Depoimento de Maria Elizabeth Torres de Oliveira
Entrevistada por Ana Maria Alves Coelho, Juliana Venâncio
São Paulo, 15 de junho de 2018
Entrevista número MET_HV010
Realização: Museu da Pessoa
P/1 - Fala para a gente o seu nome, a data e o local do seu nascimento.
R - Meu nome é Maria Elizabeth Torres de Oliveira, nasci em 12 de julho de 1956, em Piratininga, no interior de São Paulo.
P/1 - Conte para a gente um pouquinho da sua família, é de Piratininga que você é?
R - É. Quando eu vim de Piratininga para São Paulo eu tinha oito anos, e nós viemos, a família. Eu vim para morar em Tucuruvi, eu morei lá. Nessa época ficamos alguns anos em Tucuruvi e depois fui para a Vila Gustavo. Quando eu tinha dez anos meu pai comprou um terreno em Guarulhos e moramos lá até eu casar, e minha mãe mora no mesmo lugar, ainda está lá. Foi assim.
P/1 - Seu pai e sua mãe, eles se conheceram em Piratininga? E só aí vieram para cá?
R - Sim, os dois eram de lá, nasceram lá.
P/1 - Sabe como eles se conheceram? Qual é a história deles? Tem alguma coisa...
R - Cidade do interior tem uma rua principal, um jardim, um coreto e é assim minha cidade. Então, a noite ficava andando de um lado as mulheres e de outro lado os homens. E, eles ficavam caminhando, paquerando, era assim que era lá. Aí se conheciam e também foi assim que eles se conheceram nessa paquera da rua principal. E depois quando criança, ele vendia caldo de cana que se chamava, “guarapa”, que se chama, aqui falamos caldo de cana. E tinha uma “guaraparia”, que ele vendia caldo de cana e esses doces de padaria. E depois é que viemos para São Paulo.
P/1 - Em quantos vocês eram? Irmãos e irmãs?
R - Somos em seis, na verdade, agora somos cinco porque um faleceu, somos em cinco agora, mas, éramos em seis. Eu sou a única filha, sou a mais velha de cinco irmãos.
P/1 - Então, a maioria da sua infância você passou aqui em São Paulo.
R - A maioria eu passei aqui.
P/1 - Com oito anos.
R - Passei parte lá. Com oito anos se lembra de bastante coisa, porque eu lembro que brincávamos de passar anel, umas brincadeiras que hoje em dia não existem mais.
P/1 - Não.
R - Era uma delícia no fim da rua que ficava aquele monte de crianças e nós brincávamos, fazíamos uma roda grandona, jogávamos lenços, umas coisas que hoje temos dó dos nossos filhos, porque não vão mais passar por isso.
P/1 - Não tem mais. E a escola, qual você estudou?
R - Eu lembro que quando eu vim para São Paulo eu estudei na João Ligabue que era lá em Tucuruvi. Depois eu estudei na Vila Gustavo e era um colégio que se chamava Vila Gustavo mesmo. E quando eu fui para Guarulhos eu estudei no Siqueira Cézar, e fiz o ginásio e depois fiz o colegial também em um colégio de Guarulhos que é o Kennedy. E, depois com mais de dez anos, porque de 86, 2002, eu fiz o curso de transporte sobre trilhos e que eu fiquei técnica em transporte sobre trilhos.
P/1 - Na escola, como era a Elizabeth estudante?
R - Muito boa, sempre gostei de estudar, adorava, então sempre tive excelentes notas, adorava ter amigos, eu nunca mudei meu modo de ser. Desde criança até hoje eu tenho o mesmo jeito, adoro ter amizades, adoro conversar, estar no meio de amigos, eu acho uma delícia. E eu era assim também na escola.
P/1 - Tem algum causo desse tempo, alguma coisa, uma surra que levou da sua mãe ou do seu pai, alguma coisa que você fez e que não podia fazer por causa dos costumes?
R - Meu pai era muito enérgico, ele infelizmente não batia, ele espancava. Então, por ser a mais velha, muitas vezes meus irmãos faziam alguma coisa e eu acabava tomando as dores deles e apanhando no lugar, sabe? Porque meu pai para bater ele nunca soube, ele acaba às vezes arrancando sangue. Então, eu fazia de tudo. Teve uma vez que meu irmão era meio guloso, o que faleceu, o Humberto. Meu pai comprou uma goiabada desse tamanho e obrigou ele a comer tudo. Ele comia e eu chorava, e aí eu falava assim: “pai tira isso”, e ele “não, eu estou comendo”, e eu falando, querendo... Chegou uma hora que é claro que ele não ia aguentar comer aquilo, e meu pai “não aguento mais”, e meu irmão chorando, “larga esse doce”. Eu nunca esqueço, porque eu acho um absurdo você falar que a criança é gulosa e obrigar, e então fomos criados energicamente. Minha mãe já não. Ela já era apaziguadora, ela escondia as coisas do meu pai e quando eu tinha 12 anos, eu quebrei o vidro da cristaleira sem querer. Meu pai me deu uma surra tão grande, um chute na virilha que estourou uma hérnia. Eu fui internada e eu tive uma parada cardíaca. Então, eu tinha pavor de ver pais que espancavam crianças. Então, eu falei, “quando eu tiver os meus filhos nunca vai ser igual ao meu pai”. E quando eu tinha 17 anos nasceu meu irmão mais novo, mas aí eu já era adulta. Então, eu casei com 18 anos. Não deixava ele fazer nada com o meu irmão, eu ia e tomava as dores. Eu falava “nele você não toca, não vai fazer o que fez com a gente”. Então, ele era mais um irmão filho, porque um ano e meio depois eu tive a minha filha. Então, eles têm quase a mesma idade.
P/1 - Você como irmã mais velha tomava as dores do seu irmão, e sua mãe?
R - Minha mãe apanhava, porque ela ia defender a gente e acabava apanhando. Então, ele sofreu muito na vida de casada. E meu pai morreu jovem, com 45 anos. Ele teve câncer e morreu. Quando eu vi ele no caixão eu não fiquei muito triste, vou ser honesta. Porque muitas vezes eu desejei aquilo, porque meu pai fazia tanta coisa que falávamos, “meu Deus”, eu chamava o meu pai e falava: “vamos conversar, seja amigo”, porque eu era a mais velha. Mas, ele achava que não, que ele tinha de ser o carrasco, o enérgico, o pai. E não era o pai amoroso, mas sim enérgico. Mas, quando ele morreu minha mãe ficou muito bem porque aí progredimos porque ele não nos deixava reformar nossa casa. E eu comecei a trabalhar com 12 anos. Meu irmão depois de mim, ou dois anos depois também foi com 12 anos. E então recebíamos e dávamos o dinheiro na mão da minha mãe. E queríamos arrumar a casa e ele não deixava. Então, ele tinha uns pensamentos muito terríveis. Quando ele morreu reformamos a casa, minha mãe teve paz, porque ela não teve paz. Ela se renovou. E tem, infelizmente, sabemos que tem muitas famílias que o pai e a responsabilidade dele ele pega para o outro lado, de ser o enérgico e não é isso. Temos de ter, eu pelo menos, porque com os meus filhos sempre foi assim, eu chegava e tinha alguma coisa e íamos conversar. Tanto com os meus filhos, como com o meu marido, eu acho que é por isso que eu tenho 42 anos de casada. Porque quando eu vejo que tem alguma coisa errada eu falo, “marido, vamos ter uma conversa”. E com os meus filhos era a mesma coisa, “o que está acontecendo?”. Então, os meus filhos sempre foram muito meus amigos, e até hoje, são todos adultos, mas se eles tem algum problema, “mãe, o que você acha?” e vamos conversar mesmo ela tendo a vida dela, e quando tem um problema ela vem e meu filho a mesma coisa. E então, quer dizer, eu falei, que da minha parte eu queria ser o inverso e em um ponto foi bom tudo que eu passei, porque eu tirei do que eu não deveria fazer. Nunca fui revoltada por causa disso, não, ninguém nem sabia do que eu passava em minha casa, porque quando eu chegava na escola eu era amiga de todo mundo, eu não deixava transparecer, mas, eu falo, nós temos as experiências ruins, mas delas tiramos “isso eu não farei”, é bom porque aprendemos pelas coisas ruins, “eu jamais faria isso”. Então, mesmo tendo passado por tudo isso eu agradeço, porque eu aprendi bastante coisas.
P/1 - Você falou que começou a trabalhar com 12 anos, o que você fazia Elizabeth?
R - Eu olhava crianças, com 12 anos. Porque meu pai era do tipo que não dava quase nada em casa, ele além disso era aquele tipo machão, então tivemos que começar a trabalhar cedo para poder sobreviver e ajudar minha mãe.
P/1 - Então, você cresceu, como foi a sua juventude?
R - A minha juventude sempre foi problemática por causa do meu pai, mas eu tinha e minha mãe falava assim, “filha, cuidado com o que você fala” e eu falava, “mãe quando eu casar só terei dois filhos, não terei mais do que isso, e eu vou aprender a dirigir”, porque eu achava lindo mulheres dirigindo, “vou ter minha casa, vou ter tudo que nós não tivemos”. Eu desde pequena sempre falava para ela. Então, eu sempre acabei trabalhando. Sempre a vida inteira e quando eu casei eu tinha 18 anos e na época não que eu não gostasse e não amasse meu marido, mas foi mais uma fuga para sair de casa porque eu poderia ter esperado mais. Mas, casamos, dois moleques, ele tinha 19 e eu 18, mas por eu ter responsabilidade desde nova, ele não, tinha um pai diferente, meu sogro foi meu segundo pai. E era um pai presente, amoroso, e ele não sabia brigar pelas coisas que ele queria. Porque meu sogro dava tudo já de mão beijada. E então quando chegou e quando casamos ele falava assim, “não podemos comprar isso”, “podemos e vamos pagar marido, é assim que funciona”. E aí compramos um terreno e ele “não”, “vamos, porque precisamos construir uma casa nossa, não vamos pagar aluguel”, e os dois trabalhando. E em 84 ele entrou na Telesp, e em 85 eu entrei no metrô. Então, eram duas empresas ótimas, e nós graças ao bom Deus tínhamos um salário bom, os dois. E sempre fomos família. O Paulo nunca entrou em um bar e ficou, sempre do serviço para casa. E compramos uma casa, vendemos o terreno, compramos a casa e moramos 23 anos nela. Depois compramos uma em um local melhor, uma casa maior. Em 2001, quando fizemos 25 anos de casado, nos demos de presente que era nosso sonho ter uma casa na Baixada, e foi o nosso presente de 25 anos de casado. Somos muito batalhadores, tanto eu quanto ele. Nós sempre um está cozinhando e o outro está ajudando. Nós somos bem amigos. Eu posso contar com ele a hora que precisar e ele pode contar comigo.
P/1 - Você casou muito nova com ele, com 18 anos. Só teve ele de namorado Elizabeth?
R - Tive um outro, ele na verdade foi o segundo namorado. Como eu sofria muito em casa eu tinha muita amizade e talvez por isso eu não tinha muita tendência, tinha mais amigos homens, na escola, e amigos que eu tenho até hoje tenho contato com eles. Mas, por eu ter irmãos também, e os amigos deles também eram meus, ia no cinema com amigos, era assim. Então, eu só namorei dois, na verdade, que foi meu primeiro namorado e depois meu marido, que era meu único homem.
P/1 - Na juventude o que vocês faziam para se divertir? Em 1900 e tipo...
R - Não me divertia muito, meu pai não deixava sair de casa em hipótese alguma e para lugar algum, vivíamos dentro de casa. E ainda eu por ser mulher, imagina nem podia sair com namorado ele que tinha de vir na minha casa, e ele estipulava os dias para vir, horário. Eu fui fazer alguma coisa diferente depois de casada, que saia com o marido, íamos no cinema, em algum evento, formatura, mas, solteira eu não ia. Só tinha uma coisa que eu fazia e que eu amava muito, eu fazia judô, artes marciais. Depois de trabalhar na casa dos outros eu fui trabalhar na Ibrape, eu entrei com 14 anos. A Ibrape era uma firma da Phillips, eu fazia válvulas de televisão, eu lembro até hoje, PL36. Então, eu soldava, chamava de radiador, era uma pecinha que se soldava na válvula. E então era assim uma linha de montagem, cada um ia fazendo e eu ganhava bem, não ganhava como menor, ganhava como maior, por isso que foi bom, porque eu ajudei muito a sustentar os meus irmãos porque eu ganhava muito bem na Ibrape. E depois de lá é que eu fui trabalhar no Jumbo Eletro e depois eu fui para o metrô, eu estou lá até hoje. Mês que vem, dia 12 de julho eu farei 33 anos de companhia e 62 de idade no mesmo dia.
