Projeto Metrô
Depoimento de Peter Ludwig Alouche
Entrevistado por Ana Grieco, Camila Bonfim e Ana Coelho
São Paulo, 05/06/de 2018
Realização Museu da Pessoa
MET_HV06_Peter Ludwig Alouche
Transcrito por Karina Medici Barrella
Revisado e editado por
P/1 – Peter, por favor, você pode falar pra gente o seu nome completo, a data de nascimento, se você quiser é claro, e aonde você nasceu?
R – Me chamo Peter Ludwig Alouche. Minha data de nascimento é 24 de outubro depois da guerra. Eu não posso falar porque tenho irmão. Se eu revelar minha data eu revelo a idade dele e ele não me deu essa licença, então não posso falar. Eu nasci na cidade do Cairo, num bairro chamado Heliópolis. Cairo é a capital do Egito e Heliópolis é a parte da cidade que foi construída pelo Barão Empain, um belga. Ah, muitas saudades da minha infância! Enfim, é no Egito que eu nasci. De família de origem sírio libanesa, cristã, católica bizantina. Eu sou bizantino, grego católico, melquita. Se você quiser visitar uma igreja melquita, aquela que meu tio construiu, o irmão do meu pai, na Rua Paraíso, tem a igreja Nossa Senhora do Paraíso que meu tio, irmão do meu pai construiu. Foi ele que na realidade nos chamou, mas essa é outra história, muito complicada.
P/1 – E você viveu no Cairo sua infância.
R – É.
P/1 – Depois saiu de lá.
R – Minha infância. Meu pai era o que a gente chamaria de cidadão do mundo. Ele foi diretor presidente do Banco de _0:02:19_ no Egito e minha mãe era dona de casa, perfeita. Ela nunca tinha saído pra ir no supermercado, dona de casa porque teve sete filhos. Aliás, teve oito, o primeiro morreu depois de três meses. O desespero de meu pai porque meu pai tinha trazido uma enfermeira da Checoslováquia porque ele achava que a minha mãe: “Você não vai saber cuidar da criança”. E a enfermeira errou, de injeção. O menino morreu. Então foi um drama porque meu pai e minha mãe tinham esperado dez anos pra ter filho e naquela época a mulher não ia lá no médico. Ela até subiu, no Líbano, as montanhas lá, à virgem, pedir pra Virgem ter o filho. E o filho ela teve, ele morreu. Depois disso ela teve mais sete. Eu sou, com meu irmão gêmeo, o último dos sete.
P/1 – O senhor pode falar o nome de cada um por ordem de nascença?
R – O menino que eu não conheci, claro, chama baby Nevile. Todos os nomes que meu pai deu são nomes de pessoas, algumas famosas. Por exemplo, primeiro é Laura, que no Egito chamava Laure, em francês, Laura, que morreu três anos atrás aqui. Depois Antoine, que é o segundo, que está vivo ainda. Depois Frédéric, que nem Frédéric Chopin. Frédéric François, exatamente como Chopin, que era médico, inclusive médico do Metrô, mas morreu no ano passado, isso foi dramático pra mim porque ele que cuidava de mim (risos) e cuidou de toda a família. E depois Astrid, que nem a rainha da Bélgica, Astrid Catherine, que infelizmente morreu um mês atrás, isso foi dramático pra mim. E depois Violet, que graças a Deus está bem, e depois meu irmão gêmeo, Peter Paul. Na verdade, no Egito a gente era chamado de Pierre Paul, porque a educação era francesa, apesar da primeira língua minha ter sido o árabe, eu falo e escrevo árabe perfeitamente, mas a educação numa escola francesa e eu estudei, a minha primeira educação foi num escola de jesuítas franceses muito mais avançados do que nossos jesuítas aqui, de origem espanhola, reacionários. Não. Lá são muito abertos. Então foi a escola, até o dia que nós viemos para o Brasil.
P/1 – Vocês se sentiam diferentes por serem cristãos em um país de maioria árabe? Tinha algum tipo de...
R – Olha, na nossa época, quando eu nasci era o rei Faruque. O Rei Faruque era muito aberto, ele adorava a Itália, ele é de origem albanesa. O Cairo era considerada a Paris do Oriente, então todo mundo elegante. E o mundo, vamos dizer, a classe mais simples que só falava árabe, então, a gente tinha uma relação perfeita, inclusive tinha muçulmanos, amigos meus, posso dizer até o filho do coronel depois que assumiu. Éramos muito amigos. No Natal eles vinham comemorar o Natal conosco e no Ramadã, no final da tarde, quando começava a festa do Ramadã a gente ia lá conviver. Nunca, nunca se falava em religião. Eles respeitavam muito a nós e nós respeitávamos muito a eles, mas nunca entrei numa mesquita no Egito (risos). Eu fui entrar depois, em visitas digamos turísticas. Então havia uma clara separação entre os cristãos e os muçulmanos em termos religiosos, mas em termos de amizade, tudo bem. Até o dia que o rei cai, por uma revolução, que se disse arabo islâmica, que foi o Nasser. Teve o Nagib antes, mas o Nasser que foi o grande líder do mundo em desenvolvimento. Ele se uniu ao Nehru, a Sukarno na Indonésia e começou a revolução contra, digamos, os países ocidentais. Uniu à Rússia. Até que aconteceu a guerra com Israel pela nacionalização do canal do Suez, ele fez a nacionalização do canal de Suez, então, Israel se uniu à França, Inglaterra e começaram os aviões atacar o Cairo. Então minha infância foi muito marcada por descer do prédio ir aos abrigos. A gente ouvia: “Saint Therese!”. Esqueçam da Teresinha. Porque os cristãos no oriente médio adoram Santa Teresinha do Menino Jesus. Enfim, ela é muito amada no Canadá, nos Estados Unidos e também no oriente médio, por isso que eu adoro Santa Teresinha.
P/1 – Ela é santa do quê?
R – A Santa Teresinha é uma santa que a vida dela é a vida simples de uma que entrou no carmelo, ela insistiu, foi até se ajoelhar no papa pra poder entrar aos 15 anos no carmelo. Tinha as irmãs dela lá e no carmelo ela não fez nada, só limpava o chão, mas sempre sorrindo. Ela conta, na vida dela, “História de uma alma”, que ela brincava com Jesus de bola. E quando aconteceu o elevador, que foi na época inventaram o elevador, ela ficou sabendo: “Puxa, eu quero pegar o elevador pra ir pro céu!”. Ela tinha uma relação muito íntima, mística, com Jesus. Mas ela nunca contou as aparições, só no diário dela, as aparições da Virgem Maria. Ela de pequena quase morreu, aí trouxeram a imagem da Virgem porque ela já ia dormir. Aí a Virgem dá o sorriso pra ela, ela recupera. Enfim, é uma vida mística. Por que ela ficou famosa? Com 22 anos ela morreu, mas deixou a chamada Teologia da Pequena Via, que pra ser santo, pra gostar de Deus não precisa fazer grande coisa, basta ser bonzinho, basta ser gentil. Que o papa atual, inclusive, tem muita admiração por ela porque ela não é que nem a Santa Teresa D’Ávila, uma calamidade. Ela pegava o chicote pra se martirizar. Não. Ela teve a tuberculose, foi uma doença muito violenta naquela época e, sempre sorrindo. E quando já estava no final, ela: “Mas por que vocês estão chorando? Eu estou vendo Jesus, eu vou lá encontrar com ele”. Então é uma santa que todo mundo admira. Mas então, minha vida foi muito marcada também pela religião.
P/1 – Posso voltar na parte que você conta que tinha uns aviões e vocês iam pro abrigo.
R – Exato.
P/1 – E aí vocês pediam por Santa Teresinha.
R – É.
P/1 – Isso era toda sua família?
R – Porque a classe média e alta no Egito era formada por italianos, franceses, ingleses. Tinha também egípcios, mas a maioria das pessoas cultas eram estrangeiros do Egito. Por exemplo, tem a famosa, famosíssima, Dalida, que é uma cantora que morreu, francesa, era italiana do Egito. Então, o _0:13:15_, outro grande compositor francês era grego do Egito. Então, o Egito era uma pequena Europa, o Cairo, Alexandria também, uma parte da família morava em Alexandria, mas nós morávamos no Cairo. Meu pai morreu antes da queda do regime do Faruque, ele morreu bestamente. Era presidente de um banco, esperava o presidente do banco inglês que vinha de navio, ele foi em Alexandria, deitou na praia com o sol, nós somos muito brancos, ele se queimou, aí complicou e morreu logo depois. Mas minha mãe sofreu muito com sete filhos. Ela só sabia ler um pouquinho de francês, tinha recebido educação em casa porque não ia à escola porque, enfim, a família... Então quando aconteceu a guerra com Israel, o governo egípcio expulsou todos os franceses, expulsou simplesmente. Imagina, nós numa escola francesa, expulsou os italianos, expulsou os gregos. Nós não fomos expulsos porque nós éramos egípcios, mas meu tio aqui, que tinha construído a igreja Nossa Senhora do Paraíso mandou um telegrama: “Deixam tudo, deixam tudo o que vocês tiverem!”.
P/1 – O seu tio já estava no Brasil.
