Projeto Medley
Depoimento de Cecília Furia
Entrevistada por
Local
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Camila Inês Schmitt Rossi
[00:00:13]
P/1 – Você favor, podia falar o seu nome completo, data e local de nascimento
[00:00:15]
R – Maria Cecília Rios Furia, 21/09/1940. Nasci aqui em São Paulo, pertinho da Avenida Paulista em uma maternidade que existia naquela época, a minha mãe tava vendo o filme O Vento Levou no cinema quando deu o sinal de que eu tinha que nascer! Então nasci em setembro de 40, e morei... diz que quando eu nasci meus pais moravam na Turiassu, quase esquininha com a atual Sumaré, que era um córrego e tinha criação de cabras, se comprava leite de cabra ali porque era tudo um matagal. Depois eu fui morar no Paraíso, na rua Tutóia em frente ao quartel que tem até hoje. Era muito gostoso, era um sobrado que existe até hoje (eu to pra passar lá pra ver se ainda não derrubaram). E aí era muito gostoso que naquele tempo você não tinha geladeira como a gente tem hoje. As geladeiras eram umas caixas de metal por dentro, e a e a companhia de gelo uma vez por semana jogava um gelo de um metro, um metro e vinte, na porta da casa, que aí a pessoa pegava, quebrava – meu pai quebrava com machadinha - punha na parte de cima (na de baixo, alias), e a de cima você guardava as coisas. E era gostoso, eu e minhas duas amiguinhas nós adorávamos pegar o gelo, sorvete de gelo; e tinha um furo na cerca do quartel e era um bosque de eucaliptos naquela época (hoje tem construções) e a gente ia chupar gelo lá na no quartel. Eu fui sempre uma criança muito saudável, bem sapequinha, bem animada. E aí a gente se divertia muito naquela época, brincávamos, tudo isso. Naquela época também, foi o tempo da guerra. Eu me lembro do meu pai em 44 fazendo blecaute, você tinha que fazer as cortinas, comprar pano preto e fechar todas as janelas, porque era pra treinar caso se eu tivesse bombardeio aqui em São Paulo. Me lembro do meu pai colocando os panos pretos assim porque era um treino, nós nunca tínhamos tido guerra aqui mas tinha que treinar né. E também tinha falta de tudo, você comprava tinha uns cartões de alimento pra açúcar, leite - menininho as vezes em uma pensão.... “Açúcar! Leite! Carne! Pão! Açúcar sem cartão!” – E aí também faltou pão. Faltou o pão, mas vinha macarrão da Argentina, então as donas de casa compravam macarrão e desmanchavam o macarrão pra fazer pão. Eu achava que aquele pão horroroso. No dia que passei manteiga a mais, ou sei lá o que, que eu gostei, foi a última vez (risos), foi no último dia que eu comecei a gostar do pão, porque aí já não tinha mais a falta da farinha e as padarias podiam vender pão, né. Eu tinha um avô que era muito moderno, ele era assim uma pessoa de... ligado a modernidade, ele teria sido engenheiro se tivesse tido oportunidade. O pai dele foi construtor, era espanhol mas trabalhava aqui no Brasil, e depois meu avô veio da Espanha com 15 anos pra trabalhar no comércio, mas ele era muito novidadeiro. Então uma amiga minha diz que conheceu o aspirador só nos anos 70, mas na minha casa, desde 1944 tinha aspirador que era da Eletrolux uma caixa de madeira linda, forte, que durou na minha casa como caixa de ferramentas até depois dos anos 2000, desse século. Aí eu estudei em colégio de freiras, assim, e meu pai... naquele tempo não tinha indústria automobilística, né, então todos os carros eram importados. E meu pai tinha uma loja de peças de automóvel, você não pode imaginar a loucura que era uma loja de peças de automóvel, porque tinha peça de todas as raças e tipos de automóvel, né, e meu pai trabalhava com isso. Quando no fim do ano tinha que fazer o balanço, era um inferno, porque tinha que contar aquelas borrachinhas, aquelas coisas pequenininhas de cada marca, de cada lugar né. Meu pai, bom, trabalhava com isso, trabalhou na Isnard primeiro, que era uma loja famosa, e depois ele teve a loja dele. Aí as freiras iam lá na loja e meu pai dizia “eu quero pôr a minha filha na sua escola, porque vocês são espanholas eu sou de família espanhola, mas só quando tiver condução”. Aí quando chegou final de março, já tinha começado a escola, tudo, elas falaram “agora nós temos condução”. E aí a condução que ia me buscar era um fordeco de bigode dos anos 30, e éramos cinco crianças que íamos no fordeco pra escola. Aí no segundo semestre puseram um ônibus, um ônibuzinho azul, e eu era muito ligada, era muito ligada, caminhos e coisas, e eu sabia quem pegava antes, quem pegava depois, porque quando na ida pegava... aí quando mudava o motorista, a feira chegava às seis horas na minha casa, dizia “vamos, vamos! Ela se veste correndo, tem que ir embora” e a minha avó dizia “mas não tomou café” e a freira “eu dou, eu dou” (eu fui criada com minha avó), eu sabia o caminho todo. Eu morava ali, naquele tempo na Vila Mariana, ali travessinha da Luiz Góis, Mirandópolis e nós íamos até o final do Jabaquara, e eu sabia o percurso de todas as crianças, eu conhecia aquilo tudo muito bem. E era tão diferente (vocês não podem imaginar) porque São Paulo era frio, era muito frio, era cheio de chácaras ali na Vila Mariana, de Mirandópolis até o Planalto Paulista era só chacras, não tinha casas, nada. De maio a agosto tinha um nevoeiro em São Paulo, uma névoa, não havia quem não tivesse um mantô, cachecol, luva, e o nevoeiro de manhã era tão denso que uma vez um ciclista atropelou o ônibus, ele atropelou no meio do ônibus, assim, porque o nevoeiro era tão forte, a névoa era tão forte no inverno que ele não enxergou o ônibus, ele deu de cheio no meio ônibus. Era denso, denso, denso, vocês não podem imaginar como era a névoa, também isso significava que ia ter um dia ensolarado. De manhã vinha essa névoa toda, depois das dez horas abria, abria e ficava um inverno limpo de céu azul que vocês nem imaginam como era, porque hoje mesmo quando chove muito o céu ainda tá poluído. Outra coisa que era gostosa – sei que é criminosa hoje em dia – mas era em julho aquele frio danado e os balões. Teve uma noite que eu contei mais de 200 balões perto da minha casa no céu, era charuto, estrela, almofada, cruz, tinha vários modelos, né. Tinha perigo, mas tinha coisa: molecada brincava na rua (como eu brinquei a vida toda na rua), então a molecada corria atrás do balão, ondem tivesse, eles subiam em muro, porque se eles conseguissem pegar o balão e apagar, eles podiam fazer nova mecha e lançar novamente, ou se não eles pegavam a mecha, apagavam e rasgava o balão e brigavam por pedaços, era assim. Era uma coisa linda se vocês vissem – criminosa, tudo bem, hoje em dia nem pode se pensar – mas você não imagina como era o céu de junho na época de São João, das fogueiras que se fazia no meio da rua, da festa do quarteirão que a gente brincava muito, soltava... tinha horror daquele pega... aquele que chispava assim e corria atrás da gente (esqueci o nome), tinha bombinha, tinha de tudo, fogos. E nesse meio tempo eu sempre fui uma criança assim muito saudável, muito brincalhona, brincava-se muito na rua, era uma delícia. (Eu não sei se eu posso continuar falando assim...)
[00:09:10]
P/1 – De que? Quais eram as brincadeiras que você mais gostava?
[00:09:12]
R – Ai, se brincava... quando eu era menor se brincava de pega-pega, pula corda, campeonato de tamborete a gente fazia na rua – tamborete era aquela redonda, assim, com pele de couro e que joga com uma peneirinha – e depois se brincava de... é, mil coisas a gente fazia, mas muita corda, muito pega-pega, muito... como é, amarelinha, já tinha desenhado na rua assim, a rua no início, quando eu morei pra Rua das Glicínias, não era asfaltado, depois veio o asfalto. Eu adorava também brincar de andar de bicicleta, mas minha mãe tinha um verdadeiro pavor de bicicleta, mas eu tinha... na minha rua morava um garoto que os pais dele... acho que era um garoto rico, uma casa boa, que o pai tinha um laboratório, e eram 5, 6 meninos, então a mãe não deixava eles saírem na rua, só o mais velho só podia sair de bicicleta, mas ele detestava bicicleta, ele gostava jogar futebol, mas ele tinha que gastar a bicicleta. Então ele me emprestava bicicleta, era de menino, e naquele tempo a gente não usava calça, shortinho, era saia, daí eu saía andando na bicicleta de menino, né, daquele aro, enquanto ele jogava futebol. Aí eu gastava a bicicleta dele. E aí tavam construindo os esgotos em Mirandópolis, tinham uns buracos de quase dois metros, um dia minha mãe tinha me feito um vestidinho, eu tava com roupinha nova, de casa assim né, e eu andei na bicicleta, descontrolou e eu caí no buraco de esgoto, torci a bicicleta, rasguei meu vestido, ralei meu joelho. E pra explicar pra minha mãe onde é que eu tinha caído eu tinha que inventar alguma história, né. Então o negócio era um pouco complicado assim. Aí eu fui criança que eu tive todas as doenças, me lembro que eu tive coqueluche (uma tosse que parecia que eu ia arrebentar), catapora – meu pai ia sair de férias e estourou a catapora – e aí o médico, era o Dr. Leite Basso, pediatra famoso naquela época falou “não, o senhor pega um vidrinho de mercúrio cromo (que era o que se usava, não era nem mertiolate, era mercúrio cromo), cada casquinha, feridinha que sair o senhor pinga uma pintinha e vai pra praia”. Lógico que naquele tempo ir pra praia significava você ir sete e meia, oito horas pra praia, e dez, dez e meia da manhã você voltava pra sua residência, uma pensão, hotel, o que fosse, porque ninguém ficava torrando ao meio dia, que isso foi coisas depois dos anos 50 em diante, né. E lá tive eu catapora na praia. Tive também caxumba de um lado, tive... ai o terrível, terrível sarampo, foi fortíssimo, ardia os meus olhos, não tinha vacina de nada disso, era terrível, o sarampo que eu tive foi muito forte, eu tinha que ficar no quarto escuro porque me ardia os olhos, e foi até engraçado porque eu tava no terceiro ano em novembro (que a época que dá sarampo é muito no fim do ano), e eu não fiz as provas, aí em janeiro me mandaram ir na escola fazer as provas. Aí eu fiquei estudando, estudando, aí eu fiz a prova oral, ela nem me mandou escrever, me perguntou umas coisas, e aí ela tirou da gaveta o meu certificado de aprovação que já tava pronto, eu fiquei furiosa comigo porque “meu Deus do céu, estudei tanto, quando eu já tinha a nota garantida. Não precisava nem ter estudado”, né. Bom, foi um sarampo muito forte, bendita vacina que existe hoje, porque meus filhos não tiveram esse tipo de sarampo assim né. Nesse meio tempo, em 45, era o fim da guerra, e o Brasil tava muito rico, porque nós tínhamos exportado os produtos nacionais pra manutenção da guerra, produtos agrícolas, industrializamos várias coisas, meu tio, por exemplo, era estudante de engenharia, ele foi convocado pra guerra, minha vó ficou desesperada mas ele não teve que ir porque ele estava estagiando numa fábrica de panelas de alumínio que faziam as marmitas da guerra, então já era serviço de guerra e ele foi poupado, né. E o Brasil tava com muito dinheiro, tinha muito dinheiro, e estupidamente não soube aproveitar a situação positiva, ele consumiu sem produzir, ao invés dele criar estrutura de... vamos dizer assim, de indústria básica, ele comprou tolices: vieram produtos importados dos Estados Unidos, e aí se gastou. Me lembro, sabe a novidade que veio, foi chiclete de bola. Gente, o que eu mastigava de chiclete bola, que eu fiquei toda assada aqui no rosto inteiro de tanta bola que eu fazia. E meu avô como era muito novidadeiro comprou um aparelho e no domingo reunia toda família (eram três homens, meu pai mais dois irmãos, e meu avô), e ele comprou um liquidificador, só que ninguém sabia o que era um liquidificador, o que se fazia com aquilo. Aí os homens que sabiam inglês foram pra cozinha. E no tempo da guerra vinha coisas da guerra, e tinha também uma ração que os soldados americanos tomavam que chamava V-8 era uma coisa horrorosa, era uma latinha assim com oito legumes, vitaminas diferentes, com um gosto adocicado, horroroso. Aí meu avô, meu pai e meus tios foram pra cozinha e nós esperando o quê que ia sair daquela máquina que eles estavam traduzindo e não sei o que. Aí eles vieram com o pote, com uma jarra, e nada mais era... a receita americana era o V-8 da vida. Foi a maior desilusão que eu tive com o negócio do liquidificador. E o liquidificador não tinha receitas, as pessoas não sabiam muito o que fazer com liquidificador, era um e outro que tinha não era uma coisa assim... aí nos 50 anos chegou a Wallita aqui no Brasil, aí começou a fazer os eletrodomésticos, e a Wallita começou a dar aquelas escolinhas de cozinha, de lançamento, e aí que as mulheres aprenderam o que fazer com liquidificador. Aí surgiram as receitas com liquidificador. Era muito engraçado, foi como também nos anos 80 foi o freezer e depois o micro-ondas, que surgiram vários cursinhos de microondas, de cozinha, de congelamento, porque no início você tinha o aparelho, eu quando comprei...
[00:16:27]
P/1 – Você fez algum curso desses?
[00:16:30]
R – Eu... fiz um de congelamento mas eu achava que era uma trabalheira tão grande que nunca me animei, sabe. E o microondas, no início eu só fazia maçã e banana no microondas, eu demorei um pouco pra comprar microondas que meu marido tinha medo das emissões, assim, esses engenheiros são meio apavorados. Nos anos 40, eu me lembro que minha vó falou que era o Zeppelin, mas meu marido disse que nunca o Zeppelin veio no Brasil mais em 46, 47, lá no Jardim Paulista onde a gente tava morando, primeiro na Alameda Campinas, tinha, eu vi o Zeppelin, mas era um outro dirigível que não era o Zeppelin, não sei se você sabe o que é um dirigível, sabe né, que é um charutão assim movido a hélio, a gás, e que é um meio de transporte até pouco poluidor, muito seguro, mas como teve uma explosão uma vez de um (não me lembro agora o nome), então eles pararam de produzir na Alemanha e em outros lugares. Seria talvez muito mais interessante do que avião (se tivessem desenvolvido), porque ele não era tão poluidor. Aí eu já tinha então na minha casa o liquidificador e a geladeira, a frigider* que veio importada, americana, que durou na garagem da minha casa até o século XXI, horrível, tava escapando gás, fazia gelo, mas durou todo esse tempo, como também o aspirador, durou até século XXI, fraquinho, ruinzinho, mas tava lá. Porque eram importados muito sólidos, eram coisas assim, de muito boa qualidade, deixou-se de comprar gelo, botar nessa caixa (que era uma caixona, um armário) pra se ter geladeira. Isso era uma grande conquista, que as donas de casa deixavam a manteiga ao ar, na água, pra não estragar. A comida tinha que ser sempre feita na hora porque podia estragar, até hoje ainda tem, assim, as empregadas que o marido é mais humilde, mais pobre, mas o marido exige que ela tem que cozinhar todo dia o arroz e o feijão porque vem aquela tradição de que não podia guardar porque ia estragar. Então veio a geladeira. A geladeira facilitou imensamente a vida das pessoas. Na minha casa já nos anos 50, teve duas coisas que poucas pessoas tinham nos anos 50, era uma máquina de lavar roupa, ai, era muito engraçado, porque você punha a máquina, ela batia mas ela não centrifugava, aí você tinha uma manivela, aí você punha a roupa na manivela e ia torcendo assim a roupa e saia bonitinha, mas na base do braço da gente, né. E a outra coisa que foi sensação e que teve pessoas que só vieram ter no final dos anos 60 (meu avô era muito novidadeiro), a televisão com o Chateaubriand, né, chegou em 1951 (21 de setembro, dia do meu aniversário) e meu avô em janeiro / fevereiro já arrumou uma televisão. Só que você não comprava a televisão, você fazer o seguinte, você tinha técnicos eletrônicos que tavam surgindo a profissão, você mandava um marceneiro fazer uma caixa com porta – era um móvel grande assim – o eletrônico, técnico, comprava as peças, montava a televisão e aí trazia e encaixava naquele móvel. Quando ele veio instalar não tinha ninguém em casa, só tava eu e a empregada, então ele que me ensinou a manobrar a televisão. Então eu era uma pessoa importantíssima na casa de noite, que a televisão começava às seis da tarde, tinha o Circo Bombril que era coisa de circo e tudo isso, a manobrar, porque a televisão caía no vertical e no horizontal, ficava assim, você tinha que pegar os botões e ficar equilibrando, acertando a posição, né, e eu então era a manobradora de televisão, que juntava todo mundo pra ver televisão das seis da tarde até umas onze da noite.
[00:21:10]
P/1 – E isso você tinha que idade?