P/1 - No mesmo dia? Que legal. E o seu casamento, conta como foi.
R - Eu fui bem apressada. Vou contar o que aconteceu. Quando eu estava com 17 anos, faltava um mês para eu fazer 18 e meu pai me deu uma surra porque eu quis sair de casa para arrumar um rádio que eu tinha comprado. Ele me deu uma surra tão grande que meus vizinhos chamaram a polícia. Eu fiquei tão revoltada que aí eu acabei me entregando para o meu marido, que era meu namorado e na primeira vez eu fiquei grávida. E naquela época era terrível há tantos anos. Meus vizinhos levaram na boa, eu não queria casa, aí eu me desmanchei do meu marido, eu falei, “não é justo”, eu não pensei, “eu sustento meus irmãos, eu sustento um filho meu”. Mas, meu marido não aceitou, ele vinha todos os dias namorar mesmo sabendo disso. Ele estava no exército, teve que ser dispensado, minha filha nasceu e nove meses depois, só que pudemos casar, porque ele estava servindo ao exército, ele foi dispensado e casamos. Então, minha filha veio antes do casamento. A Andrea tem 43 anos, minha filha, e quando eu casei ela já estava com nove meses. Mas, até que eu acho que eu não sofri tanta descriminação porque meus vizinhos sabiam tudo que eu passava e sabiam, “ela fez isso”, e eu falei para o meu marido, “eu fiz sem pensar”, porque eu queria sair da minha casa. Mas, ainda bem que eu fiz sem pensar e deu tudo certo. Mas, o meu casamento é ótimo, não posso reclamar, no dia dos namorados ganhei uma orquídea linda, um perfume, e porque eu amo flores. Eu tenho uma parede só de orquídeas, que ele mais cuida do que eu. O Paulo está aposentado, e ele fica em casa. Mas, a gente batalhou a vida inteira, eu dou graças a Deus que temos uma vida de conforto graças aos dois que sempre estão batalhando juntos pelas coisas, e então eu só tenho que agradecer, não posso reclamar não. Os dois filhos lindos que eu tenho e os dois netos, genro, nora, somos muito unidos, um sempre está presente. Todos sempre estão juntos. Quando um precisa todos estão lá, então nós consigamos ter uma família muito bem estrutura, tanto eu quanto ele.
P/1 - Quando sua filha nasceu você ainda morava com os seus pais?
R - Morava, meu pai não sabia que eu estava grávida. E eu não contei, só no dia de ganhar a nenê que ele descobriu.
P/1 - Me conta como foi isso.
R - Foi assim, porque eu nunca fui de engordar muito grávida, ganhei só mais a barriga e o máximo que eu engordei foi oito quilos do meu filho. Da minha filha foi menos ainda, e ele ficava assim: “a filha está meio gordinha”, minha mãe não abria a boca, porque ela era minha cumplice, sabia que eu ia apanhar mesmo grávida. E então quando eu fui ter a nenê ele ficou sabendo e ele que me levou para o hospital de caminhão. E incrível, e o que meu pai não foi um bom pai, ele foi um bom avô, ele adorava a minha filha, ele agia com ela como não agiu com a gente. Eu nunca falei mal dele para a minha filha, jamais, porque eu achava que pelo menos ela teria uma boa lembrança de coisas que eu tive e que as lembranças não eram muito boas. Então, ele adorava a neta. Ele tinha o maior carinho. Quando eu casei não conseguimos alugar uma casa, e falamos “vamos ficar cada um na sua casa”, é só casado que tinha de casar. Tanto os meus pais queriam quanto os meus sogros, tinha de casar. Então, no dia do casamento minha vizinha, de duas casas depois da minha, ela tinha uma casinha no fundo arrumou ela e eu ganhei um jogo de quartos um monte de coisas, e naquela semana mudamos os dois, porque ia ficar cada um na sua casa. E veio tudo assim, foi uma coisa rápida e no fim deu tudo certo. Mas, foi difícil, porque eu trabalhava, a minha cuidava dela para mim, mas eu morei ainda uns dias na casa dos meus pais mesmo casada. Nove anos e meio, dez depois, eu tive o meu filho porque quando minha filha tinha um ano e oito meses eu tive uma filha, mas ela nasceu com problema e morreu com 23 dias. E aí eu falei, “agora eu não terei mais filhos”, porque eu fiquei muito triste. Mas, depois de oito anos eu engravidei de novo, tive meu filho e aí eu falei para o meu marido, “é normal, você vai ter que fazer a vasectomia”, naquela época isso há 34 anos só tinha a (Pro Parter) [00:20:09] que fazia uma doação para eles e eles faziam a cirurgia, mas, aí ele fez. Foi corajoso. Eu levei ele no (Belém) [00:20:19] e ele fez. Porque eu falei, “chega”, eram dois filhos. Então, meus filhos têm nove anos e meio de diferença, apesar de que se olhar pelas fotos ninguém diz isso, porque eles são bem parecidos. Mas, são nove anos e meio. Eu comecei tudo de novo quando o Anderson nasceu. Eu trabalhava nessa época no Jumbo Eletro e depois quando ele nasceu, um ano depois eu entrei no metrô, ele está com 34, eu vou fazer 33, então ele foi criado sempre comigo trabalhando no metrô e em escalas de rodízio. Porque minha escala é assim, quatro manhãs, duas noites e quatro folgas, que na verdade, não é bem folga, porque chega de manhã e vai dormir e descansar porque chegou cansado porque trabalhou a noite toda. Então, eles privaram muitas vezes de mim, natal, ano novo, eles acabaram acostumando. Teve um ano, meu filho tinha uns oito anos mais ou menos, ele ligou para o meu chefe sem eu saber. E falou assim, “eu quero falar com o chefe da minha mãe”, ligou no meu telefone e meu chefe veio atender. E meu supervisor, ele falou assim, “sabe o que eu queria te pedir, para você dispensar minha mãe para ela passar o natal com a gente”. Ele tinha oito anos. E meu chefe falou assim, “vamos fazer uma coisa”, pegou todo mundo que estava trabalhando e quem era casal e ia ficar, ficava, todo mundo fazia tudo que tinha de fazer e ele dispensou. E eu cheguei em casa e passei a meia noite em casa. Esse ano mesmo eles passaram todos na praia e eu trabalhando. Quer dizer, queira ou não queira, pela escala algumas coisas eu tive de privar deles, mas eu acho também que todos anos todo mundo trabalhando junto é uma segunda família. Então, passando com os amigos, que estão na mesma situação, cada um traz um prato, a gente faz uma comemoração entre nós.
P/3 - Gravando.
R - Muitas vezes minha família se privou de eu passar natal, ano novo, datas comemorativas, às vezes antecipamos, se eu vou trabalhar no natal, no dia 24 a gente vai fazer a festa. Mas, temos a segunda família que é a nossa do serviço. Todos eles também estão privados das famílias, então nós acabamos nos unindo mais ainda, eu falo que é uma segunda família, cada um traz um prato, fazemos uma comemoração no natal, ano novo, quando é aniversário, eu que faço em julho pego todos da escala de julho, compramos um bolo, salgados e fazemos uma festa durante a noite quando estamos trabalhando. Fazemos uma festa comemorando com o pessoal de julho. Esse mês é um, então vamos arrecadar para comprar um bolo. Sempre eu que faço, porque eu gosto, adoro. Eu que arrecado dinheiro, eu que compro o bolo. E eles falam “a Beth é...”, mas eu sempre fui assim de gostar de chegar e “vamos programar, vamos fazer”. Já faço tudo que tem de fazer. Então, sempre gostei. É minha segunda família, eu tenho amigos maravilhosos, passamos 33 anos juntos, vimos filhos crescendo, agora os netos. Tem uns que tem uma experiência de vida até traumática e com isso ajuda na amizade e de outros que graças a Deus também estão bem. E eu gosto da minha profissão. Gosto muito do que eu faço, eu acho que temos um ambiente de trabalho muito bom.
P/1 - Elisabete, você falou do seu casamento. Você casou na igreja?
R - Não, só no civil. Porque era assim, meu marido era católico e a família dele era meio católica roxa. E minha família evangélica, e eu falei, “bom, por ninguém ser nem um e nem outro, a gente casa só no civil”, casamos no civil e o juiz mesmo colocou as alianças lá. Eu nunca tive muito... Tem muitas mulheres que falam, “eu quero casar de noiva”, eu sou meio tranquila, nunca pensei nisso e minha filha casou só no civil também. Ela também é igual a mim. E minha nora vai casar em maio do ano que vem, já está pagando uma festa, ela se preocupa, ela fica preocupada com todos os detalhes, é bem diferente da gente. Mas é o sonho dela e a gente tem de respeitar. Eu falei assim, “eu já nunca nem me imaginei”, falei assim, “vamos lá assinar, que é o que realmente voga”, e isso não fez diferença nenhuma.
P/1 - Você falou do seu primeiro emprego. No Jumbo Eletro, como foi?
R - Foram sete anos, foi ótimo. Eu era vendedora. Lá era assim, você começava vendendo roupas, depois ia para os eletrodomésticos, para os aparelhos de som. E então eu fui passando. Lá eu entrei no Jumbo com 23 anos, e trabalhei lá até os 28, e foi exatamente quando eu fiquei grávida do meu filho. Quando eu entrei minha filha era pequena, e a minha gravidez foi no Jumbo Eletro, eu era vendedora, mas não pegava caixas nem nada, tinha uma pessoa para fazer as coisas para mim por eu estar grávida. Eu tenho amizades de lá até hoje, eu tenho amigas, tenho o maior carinho por elas, e, tenho até um rapaz que era cartazista, ele fazia os preços e ele é operador de trem e hoje trabalha comigo, só que ele trabalha a tarde e eu de manhã. Mas, as amigas temos o WhatsApp, sempre estamos em contato, mas eu gostava do Jumbo, era um lugar muito bom de se trabalhar. Eu acho e tenho comigo que a gente faz o ambiente de trabalho. A pessoa que se fecha em si mesma geralmente não vai ter um bom convívio, porque se você não conversa com os próprios amigos de trabalho, porque infelizmente temos algumas pessoas porque eu falo assim, “às vezes a gente passa pela vida de alguns e outros ficam”, porque tem uns que você trabalha por anos e não tem uma afinidade, aquela pessoa não conversa com ninguém, só passou, não deixou nada de positivo, só de negativo, não é verdade? Então, eu acho que sempre tive um ótimo convívio, eu adoro ter amizades, estar sempre conversando com as pessoas e ajudando no que eu posso. Então, o que eu posso fazer para melhorar eu faço, e para prejudicar fico na minha. Mas, é ótimo, foi muito bom lá, tenho ótimas lembranças. Meu filho nasceu quando eu estava lá, e eu resolvi parar de trabalhar durante um ano porque eu tinha de levar meu filho para Guarulhos e eu morava no Itaim Paulista era uma viagem de manhã e ele bebezinho, aquela friagem.
P/1 - E o seu trabalho era aonde? No caminho?
R - No Tatuapé, no Jumbo de lá, na Celso Garcia. Então, o que acontece, começou a ficar muito... Eu ficava receosa de ele ficar doente. Aí eu peguei e falei com o gerente da loja que queria ser mandada embora, “preciso, não dá mais”. E ele me mandou, eu não pedi a conta, eu conversei e eles me mandaram embora para que recebesse todos os meus direitos e falaram que se eu quisesse voltar, a hora que eu quisesse estariam de portas abertas. E foi com esse dinheiro que eu comprei o terreno que eu comecei a ter as minhas coisas. Eu vendi o terreno, foi quando eu comprei a casa da praia. E fomos batalhando e melhorando mais as coisas. Mas, eu já tinha o sobrado que eu tenho, foi aí que foi o segundo sonho, foi com o dinheiro que eu comprei o terreno que eu já tinha há bastante tempo, porque compramos meio a meio, eu e meu irmão. Era dez por 25, então ficou cinco por 25 para cada um. Depois de um ano o metrô tinha me chamado... Não, eu estava no Jumbo ainda. Eu fiz os testes e não passei com a psicóloga, tirei notas excelentes. Você vê que eu tenho mania de cruzar as pernas ou os pés e ela invocou com isso, ela dizia “descruze os pés”, e eu falei, “olha, é um costume que eu tenho, é difícil, quando se percebe você fez”. E ela me reprovou. Foi inacreditável, mas é verdade. Um ano depois o metrô me chamou, porque eu tive excelentes notas. E eu falei, “vou voltar lá”, e aí eu já tinha saído porque tinha esperado um ano e meu filho estava exatamente com um ano. E eu voltei, fiz todos os exames, e quando eu voltei a psicóloga eu falei: “vamos conversar antes de começar, o que aconteceu da outra vez que eu não passei na psicóloga foi por isso e aquilo”. Eu tenho o costume até hoje eu falei para ela, e ela disse: “não tem nada a ver”. Porque eu falei, “foi a única coisa que ela invocou e toda hora ela falava: descruze os pés”. Até hoje eu não entendo, porque a gente com a experiência de vida se começa a analisar e eu falei, “nossa”, mas, aconteceu. Na segunda vez eu passei em tudo quando eu estava com um ano de companhia que eu fiz julho, eu estava com seis meses e fiz um concurso interno. Foi quando eles escolheram, foi o próprio metrô que escolheu as três primeiras mulheres. Foi assim que eu comecei.
