Correios – 350 Anos aproximando pessoas
Depoimento de Roberto da Silva
Entrevistado por Márcia Ruiz
Recife, 08/06/2013
Realização Museu da Pessoa
HVC009_Roberto da Silva
Transcrito por Francisco Guilherme Ribeiro Ruiz
MW Transcrições
P/1 – Bom dia, Roberto.
R – Bom dia.
P/1 – Obrigado por você ter se deslocado da sua cidade para poder fazer essa entrevista com a gente.
R – É um prazer.
P/1 – Eu gostaria que você dissesse primeiro o seu nome, local e data de nascimento.
R – Meu nome é Roberto da Silva, eu nasci em Pedro Velho, mais exatamente na Zona Rural de Pedro Velho, no dia 22 de julho de 1956.
P/1 – Qual é o nome dos seus pais?
R – Meu pai é João Jerônimo da Silva e minha mãe é Maria Alzira de Oliveira.
P/1 – E o que é que eles faziam? Seus pais.
R – O meu pai era um pequeno proprietário rural que cultivava a terra, criava gado, bovino, cavalo e minha mãe era doméstica.
P/1 – E me diz uma coisa Roberto, ele cultivava o quê? Que tipo de plantação?
R – A mandioca, milho, algumas vezes arroz, algumas vezes fumo, batata doce, grãos, cereais, essas coisas e frutas. Nós tínhamos produção de coco da Bahia, caju e outras frutas como laranja, limão.
P/1 – E ele vendia?
R – Não.
P/1 – Era mais para consumo?
R – Geralmente só eram vendidos os cocos e as castanhas de caju, porque naquela época não havia o aproveitamento do caju, era só mais da castanha. As outras frutas eram para o consumo doméstico, para presentear amigos, vizinhos.
P/1 – E os grãos também?
R – Os grãos, alguns eram vendidos, o feijão, a fava, quando a produção era boa ele vendia, quando não era para consumo doméstico, porque a nossa família era muito numerosa.
P/1 – Quantos irmãos você tinha?
R – Eu tenho dez irmãos. Um irmão mais velho que eu e nove irmãs.
P/1 – E você na escadinha?
R – Eu sou o oitavo filho.
P/1 – E você sabe como é que seus pais se conheceram? Ou não?
R – Não. Mas um tio meu, até não faz muito tempo, ele me disse que o nosso avô paterno, eles eram proprietários rurais na Paraíba, na fronteira com o Rio Grande do Norte e no final talvez do século 19, começo do século 20, eles vinham do interior da Paraíba para vender e negociar gado, cavalos, em Pedro Velho, que na época ainda se chamava Vila Nova, porque Pedro Velho só passa a ter este nome a partir de 1908, antes era Vila Nova, era Cuitezeiras. Mas em 1901, houve uma enchente do Rio Curimataú e essa vila foi completamente destruída, ainda hoje existem ruínas do cemitério, ruínas da igreja, mas havia muitos engenhos de açúcar. Então, era uma vila que na época devia ser bastante movimentada, por isso que esses produtores rurais da Paraíba, mais próximos do Rio Grande do Norte, vinham negociar em Cuitezeiras. Então, depois dessa enchente em 1901, foi construída uma vila numa planície, num lugar mais elevado e se chamava Vila Nova de Cuitezeiras. Morre em 1907 o governador do Rio do Grande do Norte, que foi o primeiro governador do período Republicano, Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, a família Albuquerque Maranhão era uma grande proprietária de terras, o Engenho Cunhaú era um dos mais importantes do Nordeste e era naquela região e essas pessoas naturalmente pelo grande prestígio que tinham governaram depois da República durante 18 anos, a oligarquia Maranhão, permanece em evidência durante 18 anos. E talvez, talvez não, com certeza, por isso em 1908 o governador, já era um irmão de Pedro Velho, Alberto Maranhão, que até hoje é considerado um mecenas das artes no Rio Grande do Norte, é o autor de umas das primeiras leis de incentivo à cultura do Brasil. Então, o irmão Alberto Maranhão, homenageou o irmão que já havia falecido no ano anterior, dando o nome daquela Vila Nova de Pedro Velho. Aí, já era cidade então, já era município.
P/1 – Que interessante a história. E me diz uma coisa, você sabe a origem da sua família ou não?
R – Não, não tive essa preocupação. Aliás, curioso porque eu já vi uma informação, é um livro de Afonso Arinos de Melo Franco, não sei se o teor da sua pergunta se prende ao que eu vou responder, mas Afonso Arinos diz e Afonso Arinos é de uma família que está na história do Brasil desde o Brasil Colônia, porque o ancestral, o primeiro que chegou ao Brasil, era um médico no Brasil Colônia. Desculpe, eu já estou misturando as coisas aí, aí é o Nabuco, que depois se reúnem com o casamento de um Nabuco com Melo Franco, mas enfim, voltando a Afonso Arinos. Afonso Arinos dizia que um tio dele, branco do olho azul, dizia que no Brasil é uma temeridade você procurar a suas origens, porque fatalmente você para ou na senzala ou na cozinha. E olha que quem dizia isso era uma família que estava em evidência no Brasil com cargos importantes, com papel destacado na sociedade desde o Brasil Colônia. Então, eu não tenho nenhuma preocupação em procurar saber essas origens.
P/1 – E você chegou a conhecer os seus avós ou não?
R – Somente a minha avó materna e meu avô paterno.
P/1 – Os outros dois já tinham falecido?
R – Já sim.
P/1 – E como é que se chamava a sua materna?
R – A minha avó materna se chamava Tereza Maria da Conceição. E o meu avô materno, Eufrazino João de Oliveira.
P/1 – E eles faziam o quê?
R – Todos eram pequenos produtores rurais, ao que eu sei.
P/1 – E quando você era criança, tinha-se o hábito de contar histórias para vocês?
R – Ah, sim. Exatamente, meu pai era um excelente contador de histórias, ele tinha um repertório maravilhoso. Eu depois vim descobri em livros como Contos Tradicionais do Brasil, de Luís da Câmara Cascudo e Os Melhores Contos Populares de Portugal, as histórias que o meu pai contava, que eu na minha inocência infantil achava que eram criações dele, mas eram histórias orais que circulam no mundo inteiro com variantes. E Cascudo no Brasil foi o grande sistematizador dessas histórias. Então, muito tempo depois, eu já escolarizado é que eu vim descobrir nos livros de Câmara Cascudo as histórias que meu pai contava.
P/1 – E tem alguma que te marcou muito, para você contar para a gente?
R – Olha, assim, todas me marcaram. Agora uma que, foi a primeira que eu fui encontrar em livro, foi o Afilhado do Diabo.
P/1 – E como é que é essa história?
R – Que é a história de um menino que tem um padrinho, que é um homem muito sedutor e que depois o menino descobre que é o Diabo. Ele cria o menino, ele fazendo todos, dando tudo o que menino queria, mas era naturalmente interessado na alma da criança. Então, essa é a história que está em um dos livros de Câmara Cascudo, eu tinha lido em um livro didático e aparecia o nome de Câmara Cascudo e certamente foi a primeira vez que eu vi o nome de Luís da Câmara Cascudo. Porque isso foi no meu terceiro ano primário, o livro era um livro chamado Meu Coração, de Alaíde Lisboa de Oliveira e havia textos de inúmeros autores brasileiros. Tinha essa historinha, aí, foi naturalmente aquela que meu pai contava e que depois eu fui encontrar na fonte que era o livro de Câmara Cascudo.
P/1 – Eu queria que você falasse um pouquinho, como é que se deu a sua infância? Eu queria que você falasse onde você morou, se você morou mesmo em Pedro Velho? Eu queria que você descrevesse como é que era a sua casa? Como é que era o cotidiano da sua casa? Queria que você falasse um pouquinho dessa primeira infância.
R – Eu, certamente como todas as crianças nascidas na Zona Rural, eu tive um infância muito livre, em contato com os animais, em contato com a natureza de uma forma geral, subindo em árvores, comendo fruta no pé, tomando leite quentinho ao pé da vaca logo cedo com as minhas irmãs e meu pai tirando o leite e a gente tomando. Depois indo tomar banho de rio, com muita liberdade. Montando a cavalo, subindo em árvores, essas coisas que hoje somente poucas crianças rurais fazem, porque as pessoas estão cada dia mais passando a viver nas cidades. Pelo menos no distrito em que eu nasci, o sítio do meu pai se chamava Corte.
P/1 – E você sabe por que o nome?
R – Não sei, não sei. Hoje se você for lá todas as casas que eu via quando era criança já foram destruídas, não tem mais essas casas. A nossa casa mesmo, eu a conselho de um tio meu, mandei demolir, porque nós já havíamos saído desse sítio há muitos anos, estava ficando depredada, poderia de repente ser um lugar para alguém se abrigar ou alguém se alojar lá de repente e não querer sair, um tio meu que nos aconselhou. Como não tinha, assim, nada, não era uma casa que merecesse ser preservada por questões históricas, arquitetônicas e culturais, coisa nenhuma. Eu pedi para uma pessoa demolir essa casa e todo esse material foi reutilizado em casas da vizinhança, madeiras, telhas, tijolos etc. E coisa curiosa, diziam que nessa casa havia botija.
P/1 – O que é botija?
R – Você sabe o que é botija?
P/1 – Não.
R – Porque naquele tempo as pessoas não tinham, sobretudo na Zona Rural, o hábito de guardar dinheiro em banco, então, como os meus avós eram pessoas de posses, assim, dentro daquele universo dali, acreditava-se que eles tinham enterrado dinheiro, na época era dinheiro em moedas, ouro, prata etc. Então, essa história circulava por lá. Muitos anos depois, quando essa casa ficou desocupada, alguém deve ter lembrado desses detalhes e eu fiquei surpreso, porque muitas vezes eu chegava lá e encontrava um buraco novo no piso. Então, diziam que eram pessoas procurando essas botijas, que eram os tesouros enterrados por lá. Não sei se alguém encontrou e se havia realmente alguma coisa, mas que foi feito buraco lá, foi e deve ter sido por isso, por essa razão. Bom, a casa, era uma casa enorme, devia ser, ora, isso, foi uma casa que foi sendo, eram casas de taipa e com o passar dos anos foram substituindo aquelas paredes de taipa por paredes de tijolos, que eram tijolos enormes. As janelas da minha casa eram tão largadas que a gente se sentava assim das janelas e brincava em cima das janelas, paredes muito grossas, muito largas. Então, a casa era enorme, cercada de muitas árvores, muitos cajueiros, mangueiras. Não sei se eu já concluí a minha resposta.
P/1 – Não, mas assim, deixa eu te perguntar. E como é que era o seu dia-a-dia? Você levantava muito cedo? Vocês ajudavam na casa?
R – Ah, levantava cedinho, já acompanhava meu pai para o curral, que geralmente tinham dois currais, dependendo da estação do ano. Quando era inverno, tinha um curral que era localizado mais abaixo, ficava muito encharcado, meu pai trazia umas vacas para dar leite, para ordenha, para uso doméstico, ele trazia ao lado de casa a gente chamava o terreiro, ao lado da nossa casa tinha esse curral, que era um curral que mesmo no inverno ele permanecia enxuto. Então, logo que meu pai acordava as crianças já acordavam também, já o seguiam para tomar o leite. Depois a gente voltava e ia tomar o café da manhã com coalhada, com essas comidas aqui do Nordeste, cuscuz, macaxeira, que lá no Sul vocês chamam aipim, tapiocas, tudo feito em casa. Aliás, é uma coisa curiosa, porque até 15 anos, quando eu morei na Zona Rural, quase toda a nossa alimentação era produzida em casa. O café, o pó do café era feito em casa, se comprava o grão cru, se torrava em casa, se pilava em casa. Azeite de dendê era feito em casa, manteiga de garrafa, queijo, quase tudo era produzido em casa. Quase toda a nossa alimentação até 15 anos era, não havia quase nada industrializado.
P/1 – E quem produzia? Era só sua mãe? Tinha alguém que ajudava?