[00:21:13]
R – Ah... 51... eu ia fazer 11 anos, foi 1951 pra 1952. E eram programas muito interessantes. Assim, sei lá se é saudade, mas por exemplo, você tinha – lógico que não tinha videoteipe, não tinha gravação, o programa era todo ao vivo – os programas eram ao vivo e você tinha programas como Júlio Gouveia, Tatiana Belinky que faziam programas infantis muito bons. Tinha novelinhas, As Meninas Exemplares, o Pequeno Lord, não sei que, enfim, que eram em capítulos, assim, era de um bom gosto tremendo. Tinha o tal Circo Bombril todas as segundas-feiras; o jornal, claro, era ao vivo, as propagandas também eram ao vivo (não era gravação). E tinha depois os teatros, teatros muito bons, porque quando no teatro, a peça, quando acabava a temporada eles representavam na televisão todas as peças. Tinha três teatros: o Teatro de Vanguarda, o Teatro de Monções e o Teatro de Comédia. E eu então, eu fui uma pessoa quando fiz colegial fiz clássico, eu era tão culta literariamente, porque eu assisti (fora da idade diga-se de passagem), porque a minha vó queria assistir e queria companhia, ela dizia “não, não vá dormir, venha ver.” Eu gostava de ver, eu assisti peças pesadas como “Um bonde chamado desejo”, “Casa de boneca”, várias outras coisas, assisti tudo que era literatura de teatro, dos mais pesados aos mais assim, eu sabia, eu tinha assistido na minha infância, que pouca gente tinha televisão naquele tempo. Era o famoso Teatro Monções que era aquela construtora de prédios que construiu, se não me engano, ali na Paulista onde tem um edifício, o primeiro grande edifício na Paulista, que tem um shopping, na esquina da Augusta, aquele ali era uma consultora muito grande que fez vários prédios da Avenida Paulista, um na esquina da Pamplona, e esse Teatro Moções patrocinava esses teatros. E no domingo tinha ou o teatro de comédias ou o teatro de dramas, no domingo sim. Além disso tinha operetas, operetas todas que aconteciam no teatro (naquela época a cultura de óperas e operetas era muito maior do que agora) eu assisti todas as operetas, eu vi o Valegri (?), Casa dos Três Vinténs, e não sei o que, tudo ao vivo, ao vivo que passava. Ópera, engraçado, eu não me lembro muito, mais as operetas que eram muito alegres, tinha o Pescuma que era um artista excelente. Então a televisão fez parte da minha vida desde menininha, na minha rua acho que não tinha mais ninguém que tivesse televisão naquele momento, depois foi tendo. Quando eu me casei em 64 e fui morar no interior não tinha televisão em Taubaté porque a televisão ainda era feita por retransmissão de torres, e não tinha chegado uma torre em Taubaté, então você vê, bem perto de São Paulo, 120 km você já não tinha. No primeiro ano de casado chegou a retransmissão aí nós compramos televisão, porque eu tava super acostumada, há 20 anos com televisão. Nesse meio tempo, bom, a minha vida corre, fui sempre saudável, bem moleca, adorava subir em muro, trepar, pular corda, fazer não sei o que, estudei num colégio feiras ali no Paraíso, no Imaculada Conceição, e conheci a Paulista quando era só cheia de casas, não tinha prédios, os primeiros prédios foram surgindo. Eram casas grandes, sempre com janelas fechadas, eu era menina, meu pai era congregado mariano na Igreja de Santa Cecília lá em Santa Cecilia e nos domingos ele ia e aí ele me levava pra a cruzadinha, na infância, catequese, assim, que era um movimento, e eu passava de manhã às sete horas da manhã na Avenida Paulista de bonde, aqueles bondes camarão né, que nesse tempo eu ainda morava no Paraíso, depois em Vila Mariana. E eu pensava “por que será que gente rica não abre a janela?”, porque as casas eram sempre fechadas, você não via uma... e as janelas fechadas dos quartos, a primeira coisa que nós fazíamos em casa quando acordava era abrir as janelas e essas mansões você não via um movimento, que engraçado, “gente rica não abre janela...”, porque eram várias mansões. A Paulista era toda plantada de ipês amarelos, quando chegava essa época de setembro a Avenida Paulista era uma coisa linda. Helena Silveira, que foi uma jornalista escritora, escreveu muitos artigos sobre isso, comentando como era a Paulista, ficava toda amarela a Avenida Paulista, com o trem camarão no meio, trem nada, bonde. Tinha na Avenida Paulista um Angely (?), que era um bonde chique, os bancos eram todos de palhinha, era muito chique, sabe, o nosso não, o nosso era de madeira. Bom, eu também aí, quando eu já tava no ginásio, eu tava cheia de ser da condução da escola, implorei pro meu pai pra sair da condução, e aí quando eu tava na oitava série, que era a quarta série do ginasial, ele me deixou voltar de condução. Eu morava em Vila Mariana, e na Domingos de Morais, no Paraíso, eu ia até ali pegar o bonde. O bonde, gente, era uma delícia, era um bonde aberto, com bancos e estribo, né, o cobrador ia pelo estribo cobrando, e tinha o reboque que era um bonde menorzinho que ia preso no grande. E ali onde eu estudava tinha o Maria Imaculada, tinha o Bandeirantes, tinha o Ipiranga, tinha o Santo Agostinho, um monte. Aí a gente saia meio dia e meio da aula, todo mundo, e era aquela estudantada, e o gostoso era ir no reboque, porque o reboque ele gingava, sabe, e os rapazes iam no estribo e a as meninas dentro. Era uma paquerada, era uma folia que vocês não podem imaginar, era uma coisa... que tudo era assim, comum a todos, todos faziam a mesma coisa, é uma coisa diferente, né. Bom, então na minha casa já tinha de liquidificador, aspirador, enceradeira, porque antes as mulheres não tinham profissão, elas eram donas de casa, então aquele... algum esforço de potencialidade que elas tinham e que não podia ser exercido em outra coisa, era nas casas, então cada casa tinha que ter o chão mais brilhante do que o outro. Então nos anos 40 as donas de casa varriam, passavam pano úmido, depois passavam cera e passavam escovão, o escovão era uma peça de ferro pesada com uma escova em baixo que você polia o chão, e de vez em quando você passava uma palha de aço pra tirar a cera. Aí chegou a enceradeira. Ai, a enceradeira era um sucesso! Cada uma queria ter o chão mais brilhante, porque todo mundo tinha chão de taco, que nos idos que eu não lembro, se lavava a casa como eram as tábuas de madeira, depois começaram a ter os tacos e todo mundo encerava os tacos.
[00:28:54]
P/1 – Você ajudava em casa? Como que era essa relação com eletrodoméstico?
[00:28:58]
R – Em casa tinha empregada, é... não, eu ajudava, porque eu fui criada com a minha vó, minha mãe foi mais doente, então eu fui criada com a minha vó. E minha vó era europeia, eu tive uma criação bem europeia, ela era louca por mim, porque ela teve três filhos, não teve filha, eu era a neta mais velha, ela era possessiva comigo. Mas ela era muito rigorosa, por exemplo, eu de manhã eu levantava (ninguém levantava), eu levantava às seis, me vestia, punha o uniforme, abria a porta, pegava o pão e o leite que tava ali na porta, a garrafa de leite, o pão, eu fazer o meu chocolate, meu pão com manteiga, eu tinha chave, eu batia a porta e esperava a condução. Mas antes, quando eu levantava eu tinha que arrumar a cama, guardar todas minhas... eu deixava meu quarto impecável.
[00:29:50]
P/1 – Morava junto? A tua vó morava junto com os seus pais?
[00:29:56]
R – Não, é que a minha mãe teve doente. Ela morava na rua ao lado, mas eu passei pra casa minha avó, eu fiquei mais tempo na casa da minha vó do que com meu pai e a minha mãe, embora pertinho de casa, né. E eu era... assim, quando tinha empregada eu não fazia nada, mas quando não tinha empregada, eu tinha que ajudar. Minha avó era uma dona de casa assim caprichosíssima e muito novidadeira que nem meu avô. Uma coisa que surgiu no fim dos anos 40 quando meu avô construiu a casa lá na Rua das Glicínias, foi o carpete, mas não era esse carpete que a gente conhece. Era coisa grã-fina, você tinha uma loja muito chique na Rua Direita, que se chamava Casa Alemã – na guerra ela teve que mudar de nome porque nada que era alemão era permitido, então ficou Casa Anglo Brasileira – era uma casa chiquérrima, de coisas de casa, a gente ia no andar de cima quando minha vó mandava fazer cortinas, colchas, tudo isso, era “madame pra cá, madame Rios para cá, madame Rios para lá”, a gente sentava, vinha uma copeira com uma bandeja de prata, chá, assim, pra oferecer pra cliente, sabe, tudo do mais assim. Aí minha vó encomendou – que ela gostava de coisa que não desse trabalho, a casa tinha que ser funcional – carpete, mais o carpete você escolhia o padrão e aí você mandava fazer aquela medida do tapete. Minha vó escolheu um assim bege cor de vinho pra pôr na sala. Era lindíssimo, sabe, era grosso, espeço e tudo isso, mas era assim, era uma coisa fora de série, ninguém ali na minha rua tinha o tal bendito. A minha vó gostava muito de casa muito bem arrumada, então assim. Bom, aí nós já tínhamos aspirador, enceradeira, televisão que era raro, e a vida ia indo. Aí eu consegui não ser mais condução da escola...
[00:32:15]
P/1 – Pera aí, deixa eu te perguntar um pouquinho. Você pode contar um pouquinho dessa história que você morava mais com a tua avó...
[00:32:24]
R – É que a minha mãe teve um problema, e quando ela engravidava ela não ficava muito bem, ela perdia os fetos. Eu uma vez eu fui pra minha vó, fiquei. Outra vez, minha mãe perdeu uns três ou quatro, e minha mãe teve um problema, assim, de desequilíbrio nervoso mental por causa dessas gravidez. Hoje em dia falando com a minha médica ela falou “olha, se fosse hoje em dia a gente tiraria o útero dela e não teria mais isso”, porque minha mãe ficou boa na menopausa. Então ela teve esse tipo de problema, que ela precisava ser internada, tratada, eu aí fiquei com a minha vó e não queria mais ir embora, meus pais moravam na outra rua e eu vive mais na casa da minha vó do que do meu pai e da minha mãe, embora eles sempre presentes na minha vida.
[00:33:18]
P/1 – Você era a filha mais velha?
[00:33:20]
R – Filha única, fui a única que conseguiu vencer o nascimento. Inclusive quando eu nasci ela teve um... como você chama, assim... como é que se chama quando a pessoa não fica bem depois do parto...
[00:33:35]
P/1 – Depressão pós-parto.
[00:33:37]
R – É, depressão pós-parto. E as outras vezes que ela engravidava ela perdia e ficava mal. Então, sei lá, não tinha pirula, né, não tinha nada, aí enfim... Então eu fui criada mais com a minha vó, meu pai e minha mãe eram muito presentes, mas eu ficava na casa minha vó. Minha vó se apropriou de mim, assim de uma certa forma.
[00:34:00]
P/1 – Você falou que ela era europeia, da onde?
[00:34:03]
R – A história da minha vó é curiosa, porque ela na verdade nasceu em Campinas. Em 1888 ela nasceu em agosto, e quando chegou dezembro teve a famosa febre amarela que dizimou Campinas, inclusive se pensava até em transformar Campinas na capital do estado porque ela era mais rica do que São Paulo. Mas com a febre amarela, Campinas foi dizimada, e a mãe dela morreu nessa... foi uma das primeiras, porque começou em dezembro de 88 pra 89 a febre amarela, e ela já morreu em dezembro. Então minha avó ficou órfã com cinco meses. E aí o pai, quando ela tinha uns quatro anos, pegou o filho mais velho e minha vó e levou de novo pra Galícia, na Espanha, onde morava a família, tanto a família dele quanto a da esposa, e ele foi pra casar com uma cunhada, só que quando chegou lá ele não gostou do gênio da cunhada, casou com a outra cunhada e trouxe pra Campinas. E a minha vó ficou na Espanha até 18 anos, quando o pai praticamente a sequestrou, porque ela não queria voltar pro Brasil, mas ele foi lá “ta bom, você não quer vim pro Brasil, então vamos fazer uma viagem, conhecer um pouco da Espanha” e viajou um pouquinho, tá tá tá, levou pro porto e trouxe pro Brasil. Então ela veio muito revoltada, porque ela se sentia espanhola porque desde criancinha ela tinha sido criada na Espanha, né. Então minha vó era bastante espanhola, e tinha tido uma criação de umas tias que tinham sido muito ricas, burguesia rica, eles tinham duas fábricas de linho, e teve dois incentivos e elas ficaram na tanga, na miséria, mas elas tinham aquela pompa e circunstância de quem tinha tido dinheiro. Então elas moravam... não sei, essa parte eu me arrependo de não ter perguntado mais, né, e elas ensinavam as meninas da sociedade a bordar, elas viviam disso, de bordados, de dar aulas de bordado, mas elas eram muito rigorosas com a minha vó. A minha vó o dia que ela chegou na Espanha, cansada, menininha de quatro anos, serviram ‘roupa velha’, ‘roupa velha’ é uma comida espanhola que mistura um monte de carnes, e minha vó falou assim “ai, eu não gosto disso”, e não comeu, magina, tinha uns 4 anos, chegou de noite, deram o prato dela de “roupa velha” dela outra vez e ela “eu não gosto”, já tava verde de fome, né, quando chegou na manhã seguinte, a “roupa velha”, ela disse que nunca comeu uma comida tão gostosa, então ela sempre dizia “nada como a fome, é o melhor tempero da vida”. Qualquer coisa que a gente não gostar de comer, “vai sentir fome que você vai ver como vai ser gostoso”, né, fui criada com isso, que a fome tempera tudo. Então, a vovó... e meu avô nasceu também na Galícia, pertinho da minha vó, mas veio com 15 anos pro Brasil. Mas ele veio, ele era um espanhol bonito, tipo mouro, sabe, moreno, olhos verdes e ele veio trabalhar com portugueses, e meu avô parecia até um português, porque tinha um pouco de sotaque (se bem que a Galícia também, o galego você não sabe se eles tão falando português ou espanhol). Então quando eles vieram, meu avô... mas é um homem muito bonito e muito inventivo, muito novidadeiro pra tecnologia, as coisas de tecnologia eram com o meu avô, né. Ele viajou o Brasil inteiro porque ele muitos anos trabalhou como como atacadista de louça, ele ia pra os estados, principalmente pro norte e nordeste pra revender pros grandes comerciantes do nordeste a louça que era fabricada aqui em São José dos Campos. São José dos Campos era uma outra cidade que você não pode imaginar como era: tinha o bendito do banhado, a cidade acabava assim, naquela beirinha que era alta, e tudo aquilo era verde plantação de arroz. Quando eu fui morar em Taubaté também, o Vale do Paraíba era cheio de plantação de arroz. E aí foi, começou a construção da Dutra – aliás, a construção foi em 50 que começou, mas a duplicação começou nos anos 60 – e aí mudou tudo e o Vale virou um vale industrial. Antes era um Vale Verde, “como era verde meu vale”, a gente brincava (igual o livro), porque era plantação de arroz pra tudo quanto era lado, que hoje em dia você não vê mais. Mas voltando aos anos 50, fiz o ginásio, sou da geração... uma vez eu fui em uma conferência, uma palestra de um padre e ele disse assim “aqui no auditório quem é que estudou latim?”, aí levantaram tantas mãos, aí ele falou “bom, eu já tenho ideia da média de idade aqui”, porque eu tive, estudei latim durante sete anos: da primeira série ginasial até o terceiro colegial, porque eu fiz clássico. O meu currículo era Latim, Inglês, Francês, no colegial entrou Espanhol, Artes Domesticas, entrou bordado (que eu era um traste que eu nunca dei pra essas coisas), Desenho, História, Geografia, Português, Matemática, eram 13 matérias, e Instrução Religiosa porque era colégio de feiras, então o Latim, sete anos de Latim, que eu odiava, que me arrependo amargamente porque eu tinha tanta raiva do professor, ele era um excelente professor mas ele não tinha didática nenhuma, eu com esse metro e meio, nunca fui mais alta, ele fazia com as meninas: mandava escrever no quadro, ele punha de zero, do número um ao número final, “já tem o zero, se vocês acertarem é 10, se vocês não acertarem é zero”, imagina que didática, que sensibilidade pra criança. A gente tinha que escrever, ele queria que a gente escrevesse bem no alto do quatro, a gente não alcançava muito e ele punha uma folha de papel “pronto agora você está mais alta”. Como os professores eram terríveis, como eles não tinham o respeito pela criança, era uma coisa assim tão... hoje em dia gente pensa, era cruel, era cruel o humor, as gracinhas que eles faziam. A educação aprendeu a respeitar a criança, ainda não como seria o ideal, mas a gente caminhou muito, caminhou muito porque não havia, era um autoritarismo era um rigor. Você levava uma classe com 45 alunos com muito mais disciplina do que leva hoje um professor com 30 alunos, porque... Outro dia eu tava vendo um filme dos anos 60 de um colégio de freira na Inglaterra... a gente levantava na sala de aula quando qualquer um entrava, se ficava em pé e em colégio feira tinha uma ave-maria... quando chegava uma visita na sala de aula, a primeira coisa todos os alunos ficavam em pé retinhos, rigorosos, era... havia algumas coisas que eram muito terríveis, mas havia também um polimento e uma compostura que se perdeu. Eu que lidei a vida inteira na educação de escola pública, as vezes eu... não é saudosismo, é ver o que era ruim e ver o que era bom, e havia uma condição de respeito ao professor, à autoridade do professor, que se perdeu completamente no Brasil, na Europa ainda é assim. Eu sei porque eu recebi intercambistas em casa, que quando foram estudar aqui achavam a escola o fim do mundo, porque existe ainda esse cerimonial de respeito. Com a decadência do magistério com o pagamento ridículo que se paga hoje ao professor, ninguém mais... o professor naquela época era um professor de meninas de classe média... não quero desmerecer, mas existe uma cultura de base, um lastro cultural que hoje em dia os professores não têm, porque é uma profissão tão mal paga, mas por que, porque perdeu a dignidade, o respeito e o valor. Mas voltando então, no colégio de freiras, aquele sistema todo de uniforme, uma faixa azul, o nosso uniforme era muito lindo, nós tínhamos um uniforme de gala. Quando tinha desfiles, o colégio São Luís e o meu colégio sempre ganhavam o primeiro prêmio. O colégio São Luís dos padres jesuítas ali na Paulista tinha uma farda branca com uns negócios dourados, amarelos, e o meu era uma saia, peitinho assim creme, uma blusa de seda, de gala, uma blusa de seda branca, uma faixa azul celeste que pendurava assim, um chapéu com faixa azul também. Então quando a gente desfilava, porque havia muitos desfiles naquela época, em função do espírito fascista dos anos 30/40 que sempre estimularam muito as marchas, e ainda ficou isso na mente, os desfiles eram muito importantes, de sete de setembro todas as escolas saíam, no interior eu ainda peguei isso. Havia campeonato então de quem... que escola que ia melhor, havia uma série de coisas assim. E o meu colégio sempre ganhava porque nós tínhamos uma farda, o conjunto ficava muito lindo, creme, branco e azul, né. E bom, aí eu estudei. Ah, aos 15 anos eu tive outra vez caxumba, porque eu tive dum lado aos 7/8 anos, e aos 15 anos eu tive do outro lado e foi uma coisa horrorosa, fortíssima, com febre, com dor, foi tremendo... E aí eu tive minhas doencinhas todas de criança e toquei a vida, fui pra faculdade pra USP.