P/2 - Elisabete, descreve para a gente como estava a sua vida para você escolher aplicar a seleção do metrô, tanto da primeira, quanto da segunda.
R - Porque era assim, eu ganhei a melhor, e no Jumbo eu ganhava um salário mínimo com a comissão do que eu trabalhava. Então, tinham dias que eu trabalhava 12 horas porque eu precisava vender para ganhar e no metrô eu ia ter um salário fixo, era essa a minha expectativa para o próximo emprego que eu tivesse, não queria mais ganhar comissão, tinha que se batalhar muito para se conseguir um bom salário. Foi por isso que eu optei por ir para o metrô.
P/3 - Mas, como era a vaga, você viu no jornal?
R - Não. O meu irmão trabalhava no metrô e ele me falou que tinha aberto e eu fui através dele. Eu entrei no metrô nessa época, porque meu irmão saiu, ele foi ser policial militar, que era uma coisa que ele gostava, ele saiu e eu entrei. Porque não podia trabalhar família, na época era assim. Não podiam entrar irmãos. Então, quando ele saiu eu entrei. Era um processo que tinha uma fila quilométrica para se conseguir. O metrô era bem enérgico. Hoje é concurso público. Mas, naquela época se entrava em uma sala com 40 pessoas, tinham os testes dinâmicos, tudo cronometrado, e daquela sala saiam quatro ou três pessoas. Mandavam para outra sala e você não sabia o que tinha acontecido. E falava, “só nós três, repetimos?”, mas era o contrário, daquela sala toda sobravam três ou quatro pessoas. E se ia para outro teste e assim ia, e eu falava, “será que agora passamos?”. Porque eles nunca falavam nada. Então, foi um processo bem lento, penoso, porque ficava até com medo. Porque o metrô era bem enérgico no processo de seleção deles. Agora hoje não, porque é um concurso público, mas na minha época o processo era assim.
P/1 - Quando você passou foi para que linha?
R - Eu trabalhava na Norte/Sul. A primeira estação que eu trabalhei foi a Carandiru. E depois eu passei por mais algumas duas, e aí fiz nesse processo, no meio disso fiz igual eu falei para você, o processo de seleção interna, e com um ano e um mês eu comecei o treinamento para operadora de trem, e eu fiz em julho, em agosto eu comecei. Em novembro que fomos liberados e por termos sido as três primeiras mulheres porque não tinham antes. Foi assim, no metrô as mulheres sempre brigaram por isso, as mais velhas brigavam muito para que se tivessem mulheres na operação. Mas eles achavam que não era viável, todas, tem amigas minhas bem antigas de metrô que estão aí até hoje e que elas brigaram bastante, então não chegamos a brigar porque a gente tinha... Mas, o bom é que não brigamos, mas metemos as caras e ajudamos as outras que vieram depois. Então, eu tenho muito orgulho de ter sido a pioneira e de ter aberto o caminho, meu orgulho é esse, de ter aberto o caminho para as mulheres. Infelizmente, ainda não é 50%, 17% só. Eu gostaria que fosse pelo menos 50%. Porque os homens tinham medo que tomássemos o lugar deles, e não é, só viemos para acrescentar. Porque eu acho que os direitos são iguais. Os direitos das pessoas, não do homem, da mulher, do homossexual, eu acho que é das pessoas. Temos o mesmo direito, porque pagamos impostos da mesma forma, e a gente que é assalariado somos os piores, somos os que mais pagam impostos. Não é verdade? Então, eu fico muito triste em saber que às vezes tem lugares que ainda mesmo as mulheres trabalhando ganham menos que os homens. No metrô não, temos o mesmo salário e os mesmos direitos. Então, quer dizer, pelo menos já somos um exemplo para as outras empresas. Eu sou muito orgulhosa de ter sido uma das primeiras operadoras e gostaria que fosse 50%, homens e mulheres. Mas, ainda são 17%. Mas, são 32 que vai se fazer, quem sabe daqui mais uns 30 esteja tudo igual.
P/1 - Antes de você entrar no metrô, o que pensava, antes de ser funcionaria, andando de metrô enquanto usaria?
R - Eu sempre achei o metrô muito interessante. Em 74 eu vim entrar de metrô para conhecer. Estava eu e o meu marido, éramos dois moleques, e tinha uma senhora sentada e nós dois em pé na frente dela porque era um percurso pequeno da Norte/Sul, então fomos conhecer. E aquela senhora virou para mim e falou assim, “moça, fala para mim o que você viu nesse menino, você é tão bonita e ele é tão feio”. Gente, eu olhei para ela e meu marido teve o jogo de cintura que eu achei o maior barato, ele falou assim, “para a senhora ver que eu tenho bom gosto”. Não falou nada, só falou isso para ela. Eu fiquei vermelha, porque eu falei “essa mulher não tem noção”. Mas, não falei nada e ele não. Eu tinha 17 na época e ele tinha 18. Seis meses nós temos de diferença, os dois deveriam estar com 18. Então, isso eu nunca esqueço, porque marcou. Aquela senhora eu lembro dela perfeitamente, porque eu fiquei sem ação.
P/1 - Quando você chegou, as três mulheres que foram operadores de trem, qual era a estrutura que se tinha montada para receber vocês, vocês tinham banheiros, vestiários?
R - Não, não tínhamos. Era um galpão em Penha, porque o metrô só ia até lá. Tinha um galpão na plataforma e lá só tinha um banheiro que era de todos. Então, os meninos faziam assim, quando queríamos usar o banheiro eles ficavam na porta para ninguém entrar e a gente ia no vestiário deles, usava ao banheiro e saíamos. Nos trocamos na estação, porque lá tinha. Quando foram já as outras estações, porque Matilde, a sequência, Guilhermina, Artur Alvim, não tinha. Tinham os testes que fazíamos com os trens nessa região porque estava indo até sem cobertura e eu fiz questão de participar dos testes, porque eu sempre gostei. Quando vem trem novo eu adoro participar para ver, porque vem um kit e ele vai sendo montado, então ficamos só nós e a manutenção. Eu adoro essas coisas, então eu quis participar de todos os testes das estações novas. Eu e a Marilu, nós duas. A gente viu tudo do começo, é o que eu falo, são 32 anos. A Leste você vai olhando e pensando “antes era assim e olha agora quantos prédios”. O legal é ver o crescimento da Zona Leste e da Zona Oeste, e você pensa “olha quanta coisa que mudou”. E aí com as estações fomos fazendo os testes e inaugurando, cheguei a ir para a Linha Verde, inauguramos, eu e as mulheres. Fui eu, a Marilu e sei meses depois de nós vieram mais três mulheres. Aí depois demorou dois anos e assim foram vindo muito moderadamente. Então, depois de seis meses já estávamos em seis. Ficamos em duas, porque a Tamara estava grávida e ficou no CCO, ela realmente não passou pelos caras que rejeitaram e fizeram pouco, ela já ficou livre disso, só eu e a Marilu. Mas, eu falava assim, eles falavam alguma coisa, o pessoal, “olha a Elizabeth...”, “eu sou surda, não liga não, não ouço”. Então, o dia que eu cheguei na Norte/Sul para fazer um treinamento com trem, era reboque que se aprende e se tem que tirar o trem da via nem que seja rebocado um pelo outro. E então eu fui fazer esse treinamento e quando eu cheguei lá o supervisor falou assim, “você não é da minha área”. E eu falei, “como assim, você não é da UPM?” e ele falou, “sou” e eu falei “eu também”. “Daria para você arranjar um lugar para a gente se trocar para fazer o treinamento?” e ele falou, “vou arrumar uma sala para vocês”. Eles não aceitavam, nenhuma das linhas aceitava que a gente viesse para sermos operadoras.
P/1 - Mas, vocês fizeram o treinamento?
R - Fizemos, claro. Todas. O pessoal que deu o treinamento dos instrutores era maravilhoso, todos. Fizemos o treinamento, a mesma altura que os homens, até algumas vezes melhor ou igual. Nunca teve nada que falasse, “você não vai fazer isso porque você não conseguiu”, não, de jeito nenhum. Tudo fomos tirando de letra. Aprendendo.
P/3 - Elizabeth, você tem essa questão da resistência dos homens a chegada das mulheres na operação, quem foi que organizou e bancou essa mudança na empresa de trazer as mulheres e falar, “não, vai ter”, teve uma situação? Alguém teve de intervir?
R - Na verdade, o sindicato nessa época e essas mulheres. Elas fizeram muita pressão. Foi quando eles resolveram fazer, “vamos fazer e se não der certo”. Então, o metrô resolveu, “vamos escolher as três e ver o que acontece”, e aí deu tudo certo e eles realmente viram. Porque antigamente tinham algumas válvulas, porque assim, operador de trem, deixa eu falar um pouco sobre a nossa profissão. O operador de trem não é só um enfeite, se tem a parte do treinamento que tem que sanar qualquer falha que acontecer no seu turno, então é uma técnica, e são três tipos de trens diferentes. Então, quando ele estiver com uma falha tem de se atuar e resolver. Nem que seja rebocar com outro trem, mas tem de se tirar o trem da linha. Então, o operador sabe tudo sobre o trem, e quando se está operando o trem, quando eu comecei era assim, por alavanca, freava, acelerava, tudo assim, porque não se tinha o automático, tinha o semiautomático nessa época. O metrô sempre foi muito seguro, eu tinha no meu painel, e ele me dava a quilometragem que eu tenho que andar naquele trecho, então se eu acelerasse querendo passar aquela quilometragem ele freava automaticamente. Então, ele não tinha como, mas era só acelerando e freando, era você que fazia tudo no trem, abria a porta, dava o PA que é o nome das estações, tudo era você. Depois foi modernizando e então o gostoso é que eu passei por tudo isso, hoje temos o automático, mas, não tem como não se ter um operador de trem a frente, porque o metrô é uma máquina. Ele pode falhar, se ele falha e você já assume o trem, tira do automático e você é que assume, é assim que funciona. A nossa função, o metrô em si, eu admiro e gosto da minha empresa, porque eu acho que o metrô é um meio de transporte que é o melhor que nós temos. Infelizmente, com o acúmulo de pessoas talvez o conforto deixamos de lado, mas, é super limpo, nos preocupamos, deixamos a noite os trens preparados para todo o pessoal da limpeza limpar. A noite são feitos todos os testes para de manhã quando ele for circular e ele tiver em condições, não tiver nenhuma falha, então quer dizer, é um processo em que tudo é feito à noite para que de manhã os trens estejam rodando, é um carrossel. Então, durante o percurso da linha a gente tem em Penha alguns terminais que ficam os trens estacionados, e nós temos em Belém que ficam outros e temos em Barra Funda que também temos. Então, é tudo coordenado pelo carrossel de manhã começar a rodar com todos os trens. E no pátio que aí saem os trens do pátio de Itaquera. Então, é tudo assim, é muito bem organizado, eu amo minha profissão e eu visto a camisa pelo metrô. Porque tudo que eu tenho em parte foi tudo graças a minha profissão. E o meu marido a dele. Hoje em dia eu fico muito triste de ver tantas pessoas vendendo coisas dentro do trem, eu sei que está difícil, mas por isso que deixamos o conforto de lado. Mesmo a segurança atuando, tem muito hoje. Cantores de tudo quanto é jeito, é isso que eu falo, infelizmente, o pessoal reclama, mas a culpa é dos usuários, porque se eles não comprassem ninguém venderia. Se eles não dessem o dinheiro para quem está ali cantando e às vezes são umas coisas horrorosas, então ninguém iria cantar. Então, eles sabem, infelizmente, eles só vêm o lado de reclamar. Mas, eles não sabem que a solução está na mão deles, porque os seguranças tiram, mas eles têm de tirar fora e depois os caras voltam. Não tem jeito. Eu fico triste por isso, porque agora infelizmente está virando esse meio ferrovia nesse ponto, é muita gente vendendo coisas que nem se imagina, e isso ainda é uma coisa que eu fico triste de se ver. Mas, a gente fala, “meu Deus do céu, é melhor do que se ter um monte de gente desempregada”. Mas, eu acho que poderia vender lá fora.