R – Minha mãe, minhas irmãs auxiliavam. Eu sei que antes de eu crescer já tinham tido pessoas que auxiliaram a minha mãe, mas eu não me lembro. Eu cheguei a conhecer uma dessas senhoras, mas ela já não trabalhava lá em casa. Mas a família, as minhas irmãs eram, eu tenho cinco irmãs que são mais velhas do que eu, então, eram minhas irmãs mesmo que auxiliavam em casa. Ah, e o restante do dia, tinha o horário de ir para a escola, a gente naquele período, naquele tempo e morando naquela região, a gente não tinha Jardim de Infância, a gente tinha geralmente uma pessoa, que era uma leiga, uma pessoa alfabetizada que nos ensinava as primeiras letras. Não sei se no Sul, o Sudeste, vocês usam essa expressão, desasnar.
P/1 – Não. Que é? Não, não usamos.
R – Desasnar que vem de asno. Seria assim um sinônimo de desemburrecer. Então, aprendia as primeiras letras, copiar, desenhar as letras. Minha mãe dizia que muito antes de eu ter essa pessoa para me ensinar, eu já pegava uma folha de jornal, uma página de revista e ficava desenhando as letras na calçada da nossa casa, mas sem saber exatamente o que era que aquilo significava. Bom, aí depois que nós já estávamos alfabetizados, mais ou menos alfabetizados, é que começávamos a estudar na cidade. E porque essa demora? Porque era muito distante e não havia transporte e ninguém podia ir de cavalo, porque não tinha lugar de guardar cavalos. E nem tinha uma pessoa para ir deixar um monte de criança de cavalo na cidade e voltar, carro nem pensar. Então, quando nós já estávamos, vou usar uma expressão aqui também muito nordestina, taludas, quando a criança já estava mais taludinha, mais firme nas pernas para aguentar uma caminhada, até hoje eu não sei quantas léguas a gente caminhava. Aí, íamos estudar na cidade e eu tive, assim, a infelicidade de começar a estudar na cidade, na rua, como a gente chamava, em um ano em que havia caído uma ponte que era sobre o Rio Curimataú, bem a margem da cidade de Pedro Velho. Então, nós passávamos, quando estava na época de enchente, eu passei muitas vezes de canoa, porque após a queda da ponte de ferro, que era uma ponte antiga, construíram durante o período da construção da outra ponte, que ainda hoje existe o que se chamava gaiola, que eram umas armações com dormentes e sobre aquelas armações de dormentes os trilhos. Então, ouve época em que vinha uma enchente, levavam os dormentes, ficavam só os trilhos balançando sobre o rio pregados nos dormentes, e eu passei nessas condições criança, sendo conduzido por uma pessoa maior. E quando o rio levava tudo, eu cheguei a passar de canoa.
P/1 – E era um rio de muito calado, muito largo?
R – Só na época da enchente.
P/1 – E como é que era essa escola? Conta um pouquinho para a gente.
R – A escola, claro, o primário em cada ano era só uma professora, eu comecei a estudar mesmo na cidade. Aliás, antes de entrar na escola, eu ainda tive duas professoras em períodos curtos, dessas de somente alfabetizar. Seria assim como se fosse uma substituição ao Jardim de Infância que não tínhamos, nem Maternal. Agora quando eu comecei mesmo, meu primeiro ano primário foi em 1965. Então, íamos pela manhã, estudávamos até 11 horas mais ou menos e na volta íamos a pé até o almoço, e a tarde era tarde livre para brincar e estudar.
P/1 – Me fala um pouquinho. Como é que eram essas brincadeiras? Você falou que você subia em árvore, andava a cavalo. Tinha alguma brincadeira típica de vocês? E com quem você brincava?
R – Eu não tive amigo de infância, porque simplesmente não tinha menino nas proximidades da minha casa, que as casas eram um pouco distantes e as mais próximas não tinham meninos, tinha meninas também. Então, eu brincava geralmente com as minhas irmãs mesmo, eu brincava sozinho, eu brincava muito de carrinho e andava muito a cavalo, acompanhava o meu pai, qualquer lugar que ele ia eu estava com o meu pai, eu era muito ligado a ele e ele muito ligado a mim. As meninas eram mais fáceis, porque elas brincavam entre si, mas as minhas brincadeiras eram essas mesmo de subir em árvore e de carrinho somente.
P/1 – E nadar no rio também?
R – Nadar, nadar, não sei se chegava a nadar, porque eu não sabia nadar, mas pelo menos tomar banho de rio, pular dentro da água.
P/1 – E me diz uma coisa Roberto, você falou um pouquinho das comidas de vocês no café da manhã. Como é que eram as comidas do almoço? Conta um pouquinho para mim.
R – Ah, no almoço é feijão, farinha de mandioca, que é uma coisa imprescindível na cozinha nordestina, peixes. Naquele tempo, uma curiosidade, bacalhau era comida de pobre, meu pai comprava bacalhau para alimentar os trabalhadores, as pessoas que trabalhavam na diária, na capina, na plantação, na colheita. Comia-se bacalhau, eu me lembro que havia bacalhau permanentemente lá em casa, porque era uma coisa barata. Comia-se as aves que se criavam em casa, as galinhas, patos, perus, o peru, não era uma coisa de ocasião festiva, era de vez em quando, no final de semana tinha peru. E eram galinhas com outro sabor, porque eram criadas livres, comendo grama, comendo ervas e comendo milho e restos de comida da gente.
P/1 – E aí, à tarde que horário que vocês faziam o dever? Você fazia à tarde?
R – Ah, geralmente se fazia à tarde, porque eu durante o primário todo eu só estudei pela manhã, eu nunca estudei à tarde.
P/1 – E tinha alguém na sua casa que te ajudava? Que te orientava quando você tinha dúvida?
R – Minhas irmãs mais velhas me ajudavam, me orientavam. Mas eram trabalhos fáceis, eu conseguia fazer todos facilmente.
P/1 – E me fala uma coisa, tinham festas? Que festas eram comemoradas na sua casa?
R – Geralmente as festas de fim de ano, as festas juninas, que eram talvez as que mais nos animavam porque havia fogueira, havia a comida típica que era milho assado, a pamonha, canjica, que não é a mesma canjica do Sul, a que nós comíamos aqui, se chama canjica no Nordeste, é o cural que chama no Sudeste, no Sul. Nas festas de fim de ano a gente ia para cidade assistir a missa e geralmente tinha alguma atração especial, vinham circos, tinha vaquejadas dentro da cidade, aquela corrida de cavalo para derrubar o boi. No mês de maio havia as novenas de maio também, com coroação no final do mês de maio, a festa do padroeiro de Pedro Velho que é no dia 13 de outubro, São Francisco de Assis. Outro distrito bem maior, porque já era arruado, já tinham ruas de casas, chamado Carnaúba, havia a festa da padroeira, que é Nossa Senhora da Guia, isso é no dia 15 agosto. Que eu me lembre, essas festas eram as que mais nos motivavam.
P/1 – E como é que se dava o teu, o ensino religioso na sua casa? Você chegou a fazer a Primeira Comunhão?
R – Sim, fazíamos Batizado, Primeira Comunhão, Crisma. Mas minha mãe e meu pai, assim, não eram pessoas de frequentar muito a igreja, talvez por isso eu não tenha essa ligação de sempre ir à igreja, de frequentar missas, mas somos católicos.
P/1 – Me conta um pouquinho agora a história de que, como é que se deu o seu primeiro contato com a carta? Conta um pouquinho.
R – Eu acredito que a minha primeira carta, as primeiras cartas que eu escrevi foram para a minha irmã, a minha irmã mais velha, Élione, porque ela, eu acho que com 18 anos ela foi morar em Natal.
P/1 – E você tinha quantos anos nessa época?
R – Eu devia ter de sete para oito anos, creio. Então, como diziam que eu tinha uma letra bonita, minhas professoras elogiavam, colegas invejavam, (risos) eu comecei a escrever as cartas para a minha irmã e outras pessoas da redondeza, que não sabiam ler, tinham filhos ausentes, geralmente eram filhos, me pediram também para escrever cartas. E foi aí acho que as primeiras cartas que eu escrevi.
P/1 – E você lembra quem eram esses vizinhos? Para quem é que eles correspondiam?
R – Eu me lembro de três, eu me lembro bem. Tinha uma senhora, dona Rita Augusta, casada com o senhor Pedro João de Oliveira, que vinha a ser parente nosso, eles tinham um filho em São Paulo e eu escrevia as cartas dos pais para ele, eu respondia as cartas que ele mandava. Geralmente, o senhor Pedro, ele sabia ler, eu acho que na casa dele havia uma pessoa, um filho que também sabia ler na ocasião, mas ele não sabia escrever, então, eu respondia. Relia a carta e respondia.
P/1 – E o que é que falava essas cartas?
R – Geralmente eram cartas para acusar recebimento de algum dinheiro que mandavam e contar notícias da família, falar sobre a saúde. Eram fórmulas assim muito simples, que não me custava nada escrever. Outra pessoa que me pedia era uma parenta nossa também, não me lembro do nome dela, mas a gente a conhecia por Nenê, Nenê Bernardo. Ela tinha um filho que tinha ido morar em Brasília, ainda na época da construção, um candango e quando, geralmente ele mandava dinheiro, ela respondia agradecendo. E tinha outra família, que não era de lá, essa gente veio morar numa casa próxima ao nosso sítio e esse senhor também me pedia muitas vezes para escrever cartas para, não sei se mais de um filho ou um, que também morava em São Paulo. Ele tinha filhos rapazes, mas eram todos analfabetos, eles não sabiam escrever e eu escrevia para eles.
P/1 – Então, geralmente eram correspondência entre filhos que tinham se mudado? Tinham migrado para outras cidades?
R – Era sim. Exatamente.
P/1 – E elas falavam basicamente dessa questão do cotidiano delas?
R – Assuntos pessoais, domésticos, cotidiano. Se a safra tinha sido boa, se havia nascido algum animal, se uma vaca tal que ele tinha deixado tinha dado cria, essas coisas. Não eram cartas contando sobre política, porque não eram pessoas ligadas a isso, eram pessoas que viviam naquela comunidade rural preocupada apenas com a sua vida pessoal, sua sobrevivência.
P/1 – E o que é que você recebia em troca por fazer essas cartas?
R – É, claro, eu nunca pedi, elas me gratificavam com um frango, assim para criar, uma galinha, bolo, uma comida especial que tinham feito em casa, por exemplo, um bolo, ou um biscoito, sequilhos. Que eu me lembre era isso, dinheiro não, nunca houve isso.
P/1 – E como é que era? A sua irmã foi estudar em Natal, ela foi fazer o que lá?
R – Não, ela foi trabalhar.
P/1 – Ah, ela foi trabalhar?
R – É, ela foi trabalhar.
P/1 – E ela foi trabalhar aonde?
R – Ela foi trabalhar, primeiro, ela eu acho que ela nunca chegou a trabalhar em comércio, essas coisas não. Porque ela costurava muito bem e ela foi trabalhar com uma senhora, costurando para uma boutique que essa senhora tinha. E ela costurava tão bem que uma época quando essa senhora teve que ir morar em São Paulo, o marido acho que foi fazer um curso de Doutorado, alguma coisa assim, ela foi, ela morou em São Paulo também.
P/1 – E como é que o nome dessa sua irmã?
R – Élione. Hoje ela mora no Rio.
P/1 – E como é que era essa troca? O que é que você falava para ela? Você escrevia para ela?
R – Eu escrevia para ela, em meu nome mesmo, cartinhas minhas e muitas vezes escrevia cartas que mamãe me pedia, embora mamãe escrevesse, tivesse uma letra muito bonita, mas ela não gostava de escrever, então, me passava esse encargo. Aí, geralmente também, eram as noticias de casa, saúde, produção, safras, o meu progresso na escola, essas coisas, até notícias de vizinho, era como se fosse uma crônica, diária eu não digo, mas mensal, semanal, daquilo que se passava no nosso universo.
P/1 – E tem alguma dessas cartas que te marcou? E por quê?
R – Das cartas familiares?
P/1 – Dessas cartas familiares que você escrevia nessa época, quando você era criança.