R – Já estava. Fazia uns cinco anos, ele tinha vindo mandado pelo patriarca, patriarca é o nosso papa. Nós obedecemos ao papa, mas nós temos uma hierarquia diferente da igreja latina. Então ele tinha sido mandado para introduzir o rito melquita, grego católico, no Brasil. Todos os sírios libaneses ou são maronistas, são grego católicos ou são grego ortodoxos, aí tem a catedral. Então ele mandou: “Deixam tudo o que vocês tiverem e vêm pra cá”. Então foi muito traumático. Minha mãe, as joias, porque eles tinham falado que na saída do Egito eles iam tirar toda a roupa nossa pra ver se a gente tinha alguma coisa escondida. Então, todos eram praticamente menores, meu irmão maior tinha um pouco mais de 18 anos, então tínhamos pavor de chegar ao aeroporto. Nós fizemos como se a gente fosse pro Líbano, porque nós realmente fomos via Líbano. Então nós viemos passear. Vocês devem ver na escola, até o último dia, os amigos não dizia que íamos sair do Egito. Foi uma saída praticamente fugidos, mas sem fuga. Com passaporte egípcio, tudo, mas não tinha mais condições de viver no Egito porque com quem minhas irmãs iam casar se toda a classe média tinha... meu irmão, Fred, que é o médico, era loiro, loiro, loiro e parecia sócia do Frankie Laine. Naquela época o Frankie Laine era um cantor muito famoso, mas judeu. Então ele andava na rua, o pessoal: “Judeus, vocês não vão...”. Então, não tinha mais condições de ficar. Se a gente tivesse ficado, depois a coisa amenizou, hoje não há problema nenhum, mas naquela época havia um traumatismo para os cristãos. Inclusive (risos) tínhamos lá no salão da nossa casa tínhamos uma pintura de Jesus ensanguentando que exalava incenso toda quinta-feira santa e sexta-feira santa. Então você imagina o pavor de eu entrar naquele salão, de pequeno, onde tem esse Jesus. Essa imagem nós doamos pra igreja. Doamos também para os jesuítas a coleção de selos que meu pai tinha, uma coleção de selos desde o selo de _0:18:36_, que é o _0:18:39_. Enfim, doamos tudo. Minha mãe, até o anel dela de casamento... ah, foi uma briga com meu irmão, me lembro eu muito pequeno: “Não, vocês não vão”. Ela deixou o anel, ficou com o anel, mas o resto foi tudo... tapetes, enfim. Mas minha mãe escondeu alguns quadros no meio da roupa, que são esses quadros que eu tenho, alguns quadros, valiosíssimos. Porque são antigos, tem um quadro que é, não sei se é de Fermir, século 16. O outro, esse quadro é autêntico, do século 18, francês, autêntico. Mas enfim, escondemos e viemos pro Brasil. Então foi outra epopeia porque a gente não tinha dinheiro porque você não podia sair com dinheiro. Aliás, uma coisa interessante, quando chegamos ao aeroporto pra pegar o avião pro Líbano: “Egípcios! Podem passar”. Não olharam nada. Pode imaginar o desespero da minha mãe com as joias dela. Ela jogava pros empregados, enfim... e no Brasil até então meu tio, foi uma viagem longa de 20 dias.
P/1 – Quantos anos você tinha?
R – (risos) Você já vai logo saber (risos). Uns 12 anos. Porque eu tinha já feito o ginásio lá. Então chegando no Brasil somos recebidos como deuses pela comunidade sírio libanesa. Porque imagina, os sobrinhos do monsenhor, ele era bispo aqui.
P/1 – O seu tio?
R – O meu tio. Monsenhor. O que se fala na linguagem bizantina, _0:20:52_, arcebispo. Então chegamos, recebidos por centenas, por nomes tipo José Caiero. Eu nem sei se o Maluf apareceu lá, mas enfim, nomes famosíssimos. Fomos lá e nós chegamos na quarta-feira santa. Na quinta-feira foi a missa. No nosso rito, a missa da quinta-feira santa é maravilhosa porque o cálice é colocado no chão, com tapetes brancos, é um negócio maravilhoso. Então fomos à missa, meu tio tinha preparado uma casa maravilhosa pra nós e tinha falado: “Aqui ninguém vai trabalhar, todos vão estudar porque vocês estão garantidos”. Então a gente vai à missa, depois da missa vamos pra casa. Meu tio dorme, morre. Aí corremos na igreja, que essa minha irmã e meu irmão maior correram na igreja pra avisar. Meu irmão que era estudante de Medicina, ele foi lá: “Morreu”. Acho que de emoção. Então aí nós avisamos, logo depois achamos o cofre da igreja arrombado. Ah, o enterro dele foi, acho que se eu falar que tinha mil pessoas, veio o Cardeal Mota naquela época, grandes personalidades, para o enterro dele. Eu não sei onde enterraram. Houve uma família sírio-libanesa que ofereceu o túmulo, mas eu era pequeno e não sabia. Um dia vou descobrir. Mas aí, logo no mesmo dia, depois do enterro, a gente vai pra casa, veio uma pessoa falar: “Vocês têm que sair daqui porque isso é uma casa alugada”. Uma casa com móveis novos, a televisão que ele tinha comprado na Sears, no móvel, fomos colocados na rua. Então foi uma epopeia. Claro, pegamos um apartamento alugado, enfim, no Ipiranga, na Avenida Dom Pedro e aí a minha irmã que falava inglês, estenografia, foi logo, arrumou um emprego, meu irmão maior era farmacêutico, ele foi logo, arrumou na Pfizer. Enfim, ele que inventou as sweet, não sei se vocês lembram, sweet que é tipo açúcar...
P/1 – Adoçante!
R – Adoçante! Enfim, então conseguimos sobreviver.
P/2 – A gente pode voltar bastante nessa fala do senhor?
R – Sim.
P/2 – A gente para nesse momento aqui no Brasil, mas eu queria fazer perguntas sobre a sua infância, tudo bem?
R – Sim.
P/2 – Eu vou voltar muito, tá, seu Peter? Porque o senhor falou lá fora que queria contar também... o senhor sabe também por que seus pais te deram o nome de Peter?
R – Não. Peter e Paul porque são gêmeos, São Pedro e São Paulo, entendeu? Como eu te falei, nós éramos uma família, embora religiosa, mas não era fanática. Como tem na igreja católica São Pedro e São Paulo, então gêmeos, Pedro e Paulo. Eu me chamava Pierre, Pierre e Paul, porque em francês. Depois o Peter simplesmente foi porque na hora de sair do Egito o passaporte, meu irmão achou melhor fazer o passaporte com o nome Peter porque havia uma guerra da França contra o Egito, então havia um ódio contra a França naquela época. Eu tive problemas porque quando cheguei aqui todos os documentos do batismo, da igreja, da escola pra fazer a revalidação eu tive que mandar lá: “Por favor, me mudam”, porque todos os diplomas eram escritos Pierre, então depois mudou pra Peter porque aqui no Brasil, Peter não pode mudar. A infância minha não foi muito, digamos, muito feliz. Eu tinha irmão gêmeo e meu pai morreu logo que a gente tinha talvez três anos, eu me lembro muito vagamente do meu pai. Eu só me lembro do dia da morte dele. A morte dele, então vieram: “Olha, vocês vão na sua tia, vocês não vão na escola amanhã”. Meu pai tinha morrido no quarto e me lembro, então à noite eu ouvia barulho, olhei. Então morte no Egito, todos de preto, com aqueles gritos, tipo árabe. Então foi muito traumático a morte do meu pai. Eu não participei do velório, etc, nós fomos lá levados, eu digo nós porque sempre meu irmão gêmeo e eu. Isto que eu acho que me marcou, porque até a faculdade eu nunca fui chamado de os gêmeos, eu sempre digo pras pessoas: “Filhos gêmeos, separe”. Sempre vestido a mesma coisa. A tal ponto que, na escola, na faculdade, ele entrou na Poli, eu entrei no Mackenzie, ainda bem. Mas chamavam Faraó 1, Faraó 2. É. Porque éramos os faraós, entendeu? Então esse negócio de ter irmão gêmeo me causou problema. Inclusive naquela época você podia fazer... eu tinha feito vestibular pra Engenharia, mas também quis fazer, ele também, vestibular pra Filosofia na Universidade de São Paulo, que naquela época era um exame oral, tinha exame oral pra entrar na faculdade. E como ele chama Paul, P-a-u-l, então ele ia de manhã, foi de manhã. Eu fui à tarde porque era Peter, P-e-t-e-r. Aí os caras quase chamaram a polícia! Então, realmente, é um negócio... isso me marcou muito, o fato de ter irmão gêmeo porque acho que influenciou muito na minha personalidade negativamente. Hoje o que ele pensa, eu penso (risos). Politicamente. Apesar de, em termos de vivência, relacionamento, é o oposto. Ele vai ao restaurante, muito sério, sempre sério, nunca... Eu não, sou expansivo. Então nisso somos muitos diferentes, mas em termos de pensar politicamente, culturalmente também. Eu escrevi poesias, ele não escreveu. Eu tenho uma poesia em francês que escrevi com a idade de... eu já estava no Brasil, uns 14, 15 anos, foi quando a Argélia estava pegando sua independência e o exército francês da Argélia ia atacar Paris porque De Gaulle tinha declarado a independência da Argélia. Então, a admiração que eu tinha por De Gaulle era um negócio fantástico. Eu escrevi uma poesia e mandei pra ele, uma poesia tipo Victor Hugo. Eu recebi uma carta dele agradecendo, me elogiando.
P/1 – O senhor lembra algum trecho dessa poesia?
R – (Declama em francês) _0:31:25_ a _0:32:08_. Então a resposta: _0:32:12_ a _0:32:14_. Então é uma poesia muito épica, vamos dizer assim. Ele gostou. Tem outra poesia, que essa foi publicada na revista do São Luís. Eu peguei Casimiro de Abreu, “Minha Mãe”, muito piegas, acho, mas bonita, eu traduzi pro francês. Modéstia à parte, acho que a minha poesia é menos piegas, é muito mais elegante do que a poesia do Casimiro de Abreu. Mas enfim, então foram momentos de lazer que eu tenho. Hoje já não escrevo mais, a última coisa que eu fiz de escrever foi um cordel que recebeu um prêmio aqui no Brasil. Foi um concurso de cordel que o próprio Metrô fez, é o Encontro no Metrô. Eu, pra participar coloquei meu nome como Pedro Nordestino porque senão, eles vão ver Peter Alouche, acho que ninguém... são os maiores cordelistas que foram os jurados. Então, Encontro no Metrô, esse é do Metrô. Desde que eu entrei no Metrô me vida se resumiu em Metrô, Metrô de manhã, Metrô à tarde, Metrô à noite, até hoje. Metrô, Metrô, Metrô.