P/3 - Elizabeth, voltando para a questão da operação, só para entender porque eu sou totalmente leigo, o pessoal aqui conhece, eu não conheço nada. Me conta um pouco de como é esse dia de trabalho, porque se tem uma vida noturna e da operação de dia da máquina em si.
R - Durante o dia eu entro às 06 horas e 05 minutos e saio às 14 horas e 30 minutos. Eu dou quatro voltas. As voltas são assim, de Itaquera a Barra Funda, de Barra Funda para Itaquera. Quando eu chego em Barra Funda eu desço do meu trem e um outro assume do outro lado e vamos para a manobra. Lá na manobra eu tiro as alavancas que estão em frente e que eu estou comando, coloco dentro e ele coloca em frente e vai para ele o comando do trem. E ele vem, eu desço em Barra Funda e vou para a outra ponta fazer o que ele fez. É assim que funciona, então aí se volta para Itaquera. Então, em torno de uma hora e meia é a nossa volta. E isso se dá quatro voltas ao dia, e aí se vem, descansa uns dez minutos, eu tenho meia hora de almoço, tomamos um café. Então, são quatro voltas e é tudo assim esquematizado. É igual eu te falei, hoje em dia temos o automático, então ficamos com um monitor, mas, damos alguns PAs, é um texto, às vezes tem algum texto que temos de dar por alguma campanha ou alguma coisa, aí é você quem faz. Senão tem o automático, de manhã geralmente você mesmo dá o bom dia e a boa viagem aos usuários. Porque eu faço questão de eu mesma falar. Quando se pega o Itaquera e Barra Funda, então se fala, “bom dia, sou operadora desse trem e o metrô de São Paulo deseja a todos uma boa viagem”. Então, eu acho gostoso falar para os usuários. É assim que funciona. Eu trabalho quatro dias de manhã, e esse é o nosso... E depois a noite, damos as voltas, e quando é meia noite vamos para o pátio e os trens que estão na via serão recolhidos para os lugares como eu te falei, e lá no pátio serão feitos todos os testes. Faz o teste de chegada, se tiver alguma falha ou a manutenção atua, ou se leva o trem para a manutenção que tem outro bloco dele. As falhas e as coisas como a limpeza são feitas durante a noite. De manhã quem já vai buscar os trens desses lugares sai às três horas da manhã com um micro-ônibus, se vai para Belém, para Penha, pegar os três e já ficar lá posicionado, cada um tem um horário de despacho. Depois sai às seis e pouco quando volta, e são duas noites, quatro manhãs. E aí saímos para a folga, é assim que funciona.
P/1 - Elisabete, qual foi a sua primeira falha, conta para a gente?
R - Falha de trem? Não foi bem uma primeira falha, o nosso dia depois de liberada foi terrível, porque é assim, se está chovendo colocamos baixa aderência. O trem anda com uma porcentagem menor para ele não ficar derrapando e nesse dia estava chovendo. Quando o usuário eu no trem andando devagarzinho ficava assim, e esperando o próximo, não entraram no meu. Era minha amiga e eles não entraram. Muitas vezes eles deixavam de entrar porque éramos mulheres. Agora, as falhas como já se aprendem as sana-las, não se chega a ter aquele receio, já se sabe a sua sequência e o que vai fazer, na hora só tem de se lembrar.
P/1 - Mas o fato de você ir lá e sanar as falhas, faz com que você vá ganhando o respeito dos homens, não é?
R - É verdade, não tenha nem dúvidas. E o usuário ele colabora muito, às vezes vai atuar em equipamentos que são dentro do carro e aí se fala, “com licença”, tem as sancas das luminárias, vira e mexe como é muita gente, eles mesmos pegavam e saiam fora do lugar. E eu não alcançava, tinha que subir no banco, e sempre tinha um usuário para ajudar, porque eu estava com o transceptor, temos que andar com ele na mão para comunicar. E um “como eu te ajudo, como eu faço?”, eu sempre tive ajuda. E a gente também tem uma única em que ficamos em estações para sanarmos as falhas, para ajudarmos o operador que está na linha. Então, tem algumas estações que tem alguns outros operadores que ficam um tempo no trem, para ajudar a sanar essas falhas também. Porque aí não fica só no agente. Se for alguma coisa que tem de atuar na hora. O cara pressionou um botão de emergência porque alguém estava passando mal, e ele tem que ir lá normalizar, e a atuação vem atuar na pessoa que está passando mal. É assim que funciona o nosso dia a dia.
P/1 - Teve alguma mais traumática? Alguma falha que você atuou que deu IN?
R - Não, eu não tive nenhuma IN, falha, nunca tive.
P/1 - Explica para eles o que é IN.
R - É um incidente notável, acima de dez minutos.
P/1 - Seis.
R - Agora é seis? Eu sempre tive como dez. Acima de seis minutos é notável.
P/1 - De paralisação.
R - Porque fica a linha toda paralisada. É um carrossel, quando uma quebra todos param. Não tem jeito, então quando se tem alguma falha, por exemplo, uma fumaça na caixa. Um aparelho ou motor embaixo e então enfumaça e o usuário fica desesperado. Saem todos correndo do carro, aí você vai lá, atua, desliga os equipamentos que tem de desligar para que aquilo pare. E geralmente é recolhido o trem, ele vai para o pátio, para que a manutenção atue na falha. Quando é uma falha como vazamento, porque o trem é pneumático, então, durante todas as portas elas são pneumáticas e elétricas. Porque é um ar que corre e a tubulação principal do trem é de ar. O trem de tem de estar, como quando se assumir o trem, a primeira coisa que se olha é se como está... Ele tem de estar com uma porcentagem de ar, e então tem de estar, se ele não estiver ele não sai do lugar, ele não libera o freio. E então tem de se esperar, ele está, por exemplo, com cem de ar, é aí que ele libera os freios. Ele tem as partes elétricas, mas o trem ele é pneumático, então se tem um vazamento aí se vai e a sua pressão que é o ar, ela vai diminuindo e se pode entrar em emergência e o trem parar. Então, um vazamento às vezes dá na bolsa, o vazamento em algum equipamento, esse é o que mais tem que chegar e atuar. Agora a falha maior é de porta. Porque os usuários seguram muito a porta. Então, acaba dando falhas, as portas ficam travadas, abertas. E se a porta trava aberta, esses meus amigos que estão na plataforma, os operadores, eles têm que ir, e colocar um cinturão, tem que ser evacuado aquele carro, isolado. Eles têm que ficar ali para que nenhum usuário entre. Mas, a falha maior é a de porta porque se segura muita porta, e acaba desgastando.
P/2 - Elisabete, como você se sente trabalhando todos os dias na função que é a cara do metrô, que está lá na frente, é o que leva o usuário, você está na primeira função.
R - É por isso que eu me preocupo muito com a postura do operador de trem, porque eu acho que nós somos os olhos do metrô, do pessoal que está no CCO coordenando, porque nós é que estamos dando, se acontece alguma coisa é você que está passando, ele não tem ciência de que falhas, você está no seu trem, então, eu gosto e eu acho que sou uma pessoa como posso te falar? Agraciada. Eu adoro o que eu faço e eu me preocupo com a minha postura, é exatamente por isso, porque eu sou a visão do metrô. Eu me preocupo muito com ele. É engraçado, em tantos anos que vai fazer agora em novembro, 32 anos como operadora, no mês que vem são 33 anos de metrô. E acontecem coisas que você fala assim, “eu pensei que eu não ia mais ver coisas diferentes em tantos anos, mas tem e é incrível”. Às vezes vemos usuários e que parece que não é de pegar o metrô, chegamos lá e falam, “é mulher”. Nossa, depois de tantos anos, tem uns velhinhos que eu adoro, tem uma senhora que desce e ela vai lá janela e fala “que Deus te abençoe” e eu “amém”. Eu acho o maior barato. Logo no começo que eu estava de operadora eu cheguei em Santa Cecília, e chegou um senhor que me deu uma barra de chocolate e uma carta. Ele falou para mim que a barra era mim, que a neta dele mandou e que ela morava no Paraguai, porque ela achou lindo que agora tem mulheres. Na carta, infelizmente, minha mãe levou tudo para o interior e perdeu, mas na carta ela colocava que o chocolate era o néctar dos deuses e que ela mandou para mim por admirar a minha função de mulher operando o trem. E ela tinha dez anos, a menina. Mas eu achei tão lindo. E ele chegou e falou, “minha neta pediu que eu te entregasse”. Nossa, eu achei muito lindo. Muitas pessoas vêm e falam, “parabéns”. Na época tinham uns que não, que malhavam, mas tinham alguns que ainda ajudavam. Mas, é igual se fala, eu vejo assim, porque tem o espelho da plataforma e se vê o usuário saindo do trem, e se fala, “meu Deus, como tem gente saindo e depois entrando”. Você olha e fala, “meu Deus”, a primeira coisa que eu faço todo dia é uma oração quando eu entro no metrô. Não pedindo para mim, mas para todos os metroviários para que não aconteça nada que atrapalhe a vida de nenhum de nós. É horrível quando se tem uma falha, e quando o metrô está com problema e andando devagar, é muito ruim, e para o usuário é pior, mas a gente se sente mal, gostaríamos que todos os dias estivesse ocorrendo tudo bem. Então, quando se tem alguma coisa que acontece, você se põe no lugar do usuário e se fala, “meu Deus, que melhore logo, e que sane a falha”, porque às vezes é uma falha de via ou alguma coisa. Eu fico muito triste quando temos de passar por isso, porque é ruim para a gente e pior ainda para o usuário.
P/3 - Já teve algum descarrilamento ou algo mais sério?
R - Não, graças a Deus.
P/3 - Que teve de interromper, ou gente que morreu.
P/2 - Eu ia te perguntar.
R - Isso... Olha, nós tivemos alguns anos atrás um descarrilamento entre PDS Sé, mas a noite e o trem foi sair de uma via para a outra. Mas, nunca teve um descarrilamento com usuários. Agora, eu nem sei se isso eu posso estar te contando, porque tem coisas que o metrô, às vezes não nos deixa. E eu também acho bom por um motivo. O que acontece? Às vezes vamos falar de um atropelamento, não vou falar quantos já tive, mas, já tive vários. Mas, eu digo assim, quando se põe na mídia se incentiva outras pessoas. E é incrível, porque é verdade. Quando eles ficam sabendo parece que aumenta, porque eles falam, “lá se morre”, os que estão pensando nisso. Então, tem coisas que o metrô não gosta que sejam divulgadas. Eu acho que não está errado nesse sentido.
P/2 - Elisabete, você tinha dois anos de operadora praticamente quando teve uma greve no metrô.
R - Sim, em 1986 foi sobre a periculosidade. Eu fiz a greve.
P/2 - Como foi isso? Porque você estava assumindo o papel de mulher como operadora e estava na greve. Conta um pouco para a gente.
R - A greve de 1986 era uma greve que entravamos e não trabalhávamos, o metrô não funcionava, mas, estávamos todos nos postos. Foi da periculosidade, porque trabalhávamos em área de risco e não ganhávamos periculosidade, e nessa época a greve foi por isso. Depois passamos a ganhar, gostamos do que fazemos, mas, temos que brigar pelos nossos direitos. Então, tem coisas que infelizmente não queremos. Ninguém quer fazer uma greve, mas às vezes temos de partir para isso e para conseguir. Porque eu falo que tem, às vezes tiramos os uniformes, fazemos protestos mais lentos. E se não tiver jeito, a última opção é partir para a greve. Tivemos que assumir junto com todos, e assumi, porque era metroviária, eu queria o melhor também. Então, as duas assumiram a greve.
P/2 - Tinha alguma distinção entre os grevistas de mulheres e homens, porque até então se tinha o problema do banheiro, você não ia conseguir. Mas, para a greve?
R - Não teve não. Tínhamos de fazer. Eu acho que eu tinha de fazer, então eu acho que temos de brigar pelas coisas que queremos na vida. Nada vem de mão beijada. Então, muitas vezes temos e não queremos o extremo, mas, acabamos tendo que partir para a greve.
P/2 - E a de 1988?
R - A de 1988 eu também estava e infelizmente tivemos muitos amigos que foram mandados embora naquela época e que não voltaram. Temos os que voltaram agora, foi quando a greve desses que voltaram/
P/2 - Das duas últimas.