[00:44:27]
P/1 – Pera aí, fala um pouquinho mais dessa sua adolescência. Como que era, você morava aonde?
[00:44:33]
R – Sempre morei em Vila Mariana...
[00:44:39]
P/1 - Começar a sair...me conta dessa época.
[00:44:41]
R – Primeiro, as mães não tinham carro, não levavam filho não sei aonde, não sei aonde, você tinha que fazer amizade no bairro. Chegava uma vizinha nova, a gente ia bater lá “tem criança nessa casa?”, a gente ia chamar. Mudou a mudança, no dia seguinte tava batendo palma.
[00:44:58]
P/1 – E onde era?
[00:45:00]
R – Vila Mariana, Mirandópolis. E a gente brincava muito na rua, a gente tinha a turma da rua. Quando chegava no domingo, a gente ia pra sessão da tarde no Cine Cruzeiro ali na praça na Praça Ana Rosa. Ai, era uma gostosura, porque começava à uma e meia da tarde e acabava cinco e meia da tarde porque: passava jornal, desenho animado e dois filmes. A gente começava a uma e meia e saia as cinco e tanto, nós íamos naquele bando, 9, 10, 12 meninas... meninos, meninas no ônibus fazendo... você sabe como adolescente é, fazendo aquela barulheira, aquela animação, aquela brincadeira toda. Depois mais aos 15 anos, as casas não eram grandes assim, tinham os ‘assustadinhos’, eram os bailinhos. Cada um levava alguma coisa, assim, um prato de sanduíche, um suco (nem se usava tanto... era guaraná e coca cola, mas não era assim de levar o refri, levava-se mais suco) e se fazia bailinho dentro das casas, as salas as vezes pequenas com a vitrola, assim, de pôr o disco e tirar o disco. E era muito gostoso gente brincava. A gente tinha uma juventude, fácil, fácil, porque era tudo perto, não dependia... a gente tava chateado ia chamar a amiga do lado, não dependia do... eu vejo meus netos, meus netos moram em Ponta Grossa, cidade do interior, nunca brincaram na rua (agora já tão na faculdade), nunca fizeram um amigo, um amigo no bairro, os amigos deles são só os amigos da escola, que vêm na casa deles, que eles vão pra casa dos amigos, que as mães transportam de carro pra cá, pra acolá, e eles não conhecem um garoto da rua. Magina no nosso tempo, nós conhecíamos e tinha até dois bandos as vezes, das mais velhas, das mais novas... Nas férias tinha uma mãe que era ótima, a dona Guilhermina, a gente ia jogar buraco na casa dela, nossa, o que ela gastava de queijo, porque fazia tostex que era novidade daquela época, era um monte de tostex, a gente jogava buraco, as vezes duas mesas, fazíamos assim... E líamos muito, muito. Fazíamos jogos, banco imobiliário, damas, xadrez chinês, a gente jogava muito essas coisas. E líamos muito, e trocávamos muito livro, tinha uma série de livros (agora não me lembro da coleção, Coleção Terra Mar e Ar), enfim, líamos romances de tudo quanto era jeito. Comprávamos muita revistinha, me lembro no domingo, quando a gente saía da missa, eu sempre tinha direito de parar na banca. Agora a banca ali da Heitor Penteado tá vendendo ovos porque não vende mais revistinha, porque revistinha ninguém compra, jornal também não compra, eu sou uma que não leio mais jornal, leio no tablet, quer dizer, a banca tá perdendo a função, mas a banca era... Então comprávamos as revistinhas, Capitão Marvel, o Chazan... era uma delícia. Vocês não imaginam.
[00:48:28]
P/1 – Conta alguma história dessa fase assim, que vocês iam, de algum bailinho. Um dia que tenha te marcado desses bailinhos.
[00:48:40]
R – Ah, eu me lembro de um bailinho na casa pequena, sala não era grande, assim, e não sei como apareceu um rapaz mais velho, não como ele apareceu lá, e ele me tirou pra dançar. Gente, eu me senti poderosa. No fim eu vim saber que ele era bailarino, no teatro, nas peças, musicais, ele ensaiava os artistas. Gente, eu me senti a rainha da dança, porque como é importante um cara que sabe conduzir a mulher. Era só com um toque, ele me fazia rodopiar que era uma... – isso aconteceu isso e depois aos 52 anos outra vez, que eu tive duas oportunidades assim – mas eu fiz coisas que eu nunca pensei que eu saberia fazer, porque eu era um pouco inibida, eu era molequinha nas atividades, mas eu nunca fui assim... engraçado, eu sou muito saliente em algumas coisas, em falar, me expor, mas eu não... eu, eu, eu, sou tímida no fundo, não gosto de certas exposições. É curioso, eu mesma acho engraçado, que eu sei que eu tenho uma fase de timidez, assim, ou de me expor em certas situações, pra outras não. Se tiver que falar com o presidente da república – Deus me livre, esse eu não quero (risos) – eu não tenho. Mas eu, pessoalmente, eu tenho um certo acanhamento, assim, né. E ele me fez... foi um bailinho excepcional, sabe, foi assim uma coisa que eu voltei rindo, né. E a gente nem tinha paquera, paquera porque nós éramos todos os amigos da rua.
Tive, tive um namorico com 11 anos, o rapaz tinha 16, nossa senhora foi uma coisa... ah que sofrimento quando ele foi embora porque os tios eram embaixadores e ele foi pra África do Sul com o tio, porque tinha outros irmãos e ele foi. Ai que sofrimento perder meu namorado. Eu me lembro que eu tinha um cachorrinho, um basset, e ele, então quando ele queria, ele assobiava Ceci Bon – que é uma música francesa, tava na moda – aí eu dizia “vou passar com o negrinho”, aí chamava meu cachorro, o basset, né, e saia e nos encontrávamos na esquina para ficar namorando, caminhando e o meu cachorro era muito engraçado, daqueles basses assim possessivos, e se a gente demorava um pouquinho ele parava e ficava olhando, enquanto a gente não andava ele não andava também, e quando a gente começava a andar, ele andava, ele dizia assim, meu marido quando namorou comigo, dizia “Deus não te deu um irmão mas te deu um cachorro chato que benza Deus”, mas era assim. Ah! Tinha as sessões Ziguezague nos domingos de manhã, a gente ia ver desenho animado às dez horas da manhã no cinema, tinha o Sabará, onde ia. Aí teve um garoto que pediu pra namorar comigo, mas eu tinha acabado de perder meu namorado que tinha ido pra a África do Sul, “eu não posso, estou muito comprometida com alguém” (risos). Eram umas coisas tão inocentes, tão infantis, mas acontecia. E que a gente tava ligada tava, ainda mais porque era muito ter colégio de menino e colégio de menina.
Então era empolgante a gente encontrar com os garotos. No meu colégio as feiras eram muito danadas, elas não deixavam, elas faziam umas festas, festa junina, festa de não sei o que, festa não sei, cobravam entrada, e aí vinham os meninos do Bandeirantes, do Colégio Ipiranga, da turma ali de Vila Mariana, né, do Santo Agostinho, São Luís, ah, era uma farra quando os meninos iam no colégio pra paquerar. A paquera era uma coisa mais empolgante eu acho que agora. Era assim, era o proibido junto com o permitido, né, então havia assim, um toque picante, gostoso. Chega? Ou quer mais coisa? Tem muita coisa pra contar! Depois no colegial nós começamos a fazer as festas pró formatura, era muito comum dar bailinhos e cobrar entrada. Nós conseguíamos os salões de festa lá na Avenida Paulista, naquele prédio na esquina da Paulista com a Consolação, e lá em cima tinha um salão de festa e um jardim lindo, e a gente conseguia alugar. Aí fazíamos bailinhos, já nós éramos mais velhas, já tínhamos 17 anos e os rapazes também. Eu ia dançar muito na Poli, porque na Poli era assim – não é Poli que é hoje na USP, Cidade Universitária, era lá na Avenida Tiradentes, né – e tinha o Baile das Meninas Direitas que era no domingo à tarde, e das não sei que, que as meninas direitas não podiam ir, no sábado à noite. Então a gente ia nos bailes, acho que era mais agarra no sábado, não sei porque eu nunca fui. Mas a gente ia nos bailes, nos bailinhos que tinha todo domingo na Politécnica. Eu ia nesses, tinha outros que iam em outras faculdades. Eu frequentei e foi onde eu conheci meu marido, né. Aí eu ainda tava no colegial quando eu o conheci lá no nos bailinhos da Poli. E a gente tinha esses bailes que também era muito gostoso, era um modo... e a bebida mais forte que existia era a bendita cuba-libre, que era coca-cola com... enfim, era gostoso.
[00:54:44]
P/1 – E deixa eu te perguntar, quando você ficou menstruada pela primeira vez?
[00:54:50]
R – Ah, eu fiquei muito cedo, com 11 anos. Eu fui uma das primeiras da minha turma. 11 anos.
[00:54:56]
P/1 – O que aconteceu?
[00:54:58]
R – (risos) Foi muito engraçado, porque meu tio mudou pra Curitiba e eu fui com a mudança com a minha tia, e minha tia ficou uns dias no hotel, enquanto montava a casa. E aí um dia, nós estávamos no jantar e tava o gerente da firma – meu tio era o diretor da ESSO da região sul do Brasil – e tinha um gerente lá que tava também no hotel e eu falei “tia, como você tá vermelha, o que é isso?” Aí depois ela falou assim “Cecilia, não chama atenção assim das pessoas. É que eu to passando por uma crise e não fica bem chamar atenção assim”, porque ela tava acalorada de menopausa já, “é uma coisa que acontece com as mulheres, que vai acontecer com você também, você também vai ter assim, um sangue que vai sair, né, e isso a gente é discreta, a gente não comenta” ela falou me explicou tudo. Eu não tava nem aí, né, aí passou uns oito meses, tinha o coradouro, tinha o gramado de coradouro, minha vó aquelas espanholas explosivas “mas o que é isso? Tanta calcinha aí na grama?” aí eu falei “é que eu não sei o que aconteceu, mas tá saindo um sangue... eu troco a calcinha e mancha outra vez” e eu pondo no coradouro. E a minha vó falou “Ah! Mas a sua tia explicou tudo para você, ela te deu uma explicação inteira” eu “ah! Aquele assunto! Era isso?” (risos). Eu não tinha a menor ideia. E como a minha vó era muito moderna, ela disse “ah, as mulheres usam umas nojentas dumas toalhinhas, que é uma coisa horrorosa, agora tem um produto novo (era lançamento que devia fazer um ano ou dois). Você vai lá na farmácia, fala com a dona Maria, mulher do Seu Antônio (que era o dono da farmácia) e fala que você ficou mocinha, pra te vender tudo que precisa”, nem foi comigo. Aí eu cheguei na farmácia e falei “dona Maria, a minha vó mandou dizer que eu fiquei mocinha, e que pra senhora me vender o que é preciso” (risos). Aí ela me vendeu, era uma caixona de moddes, assim, que eles já deixavam embrulhado em papel cor de rosa pra não parecer que era moddes, só que todo mundo sabia que aquele pacote cor de rosa era moddes! Me vendeu uma cintinha, ai meu Jesus, era uma cintinha com um fundilho de plástico, que o raio que você ia lavando ficava endurecida, te cutucava inteira, sabe, aí você prendia o moddes na cintinha – porque não tinha esses moddes que tem adesivo e coisas assim – você prendia o moddes e usava o bendito moddes. Eu sempre fui muito regulada, muito certinha. Ah, e me deu um livrinho que foi uma das grandes preciosidades que eu tive na minha vida, que eu emprestei pras minhas sobrinhas, pra minha filha (agora eu não sei onde é que eu meti) era uma produção da Johnson&Johnson explicando como usar o moddes e o que era a menstruação, era uma explicação tão saudável, tão tranquila, o que podia fazer, o que não podia fazer, “claro você quer entrar no banho de mar? Pode, mas não fica bem você entrar numa piscina. Você pode lavar a cabeça”, porque eu tive colegas que quando ficavam menstruadas elas não levavam a cabeça por que podia enlouquecer, ficar louca, havia essas coisas assim, “não podia comer não sei o que”, enfim... Havia ainda uma noção, um preconceito, uma fábula muito estranha, e eu como tinha gente muito moderna na casa e tinha também o bendito livrinho, era bonitinho, era umas menininhas de saiote, de tênis, de short, era moderninha, eu não sei onde tá... uma graça, e uma educação perfeita sobre o que era essa transformação da menina, é muito bacana. Então eu levei muito tranquilamente a minha menstruação, porque eu já fui informada de que... quer dizer, antes eu já tinha sido informada mas não entendi nada, não tava nem aí com a coisa, mas aí depois que eu li o livrinho e enfim... usei logo a aparelhagem moderna que existira e não aquelas coisas horrorosas de antigamente, eu levei muito bem a minha maturidade hormonal. Fui sempre muito regulada, não tinha cólicas, não tinha nada dessas coisas, aos 16/17 anos comecei a ter enxaqueca pré-menstrual, não era todo mês, não era sempre, mas eu tinha as vezes enxaquecas. Era engraçado que era uma enxaqueca que eu já sabia, de manhã já olhava pra luz, a luz me incomodava, me incomodava, aí quando era seis horas da tarde, seis e meia, começava a minha cabeça doer, doer, doer uma colherzinha que batesse assim numa xícara parecia um carrilhão tocando. E além disso, um carrilhão, eu precisava do quarto escuro, esquentar meus pés que ficavam gelados, quando chegava nove e meia da noite passava. Isso foi até engraçado porque quando eu estava namorando meu marido, foi uma época que eu tive bastante, eu chegava da escola que eu dava aula “não quero falar com ninguém, quero ir pro quarto escuro porque eu to com enxaqueca”, e quando era assim umas nove horas, ou ele vinha me ver ou telefonava, aí eu ia atender e minha vó dizia “é, pra atender o namorado acaba a enxaqueca”, aí eu “vó, você já não percebeu que eu tenho hora certa de enxaqueca? Que vai chegando essa hora ela vai acabando?” Era engraçado que era uma dor que tomava aqui a minha cabeça, tomava, tomava, tomava, quando ela chegava aqui na nuca que parece que a dor desse lado e do outro se encontravam, dava um choque quase, passava, tinha um ciclo a minha enxaqueca. Teve uma vez, quando eu fui no médico, que eu contei como é que eu fazia: quarto escuro, pé quente; eu pensei “pô, esse medico vai me dar um remédio bom” (era um ginecologista em Taubaté), aí ele disse “a sua enxaqueca passa?”, eu falei “passa” e ele “ah, porque a minha não passa”, ele estava querendo aprender comigo o que eu fazia com a enxaqueca, né (risos). Essa que era a verdade. Aí... eu fiquei muito cedo, eu fui a primeira ou a segunda da minha turma na classe que menstruou. Mas foi tudo certo, não tive problema nenhum, não tive neura nenhuma, não tive crença nenhuma, assim, a minha mãe era mais retraída, mas a minha vó era muito ‘prafrentex’, sabe. Eu por exemplo, eu podia viajar, eu podia ir à baile, eu podia ir não sei aonde, sempre desde que eu dissesse com quem eu ia, com quem eu voltava, com quem eu ia viajar. Foi me dado, talvez por ser filha única, ter a mãe um pouco doente e morar com vó também, eu tive muita maturidade muito cedo, eu fui uma menina muito ajuizada e muito madura, tanto é que quando o meu marido quis namorar comigo, eu disse um “não” redondo, porque eu já o conhecia há uns dois, três anos. Porque eu achava que ele era... ele era o quinto filho temporão, assim, eu achava – ele é um ano e meio mais velho que eu – mas eu achava ele de uma imaturidade que não me convencia, mas ele me encheu tanto, falei “bom, vou namorar um mês despois eu dou um fora nele”, mas ele me rodeou, me rodeou, me fez tal coisa que não deu como escapar, porque ele é imaturo ainda, comparado comigo, eu tenho assim uma vivencia, não sei, uma sensibilidade pra vida, uma observação que até hoje ele não tem, eu preciso dizer certas coisas para ele porque ele não percebe. Então... bom, aí teve os bailinhos, teve o cursinho.