P/1 – Mas quando foi a primeira vez que o senhor teve essa oportunidade?
R – De entrar no Metrô? Eu estava trabalhando numa empresa de Engenharia famosa e estava muito bem lá, mas eu queria sair porque estava cansando. Tinha trabalhado antes na _0:34:21_ e tinha viajado pra Suíça, fiquei um ano na Suíça, então dentro dessa empresa era só Engenharia e estava me cansando. E estava pensando em entrar na Cesp e tinha realmente sido admitido na Cesp pra trabalhar. E aí andava na Rua Augusta, encontro um ex-aluno meu, eu fui professor de Engenharia por 25 anos no Mackenzie, chamava Antônio Sérgio Fernandes – depois se tornaria presidente do Metrô. Ele me encontra: “Professor, o que você está fazendo aqui?” “Ah, acho que vou na Cesp”, a Cesp ficava na frente do metrô na Rua Augusta: “Acho que vou trabalhar na Cesp” “Não faça isso! Eu acabei de entrar no Metrô, entra no Metrô!”. Eu falei: “O que é esse Metrô?”. Esse nome, ninguém conhecia naquela época. “Vão construir o metrô de São Paulo. É muito melhor o metrô” “O que eu faço?” “Suba, suba na Rua Augusta”. Fui lá no Departamento Pessoal, me apresentei: “Você está aceito, só precisa fazer o psicotécnico pra ver se você não é louco”. Eu enganei (risos). Então foi minha epopeia no Metrô. O Metrô foi pra mim a vida porque ele me deu muita coisa, me deu coisas maravilhosas. Também me magoou algumas vezes, muito. Mas não o Metrô, algumas pessoas, alguns episódios, mas o Metrô foi maravilhoso. Graças ao Metrô eu viajei porque representava o Metrô na União Internacional de Transportes Públicos. Então todo presidente queria viajar: “Peter! Vamos lá no congresso tal, no congresso tal”, então viajei pelo mundo todo 500 vezes, então, não posso me queixar.
P/1 – Quando você entregou o seu currículo e foi admitido, qual era a sua função naquela época?
R – Eu fui admitido no Metrô porque eu tinha feito uma especialização na Suíça em parte eletrônica. E depois, eu na _0:37:15_ fui quase, quer dizer, trabalhava nos projetos pra Itaipu, então a parte elétrica. Eu era conhecido, depois que trabalhei na empresa de engenharia, na parte elétrica. E o Metrô precisava de alguém da parte elétrica pra assumir. Eu entrei lá pra assumir a parte elétrica. Então todos os projetos do Metrô... eu não fui o único, claro, tinha outros, mas eu acho que o projeto elétrico do Metrô, da Linha 1, foi feito com a minha contribuição e posso dizer que até hoje todas as linhas do metrô seguiram o esquema. O metrô nunca deu problema na parte elétrica porque foi feito muito seriamente, a tal ponto que foi um sucesso no sistema elétrico que depois o Metrô me indicou pra ser o coordenador dos testes, todos os testes do Metrô, de equipamentos, trens, blablabla, então, imagina, eu em Jabaquara, que ainda não estava organizado, quer dizer, o pátio estava sendo construído com os testes então passava a noite, passa rato, e eu tenho pavor de rato, de barata. Enfim, eu participei com as mãos do metrô. A hora que ligaram a parte elétrica no terceiro trilho precisava alguém ir lá medir todo dia. Puxa vida, 750 volts, corrente contínua! Eu fui o cara que teve coragem de ir lá medir. Hoje eu já não teria essa coragem, mas naquela época (risos). Então, foi na parte elétrica que eu fui. Mas depois, com esses testes, aí o meu conhecimento ampliou. Então o Metrô me colocou numa equipe chamada de Projeto Básico, com gente tipo Tadashi, João Paulo, Paulo Benites, Benedito Costa, MacFadden, Lobo, então, éramos conhecidos como os Sete Sábios, chamavam isso. Bom, enfim, nós fizemos a concepção de todas as linhas, até a Linha 4, nós que fizemos. A escolha do pátio de Itaquera na segunda linha. Porque a primeira linha já estava mais ou menos feita, mas não escolheu os equipamentos, a escolha dos equipamentos nós participamos dessa escolha, alguma coisa. Mas na Linha 2 e Linha 3 totalmente, essa equipe. Até na Linha 4.
P/1 – Tendo participado desde o começo, o que você sentiu, como foi o dia da inauguração mesmo, o dia que começou o metrô a operar?
R – Ah! Primeiro eu vou contar um fato, os testes! Teve um episódio nos testes que foi maravilhoso, de assustador. Eu era o coordenador, como eu falei, então o trem ia de Saúde, Conceição, Jabaquara, vai e volta. Eram duas da manhã. O presidente Plinio Assmann fazia questão de participar dos testes e naquele dia tinha chamado o secretário municipal de transporte, o metrô pertencia à prefeitura naquela época. Então o secretário, um jovem que esqueci o nome, eles quiseram entrar na cabine. A cabine apertada tinha ele, eu, o presidente Plinio e o secretário. Pra ver o quê? Pra ver o ATO funcionando, que nós somos o primeiro metrô que funcionou em ATO. O que é o ATO? Totalmente automático. O condutor não fazia nada, nada. Quando eu falei isso um dia o sindicato quase me mata (risos). Não, publicou: “Peter chamou de inúteis”, mas realmente na função automática naquela época o condutor só ficava de braço cruzado porque o trem chegava na estação, abria as portas, fechava as portas automaticamente. Aí, nós: “Puxa!”, quando chegou em Conceição: “Olha!”. Quando chegou em Jabaquara que a porta abriu, aí não sei se o secretário ou o Plinio foram abraçar o operador. Aí o trem fechou as portas e andou em direção ao pátio. E lá tinha um teste e estava tudo aterrado e o trem entra e faz uma explosão! Foi o primeiro curto circuito que nós tivemos. A partir daí que nós sentimos que não podia, na estação, fechar a porta automaticamente. Então foi introduzido um botão que só o condutor, operador, quando vê que não tem ninguém nas portas, ele dá permissividade de fechar, o operador não fecha o trem do metrô, ele dá permissão para o fechamento. Então foi interessante. E no dia da inauguração do... Eu estou falando demais?
P/1 – Não, continua, está perfeito!
R – E no dia da inauguração da Liberdade, Jabaquara, essa foi dramática. Porque veio o presidente Geisel. No tempo da ditadura, pelo amor de Deus, pra vir, vinham entes, um montão de gente tudo de preto, os homens de gravata preta, o serviço secreto (risos), mas todo mundo de preto. Pra ver se não tem nada, estava tudo certo, o presidente Geisel chega na estação, então teve o discurso do presidente. E aí milhões de pessoas pra inauguração do metrô entre Jabaquara e começou a dar choque nas estações. As pessoas sentiam choques! Eu era responsável pelos testes, imagina! Aí eu peguei o tal do gerente de montagem, que chamava Leopoldo, pessoa maravilhosa: “Peter, vamos ver o que está acontecendo, alguma coisa aconteceu no túnel, algum cabo”. Fomos e realmente, a manutenção tinha feito a manutenção do túnel e um cara esqueceu de ligar um cabo, enfim, na linha. E parte elétrica é o seguinte, se tem corrente que vai, ela tem que voltar. A corrente contínua vai e volta pelos cabos de retorno. E se um cabo está aberto, ela volta pela terra. Então, voltava e dava choque em todo mundo. Ai nós: “Ah, um cabo aberto!”. Ainda bem que, porque nós _0:46:04_ se apertar, mas o Leopoldo já tinha uma pessoa lá pra arrumar e deu tudo certo. Enquanto isso nós angustiados no... como é que chama aquele telefone? Porque não tinha telefone celular naquela época. Então chamava: “Fala pro Plinio falar um pouco mais, fala para o presidente” (risos). Aí foi tudo bem. Mas teve um negócio interessante que pouca gente sabe, pouca gente, evidentemente só o Leopoldo, eu, algumas pessoas souberam desse fato.
P/1 – Que incrível! Nessa época você era chefe da...
R – Dos testes.
P/1 – Da elétrica.
R – Não. Chefe de elétrica, mas fui encarregado, fiquei um ano encarregado dos testes de aceitação dos equipamentos. Isso me desenvolveu muito.
P/1 – E como é que foi a sua carreira nesse ponto? Como você chegou a ser presidente?
R – Não, eu nunca cheguei!
P/1 – Ah, desculpa!