R - Não me lembro agora. Mas, foram mandados embora 40 e poucos funcionários e estava uma briga na justiça, e agora eles assinaram essa semana e eles vão voltar. Foi agora, porque não tinha acontecido isso até hoje, os que foram mandados embora na greve nunca conseguiram retornar e esses conseguiram. Mas, eu ficava triste por ter acontecido. Mas, infelizmente, sabíamos que alguma coisa poderia acontecer sobre isso. Ficamos tristes, não tenha dúvidas, em 1988 eu lembro que foram vários amigos que foram embora e que não conseguiram voltar mais.
P/3 - A reivindicação qual era em 1988?
R - Você sabe que eu não me lembro? Não sei se ainda era por causa da periculosidade, porque recebíamos... Eu acho que era mesmo, porque o certo era 30%. Nós recebíamos apenas uma porcentagem pequena, não ficamos recebendo os 30%, tivemos que voltar e brigar de novo para conseguir receber, foi assim, eu lembro que foi só uma porcentagem que consigamos. Depois conseguimos os 30% da periculosidade que é o que ganhamos até hoje.
P/3 - Depois de 88?
R - Depois de 88.
P/2 - Em 2012 tivemos o IN 40, o incidente notável número 40, que foi o choque dos trens entre Tatuapé e Carrão, dois trens deram uma encostadinha de nada, mas teve vários usuários machucados.
R - Nesse dia eu trabalhei à noite, eu estava dormindo e minha mãe me liga, “filha, bateram dois trens”. E eu falei, “imagina mãe, nenhum trem do metrô bate, não existe isso”, “filha, liga a televisão”. Eu apertei o controle na televisão do meu quarto e eu falei, “não é que aconteceu mesmo”. Eu tinha saído a duas horas do serviço, porque foi de manhã, e tinham amigos meus que estavam no horário de mais tarde que estavam dentro do trem. Então, o que aconteceu ali foi uma falha de via. Porque assim, de cada trem se tem uns cem metros e se para com o código zero antes de chegar perto dele. Hoje em dia tem uma porcentagem menor o CTBC, mas na nossa, então vai se pegando um bloqueio, quando tem outro trem se pega 40, 30, zero, parou. Esse bloqueio falhou e o menino foi esperto, ele era novo, conheço ele, um operador novinho e quando ele viu ele deu emergência e chegou a pegar por pouco. Eu falo assim, se fossem os antigos talvez nem tivesse, porque se tem mais experiência, ele era recém liberado. Mas ele agiu corretamente e ele levou elogios. Talvez a gente tivesse percebido antes, porque a gente brinca que a gente bundômetro, quando o trem entra na plataforma ele vai freando. Se ele não frear você percebe e já tira do automático. Você já pegou as malícias do trem e que sabemos como ele está. Então, na hora já se assume o trem e já se tem aquela percepção de muitos anos e de estar trabalhando com a máquina, e então temos mais. Mas, ele agiu corretamente, o Rogério, é o nome do menino e graças a Deus não foi nada tão grande. Chegou a bater, mas não tanto, não detonou o trem, eu vi, e realmente foi uma coisa que falamos assim, “não aconteceria”. Mas, infelizmente aconteceu.
P/2 - O que você sentiu e pensou, estando em casa, saindo do trabalho duas horas antes sem saber o que aconteceu de fato?
R - Eu fiquei apavorada, eu falei na hora, “não é possível”, a preocupação foi com o companheiro que estava no trem. Eu liguei para lá na hora, para a minha sala, para o meu posto e o pessoal falou, “Beth está tudo bem”. Depois eu fui ver a máscara do trem e não foi tão destrutivo, mas era uma coisa que eu jamais esperaria ver, sinceramente. Aquele dia eu falei, “não, eu não acredito em uma coisa dessa”. Mas, infelizmente aconteceu, e foi a única coisa que nós tivemos de lidar e espero que não tenha nunca mais.
P/2 - Como foi a chegada dos novos trens? Porque era a Mafersa, Cobrasma, e de repente chegaram trens novos de todos os lados, frotas novas, como é isso?
R - Olha, foi terrível. Os trens velhos eu conhecia eles de cabo a rabo, de frente, falhas neles... E vem os trens com frotas totalmente diferentes para se atuar, já começou por aí. Começou errado, porque eu acho que quando o metrô fez isso ele não raciocinou, ele tinha de ter feito todos os trens do mesmo jeito. Não foi isso que aconteceu. Tinha o nosso secretário de transportes que agora eu esqueci o nome dele, o baixinho que ele achou que o metrô não tinha de ter portas na cabine. Era para ter, ele foi feito para ter as portas e ele mandou tirar. Demorou mais três meses e o trem chegou, o trem espanhol que é o H, sem portas. Só que não tem como se ter um trem sem portas. Como vai se evacuar em uma falha em que o metrô está abarrotado, vai sair para o salão, vai descer na via pulando, não tem como. O nosso coordenador chegou e fazia algumas reuniões, e eu falei, “pode me pôr na primeira reunião”, quando chegou lá os meus amigos não abriram a boca, porque eu falei, “eu queria falar com vocês”. Porque o metrô regrediu isso. A porta da cabine tem a escadinha e se pode descer na via, e ali não. Tivemos um amigo que foi descer e quebrou o tornozelo, o joelho. Porque ele caiu nas pedras. Está hoje de licença médica, já faz quase dois anos. Não se tem, os trens não poderiam ser sem portas. Então, veio o G sem porta, o H, mas eu falei para ele, “olha, não tem como atuar, vocês vão ter que mandar vir alguém da estação, ou outro operador que estiver lá para atuar, porque nós não temos como sair da cabine”. E eu falei “vai lá embaixo e vá ver”. E ele foi andar, e ele falou “é Elisabete, você está certo”. Falei, “não tem como”, eu falei “sempre me considerei uma excelente operadora, eu adoro os trens novos, mas eu fiquei decepcionada com os trens que não vieram com portas na cabine, o metrô regrediu com esses trens novos”. Só temos o L e o K que tem portas, mas o G e o H não têm. Não tem como se atuar. Não tem como sair do trem. A escadinha que tem lá é uma coisinha desse tamanho, é um estribo, e como se vai pular o pé e na via que é lá embaixo, não, eu falei para ele, “não atuo”, simplesmente porque não tem como. E ele falou, “você está coberta de razão”. “Mas, o que vai ser feito? Os trens já estão aí”. O correto é que não se venha mais com portas, que é o que nós esperamos. Mas, é muito sacrificante, e outra, os equipamentos, tudo computadorizado, eu com idade, não que eu seja velha, mas eu digo assim, não tão de mexer com computadores, e eu tenho uma mania de falar. Porque meus netos com 12 anos, eles falam “vó, é assim” e acabou, não mostra nada, fazem ali. Meu filho é a mesma coisa, e eu tive que aprender a mexer com os computadores, mas tudo bem, hoje em dia eu mexo com tudo. O H quando ele veio freava bruscamente, eu passava mal dentro do trem. Eu cheguei a descer em Itaquera vomitando porque se passava mal. Naquilo o estômago... Veio a manutenção que foi arrumando, eu fui sendo teimosa, ia passando mal, mas ia. Os meninos falavam “Beth, pega outro” e eu falava, “não, eu tenho que acostumar, não é possível”, mas foram diminuindo, a freada foi ficando mais macia. Mudou e não passo mais por isso. Mas, os usuários reclamavam, era tudo isso, vem novo e vem um kit, vai montando aquilo e vai se aprimorando com o tempo. Mas, esses dos trens sem portas é uma coisa que eu não engulo até hoje e falo sempre, porque prejudicou o andamento do metrô.
P/3 - Foram trens que não foram produzidos aqui?
R - Não foram não.
P/3 - Os trens eram produzidos aqui?
R - Não, era assim. Na verdade, era a Cobrasma e Mafersa. Tinham as empresas aqui no Brasil. Eles são de fora, não nossos, são como os de lá. O H veio da Espanha. E os outros eu acho que foram reformados, não são novos. O K era Cobrasma de antigamente. Todos os trens foram reformados, e o que veio novo mesmo só foi o H. O Cobrasma ficou G, e o Mafersa ficou o K e o L também. Se eu não me engano, eles foram reformados. Os novos mesmos foram só o H que veio da Espanha.
P/3 - A minha dúvida é se são tecnologias do metrô feitas aqui ou se vem de fora.
R - Não, eu acho que vem de fora. Vem de fora e tem fábricas aqui. A Alstom que hoje em dia é uma que é de fora.
P/2 - É a Bombardier que está fazendo a reforma lá em Hortolândia.
R - É assim que funciona mesmo, eles assumiram as reformas dos trens, mas a tecnologia é de fora, é deles.
P/2 - Já falamos do acidente do IN 40 de 2012, e você se lembra quando teve o acidente de Pinheiros, a cratera quando se estava construindo a linha quatro?
R - Lembro.
P/2 - Como é que foi?
R - Lembro disso, eu achei um absurdo, eu falei, “meu Deus”, porque antigamente era mais o pessoal dele que trabalhava e depois é que vieram as empresas que o metrô... Porque antigamente era o metrô que fazia as coisas, era o pessoal dele, mas aí começou e eles privatizaram... Não é bem privatizar, terceirizaram essas coisas, então eu sinceramente não acho muito certa a terceirização. Eu sou dessa opinião, porque eu acho que o funcionário sabe melhor o que tem de ser feito. Porque a vida inteira ele trabalhou naquilo, agora se vem uma pessoa, ela aprende, mas, ela não tem aquela experiência que tem o funcionário antigo. Então, aquilo foi muito terrível, quando eu vi eu falei, “quando eu vejo acontecer esse tipo de coisas eu fico muito chateada”. Porque eu falo, “meu Deus, foi-se terceirizando”, e isso acaba e queira ou não queira, uma terceirizada ele não vai se preocupar tanto como o metrô mesmo que ele tenha a imagem dele. Apesar de que ele é quem levou a fama. Na verdade, a culpa é do metrô por ter terceirizado certas coisas. Eu sinceramente não sou a favor da terceirização, eu acho que não tem que ter. Temos que ser nós mesmos, “vamos fazer”. Porque a gente tem a experiência de tudo que já passamos, eu acho que a experiência do que você já passou é muito importante.
P/2 - Na Linha 4, por exemplo, quando ela foi concedida naquela história do público-privado, hoje em dia ela é operada por outra empresa. Como foi isso para os operadores, porque eu acho que todo mundo pensava, “vamos operar os trens”, e de repente “não vamos mais”.
R - Na verdade, se vê que eles lá falam que o trem anda sozinho, mas sabem que tem um funcionário deles e eles assumem, porque apesar de que vira e mexe ali dá problemas. Eles têm um computador que eles abrem, e se der eles assumem, não é que ele anda sozinho, mas, vira e mexe passam estações ali. A gente sabe disso. Então, quando privatizou, é o que eu sempre falo, privatização, terceirização, eu não sou a favor. E outra, o nosso governo paga para privatizar, não é que ele vá ganhar dinheiro, ele paga dinheiro para os outros, durante anos se tem aquela concessão do dinheiro que é dele e que eu acho isso um absurdo. Se falasse assim, “eles vão entregar dinheiro para nós”, mas não é assim. Então, é uma coisa que não se entende. Eu falo e sinceramente certas coisas não dá para se entender. Eu acho que o metrô tinha que ser realmente do governo e pode ser que nem tenha grupos como se tem também. Mas, era uma coisa mais voltada para nós mesmos, eu acho que seria melhor, eu tenho essa opinião.
P/2 - Faz uma comparação entre o metrô e a Linha 4, o serviço lá e o nosso, a operação lá e a nossa.
R - Pelo que eu sei lá eles ganham bem menos que nós. Agora parece que o sindicato deles está conosco alguma coisa assim, eu ouvi um boato, mas não tenho tanta certeza. Mas, eles ganham bem menos, então quer dizer, para o funcionário é pior. Ele não tem aquele valor como realmente deveria se ter. Então, lá eu sei que eles ganham bem menos do que nós, eles não têm nenhum respaldo. Então, é por isso que eu não concordo com a privatização, porque o funcionário passa a manter o valor como se deveria ter. Ganha-se menos, não se tem um subsídio, alguma coisa assim. Tanto que eles falam e eu fico sabendo, é bem diferente de nós que trabalhamos no metrô. Por isso que eu falo que a privatização, na verdade, é para enxugar a máquina e nós é que somos as vítimas piores, os funcionários, que é da onde eles podem tirar. Mas, eu não gostaria nem de trabalhar lá.
P/2 - Você já andou lá?
R - Vou te contar que eu andei duas vezes e não fui mais. Sabe por que? Aquele negócio, aquela esteira enorme, lá dentro, eu não consigo me achar, eu prefiro chegar em Sé, e pegar para Paraíso, eu não uso a Linha 4. Eu usei duas vezes e falei, “chega, nunca mais”. Não particularmente não gosto.
P/2 - Você se lembra, Elizabeth, do tempo em que a gente não tinha a implantação do bilhete único?