[01:03:49]
P/1 – O seu marido foi o primeiro namorado sério?
[01:03:53]
R – Firme, firme, foi. Eu tive uma grande paixão aos 18 anos, era um rapaz que estava se formando na Poli, ele tinha 28 anos, ele era de família síria, por acaso de Taubaté (que depois eu fui morar lá), e ele renunciou uma parte da herança pra poder estudar, sabe, aqueles turcos assim, eles tinham loja de calçados em Taubaté. Mas aí houve uns desencontros, houve umas confusões, ele marcou e eu não fui, mas é que eu não sabia, e ele ficou ofendido, uma coisarada. E nossa, aquilo foi paixão dos 18 anos, sabe, quando tocava, eu tava no quarto de estudo lá no fundo, eu vinha correndo, era aquela coisa. Mas durou pouco. Depois eu tive algumas paqueras, mas... não me convenciam muito. E quando eu comecei a namorar com o meu marido, tinha um outro rapaz da geologia, que tava me paquerando. Era engraçado as paqueras, eram muito tímidas também. Eu estudava na Maria Antônia, ele foi a pé comigo até a Praça da Sé onde eu tomava ônibus pra a Vila Mariana... era assim. Eu participei muito, aí quando entrei na faculdade, da vida universitária. Eu fui uma pessoa que participei da política universitária, e antes da ditadura havia a famosa ação católica, era um movimento católico, tinha o JEC, JIC, JOC e JUC, que era Juventude Estudantil, Juventude Independente, Juventude Operária e Juventude Universitária, e ela tinha uma abertura, era um movimento cristão tremendamente social, voltado ao social, à justiça, e politizado.
Então a gente tinha... a gente tinha também uma vida política universitária, os grêmios, no colégio eu não participei, também era fraco que era colégio feira, eu não participei da politiquinha de ser presidente do centro estudantil, nada disso. Mas, na faculdade eu tive uma vida muito intensa, eu mais fazia as coisa do que tava na aula, verdade seja dita. Eu vivi muito e amadureci muito com todas essas atividades. Foi muito gostoso, sabe, porque eu tinha contato com todas as faculdades São Paulo. Nós tínhamos uma semana de estudo no fim do ano e no meio do ano, no início a ação católica tinha uma casa grande em Itanhaém e depois fizemos nuns seminários que tavam vagos, não sei que. A gente passava uma semana de estudos com estudos sociais, políticos e da doutrina cristã, de um ponto de vista moderno cristão, não o que pensam de cristão que vota num bozo da vida ou qualquer coisa assim, não esses Evangélicos que não sabe o que é Cristo, o que é uma doutrina de caridade cristã. Era uma coisa muito séria, a gente estudava autores muito grandes, gente importante vinha fazer a palestra pra gente, o Mario Carvalho Jesus era um advogado famoso de operários e teve uma greve famosa na fábrica de biscoitos Aimoré (em Jacareí, Jundiaí, não sei), que durou um ano quase. A gente tinha muita ligação com os operários, entende, as vezes a JOC juntava com a JUC e contavam as dificuldades das coisas, assim. E foi aquela época que eu só porque o Brasil tinha uma esperança maravilhosa, era uma coisa tão linda os anos 60 (os primeiros, não a ditadura), havia uma expectativa de Brasil não era mais no futuro ele já estava sendo, começou com o Juscelino quando ele fez aquelas metas 50 anos em 5 anos, foi o primeiro governo que tinha metas, e aí foi uma época que as coisas começaram... era um Paulo Freire que falava no nordeste, era os estudantes que faziam teatro, era a alfabetização popular, era o trabalho nas favelas, o desfavelamento, era... olha você não pode imaginar o que a juventude vibrava, era uma coisa assim... ai não dá... Meus filhos nunca tiveram, um dos meus filhos participou muito de política universitária, o único, que foi na ESALQ, mas nem se compara. Era uma vibração da Juventude, nós tínhamos uma força de um poder de sonhar uma mudança. Quando eu dava aula e eu falava do período Juscelino, os meus alunos, umas duas vezes me perguntaram “mas professora porque quando a senhora fala assim a senhora vibra tanto, os seus olhos brilham”, e eu dizia assim “foi a época da inflação, da roubalheira, Brasília custou cinco vezes mais do que deveria ter custado, muita gente ficou rica, os candangos viraram... aquele dono da Camargo Corrêa ele puxava carro de burro, carroça de burro de terra, aí ele foi comprar não sei o que, comprava não sei o que e virou a potência que era a Camargo Correa, tudo às custas da construção de Brasília, mas havia uma animação, uma vibração da juventude, uma seriedade ao mesmo tempo era gostoso”. A gente quando tinha essas semanas de estudo... fazia fogueira em junho, e na última noite ficávamos tocando música noite inteira com violão. Todo mundo achava que eu cantava porque eu sabia pedir todas as músicas, mas eu sou uma desafinada horrorosa, mas onde tem um violão eu adoro estar. Então a gente ficava na beira da fogueira, cantando. Quem não aguentava ia dormir um pouco. Quando eu namorava meu marido que ele foi comigo uma semana de estudo, eu falei “pode ficar acordado” / “acordada nada, você dormiu no meu ombro mais de três horas”, eu falei “por mim, eu achei que eu tinha ficado a noite toda”. Mas era muito gostoso, era uma juventude saudável, participativa, e não é saudosismo, viu gente, não é, isso aí pode parecer saudosista, mas eu vejo hoje é que cresceu... nós tínhamos um espírito coletivo, e hoje a sociedade atual é individualista, eu vi meus filhos na faculdade, nunca se envolveram em nada, tinham os amiguinhos, assim, e não tinha muitos amigos que se envolviam, porque foi o golpe militar que fez isso também, porque eles criaram o fechamento de todos os centros acadêmicos, a USP foi murada por causa disso, e a mudança do currículo na USP foi o golpe militar, por que antes, eu por exemplo, eu entrei no curso de História, eu ia assim, a turma era o primeiro, o segundo, terceiro, quarto ano era toda a turma, você se formava em turma. Aí, depois que eu saí da faculdade e voltei em 71, eu fiquei desiludida a com a USP, fui fazer geografia, mas desisti, desisti. Ela criou um sistema de créditos, então você montava o seu currículo, por exemplo, geologia, eu fazia com a turma de história natural, de geologia e de química, não era com os... se alguém não queria fazer geologia naquele, ou pedologia quando eu estava em 71, ia fazer outra coisa, fazia no outro ano, você quebrava as turmas. Hoje ninguém percebe isso porque é normal, e ninguém sabe como era antes, mas você tinha a força do grupo, porque você era a turma, você era uma turma que começava... Eu mesma não fui bem assim, porque o meu pai não deixou eu entrar na USP “ah, não, entra na universidade católica” eu entrei na PUC São Bento, lá nas Perdizes.
[01:12:20]
P/1 – Pra fazer o que? Pra fazer qual curso?
[01:12:22]
R – História, para fazer História. Mas aí, era biruta os professores daquela época da PUC, porque eram monarquistas e era aquela Família e Propriedade eram os professores e eram... tinha um negro que era monarquista porque ele era de família real na África, então ele era a favorável à monarquia no Brasil porque ele queria uma posição, Arlindo Rocha...Arlindo Nogueira...e o nosso curso era horrível, até tinham umas aulas boas as vezes, por exemplo, tinha professor que era patrinovista, ele não olhava para as mulheres, e eu sempre fui uma perguntadeira de marca, eu não paro quieta e eu “Professor?”, aí quando ele me respondia ele olhava pro outro lado, e nós éramos maioria mulheres, tinham alguns rapazes, mas, era horrível. Aí nós fomos falar com o reitor da PUC, uma turma, que o curso de história não dava para continuar daquele jeito, eu tive professores bons, tive de antropologia um peruano muito bom, alguns cursos eu tive bom, mas era assim, uma coisa antiquada, sabe, tinha muito monarquista naquela época, o movimento monarquista é até esquisito falar isso hoje né. Tinha jornalzinho monarquista. Aí nós fomos reclamar com o reitor era uma pessoa da alta elite de São Paulo, ele era da família Três Leões que era uma loja, assim, muito importante que vendia desde roupa a carro, era um consórcio enorme, e ele era posudo, a batina dele era de seda... nos anos 40, o pessoal de elite em São Paulo... Eu dizia que se eu tivesse estudado línguas, eu teria feito filolo... estudo da língua de São Paulo, porque na zona leste era “italianado, compreende, era assim” (sotaque), em Santo Amaro era o sotaque alemão porque era onde tinha a colônia alemã em São Paulo, assim, Paraiso onde eu estudava era a colônia síria, e o pessoal grã-fino que morava no Jardim Paulista e no Jardim América falava assim “mas, mamãe, papai” (sotaque), era uma pronuncia que hoje vocês não vem, mas porque não tinha a interferência dos estrangeirismos, e você dividia a cidade de São Paulo pelas línguas. A minha família que era do Jardim Paulistano, meus tios eram desembargadores quando eu ia nos aniversários, eu acha tão engraçado as minhas primas falando “mas, papai” (sotaque), eu como já estudava mas não estudava nem no Sion nem no Sacre Coer, eu estudava no Maria Imaculada, eu já não tinha essa linguagem. E esse reitor falou “a PUC não segura ninguém, é como ela é” / “ah, é?”. Nós fomos à USP e tinha vagas, fizemos uma entrevista, o curso que tinha 25 pessoas de dia e 18 a noite, 19 nos mudamos pra USP. Então eu fiz o primeiro ano na PUC, o segundo ano na Maria Antônia (que na Cidade Universitária só tinha Biologia), mas no terceiro ano a Geografia e a História foram para a USP, tinha a reitoria antiga, que era um prédio assim, que tinha duas alas laterais, que de um lado ficou a História e do outro lado ficou a Geografia. Gente, era um descampado a USP, tinha os barrancos, a terra, não tinha nem onde comer, a não ser que a gente andasse, andasse e ia na biologia lá em cima que já tinha cantina. Eu por exemplo, como eu fui pra USP, o meu histórico tinha nomes diferentes nas matérias, eu tive que fazer várias matérias. Então eu fazia de dia a tarde, e as vezes eu fazia matérias a noite, a noite gente, era uma escuridão, as corujas, passavam assim, tinha uma professora a Emilia Viotti, ela dava aula com o revolver assim na cintura, por que ela tinha medo de sair da USP e ela morava num sitio, não sei em Carapicuíba, não sei, então ela ficava com o revolver. Era uma cultura, depois ela foi expulsa pela ditadura e foi dar aula nos Estados Unidos, a grande comunista foi dar aula nos Estados Unidos na universidade, produziu muitos livros, mas eram umas aulas muito interessantes. Bom, eu então participei muito da política universitária, pincipalmente começou pela JUC porque era um grupo que entrava na política e entrei, fui presidente, não do centro acadêmico, do grêmio da história, aliás, eu era tesoureira, depois eu descobri uma marotagens do presidente aí eu fui pôr e ele renunciou, aí não tinha mais secretaria então eu respondia por secretaria, tesouraria e presidência do centro acadêmico, sabe. Mas no segundo ano, eu tive... Maria Luiza Marcilio que hoje é uma professora famosa de história e a Sylvia Magaldi que resolveram organizar o primeiro seminário de estudantes de História do Brasil, gente elas eram muito maduras para mim eu tinha uma admiração por elas, por que assim, eu era menininha, eu era ingênua 19 anos, mas eu era uma menininha ativa, participante, não tinha o desembaraço, nós organizamos, nós porque eu trabalhei muito, o congresso. Veio gente de todo o Brasil, das faculdades, pagando e tal, e nós tínhamos que acomodar, arrumar, fazer as palestras e tudo isso. Aí elas se formaram e me deixaram com a bomba no terceiro ano, praticamente eu que fiquei respondendo pelo centro acadêmico e centro de estudos da história. Então a minha vida universitária foi muito gostosa, foi uma vida assim, muito ativa. As vezes o bedel, muitas vezes eu encontrava com ele depois de idoso, ali no Bradesco na Heitor Penteado e ele dizia assim “ Cecilia, venha assinar a lista, você não assinou a lista”. Porque eu tava em tudo, tava em tudo, eu era da JUC, eu era da política universitária, eu era do não sei o que... E isso me deu uma vivencia muito rica, logico, me lembro do Sergio Buarque de Holanda, ele foi o meu professor, um péssimo professor, o pai do Chico, ele era feio, com uma cara de bulldog, tudo caído assim, ele não tinha vocação para professor, mas ele era um poço de cultura, distraído. Quando em 1961 foi criado o parlamentarismo aqui no Brasil, né, quando o João Goulart, o governo fez para ter parlamentarismo, quando o Jânio Renunciou, foi aquela confusão toda, teve o parlamentarismo, ai ele dizia assim (ele não preparava aula, ele vinha e falava o que ele achava), “eu acho que eu não dei informações, não contei a história da origem do parlamentarismo quando na Inglaterra com a carta magma em 1624...”, só que ele deu três vezes a mesma aula, porque ele esquecia que tinha dado uma vez... e ele era tão importante que a gente não ia dizer “professor, o senhor já deu essa aula” e ele ascendia o cigarro, as vezes tinha, três, quatro cigarros acessos na mesa, fumava na classe, magina, claro, fedia a cigarro. E era um tempo assim, tempo dos brasilianistas, quando os americanos resolveram estudar o Brasil. E era o... ai como se chama aquele movimento de financiamento da... é tão importante, dos EUA para a América Latina, na verdade era uma... pra entrar dento da cultura dos povos latinos americanos, agora me falta a palavra, MECUZAID? Acho que era isso. E vinham os professores, traziam os alunos, e esses rapazes faziam história do Brasil, geografia do Brasil, biologia faziam coisas na universidade como alunos ouvintes só que eles não se misturavam, passavam assim, né, e tinha um brasilianista que foi dar aula para nós, e falava que abaixo do Rio Grande, quer dizer o rio que divide o México, os latinos são mais atrasados, ele era tão... tão nojento, tão nojento, tão americano pomposo dos anos 50, macartista, horroroso, horroroso, anticomunista, mas comunismo besta, macartista, era horrível gente, se vocês soubessem como os americanos queriam influenciar. E aí quando teve a prova uma amiga minha falou “Deus me livre, eu vou responder mal isso e não sei oque”. Eu sempre tive um instinto de dona de casa, eu sempre tive assim, se eu to recebendo alguém, eu tenho que tratar bem, é uma coisa da minha natureza, e eu falei “Ai, Helene, não faça isso, fica feio” e ela (esbravejou), e quando ela saiu “eu não aguentei, eu fui muito malcriada na prova, eu falei isso, isso e aquilo” porque a pergunta era tão extrema direita, tão manobradora, nossa, isso antes da ditadura. Então havia essa política de interferência, mas vinha alguns brasilianistas muito interessantes, e o Sérgio Buarque, ele fazia umas palestras com esses brasilianistas, mas era muito pouca gente que estudava inglês, que tinha o inglês assim fluente, não que eu tivesse, mas quando eu tinha 11 anos a minha vó ofereceu “eu te pago aula de piano ou aula de inglês, o que você prefere?” aí eu preferi inglês, e desde os 11 anos eu estudava inglês com um professor, com um inglês britânico que tinha servido as forças áreas inglesas né, britânicas, mas na verdade ele era húngaro ou coisa assim. Mas ele morou muitos anos na Inglaterra e ele tinha um cursinho de inglês onde eu fazia, era horrível gente, era horrível, porque eu tava na rua brincando e eu ia à aula a noite, no inglês, porque ele me punha a noite, e se eu não fizesse a lição ele dizia assim “te vi na rua. Se você na próxima vez...” era um controle... e ele me usava, porque só tinha adultos, e ele me punha na turma da noite, porque todos os exemplos e todas as coisas ele usava comigo, eu era então, exposta de mais, as vezes ele dizia “Eu vou te amarrar as mãos. Porque não pode falar com as mãos” porque eu falava com as mãos também.