R – Não me lembro, assim, alguma que tenha me marcado. Agora, claro que o fato marcante da época, mas aí eu já estava com 14 anos, foi quando o meu pai morreu, porque aí com a morte de meu pai, se instaura uma nova forma vida na nossa família. Porque a gente tem que morar na cidade, a gente deixa aquela vida despreocupada do campo, despreocupada entre aspas, porque havia uma preocupação grande para nós crianças, que era a de se deslocar até a cidade, porque éramos crianças. E a gente cruzava com pessoas estranhas, não raro, quer dizer, cruzar com pessoas estranhas era mais raro, todo mundo se conhecia, mas quando a gente se encontrava com um estranho ou com um bando de cigano, aí era um terror, a gente ficava muito assustado. Porque se contava histórias sobre ciganos, de roubo, de sequestro de crianças, essas coisas, então a gente, quando ia por uma estrada muito deserta e de repente lá vinha um bando de cigano, a gente tinha que sair da estrada, procurar um lugar por dentro das lavouras para não ter aquele encontro.
P/1 – E me fala uma coisa Roberto, vamos pegar um pouquinho esse gancho já que você voltou para essa questão de ir para a escola. Vocês tinham uniforme nessa escola?
R – Tínhamos.
P/1 – E como é que iam? Vocês iam na época da chuva, como é que?
R – Ah, na época da chuva muitas vezes a gente nem ia, porque seria impossível. Mas a gente tinha uniforme. Nos primeiros anos, a gente podia até ir com a farda, mas podia ir de sandália, a vontade, não precisava necessariamente ser sapatos. Porque até a caminhada não era confortável você fazer com sapatos, caminhos de terra.
P/1 – E me diz uma coisa, como é que essas correspondências iam para essas pessoas? Tinha um carteiro que passava na região rural?
R – Não, a gente ia buscar na agência. No dia que o trem passava, porque nessa época ainda havia o trem, a mala postal vinha pelo trem. E que, aliás, era o dia mais esperado.
P/1 – E você lembra o dia que era da semana?
R – Me lembro, nas terças e nas quintas. Então, quando eu saía da escola, já passava na agência para perguntar se havia cartas. Aí, eu levava as cartas de casa e levava as dos vizinhos.
P/1 – E eles entregavam?
R – Tranquilamente. Até cartas registradas eu assinava e recebia.
P/1 – E o que mais vocês recebiam pelos Correios nessa época.
R – Encomendas, dinheiro, que na época não havia vale postal, era o dinheiro mesmo naquele envelope transparente. Dinheiro eu não sei se eu cheguei a receber, mas cartas registradas eu recebi. E como também as pessoas de lá do sítio aproveitavam a ida de qualquer uma pessoa, não somente a nossa, para levar essa correspondência. E no dia que havia a chegada da mala postal, na hora era uma solenidade, porque quando se ia abrir a mala já estava a agência apinhada de pessoas e ouvia a chamada, porque o funcionário tirava as cartas e ia chamando: “Fulano de tal”, vai dizendo o nome do destinatários, quem já estivesse na agência já pegava a carta na hora.
P/1 – Então ele pegava do trem aquele malote? Aquela caixa, já ia distribuindo.
R – Ia para a agência, abria e todo mundo já lá na maior ansiedade esperando. Então, ele já ia tirando o pacote das cartas e fazendo a chamada.
P/1 – Me fala uma coisa Roberto, tem um fato que você mencionou de que foi uma carta fora do ser círculo familiar, que foi uma foto dos astronautas do Apolo 11, com carimbo da NASA, que você pediu para o consulado, conta um pouquinho essa história para a gente.
R – Pois é, mas aí depois, só recentemente eu me lembrei que as primeiras cartas, que não foi só uma, foram mais, não sei quantas, mas não foi essa. Eu me lembrei, recentemente que antes dessa eu já escrevia para as emissoras de rádio, porque eu era criança e gostava muito de história, além daquelas que meu pai contava, eu ficava querendo conhecer outras, havia programas infantis com pessoas narrando histórias ou então com aquelas histórias em disquinhos. Contava essas histórias de fadas, de bichos, de monstros, monstros não, é também havia histórias de monstros, gigantes, geralmente era de gigantes, Joãozinho e Maria. Então, havia uma emissora de rádio em Natal que tinha um programa semanal de contação de história ou então de reprodução dessas histórias em disco e eu escrevi. Então antes da carta solicitando a foto dos astronautas, os primeiros que pisaram na Lua, eu escrevi essas cartas para as emissoras de rádio.
P/1 – E que tipo de história você pedia para eles contarem?
R – Eu não posso, assim, me lembrar porque são fatos muito antigos, mas geralmente eram essas histórias e Chapeuzinho Vermelho, Os Três Porquinhos, essas história que todo mundo conheceu, a Bela Adormecida.
P/1 – Essa que você mandou para o Consulado, conta para a gente como é que foi.
R – Essa porque foi o fato, na época lá na Zona Rural nós não tínhamos televisão. Mesmo na cidade eu me lembro somente de duas casas com televisão, preto e branco naturalmente. Agora rádio, as pessoas que tinham uma situação financeira melhor já possuíam há muito tempo. Então, a conquista da Lua talvez tenha sido o fato mais marcante, o que nos fazia imaginação ficar em ebulição de como o homem chegaria a Lua, muitas pessoas até hoje não acreditavam, imagina naquele tempo e na Zona Rural, então muitas pessoas achavam que aquilo era mentira. Bom, mas eu me lembro bem de muitas pessoas naquele dia, eu não me lembro exatamente o dia, mas eu sei que foi em 1969?
P/1 – É, acho que foi. Foi 69.
R – Eu me lembro, assim, que o meu pai suspendeu o trabalho no campo, todos os trabalhadores foram lá para a minha casa ouvir aquela narração do homem chegando a Lua. Então, eu tive essa informação que quem quisesse uma foto dos astronautas poderia escrever para um caixa postal e tal, que era no Rio de Janeiro, mas era o Consulado Americano, depois eu vim saber. Aí, recebi depois de algum tempo um envelope pardo, datilografado, o endereço datilografado com o carimbo da NASA e como a cidade era pequena, talvez, não sei quantas pessoas lá em Pedro Velho solicitaram essa foto, mas o fato é que mesmo pessoas que eu não conhecia depois vieram me perguntar: “Você é o menino que recebeu a foto dos astronautas?” Então, alguém nos Correios vazou a informação, “Chegou uma foto dos astronautas para o menino lá da Corte”.
P/1 – Me fala uma coisa, nesse período ainda que você morava na Zona Rural e que você frequentava essa escola, qual é que eram as matérias que você gostava mais?
R – Eu gostava de todas, gostava muito de História, eu lia todos os livros antes de começar as aulas, exceto Matemática. Mas os de Geografia, eu acho que era Estudos Sociais, que incluía História e Geografia eu creio, eu lia todos os textos e eu guardava tudo aquilo, de modo que quando eu começava a estudar eu já sabia tudo. Sobretudo o livro de Português, o livro de leitura que a gente chamava, eu já tinha lido todos antes de começar as aulas.
P/1 – E você lembra do primeiro livro de Literatura que você leu? Qual era o nome?
R – Eu ainda tenho esse livro. É um livro infantil, uma amiga de minha irmã, que sabia que eu gostava muito de estudar mandou de presente para mim, “Meu Amigo Lobo”. É uma história que se passa no Polo Norte, de uma noite de Natal, eu acho que é, eu acho que é “Meu Amigo Lobo”, não sei a autora, mas é um nome japonês. É uma tradução da Editora Agir. Uma edição de 1964. É a história de esquimós, os pais numa noite de Natal, eles vão para o vilarejo e deixam as crianças no iglu, na casinha de gelo e lá para as tantas eles ouvem um barulho na porta e quando vão abrir quem está lá? Um lobo e as criancinhas todas de olhinhos fechados, com um gorrinho de pele na cabeça, elas se assustam quando veem aquele lobo, mas só que o lobo é o lobinho amigo que vem aquecê-las do frio. Foi essa a primeira história que eu li.
P/1 – E nessa fase, assim, do primeiro grau, agora, teve algum professor que te marcou? Que te incentivou para a leitura? Como é que se deu esse incentivo para a leitura?
R – É curioso, eu vou dizer uma coisa que pode ser algo insólito e pode parecer cruel, eu talvez tenha tido admiração de professores, mas não tive estímulo de professor nesta fase. Hoje eu tenho essa compreensão. E eu estou aqui para falar a verdade, eu não quero fantasiar nada e creio que o objetivo de vocês é ouvir histórias de vida, então a história de vida implica a verdade sobre a vida da pessoa. Essa compreensão só muito tempo depois, e é coisa que eu tenho pensado recentemente, eu creio até que havia ressentimento de alguns professores em relação a minha capacidade de aprender, parece estranho isso, mas eu vou explicar por que. Eu era um menino da Zona Rural, é incrível, mas essas pessoas, pelo menos os professores que eu tive, não sei se eles achavam que eu era um concorrente para muitas vezes o filho ou sobrinhos deles, que estudavam na mesma turma que eu estudava. Mas eu nunca tive o estímulo de professor, entendeu? É incrível isso, eu tive da família, o meu pai, que era um homem analfabeto, ele não chegou a estudar, minha mãe era alfabetizada, mas o meu pai não era. O meu pai se sentia muito feliz com os meus estudos, ele estimulava, a minha mãe também, minhas irmãs, mas professores não. Ainda hoje existe esse preconceito contra os meninos da Zona Rural lá, eu sei disso, porque até a bem pouco tempo uma prima minha, que chegou a me ensinar somente uma disciplina, quer dizer, só uma matéria, Matemática porque eu tinha muita dificuldade em contas de divisão, sobretudo com dois algarismos e ela foi quem me ensinou, eu ia para a casa dela somente para ela me ensinar isso. Mas ela foi professora e ela contou há pouco tempo que quando ela tinha a escola e havia um aniversário de uma criança da cidade, a criança da Zona Rural, que estudava lá na mesma turminha era discriminada, muitas vezes não era convidada para a festa.
P/1 – E me diz uma coisa, você ficou nessa escola morando na Zona Rural até os 13, 14 anos quando o seu pai veio a falecer?
R – Não. Eu concluí o primário na cidade, morando ainda na Zona Rural. Passei um ano sem estudar, porque não havia ginásio na cidade, eu concluí em 1969, em 1970 eu não estudei porque não tinha ginásio em Pedro Velho. Só em 1971, no final de 1970 eu fiz o exame de admissão concorrendo com muitos desses coleguinhas que eu tive no primário e eu fui aprovado, aí, comecei a fazer o ginasial em 1971 em Canguaretama, que é uma cidade a 14 quilômetros de Pedro Velho. Lá eu não notei nem um ranço de preconceito nem por eu ser de outra cidade, nem por ser de Zona Rural, nem coisa nenhuma, eu fui tratado como igual. Então, fiz o exame de admissão, passei um ano sem estudar, mas fiz o exame de admissão, fui aprovado. Aí comecei o ginasial em 1971, só que nas férias do meio do ano, o meu pai morreu, aí eu concluí ainda esse ano e no ano seguinte, 1972, a minha mãe resolveu morar em Canguaretama, onde eu já estudava, porque lá morava um tio nosso, irmão dela e ele estimulou muito a minha mãe e hoje, na época eu nem entendi, assim, achei uma temeridade ir com a família para a cidade, não tinha trabalho lá, mas ela corajosamente foi e foi o passo mais certo que ela deu. Então, eu concluí o ginasial em Canguaretama e nessa época do ginásio eu já comecei, então, a dar aulas particulares, aulas de reforço a algumas crianças da vizinhança e depois eu substituí uma professora que foi estudar em Natal, ela era uma professora primária e eu fiquei no lugar dessa professora, concluindo um período dela.
P/1 – Vamos voltar um pouquinho, esse ano que você ficou, que foi em 1970, que você ficou sem estudar, o que é que você ficou fazendo?
R – Lendo. (risos) Quase todos os dias eu mandava um bilhete para a diretora da escola, que tinha sido minha professora, solicitando um livrinho da biblioteca. Havia em cada sala de aula uma estante com alguma coleçãozinha básica de livros infantis, eu devo ter lido todos, porque a minha irmã levava um bilhetinho e eu solicitava um livro emprestado, a diretora mandava aquele livrinho, eu lia e devolvia. E acompanhando o meu pai, não trabalhando necessariamente, assim, eu fazia um trabalho mais leve, colher milho, ajudava sempre em alguma coisa, se ele ia, ele usava uma expressão que eu depois encontrei em textos de autores daqui do Nordeste, quando ele ia dar uma corra, corra era fazer assim uma inspeção na propriedade para ver se estava tudo em ordem, se o gado estava pastando no lugar certo, se não tinha arrombado a cerca que dividia a propriedade dele com a de um vizinho para ir comer a lavoura do vizinho. Então, quando ele ia dar uma corra, eu acompanhava. Então, eu ficava acompanhando meu pai.