R - Lembro.
P/2 - E depois quando implantaram o bilhete único.
R - Foi o dobro de usuários, três vezes mais. Até mais, porque nós uma época éramos em dois milhões.
P/2 - Dois milhões e meio.
R - Hoje somos em quatro, 4.6 milhões por mês. Por trem são 1.600 usuários. Então, eu quero dizer, a gente dobrou a se bem dizer de usuários, e não expandimos tanto o metrô. Porque o governo deveria se preocupar muito com o metrô e que se tivesse mais estações, que expandissem outras linhas, porque o metrô é excelente para ir de um lugar para o outro, é ótimo. Deveria se ter mais. Mas, infelizmente eles ficaram muito tempo parados. Agora é que temos alguma coisa que vai até o aeroporto e que também faz parte do nosso fura-fila, mas não é, o monotrilho. Então, eu tenho vários amigos que estão lá, o monotrilho também se fica junto com o usuário, mas fica para assumir o que precisar.
P/2 - Você conhece bem a via de operação. O que você conhece do monotrilho?
R - Nada. Eu nunca fui lá, palavra minha, eu conheço fotos porque meus amigos mandam dos pneus, e a gente tem aquela curiosidade. Tem vários deles que estão lá, então conhecemos por fotos. Eu sou meio preguiçosa, porque eu moro a dois quilômetros da estação Itaquera. E eu durante a semana, as quatro manhãs meu marido me traz e me pega, na noitada não, eu venho de carro e deixo ele no estacionamento do shopping que temos umas vagas que são de direito nosso. Então, eu não tenho tempo de ouvir uma música inteira, porque é cinco minutos. É muito pertinho, eu só não venho a pé porque não vou vir a noite ou de manhã. Mas, o percurso é muito curto e eu tenho uma preguiça de saber que eu vou sair e ainda vou de tal em tal lugar, eu falo, “vou ficar em casa que eu tenho coisa para fazer, dá para descansar”. Eu sou caseira. Nas folgas eu amo descer, vou lá para a Baixada e fico os quatro dias na minha casa, às vezes não posso porque eu tenho dois netos que às vezes tenho que buscar na escola. Meu genro infelizmente caiu de moto a cinco dias e detonou o tornozelo, vai ficar dois meses sem colocar o pé no chão. Então, ele ia buscar os meus netos e não pode. Então, agora ficou para nós, já está restrito descermos para a Baixada. Porque eu acho que vó e vô é para essas horas também. Mas, do contrário...
P/2 - ... e os uniformes. Antigamente vocês usavam?
R - O primeiro uniforme era a calça vinho e a blusa bege, eu dei uma foto para colocarem. Depois foi um cinza, que era calça cinza, uma jaquetinha e a blusa eu acho que era um verdinho, mais ou menos isso. Agora é calça cinza, blusa listradinha de azul e uma blusa azul. E já vai mudar de novo, porque a Sé já está com o uniforme novo, que eu achei horroroso. A calça é um terbrim desbotado de azul, e uma blusa azul escura, não gostei. Eu achei que é bem de peão. Eu falei, “estamos regredindo e virando peões assim”. Mas, ainda diz que vai demorar porque eu estou lá... Por causa dos 50 anos e queriam que eles usassem o uniforme novo. Tem aqui um lugarzinho para se enfiar o crachá, e a primeira coisa que eu vou fazer é tirar aquilo porque eu achei ridículo. Eu falei, “meu Deus”, mas eles só colocaram na Sé por causa dos 50 anos e então queriam que eles estivessem com o uniforme novo. Mas, nas outras estações é tudo velho ainda, espero que continue ainda, porque realmente eu não achei muito bonito. Os coitados dos supervisores, a calça é caqui. Eu acho que o metrô é uma coisa mais... Como que eu posso te falar? Eu acho que deveria se ter um uniforme mais social, uma coisa mais bonita, porque nós somos o espelho. Eu acho que se tivesse uma calça igual era antes, uma jaquetinha, uma coisa mais bonitinha. Agora vai ficando cada vez pior, fica parecendo uma coisa muito grosseira. Eu acho que tinha de ser uma coisa mais bonita e apresentável. É isso que eu penso.
P/2 - Na linha do uniforme vinho?
R - Eu gostava do cinza, eu achava ele elegante, que tinha aquela jaquetinha que se tinha meia estação. E em nenhuma das outras se teve mais, ou é a jaqueta que é quente, ou se usa camisa, não tem um meio termo, eu adorava usar a jaquetinha porque eu achava que ficava mais elegante. Agora vai piorar ainda, mas tudo bem, como eu não tenho tantos anos para trabalhar, os jovens que deveriam se preocupar com isso. Porque não temos uma data certa, mas não vou trabalhar o resto da vida, eu vou parar. Eu falo para os meninos que são mais novos, “vocês têm que estar brigando mais, porque vocês vão ficar”. Igual às vezes tem alguma briga por alguma coisa, “mas você...”, mas eu brigo, porque eu quero que o metrô continue sendo uma ótima empresa. Enquanto eu estiver no metrô e da forma que eu entrei eu vou sair, fazendo o meu serviço bem feito, errar nós erramos, somos humanos, pode acontecer. Mas, eu nunca mudei o meu modo de pensar. Mesmo que às vezes porque, infelizmente, toda a companhia se pega algumas chefias que são meio... Eu nunca tive problemas, mas eu já peguei chefias que não brigavam por nós, por exemplo. Então, mesmo assim eu falava, “ele pode fazer o que for, mas o meu serviço eu quero que seja bem-feito”. Graças ao bom Deus eu sempre tive elogios, e, são os 32 anos, eu nunca tive nada que...
P/3 - ... eu tenho uma dúvida como leigo também, esse processo de informatização da cabine do trem, em que você teve de acompanhar, hoje eu imagino que se tem todo um comando central, computador e etecetera.
R - Tem, temos o CCO.
P/3 - Isso foi por um motivo de demissões de operadores, foi se reduzindo o número de operadores?
R - Não. Nada disso, o nosso não. Continuou tudo a mesma coisa e não teve. Porque o operador, não tem como ficar sem operador no metrô, porque é uma máquina.
P/3 - Por segurança.
R - É, por segurança, Deus me livre que caia uma criança na via, o que vai acontecer? Se você não tiver alguém ali, os usuários vão... Uma coisa que eu gostaria muito que os usuários ouvissem, porque eu entro na plataforma e meu trem bate nas bolsas. E eu falo, “meu Deus do céu, para quê ficar ali na beirada?”, tem de ficar antes. Porque se alguém empurrar a pessoa vai cair, porque elas ficam na beiradinha, tem um plástico que colocamos para não ficar o vão. E eles pisam até naquele plástico. Fica ali. O trem passa e só ouve-se batendo nas bolsas que estão além da plataforma. E eu falo, “meu Deus, é muito perigoso”. O pessoal não tem noção. E aquela mulher que o homem empurrou lá e que caiu na via? É você estar ali e chegar alguém, não se tem jeito, a coitada perdeu o braço por causa de um doido e sabemos que tem muita gente com problema mental, e eu acho que muita gente com depressão. Hoje em dia é uma coisa que infelizmente tem-se muito. Então, se chegar um doido ali, vão vários, não tem como, mas a pessoa não respeita e olha que tem avisos em todos os lugares, tem os PAs. Mas, não, é uma questão de educação infelizmente. Quando eu entro na plataforma o trem entra rasgando. Outro dia um perdeu o dedo, porque bateu e ele estava tão ali, tem a coisa da porta da cabine e ele prendeu a mão no que o trem passou e perdeu um dedo. Não poderia ter evitado se ele estivesse no lugar correto? Essas são coisas que eu posso e eu falo, “gente, tinha que ter uma educação melhor” e não falta do metrô. Tem os cartazes nas plataformas.
P/3 - A questão dos suicídios inclusive foi citada na outra entrevista e o sistema de segurança para tentar evitar, câmeras, monitoramentos.
R - Tudo...
P/3 - ... de ladrão. No caso do operador tem alguma indicação em relação a isso?
R - É assim, deixa eu te falar, quando acontece nós fazemos tudo que tem de ser feito. Damos a emergência que é o freio máximo do seu trem, e então a emergência é assim, ela tem um areeiro e uma coisa cheia de areia. Quando se dá a emergência é jogado entre o trilho e a roda aquela areia para ver se estanca melhor, porque não tem como estancar na hora em que se dá a emergência porque é ferro com ferro. E ainda você vai mais um pouco. Eu vou contar um caso. Quando eu não tinha muito tempo de operadora eu cheguei de Belém 2, quando eu fiz uma curva, e se vê uma plataforma, tinha um rapaz no meio da via, no chão, nos trilhos, e eu dei meu jeito e fiquei segurando no console. “Para trem”, parou a um metro dele. Ele desceu para pegar a blusa que tinha caído. E foi por Deus que não pegou, um metrô. Sabe aquele desenho do papa-léguas, o cara foi igualzinho, ninguém pegou ele, ele subiu a escada rolante e sumiu. Quando ele viu que o trem parou, aquele monstro na frente dele, ele subiu e foi embora. Imagina na hora que você tem que dar emergência, já avisar para desenergizar a via, pelo menos se ele não morrer com o trem, não morrer eletrocutado. Porque ele pode pisar no terceiro trilho e morrer eletrocutado. Nessa hora tem que ser bem ágil, e, depois tem um incidente notável que tem que ir ao CCO, vão todos os participantes. Quando aconteceu comigo uma época, porque olha, quando acontece já aconteceram fatais. Então, você fica muito mal. Passa por psicólogos, fica meia pancada, fica mesmo, por causa da adrenalina fica devagar. Eu fico sem dirigir, porque eu percebo que fico devagar. Eu gosto de ir para a praia, caminhar. E eu falo, “meu Deus, para uma pessoa chegar em uma condição dessa de vir aqui para morrer”. Então, fica muito triste pela pessoa. Isso mexe muito com você. Nunca fiquei de licença médica, eu sempre falo, “me dá as duas noites que eu vou para a praia, lá eu vou ficar”. Lá eu fico conversando comigo mesma, com Deus, e é terrível. Aí você faz tudo que tem de ser feito e quando eu cheguei no incidente notável era com (Kuboniwa) [01:33:17] que estava dando incidente notável, e por eu ser a primeira eu conheço todos do CCO antigos. Eu tenho uma amizade com eles e o maior carinho. E eu falei assim, “Kuboniwa, eu posso falar uma coisa?” E ele “claro, Elizabeth”, “vou te falar uma coisa, não acho certo o operador vir aqui no incidente notável, já não fizemos o relatório? Vou te falar uma coisa, eu já estava bem e me deu dor de cabeça de relembrar tudo, todo mundo lendo o seu relatório e vinha aquela imagem na minha mente o tempo inteiro”. Eu falei, “eu não acho correto o operador vir participar”. E ele falou, “Elizabeth, pode ir embora”, e todo mundo concordou e eu sai da reunião, fui para a sala negra ver os amigos. Depois disso não, vai um supervisor, não vai a gente. Porque é muito ruim relembrar tudo, porque você já saiu, para falar “não, vamos esquecer”. Esquecer não esquece, mas, não vai ficar lembrando a toda hora. É uma sensação muito ruim para o operador, e outra coisa, temos muitos sobressaltos. Por exemplo, se você está entrando e um menino finge que vai se jogar, tem muito disso, e o seu coração vem na boca. Nessa hora eu tenho vontade de dar uma esganada, porque eu falo, “meu Deus, ele não sabe como essas brincadeiras mexem com a gente”. É terrível. Porque nas brincadeiras pode acontecer. É brincadeira e no fim a pessoa se desiquilibrar e cair mesmo. Eu tenho um amigo que ficou meio pancada. Brincando na calçada, “vou te empurrar”, empurrou o amigo e o caminhão veio e passou em cima da cabeça do amigo. Então, eu falo, “gente, que brincadeira idiota, tem que pensar muito para fazer”. E às vezes finge que joga a namorada. Eu fico doida da vida com aquilo, porque mexe muito. Mas é o que passamos. Infelizmente, são mais os adolescentes, é uma idade meio complicada.
P/2 - Elizabeth, está entrando uma moçada agora de operadores de trem, eu vejo o pessoal fazendo o treinamento.
R - Estão entrando bastante mulheres.
P/2 - Como é esse sangue novo chegando?
R - É ótimo, eu fico super feliz. Quanto mais tiver melhor, porque se a gente, que fomos as primeiras passamos tantas dificuldades, agora nada como elas virem e realmente, porque é o que eu falei, eu queria que fossem 50% de homens e 50% de mulheres. A porcentagem ainda é muito pouca.
