casa. É uma coisa tão gostosa assim, de você poder observar, isso me marcou bastante.
P/1 – Tá certo. Eu vou fazer umas perguntas para você, já encaminhando para o final, mas antes de fazer, são quatro perguntas finais, queria saber se tem alguma coisa que a gente não tenha perguntado e você gostaria de deixar registrado?
R – Acho que não, acho que está legal aí o desenhar da história, que eu estou trazendo desde a época do Sou da Paz. E estou falando que eu não entendia o que era um projeto social e a partir do momento que eu comecei a ver ele. Está legal.
P/1 – Eu queria que você falasse um pouquinho o que você faz hoje, com o que você está trabalhando hoje? E fora o trabalho, o que você tem de hobby, como é a sua vida hoje.
R – Sim. Hoje em dia eu trabalho em uma empresa terceirizada há dois anos. Eu comecei nela em março de 2012 como faxineiro, auxiliar de limpeza; fui promovido pra auxiliar de serviços gerais e em abril desse ano eu comecei a atuar como porteiro. Eu trabalho um dia sim, um dia não. Eu trabalho numa instituição chamada Casa Pia São Vicente de Paulo, que fica na Alameda Barros, Santa Cecília. Lá é um externato, hoje em dia as crianças não moram mais lá, hoje em dia eles têm outras entidades que cuidam mais dessa parte. É um colégio onde de manhã temos sexta série a terceiro colegial e de tarde nós temos de primeira à quinta série. É um ambiente muito gostoso, eu continuo tendo contato com jovens, através hoje em dia mais da internet eu posso ter mais visão deles, eu me sinto muito mais próximo deles. Gosto de estar lá. Eles têm muitas coisas curiosas sobre a época que eu era mais jovem, como que era, porque eles vivem uma realidade que muitas vezes o computador mostra pra eles, eu, pô, ainda tenho contato de jovens lá que andam de skate: “Pô, eu andei de skate até meus 20 e tantos anos. Eu gostava de ir pra tais lugares, fazer tais coisas” “Sério?! Nossa!”. E hoje em dia já é mais diferente o contato que eles têm. Gosto muito do meu emprego, é um emprego que eu trabalho muito com a questão de visão, de paciência e com o público. Eu atendo, recepciono as pessoas, coleto as informações de dados, pessoal, dela e encaminho pra onde ela quer ir pra dentro da escola. É um emprego onde eu trabalho assim, eu trabalho 12 horas, eu não preciso ter, não tenho um patrão em cima de mim, não tenho uma pessoa em mim dizendo o que eu tenho que fazer. São coisas bem simples e é uma coisa que eu tenho muito contato mais próximo dos pais dos alunos, muitas vezes eles acabam até relatando o cotidiano deles: “Ah tio, tudo bem? Hoje meu filhinho não está muito legal, você pode dar uma olhada nele? Ele chegou meio chateadinho, está meio enjoadinho”. E um pai te passar uma responsabilidade dessas, você poder olhar por um filho dele é muito gostoso. Muitas vezes quando eu estou fazendo a ronda na escola eu fico imaginando assim: “Pô, um pai, ele deixa o filho dele com nós aqui, com a escola, com a instituição responsável por ele. Se ele passa mal, se acontece alguma coisa com ele, eu imagino como é que não deve estar o coração dele lá fora. ‘Será que eu deixei nas mãos de pessoas certa, que vão ter o mesmo carinho?’ Hoje em dia eu tenho essa visão, pô, as crianças que eu estou lá dentro do meu local de trabalho, ser o mais gentil, educado com elas, entendeu?” Crianças, jovens, principalmente, muitas vezes são bipolar, tem dia que eles chegam super legais, querem conversar tudo com você, tem dia que eles não querem dar um bom dia e você não pode levar isso pro pessoal, tentar tratar de forma educada. Muitas vezes os pais que chegam lá também: “Ah, eu sou o pai, eu pago a escola do meu filho” “Não senhor, eu só quero o nome do senhor, pro senhor saber que aqui tem segurança, não é qualquer pessoa que está entrando na escola