R – Minha carreira no metrô foi muito fácil. Então, parte elétrica, depois coordenador de teste e depois assessor na equipe de concepção, que chamava Projeto Básico. E foi praticamente até o fim, mas depois quando houve a dissolução dessa equipe eu me tornei assessor do presidente no final. Mas eu tive três funções que me fizeram destacar no Metrô. Talvez por causa das línguas que eu falo, certamente ajudou. Talvez pelo meu jeito, talvez porque... todos os presidentes quando precisavam escrever pro Metrô de não sei de onde, eu sempre escrevia pra eles. Os discursos dos presidentes eu é que escrevia. O do Antônio Sérgio, Celso Giosa, só do Plinio que não. Mas José Maria Siqueira de Barros. “Peter, escreve o discurso!”. Bom, e os contatos com o mundo internacional, eu que estabelecia pra eles, então, eu fui nomeado como representante do Metrô na UTP, União Nacional de Transportes Públicos durante muito tempo. Eu introduzi a UTP praticamente no Metrô, trouxe Monsieur Jacob, na época chamava-se Monsieur Metrô. Foi uma época de contatos internacionais do Metrô através da UTP. Depois se criou o Grupo CoMET, que é do benchmarking entre os metrôs mais importantes. Eu posso dizer que fui um dos idealizadores. Também teve o Caetano, que era presidente, evidentemente contribuiu, então era representante no CoMET. Isso me permitia, por exemplo, viajar. Quando veio o Paulo Goldschmidt, se tornou presidente, primeira coisa: “Vai ter uma reunião do CoMET lá em Hong Kong. Peter, vamos!”. Então, todos eles, eu viajei com todos os presidentes do Metrô. Viajei com Aloyzio Nunes, atual ministro. Eu não vou contar as histórias, nas viagens acontece muita coisa. Com Aloyzio Nunes foi muito engraçado, que foi na China, a China comunista naquela época. Um dia, então lá nós tínhamos assim, tudo era organizado, a gente ia ao hotel, não via a mala, a mala viajava, quer dizer, independente da gente. A gente chegava no hotel, no quarto a nossa mala (risos). Houve a saída de uma cidade lá... enfim, uma área montanhosa, pra Pequim, à noite. Então, o organizador lá, o coordenador: “Escuta, todo mundo bota a mala no corredor, na frente do quarto”. E depois disso a gente ia lá no ônibus, pegava o avião, nem sabia da mala. E a mala iria, quando a gente chegava em Pequim no quarto. Aí o Aloyzio Nunes era secretário dos transportes metropolitanos naquela época. Imagina se ele vai pegar a mala e botar? Não botou. Conclusão? Chegamos em Pequim meia-noite, o pessoal colocou as malas lá pra cada um ver no saguão do hotel qual é a mala. E a mala dele não chegou. Aí o cara perguntou: “O senhor colocou a mala lá fora?” “Não” “Então ficou no hotel”. E pra ele trocar a roupa? O Peter deu o underwear pra ele (risos). Isso ficou na história (risos). Toda a roupa interna, a camisa, etc., eu emprestei pra ele. Ainda bem que tinha roupa que eu não tinha usado. Eu me lembro dessa história, essa é histórica. Aloyzio não gostava muito de mim, bom, enfim, mas teve outras histórias. Todos os presidentes tiveram histórias comigo, todos.
P/1 – Em alguma de suas viagens você acabou voltando pro Cairo?
R – Ah, teve uma que o presidente era... tem um presidente que era deputado depois, esqueci o nome dele. Me adorava. Teve um seminário da _0:53:06_, eu ia fazer uma conferência lá no Cairo. Você sabe que eu tive um certo receio na primeira viagem que eu fiz pro Cairo? Porque eu era egípcio e nunca desisti da nacionalidade egípcia para o Brasil. No Brasil você tem que desistir, mas eu não fui na embaixada dizer que eu renego meu... então, pra todos os efeitos eu era egípcio. Então tinha um certo receio porque eu não tinha feito o serviço militar no Egito, fiz serviço militar aqui. Então, falei: “De repente eu vou entrar no Egito, vão ver pelo computador”. Ainda bem que lá não tem computador nenhum (risos). Viajei representando o Metrô de São Paulo na Conferência da _0:54:16_. O interessante foi quando anunciaram que eu ia falar, eu ia falar em francês. Porque lá o _0:54:27_ é uma entidade francesa pra países em desenvolvimento. Eu comecei em árabe: “Senhoras e senhores, eu sou da terra. Quem bebeu a água do Nilo certamente volta, me sinto muito emocionado de estar na minha terra natal”. Em árabe. Foi uma surpresa! Então 400 pessoas se levantaram e aplaudiram, só isso. Depois o resto do discurso foi bobo, mas isso foi marcante, realmente foi. Depois voltei outras vezes como turista pra ver a minha casa.
P/1 – Peter, a gente está voando aqui, então vamos voltar. Um dos marcos que o pessoal estava conversando, além do dia da inauguração do Metrô, que você falou um pouco onde você estava e tal, foi a implosão do Mendes Caldeira. Vocês participou disso?
R – Não só participei disso... bom, quem armou tudo, foi o presidente Plinio Assmann, um grande amigo, aliás. Mas eu tive uma participação assim, pequena. “Ah, então vamos ficar”. Eu estava na entrada da estação Sé. Não! Quer dizer, eu quero dizer da inauguração da Estação Sé, essa que eu tive uma participação mais emocionante. Nessa implosão eu vi, me emocionei como todo mundo, mas eu não tive uma participação pessoal nisso aí. Mas na inauguração da Sé foi um negócio gigantesco, acho que tinha umas 200, 300 mil pessoas para ver a Estação Sé. E tinham fechado, o Metrô fechou a Estação Sé, a entrada, foi um erro. E de repente tira o cordão e houve mais de, assim, todo mundo descendo aquela escadaria, escadas rolantes da Estação Sé, onde justamente tinha tido a implosão, a implosão foi justamente na entrada da Estação Sé. E estava lá o Sebastião Camargo, presidente da Camargo Corrêa. Um homem assim, olha, acho que se não fosse isso ele teria sido esmagado: “Protege aí”. Porque fomos levados. Eu ajudei, ajudei, pra ele não ser esmagado, então me lembro dessa cena. Mas tanto a implosão, quanto a inauguração da Sé foram marcantes pra São Paulo.
P/1 – E você acha que hoje em dia esse tipo de implosão e de alteração urbana seria possível?
R – Eu acho o seguinte, agora eu vou falar um pouquinho de minha mágoa em relação ao Metrô. O Metrô, a participação dos empregados no Metrô era uma coisa quase que íntima, então todos os funcionários do Metrô vestiam a camisa, então qualquer inauguração, qualquer coisa era uma participação maciça dos metroviários. Naquela época o Metrô cuidava, vamos dizer, não empreitava a instalação, o próprio Metrô fazia suas instalações dos equipamentos, o próprio Metrô cuidava das obras civis, então, ultimamente, de uns tempos pra cá, o Metrô começou a subempreitar, então quem faz a construção... às vezes eu digo que os problemas que têm acontecido é porque a subempreiteira não cuida do jeito que os metroviários cuidavam. Então, eu sou um pouco... porque você sente um pouco os metroviários, nas inaugurações você vê pouca gente dos metroviários participar. Houve um desligamento desse elo quase simbiose entre os metroviários e o Metrô. Talvez porque o Metrô começou a se expandir, linha pra cá, linha pra lá, então, justamente eu sinto às vezes, no tempo dos antigos, quando acontecia um problema no Metrô era um acontecimento que envolvia a companhia toda, eu me lembro quando houve o descarrilamento, a queda do terceiro trilho no elevado. O Plinio foi convocar a imprensa, o Metrô inteiro estava lá pra ver o que aconteceu, entendeu? Hoje acontecem os problemas, às vezes quase que escondido o acontecimento. Então, sinto um pouco, vamos dizer, o divórcio entre a empresa e os seus funcionários.
P/1 – Peter, já que você tratou desse tema eu vou puxar uma coisa que estava mais pra frente no nosso roteiro. Você falou de subempreitar.
R – A concessão.
P/1 – Como você vê essa nova realidade de concessões?
R – Eu até escrevi muitos artigos. Só pra você saber eu acho que eu tenho três mil artigos publicados sobre Metrô, etc. Eu tive coragem de escrever. Eu acho que a concessão é uma realidade do mundo moderno, não adianta. E o mundo liberal, entendeu? Então a estatal, eu acho que a diretoria do Metrô vai ver meus dizeres, mas eu vou falar (risos). Eu acho que o Metrô, você vê, construiu a Linha 1. Se matou, com uma dedicação, um negócio fabuloso. Eu costumo dizer que o Metrô é mais importante que a usina de Itaipu. E depois, opera. É uma coisa maravilhosa! A Linha 2, a Linha 3. Agora, você vê, a Linha 4, construiu toda a Linha 4. A Linha 4 é a linha mais moderna do mundo, é a primeira linha automatismo integral nas Américas. É uma linha, talvez seja a linha mais carregada do mundo, automática. Paris diz, mas Paris não carrega nada do que carrega o Metrô São Paulo, então é uma, os metroviários deram sua alma pra fazer uma coisa maravilhosa. E depois, eu costumo dizer, mas a diretoria do Metrô não pode me ouvir (risos), é doada para uma concessionária pra operar e ganhar dinheiro. Quer dizer. Eu acho que isso. A Linha 5. Quer dizer, a CCR vai pegar, operar, vai ganhar dinheiro. Não fizeram nada na Linha 5. Os metroviários vão ser expulsos, não pode entrar lá. Quer dizer, eu acho que eu tenho uma visão, pode ser retrógrada, mas, eu adoro o Metrô. Mas eu acho que diante dessa idade o Metrô poderia ter feito algo a mais, garantir o controle da operação. Quer dizer, dá a operação, mas garante. Eu fico muito, muito preocupado. Mas o Metrô está dando, CCO vai, eu acho que, no meu entender, o CCO tinha que ficar na mão do Metrô, tanto pras linhas, mas já que doou tudo na Linha 4, então, isso que eu vou falar eu escrevi em diversos artigos, eu falei com a diretoria do Metrô, falei até com o secretário, mas não houve ainda uma ação. Você vê o seguinte, Linha 1, Linha 2, Linha 3 estão com o Metrô. Linha 4 está com CCR, Linha 5 com CCR, Linha 15 vai ser também privatizada, quer dizer, vão fazer concessão. A CPTM, as Linhas 8 e 9 já estão pra serem privatizadas. Então você vê o que vai acontecer no sistema sobre trilhos, que tudo emaranhado. Acontece um problema na CPTM, quem tem que atuar imediatamente na Linha 4. E aconteceu, você lembra em Pinheiros que o pessoal começou a rolar pela escada rolante porque tinha que tomar uma posição de fechar a estação. Agora você vê quantas linhas. A Linha 5, acontece um problema na Linha 1 ou 2, vem a Linha 5 carregada com 1 milhão de passageiros, esse negócio de dizer que são 600 mil, mas vai dar mais de um milhão, se não for 1 milhão e 200 na Linha 5. Não chegam na estação, Chácara Klabin ou na estação Vergueiro. A quantidade de gente, você tem que tomar providências, ou fecha ou diminui. Quem que vai tomar? Cada um tem o seu CCO? A CCR, concessionária, estão preocupadas assim, quanto mais gente melhor, está pouco ligando, não sabe. O CCO do Metrô está vendo, mas até telefonar... então, eu sou a favor, faz as privatizações que você quiser, mas bota um CCO único do sistema metroferroviário e quem manda é o CCO, toma a decisão o CCO que é na mão do Metrô. Se não for isso... “Ah, vão dar pra uma agência”. Mas agência não entende nada de Metrô! Tem que ser na mão do Metrô. Isso é uma luta, gostaria que essa luta fosse ganha enquanto eu estou vivo porque aí você salva o Metrô, você salva porque quem vai operar é a concessionária, mas numa hora h quem dá a cartada é o Metrô, o CCO do Metrô. Pode até as Linhas 1, 2 e 3 serem concessionárias. Não há problema nem se você tiver o controle operacional porque é o Metrô, que é empresa pública, que pode cuidar da cidade do usuário.