P/2 - Mas, é muito diferente de vocês quando chegaram?
R - É, não tanto, mas é. Porque a descriminação, o machismo ainda existe, não vamos falar que não existe, porque existe. Mas, já não é tanto quanto antigamente. Antes era muito. Hoje em dia tem algum engraçadinho, “ela saiu dar a volta porque é mulher”, mas ele saiu do mesmo jeito. É só para tirar sarro, uma brincadeira. Hoje em dia já não tem. As mulheres sabem chegar e se impor. Mas, hoje em dia não tem mais. Já é bem melhor.
P/2 - E a chefia?
R - A chefia, eu pelo menos nunca tive problema. Quando eu vim para ser operadora tinha uma chefia que não nos queria, nem na escala dele. Ele era bem antigo de metrô, quatro mil, ou dois mil, ele era bem antigo e já saiu. Nesse teste que fazíamos nas estações novas era ele e um outro, e ele falou que na dele, ele não queria nenhuma de nós duas, que na época éramos nós duas. E o outro não. Entramos com o outro. Mas, tinham uns supervisores que não aceitavam, mas a maioria aceitou numa boa. Mas, tinham alguns que achavam que nós não íamos dar certo. A gente provou que eles estavam errados.
P/2 - Chefes mulheres você tem bastante?
R - Não temos supervisoras mulheres. A Flávia uma época foi convidada, e, ela acabou não aceitando porque ela estava acostumada na estação. Mas, não temos nenhuma supervisora mulher no tráfego nossos não.
P/2 - Nas outras linhas?
R - Nas outras linhas eu acho que teve sim, ou foi na estação. Agora você me pegou. Na nossa eu sei que não tem, só tem homens. Não tem nenhuma supervisora. Tem os que escalam, e que tem uma mulher, as que escalam passaram para supervisão, mas é tipo um técnico, mas só tem uma também. Mas, supervisora nossa não tem. Quem passou foi para outras linhas. Não foi nossa, e o que passou de operadora para supervisora elas foram para outra linha. Não ficou na nossa.
P/2 - Fazer outra revolução. Agora eu queria que você falasse um pouco dos 50 anos do metrô. O metrô está fazendo 50 anos, como é isso, participar e ter vivido isso.
R - Eu acho muito interessante porque sabemos que fomos evoluindo de ano a ano. Os frutos que colhemos são muito importantes porque continuamos com toda a dificuldade e isso é no meio do melhor transporte que existe. Eu gostaria que todos estivessem na mesma, mas sabemos que não. O metrô além de ser muito seguro, eu falo, “eu visto a camisa mesmo”, nós vimos dos anos as estações que aumentaram, tudo que passamos de ser um manual, e o semiautomático para o automático que foi desenvolvendo, boa parte, eu passei 33 anos dessa parte. Então, como evoluíram as coisas. Eu gostaria que se tivessem mais linhas. Adoraria nesses 50 anos se tivéssemos mais, porque eu acho que seria o ideal para nós. Mas, eu acho que o metrô sempre está evoluindo. Eu sou dessa opinião, então eu espero que continue mais ainda, e que tenhamos mais linhas porque o pessoal, e os usuários são muitos castigados pelos trens estarem lotados, os ônibus. Seria muito bom se tivéssemos e vivêssemos nessa época de vivermos com lotações menores. Mas, eu acho que o metrô sempre progrediu. Então, fico contente por fazer parte desses 50 anos, dessa história.
P/2 - Desde quando você entrou, até agora, a maneira como o metrô trata os funcionários, você acha que era melhor, continua igual?
R - Não, antigamente a gente tinha mais pressão. Não se podia usar uma meia que não fosse preta, mas, o metrô não te dava. Se usasse uma meia branca levava uma advertência. Era muito assim. E hoje em dia não que não se ande arrumadinha, mas não tem essas coisas. Não tem uma coisa que não tem nada a ver com a sua profissão, é claro, é evidente que se vai estar com uma meia, ela não será vermelha. Vai se ter uma noção de usar um cinza e um branco, um preto. Mas, antigamente não, era bem rígido, se você chegasse um minuto atrasado não participava de nenhum concurso. Apesar de que nunca aconteceu isso comigo, mas era bem rígido, então com o decorrer do tempo não que deixou de ser, porque o metrô ainda é rígido, não se pode ter faltas, para participar de concursos internos, o que eu acho que é certo. Porque eu acho que uma pessoa que trabalha direitinho, que dá o seu sangue, agora um outro que não está nem aí e eles tem o mesmo tratamento, eu não acho certo. Nós fazemos a nossa empresa, se todo mundo começar a não estar nem aí, o que vai acontecer? A qualidade vai cair. Nós não podemos deixar acontecer isso. Realmente, era bem enérgico, e hoje em dia não é tanto, mas ainda acho que está certo, temos de ter as normas da companhia, nossos deveres. Então, não é como antigamente. Depois eles fizeram o 5S, que chamava para conversar com o supervisor e conosco, que não se tinha uma visão mais para a frente, eles só achavam que tinha de ser supervisor para ferrar e dar advertências e não para chegar e conversar. O bom é que esses acabaram indo embora, já estavam bem antigos de companhia, acabaram saindo, já se aposentaram e alguns até tentaram fazer a política da boa vizinhança, eu acho que hoje em dia é bem melhor. Mas, não tenha dúvidas de que tudo que for para melhor eu acho que será bem-vindo.
P/2 - As políticas das nossas áreas de recursos humanos, você fez cursos? Alguma coisa que colaborou com o seu desenvolvimento profissional?
R - Não, o que eu fiz foi participar, só o transporte sobre trilhos que foi pelo metrô. Mais alguma coisa que eu quis fazer foi particular, não fiz pelo metrô. Eu me envolvo mais com a minha área, apesar de nós sempre estarmos atentos, porque se tem ali as suas coisas, o seu computador que tem tudo ali, nós não temos muito tempo de ficar no computador, nós operadores. Porque são meio corridos nossos horários de trabalho, às vezes falam, “mandei e-mail”, e tem que abrir, mas, tem um espaço de dez minutos e tem que ir ao banheiro, tomar um café e acaba-se deixando o computador de lado. Não tem aquele tempo que nós precisamos. Então, às vezes se tira a noite para fazer alguma atividade que é nossa no computador, em que se tem que fazer reciclagem dos trens, se pode fazer pelo computador. Tem uma série de coisas. E aí larga e vai fazer o que tem de fazer. Eu sinceramente das normas e dos recursos humanos não tenho uma noção muito grande não. A gente infelizmente perdeu 50 minutos, em que os operadores poderiam sair mais cedo, mas agora conseguimos, na segunda teremos uma assembleia a respeito. Eu acho que isso teremos de brigar de novo para conseguir.
P/2 - Falando em sustentabilidade, como você vê o metrô nesse contexto?
R - Deixa eu pensar o que eu posso falar do metrô nesse contexto. O que eu entendo por isso é o que o metrô dá para nós, é isso?
P/2 - O fato de ser uma empresa que não polui, que usa as políticas de maneira sustentável.
R - O metrô realmente, muitas vezes a água que se lava o trem é reaproveitada. Procura-se a energia de alguma forma se gastar menos. Não tem muito jeito, o metrô é movido a energia. Antigamente não tínhamos os lixos que hoje são todos reciclados hoje se tem, é uma forma de não jogar tudo fora. De não ir tudo para a natureza. Nós lá somos mais isso, e também a parte de usuários que fazemos a nossa parte e procuramos fazer bem feito. Agora para a sustentabilidade disso eu falo, “é reaproveitar o que ele faz, a água, energia”, fazer os lixos todos certos para reciclar. E eu acho que fazemos a nossa parte nesse sentido. E o metrô não tem como, porque ele não sai fumaça, ele não agride o meio ambiente. O metrô já é uma empresa que não agride e que agora está procurando melhorar em alguns aspectos e até às vezes pequenos, mas que resolvem bastante.
P/2 - Faça um paralelo da empresa quando você chegou de como ela é agora, como ela está?
R - Quando eu cheguei é como eu te falei, era mais enérgico, era igual eu falo, hoje em dia eu sei que era terrível ir acelerando, freando, tudo tinha que se fazer, e então era assim, realmente tinha que se operar o trem, e sanar as falhas, fazer tudo, e hoje em dia já se tem, é bem melhor a função. Não é tão cansativa, é mais de cabeça, porque tem que se preocupar com o usuário, hoje você tem as câmeras e se vê dentro do carro, como está lotado e se acontece alguma coisa pela câmera já se vê e pode se interferir, chamar a segurança. Hoje em dia o trem é muito mais moderno em relação ao nosso não, não tínhamos visão do que acontecia dentro do trem, tínhamos a visão apenas dos usuários na plataforma e da via, agora, hoje temos mais essa visão ainda, que eu acho muito boa. Qualquer coisa já se põe no carro e vemos o que está acontecendo lá com o usuário, brigando, então já temos mais recursos. Não tenha nem dúvidas de que o metrô e do que eu entrei e como é agora, nossa, é muita diferença, muito moderno. Antigamente era mais igual a ferrovia no começo, o metrô também. Lavar trens, falamos assim, é uma máquina enorme, se entra no trem e anda a cinco por hora, as escovas, é um monte de coisas que vão passando no trem, lavam e depois na frente tem o que joga a água para enxaguar. Depois tem um que vai secando, que é um exaustor bem forte, e, então quer dizer não é todo mundo que sabe realmente como o metrô funciona. Então, os trens estão sempre limpinhos, tanto fora como dentro, mas, é um monte de coisas para passarmos. Quando eu fiz o curso de transporte eu fui conhecer o da ferrovia. Infelizmente ela ficou parada no tempo, era um caixote, tinham algumas alavancas e os coitados da limpeza ficavam com uma vassoura bem grandona esfregando o trem, passavam na água. Foi ótimo fazer o transporte sobre trilhos, eu fiz sobre pneus também, mas eu não terminei porque eu optei por ficar com o dos trilhos. No primeiro ano são os dois. Quando se ia tirar, por isso que eu te falo que o metrô realmente é um meio de transporte porque eu tive isso e conheci na pele. Eu vi, quando se ia na ferrovia se falava “nossa que diferença”. As subestações dele pareciam o Titanic, aquelas coisas bem antigas. Em um ponto foi ótimo que eu fizesse isso, porque eu fui vendo a diferença que é o metrô dos outros meios de transporte. Então, a diferença é enorme e espero que ainda melhore mais ainda, porque a tecnologia está cada vez mais... O metrô de São Paulo ele realmente vende a tecnologia, quando foi feito o metrô do Rio, eles vieram aprender conosco, e quando foi de Recife eles vieram aprender conosco. De Brasília também. Então, porque a nossa tecnologia é muito boa, nós damos o treinamento para o pessoal, eles vêm para aprender conosco e para depois ensinarmos aos de lá. É como eu te falo, o metrô é uma ótima companhia.
P/2 - Quando você entrou na empresa você tinha uma expectativa?
R - Tinha.
P/2 - Ela se concretizou?
R - Não, porque assim, além de mulher, o leque de promoções era muito pouco, porque operadores tínhamos muitos, e tinha CSP que é um por escala. E depois a supervisão que é um por escala, então infelizmente eu estava de licença quando eu não tinha atualizado o meu escolar porque eu tinha terminado o curso de transporte. Eles não colocaram o meu nome para a promoção porque eu não tinha mandado. E foi a única chance que eu tive naquela época. Mas, não tem aquela chance de promoção. O operador de trem é muito pouco. Hoje eu já não tenho, porque se eu for para a supervisão agora nem vou ganhar igual e tem outras responsabilidades. E eu acho que já me aposentei, agora eu quero só ficar até parar de trabalhar, porque se eu for para supervisora eu vou querer ficar mais uns seis anos porque vou querer desenvolver tudo direitinho. Me deixa quieta agora, mas eu tinha vontade de ser promovida e eu acho que eu tinha condições disso, mas era um leque muito pequeno e ainda mulher piorou. Eu não tive essas oportunidades, isso realmente foi a única coisa que eu acho que faltou.
P/2 - Do pessoal que entrou junto com você, seus amigos do começo, você perdeu muito deles, Elizabeth?
R - Um só, o Diogo. Ele teve um câncer no estômago e não durou muito infelizmente do meu TOT, que entraram comigo, do Treinamento de Operador de Trem. É o único que faleceu, a maioria foi para a supervisão, os homens, a maioria conseguiu, de nós mulheres, nenhuma. Foi para a supervisão e alguns ainda estão comigo lá, são operadores de trem. Do nosso TOT, eu vou te falar quem ainda é operador de trem, o João Antônio Fernandes, o Matos, eu, a Maria de Souza, e eu acho que é só. Porque o Manoel foi para a supervisão, o Carlos Eduardo também. E nós mulheres continuamos todas como operadoras, então tem boa parte que estamos lá, porque é como falamos, o leque de promoção é muito fechado. É muito grande e chega aqui e afunila.