Teve um bailinho lá, também uma vez, que vieram oficiais da marinha dos EUA em um navio que parou em São Paulo e ele trouxe os rapazes pra gente dançar lá na escola, foi tudo muito gostoso. Mas voltando, na faculdade tinha os brasilianistas e teve um fato muito interessante, porque o homem falou, falou, falou e fez silêncio, eu sempre achei horrível de uma entrevista, uma palestra, o coitado do palestrante fala e ninguém pergunta; então comeu inglês estropiado, eu comecei a fazer perguntas, já ficava fazendo uma pensando o que eu ia fazer depois do assunto que ele tinha falado, né. O Sérgio Buarque que não enxergava ninguém no corredor, ele chegou me abraçou, “obrigada, você salvou a minha cara, porque você fez perguntas”. Dali pra frente o Sérgio me conhecia de tudo quanto era jeito, mas foi um professor muito interessante, de didática não tinha nada, mas era uma cultura ambulante, era um pensador, foi uma experiência... E a minha vida universitária foi muito gostosa, vamos dizer o tempo mais alegre. Tempo de colégio, colégio de freira, as vezes eu me sentia meio prisioneira, no recreio eu dizia assim “nossa, parece uma área de presa tomando sol” porque era aquela rotininha, tinha os bailinhos, tinha as amizades de bairro, mas era isto, né, e tudo bem com a minha saúde.
[01:25:04]
P/1 – E profissionalmente quando que você começou a trabalhar?
[01:25:07]
R – Ah, porque eu sou muito falante, né. Eu no terceiro ano já consegui dar aulas, eu morava em Mirandópolis, dava aula no colégio em frente à Igreja São Judas Tadeu, a noite, que uma amiga minha, essa Maria Luiza ia pra França e desistiu de dar aulas, era um colégio de freiras também. E no quarto ano abriu o colégio Rui Bloem pertinho de casa e foram me chamar em casa já pra fazer o exame de quinto ano que tinha, o quinto ano que você fazer pra entrar no ginásio tinha uma seleção, eu pulei o quarto ano a freira pulou a mim e a mais duas, mas o normal era fazer um ano de quinto ano. Então eu comecei a dar aula e quando eu me formei, eu falei com tanta gente, tanta gente, que eu me empreguei e dei sobra pra três colegas, empreguei mais três colegas com as aulas que eu consegui. Era muito mais fácil, não tinha tanto professor formado. E foi engraçado, que a primeira aula que eu fui dar foi num colégio particular no terceiro ano, era lá na Vila Prudente, Vila Prudente? Não, Vila Matilde, é lá na Vila Matilde. E eu morava em Vila Mariana e, naquele tempo, a gente reclama do trânsito hoje, mas vocês não podem imaginar como era o trânsito em São Paulo nos anos 50, era um engarrafamento... tinha as paradas de ônibus na Praça da Sé, você tinha a fila em pé e a fila sentada, a fila em pé andava mais de pressa, a fila sentada as vezes você ficava duas horas na fila, seis horas da tarde, você só chegava oito e meia da noite em casa. Foi também a época muito engraçada, final dos anos 50, tava passando uma novela que foi famosíssima, no rádio, porque se assistia novela no rádio, às oito horas, era o “O Direito de Nascer” foi uma novela formosíssima cubana, nossa Maria Elena, Albertinho Limonge, Mamãe Dolores... e foi também quando surgiu o radinho de pilha, nos final dos anos 50 apareceram os radinhos de pilha, aí todo mundo levava o radinho de pilha pra ouvir na fila do ônibus a novela, e aí ficava a turma também que não tinha querendo saber o que tinha acontecido da novela, né. E aí os ônibus eram tão cheios, lotados e... porque, por exemplo, pra Vila Mariana só tinha a Domingo de Moraes que era estreitinha, não tinha esses alargamentos, que depois do metrô seguiram, não havia essas grandes avenidas que foram surgindo depois, não havia uma marginal, não havia nada disso. Era ônibus e bonde. Então o engarrafamento era infernal, e tava começando também a indústria de automóveis com o Juscelino. Então começou a ter mais carro na rua também. Então se você visse os engarrafamentos eram infernais. E essa história é tão engraçada, eu fui combinar com o diretor da escola, era uma escola de comércio, uma Escola Técnica noturna, e naquele tempo não tinha o supletivo que a molecada de 15 anos vai fazer o supletivo, o supletivo era para adulto, não tinha nada, menor ia pra escola, o supletivo era depois dos 18 anos pra quem trabalhava. E eu fui lá e o diretor me mostrou a escolha e tinha uma escola, tinha uma sala, assim, anfiteatro, e os alunos ali, era tudo soldado, cabo, bombeiro, era tudo homem já formado fazendo supletivo. Eu voltei pra casa apavorada, com um medo dar aula, né. Passei sábado e domingo angustiada e meu pai falou “minha filha, você não quer ir não vai. Você está tão aflita, mas algum dia você tem começar, você que sabe”. Aí eu fui, desci na praça da Sé, tomei um ônibus (era um ônibus apertado), e tava na moda umas bolsas de tecido de tapeçaria que você punha um alfinetão grande assim e tinhas as bolinhas assim, e aí eu garota, 19 para 20 anos e um rapaz querendo me acoxambrar, me apertando, me apertando, me apertando, aí eu não tive dúvida eu desenrolei a bolinha do alfinete e nhau (expressão), onde eu não sei, e fui pra frente. Aí eu fui pra frente mas quando eu desço ele desce também, eu falei “minha virgem Maria”, não era longe a parada da escola, mas era meio escuro, já era sete horas da noite, eu perdi ele de vista e entrei na escola. Aí, eu nervosíssima por que eu ia dar aulas para adultos, né, quando eu entro na primeira aula, quem é que está sentado na primeira carteira do anfiteatro? O presado agulhado. Ai menina, mas me deu uma vontade de rir, o rapaz queria virar transparente, ele queria escorregar dentro da carteira, porque eu tinha um ar bem de garota, baixinha, garota. Aí passou todo o medo (risos), eu me senti tão forte que eu dei minha aula muito tranquilamente, né. Então foi a primeira vez que eu dei aula e foi uma experiência muito engraçada porque espantou o meu nervoso. Depois eu dei aula em várias escolas.
[01:31:00]
P/1 – E Cecilia, você podia contar um pouco, você casou, teve filhos?
[01:31:08]
R – Ah, isso que eu tava pensando. Bom, logo que informei, que já tava namorando firme, me casei, fui morar em Taubaté. Antes, na praça da Sé, na praça Patriarca, ficava um caminhão da Colsan que fazia exame de sangue na gente e dava o tipo de sangue pra gente. Eu um dia doei meu sangue, né, e quando eu peguei o resultado deu que eu era RH-. Aí cheguei em casa chorando que nem uma desesperada porque eu era RH-, que era uma coisa muito recente, foi depois da guerra que eles fizeram essas classificações do sangue, né, e lá no meu livro de biologia dizia que a pessoa podia perder o nenê e essa coisa toda e eu me lembro que a minha vó ficou brava “para de chorar, eu tive quatro filhos, nunca fiz exame de sangue”, quer dizer, mas ela perdeu um e pelo que ela conta, provavelmente foi um choque de RH, provavelmente ela era RH- e nunca soube porque a criança nasceu escurinha... sabe, é coisa que mais uma pessoa é na minha família. Aí eu fiquei muito angustiada, muito angustiada e também eu tinha um pouco de medo, porque como a minha mãe quando engravidava o feto dela era um caso muito estranho, petrificava, sabe, ela não abortava e aí dava todo um distúrbio nela, era uma coisa meio, que hoje a minha médica conversando, a minha médica maravilhosa ela disse que o que se faria hoje era fazer histerectomia, tirava o útero e acabava o problema, mas naquela época não tinha isso. Então eu queria ter 12 filhos, porque eu era filha única e eu queria uma família numerosa. Quando eu comecei a namorar com meu marido eu falei “eu quero um time mais um juiz”. Bom, aí eu queria muito ter filhos, tal. Casei. Engraçado que uma amiga minha, aí nós estávamos morando lá na Veridiana, perto da Santa Cecilia, ela me emprestou um livro dum médico sobre coisas de sexo, coisa assim. Até a história da minha vó: a minha vó era moderna, mas ela tinha essas coisas “oh, que você leia essas coisas ta certo, mas encapa né” (risos), eu tinha que encapar o livro. E enfim... casei, assim, sem grandes conhecimentos mas com alguns conhecimentos. E logo engravidei, engravidei fiquei muito preocupada porque eu era RH-. E eu falei pro médico, no interior que eu tava ainda, a médica, que eu era RH-. Aí ela me mandou fazer um outro exame de sangue, deu que era positivo, e aí eu passei a minha gravidez tranquilamente porque eu era RH+. Tive enjoo, enfim, tive uma gravidez normal. Quando faltava um mês pra nascer o meu primeiro bebê, eu vim passear em São Paulo e pra comprar carrinho, as últimas coisas de enxoval de nenê. E aí rompeu a minha bolsa, e aí eu tive que ir pro hospital correndo, fui na maternidade São Paulo, aquela maternidade grande, veio uma médica que eu não conhecia (depois eu fiquei cliente, tal) e eu falei “olha, eu fiz um exame na Colsan que eu deu que eu era RH-, mas lá em Taubaté deu positivo”, ela falou “bom, eu acredito mais na Colsan, e vamo fazer exame logo que nascer o nenê”, e coisa assim. Aí, demorou um dia, enfim... eu tive que fazer cesárea, porque eu tinha expulsão mas eu não tinha uma boa dilatação porque meu púbis é estreito. Aí me fizeram cesárea, foi uma das primeiras cesárias, naquele ano foi quando começaram a fazer a cesárea horizontal, assim, aquela que não é tão moderna, né, porque antes faziam aquela abertura na barriga, tal e coisa. Aí deu tudo certo, nasceu nenê só que ela não evacuava o mecônio, aí foi um susto porque ela nasceu de oito meses, ela era meio lenta pra tudo, ela já tava formadinha, não tinha cílio, mas aí teve que sair, fazer exame fora... Foi um Deus nos acuda, foi um sufoco, pra primeiro filho, fiquei muito nervosa, nem podia levantar porque eu tinha aquela anestesia raquidiana, ainda não podia ficar levantando, mas eu fiquei tão desesperada que tava eu em pé esperando por ela. Mas tive um... normal, tentei muito amamentar, mas não... diziam que é o tipo de anestesia que provocava esse problema de amamentação, insisti, insisti, insisti, vazei, fiquei molhada e não sei, mas não consegui amamentar. Aí nasceu minha menina, tudo bem. Aí como eu tinha feito cesárea, o médico do interior falou que eu não posso engravidar logo, aí tava o início das pílulas, e as pílulas eram um estrupício enorme, ele falou “toma pílula” logo depois dos 40 dias, aí me fez um mal desgraçado, não me adaptei, conclusão, parei no meio a pílula. Conclusão, uma semana antes de um ano, eu tava tendo outro filho, em um ano eu tive dois filhos, que foi também uma cesárea e foi um escândalo, porque eu vim pra São Paulo já que eu tava acostumada com a minha médica de São Paulo eu vim ter a criança aqui, rompeu minha bolsa numa loja no Largo... na Av. São Luís, foi um pandemônio a história do nascimento do meu segundo filho. Mas... nova cesárea. Ele, engraçado, ele nasceu amarelinho com icterícia, mas não era a icterícia do RH, porque era aquela imediata do nascimento, de vinte e quatro horas. Então, ele teve que ficar na luz fria, tudo isso, mas eu excelente, fiz uma cirurgia, nem parecia que tinha feito cirurgia passei muito bem, tudo bem. Aí, então a minha filha é negativo e meu filho é RH+. Aí dois anos e meio depois eu tava grávida outra vez, aí eu tive o meu nené em Taubaté. Aí eu implorei pra minha médica pediatra de lá “pelo amor de Deus, quando meu filho nascer vai olhar meu filho, porque eu sou RH-...”. E não tinha tantos exames, né. Aí ela foi, ele nasceu positivo mas ela avisou “é como se você fosse positivo”, porque ele não tinha nada. Quer dizer, as minhas grandes preocupações na gravidez foram o RH e um pouco de medo de acontecer alguma coisa parecida comigo que aconteceu com a minha mãe, mas graças a Deus não tive nada e tudo bem. Aí foi. Logo depois que eu tive meu terceiro filho, eu comecei a me sentir muito mal, muito deprimida uma amiga que era assistente social e ela foi à Cunha e convidou duas pra irmos com ela conhecer as obras de Cunha, as cerâmicas, e eu morava em Taubaté. Então uma olhava pra outra, que eu que sou falante, eu fui, eu fui muda e voltei calada. Eu não tinha disposição pra nada, pra nada, uma coisa, uma tristeza, uma depressão, uma coisa ruim. Aí eu fui no ginecologista, mandou fazer exames e eu tava com uma queda de estrógenos violenta, com 28 anos era como se eu tivesse na menopausa, até o médico meio grosso “Ah, acabou a tua parte fértil, acabou. Já vai entrar na menopausa” e eu “ah, bela coisa, com 28 anos”. Aí ele me deu pílula, e eu não tolerava as pílulas porque elas eram uma dosagem muito violenta, me doía o seio... Aí eu tomei a pílula e enquanto eu tive o estrógeno baixo a pílula não me fez mal nenhum. Ela me equilibrou, não me fazia mal nada, na hora que a dosagem foi entrando no normal, o meu organismo começou a não aceitar a pílula outra vez, aí eu parei com a pílula, né. Então foi um período que eu tive um susto muito grande, porque eu me senti muito mal, eu tinha calor, sabe, tinha tristeza, e não sabia o que era, com 28 anos. Então esse foi um grande susto que eu levei nessa época. Aí foi, foi, foi. Aí aos 38 eu engravidei outra vez, engravidei outra vez, levei um susto, né, porque não tava no programa, mas... depois que eu engravidei eu falei “meu Deus, vou estar com 60 anos e ter filho ainda na faculdade, o que vai ser de mim”, mas depois você toma gosto. Mas eu vim andar, meu marido tinha moto, andei um dia, passei com ele na moto na Nazaré e levei um tranco e falei “o que será que esse tranco me fez?”. Quando eu cheguei em casa, tava com uma hemorragia violenta, violenta, violenta, violenta fui pro hospital, morrendo de vergonha, vazando por todos os poros, e aí eu tive que fazer uma cauterização porque eu tinha perdido o neném. E dois anos depois novamente eu engravidei. Engravidei e novamente eu perdi. Eu tava muito cansada, fui pro sítio de uma amiga, eu e as minhas premonições (que eu sou dada à premonições), tinha acabado de chover, nós fomos subir o morro e eu falei “e as cobras?” / “não, não tem cobra aqui”. Saí, aí quando eu to lá em cima no morro tem uma cobra, assim, dando o bote, sabe. Levei um susto tão grande, catei o menininho dela de três anos e fui galopando praticamente, descendo o morro com ele. Falei “sei não”, deitei de noite, tinha parado a chuva, ficamos tocando violão, cantando, mas eu fui deitar. Quando eu acordei de manhã eu falei “o que será que a cobra me fez...” parece besteira né, quando eu vou pro banheiro, era como se fosse uma torneira aberta, saía sangue ao jorro. Aí fui pra socorro, pra hospital, aquela coisarada toda, até eu falei “olha, doutor, eu não queria, mas depois que eu engravidei eu quero”, aí ele “não, eu conheço bem mulher que quer e que não quer. A mulher que não quer ver vomitando vem expelindo por todos os poros porque não quer a gravidez. Não eu sei e tal”. Aí eu falei “O que que... eu perdi essas duas crianças?” É porque eu tava com o útero já muito granuloso, assim, como é que se chama... quando você tem essas bolinhas.... aí, que isso que provocava o aborto. Aí eu falei “será que é por causa do RH?” Não, eu não tava sensibilizada, não era largar, eu perdi essas duas crianças. E aí eu comecei a ter muitas hemorragias dali pra frente até os 45 anos, comecei a cada vez aumentar o meu ciclo que sempre foi regulado, ficou muito desregulado, muito assim, e aí precisava fazer a histerectomia. Ainda como eu tava num convênio novo, eu esperei quase um ano pra operar. Aí com 45 anos eu operei, tirei o útero, porque tava me dando anemia, tudo. Então essa parte que foi a mais complicada na minha vida, assim, né. E o curioso que mesmo você tirando o útero você percebe a ovulação. Eu ovulei até os 53 mais ou menos, você sente, assim, o período da ovulação. Mas eu entrei em menopausa os 45 por causa de ter operado. E aí eu tomei pílula durante muitos anos, tomei pílula até os 65 anos pra reposição hormonal. O meu médico dizia “você não tem histórico de câncer, não tem nada, pode continuar”. Mas eu lia que não devia, outro dizia que devia, que era melhor pra mulher. Então assim, eu parei uma vez, fiquei uns meses sem, mas me senti mal, com ondas de calor, não sei o que, aí voltei, mas depois aos 67 eu parei de vez com a pílula. Eu sofri muito com a menopausa, tive muitas ondas de calor, muito... não foi uma menopausa fácil, eu to vendo a minha filha não sente nada, acabou, eu não. Eu tive muito mal estar, foi muito desconfortável a minha menopausa.