P/1 – Aproveitando que você está falando disso, outra coisa que estava aqui no nosso roteiro era pra falar do bilhete único.
R – Ah, posso falar?
P/1 – Pode!
P/3 – Peter, a gente está falando de um assunto tenso, das concessões, problemas que podem dar. Eu queria que você descrevesse pra gente como você se sentiu no seu momento mais crítico nessa sua carreira dentro do Metrô.
R – Eu vou falar da Linha 4. A Linha 4 é a pérola das linhas porque foi a primeira linha em automatismo integral, lá não tem operador. Foi uma experiência que o mundo estava olhando. As portas maravilhosas de plataforma, que são as mais bonitas do mundo. Então uma operação, vamos dizer, revolucionária na tecnologia. E a glória disso está na mão do concessionário, então isso chateia um pouco, chateia um pouco. Eu não tenho nada contra o concessionário, respeito, eles estão fazendo uma obra maravilhosa, mas o quê que contribuiu o concessionário na concepção? Essa concepção foi feita pela equipe estatal, por Tadashi, Peter, João Paulo, Paulo Mendes, nós que inventamos de fazer a coisa automática. A diretoria aceitou, claro, mas não foi fácil a diretoria. Ela achava uma aventura esse negócio de automatismo integral. Então, eu sinto que não seja essa Linha 4 do Metrô atualmente. Então você entra, isso que eu acho escandaloso, escandaloso! Você entra no site do Metrô de São Paulo, quais são as linhas do Metrô? Linhas 1, 2, 3 e não cita a Linha 4. Número de passageiros soma aqui lá e não soma os passageiros da Linha 4! Mas que absurdo! O Metrô é tudo isso. E aí eu acho que isso é reflexo de uma grande crítica que eu faço ao Metrô. O Metrô, desde que passou para o Estado, que antes a Linha 1 e 3 o Metrô era da Prefeitura, então havia um elo, o Metrô era a Prefeitura, era a cidade, a cidade era o Metrô. Desde que houve esse divórcio, principalmente depois, entrou de um lado PSDB, do outro lado PT, do outro lado eu sei lá a parte política. Então houve um divórcio completo entre o Metrô e a cidade. E aí eu vou citar o bilhete único. O bilhete único eu tive uma mágoa imensa porque eu acompanhei o bilhete único que estava sendo feito pela prefeitura, bom, era PT, mas eu tinha admiração pelo bilhete único. E eu achei, e foi, a maior revolução em transporte urbano no mundo porque a prefeitura eliminou o transporte clandestino, aquelas vans, inclusive houve até violência, quando a prefeitura lançou o bilhete único quase derrubam o computador, quase há gente ferida, mas foi a maior revolução porque acabou, dividiu a cidade em oito áreas e fez o bilhete único. O bilhete único, a minha empregada nunca tinha visto a Avenida Paulista, nem o centro porque ela mora em Grajaú, então ela chegava, o máximo era na minha casa, Santo Amaro. O bilhete único permitiu à empregada chegar na Avenida Paulista sem pegar dois, três bilhetes. Então foi uma revolução social, incluiu o pobre no centro da cidade. Podia visitar o Ibirapuera graças ao bilhete único. Quando houve o lançamento do bilhete único no Instituto de Engenharia havia mais de mil pessoas. Não, foi num congresso da Amesp. E naquela época o secretário era do PSDB e o PSDB totalmente contra o bilhete único, então, não, bilhete único não entra no Metrô. Não havia integração do bilhete único, foi quando mudou o secretário, o novo secretário, houve a eleição, aí foi introduzido o bilhete único. Nesse congresso eu me levantei e fiz uma defesa pública na frente de todo mundo, do bilhete único, sendo a maior revolução de transporte urbano no mundo. Porque aquele negócio, vamos dizer, o componente, foi colocado em 18 mil ônibus num espaço de um mês, 18 mil ônibus! Foi uma revolução! Eu estava defendendo que tinha que ter integração com o Metrô. Então houve um secretário que se levantou e falou: “Peter, você sabe que eu posso te mandar embora do Metrô?”, porque eu era metroviário. Eu falei: “Pode, mas eu defendo minhas ideias”. Houve um diretor de operação que falou: “Eu quero ver você operar o metrô quando tiver o bilhete único”. Eu falei: “Precisa ter competência”. Bom, eu perdi uma viagem que eu ia fazer pra Hamburgo porque o presidente do Metrô falou: “Peter, se esconde um pouco” (risos). Mas o bilhete único foi muito importante por Metrô, pra cidade. E isso mostrou o divórcio que havia entre a cidade e o Metrô, por questões políticas. Logo depois veio o novo secretário, colocou o bilhete único. O que não conseguiram fazer o intermunicipal entrar também nesse bilhete único, tem um outro bilhete, enfim. Mas isso foi um marco pra mim porque essa mágoa ainda está na minha garganta (risos).
P/1 – Saindo um pouco da questão da mágoa, qual foi o seu momento que você se sentiu mais realizado?
R – Ahhh! Eu tive momentos gigantescos. Na inauguração da primeira linha, porque eu fui responsável pelos testes, então o sucesso da inauguração da primeira linha foi pra mim excepcional. Mas também foi quando eu consegui trazer... porque eu falei que eu era representante do Metrô na UTP. O negócio do chopper é o equipamento eletrônico que comando os motores do trem. Isso não existia no mundo! Nós somos o primeiro metrô do mundo a utilizar equipamento eletrônico chamado chopper. Os franceses chamam de _1:18:09_. Chopper é porque ele como cortador de carne. Então, quando o Metrô inaugurou um negócio desses o mundo ficou extasiado, o mundo técnico. E num seminário da UTP que eu participei, eu fui apresentar esse negócio do chopper. Então eles pediram pra se fazer um seminário sobre chopper no Brasil, em São Paulo. Vieram o presidente do metrô de Tóquio, vieram técnicos do mundo inteiro. Eu me senti realizado porque eu consegui trazer pessoal técnico de primeira. Eu me lembro que naquela época era o Souza Dias o presidente do metrô, levou a turma visitar a estrada, porque ele era mais rodoviário, o Souza Dias era da usina e do elétrico: “Ah, vamos visitar”, porque ia ser inaugurada a Rodovia Bandeirantes. Então fomos lá, foram oferecidas frutas e não sei o quê. Então me senti realizado por ter projetado o Metrô a nível internacional assim, trazer esse pessoal. E não é como o Congresso da UTP no Rio, que foi no Rio de Janeiro. Mas em São Paulo foi muito gratificante pro Peter, entendeu? Então houve momentos muito gratificantes, houve outros, mas esse é um deles.
P/2 – O senhor nessa fase de testes, ou não só nessa fase de testes, tinha algum ritual?
R – Ah, nos testes?
P/1 – Sim!
R – Putz! Outro dia eu estava arrumando a minha casa e eu gostaria de dizer que eu tenho, talvez, o maior acervo de livros e documentos do metrô, acho que nem a biblioteca do metrô tem, acho. Acho que não tem. E tenho, como chama, esse negócio de colocar?
P/1 – Braçadeira.
R – A braçadeira! Braçadeira, eu tinha feito braçadeira “equipe de testes”. Só podia entrar no local quem tinha essa braçadeira, eu ainda tenho essa braçadeira. Então teve coisas assim, fantásticas, durante a equipe de testes. Todos esses diretores, técnicos, foram engenheiros ou técnicos que participaram da equipe de testes. Então me lembro dos operadores, tipo _1:21:26_, vamos dizer, que ele já saiu da empresa, mas enfim. Lazarini, todos eles participaram dos testes, eu era o coordenador. Mas não era chefe, é bom dizer não era chefe porque todos participaram dos testes mas eu tinha uma certa, vamos dizer, autoridade porque não tinha a braçadeira não entrava (risos), então a equipe de testes pra mim foi muito gratificante. Como também a participação na equipe da concepção, vamos dizer, no projeto básico, a gente era admirado. Eu me lembro, no tempo da ditadura, quando nós fomos projetar a linha Leste-Oeste, tínhamos que escolher onde que vai o pátio, vamos pra Itaquera, aquele negócio do outro lado. Então era toda a equipe que ia lá a pé, então tivemos uma reunião com militar, que queria saber como nós vamos, a linha vai ficar aberta? Então vão jogar pedras! Porque tinha a imagem da rede ferroviária federal. Eles queriam nos impor de colocar um túnel externo, quer dizer, cobrir a linha. Quer dizer, são detalhes que você participa, você dá sua opinião. Eu era pequeno, não pensa que eu mandava alguma coisa, não. Mas participava da equipe, participei de toda a equipe de projetar a Linha 2, a Linha 3 e a Linha 4. E a 5 eu estava fora.