P/1 – Sua irmã que levava os bilhetinhos para a cidade? Por quê?
R – Porque ela estudava, ela é mais nova do que eu, dois anos, Edinalva.
P/1 – E me diz uma coisa, quando você passou na admissão, que você foi estudar na outra cidade, esse ano que você ficou lá, como é que você ia para a escola todo dia? Ou você ficou morando lá?
R – No final da tarde, eu já jantava muito cedo, ia para a cidade, lá eu trocava de roupa e ficava na casa da amiga de minha mãe. Essa senhora, ela tinha um ateliê de costura, numa casa anexa a casa em que ela morava. Então, eu na volta, eu pegava um transporte que era um caminhão com bancos, coberto com lona e todos os meninos da cidade, todos os rapazes e moças iam estudar na cidade vizinha, os que estudavam no ginásio. Tinha de diferentes idades, porque tinha gente já concluindo o ginasial e naquele tempo as pessoas estudavam o ginasial e já com 20 anos, nessa fase e tinha os mais novos de 14, 15 anos. Então, a Prefeitura fornecia esse caminhão que nos levava para Canguaretama, às 22 horas quando, era noite, às 22 horas quando as aulas acabavam a gente fazia o caminho de volta, aí eu ficava dormindo no ateliê de costura dessa amiga da minha mãe e no dia seguinte eu voltava para a minha casa no sítio.
P/1 – E me fala uma coisa, nessa época você estava na pré-adolescência e tal, quem eram os seus amigos? E como é que era essa escola?
R – Aí nessa altura eu já tinha, no ginásio realmente eu fui fazer amigos, ainda hoje eu tenho amigos de ginásio. Do primário eu tenho alguns, geralmente também da Zona Rural. Mas no ginásio é que eu realmente eu vou fazer amigos, que ainda são amigos meus até hoje.
P/1 – E como é que era essa escola do ginásio? Teve algum professor que te marcou?
R – Sim, claro.
P/1 – Como é que era a rotina? Você nos contou que você estudava a noite, e dormia na cidade próxima, depois ia durante o dia para sua casa. Mas vocês tinham alguma, final de semana o que é que vocês faziam? Se você tinha alguma atividade com esses jovens, alguma diversão, como é que era?
R – Só quando eu já estava morando na cidade. Eu me lembro que teve uma época que o irmão da minha professora de Português do ginásio, que foi professora durante os quatro anos do curso ginasial e essa pessoa, essa me estimulava muito.
P/1 – Ela era professora?
R – De Português. Eu tinha sempre boas notas e o meu relacionamento com ela era um relacionamento muito bom, então, o irmão dela que morava em Recife, ele criou lá em Canguaretama o Rotaract, que era assim uma espécie de Rotary para crianças e a gente tinha umas reuniões, durante um tempo a nossa vida se movimentou em torno disso. Mas aí também como Canguaretama era uma cidade na época cercada por muitas chácaras, muitos sítios, eu ia muitas vezes buscar frutas, ou passar umas horas nesses sítios desses amigos meus de ginásio, desses colegas meus de ginásio.
P/1 – Você nos contou, eu vou voltar um pouquinho, que quando o seu pai veio a falecer, ele faleceu do que?
R – Um câncer.
P/1 – Ele teve câncer?
R – Ele teve um câncer de próstata, não havia assim aquele cuidado, se tinha dificuldade de urinar, “Ah, é o problema de uretra”, e toma-se um chá, uma coisa. Então, quando ele despertou para a gravidade da situação, já era no estágio irreversível.
P/1 – Ele tinha quantos anos?
R – 57, ia fazer 58.
P/1 – E aí, vocês mudaram para a cidade, você nos contou que o irmão da sua mãe incentivou muito a sua mãe para que vocês fossem para a cidade. Como é que ficou essa relação com o sítio? Alguém ficou tomando conta do sítio? E como é que vocês sobreviveram na cidade?
R – Exato. Logo depois que a gente foi morar na cidade, foi morar lá no nosso sítio, um senhor apenas para olhar, tomar conta das coisas, ele podia cultivar a terra, mas a produção de frutas, ainda tinha lavouras, que eram de minha mãe, isso aí era nosso. Então, eu que ficava indo de vez em quando com a minha mãe lá, trazia frutas, trazia os tubérculos, macaxeira, inhame, batata doce, essas coisas para a nossa alimentação. E depois mamãe arrendou esse sítio e era um complemento para a nossa renda familiar. As minhas irmãs depois da morte do meu pai, duas irmãs minhas foram morar no Rio de Janeiro, foram trabalhar e era com essa colaboração das minhas irmãs, o que o sítio rendia que ia dando para a gente se sustentar.
P/1 – E aí você morou nessa cidade por quanto tempo?
R – Eu morei somente do início de 72, que era o meu segundo ano ginasial, até 1974 quando eu concluí o ginásio. Em 75 eu fui morar em Natal e desde então eu vivo lá.
P/1 – E esse tempo que você, como é que era essa casa que você morava nessa cidade, como é o nome da cidade mesmo?
R – Em Canguaretama.
P/1 – Canguaretama. Como é que era essa casa? Ela era maior que a sua casa do sítio?
R – Não, era bem menor. Mas era uma casa com três quartos, mas era uma casa bem menor. Porque a casa do sítio era enorme, a sala era quase isso aqui tudo. (risos)
P/1 – E me diz uma coisa, você falou que nessa época você começou dar aulas particulares, de reforço. E você cobrava por isso?
R – Ah, isso aí sim. Não tinha um critério assim, porque eu não sabia nem avaliar, mas qualquer ajuda naquela situação já complementava a renda familiar.
P/1 – E você dava aula do que? Aula particular de que?
R – De tudo, de Matemática, porque eram de crianças do primário. Matemática, Português e, geralmente era Matemática e Português, era o básico.
P/1 – E como é que você supria essa sua ânsia e essa vontade sua de ler? Você ia às bibliotecas?
R – Aí, era difícil porque não havia biblioteca pública e eu tinha uma carência muito grande de ler. Interessante que eu nunca tive assim muito, não sei se é porque não me foi dada a oportunidade de ter o contato, mas como você viu, eu ouvia histórias, a literatura oral, mas não tive contato com o gibi nessa fase, que é a fase em que naturalmente toda criança tem. E havia nessa cidade, em Canguaretama, um senhor que era compadre de meu pai, era uma pessoa, um cientista lá em Canguaretama, senhor Romualdo e ele era um proprietário rural dentro de cidade quase, porque ele tinha um sítio enorme, era quase uma fazenda dentro da cidade. Ele era o dono, antes de chegar a energia, que a gente chamava “Energia de Paulo Afonso”, a energia elétrica, ele tinha um motor que fornecia a energia para a cidade, ele foi homem de muitas posses, mas era um homem muito avarento, guardava dinheiro em casa, depois eu soube que ele perdeu muito dinheiro, porque mudava a moeda, o dinheiro dele não valia mais. Tinha um medo terrível de que o banco se apropriasse do dinheiro, ele também acabava perdendo tudo. Bom, mas o que importa contar é o seguinte, ele não tinha uma biblioteca em casa, mas ele era um homem que tinha muita experiência de vida, eu adorava conversar com ele, eu quase todas as tardes ia, na época devia estar com 15 anos para 16, eu ia, ficava na calçada conversando com ele, ele conversava pouco, mas quando ele conversava eu achava ótimo. Então, ele me contava histórias sobre a vida dele e ele era filho de italianos e eu notei uma vez uma pilha de livros assim na casa dele e fiquei super alvoroçado, muito excitado, só que eram todos Almanaques do Pensamento. (risos) Mas para quem não tinha o que ler, aí, eu ficava pedindo emprestado esses almanaques, portanto eu tive uma cultura de almanaque em certa época. Então, mas tinha coisas interessantes e tem um fato curioso, que certa vez, eu acho que a primeira vez que eu levei esses almanaques emprestados, assim que eu cheguei em casa, eu estava tomando um banho, minha irmã disse: “Senhor Romualdo está aqui lhe chamando”. Eu fiquei muito surpreso com aquela visita, porque é que senhor Romualdo iria a minha casa. Estava ele lá, com o seu inseparável guarda-chuva, ele andava chovesse ou fizesse sol com o guarda-chuva, queria ver os almanaques, porque ele disse que muitas vezes guardava dinheiro no almanaque e podia ser que em alguns dos exemplares que eu tinha levado emprestado tivesse dinheiro e ele teve cuidado de olhar almanaque por almanaque, eu acho que eram uns cinco, para ver se havia dinheiro. (risos) Mas aí nessa fase também, dessa carência não satisfeita de leituras, além dos livros didáticos, esse mesmo irmão da minha professora de Português, o Luciano Bezerra, ele espontaneamente, eu acho que a irmã talvez tenha dito que eu gostava de ler, alguma coisa assim, ele me emprestou dois livros que foram os primeiros clássicos que eu li em minha vida.
P/1 – Que foram?
R – Que foram As Aventuras de Mr. Pickwick, de Charles Dickens e Os Irmãos Karamazov, de Dostoievski. Foram os primeiros grandes livros que eu li ainda no ginásio e que não entendi. Mas eu adorei o enredo e isso é o que era essencial para mim naquela ocasião, não estava preocupado com análise literária, filosófica, linguística, nem coisa nenhuma. O que me interessava era o prazer da leitura.
P/1 – E você nessa época, você continuava escrevendo cartas?
R – Sim. Aí, nesse período do ginásio foi quando eu tive a ousadia de escrever a primeira carta para Luís da Câmara Cascudo.
P/1 – E como é que se deu isso? Conta para a gente.
R – Um colega nosso do primeiro ano ginasial, logo no segundo ele saiu lá de Canguaretama e veio estudar numa escola que tinha sido inaugurada em Natal, na época, assim, era uma escola onde todo mundo gostaria de estudar, para fazer na época o ginásio, que era uma escola polivalente. Então, ele foi estudar nessa escola e havia lá uma biblioteca muito boa. E um dia, ele indo passar o final de semana em Canguaretama, levou vários exemplares de livros dessa biblioteca para me emprestar. Eu me lembro bem que tinha A Bagaceira, de José Américo de Almeida, Menino de Engenho, de José do Lins Rego, Meu Pé de Laranja Lima, de José Mauro de Vasconcelos, O Diário Completo de Lúcio Cardoso e um exemplar de uma edição especial do Jornal Província editado pela Fundação José Augusto de Natal, que corresponde a uma Secretaria de Cultura. Esse número especial da revista Província era toda dedicada a Luís da Câmara Cascudo, porque tinha sido, eu acho, que deve ter sido publicado em 68, que foi o ano do cinquentenário de vida intelectual dele. Aí, havia textos de Drummond, textos de Múcio Leão, textos de Afonso Arinos, de todos os grandes nomes da Literatura Brasileira, tinha textos lá em homenagem à Câmara Cascudo. Tinha textos do próprio Cascudo, texto autobiográfico, que foi quando eu vim conhecer mais sobre a vida dele e tinha o endereço dele, porque havia a reprodução de um envelope de uma carta dirigida a ele e nessa carta tinha o desenho da casa dele com o endereço. Aí, então eu aproveitei e retirei o endereço dele, copiei e escrevi uma cartinha para ele, dizendo da minha admiração, claro, que na época não tinha tanto os livros, tinha lido textos, espaços e tinha lido esses textos dessa revista sobre ele. Então, manifestei o meu desejo de o conhecer pessoalmente e ele me respondeu. Eu acho que vou encontrar aqui um envelope desses para ilustrar, olhe só, ele usava esse envelope aqui na correspondência dele durante algum tempo.
P/1 – Ah, aí ele punha a fotografia da casa, é uma litogravura.