[01:44:33]
P/1 – O que mais você sentia fora as ondas de calor?
[01:44:38]
R – Ah, uma certa irritabilidade, assim, como quando você fica menstruada, eu dizia “quando eu era menstruada eu ficava tão mal-humorada que nem eu me aguentava”. Sempre mexeu com o meu... eu não sou uma pessoa mal-humorada, eu não sou irritada, mas na menstruação eu ficava um pouco mal-humorada, e quando eu tava nessa menopausa eu também tinha assim umas irritab... e é muito ruim, né. O calor da menopausa é um calor muito estranho, porque você parece que você é um ferro elétrico que se liga na tomada, não é um calor que vem de fora pra dentro, é um calor que vem de dentro pra fora, você fica como uma brasa no rosto, fica fervendo. Então foi muito sofrida minha menopausa, não foi uma menopausa fácil, não. Foi bem desagradável. Aí né, começam as dorzinhas de artrose, tive alguns problemas de dores de artrose, de joelho, de não sei o que. Eu... de saúde, eu tenho uma saúde boa, mas eu tenho as vezes umas coisas que não são o trivial. Eu tive uma bactéria no ouvido que é o staphylococcus aureus, que é uma dor horrorosa, o médico disse que ele rói o osso, e eu tomei três meses de antibiótico, o que não era permitido tomar em 10 dias, porque era uma coisa horrível, horrível, horrível, horrível, doía, eu nem tirei licença do trabalho porque se eu ficasse em casa eu ia alucinar; mas a minha chefe dizia... nas reuniões as vezes eu tinha uns arrepios de dor. Eu tomei... nossa senhora, quanto de antibiótico, né. E no dia que o médico disse que tava pronto ele me lancetou o ouvido, sem anestesia, lógico, e eu falei “olha, eu não fiz xixi, não”, mas eu fiquei inteiramente molhada por causa da dor, deu assim uma coisa que... eu falo assim, acho que tem morre de acidente de avião deve sentir isso, é uma dor tão forte e acaba logo. Mas eu fiquei molhadinha, cabelo, corpo, roupa, toda molhada da dor que foi o lancetar, né. Depois a outra coisa chata que eu vim a ter, e que ninguém descobriu também, todas as minhas histórias depois de mais velha são queda de resistência, são por algum problema emocional que eu to passando, que eu acabo... esse do ouvido era meu filho que tava separando nos Estados Unidos e eu não podia ir pra lá; a morte de uma amiga minha que eu tive um herpes em 2010, que eu tenho até hoje a miralgia pós herpética, porque eles... eu não tive aquelas bolinhas, tive quatro bolinhas aqui, mas eu metida, tive uma dor muito forte no braço, aí eu fui no ortopedista e eles fizeram os exames e deu que eu tava com uma bursite muito grande no ombro, e aí eles me fizeram infiltração de cortisona, e tudo o que um herpes não quer é cortisona, porque a cortisona cai a resistência, e eu tomei duas infiltrações, não passou a dor e eu não tive os sintomas externos do herpes (as bolas, isso, né). Fui descobrir o herpes, assim, depois de um mês, quase 50 dias depois, quando eu fui num médico de acupuntura que era médico e viu o vermelhinho no meu braço “mas o que a senhora tem é herpes, não é outra coisa”. Aí, correr atrás já não adianta, já tava... e até hoje eu sofro com problema de dor no braço de herpes, eu não posso dormir do lado esquerdo que me dói, mudanças de temperatura, me vestir é muito difícil no inverno porque eu não posso usar lã, não posso usar nada que me pica, não posso usar nenhum tecido sintético, eu tenho que usar só algodão, só coisa assim natural. Então é um grande aborrecimento pelo que eu passo, né. E é isso, é a artrose, artrose no braço e também junto com herpes eu tenho um pouco, no joelho tive um problema seríssimo dois anos atrais por uma besteira ....
[01:48:50]
P/1 – Como você cuida da artrose?
[01:48:53]
R – Ai, quisera eu saber como, viu, porque até hoje... Mas, há dois anos e meio atrás, no 21 de dezembro, eu tava preparando pro natal, tava muito calor e eu tava muito cansada, e quando eu deitei eu liguei o ventilador na minha perna, falei “vou deixar cinco minutos pra me refrescar”, acontece que eu peguei no sono e meu marido quando foi deitar não desligou também, e eu fiquei a noite inteirinha com o ventilador ligado em cima da minha perna. Quando eu acordei de manhã eu estava com uma dor horrível e eu mancava, mancava... Mas aí nós fizemos o Natal no 24 e meu filho que mora nos EUA veio, meu filho, minha nora e meu neto, nós fomos para Inhotim, tinha loucura pra conhecer Inhotim, e eu fui mancando, mancando, andando por tudo, as vezes ele pegava uma cadeira de roda e me empurrava mas em geral eu andava, me esforcei muito, aí o que foi, eu tive uma friagem, assim, e deu uma contração muscular. Aí quando eu fui ao médico no comecinho de janeiro, não, 30 de dezembro, ele disse que eu tinha tido uma contratura muscular, que ia demorar um mês, um mês e tanto pra sarar, acontece que aí você começa a marcar, a forçar o pé, aí o joelho ficou todo esbodegado, teve bursite, tendinite, deu tal da pata de ganso (que é um musculo aqui no joelho que tem a forma de um pato de ganso, tem um nome em latim de ganso), e eu fiquei nove meses fazendo tratamento, fisioterapia, aplicação, não saía de casa, só saía pra fisioterapia. Engraçado que eu fiquei ruim no dia 21 de dezembro, no dia 21 de setembro (dia do meu aniversário), 20 de setembro, eu fiquei dura, sabe, um golpe na coluna que você não pode se mexer. Eu não podia me mexer eu tentei ir num fisiatra, mas era uma sexta-feira, não conseguia, não queria ir no pronto-socorro, porque no pronto socorro vão te dar aqueles remédios que não tratam. Mas eu fui ao pronto-socorro e me deram um coquetel, na certa me deram um anti-inflamatório, mais não sei o que. Quando eu acordei no dia seguinte, eu não tava mais doída da coluna e meu joelho tinha sarado. A médica disse que isso as vezes acontece, que quando você tem uma dor crônica, assim, você tem uma outra dor muito forte e você toma um remédio, mas que não é comum, ela reage pras duas coisas. Ficou bom o meu joelho e ficou boa a minha coluna. Mas fiquei nove meses maquitolando, sempre por problema de musculatura, tudo isso, quer dizer, eu tenho artrose, isso não há dúvida. Já se cogitou de operar o joelho, mas depois o médio meu amigo ortopedista disse “isso é besteira, não pode, prótese é em último caso”. Então eu sofro muito com essas dores musculares. Mas outro tipo de problema graças a Deus eu não tenho não.
[01:52:05]
P/1 – Toma algum remédio para artrose?
[01:52:08]
R – Tomo, tomo. Hoje em dia o que eu tomo, que... mas é mais pro joelho, é o Piascledine, aquele remédio francês, ele é homeopático até, ele é óleo de soja e de abacate. Custa tão baratinho na França, aqui custa uma fortuna. Eu estive na França uma vez trouxe um monte, quando minha filha também tava lá trouxe, quando alguém que eu conheço vai, eu já dou dinheiro pra trazer, porque lá sai por R$40, aqui se você não conseguir... bom, eu não entendo essas políticas de laboratório, né, o primeiro Piascledine eu paguei 260, e se você se cadastra no laboratório, não sei que, você vai pagando menos, agora acho que eu to pagando 120 uma caixa, uma coisa assim. Aqui vocês são patrocinadas por laboratório, né, deixa eu fazer as minhas reclamações, porque que eles cobram tão caro as vezes pra depois vender a metade do preço? Como eu também tomo Cymbalta. Cymbalta é um... como eu tive herpes em 2010, eu fiquei muito sensível à dor e fiquei meio ‘Maria dodói’, assim, né, e foi uma fase que uma nora minha tava muito muito agressiva comigo e minha neta também, e eu tava muito triste, tava muito triste, qualquer coisa que eu tentava fazer... nós morávamos longe e tal, eu tentava fazer o que fosse pra agradar mas eu era... não era a minha cabeça não, porque outras pessoas percebeu, ela fala com você com o tom que os outros fala com outro, ela me maltratou um pouco. Eu nunca fui muito de ficar assim... você não quer saber, passar bem, eu vou pra outro assunto, mas eu tava sensível e eu tava muito entrando numa depressãozinha, assim, aí eu descobri, que minha filha ia no homeopata, aí eu descobri no consultório que eu comecei a ir nele também (se bem que não deu certo com homeopatia), o livro da médica que é professora doutora – que é minha luz no fim do túnel – ela é geriatra, professora especialista em dor na Paulista de Medicina. E quando eu li o livro dela, que tinha um artigo sobre herpes eu falei “ah, essa mulher entende o que é herpes”, porque fazia dois anos que eu tava tentando tudo pra passar a dor, é a última tentativa, que eu já tinha desistido, “eu vou nela”, a Fânia. E aí em 2012 eu fui pra essa geriatra, que é uma maravilha, que é a minha médica do coração, que me atende de unha do pé até a ponta da orelha, ela é geriatra, são generalistas mesmo, né. E aí ela me deu um remedinho que foi pimenta, o Capsaicina, a própria pimenta, a essência da pimenta que é num rollon que eu passo no braço quando dói, não, não é assim ‘quando dói’ porque ele não é um remédio de tirar dor, você tem que ir passando, passando até você absorver bem da pimenta e a pimenta te dar uma ordem no pensamento, na cabeça, pra não doer. Ela educa você não sentir a dor, mas você não pode passar um dia, hoje, pronto, não. Você tem que... eu passei, passei um dia, ficou tudo vermelho meu braço, levei um susto, parei mas depois eu voltei, aí ela falou “você não parou”, eu falei “parei, parei um pouquinho, mas voltei”, ela falou “não, é isso que eu queria, que o corpo absorvesse a pimenta”, né. E aí eu tive um alívio muito grande com a Capsaicina. Mas no falar... ir na consulta dessa médica – que ela é maravilhosa, ela fica quase duas horas comigo e com outros pacientes, ela atende dois ou três por tarde, ela é uma professora de coração, ela é professora, pesquisadora, é uma maravilha, uma pessoa que não existe duas médicas hoje em dia assim, informadíssima porque ela é professora de doutorandos – e aí ela viu o que eu fico contando pra ela, que eu tava entrando no processo de depressão. Tava muito triste, muito... eu sempre tive uma vida cheia, sempre fiz muitas coisas, eu não sou de me incomodar muito com as pessoas, mas nesse caso eu só tenho dois netos aqui no Brasil e dois nos Estados Unidos, bem a neta daqui que tava na adolescência, tava de uma agressividade comigo, uma coisa horrorosa, e a gente não se encontrava sempre. Aí ela me deu pra tomar o Cymbalta, o Cymbalta é um remédio, um calmante, não é um calmante, ele estimulante da serotonina, ele te dá bem estar. E aí fez um efeito maravilhoso pra mim, eu também já ajudei pela minha própria natureza de não fica cutucando a ferida que não adianta, e ele me deu assim, uma tranquilidade de estado de espírito que foi uma coisa maravilhosa, mas me dá um sono desgraçado, por isso que eu acordo tarde, porque eu tomo de manhã, mas o meu sono a noite é profundíssimo. Já algumas vezes eu falei “ai, Fani, acho que eu vou parar, né” porque lá fala em seis meses, ela fala “Cecilia, nunca uma coisa fez tão bem pra você como isso, não tem problema nenhum você continuar tomando”. Eu tomo a dose mínima, né, mas eu tomo Cymbalta que é esse... eu não sei como se chama, não é calmante, não é.... pro bem estar. E é isso que tomo, e eu me sinto muito bem. Hoje em dia, minha filha... eu sempre dizia que a “felicidade da gente não tá nos outros, você é feliz se você quiser, você é infeliz se você quiser também. A tua felicidade não pode depender de ninguém ela só depende de você. Você quer ser infeliz você vai arrumar razão pra ser, se você quer não ser infeliz, quer ser feliz, você vai arrumar razão do mesmo jeito”. E com essa... como eu me tranquilizei eu voltei a ser a Cecília de sempre, não dando bola pras coisas que são desagradáveis, que eu não posso mudar, tocando a minha vidinha, aprendendo que eu tenho que ser o centro da minha vida. Lógico que os outros também são o centro, mas eu sou centro de mim, eu é que sei o que eu to sentindo, como que eu devo reagir e mandar às favas o que me incomoda, se não tem jeito de consertar. E com isso eu realmente consegui continuar levando a minha vida na velhice muito bem. Fazia mil coisas até o ano passado, aí com a quarentena parou tudo, mas por curiosidade, eu gostei, eu acho que eu fazia muita coisa também porque pessoa idosa tem que fazer pra não ficar fechada em casa, né, cada dia eu fazia uma coisa diferente, era uma vida muito acelerada. Agora não posso fazer, então... eu achei que foi muito saudável a quarentena pra minha família, porque minha empregada, eu fiquei pagando mas ela não vinha por quase cinco meses, e aí minha filha e meu marido tiveram que me ajudar, aí eles se envolveram na casa, eu acho que o clima familiar ficou muito mais cooperativo. A nossa sociedade que tá acostumada a ter empregada não valoriza isso, os países onde não existe essa mão-de-obra, todo mundo participa na casa; com empregada você fica meio acomodada, né. Então eu acho que foi bem, bem saudável a quarentena na minha família. Pra mim, fiz mil coisa ali, jogo buraco adoidado no tablet, leio jornais, quer dizer, mais ou menos, porque no início da quarentena eu tava... meu tenho meu filho me dá a assinatura do New York, eu tenho a assinatura da Folha e peguei a do Estado, só que com essa política, a leitura começou a me fazer mal, eu comecei a ficar angustiada, e ainda to, até a próxima vez que eu for na médica eu vou dar um papo com isso assim, porque eu nunca fui uma pessoa sem esperança, e agora com a situação... eu sempre fui muito política, sempre me envolvi muito, eu sou professora de história, história é material, é política, um dos materiais da história é política. E eu to muito deprimida, eu to começando sentir que eu to entrando numa depressão, apesar do meu Cymbalta queridinho, porque eu to vendo... eu já fiquei muito nervosa na campanha, eu sabia quem era o fulano (não tudo), mas eu tinha boas informações que eu sou uma pessoa informada. Eu tive muito medo, até fui no Antônio aqui na Equilíbrio, falei “Antônio, não to aguentando, to ansiosa com essa eleição”, ele falou “Ih, Cecília o que eu tenho vendido de calmante por causa dessa eleição”, por que aqui o bairro é relativamente bem culto, né. Aí tive que tomar umas passiflorinha, uns florais aí qualquer, porque eu já tava apavorada. E com o decorrer do tempo, eu to muito assustada, to com muita esperança, não quero... nem gosto de falar... que o cachorrão de lá perca, pra ver se abaixa bola daqui, mas eu to muito triste. Eu acho que o país deu uma meia volta tão grande, tão grande que me deixou, assim, eu to muito assustada. E mais, sabe o que tá fazendo, tá uma coisa ruim comigo “para Cecilia, não fica assim, esse não é o teu mundo. Você não vai viver isso”. É quase como se eu quisesse não viver mais, entende, assim, em termos de dizer “tá tão ruim que eu não quero ver essa tristeza, eu não quero ver o que que vai acontecer”. A gente chega ao ponto de desejar que seja dado uma renda básica pro povo sofrido, mas quase não desejar que deem para ele não faturar, é uma situação que o teu social, o teu consciente do social fica chocada, porque você fica “meu Deus esse povo precisa isso e muito mais”, mas pra esse cachorro faturar, vai ser muito pior pro futuro. Então eu to assim, muito triste. Então da metade da quarentena pra frente, eu parei de ler um pouco jornal, não gosto de ler no Estados Unidos porque eu vejo as coisas do cachorrão, e eu não gosto de ver aqui porque tem o bozo. Então eu não sei te dizer, nesse momento a quarentena não tá boa porque eu não to ocupando minha cabeça, não to ocupando muito com leitura, só romances e coisas assim, porque eu não to querendo muito saber o que anda acontecendo, eu acho muito assustador. E aí eu fico com medo porque aí quando eu fico assim, sem reserva, sem defesas de saúde entende, aí começa a ter as coisinhas, porque dói aqui, dói acolá, porque eu tenho muita queda de resistência quando eu to aborrecida, e esse é meu grande problema, sempre foi, de saúde, essa... assim, o emocional. Mas de saúde, graças a Deus, eu não tenho. Até quando eu falo “eu não tenho diabete, não tem, não tem não sei o que, não tenho pressão alta, não tenho nada”, só colesterol que já me enche a paciência, aliás foi uma coisa que eu não me adaptava, acho que eu tomei uns oito remédios de colesterol, nunca me adaptava, me doía muito a pena, me doía muito a perna, dava umas ínguas e eu parava, aí chegou uma hora falei pra minha médica “não tomo mais colesterol, morro de derrame, morro de qualquer coisa, mas não vou tomar”, ela não gostou mas respeitou. Aí eu voltei depois de um ano e meio lá e falei assim pra ela “eu to muito esquecida”, eu sempre fui avoada, sempre fui distraída, eu sempre to pensando nas minhas coisas, nas coisas que eu estou pensando, nas filosofia da vida, mas eu falei “agora minha família está sempre me policiando”, porque o que eu queimo de panela, que eu esqueço não sei que. Aí ela me mandou fazer um exame da cabeça, aí ela falou “Cecilia, é que tem algumas veinhas que tão secas, é pouca coisa, mas isso aí sabe o que é? É por causa do colesterol”. Aí eu levei um susto, parei o meu juramento, voltei mas to tomando um remédio, uma gotinha, um pedacinho de comprimido por dia, que não me dá dor na perna, que tá me fazendo bem, que baixou o colesterol, e eu to achando que eu to um pouco mais atenta às coisas, não to tão distraída, tão esquecida, porque eu to tomando, meu colesterol já normalizou, né, porque se eu não tomo remédio ele sobe. Então o problema meu é o colesterol que eu tenho que tomar medicação é uma coisa que aprendi que não dá pra ficar, porque os dois anos que eu não tomei eu fiz besteira né, então acho que quando a gente tem esses problemas tem que cuidar e ponto final, não tem que querer dar de médica por conta né. Quer dizer, saúde é isso.