P/1 – E como foi a primeira vez que você andou de Metrô assim, tendo participado?
R – Eu participei dos testes, então eu andava muito.
P/1 – Então, quando você andou como usuário.
R – Apavorado (risos). Porque eu andava dentro do trem cheio de pedras. Enchia-se o trem pra verificar se... não pensa que eu ficar na cabine com o operador eu estava à vontade. Até hoje eu fico meio apavorado. Mas eu vou contar uma coisa também que fiquei, que o primeiro dia de metrô eu enganei. Eu entrei numa sexta-feira, então o Plinio Assmann recebia um por um, queria saber como é o seu nome, de onde vem. E então ele me convocou: “Amanhã você vai visitar a obra em São Judas”. São Judas era um buraco imenso, que você descia de escada de marinheiro. Eu tenho pavor de altura, pavor de altura. Por isso que eu tenho pavor de avião, eu só entro em avião, na base do uísque. Hoje já não dá mais pra descer também porque o meu braço, eu quebrei o cotovelo, estou com pinos aqui. Mas naquela época não, eu tinha força, não podia descer, mas tinha pavor. Então era uma turma de mais de 30 pessoas, o Plinio, ele descia e todo mundo foi descendo, eu fiquei por último. “Ah, último”, então enganei, fiquei lá fora. “Por onde vão sair? Acho que vão sair daquele lá”. Então quando eles saíram eu fiz de conta que eu tinha participado da visita. Foi talvez uma das poucas vezes que eu menti pro Metrô, viu? (risos). Mas me marcou, marcou. Você vê que naquela época o funcionário entrava e já se envolvia. Eu não tinha nada a ver com a estação São Judas, eu ia participar da parte elétrica, mas eu participava. Quer dizer, o Plinio fazia questão de todo mundo se envolver. Houve uma coisa que só o Peter fez. Ah, esta eu vou contar 90%, 10% eu não posso contar. O Metrô fez muitos acordos com o México, os nossos operadores iam lá no México pra aprender. Com o metrô de Caracas, nossos operadores foram lá pra ensinar o metrô de Caracas. Então havia um intercâmbio de ajuda entre metrôs. E houve duas empresas, a Engevix e a Promon que estavam fazendo projeto do metrô de Bagdá. Naquela época o Iraque estava em guerra com o Irã. E como o Saddan Hussein, bem estatal lá, eles exigiram que houvesse uma empresa estatal brasileira apoiando o consórcio, dando força ao consórcio, só representativo. Então o Metrô São Paulo pra ajudar o Brasil, vamos dizer, que são nacionalistas, se uniu e ficou pro Metrô dar o treinamento para o pessoal de Bagdá, as equipes de Bagdá. Então, foi a primeira, então Peter, que falava árabe, ia cuidar da turma dos engenheiros e engenheiras, tinha duas engenheiras e uma arquiteta e tinha três engenheiros. Os engenheiros tomavam conta das moças, putz, depois eu conto alguns detalhes interessantes. Aí chega a primeira vez chega pro contrato. Então, Engevix e Promon na porta do presidente do metrô de Bagdá esperando. Meia hora, uma hora. Aí o cara lá. “O presidente vai nos receber?” “Ah, não sei, talvez”. Imagina, ir do Brasil até Bagdá, sobrevoar os foguetes. Não! O aeroporto às escuras por causa da guerra. Nós ficamos no hotel Meridian daquela época, que depois foi bombardeado. Bom, mas enfim. E passar em cima do Líbano e ver os foguetes no Líbano. Mas chega lá, então o cara não vai receber? Aí eu fui falar com o cara, em árabe. “Eu sou egípcio”. Eles adoram. No mundo árabe, falou que é do Egito... que Egito é como se diria a Rede Globo, a língua do Egito é a língua entendida por todos. Eu não entendo iraquiano, não entendo libanês, o sírio libanês, mas eles me entendem, todos me entendem porque é a língua meio clássica, o Egito. Ah, ele foi lá: “Tem um egípcio aqui representando o Metrô de São Paulo!”, então facilitou. Isso foi. E aí me colocaram como coordenador. Quando veio a equipe eu dava aula, outros também davam em inglês, mas com eles eu ia passear. Pras moças irem em casa veio uma ordem do Saddam Hussein: “Pode, porque quem vai cuidar é um egípcio”, então só entraram na minha casa porque tinha a minha irmã, porque éramos egípcios. Pra ir pro Guarujá com eles foi também licença que veio de lá porque minha irmã ia junto (risos). Então tinha algumas coisas. Mas houve algumas vezes que eu levei elas, independente dos guarda costas que são os engenheiros, a gente se encontravam. Ai meu Deus, eles ficam preocupados porque eles eram engenheiros e eram também dedo duro pro regime lá. Porque mulher lá, imagina! Quando foi em Guarujá de roupa, entravam no mar de roupa. Mas tinha uma cristã no meio, aquela cristã, os caras lá bebiam, os muçulmanos bebiam cerveja. Os muçulmanos, com exceção dos xiitas, extremistas, os muçulmanos são, não tem nada a ver com o Corão diz que não pode beber, não pode comer carne. Comeram feijoada à vontade, carne de porco. E houve um incidente meu lá no Iraque. Porque eu queria visitar a mesquita proibida. Tem uma mesquita lá toda cheia, onde tem o neto ou sobrinho do Maomé enterrado lá. Isso era proibidíssimo para um cara que não era muçulmano. Eu falei pra eles, eles falam: “Não, mas você não é muçulmano”. Eu falo: “O que precisa fazer pra ser muçulmano?” “Precisa dizer (fala em árabe _1:33:10_ a 1:33:14_), fazer a declaração de que Deus é único e Maomé é o... Eu falei: “Bom, eu faço”. Então fiz, entrei. E tirei foto, uma coisa proibidíssima, proibidíssima. Às escondidas eu tirei. Aí eu saí, quando eu cheguei no Brasil recebi um telegrama. “Os filmes que você tirou”. Eu fiquei apavorado, vão mandar me matar, viu?”. Eu falei: “Não, o filme queimou”, porque naquela época era filme. Então são coisas que... e depois aconteceu um negócio que foi muito preocupante pra mim. Houve a guerra. Essa guerra última do Iraque, mataram, enfim, uma das moças fugiu para os Estados Unidos com o marido. Pra ter a residência lá, ela precisava mostrar o currículo. Então ela me mandou uma carta não dando o endereço pra mim, em árabe: “Peter, por favor, eu precisava de um atestado do Metrô que eu fiz o estágio lá”, como de fato tinha feito. Eu fui lá pro Gerente de Recursos Humanos, graças a Deus era um desses que passou lá. “Prepara a carta, eu assino”. Ele assina. Mas pra mandar a carta não foi fácil, eu tive apavorado. Porque se os americanos, a CIA descobrisse que ela, sei lá, era terrorista ou não era terrorista, imagina! Eu assinei a carta e o gerente de recursos humanos assinou também. Mas são coisas, atitudes, que eu tive que tomar por causa de ser metroviário e acho que fiz bem de mandar a carta porque depois nunca mais ouvi. Eu tenho tudo isso, o telegrama, eu guardo essas coisas como sendo, vamos dizer, relíquias.
P/1 – Peter, aproveitando que você falou de RH. O pessoal também tinha colocado como um marco pra ser perguntado sobre a greve de 88, se você estava na companhia, o que você lembra e como você viveu isso.
R – O presidente do Metrô era Antônio Sérgio, me adorava, me adora. Aliás, com Antônio Sérgio eu consegui fazer entrar o primeiro pintor em estação. Antes disso só tinha aquela Gontran Netto. Foi o primeiro. Eu conheci, ele tinha voltado de Paris, tinha ficado exilado 30 anos. É um cara revolucionário. Anárquico, não era esquerda, era mais que esquerda. Ele achava que, ele nunca vendeu um quadro, eu sou o único do mundo que tem quadros privados dele, porque ele me doou. “Não, vai vender pra rico!”. Então casado lá na França, casado aqui. O filho dele corresponde comigo. Porque o Gontran tinha muita dívida em mim porque eu o introduzi no Metrô. Depois eu vou falar... ele me foi apresentado, não sei por quem e falou: “Puxa, eu gostaria tanto de fazer painéis no Metrô”. Eu fui falar com o Antônio Sérgio: “Antônio Sérgio” “Peter, pode!”. Foi o metrô que escolheu Estação Itaquera, que estava sendo construída, já estava pronta. Estação Marechal Deodoro. E Marechal Deodoro era o bicentenário naquela época da Revolução Francesa. Como ele tinha sido em Paris restaurador do Louvre, então, ele me falou: “Peter, eu vou fazer uma homenagem à Revolução Francesa”. Na Estação Marechal, se você entrar tem dois quadros que eu acho, no meu entender, estão no meu Facebook. Entra no meu Facebook, tem esses dois quadros, da Marianne com a bandeira francesa guiando o povo. O autor da Marianne no Louvre, quando você entra no Louvre tem essa pintura de, daqui a pouco eu vou me lembrar. Marianne guidant le peuple. E aí ele fez a mesma Marianne só que guiando o povo brasileiro. E depois ele colocou o mesmo quadro com ela, em vez de ela de frente, ela de trás. Estão lá na plataforma de Marechal Deodoro. E também ele falou pra mim: “Peter, eu vou colocar aqui na escadaria um quadro sobre os direitos humanos”. Ele colocou os direitos humanos e foi colocar em francês, eu falei: “Mas ninguém vai entender”. Ele falou: “Ótimo, porque aí a pessoa pergunta o que é isso?”. Ele fez questão e o Metrô teve que aceitar, dele pintar lá. Então nos personagens dos direitos humanos tem o _1:40:07_, Fidel Castro, Che Guevara, todos os revolucionários estão lá. E ele fez um quadro lá no fim, dentro da estação, de um dragão tipo São Jorge, mas o dragão matando, a cara do dragão e está escrito U-S-A, só que pouca gente percebe. Quando o Antônio Sérgio foi ver, falou: “Peter! Pelo amor de Deus! O Quércia vai me matar! Isso é extremamente de esquerda!”. Eu falei: “Agora já está” (risos). Realmente, essa é a estação mais revolucionária que temos. Depois ele foi fazer a catedral de Itaquera, magnífica. Esse é o Gontran. Mas você me fez a pergunta sobre...