R – É, exato. É, um desenho de Francisco Xavier. Ele teve um correspondente em Angola que era um artista plástico e esse cara teve o requinte de desenhar Cascudo, fez assim uma caricatura de Câmara Cascudo e mandou para Cascudo. E Cascudo, ele simplesmente mandava a carta somente com a caricatura de Cascudo e Natal, RN. E chegava a casa de Cascudo.
P/1 – E conta um pouquinho, então, aí você entrou em contato com ele e mandou essa carta e o que é que ele respondeu nessa carta?
R – Ah, essa carta está aqui, é um cartão muito sucinto, é esta aqui.
P/1 – Lê para a gente o que é que ele respondeu.
R – É um cartão com uma reprodução, é uma foto da biblioteca pública que tem o nome dele, Biblioteca Pública Câmara Cascudo e ele escreveu o seguinte: “Roberto Silva, dez de julho de 1973. Sendo surdo, não uso de telefone, consequentemente ignore o número do meu, está na lista. Muita alegria em vê-lo qualquer dia na parte da tarde e creia quanto me emocionou sua afetuosa carta. Deus o abençoe. Cordialmente, Câmara Cascudo”. Porque eu na carta solicitava o número do telefone, que era para um dia agendar uma visita.
P/1 – E me diz uma coisa e, aí, você ficou se correspondendo com ele ou não?
R – Não, ele não me escrevia, mas eu escrevia de vez em quando que era para lembrar, que eu não tinha ido, mas iria, porque não era tão fácil assim, eu tinha que aproveitar uma ocasião que a minha mãe fosse a Natal fazer compras, que geralmente ela ia comprar roupas para a gente, ou fazer uma consulta médica. Não era uma visita somente para fazer um passeio, tinha que ter um, era uma viagem utilitária. Então, numa dessas ocasiões, aliás, eu acho que quando eu fui, eu acabei indo sozinho, porque tinha outra minha irmã que já estava casada morando em Natal, eu aproveitei, eu acho que ela já estava casada e eu fui e, enfim, liguei e combinei a hora. Ele só recebia na parte da tarde, na casa dele tinha uma placa ao lado esquerdo da porta dizendo: “O professor Câmara Cascudo não recebe pela manhã”. Era exatamente, porque Cascudo trabalhava quase a noite inteira, ele escrevia a noite, então, ele dormia durante toda a manhã, quando ele acordava já era a hora do almoço. Então, por isso já havia aquela placa porque se alguma pessoa desavisada subisse as escadarias, porque o portão era aberto, era só encostadinho ali, mas qualquer pessoa chegava, empurrava, naquele tempo. Então subia, mas quando fosse tocar a campainha já via que ele não recebia pela manhã, para não insistir.
P/1 – E como é que foi sua primeira visita? Conta essa primeira visita? Como era a casa dele? Conta como é que foi esse contato.
R – Claro que a primeira visita é alguma coisa que nos deixa, na idade que eu tinha conhecer aquela pessoa famosa, porque eu nunca tive esse fascínio por artistas, cantores, mas por escritores eu sempre desejei me aproximar, conhecer, talvez seja assim uma tolice. Eu já vi escritores mesmo aconselhando, o escritor é bom que você conheça só o texto, porque muitas vezes se decepciona. O próprio Cascudo neste livro aqui tem um texto que nunca saiu em livro nenhum, mas como ele mandou o original para o amigo João Lira Filho e estava junto da correspondência, eu incluí como um anexo, que ele fala exatamente disso: “O estilo não é o homem”, porque Sêneca é quem disse, Bifon retoma essa ideia, mas ele dizia que o estilo não é o homem. Quando ele diz que o estilo não é o homem, é exatamente para distinguir entre o criador e a sua vida pessoal, o seu relacionamento com as pessoas. Ele, por exemplo, fala de poetas que eram muito melífluos nas suas poesias, mas que maltratava as mulheres. Eu pelo menos já conheci pessoas assim que são na sua obra revelam um lado, mas se você se aproxima, você conhece outro. Bom, mas voltando a sua pergunta. Então, o meu desejo era conhecê-lo, então, depois de ter marcado a visita, dona Dália já se lembrava de quem se tratava, aí cheguei lá, toquei a campainha, fui recebido por uma das empregadas dele que me levou até uma varanda muito florida na lateral da casa. O que havia nessa varanda eram flores e pássaros, porque dona Dália, ela tinha um fascínio por aves e ela tinha uma coleção de canários que era uma maravilha, ela cuidava daqueles canários em gaiolas enormes e muitas flores. Bom, lá chegando já estava Cascudo com visitas, nesse dia eu me lembro bem era Dorotéia, a moça se chamava Dorotéia, olha que era um nome literário, filha do poeta paranaense Eno Teodoro Wanke. Bom, aí fiquei naquele grupo, me apresentei, ele estava fumando o seu inseparável charuto. Quando se ia à casa de Cascudo no primeiro degrau você já sabia se ele estava acordado e se estava na sala, porque você já sentia o cheiro do charuto. E quando você se aproximava dele era o cheiro da alfazema. Cascudo, ele era supersticioso e eu sei que ele usava essa alfazema porque eu acredito, que foi dona Dália quem me contou, era exatamente para afastar mal olhados. (risos) Então, ele estava lá naquele papo, aí me recebeu com muita efusão, com muito carinho e depois de ter conversado, de ter retomado a conversa que ele estava tendo com essa visita, ele nos levou para conhecer a casa, que era um verdadeiro museu, porque havia lá quadros de artistas famosos que haviam dedicado a ele, foto de todas essas personalidades com quem ele havia se correspondido, membros da família Imperial, Monteiro Lobato que foi um dos primeiros editores dele e personalidades da política. E nas paredes da casa dele, não sei se você sabe esse pormenor, há inúmeros autógrafos de todas as pessoas importantes que o visitavam, depois que a casa se transformou em museu, muito recentemente é que eu vi, eu já sabia que havia porque os poucos espaços livres por conta das estantes de seus livros que ocupavam quase tudo, os poucos espaços livres, a gente podia ver alguns autógrafos com a data da visita, muitos autógrafos com uma pequena mensagem, com a impressão daquela visita. Então, eu sabia porque eu tinha visto alguns, agora depois que a casa se transformou em museu, nos últimos anos, que foram retiradas todas as estantes, é que se tem uma visão completa desses autógrafos. E é impressionante porque eu encontrei depois disso, autógrafos de pessoas que eu jamais imaginei que tivessem passado em Natal.
P/1 – Quem, por exemplo?
R – Escritores portugueses, pesquisadores americanos. Portugueses, por exemplo, eu encontrei de Vitorino Nemésio e de brasileiros tem de quase todo mundo importante lá, Ary Barroso tem até uma partitura lá, um trechinho de uma partitura de Ary Barroso.
P/1 – Roberto me diz uma coisa, você lembra o que vocês conversaram nesse primeiro contato ou não?
R – Olha, ele perguntou sobre mim, sobre o que era que eu estudava. Embora na carta, eu já tenha feito uma carta que eu jamais escreveria de novo, aquelas fórmulas, assim, muito ingênuas e me dirigir a uma pessoa assim, com formalidade. Mas enfim, eu não falei muito porque além de ser ele quem era, havia outras pessoas, então, eu fiquei muito retraído, não falei muito. Nas outras visitas, sim, aí eu perguntava coisas. Aliás, um registro, ele já era surdo há muitos anos, porque eu encontrei na correspondência dele para Almirante, o radialista, ator, compositor, nos anos 50, comecinho dos anos 60, ele já reclamando de problemas de surdez. Então, a surdez dele já o havia atacado há muito tempo. Então, quando eu fui a casa dele foi em 74, ele já estava muito surdo, mas ele ainda usava um aparelhinho de audição, depois ele abandonou em definitivo, aí a comunicação era escrita, a gente fazia um bilhetinho e ele respondia. Então, nas visitas posteriores e foram inúmeras, eu já ousava perguntar coisas.
P/1 – E o que é que você perguntava para ele?
R – Coisas relacionadas a folclore ou a livro dele, ou sobre pessoas mencionadas em livros dele ou fatos que não tinham ficado claros para mim, que não tinha uma cultura tão vasta.
P/1 – E me diz uma coisa, quem morava com ele na casa?
R – Na época morava ele, claro, a mulher dele, dona Dália, havia duas empregadas, uma dessas foi cria do avô dele. Quando Mário de Andrade passou em Natal, essa menina já morava com eles, porque Mário de Andrade chegou a fotografá-la. Há em livros como, por exemplo, a correspondência que Marcos Antônio de Moraes da USP organizou de Câmara Cascudo e Mário de Andrade, tem fotos que Mário fez e eu reconheci que uma das pessoas fotografadas é a Anália, essa sim foi uma pessoa que o acompanhou a vida inteira, ela só saiu de lá quando ele morreu e ela já estava muito velhinha. Então, havia além do casal, a Anália e Francisca, que eram duas empregadas e haviam aquelas que eventualmente iam fazer algum serviço, mas morava em um apartamento anexo, a filha dele, Ana Maria, o marido, Camilo e os três filhos: Daliana, Nilton e Camila. Eles só saíram de lá também, depois, um pouco antes de Cascudo morrer é que eles saíram.
P/1 – E me fala uma coisa, como é que a sua relação com ele foi se aprofundando? Então assim, eu queria que você fazendo um...
R – Eu creio que assim, como eu lia os livros dele e ficava comprando em sebos, eu tinha um colega de trabalho nos Correios, porque a essa altura eu já estava trabalhando nos Correios, que gosta muito de ler e comprava muitos livros, mas ele ficava repassando. Então, quando ele descobriu a minha curiosidade intelectual, o meu interesse pela leitura, ele me trazia de vez em quando um livro e entre esses livros, que ele me trazia para me vender, ele trouxe muitos de Câmara Cascudo. Então, eu aproveitava, ia a casa dele, pedia que ele autografasse. Em geral eu chegava lá com um livro, ele ficava admirado: “Onde é que você conseguiu isso?” Porque eram livros esgotados. A ponto de uma certa ocasião eu passar lá à tarde, não para falar com ele, mas é porque uma época eu levei a correspondência dele para os Correios, eu me ofereci para levar, porque eu via muitas vezes a Anália, que já era uma pessoa idosa, fragilizada, fazendo um percurso longo para chegar até a agência do Correios para deixar a correspondência, aí eu perguntei se ela não gostaria que, dona Dália, a esposa de Cascudo: “A senhora não gostaria que eu levasse a correspondência? É porque eu trabalho exatamente no setor de onde as cartas saem”, que era o Centro de Triagem. Aí, ela ficou maravilhada, disse: “Claro que pode levar”, aí eu já levava as cartas seladas. Bom, então muitas vezes eu passava lá para pegar a correspondência, não era necessariamente para vê-lo, mas em uma dessas ocasiões, dona Dália disse: “Luís pediu que avisasse você que ele está querendo falar”. Aí, eu fui, ele queria saber se entre aqueles livros raros dele, porque na época eles não estavam sendo reeditados, só eu creio que a partir dos anos 80, a Editora Itatiaia de Belo Horizonte em convênio com a USP, começou a reeditar muitos desses livros importantes dele, dos básicos, dos essenciais vamos dizer assim. Então, ele estava querendo saber se eu tinha um exemplar de “Vaqueiros e Cantadores” para emprestar. Porque ele estava querendo tirar cópia de algum capítulo, alguma coisa desse livro e eu disse que esse eu ainda não tinha, de fato eu só vim conseguir muito tempo depois. Então, eu ia muito lá para que ele autografasse meus livros.
P/1 – E essas correspondências que eles escreviam, que esse fluxo de correspondência, para quem é que eles escreviam?
R – Ele escrevia para intelectuais como ele do Brasil e do exterior. Bom, os correspondentes deles eram intelectuais, editoras e instituições culturais. E desses correspondentes dele, com esses correspondentes, muitos deles eu tive contato também. Eu logo nas primeiras vezes que eu fui à casa dele, eu pedi o endereço de Jorge Amado, de Raquel de Queiroz e Érico Veríssimo, que eram escritores que eu lia e de cujos livros eu gostava muito. Então, ele me deu o endereço de alguns desses escritores.
P/1 – E você mandou carta para esses?