[02:05:37]
P/1 – E Cecília, só voltando um pouquinho de quando você fez a histerectomia, o que que foi? Por que dessas hemorragias?
[02:05:47]
R – Das hemorragias, por causa do útero, como se chama essas berrugas... tem um nome, eu não me lembro agora o nome... o útero fica enrrugadinho assim...
[02:05:58]
P/1 – Pólipo?
[02:06:00]
R – Não é pólipo. É parecido com o pólipo mas... tipos de pólipos, né, assim. que te provocam hemorragia. Aí eu tava com muita... um dia eu tava dando aula, meu Deus do céu, esse é uma hemorragia... Eu tava na cadeira, “gente o que eu faço? Como é que eu saio dessa sala de aula?”, aí eu falei “acho que vou pedir um blusão pruma aluna pra amarrar”, mas não, se for pedir eu vou chamar atenção, aí eu fiquei, enfiei a cadeira, peguei meus diários de classe, saí assim, falando. E quando a minha colega entrou eu falei “não senta na cadeira! Espera o intervalo pra mandar limpar”, né. Aí tive que vim correndo pra casa, me trocar, me vestir outra vez, porque eram hemorragias muito fortes e isso provocava anemia. Eu tava sempre muito cansada, muito sem... tanto é que em cinco, seis anos depois que eu voltava no meu ginecologista ele me fazia – acho que tava lá na ficha “anemia” – me mandava fazer exame de anemia que eu já não tinha mais nada. Mas foram hemorragias muito fortes. Os meus dois abortos também, eram assustadores. O meu marido é que ficava branco, porque era tanto sangue... Quando eu tive no Servidor a primeira vez, virgem maria, todo mundo queria me dar lugar e eu não queria porque eu tava pingando, aí me puseram em uma maca, inundei, e aí eu tive que atravessar o hospital com um lençolzico de nada, o pessoal me olhava com uma pena “acho que essa aí tá nas ultimas”, porque era muito sangue. Me dava uma fraqueza, uma fraqueza horrível, horrível, horrível. Foi o período assim mais irritante da minha vida porque eu me sentia muito fraca, eu não tinha vontade fazer nada, assim, né. E depois esses negócios de dorzinha aqui, dorzinha acolá, dor de artrose que pega aqui pega acolá. Eu nadei muito tempo foi bom nadar mas depois quando eu tive o herpes eu não pude mais nadar, eu nadei 10 anos, era muito bom nadar.
[02:08:01]
P/1 – E você faz exercícios?
[02:08:03]
R – Não. Agora não to fazendo nada, estou na quarentena. Eu estava, eu voltei – depois de nove meses sem fazer nada por causa do joelho – aí eu voltei (não pra natação, porque é o que eu gosto, mas o braço não aguenta), eu fiz durante um ano uma coisa maravilhosa, um ano e meio, aí no lar de Santana tem um centro que se chama Gerus, que não é só pras pessoas do idosas da casa, é um centro pra senhoras, pra fazer ginástica, dançava, tinha dança, tinha ginástica (dois tipos diferentes), foi um tempo excelente, foi uma maravilha, mas aí antes do joelho, aí eu tive o problema do joelho eu tive que parar, aí eu parei os nove meses. Aí quando eu voltei a médica falou “vai nadar, vá pra piscina”, aí eu entrei na hidroginástica no fim do ano passado e comprei meu equipamento, maiô, pra dois meses, que aí depois fechou. No Natal tinha fechado, janeiro, fevereiro fechou, não to fazendo mais nada. Eu gosto de caminhar, mas esse problema (até esqueci esse) de artrose tem haver um pouco... eu tenho uma estenose (me esqueci disso), porque quando meu filho morava Ilhéus, era muita gente, não dava pra ficar na casa dele, eu fui pruma pousada, e eu peguei uma cadeira (precisa tomar muito cuidado), uma cadeira de plástico, falei “vou ler meu livro”, e me pus esticada com livro, a cadeira tava ressecada e ela estourou em pedacinhos, e eu caí da nunca até aqui no chão, assim, estourado. As minhas cunhadas... o barulho que fez que elas pensaram que era um caminhão que tinha dado uma trombada na estrada ali do lado, mas não, explodiu a cadeira em pedacinhos. Aí o meu marido veio me ajudar, eu falei “não, pera aí (eu nadava muito), sou elétrica, sou elástica”. Levantei e tal, não senti nada, muito bem. Uma semana depois quando eu voltei, eu voltei na véspera do 11 de setembro de 2003, das torres gêmeas, e era o enterro dum tio meu, quando antes do cemitério eu fui beber água eu urrei de dor, aí fui no cemitério, voltei, aí eu fui no médico. Aí eu tinha machucado aqui tudo, tive que ficar três meses de repouso, e tomando... ai, o que eu vi das torres gêmeas porque tinha... eu punha assim uma manta na sala e ficava deitada no duro ali né. Depois que eu tava boa, escorreguei ali na ladeira que tem perto de casa, dei outro mal jeito, tive que fazer... E dali pra frente eu caminhava muito aqui no bairro, eu o meu marido nós caminhávamos umas cinco vezes por semana uns 6/7km por noite, assim, aí eu não aguentei mais caminhar, eu não aguento 1km eu travo. Então eu tive que abandonar as caminhadas e voltar mais pra natação e fiquei 10 anos nadando, aí quando eu tive o herpes, parei de nadar, aí fiquei sem fazer nada, aí depois eu fui fazer ginástica. Eu fazeria dança circular, mas não é ginastica, mas é movimento, uma vez por semana também, sempre fiz alguma coisa, mas não assim durão não. E eu sou preguiçosa de fazer sozinha, eu gosto é do social. Eu gosto é de ir na aula de ginastica... em casa já me deram várias coisas aí pra fazer pela internet... não me sinto muito animada. Conclusão, não estou fazendo nada, to retomando uma caminhadinha que não chega a 1 km na minha rua, à tarde, eu ando ali na rua e só. Porque eu to muito travada por causa dessa estenose, né, que reflete, e aí você pisa mal, te dá problema no joelho, essa coisa toda. Esqueci disso, esqueci que eu tinha esse problema da coluna, são seis vértebras apertadas, né, que me dão... e aí foi um erro médico até, que eu fui no Prevent, que eles acharam que eu tinha problema no quadril, tavam me marcando cirurgia pra botar prótese, aí o homem do dinheiro, o médico do dinheiro falou “mais dói desse jeito?”, eu falei “não, não dói” / “mas te fizeram esses exames?” eu falei “não”, aí ele falou “olha, você vai fazer um mês de acupuntura e fisioterapia, aí você volta aqui”. Aí, né, eu fiz, não tava nem melhorando nem piorando, aí eu falei “sabe, deixa amolar o dinheiro e vai na tua querida que sabe tudo”, aí eu fui na minha geriatra (que eu achei já que eu tava pagando convênio, que eu ia usar o convênio), aí ela falou “Cecília, pelo amor de Deus, você esqueceu que você tem estenose?”, eu nem tinha lembrado na hora, ela falou do exame, não tinha me marcado como coisa séria, mas começou a doer né, esqueci, aí quando eu fui no médico, tirar uma chapa que disse que era quadril... ela disse “você ia estar com a prótese, não ia estar com o problema resolvido”, né, porque a estenose você não pode fazer certos tipos de esforço, certo tipo de movimento, então foi uma história que eu fiquei assim bem arrepiada com o médico. Esses mocinhos as vezes me deixam assim. Como eu tenho meu poço de sabedoria que é a minha médica, agora eu não dou... olha, o que eu tiver, primeiro eu vou nela, aí depois que ela me vê e me diz isso ou aquilo eu vou, porque come muita barriga, sabe, magina, já tava marcada, meu marido foi assistir palestra pra como cuidar de pessoa que opera quadril, que não sei o que, fiz um monte de entrevista disso e daquilo, pra eu não ter nada no quadril. Tenho a bendita estenose, que me arreganha as vezes assim, me dói muito, tal. É, esqueci. Eu esqueço, quando não tá doendo, eu não lembro das coisas que eu tenho, eu não sou de ficar chorando sobre o leite derramado, né, mas isso realmente me atravancou a vida, porque junto com o herpes, a estenose não dá pra nadar, não dá pra fazer esse tipo de exercício, não dá pra fazer certos tipos de ginástica, caminhar é restrito. Então eu... e hidroginástica é ‘pó-de-arroz’, eu acho uma coisa tão sem graça, tão bobinha, eu gosto é de nadar mesmo, né, mas quem não tem cão caça com gato. Eu andei fazendo hidroginástica no fim. Agora não to fazendo nada. E to gostando, viu, pior é isso! Eu to gostando não fazer nada (risos)
[02:15:02]
P/1 – Sedentária ou não?
[02:15:08]
R – Não, não é sedentária, mas um ritmo de vida que ficou diferente, entende, eu sei que quando abrir, eu vou fazer as coisas, porque eu não aguento. A minha filha mesmo ficou brava “você fica inventando moda você quer bater asa”, porque eu preciso fazer isso, fazer aquilo, aí ela fala “pronto, já arrumou razão pra sair de casa”, porque eu to cheia de ficar em casa, mas eu acho que voltando eu não vou voltar com tanta sede, sabe, participar com mais... assim, porque eu descobri coisas pra fazer em casa. Até porque como eu nunca fui prendada, eu nunca fui da casa, do lar, nunca fui. Então não tem como... tricô, bordado, com essas coisas eu sou uma tragédia, eu gosto de ler, né, mas agora eu me acomodei assim. Aí eu acho que a quarentena na minha casa foi uma boa quarentena, viu, botou as coisas nos eixos, assim. Meu marido passando aspirador é uma tragédia mas tudo bem, ele é minucioso, engenheiro minucioso, eu falei que se ele fosse minha empregada na primeira semana eu tinha demitido porque leva duas horas e meia passando aspirador, o saco de poeira sai uma imensidão assim, porque aspira tudo, cortina, poltrona... duas horas e meia, é horrível de tempo; a empregada faz em quarenta minutos e olhe lá, mas ele tá participando do trabalho, né. A minha filha também assumiu as compras, eu cozinho, enfim. Então acho que é muito saudável a experiência. As vezes a experiência do ruim não é tão ruim assim. O que mais, já falei muito.
[02:16:47]
P/1 – E Cecília, tem alguma história que você gostaria de ter contado e não contou? Algum momento da sua vida? Uma história mais...
[02:17:01]
R – Ai, eu tive uma história muito marcante que eu não contei. Eu tive um filho em coma, então isso foi uma coisa muito triste, porque eu morava em Taubaté mas a gente vinha todo fim de semana pra São Paulo, a nossa vida tinha sido sempre em São Paulo e a gente tinha amigos em Taubaté mas eu nunca me senti pertencendo a Taubaté. Morei sete anos lá, mas quando eu chegava de noite da viagem eu dizia pro meu marido “não sei, mas eu não pertenço aqui”. Então a gente sexta-feira à noite a gente vinha pra São Paulo. E uma vez – eu não tinha meu terceiro filho – uma vez voltando para Taubaté, aquelas coisas malucas que se fazia naquela época que não se tinha noção dos perigos, não tinha cinto de segurança em carro nenhum, e meu pai tinha um colchonete pra me dar, um colchãozinho bom que a gente enrolou, botou no banco de traz, e o meu filho que tinha um ano e meio que já tinha mamado, jantado assim, foi dormindo no meu colchonete. E a minha filha de dois anos e meio tava no meu colo na frente, sem cinto, aquelas coisas, né, e o nosso fusca que era novinho, estávamos começando a pagar, foi único fusca que saiu com aquela janelinha de trás com a borboletinha que abria a janela e eu tinha... bom, deixa eu contar antes, e aí nós íamos. Quando chegou perto de Caçapava um cavalo atravessou a estrada e meu marido ia desviar do cavalo quando um Pássaro Marrom pegou, ao invés do Pássaro Marrom desviar, ele veio em cima do nosso carro e nos arrastou pro cavalo. Aí o cavalo botou as patas na frente, né, estourou o vidro e o nosso fusca encolheu, fez assim, e aí paramos. Não sei se o cavalo morreu, nem sei mais, aí eu tiro a minha filha, o meu marido e vamo tirar meu filho, meu filho tinha naquela bandeirinha do carro tinha afundado a cabeça, afundamento de crânio, tava em coma aí meu marido no desespero, passou um carro, me botou dentro do carro, eu e meu filho pra Caçapava. Cheguei lá no hospital, era um hospital do interior, fechado, e meu cunhado morava na esquina do hospital, e eu falei “hospital do interior é assim, quem conhece, conhece, se mexe mais”. Eu fui na casa do meu cunhado, meu cunhado não tava, acho que tava na casa da sogra, e ao lado tinha uma garagem (que é uma dessas templos pentecostais, sei lá o que, né), aí eu entrei que tem uma maluca “pelo amor de Deus, vão chamar o seu Sérgio”, que todo mundo do interior conhece todo mundo, aí ficaram todo mundo me olhando... “Vocês estão reunidos em nome de Cristo pra que, se não é pra socorrer uma mãe”. Que nem uma louca, e saí correndo pro hospital. E aí foram chamar o meu cunhado que estava na sogra, aí ta, veio o meu cunhado, e aí falaram que não tinha nada pra fazer no hospital de Caçapava, e então pôs eu e o meu filho – que tava inconsciente, tinha um ano e dez/onze meses – no carro do meu cunhado e fui pra Taubaté. Aí meu marido já tinha chegado com a minha filha e nós fomos para o hospital. Eu era de grupos de casais, eu conhecia muita gente, e tinha um casal de médicos que um era anestesista e o outro era radiologista, enfim, eles me atenderam e assim “Cecilia, você tem que aceitar o inevitável”, mas eles telefonaram pra São Paulo, e naquela época não tinha – isso faz 53 anos atrás – e não tinha assim tanta modernidade. Tinha um neurocirurgião famoso, que era o dr. Virgílio Carvalho Pinto, parente acho que do Carvalho Pinto até, aí era na Santa Casa. Aí nós viemos pra São Paulo. Eu tenho, as vezes eu não gosto de ter, eu sou meio bruxinha, eu tenho premonições muitas vezes, sabe, uma coisa muito esquisita, já me disseram para desenvolver mais eu não gosto de mexer com essas coisas, e durante a gravidez do meu filho, toda vez que chegava em Arujá eu enjoava e passava mal, eu tinha que levar limão pra chupar, eu detestava a entrada da cidade de Arujá, não me pergunte porque. E quando nos mandaram pra São Paulo, “você me deu eu não queria – porque veio rápido – mas você me deu, agora você não me tira”, eu briguei com Deus, assim, nem rezei, nem pedi, nem implorei nada, e tinha uma voz que dizia “passando Arujá ele vive”. Aí meu filho tinha tomado uma anestesia em Caçapava, outra em Taubaté, ele tava que nem uma tábua assim no meu colo. No carro meu cunhado com minha filha no colo e o meu marido dirigido, ou ao contrário (sei lá, nem me lembro mais). Quando ele chegou em Arujá, ele tava inerte, ele teve um tipo de convulsão – que eu falo até hoje 53 a minha vida inteira – eu não tinha força, ele batia a cabeça no teto, aí meu cunhado falou assim “quer que pare?” falei pelo amor de Deus, passe daqui. Quando passou, ele acalmou, foi cinco minutinhos, assim, mas foi uma coisa violenta. Acalmou, chegamos no hospital, ele não pode... já eram dez horas da noite, não mais, quase meia noite, o médico tava lá mas não pôde operar porque ele tinha mamado antes de sair de São Paulo, tinha tomado uma mamadeira e tava com o estomago cheio. Aí operou no dia seguinte. E foi uma coisa terrível gente, você tem um filho em coma, a bíblia fala dessa, assim... as minhas entranhas foram pra fora, assim, e realmente, a sensação que eu tinha é que se eu enfiasse a minha mão dentro da minha roupa eu tirava as minhas entranhas, era uma dor física, não era dor... era uma dor física, era como se o meu corpo tivesse sido rasgado. Foi uma das experiências que eu não desejo pra mãe nenhuma, e toda vez que eu vejo mamãe que perde filho eu entendo completamente, porque era uma coisa alucinante. Mas como a caixa craniana da criança é muito grande, ela cresce maior pra depois o cérebro ir crescendo dentro, no afundar não lesou o cérebro dele, aí o médico teve que fazer um guindastezinho, puxar o quebrado pra cima, assim, estabelecer e ele sarou. Sarou. E eu sempre me arrepiei de lembrar isso. O curioso é que o médio era muito posudo, muito importante e não explicava nada, eu tava desesperada, aí um dia ele trouxe cinco alunos, ele ficou só cinco dias no hospital, explicando o caso como tinha acontecido, o que ele tinha feito na cirurgia que decorria, ai