P/1 – A greve de 88.
R – A greve. A greve foi no tempo do Antônio Sérgio. Essa é uma coisa que me chateou porque teve, Antônio Sérgio tinha dado ordem: tem que escolher, em cada departamento, o cara que fez a greve e mandar embora. Foram os únicos que foram mandados embora e não foram aceitos mais. Então, houve no nosso departamento, éramos a equipe de projeto básico. Tinha o arquiteto MacFadden, famosíssimo, que fez toda: “Quê?” Ele que foi o organizador da greve. E o Lobo, que já morreu, que era da parte de civil, era também líder da greve. E tinha um menininho que tinha entrado ainda, chamava Paulo Benites que eu protegia. Um mocinho, uma celebridade de inteligência. Então os três participaram da greve e veio o departamento, houve essa ordem: “Peter, vamos mandar o menino embora porque não podemos mandar o MacFadden nem o Lobo”. Essa noite eu fui na casa do Antônio Sérgio onze horas da noite. Falei: “Antônio Sérgio, tira ele” “Peter! Amanhã eu vejo isso” “Não, você vai tirar já!” “Não”. E como ele gostava de mim, telefonou para o _1:43:25_ naquela época, era o chefe de recursos humanos: “_1:43:27_, tira esse rapaz, Paulo Benites da lista”. Porque o dia seguinte essa lista ia pro Quércia”. Aí o _1:43:41_ no telefone: “Peter, você está com um bombardeio, com um canhão em cima de uma formiga”. Eu falei: “É isto”. Eu tinha uma sensibilidade. Tiraram da lista, todos os outros, MacFadden, Lobo, foram... nunca mais puderam entrar. O Quércia deu ordem: “Na lista ninguém volta”. Esse pessoal ficou fora, entende? Foi uma atitude radical que eu achei que não foi boa porque o Metrô perdeu celebridades, tipo MacFadden, tipo Lobo e mais gente, que era gente boa, que era de esquerda, que era PT, não sei o quê, mas enfim, eram muitos metroviários. E até hoje eles estão magoados por terem sido mandados embora, entende? Eu não fui porque eu não participei da greve ativamente. Eu acho que as greves até certo ponto são injustas em relação aos que fazem a greve porque esses são punidos e os outros recebem depois os benefícios de greve. Mas é isto. É isto que você queria saber? Você vê que a minha participação foi (risos). Eu espero que a diretoria do Metrô, e principalmente o Governo, não ouça essa entrevista, senão vou perder minha consultoria, viu? (risos).
P/1 – O que falta nesse tópico...
P/2 – É o acidente.
R – O quê?
P/1 – O acidente de Pinheiros, a cratera.
R – A cratera, eu tenho a minha explicação pessoal. Muita gente discorda.
P/1 – Peter, onde você estava quando você teve a notícia do que tinha acontecido?
R – Graças a Deus eu tinha pedido a demissão do Metrô seis meses antes. Depois eu conto porque eu saí. Eu saí, enfim, porque o Metrô não queria. Vou voltar só isso aí. Houve um PDV em que todos os meus amigos, que ainda participavam do grupo de concepção ao sistema saíram. O Tadashi, João Paulo, Paulo Benites, todos esses saíram no PDV. Eu quis sair, a diretoria do Metrô não aceitou: “Não, você fica, você é patrimônio”. Aliás, eu sou uma das poucas pessoas que nos jornais do Metrô, eu tenho jornais do Metrô, escreveu assim: “O patrimônio da empresa, Peter”. Então, não me deixaram sair. Fiquei mais dois anos, mas eu não estava me sentindo já bem porque assessor do presidente, já estava cansado, eu queria, os meus amigos estavam lá na consultoria, eu falei: “Eu acho que vale a pena eu me aposentar”, eu já tinha mais de, acho que 200 anos de trabalho, eu disse, desde que eu cheguei no Brasil que eu trabalhei. Então, já dava pra aposentar, eu queria comprar um apartamento, esse apartamento maravilhoso em que eu estou. Então eu fiz as contas: “Se eu pegar do Metrô a indenização”, mas eu tinha que ser mandado embora. Então fui lá, falei com o presidente, era o Davi. Davi falou: “Não, Peter, nós não vamos te mandar”. Bom. Aí desesperado porque eu queria comprar um apartamento e já estava cansado. Daí eu fui falar com o Décio: “De jeito nenhum”, Décio também. Mas eu tinha um amigo nos Recursos Humanos, o chefe, eu fico esquecendo os nomes... o pintor da Marianne, Delacroix! Puxa vida, Delacroix! Bom, então os nomes me vêm. Isso não é totalmente Alzheimer, mas já estou no caminho (risos). Aí, fui pedir pro gerente de recursos humanos: “Por favor, eu queria ser mandado embora, o que eu faço?” “Basta que o diretor assine. Eu vou preparar o papel, mas precisa um diretor assinar”. Eu falei: “Décio não dá, ele falou. O presidente”. Então tinha o Viegas, que foi muito amigo meu. Eu falei: “Viegas, por favor”. Ele falou: “Eu também quero sair do Metrô! Assino”. Então passou. Eu saí do Metrô muito, muito bem. Quer dizer. Eu queria aposentar e não sabia como fazer. Eu não quero esse negócio de pedir aposentadoria. O Metrô falou: “Não se preocupe”, o mês seguinte eu recebi aposentadoria, tudo direitinho. Então me deram todos os meus direitos. Olha, não tenho nenhuma queixa em relação ao Metrô quanto a isso. Mas seis meses depois, mais ou menos, aconteceu o buraco. E eu tenho minha explicação, um pouco maldosa. Porque o Metrô, como eu falei, ultimamente ele terceirizava suas, entendeu? É claro que o Metrô continua controlando, mas eu imagino se estava naquela época o Leopoldo da vida, o pessoal que realmente tomava conta totalmente das coisas não ia acontecer. Então, eu acho que por questão de prazo, eu acho que houve uma imprudência, que não é de ninguém, mas foi o sistema. Esse negócio, o Metrô sofre, principalmente ultimamente, de pressões políticas imensas, tem que inaugurar isso, tem que inaugurar aquilo, e às vezes inaugura sem o 100% pronto. Quando eu coordenava os testes nenhum equipamento podia entrar sem ter feito testes exaustivos. Levou dois anos o trem sendo testado até operar, levou um ano o sistema de sinalização, o sistema elétrico. Hoje não acontece isso, hoje você marca a data, ainda está... quer dizer, todas as estações da Linha 5, o monotrilho inaugura e ainda não foram os testes. Quer dizer, testes de sinalização ainda estão continuando, não sei o quê, então, as pressões políticas. Isso não é a culpa do Metrô, mas o Metrô sofre isso. Eu acho que lá foi pressão política, no meu entender, que apressou o Metrô a fazer o túnel, não sei o quê. Eu não entendo muito a parte civil, mas deve ter sido isso, essa é a minha opinião.
P/3 – Deixa eu fazer uma pergunta, vou sair um pouco do tema.
R – Vamos pegar um tema mais leve (risos).
P/3 – Ai, droga!
R – Não, não, pode ser.
P/3 – É leve, mas é um pouco triste. Eu queria saber como é a relação sua e do seu irmão que era médico no Metrô. Como ele entrou. Se tiver problema, não...
R – Ah não, faço questão! Até hoje o pessoal do Metrô, porque ele era do convênio. Até hoje, tem um que... eu posso dizer, o Libone mensalmente ia no meu irmão porque meu irmão era médico tipo antigo, ele não mandava fazer mil exames. Entra lá, fazia exames, parecia um matemático, nota oito. Não, ele conversava. Então tinha filas pra falar com ele. Ele cuidou da minha mãe até os 92 anos por telefone. Eu nunca fui a médico até ele... só uma vez que o Sérgio Coalha me fez a operação de úlcera, mas isso também foi assim, exames do Metrô, manda fazer exame, ele viu: “Você vai!”. Mas com o meu irmão eu aparecia lá, claro, sem marcar. Ele tem as velhas lá, ele dava um minuto: “Entra, o quê que tem, como vai o Metrô, como vai não sei o quê? Porque tem um amigo seu que veio aqui, falou bem de você. O que você tem?” “Ah, sinto...” “Vai embora, você não tem nada!”. Ele tinha um diagnóstico perfeito e por isso que todo mundo gostava dele. Inclusive na minha família tem um fato que aconteceu, meu sobrinho, aliás, primogênito sobrinho, chama Paulo Roberto, primogênito, ele é diretor de uma empresa lá e tinha que fazer os exames médicos e ele falou: “Vou no meu tio”, filho do irmão dele, esse está vivo. Foi lá: “Tio Fred, me faz o exame”. Mediu, falou: “Escuta, você sai daqui, vai fazer uma ressonância magnética do fígado”. Ele falou: “O quê? Mas eu estou...” “Vai fazer já! No primeiro hospital”. Foi lá, ele ficou no hospital porque tiraram o fígado dele. Aí o médico lá do Sírio-Libanês falou pro meu sobrinho: “Mas quem que fez o diagnóstico?” “Foi meu tio” “Olha, nota dez” porque tinha um tumor interno, mas ele tinha um diagnóstico. Por isso que as mulheres adoravam ele, que as mulheres: “Eu estou no” “Você não tem nada”. Ou quando ele descobria: “Você vai ter que fazer um exame”. Enfim, então foi muito dramático pra família porque ele estava clinicando até praticamente o final, mas a mulher dele, de tanto fumar, ela andava com negócio lá, mas era a mulher dele. Os filhos todos fumantes, um filho que é diretor da Volkswagen, outro é um dos grandes advogados, a filha uma arquiteta. Outra filha, inclusive neurocirurgiã, então os filhos estão formados casados e ele ficava com a mulher. E a mulher com aquele negócio lá, uma enfermeira, duas enfermeiras, quando ia numa festa ela carregava aquele negócio lá. E no final ela piorou, mas ela estava lá. Quando morreu a esposa ele ficou muito abatido, acho que dois meses depois ele morreu. Mas morreu assim, em casa. Quando chamaram eu fui na casa dele, foi terrível, foi terrível. Perder um irmão, uma irmã, eu acho que é muito, muito pior do que perder uma mãe e um pai porque é uma parte sua. Dos sete morreu minha irmã que morava comigo, esse foi dramático porque ela morava comigo, até hoje tem coisas dela. Eu doei tudo que não queria, mas o quarto dela ninguém, ainda está fechado. Isso ela morreu três anos atrás. Depois morreu o meu irmão em 2018 e um mês atrás morreu a outra irmã. Então me atinge porque eu vejo, no Gethsêmani não tem mais lugar (risos), vou ter que comprar mais um. “Ah não, mas eles colocam”. Eu falei: “Não! Minha mãe e minhas irmãs de jeito nenhum vai colocar em pó”. Então é o fim da primeira geração. Nós temos quatro gerações. Eu costumo dizer, quando se reúne tem primeira geração, a segunda geração são 14, casados. E a terceira geração são 14 ainda. Eu só dou presentes agora pra terceira geração (risos). Tem um que tem dois anos, enfim, é a terceira geração. É uma geração que veio do Egito não temos, quando a gente reúne a família no Natal, reúne cem pessoas e tudo isso nasceu da minha mãe em e meus irmãos, não tem gente de fora que veio, quer dizer, só os casamentos. Então, atinge muito.