R – Mandei para Jorge Amado, que me respondeu, que me mandou livros autografados, Érico Veríssimo nunca me respondeu, Raquel de Queiroz também nunca me respondeu. Mas a maioria respondeu e hoje, assim para não esquecer, eu tinha até feito uma listinha dos que eu me lembrei, aí um pouco antes de vocês chegarem, eu estava vendo aqui, contei 53 pessoas desses grandes nomes da Literatura Brasileira com quem eu cheguei a trocar cartas, não muitas, mas cheguei a trocar algumas e de quem eu recebi livros autografados.
P/1 – Olha, que interessante. E desses, cita alguns nomes. Cita alguns desses nomes aí desses 53.
R – Olha, eu vou citar aqueles com quem eu tive uma correspondência um pouco mais vasta, por exemplo, o pernambucano Joaquim Inojosa, que foi o grande divulgador nos anos 20, logo depois da Semana de Arte Moderna, das ideias modernistas, do credo modernista. Joaquim Inojosa teve uma importância muito grande na divulgação do Modernismo aqui no Nordeste, porque ele participou de um congresso de estudantes de Direito, ele ainda era estudante de Direito aqui na Faculdade de Direito do Recife, quando ele participa de um congresso de estudantes em São Paulo, lá ele se encontra com os grandes do Modernismo, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia, essa gente toda e, quando ele volta, ele divulga essas ideias por aqui, pelo Nordeste. Inclusive, como ele utiliza essa expressão: “Arrebanhando Câmara Cascudo para o grupo”. Então, Inojosa, eu cheguei a ter uma correspondência muito longa com ele, na primeira vez que eu fui ao Rio de Janeiro ele foi me buscar na casa da minha irmã para um almoço e a gente continuou e o meu último encontro foi em Natal poucos anos antes dele morrer, ele passou em Natal, fez palestras, eu não pude assistir as palestras, porque na época coincidia com horário de trabalho meu, eu era professor e fui vê-lo no hotel onde ele estava. Então, Inojosa...
P/1 – Deixa eu só, desculpa. Você se correspondia o que? O que é que você perguntava para ele nas cartas? O que vocês falavam nessas cartas?
R – Interessante, parece que eles tinham muito mais curiosidade em me perguntar do que eu perguntar a eles. Primeiro eles queriam saber como era minha vida, com alguns eu comecei a corresponder ainda em Canguaretama, enquanto eu ainda era estudante ginasial. Então, eles queriam saber como era Canguaretama, o que era que eu fazia em Canguaretama, o que é que eu pretendia ser. Eram essas coisas mesmo. E davam informação, assim, eu pedia informações sobre livros, às vezes eram livros que eles tinham publicado, mas já estavam esgotados, eram assuntos de literatura.
P/1 – E me diz uma coisa Roberto, essa sua primeira visita à casa de Cascudo se deu quando você estava morando ainda em Canguaretama?
R – Em Canguaretama ainda.
P/1 – E você quando terminou o ginásio, você foi morar em Natal, é isso?
R – Logo no ano seguinte eu fui morar. O ano seguinte a minha visita à Cascudo, já é o ano em que eu vou morar em Natal, 1975.
P/1 – E você mudou para Natal por quê?
R – Para estudar.
P/1 – E, aí, você foi fazer o que lá?
R – Aí, eu fui fazer o ensino que na época se chamava colegial, fiz no ano seguinte um curso do Senac de Auxiliar de Escritório, mas aí, antes de sair de Canguaretama, uma pessoa que teve, que tem, porque ele já faleceu, mas o que ele fez por mim é uma coisa que é permanente. Lá em Canguaretama havia um industrial, tinha salinas, ele fabricava sal e esse senhor sem que eu pedisse me ofereceu um trabalho.
P/1 – E aonde era esse trabalho?
R – No escritório da indústria salineira dele, senhor Juarez Rabelo, ele era pernambucano, filho de portugueses, tinha ido morar lá para gerenciar uma salina de um industrial aqui de Pernambuco de ascendência francesa, mas eu não me lembro o nome dele agora. E, não sei por que, nem como ele tomou conhecimento de mim. E uma vez ele me mandou o recado dizendo que queria me conhecer, aí, perguntou se eu queria trabalhar com ele, eu disse que sim. E depois eu notei que ele não precisava do meu trabalho, ele queria me ajudar só. Então, eu fiquei durante o tempo em que eu morei, algum tempo em que eu morei em Canguaretama eu trabalhava no escritório dele e muitas vezes quando ele ia a Natal, eu ia com ele para ajuda-lo em questões de banco, eles estava fazendo alguma coisa, naquela época não tinha nada informatizado, então, eu ia ao banco com o bilhetinho dele: “Fulano de tal, peço a fineza de informar o saldo da minha conta tal, tal”, aí ia em outro banco, fazia essas coisas. Comprar alguma coisa para ele, fazer algum contato em escritório de advogados, essas coisas. Até quando eu comecei trabalhar nos Correios, quando eu fiz o concurso, em 76, este senhor me manteve, como diria Machado de Assis: “Ao pé de si”, com o intuito mais de ajudar a mim do que eu ajudar a ele.
P/1 – E quando você vai a Natal para continuar o ginásio, você foi morar com quem?
R – Fui morar com o meu irmão, ele já era casado, aí passei a morar com o meu irmão. Morei com ele até 1980, quando a minha mãe vai morar em Natal. Eu comprei uma casa e a família toda foi morar em Natal.
P/1 – Vamos voltar um pouquinho. Você prestou concurso para entrar nos Correios por quê?
R – Precisava trabalhar. Aí, houve um concurso para os Correios em 1976 e em junho, eu acredito que no mês de junho de 76 ou maio, alguma coisa assim, eu comecei a trabalhar nos Correios. Trabalhei nos Correios de 1976, em 1978 eu já entrei na universidade, fazendo curso de Letras, aí já comecei com vontade de ser professor. Então, eu fiquei nos Correios até 1980, já fazia dois anos que eu fazia faculdade, deixei os Correios, pedi exoneração para trabalhar como professor no Estado.
P/1 – E o que é que você foi fazer, eu queria que você contasse um pouquinho desse período que você passou nos Correios, como é que se deu o treinamento? Em que setor que você foi trabalhar?
R – Eu fui trabalhar no Setor de Triagem. E eu usava, inclusive o meu endereço postal era muito curioso, porque como eram siglas, que somente eu colocava meu nome no remetente e no lugar do endereço eu colocava apenas, ECT – Centrinat, que era a sigla de Centro de Triagem de Natal. Aí não colocava rua, não colocava nada, eu só colocava o CEP, Natal, RN. Então, muita gente recebia aquela carta e me perguntava: “O que é que significa esse endereço?”, ficava achando até que a carta não iria chegar, porque achava que estava incompleta, alguma coisa assim. Então, eu fui trabalhar como auxiliar de serviços postais, era um trabalho que não, não era um trabalho intelectual, bastava ser alfabetizado, por isso que eu achava um tanto monótono. Porque era somente abrir malas, manipular cartas nos escaninhos, ou então conferir uma lista de registrados, uma lista de valores, organizar uma mala, fechar para encaminhar para uma determinada agência, era só isso. Aí, trabalhei incialmente como auxiliar de serviços postais e depois fui ser manipulante postal, eu não sei se essas designações ainda existem, porque houve muitas mudanças nos Correios, hoje quase tudo informatizado, não sei.
P/1 – E o que é que era esse manipulante?
R – Bom, primeiro, se era conferência, alguns momentos dizia assim: “Você vai fazer conferência”, não era fazer palestras sobre coisa nenhuma, era conferir a correspondência, abrir uma mala postal, tirar os volumes de dentro, cartas ou encomendas e pegar uma lista e conferir número por número de registro, para saber se todos os objetos tinham sido encaminhados corretamente. Ou então fazer a manipulação das cartas, o que era a manipulação? Quando se tiravam os conteúdos daquelas malas postais, colocava-se em uma mesa que se chamava bandeja, aí a gente ia separando aqueles pacotes, tinham alguns que iam para o Centro de Distribuição Domiciliar, que eram as cartas que iam ser distribuídas na própria capital e para o Centro de Triagem, as cartas que iriam ser distribuídas para as cidades do interior. Então, vinha um funcionário, colocava ao lado do manipulante uma pilha de correspondências, ele ia abrindo aqueles pacotes e ia colocando em cada escaninho de acordo com o destino. Então, tinha cada escaninho, aí você tinha que ter uma memória visual muito grande, porque não era para você estar olhando escaninho por escaninho, nome de cidade por cidade, você já tinha que ter memorizado para agilizar o serviço.
P/1 – E até em função dessa função que você exercia, que você propôs a esposa do Cascudo para que pudesse levar a correspondência?
R – Era, exatamente, porque quando eu voltava da minha faculdade, ao meio dia, já depois de ter almoçado no restaurante universitário, eu poderia descer na casa dele que era no roteiro, no itinerário, eu descia, subia lá rapidamente, recebia aquelas cartas que ele já tinha selado, chegava lá e já colocava nos escaninhos corretamente e aquilo ali não tinha perigo nenhum de aquela carta ser extraviada, pelo menos na origem.
P/1 – E me diz uma coisa, porque é que você resolveu estudar Letras? E você se especializou em que?
R – A minha decisão por Letras é porque eu sempre gostei de Português e de Literatura. Então, eu fiz o curso de Letras por essa minha afinidade com a língua e a Literatura. E queria ser professor.
P/1 – Conta alguns fatos marcantes, por exemplo, desse período seu na faculdade? Que você acha que foram importantes.
R – Houve, claro, o aprendizado. Agora em uma graduação, a gente vê depois quando você começa a fazer uma Pós-Graduação, mesmo numa Especialização você já percebe que tudo foi muito rápido, muito precário, você tem que se aprimorar. Então, eu estudava e trabalhava ao mesmo tempo, muitas vezes eu não tinha tempo de fazer um trabalho bem elaborado como eu gostaria de fazer, porque não havia tempo, não me sobrava esse tempo. Quando eu comecei a ensinar já melhorou, porque já tinha alguma afinidade do que eu fazia com o que eu estudava. Mas enquanto eu estava trabalhando nos Correios, isso não era possível. Os fatos marcantes da época, assim, eu creio que teve um acontecimento que me marcou nesse período, foi logo ao iniciar o meu curso universitário, a realização em Natal de um encontro de cultura nordestina. Porque a esse evento compareceram críticos literários, escritores, professores que a gente tinha começado a ter contato no curso de Letras através dos livros, por exemplo, Afrânio Coutinho, a gente utilizava textos de crítica literária de Afrânio Coutinho e de Eduardo Portela, e dos ficcionistas também, aqueles que a gente estudava para análise literária, para aulas de teoria literária. Então, quando eu começo, logo depois que eu comecei a faculdade, houve esse encontro, que foi uma promoção da universidade com o Governo do Estado e vieram a Natal esses grandes nomes que a gente já tinha começado a ter contato por intermédio dos livros. Então, isso me marcou bastante porque a gente conheceu pessoalmente, por exemplo, Afrânio Coutinho, cheguei a conversar com ele, Homero Homem, que é nascido em Canguaretama, essa cidade onde eu morei, quer dizer, é quase um conterrâneo meu, Homero Homem foi quem coordenou nacionalmente esse encontro, contatando os escritores. E Homero Homem, eu já tinha conhecido anteriormente, mas voltei a encontra-lo nessa ocasião, então, todas essas pessoas que a gente já tinha começado a admirar estavam lá para conversar com a gente. Então, esse foi um momento muito marcante para mim.
P/1 – E me diz uma coisa, como é que se alguma forma essas correspondências que você trocava com esses autores e mesmo com o Câmara Cascudo, influenciaram na sua trajetória profissional?