onde seu filho fica”. Eu tenho uma carga de 36 horas livres. Eu adoro leitura, principalmente sobre Espiritismo, sou muito fã desse tema. Adoro cinema que tenha filmes de ação, herói. Adoro música, independente do estilo eu gosto muito, se eu estiver na internet, se tiver um documentário sobre um artista, se ele está na carreira atual ou falecido; eu gosto de prestar atenção na história dele. Gosto muito de pintura, eu tenho mania de pintar minhas roupas e tal. Eu tenho muito contato com amigos que ainda são grafiteiros, vão a exposições. Com a ajuda da internet eu tenho muito mais o alcance de saber, esses dias, na Barra Funda está tendo exposição dos Gêmeos, que são dois artistas conhecidos mundialmente. Antigamente na década de 90, se não era um noticiário no jornal, ou um amigo ficar sabendo, se lesse numa revista, talvez eu não teria contato, hoje em dia, com a obra deles. Adoro morar com meu papai e minha mamãe, meu irmão. Estou aprendendo a ser um dono do lar com eles, a cozinhar, lavar, cuidar de uma casa, ter responsabilidade financeira de poder trazer o alimento e poder manter a casa. Não tenho vontade de mudar do bairro onde moro, eu adoro o bairro, me sinto bem com os vizinhos, os amigos. Eu ando com pessoas da minha idade, com pessoas que são dez, 15 anos mais novas do que eu, ainda vivo dentro de um ciclo jovem. Esse é o meu cotidiano. E gosto muito de fazer muita coisa familiar junto com o meu irmão. A gente por gostar do mesmo time, muitas vezes: “Vamos pro cinema”, ou “Vamos pro shopping”, isso nos aproximou muito mais na vida adulta do que na infância, a gente era um pouquinho mais separado, gostava de coisas diferentes, na adolescência começou a ter o mesmo gosto e hoje em dia a gente já tem a mesma visão. E nossa, assim, a leitura, pra mim eu acho que também é uma fonte para você expandir seus horizontes. Eu sou fã do Espiritismo, mas não deixo de ler sobre outros assuntos e temas. E também gosto de conhecer, lá no colégio principalmente, eu tenho jovens de outros países. Então muitas vezes ele traz um novo linguajar, uma nova cultura e eu sou um cara que gosta de sugar isso daí. Eu mesmo falo que eu sou uma esponja, seja de um artista, muitas vezes eu vejo o vídeo de um artista, de um músico, ou o jeito que um cara dança, o jeito que um cara fala;
muitas vezes eu já tento trazer isso para a minha realidade. Muitas vezes o meu falar também, eu aprendi coisas que eu peguei de pessoas que fui conhecendo no ciclo da vida e introduzindo. E assim, vai, eu tento dar pros jovens que, esses dias mesmo estava até um amigo meu, o Sidnei, nós estávamos conversando e ele: “Pô, eu tenho 15 anos, Henrique, estou estudando”, eu: “Pô, mano, já vivi sua vida duas vezes, que eu tenho 30”, até uma vez eu comentei: “Pô mano, e minha namorada muitas vezes tem ciúmes, ó os caras que eu ando, os caras que têm metade da minha idade e ela ainda quer ter ciúmes”. E eu tento muitas vezes, dar uma ideia neles: “Ah rapaziada”, os caras falam esses negócios de funk, piriri póróró, eu falo: “Ah mano, eu não tenho preconceito e tal, mas não vai ser o disco que eu vou baixar o disco. Mas ó, eu gosto do som de uma banda assim assado, o cara vive na mesma realidade, que nem nós” “Ó mano, estou lendo um livro sobre tal assunto”. Que nem os negócios que de vez em quando eu faço, de pichação, grafite lá no bairro e as pessoas: “Ó Henrique, você tem o maior dom, como você aprendeu isso?” “Ah mano, é eu escrever. Eu escrevo meu nome nas paredes, eu só estou treinando uma letra diferente, como você. Você já experimentou isso daí? Então faz um A aí”. Ajudar eles também a ter outra visão. E essa é a minha vida hoje.
P/1 – Você falou bastante de música, fiquei curiosa. Tem alguma canção que você considera uma música que marca sua vida?