como ele explicou pros outros eu ouvi e me acalmei né, me acalmei. Eu morava da Veridiana ali atrás da Santa Casa, mas eu não queria comer na casa do meu pai, não queria nada nada nada, a minha mãe nada, que eu queria hambúrguer à vinagrete porque era o sinal de que eu tava grávida. Aí nasceu meu terceiro filho que é loiríssimo, branco, branco, branco, branco, quando nenê, então eles dizia assim “Ah, eu nasci branco de susto, a minha mãe teve um susto quando tava...”, eu tava de vinte dias, um mês de gravidez quando aconteceu o acidente, né. E eu sempre digo “ai que sorte”. Aí quando chegou no exército, o meu filho foi fazer o exame, né ele tava pra colocar “apto” aí o médico falou “ tem alguma coisa pra falar?” aí ele “ é né, eu tenho um afundamento de crânio” / “o que você tomou?” / “ah comital, idantal”, esses neurológicos, ele realmente tomou durante um ano, e aos sete anos quando deu uns negócios, mas que não tinha nada a ver com o afundamento inicial, aí nem na pior guerra ele vai ser convocado, né, porque deu inapto de tudo. Aí o meu filho menor que não queria, “eu sou um azarado que nem afundamento de crânio eu tenho, eu na certa vou pegar exército” e pegou o exército, e ficou muito infeliz porque não tinha afundamento de crédito, né. E eu tenho a minha filha mais velha que ela tem um problema muito sério na perna, um inchaço muito grande, é falta de vasos linfáticos. A gente sempre achou que é congênito porque... mas agora a gente veio a descobrir, depois de 50 anos, que a família do meu marido eles são mal de veias, de coisas nas pernas, eles têm poucos vasos linfáticos, mas não têm esse inchaço. E o dela, nós já fomos nos Estados Unidos, tudo, o dela é diferente porque tem um nó aqui nos vasos linfáticos na bacia. Aí depois de muita ida à médico, muita coisa, concluíram que – eu me dei tão aliviada daquele acidente, no fim, carregou a minha filha um problema – é que como eu tava segurando ela aqui no colo, eu na trombada eu segurei ela aqui, e eu devo ter lesado aqui no abdômen dela, sabe, que a gente nunca pensou isso, enfim, foi uma história dela, a história dela não é muito fácil, ter uma perna enxada, assim, grande sabe. Sempre me deu muita tristeza muita preocupação, enfim... uma mulher brilhante, inteligente, minha filha é brilhante, tem doutorado, tal, mas trabalha de corretora, porque desanimou da profissão, é uma mulher brilhante. Fala muito bem francês, inglês, escreve muito bem, mas carregou uma deficiência, né, então isso foi uma coisa que me marcou muito, é uma história da minha vida que teve um antes e um depois, mas eu nem sabia que aquele acidente que eu contava como uma vitória no fim, tinha dado uma semente que não era boa, tinha dado um problema que agora que a gente veio analisar, que o problema linfático em geral é de cima pra baixo e o dela é de baixo pra cima, é porque deu... os vasos linfáticos são muito fininhos, são que nem fios de cabelo, e deve ter dado um nó aqui assim de vaso, sabe, que dificultou, porque eu tenho uma sobrinha que tem assim, a perna meio inchada – depois de mais velha, né – inchada por causa do vaso linfático, mas não é aquela estupidez de enorme como elefantíase, vou dizer assim, elefantíase é outro caso, mas uma perna enorme de inchada assim. Então isso é uma coisa que me trouxe muita tristeza na vida, mas que eu sempre procurei varrer, não fico tirando casquinha e lamuriando do caso, né, porque não adianta, é fato consumado, mas... que te barra uma coisa assim, porque é um problema de saúde, que não tem médico competente, não tem, é muito difícil, no fim ela operou que foi caso raro, foi operada no Hospital das Clínicas, o médico fez direitinho a coisa mas ele tava preocupado com doutorado dele, ele resolveu fazer a plástica porque tirar o edema enorme de quase cinco quilos, fez uma asneira muito grande na minha filha, cortou mais do que podia, não tinha pele pra cobrir, ela contando que ela ia ficar... ficou com uma cicatriz que é um arranhado de marca aqui na perna. Ela tinha trinta e poucos anos, ela sempre fala que se ela pudesse ela passava o carro em cima do Feijão (como é o apelido desse médico), que hoje é um dos bambambãs, quando ela vai no médico e falam “ah tem fulano” ela fala “aquele eu queria matar”, porque é o que fez a besteira, sabe, e não teve a hombridade de vir no quarto dizer “olha...” no meio da operação tiveram que chamar a equipe de plástica, que ele resolveu fazer a plástica sem ser plástico, não teve hombridade de vir dizer “não deu certo, aconteceu alguma coisa...”. Ele sumiu do mapa, diz que no outro dia foi viajar pro negócio da tese dele do doutorado e não veio conversar. Foi muito trágico, foi uma coisa assim... os médicos precisam ter um pouco mais de conhecimento de humanidade, porque as vezes você vê uns absurdos, absurdos, e falta de hombridade de assumir “erramos”, “erramos”, não. Porque como era de graça, porque quando mandaram ela ir lá, né, se entusiasmaram com o caso, mas eu pensei “bom esses casos lá nas Clínicas levam um ano, dois anos pra chamar”, quando foi 20 dias depois que ela foi, telefonaram, telefonaram às oito que às dez da manhã ela tinha que estar no hospital pra fazer a cirurgia. Eu levei um susto, aí eu marquei consulta paga nesse médico, eu e meu marido fomos lá “mas o que o senhor vai fazer? Qual é a...”, aí ele explicou tudo que ele ia fazer, quer ele ia cortar e blá blá... bom, nos deu a satisfação. Pagamos consulta... pra ele ara uma glória fazer aquele caso, que era um caso muito raro, enche o currículo né, mas depois quando fizeram a besteira da plástica, a cirurgia foi tudo bem, foi boa tal, ele cortou do lado, enfim... Ela tinha muitas erisipelas antes, cada 20 dias antes da menstruação ela tinha que ir pro hospital, e isso cortou, então foi uma coisa que na minha vida, tem um carimbo. Agora de doença comigo... não. Somos uma racinha dura, viu, meu pai morreu com 93, minha avó com 100, a minha mãe que morreu mais cedo, com 78 porque tomou muito remédio, coisas assim, deu uma isquemia forte. Mas não, problema sério de saúde...
[02:31:59]
P/1 – E Cecilia, como foi contar a sua história aqui hoje?
[02:32:02]
R – Bom, você sabe que eu sou falante, né, então eu to sempre contando as coisas, sempre falando, e eu gosto. Eu gosto de participar dessas coisas. Se servir pra alguma coisa, né. Eu quando dava aula, essas coisas de tecnologia, de coisas domésticas, as vezes na aula de concurso – que eu dei 10 anos curso de concurso, né, viajava o estado de São Paulo, isso – então eu falava de uma série de coisas, e cabia no que falava contar essas histórias. Algumas histórias eu já contava sobre isso, porque eu acho que é a memória, né, a memória do que aconteceu. E 80 anos já dá pra juntar muita coisa.
[02:32:47]
P/1 – E quais são os seus sonhos?
[02:32:53]
R – Sonho, sonho eu acabei de executar um último que eu tinha, assim, até o médico falou “nossa, a senhora com essa idade tem ainda planos?”, é, tenho. Porque como minha filha não tem trabalho fixo e é solteira, eu sempre me preocupo com o futuro dela quando a gente não tiver né, porque ela vive conosco, e a minha casa é muito grande, você não tem ideia, mas é grande, não aparenta tanto mas ela o que tem em cima tem em baixo pra outra rua, ela dá pra duas ruas. E eu já tinha feito um apartamento lá em baixo que era quarto hóspede, banheiro, coisa assim, mas eu já tinha um salão grande que era o escritório do meu marido, uma garagem grande, aí eu tentei vender a casa por quatro anos, mas queriam trocar seis por meia dúzia e eu preciso de um apartamento com pelo menos quatro quartos, porque mora minha cunhada de 93 anos, o meu marido tem que ter escritório e enfim, eu ia trocar o que, comprar um apartamento com condomínios terríveis de caro. Então há muito tempo eu venho idealizando, e aí eu fiz uma reforma esse ano na minha casa, gastei minhas últimas reservinhas – o que eu não gostei, mas pela minha filha – eu fiz dois apartamentos. Eu to pensando até um talvez não (o maiorzinho talvez eu alugue), mas o outro Airbnb. Então eu vou ver. Eu fui na sua casa você até falou, você não vê nada de fora, mas a casa é mais dividida, né. Aí tá acabando, tá na reta final, era um sonho que eu já vinha, assim, porque a gente botou a casa no usufruto da minha filha, dos meus filhos, mas usufruto dela, então ela vai ter uma renda de três aluguéis. Era uma coisa que me deixava muito preocupada, muito preocupada, e agora eu consegui resolver. Então acho que isso tá me acontecendo, dessa minha depressãozinha, por agora eu ainda não arrumei nenhuma ideia nova pra fazer, sabe, eu to esvaziada, porque o que eu queria, o que há anos, mais de 20 anos eu vinha pensando nisso, como deixar... como resolver a vida da minha filha, e a gente não tem o cabedal, a gente não tem dinheiro, por exemplo “deixar herança”, não tem, eu sempre disse pros meus filhos: “a herança que eu dou para vocês é um bom estudo”, sempre investi muito em estudo, no melhor que eles podiam ter, “mas vocês não contem nada comigo” até eu fiquei contente... Meus filhos estão muito bem, tanto aqui do Brasil, graças à Deus que foi o que penou mais, o agrônomo, como o outro que trabalha na Microsoft há quase 30 anos, lá em Seattle, em Redmond. E eu choraminguei que eu tava apertada, não sei que, coisa que eu não queria que acontecesse nunca porque eu tenho vergonha, porque os pais porque querem sempre dar, aí eu não tinha como mobiliar o apartamento, finalmente tinha acabado o dinheiro, falei “eu vou pegar uma coisinha aqui outra ali” / “ai não pode, esses Airbnb tem que ser muito bem decoradinho bababá” / “ah, eu vou tirar da onde?”, aí meu filho mandou uma bolada na conta da minha filha, porque falou “não põe na mamãe porque a mamãe vai querer fazer economia”. Me mandou dez mil dólares, aí agora tá dando pra acabar, fazer tudo bonitinho, arrumadinho, e falei “você que vai arrumar (não to nem assumindo muito) você não casou, não teve que arrumar casa depois de casada, não teve que fazer enxoval, então faça, divirta-se aí”. Às vezes eu dou uns pitecos, porque não aguento. Mas meu sonho que vinha embalado há muitos anos eu realizei esse ano. Foi muito difícil conseguir fotografia, peguei uma fotografia... que eu gosto, queria muito fotografia assim com meus filhos, com todos meus quatro netos, né, só que é muito raro, porque quando eles vêm são, dois, três, dias em casa pra juntar todo mundo, que um mora no interior, outro Estados Unidos, então é difícil não tenho muita dos quatro juntos. Eu queria um comigo e com as crianças mas tem pouquíssimo. E como tá uma bagunça ainda algumas coisas da minha casa que enfurnou tudo, que perde um espaço essa casa grande tem tudo pra guardar cabe tudo, aí na hora que você tem que fazer... e meu marido é daquele... que não cuida, mas também não quer que jogue. Então tá um caos a papelada, as caixas de fotografia, então ontem a noite pra achar alguma coisa, peguei do que tava em amostra assim, no móvel, no porta retrato, do que achar na caixa porque não tava conseguindo, e as que eu gostaria mesmo trazer não consegui porque eu nem sei onde tão. Ta tudo lá guardado entroxado...
[02:38:00]
P/1 – Mais você pode trazer depois ou mandar
[02:38:03]
R – Ah, mas eu não vou arrumar até o fim do ano aquelas fotografias, não. Não espere Lila, quando eu olho pra aquilo “tchauzinho”. Eu até tenho um porta retrato grande de ferro bonito que eu quero por fotografias, que eu já tenho um e quero montar o outro, mas eu tenho que por tudo lá na mesa, sabe, enquanto não ficar a casa toda pronta, mexer nessas delicadezas aí não vou, eu olhei já as caixas, pedi ajuda do meu marido, tinha coisas pesadas, eu bem que eu devia de estar arrumando isso, eu tenho coisas antigas, eu quero levar algumas coisas pra Museu do Ipiranga, certo, eu tenho meu avô descendo do... eu chamo Zeppelin mas não é, não é que ele viajou, mas eles podiam visitar, e ele descendo a escada do Zeppellin, eu tenho coisas da Revolução de 32 do meu pai que eu preciso mexer e criar coragem e dar destino, que os meus filhos, meus netos não vão saber o que é aquilo. Eu sei pra explicar pra quem interessa. Tenho muita coisa assim de memórias, né, livros muito antigos, algumas coisas que eu preciso dia um dia enfrentar, quem sabe se vai ser o próximo objetivo, tá faltando um objetivo, quem sabe eu arrumo esse objetivo de arrumar o passado, botar em ordem as coisas antigas, né.
[02:39:25]
P/1 – E é um bom momento agora né?
[02:39:27]
R – É, agora não. To trabalhando muito Lila, to cozinhando, arrumando casa, arrumei uma profissão, assim, que não tava no meu programa sabe, cozinhar eu já cozinhava, mas tinha ajuda da minha empregada que está há 30 anos comigo. Agora eu to assim... eu to numa rotina, eu entrei numa rotina que tá confortável enquanto durar. Mas quem sabe eu vou arrumar as coisas, quem sabe seja um plano, aquilo tudo é tanta coisa que você tem que jogar, descartar, separar, é fogo, é fogo. Então eu não te prometo mais fotografias tão já, não, porque eu peguei as que estava no porta retrato aqui, trouxe uma que eu adoro que é eu, meu marido e os três filhos adolescentes, mas tá tão amarelinha, tão apagada que eu não sei se terá utilidade. Essa é uma fotografia que eu gosto porque tá a família toda, e quando eles vêm dos Estados Unidos a gente sempre procura tirar, aí eu trouxe uma que estão todos, mas quando vem, em geral a minha neta mais velha não vem, vem só minha netinha de 10 anos, que a minha neta mais velha que tem 27 é do primeiro casamento, e ela já tá com a vida dela, então quando o pai e a madrasta vêm, ela não vem. Ela estudou, fez a Columbia em Nova Iorque, tá mais em Nova Iorque do que em Seattle, então já não consigo botar os quatro netos. A única vez, acho que eu não sei se eu trouxe, foi quando nós fizemos 50 anos de casado, fomos todos pros Estados Unidos, acho que eu trouxe essa, uma que tem a família toda, raríssimo, tem todos os quatro netos, as noras, até as duas noras, eu me dou muito bem com as duas noras. Aliás, fiquei hospedada na casa dela, da primeira, enquanto aos outros parentes ficaram na casa da segunda. Mas eu não tenho essas fotografias e também não gosto de tirar fotografia, rouba a minha alma, não gosto, não sou de fotografia. Então é isso Lila, falei muito.
[02:41:40]
P/1 – Obrigado dona Cecília. Obrigado por compartilhar a sua história, tem muita história...
[02:41:45]
R – Tem muita historinha né (risos). E tem mais, principalmente dessas coisas, né, da história. De acompanhar a vida da gente com a história, eu tenho muita coisa. A marcha da Família que eu me arrependo, que vergonha, que eu participei em 64, era bobona, e outras coisas mais, experiências. Eu comecei a contar do blecaute, né, da guerra, que eu era pequeninha quatro, cinco, seis, anos, seis anos já tinha acabado a guerra, mas eu me lembro de coisas. E outras coisas assim, lembrar da... Pena que as vezes me falta palavra, ando esquecida das palavras... “MECUSAID”, era isso realmente que era a interferência dos Estados Unidos na Educação na América Latina, e era uma política muito forte de interferência, e eles desfaziam governos, mexiam nas coisas, manipulavam de uma forma assim, aqui na USP eles vinham como brasilianistas, mas era um método de interferência, de conhecimento da nossa situação, né, eles vigiavam bastante. Ta, tudo bom?
[02:43:03]
P/1 – Ta bom querida. Obrigado
[02:43:05]
R – Obrigada você por me convidar, e se precisar de outra coisa estou as ordens.
[02:43:07]
P/1 – Combinado. Tchau obrigado.
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