R – Olha, primeiro você ser jovem, você sair de um meio rural como eu saí e depois mesmo saindo do meio rural indo para uma cidade pequena, onde não havia uma vida cultural marcante. Você receber cartas de pessoas do nível de Otávio de Faria, por exemplo, que era membro da Academia Brasileira de Letras, de Jorge Amado. Eu vou citar aqueles de quem eu guardo frases em cartas que me davam um estímulo muito grande, Nilton Carneiro. Porque eu era, ainda quando estudante do colegial, eu escrevia cartas que causavam uma boa impressão nessas pessoas, muitos até julgavam que eu já era escritor, eu nunca tinha escrito nada. Muitos me julgavam pessoas mais velhas do que eu verdadeiramente era. Por exemplo, quando em 1977 fui ao Rio de Janeiro pela primeira vez, embora eu fizesse questão de dizer nas cartas, na primeira carta que eu era um estudante do colegial, eu acho que eles esqueciam esse pormenor e quando eu fui conhecer essas pessoas pessoalmente, eles se surpreendiam com a minha idade, porque eles achavam que eu era uma pessoa mais velha. Otávio de Faria, por exemplo, ele mesmo abriu a porta para mim e disse: “Mas você é um menino”, ele achava que eu era uma pessoa mais velha. Ascendino Leite também, que é paraibano, mas quando eu comecei a ter contatos com ele através de cartas, quando ele me conheceu em 1982, aí já, claro, eu já era uma pessoa mais velha, ele disse: “Mas eu pensava que você fosse uma pessoa da idade, por exemplo, de Mário Moacir Porto, de Américo de Oliveira Costa”, ora, essas pessoas eram octogenárias na época. (risos) Então, recebendo através das cartas aquele estímulo, aquela confiança, muitos desejando, por exemplo, que eu viesse a me tornar escritor, coisa que eu não sou, eu apenas publiquei livros resultado de pesquisas, não me considero escritor. Então, isso foi importante na minha vida, agora dentre todos eu devo destacar, por exemplo, João Lira Filho que foi reitor da Universidade, na época ainda era Guanabara, foi ele quem construiu o campus da atual UERJ. Então, João Lira Filho, eu escrevi uma carta para ele, eu tinha o endereço dele já há muito tempo, mas eu não me encorajava a escrever e fui deixando o tempo passar. Mas um dia resolvi escrever e escrevi. Bom, ele, eu já então universitário, no segundo ano de faculdade. Então, ele começa ter correspondência comigo que durou até a morte, eu tenho 244 cartas dele, ele talvez no arquivo, eu trouxe as cartas dele, estão comigo porque o arquivo dele já foi doado, mas eu trouxe as cartas que eu escrevi para ele, porque eu quero copiá-las todas porque quem sabe um dia eu faça uma edição de uma seleção dessas cartas. Então, creio que eu escrevi o mesmo tanto de cartas para ele.
P/1 – E porque é que, o que é que vocês falavam nessas cartas?
R – Ah, aí, esse foi, esse se interessou de uma maneira bem particular por mim. Ele era um cara, assim, ele me escrevia em um tom muito paternal e desejou me conhecer, dizia que, eu estou com a primeira carta que ele me escreveu, ele diz assim que tinha ficado impressionado com a minha escrita, minha carta era muito bem escrita, tudo mais e desejou, ele me fez muitas perguntas de cunho pessoal, com que eu morava, o que eu fazia, em que é que eu trabalhava e começou a se interessar por mim. E logo no primeiro ano, antes de completar um ano de correspondência, ele se deslocou de João Pessoa, onde ele se encontrava veraneando na casa de um amigo, para Natal, para me conhecer. E eu não acreditava que ele iria fazer sair de João Pessoa para me conhecer, o cara era importante, ele tinha sido como eu já falei, reitor de Universidade, tinha sido Secretário de Finanças do antigo Distrito Federal, na época da construção do Maracanã. Ele se achava muito responsável pela construção do Maracanã, porque ele foi quem liberou a verba, ele teve que enfrentar a oposição que Carlos Lacerda na ocasião fez, achando que era uma obra desnecessária, que o Rio de Janeiro precisava de coisas muito mais importantes do que o estádio etc. Então, ele lutou pela construção do Maracanã, porque também ele um grande desportista, fervoroso torcer do Botafogo, chegou a presidir o Botafogo, foi o primeiro presidente, na época era Federação Nacional dos Desportos, eu acho, não, Conselho Nacional dos Desportos, na época de Getúlio. O que hoje é a CBF começa como Conselho Nacional dos Desportos. Então, ele foi o primeiro presidente, então era um cara assim, membro da Comissão de Juristas da FIFA, tinha escrito quase 100 livros já na ocasião, aí eu: “Não, não acredito que ele venha me conhecer”. E eu disse isso em umas das cartas, eu disse: “O senhor vem encontrar Cascudo”, porque ele era amigo de Cascudo, “O senhor vem rever o seu velho amigo Cascudo”. Ele disse: “Não, Cascudo eu já conheço, eu vou conhecer você”.
P/1 – O senhor tem essa carta que ele escreveu para o senhor?
R – Tenho sim.
P/1 – Você quer pegar para ler para a gente?
R – Vamos tentar localizá-las, eu escrevi muitas. Mas enquanto eu encontro a carta de Cascudo, eu gostaria de falar, assim, outros nomes só com quem eu tive contato. Eu já citei Otávio de Faria, que foi uma pessoa muito generosa, que ficou muito feliz quando eu passei no vestibular, porque eu ainda era estudante de segundo grau quando eu comecei uma correspondência com ele. E quando fui ao Rio de Janeiro pela primeira vez, como eu disse, fui conhecê-lo, esse que achou que eu era menino. (risos) Olha, a carta é de sete de novembro de 1979 e os Correios nessa época estava funcionando muito bem, porque a minha carta é do dia cinco, ele responde no dia sete. Porque eu começa assim: “Jovem amigo Roberto Silva, recebi sua carta escrita no dia da Cultura, por sinal bem letrada. Que escrito meu já lhe foi ao olhar? Que gênero de leituras mais lhe agrada? Minha bibliografia mora perto da casa dos 100, reunindo temas ecléticos da Poesia as Finanças, a Economia, a Sociologia, ao Direito, a História etc. Não é a toa que tenho 73 anos, já devo ao cemitério mais de uma década. Dê-me uma indicação sobre seus assuntos prioritários, mandar-lhe-ei material de nutrição. Aguardarei sua notícias que não precisam ser imediatas. No próximo domingo estarei voando aí perto e irei a Fortaleza para presidir ao Terceiro Congresso Brasileiro de Direito Desportivo e lá permanecerei até o dia 16. Então, de volta interromperei o voo no Recife e tornarei a ver João Pessoa, cidade onde nasci. Só serei recambiado para o Rio, a 21 deste mês, quando esperarei suas notícias. A terra potiguar prende-se a minha vida, meu pai representou no Senado da Velha República, assim como tio, irmão dele que também governou o Estado. Aí possuo um bom amigo que sempre me escreve apesar de suas insuficiências exóticas, o Cascudo. Com abraço amigo, do sempre de sempre, João Lira Filho”.
P/1 – E você chegou a escrever pelo Cascudo ou não? O Cascudo sempre escrevia ele mesmo as cartas deles?
R – Sim, agora dona Dália é que passa a escrever quando ele já não tem condições de escrever por questão da deficiência visual.
P/1 – E me fala uma coisa Roberto, porque é que você decidiu continuar estudando, fazer o mestrado? E fala um pouquinho do seu tema. Desse tema que você escolheu.
R – O tema do Mestrado não tem haver com a carta, mas tem a haver com a memória, um pouco a memória. Porque durante o curso de Mestrado, claro, que vai procurar uma Especialização, um Mestrado, um Doutorado, é visando ao aprimoramento e esse foi o meu objetivo. Então, quando eu estudei o Mestrado, nós tínhamos uma disciplina chamada Pesquisas em Periódicos, o nome não era esse, mas era para estudar periódicos, pesquisas em periódicos. E tem uma questão também, umas disciplinas relacionadas a memória, eu fiz, o livro que eu escolhi para escrever sobre ele, é o livro “A Cristaleira Invisível” de Rachel Jardim, que são narrativas, ela não classifica como contos, ela coloca narrativas, mas são narrativas memorialistas de qualquer forma. E o grande tema de Rachel é a memória, é a precariedade do tempo, é a fugacidade do tempo, é a passagem do tempo. Então, eu escrevi a minha dissertação de Mestrado sobre esses contos, ou narrativas como ela prefere que, no caso, quando eu fiz essa análise para o Mestrado, esse livro dela, incialmente ela publica com título de “Cheiros e Ruídos”, mas depois de uma nova edição, esse livro ganha um novo título, que passa a ser “A Cristaleira Invisível”. Daí, porque o título da minha dissertação é “Ruídos na Cristaleira”, porque na verdade são contos que foram apenas revistos, modificados, alguns foram suprimidos e no caso também houve acréscimo de contos que não tinham saído no livro original. Então, depois que eu terminei o Mestrado e na ocasião do Mestrado eu tive a oportunidade de ler cartas de escritores, lemos, tivemos uma disciplina com a professora Sônia Wandeck, que foi a minha orientadora, tive uma disciplina que era “Crítica Genética”, aquela disciplina que estuda não o texto literário definitivo já editado, mas os rascunhos, a evolução, as transformações que o texto teve que o autor operou ainda durante a sua elaboração. Então, tudo isso tem relação com memória também. Então, depois de já ter terminado o meu mestrado, aí resolvi. Ah, mas claro, tudo começa no Arquivo do João Lira, porque com a morte dele, aquele arquivo ficou abandonado durante dez anos, em um andar da casa dele no Rio de Janeiro, na Rua Jardim Botânico, onde ninguém nem entrava mais, só uma empregada eventualmente para fazer uma limpeza superficial. Aí, eu comecei a lutar pela preservação, isso foi uma iniciativa pessoal de lutar pela preservação daquela memória, daquele tesouro, porque a família dele se resumia a mulher e ao filho, o filho não tinha condições de cuidar disso, porque era uma pessoa doente. A mulher já estava muito idosa, ela está viva, completou 99 anos na semana passada, aliás, esta semana, dia três e mora na mesma casa acho que há uns 70 anos. E o outro lado da família, que eram os sobrinhos dela, esses não estavam interessados nesse tesouro e aquilo ali ia para o lixo, fatalmente iria para o lixo. Então, eu comecei a fazer contatos, primeiro eu fui lá resgatar as cartas de Câmara Cascudo, consegui, porque era, a publicação dessas cartas já era uma sugestão minha desde os anos 80 e ele não fez isso, porque não teve tempo de fazer, ele morreu em 88. Mas eu cheguei a sugerir isso como eu digo na introdução desse livro aqui “Flama Serena”. Bom, aí eu fui lá, com a concordância dela consegui tirar todas as cartas de Cascudo, porque eu disse: “Esse eu vou fazer”, aí eu fiz esse trabalho. Mas e o resto? Tudo aquilo ali. Posteriormente, dona Maria Isabel Lira, a viúva de João Lira, me escreveu uma carta como se fosse um testamento me legando todo esse acervo, medalhas, diplomas, correspondências, originais de livros, rascunhos, tudo o que tive lá no arquivo, fotografias, ela me legou. Não fazia sentido, primeiro, condições financeiras de remover para Natal um arquivo desse, depois como era que eu iria manter um arquivo desses? Porque precisa de conservação e de manutenção e restauro, porque há muita coisa que precisa de restaurar. Então, na impossibilidade de ficar com isso, eu comecei a escrever para pessoas que poderiam ficar, instituições. A primeira pessoa que eu contatei foi o professor Arnaldo Niskier, que na época era o Presidente da Academia Brasileira de Letras e tinha sido um grande amigo de João Lira Filho. Então, Arnaldo ficou super entusiasmado e me disse: “Olha, você vai falar com Maria”, Maria, acho que é Maria Eugênia, salvo engano, é Maria Eugênia Stein, que era diretora do Centro de Memória da Academia Brasileira de Letras. Bom, fiquei aguardando o contato dessa senhora e ela nunca me escreveu e eu também não fiquei, assim, recuei, não quis ficar insistindo junto a Arnaldo Niskier. Depois eu vim saber que eles fizeram realmente um contato lá com dona Maria Isabel, só que havia na época um advogado que cuidava dos bens dela e esse advogado muito zeloso disse que não poderia fazer isso sem olhar documento por documento, para saber se não havia nada confidencial, João Lira não era ingênuo para guardar algum documento que viesse comprometê-lo ou comprometer a outra pessoa. Os documentos que ele preservou, ora, se ele preservou é que ele tinha a intenção de que aquilo não fosse parar no lixo e ele teve esse cuidado. Então, eram milhares de documentos, eu não sei quantos documentos são, mas para você ter uma noção, quando finalmente, eu vou chegar aí ainda, esse acervo foi doado, uma Kombi fez quatro viagens para levar esse acervo. Bom, agora retomando a história da doação, como o silêncio de Arnaldo Niskier, que até então eu não conhecia o motivo, eu escrevi para o Embaixador Walter Moreira Salles, porque havia, o Instituto Moreira Salles no Rio e uma vez eu recebi um folder dizendo que essa sede do Rio, essa unidade do Rio, recebia acervos de literários. Bom, escrevi uma cartinha para ele explicando a situação. Ele não me respondeu, mas um senhor que tem um nome italiano, Francisquet, qualquer coisa assim, que é do Instituto Moreira Salles em São Paulo, fez o contato com dona Maria Isabel, mas aí ele não estava interessado no arquivo, eles tinham interesse na biblioteca e a biblioteca, que também era uma biblioteca de mais de 40 mil volumes, já tinha sido doada a Universidade de São Francisco, em Bragança Paulista. Então, não tiveram interesse no acervo, no arquivo. Aí eu voltei então a me mobilizar e escrevi para Eliane Vasconcelos, que na ocasião era a diretora do arquivo Museu de Literatura Brasileira da Fundação Casa de Rui Barbosa. A Eliane ficou entusiasmadíssima, então, eu fui uma vez ao Rio de Janeiro, acho que em 2002, as minhas dispensas somente fazer essa doação. Porque como ela tinha me dado o arquivo e eu não aceitei, que achei que não era pertinente, o que fazia sentido era doar a uma instituição que preservasse e que abrisse a pesquisadores, então, eu fui ao Rio de Janeiro, pagando a passagem, a hospedagem tudo com o meu dinheiro e a Eliane foi olhar o arquivo. Ficou impressionada, até pela organização, porque ela disse que o arquivo de Vinícius de Morais, por exemplo, deu um trabalho muito grande para ser organizado. Então, eles levaram fotos, todo o acervo está na Fundação Casa de Rui Barbosa. Aí eu retirei algumas dessas cartas para fazer esse livro aqui que eu fiz no ano do centenário de João Lira, que são cartas de mais de 60 remetentes e que já foram devolvidas para a Fundação Casa de Rui Barbosa, da mesma forma que eu já devolvi as cartas que eu publiquei, enviadas por Câmara Cascudo e da mesma forma, porque eu não quero guardar papéis na minha casa. Isso aí, papéis, documentos, esses acervos, tem que estar aberto a público, a pesquisador, não é qualquer um que é José Mindlin, que pode abrir a sua casa como ele abria para pesquisadores, que ele era um milionário, ele tinha instalações adequadas. Então, quando eu fiz a edição das cartas de Cascudo para o tradutor dele na França e eu estava com os originais, que o tradutor me enviou, eu logo devolvi para a família de Cascudo e essas cartas hoje fazem parte do acervo de Cascudo que está lá na casa dele.