P/2 - Você vê hoje em dia algum grande desafio na área dos operadores de trem?
R - Um grande desafio?
P/2 - Olha, o que eu te falei, o desafio que eu gostaria é que se tivessem mais mulheres, eu gostaria muito nesse sentido, era uma coisa que eu ficaria muito feliz se isso acontecesse, porque, na verdade, com todas as brigas ainda é muito pouco. Mas, assim, desafios, eu acho que não, porque o operador de trem geralmente é assim, nós temos todos eles com uma visão muito boa do que fazem, todos, porque além de aprenderem e fazerem o treinamento se tem as reciclagens de tudo, então uma vez por mês se faz a reciclagem de um ou de outro trem. Então, sempre estamos aptos. O que eu não quero é que nunca aconteça nada e que tenhamos que usar algo ruim, e que eu espero que isso nunca aconteça. Mas, eu espero que continue sempre dando tudo certo. Porque a expectativa é essa, operar o trem realmente com condições que não afetem a ninguém, essa é a minha expectativa sempre. Que eu tenha sempre a minha profissão e que ela seja sempre para valorizar o usuário, e, para levar eles com segurança e que não aconteça nenhuma desgraça, essa sempre será a minha expectativa. Porque eu acho que o que nós fazemos já é bem feito, então que continue assim.
P/2 - Qual é a importância do metrô em sua vida?
R - É como eu falo, através do metrô e de mim, porque eu acho que o metrô me deu as condições, só que quem batalhou por elas fui eu. Então, as coisas que eu tenho, eu agradeço, porque eu não tenho dúvidas, se eu estivesse trabalhando e tendo um bom salário, gostando do que eu faço, porque isso é muito importante. Não adianta trabalhar e falar, “não, eu vou ganhar um ótimo salário”, mas não gostar do que faz. Tem que se ter tudo junto, não é que se ganhe maravilhosamente, mas eu acho que em relação ao que ganhávamos antes de entrar no metrô, lá eu fui ganhar mais do que eu ganhei nas outras firmas em que eu trabalhei. Eu dou graças a Deus a tudo que eu tenho, a mim, primeiro a Deus, e depois ao metrô. A mim, ao metrô e a Deus. Em primeiro lugar a Deus, porque se não der saúde não conseguimos nada. Mas, eu também sempre fui muito batalhadora. Todo ano fazíamos uma meta, e eu falava, “marido”, é mania de chamar meu marido de marido mesmo. E eu falava assim, “vamos fazer uma meta”. Quando chegava no ano novo, se estávamos na praia olhando os fogos eu falava, “vamos fazer uma meta para a nossa vida esse ano”. E então fazíamos, e, quando eu ganhei o meu neto, que ele nasceu com seis meses de gestação, com 900 gramas e ele teve uma parada respiratória, ele tem uma deficiência do lado direito, e quando meu neto nasceu eu parei de pedir as coisas materiais. Todas as nossas metas eram voltadas para ele. Porque os médicos falavam, “ele não vai falar, não vai andar”, então as nossas metas eram assim no ano novo, “meu Deus, que seja pelo Gustavo”. Com um ano e meio ele andou, é superinteligente, ele só tem o problema no braço, porque ele não tem a firmeza do lado direito, a perna, o osso cresce e o nervo não. Ele já operou duas vezes para esticar os nervos, ele tem 1,80 de altura, tem as fotos dele, é um menino muito inteligente, tem 16 anos, no último ano do colégio, ano que vem vai para a faculdade. As nossas metas até ele se desenvolver e ver que estava tudo bem... Porque foi um baque na nossa família. Quando falaram que ele tinha problemas, meu filho chorava, nós chorávamos, porque nós ficamos muito traumatizados, mas eu confiava, eu sempre falava, “meu Deus eu confio em ti”, minha mãe, todo mundo orando por ele. E hoje ele é bem normal, só a mão às vezes que ele fica com ela torta, e tem que ficar corrigindo ele. Mas, foi a única coisa que ficou da sequela. E ele nasceu normal. Só que quando ele veio para casa ele pegou um resfriado e não podia e ele teve a parada respiratória. A gente foi do Itaim Paulista até ao lado do Hospital Santa Joana e eu chupando o nariz dele para tirar secreção para ele não morrer no carro. Minha filha aos prantos e meu marido igual a um louco dirigindo. A gente chegou lá, eu já tinha tirado toda a secreção com a minha boca, puxando do nariz dele, foi terrível. Então, a gente durante dois anos ficamos muito baqueados por causa do Gustavo. Mas, ele foi se desenvolvendo tão bem que a gente hoje em dia, eu falo para ele, “filho, você é um guerreiro, porque tudo que você passou e você é um menino inteligente, ótimo”, está com um problema no braço, sempre faz, pôs Botox, mas, o médico já falou, “mas é só seu braço, você virou canhoto”. Mas, é muito inteligente, muito lindo, eu amo meus netos, os dois. O Gabriel já é danadinho, mas ele é muito assim, meu neto mais velho é muito na dele, não é muito de amizades, ele é meio sério, machista. Eu canso de falar para ele, “Gustavo você tem que mudar o modo de você pensar”. Mas, ele sistemático apesar de jovem.
P/2 - Elizabeth, como você imagina o metrô daqui há 20 anos?
R - Eu espero que cada vez esteja melhor. Eu não estarei mais operando trem. Espero que os meninos que estão entrando agora estejam com os trens mais modernos, com mais linhas, que tenham mais trens para que não fique tão abarrotado. Porque essa é uma preocupação muito grande. É o que eu espero e que não privatizem. Porque isso é o que eu mais quero.
P/2 - Hoje em dia, o que você mais gosta de fazer?
R - Você fala profissionalmente ou tudo?
P/2 - Tudo.
R - Amo ler, adoro. Sou viciada em ler. Então, eu gosto e eu amo ser mãe, avó. Eu adoro meus filhos, meus netos, eu amo casa bem arrumada e conforto. Eu tenho manias, é tudo em seu devido lugar, tudo organizado. Eu sou muito organizada porque eu penso que se entrar em uma casa pode não estar limpo o chão, mas se estiver tudo no lugar ninguém percebe que a casa não está limpa. Mas, se entrar em uma casa não adianta ela estar limpa, se tiver um negócio jogado e outro ali, nunca vai parecer isso. Eu tenho manias. À noite, é um sobrado minha casa, eu subo e ajeito as almofadas, o sofá, tudo que estiver bagunçado eu organizo e vou dormir, sempre foi assim. Se chegar alguém de manhã vai falar, “nossa está tudo arrumadinho”. Eu sou apaixonada por isso. Eu fiz artes marciais durante parte da minha vida, fiz judô e depois karatê. Mas, depois eu parei por causa da artrose, infelizmente eu tenho no corpo todo. Eu tentei colocar balão, porque eu pesava 109 quilos, e eu precisava emagrecer porque eu sentia muita dor nos meus joelhos. Eu sentia dor na coluna e não conseguia caminhar muito, eu tive que radicalizar, fazer uma cirurgia que diminuiu o estômago, ele é cortado, fica pequeno e desvia uma parte do intestino. Eu fiz e perdi 40 quilos, eu peso hoje 69, e eu não tenho queixas, os 30 primeiros dias são terríveis porque só se tomam líquidos, mas eu emagreci saudável e hoje eu faço todos os meus exames e está tudo bem. Apesar de quando eu era gordinha eu não tinha problemas, o meu problema era a artrose. Hoje eu caminho, eu posso fazer exercícios de novo, graças a Deus eu estou muito bem. Eu tive que radicalizar, ir para a cirurgia, porque eu fiz uns paliativos, mas não adiantou, o balão eu coloquei durante seis meses, e quando se tira lentamente, em dez anos eu voltei a engordar. Porque não adianta, o balão ele enche seu estômago e come-se pouco. Mas, quando tira... Esse não, eu fiz no Hospital Nove de Julho e fui muito bem atendida, nem dor eu nunca senti, foi de buraquinhos que eu esqueci o nome agora. Foi uma cirurgia que realmente mexe muito dentro, mas, eu não tive nenhum problema. O metrô me deu, ele acha que é uma doença ser gordinha, eu quis fazer, fiz um ano de tratamento com psicólogos, nutricionistas para ver se era isso que eu queria, e era. O metrô me autorizou a fazer a cirurgia pelo convênio. Agora quando fizer dois anos eu vou dar uma recauchutada. Eu vou fazer a plástica na barriga, nos seios e nos braços.
P/2 - Você tem algum grande sonho ainda hoje?
R - Olha, todo mundo fala, “quando você parar de trabalhar”, mas eu não sou muito, eu agradeço todos os dias pela vida que eu tenho, eu gostaria que continuasse como está. Porque os sonhos que eu tinha desde ter a minha casa, a casa da praia, ter um carro bom, eu consegui, eu e meu marido juntos conseguimos. Então, eu acho que nossa vida é ótima. Você entende? O que eu gostaria de agora em diante? Que nós tivéssemos muita saúde. Que eu acho que é o que precisamos, mas, eu não penso em me aposentar e arrumar outra coisa para fazer. Eu quero fazer um pilates, ir passear bastante, mas arrumar outro serviço já chega, não tem necessidade disso. Porque tem pessoas, “quando você aposentar...”, a gente que é mulher, você é dona de casa também, você nunca deixa de trabalhar, porque você tem as suas responsabilidades. Agora, eu vou arrumar mais uma coisa? Não. O que eu quero é ter bastante saúde. Que o resto está ótimo, eu quero é que continue assim.
P/2 - Elizabeth, sua entrevista foi ótima, muito obrigada. Só para a gente finalizar, o que você achou de contar essa história para a gente?
R - Eu achei muito interessante, porque eu não conhecia o Museu da Pessoa. E todas às vezes que eu fui entrevistada, por ser a primeira, mas, eu já fui muitas vezes e sempre é assim mais voltada para a minha profissão. Muito poucas vezes, eu acho que fiz uma só que foi voltada para conhecer minha família e que até filmou. O restante é mais o metrô. A minha profissão, então eu achei interessante, tinham coisas que igual eu falei, elas estavam guardadas em uma gavetinha no fundo e eu acabei falando como do meu pai que é uma coisa que eu deixo congelada. Só lembro como agora, porque eu quando criança e adolescente sofri muito pelo fato de como meu pai era. Eu nunca fui criança, não podia brincar, eu tinha que limpar a casa e fazer as coisas, era obrigado. Eu não podia parar para brincar, ele não admitia. Não podia sair de casa, então eu tive uma infância e uma adolescência muito ruim. Eu não podia fazer nada. É bem dizer que eu vivia presa dentro de casa, eu só podia trabalhar. Isso eu podia. Pegar o dinheiro e ficar com ele, mas era só assim. Eu amava estudar, eu não estudei mais porque meu pai não deixou, ele falava assim, “vou te tirar da escola”, para tudo que eu fazia. Porque ele sabia que eu gostava de estudar. Então, infelizmente eu não tive a oportunidade de fazer faculdade, mas, meus filhos tiveram e eu sempre fiz de tudo para que eles tenham uma boa educação, e, graças ao bom Deus eu consegui. Minha filha é pedagoga, e meu filho é militar. Também não terminou, fechou a faculdade de direito e diz que vai voltar. Mas ele é cabo da Polícia Militar, gosta de ser. A Andrea é professora, e então eles estão com a vida assim. Ela está casada, na casa dela, vida dela, graças a Deus eles vivem bem. O Anderson vai casar em maio, mas sexta-feira eu ganho uma filha a mais, porque ela vai embora sexta e só vai embora na segunda de manhã, minha nora. Na minha casa é assim, o pessoal vem, ainda bem. Em maio ele casa e também está com o apartamento dele, comprou e está arrumado, eles estão fazendo as coisas como eu e o pai sempre fizemos, da preferência de termos nossas coisas e os dois seguiram essa mesma linha de se preocupar de quando casarem estarem com as coisas em ordem. Conosco não aconteceu isso, mas, durante a vida fomos deixando em ordem. Mas, hoje está mais fácil. O que mais eu posso te falar? O que eu quero mesmo para o futuro é que continuemos essa família que somos e unida, e, que dê muita saúde, que Deus abençoe a gente. É só isso que eu quero.
P/2 - Obrigada, Elizabeth.
P/3 - Em nome do projeto, dos 50 anos e do Museu da Pessoa, muito obrigada.
R - Eu que tenho a agradecer, adorei, muito obrigada, vão ser pessoas que eu vou guardar no coração.
P/3 - Obrigado.
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