R – Não que marca, mas uma que eu gosto é uma música do Marcelo D2, que foi de um álbum que eu acho que ele lançou em 2008, por aí, faz muito tempo, que é “Eu Tiro é Onda”, que é a música que ele fala tiro é onda, entendeu? Que é, mano, ele está em meio, na época se passa no Rio de Janeiro, na época que ele gravou o disco, é uma realidade que tem muitas coisas que nem por isso eu vou deixar de viver, se vive apenas uma vez nessa vida, e nessa vida você vai viver passando vontade? Então, pô mano, vamos tirar onda. Pô mano, ao mesmo tempo que é como eu e os meninos, eu estou de frente de um córrego lá no Jardim Ângela, pô, mas isso é a beira da minha piscina, entendeu? Já transformei aquela realidade. Tinha uma casinha velha ali, a gente já meteu uns grifos, uns pichos, já ôpa: “Isso aí é intervenção, rapaziada, a gente já é artista plástico”. E a molecada: “Pô mano, eu pensava que eu era vândalo” “Vândalo é o que a mídia fala pra você, cola comigo que você vai passar de ano, entendeu?”. É uma música que eu costumo falar pros caras: “Mano, nessa vida a gente veio a passeio, eu estou de férias, então mano, eu só tiro onda, entendeu? A vida é como se fosse um Playcenter, só que o passaporte da alegria não tem reprise e muitas vezes não dá direito a acompanhante”. Aí os caras: “Pô Henrique, pensando assim”. Tenta ver o outro lado da vida. Eu tenho 30 anos, moro com meus pais, o cara: “Pô, se for pela nossa sociedade já era para o cara estar casado e tal”. Eu não, eu já penso: “Pô mano, eu tenho uma vida gostosa, moro com pessoas que me amam, que estão ali dentro do meu lar. Moro num bairro da hora. Futuramente vai acontecer isso, eu vou constituir minha família, vou ter minha casinha, mas enquanto estiver aqui, pô mano, vou procurar me divertir, aprender novos horizontes, o meu trabalho me permite isso. Eu trabalho um dia, no outro dia eu tenho a noite e o dia todo de folga. Já era, já vou pra outros lugares”. De vez em quando a gente até conversa: “Rapaziada, vocês têm que parar de ficar de chapéu atolado, não fica nesse cotidiano de Jardim Ângela, de Santo Amaro. Sair daí, vai andar que tem coisas acontecendo em outro lugar. Aproveita que hoje em dia pelo celular você tem acesso à internet, mano, você não precisa mais ficar lendo jornal na banca de jornal, já tem muitas coisas que eles divulgam”. E a música mostra isso, o tiro é onda, a gente, independente se a pessoa vive uma triste realidade, mas pô mano, dá a volta por cima, vive uma vez e ainda viver numa deprê, vai tirar onda mesmo.
P/1 – Tá certo. Vou fazer as duas perguntas finais pra você. Primeiro é: quais são seus sonhos?
R – Sonho, sonho, um sonho mesmo que vem do fundo da alma, uma coisa que eu sou fã, eu queria ser um herói ou um anjo na vida de uma pessoa, uma coisa que eu fico mentalizando muito. Um sonho seria um herói, ter um poder e esse poder não me pertencer, ser usado para as demais pessoas. Que é a metáfora que eu fico pensando assim, de vez em quando estou sozinho, ou com os amigos mais velhos, a gente conversando, eu falo: “Ó rapaziada, é como se fosse uma metáfora, que fosse o Superman, ele tinha o poder, mas ele não utiliza pra si só, porque senão ele seria o rei perante todos, ele quer dar esse poder pras pessoas usufruírem”. Isso que eu tenho um sonho. É uma coisa meio fantasiosa, mas a coisa que eu conseguisse construir também, que fosse uma coisa que tivesse um poder, mas eu não queria ser dono dele, eu queria que fosse pras outras pessoas. Eu fico mentalizando muito isso daí, o sonho seria isso daí, alguma coisa, não sei, de repente está pra acontecer, ou eu vou ajudar a construir. Eu lembro que uma vez eu estava lendo um livro de um escritor, muito tempo atrás, e ele falava o seguinte: uma decisão que você toma na sua vida pode interferir na vida dos outros futuros. Eu lembro que uma vez, muito tempo atrás, eu estava conversando com o Macarrão e eu falei: “Macarrão, a gente vê a realidade, tem muitos caras que, pô mano, você acha que o cara é playboy, mas alguém no passado teve que se matar pra poder o cara viver hoje em dia”, aí eu falei pra ele: “Ô mano, uma vez eu vi que um escritor escreveu isso”. Ele falou: “Pô meu, e pensando bem é mesmo. Se o cara lá atrás tivesse tido uma ideia de fazer uma coisa errada isso teria mudado totalmente o futuro dos parentes dele. Se ele tentou uma coisa pra dar algo certo, mudou totalmente”. E eu tenho muito disso, já me perguntaram, minha ex-namorada uma vez também: “Qual o sonho que você tem?” “Não, é uma metáfora. Eu queria ter um poder, mas eu não queria ser o dono dessa poder, eu queria que as pessoas se apropriassem disso, é como se eu ganhasse um poder de poder ser um herói, mas você é um herói, mas isso não me pertence, vai ser usado pra trazer o bem da população. Isso que eu tenho mentalizado muito uma época atrás, principalmente quando eu beirei os 25, 27 anos, eu já comecei a pensar muito mais nisso. Um sonho. Tem pessoas que têm o sonho de casar, o sonho disso. Aí eu: “Pô mano, eu gostaria de ter um poder, alguma coisa que fosse muito maior do que eu, do que a pessoa, Paulo Henrique, mas eu não queria ser o dono dela, eu queria que as pessoas usassem e elas se sentissem donas dele. Até desenhei essa metáfora, como fosse um poder, né? Você tem o poder de ser um super herói, uma coisa indestrutível, mas isso não dá o direito de você oprimir as pessoas. Que tal você dar esse poder pras pessoas poderem usufruir? Eu fico pensando muito nisso daí hoje em dia.