P/1 – Roberto me fala uma coisa, dessa organização desses acervos, dessas correspondências, você tem alguma história marcante que você encontrou nesses estudos, dessas trocas de correspondência?
R – Olha, todas tem, mas eu gostaria de falar de um que ainda não fiz.
P/1 – Pode falar.
R – Posso falar de um trabalho que não sei ainda se eu vou fazer.
P/1 – Por favor.
R – Porque, questão de, não chega a ser direitos autorais, mas eu tenho receio de que alguma pessoa que se julgue prejudicada venha a colocar obstáculos. Não vou contar a história, assim, como o acervo chegou as minhas mãos, mas ele chegou de uma forma legítima. Há uns dois anos eu recebi mais de 70 cartas de Henrique Castriciano de Souza, que foi quem trouxe da Europa, da Suíça mais precisamente, o modelo da Escola Doméstica de Natal, que é uma instituição singular no Brasil, centenária, uma escola que primordialmente foi uma escola para moças. Hoje já há outra unidade, que tem o nome de Henrique Castriciano, que é o idealizador, já tem uma unidade que é mista, rapazes e moças. Bom, mas a Escola Doméstica, é uma escola de um modelo suíço, é única no Brasil, vinha para Natal moças do Brasil inteiro, no começo as diretoras e professoras vinham da Europa para lecionar. Então, Henrique Castriciano, voltando ao personagem, ele escreveu de 1925 a 1935, claro, não foram apenas essas 70 cartas, ou 73, que estão preservadas, porque muitas devem ter se perdido, porque há lacunas temporais. Ele escreveu essas cartas para o historiador Tobias Monteiro. Tobias Monteiro foi historiador e político, uma pessoa extremamente importante na história política e cultural, não apenas do Rio Grande do Norte, como do Brasil, autor da história do Império em três volumes e de outros livros da maior relevância para a compreensão do Brasil, da história do Brasil. Ora, veja bem, eu quero chamar a atenção da importância destas duas personalidades, Henrique chegou a se Vice-governador do Estado, foi poeta, foi o príncipe dos poetas do Rio Grande do Norte, ele é do final do século, final do século não, ele é de meados do século 19 a meados, antes um pouco do século 20, irmão da poetisa Alta de Souza, irmão do escritor e jornalista Elói de Souza. Henrique foi Secretário Geral do Estado, teve uma importância tanto na política, como eu disse, quanto na cultura do Rio Grande do Norte. E, escreve essas cartas ao longo desse tempo, de 1925 a 1939, contando o cotidiano, não necessariamente o cotidiano, mas os fatos mais importantes da política, da administração do Rio Grande do Norte. É curioso porque ele sendo o intelectual, ele não escreve sobre livros, nem deles, nem dos outros, ele escreve sobre a vida administrativa, política do Rio Grande do Norte, financeira do Rio Grande do Norte. E ele escreve com a intenção de manter informado um homem que é político e é historiador. Então, eu suponho que essas cartas de Henrique tem uma relevância tão grande para uma revisão na história política e administrativa do Rio Grande do Norte nesse período, que respondendo a sua pergunta, eu acho que nas correspondências todas que eu li até agora para essas minhas pesquisas, essas sim são as mais relevantes. Agora, eu não sei ainda se elas vão publicar, porque os políticos que dão nome a ruas de Natal, as cidades no Rio Grande do Norte, a palácios administrativos, esses são vistos, são analisados despidos de todos os ornamentos, que surgem sempre nas histórias oficiais. Quem roubou aparece lá como ladrão, entendeu? Então, essas pessoas ainda têm descendentes no poder, em razão disso eu não sei se esse livro será publicado.
P/1 – O que é uma pena.
R – Mas eu estou trabalhando nele, estou anotando. Já li todas as cartas, porque se elas tivessem sido escritas por uma outra pessoa, outro cidadão comum que não estivesse por dentro, olhe que, Henrique é irmão de um político que está atuando ainda na mesma época, e que sabe tudo. E tem dois fatos relevantes na história do Brasil que são analisados, claro, no local, no Rio Grande do Norte, de uma forma que não, coincidem em muitos pontos, mas com detalhes que não estão na história oficial, que são a Revolução de 30 e a Intentona Comunista. Todos os nomes estão lá e ele, por exemplo, quando chega a Revolução de 30, Henrique Castriciano analisa quase todos os interventores, fala das ações de quase todos os interventores e a coisa que muito me impressionou é que, qual foi o objetivo da Revolução de 30? Não foi derrubar as oligarquias que estavam mandando no Brasil desde o início da República? Mas no Rio Grande do Norte, essas oligarquias eram tão fortes, eram tão poderosas, que os interventores, aqueles que conseguiram fazer alguma coisa, só o fizeram, porque tiveram que se unir aos oligarcas. O Rio Grande do Norte é uma coisa impressionante. E para você ver, essas oligarquias, se antes eram oligarquias familiares, agora são as oligarquias de grupos, mas tem ainda muitos descendentes desses oligarcas que estão no poder.
P/1 – Para ir finalizando, que é uma pena, senão você vai perdendo o seu voo. Eu queria saber se você ainda escreve cartas e com quem você corresponde hoje?
R – Atualmente, porque com o advento do e-mail, as pessoas não querem mais escrever cartas, então, todos aderiram ao e-mail, eu pelo menos só tenho e-mail, eu não quero Facebook, não quero rede social, particularmente não me interessa, mas eu uso o e-mail. Agora correspondência postal, indo aos Correios para postar, somente para Cunha de Leiradella, que é um escritor português que durante mais de 50 anos morou no Brasil, mas que voltou agora a viver em Portugal. José Augusto Carvalho, professor, linguista, gramático, que mora no Espírito Santo, ele é mineiro, mas mora no Espírito Santo, em Vitória. Bernard Alleguede, o tradutor francês de Cascudo, que também por questões de vista, de olhos, deficiência visual, ele não usa e-mail, Alleguede na França, mora na França, ele mora em Charleville. O historiador Francisco de Vasconcelos, em Petrópolis no Rio de Janeiro e um amigo meu francês que apesar do e-mail ele gosta de receber cartas também, que é o professor Stefan Gonzalez, ele é professor da École Professionnelle de Métiers, em Mont-de-Marsan. Acho que só esses escrevem hoje pelos correios tradicionais.
P/1 – Me fala uma coisa, já para a gente ir finalizando. Você casou? Você teve esposa?
R – Não, não. Não casei, não sei se vou casar, mas eu gosto tanto da minha individualidade, de viver só, de dispor do meu tempo, que eu não sei como seria a minha vida tendo que dividir isso com uma pessoa todo o tempo, entendeu? Agora, tenho filhos por empréstimo, (risos) tenho os meus sobrinhos. Essa expressão eu li recentemente em Balzac, filhos por empréstimo.
P/1 – E o que é que você faz nas suas horas de lazer Roberto?
R – Leio e escrevo e vejo filmes. Eu leio muito e escrevo muito, embora eu não seja um escritor, mas eu todo dia eu escrevo, eu recebo mensagens, eu comento, eu escrevo. E atualmente estou nessa pesquisa com a correspondência de Henrique Castriciano e Tobias Monteiro.
P/1 – E você continua dando aula hoje?
R – Não, não.
P/1 – Não. Você já se aposentou?
R – Já sim.
P/1 – E você deu aula em que escola?
R – Eu dei inicialmente em cursos ginasial no começo, depois ensinei curso secundário, que na época ainda era colegial. Aí, depois do mestrado eu continuei ainda ensinando o ensino médio, mas aí já não era no Estado. Então, Escola Técnica Federal da Paraíba, que depois veio ser CEFET e hoje é o Instituto Federal, me aposentei lá.
P/1 – E me diz uma coisa, como é que os serviços como cartas, encomendas, Sedex ou telegramas marcaram a sua trajetória?
R – Olha, totalmente, porque essas pessoas que eu contatei, com quem eu tive, porque muito desses escritores, eu citei João Lira Filho porque foi a pessoa, assim, mais que tenha tido uma influência maior na minha vida, que é uma presença ainda constante pelos ensinamentos dele de vida, porque eu o já conheci velhinho, você que ele tinha 73 anos quando recebeu a minha primeira carta e quando ele morreu ele estava com 82. Mas outros tiveram importância e todos, ao seu modo, contribuíram para a minha formação cultural.
P/1 – E para finalizar, o que você acha de um projeto de resgatar história de cartas, de encomendas e outros serviços dos Correios, através da história de vida das pessoas?
R – Eu acho fundamental, até porque como a carta está praticamente em extinção. As pessoas escrevem muito hoje, se comunicam muito, mas não por esse meio, a carta. A carta daqui a pouco vai ser um objeto, assim, apenas de pesquisa, então, quanta gente hoje tem talvez 20 anos e até agora não escreveu um carta, já começou a escrever e-mail.
P/1 – Bom, para finalizar, como é que foi contar a sua história para a gente? Como é que foi contar a sua história para gente?
R – Olha, eu espero, para mim foi muito bom. Eu espero que para vocês não tenha sido cansativo, monótono e que eu não me tenha repetido e tenha falado o que vocês gostariam de ouvir. Isso é o que eu espero e que tenha alguma utilidade para o objetivo de vocês.
P/1 – Em nome do Museu da Pessoa, em nome dos Correios eu queria agradecer sua entrevista, muito obrigada.
R – Agradeço a vocês e fico muito grato também.
FINAL DA ENTREVISTA
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