P/1 – E você já chegou a pensar que poder, ou é mais de uma maneira abstrata, mais geral?
R – É vai, alguma coisa, vai, que nem eu. Eu sou uma pessoa que gosta de ler, meio voltado à arte, pintura, escrita e tal. Seria uma forma de poder eu começar a ter, já me perguntaram isso: “Henrique, você não tem vontade de dar aula e tal?”. Eu usufruir desse meu conhecimento pra poder outras pessoas, isso seria um poder. Lá no meu bairro já houve um convite de uns amigos meus: “Henrique, você não gostaria de dar uma aula?”, que foi o Escola da Família; tem um amigo meu que hoje em dia é formado professor de Educação Artística e ele me convidou: “Henrique, dá aula. Você que gosta desses negócios aí, você nunca pensou em dar uma aula e tal?” Eu falei: “Mas é que hoje em dia eu já nem sei mais como chegar nisso, naquela época eu tive todo um convite, toda extensão”. Ele: “Não, eu vou te ajudar. Você não estuda, não está fazendo faculdade hoje em dia, mas eu vou te ajudar a escrever as oficinas”. Aí acabou rolando, mas acho que Escola da Família hoje nem tem, não sei com está e acabou. Isso é um poder, usufruir do meu conhecimento, eu não me apropriei dele, eu quis dar pra outras pessoas. Isso pode ser uma forma também, né?
P/1 – Claro, claro. Então pra finalizar, como é que foi contar sua história?
R – Ah, foi legal. É bom trazer meio que uma biografia até o presente, 30 anos da minha vida, de uma pessoa que conheceu projetos sociais, foi aluno de projetos sociais, vem de lugares à beira da sociedade, marginalizado e não tem uma visão limitada, de urbanóide que quer viver naquele cotidiano. Tomara também que seja um espelho, ou uma vidraça, porque o espelho vai refletir o que tiver à frente, e a vidraça, muitas vezes, ela é a transparência de uma outra realidade. Tomara que isso possa ser absorvido dessa forma. E muito bom. Estou aqui, poder usufruir desse tempo, poder contar essa trajetória e poder também trazer pessoas que tenham outra visão de projetos sociais. Principalmente o Criança Esperança, tem muitas pessoas que têm uma visão muito preconceituosa, muitas vezes eu estou no Facebook lá e eu vejo as pessoas: “Pô mano, os caras da Globo estão arrecadando milhões e tal”, e os caras colocam as fotos de outros artistas. Eu: “Pô mano, não é isso daí, entendeu? Tem algumas pessoas que estão sendo de má índole, que estão prejudicando o trabalho de outras pessoas aí, tal”. Aí eu até comento: “Eu trabalhei num projeto, eu fui aluno e não é desse jeito que vocês estão vendo, é que tem muitas coisas que são outros meios burocráticos e o Criança Esperança atinge vários projetos, ele não fica num lugar específico”. E foi bom, obrigada pela atenção.
P/1 – A gente que agradece, obrigada Paulo, a gente termina aqui.
FINAL DA ENTREVISTARecolher