P/1 – E você se casou ou tem filhos?
R – Não. Eu quase casei umas duas vezes, mas não vou dizer, circunstancialmente meu irmão gêmeo casou e tem um neto agora que chama Caio, que é o xodó da família, Caio. Ele tem uma neta chamada Júlia, o pai da Júlia é almirante da Marinha. Mas enfim, não casei porque não casei, mas uma das circunstâncias do não casamento é herdar. Eu herdei minha mãe e minha irmã. Minha irmã foi nos Estados Unidos depois trabalhar lá, depois eu tive que correr lá porque ela entrou numa depressão imensa. Corre lá, pega o avião pra ir lá buscá-la em Los Angeles. Viver em Los Angeles, a mulher que vive em Los Angeles que não sabe dirigir é suicídio, suicídio, porque Los Angeles é uma cidade só de carro. Enfim, então eu herdei minha irmã com minha mãe. Depois, quando minha mãe morreu, minha irmã ficou sozinha. A irmã era a mãe de todos. Ih, para eu me desfazer dos milhões de coisas que ela comprava. A igreja do padre que eu gosto herdou bem (risos) coisas dela. Mas até hoje tem coisas delas que eu não sei o que fazer. A outra irmã que morreu tem duas filhas e um filho, então eles levaram um mês pra se desfazer das coisas. Mas eu acho que foi bom e não foi bom. Foi bom não casar porque eu pude criar uma vida paralela, quer dizer, os poucos namoros que eu tive, o último eu rompi, não foram... eu não aguentaria aquela.
P/1 – Você casou com o Metrô, né?
R – Casei com o Metrô! (risos) E ainda, por isso que eu acho que essa pequena consultoria que eu consegui, graças a um diretor que me adora e que eu adoro, que chama Meca, mas ainda me liga o Metrô. Isso que eu estou fazendo hoje foi o maior prêmio que eu recebo do Metrô porque eu também pedi pra escrever dois artigos na revista dos 50 anos. Eu ter a camisa, eu praticamente roubei a camisa porque a camisa não foi distribuída, mas eu fui lá, me arrumaram a camisa dos 50 anos porque pra mim... eu não brinco quando eu falo, os quadros do Gontran eu não tenho pra quem doar. Eu estou fazendo a imagem de São Francisco já sei quem vai levar, esse negócio vai lá pra igreja, esse aqui vai praquele sobrinho. O único problema que eu vou ter é o apartamento, mas o apartamento vai pra família toda, o que eu vou fazer? Mas os quadros, os livros eu me comprometi. Os livros, são livros valiosíssimos, de todos os metrôs do mundo, isso eu vou doar pro Metrô, pra biblioteca do Metrô, isso eu já decidi.
P/1 – Que legal!
R – É. Porque tem livros sobre metrô do mundo todo, tem até documentos do Metrô, o livro azul, tem na biblioteca o livro azul, mas eu tenho tudo do Metrô. Tenho a braçadeira dos testes (risos).
P/1 – É o capitão dos testes (risos).
R – Então, até um certo ponto eu sou casado com o Metrô porque eu até hoje, qualquer notícia do Metrô eu mando pra todos os diretores, entendeu? Mando por WhatsApp, pam pam e dou meu comentário. O último comentário saiu o quê? O Metrô tem nota seis. Mas eu expliquei, aquela que fez a pesquisa odeia o Metrô, por isso que colocou uma nota seis. Então, eu sempre faço meus comentários, positivos ou negativos. Não pode acontecer nada no Metrô que eu já estou 24 horas vendo noticiário pra ajudar. Então realmente eu sou ligado. Se me falarem: “Olha, Peter, você está proibido de falar do Metrô”, ninguém vai dizer isso, acho que eu morro. Por isso que eu achei aquela fala do secretário público, diante de 800 pessoas: “Eu tenho direito, você sabe que eu posso te mandar embora já!”, por causa do bilhete único, nunca vou esquecer. Depois eu me tornei amigo, acho que ele nem se lembra, quer dizer, me tornei amigo, mas essa mágoa ficou. Mas enfim, porque eu sou realmente casado com o Metrô.
P/1 – Peter, últimas perguntas pra gente finalizar.
R – Sim.
P/1 – Como você imagina o Metrô daqui a 20 anos?
R – Eu estou muito preocupado com o Metrô, muito preocupado. Se não tiver um controle do planejamento das linhas do metrô pelo Metrô de São Paulo eu não acho que ninguém – eu vou repetir isso 500 vezes – porque é um acervo intelectual que a equipe do Metrô tem. Não é A, B, C é a companhia que tem. Se não tiver o Metrô controlando onde que vai construir linha, como vai construir linha, não é nada, você está dando a concessão pra CCR. CCR é uma empresa rodoviária, mas enfim, ela quer ganhar dinheiro. Ela vai daqui a cinco anos substituir toda a parte eletrônica? A cada cinco anos precisa substituir a parte eletrônica. Vai substituir? Ela vai se modernizar? O cara que está na Linha 1, 2, 3 vai botar automação integral depois se ficar concessionado? Então, o concessionado quer saber quantos usuários tem, quando dá, se cobre. Então estou preocupado porque o Metrô, eu falei isso com o secretário, ele falou pra mim: “Não vai, a agência”. Eu não confio nas agências porque, até citou a Artesp. “Ah, mas a Artesp vai”. Ah, a Artesp não cuida de nada disso, não vai cuidar dos detalhes. O Metrô é um sistema que depende de detalhes, depende do CCO dar uma ordem errada pra acontecer um acidente. Então, eu estou muito preocupado, se você quiser saber. A não ser que, por decreto ou a Companhia do Metrô criar um setor, esse setor vai cuidar das linhas concessionadas. Com o CCO de todo esse. Então você me diz, se acontecer isso, então o Metrô está salvo. Se não houver isso. Você diz: “Você se baseia em quê?”. Eu me baseio na rede ferroviária federal. A rede ferroviária federal tinha uma central no Rio de Janeiro, cuidava de tudo e estava indo bem. Quando ela começou a degradar? Quando houve a separação, se cria uma CBTU, entende? Você sabe o que está acontecendo com a CBTU? Eu estou seguindo. Metrô de Recife quase fecha, quase fecha, porque não tem dinheiro pra pagar os operadores, as peças de reposição. Eu estou escrevendo um artigo que vai sair. O cara do Metrô de Recife. O Metrô de Recife, 20 anos atrás, ele concorria com o Metrô São Paulo em termos de eficiência e limpeza. Hoje estão canibalizando. Então tem metade da frota, separaram pra pegar peças. Metrô de Belo Horizonte, mesma coisa, Transurb, eu não posso falar porque já fiz a declaração pro Diário Gaúcho e tenho medo que até publiquem. Os trens, tem trem que as engrenagens, olha, está o fim! Então, eu tenho medo que aconteça isso no Metrô São Paulo. Graças a Deus a CCR, por enquanto, está cuidando bem da Linha 4. Por que está cuidando bem? Porque ainda o Metrô não se desligou muito da Linha 4. Mas o dia que tiver concessionários que você não sabe quem é, que vai pegar a CPTM. Veja, a CPTM não consegue se tornar um metrô, faz uma linha mas não consegue porque não tem a cultura que tem o Metrô de São Paulo, entendeu? Então, eu fico preocupado, então não posso ser otimista, não posso. Pronto.
PAUSA
P/1 – Peter, o que você achou de contar essa história pra gente?
R – Ah, eu vou te dizer, vou dar um segredo. Meu sonho era contar essa história da família, que foi uma, é uma saga, em livro. Eu tenho uma grande, modéstia a parte, capacidade de escrever, tenho. Mas eu só escrevo sob pressão. Então todos os artigos que eu escrevo, por exemplo, tem um artigo que tem que entregar depois de amanhã, então, escrevo sob pressão e sai. A história da minha vida, primeiro eu não sabia se tinha que escrever em francês ou em português. Aí decidi escrever em português. Depois não sabia se devia citar nomes. Nesse cordel, que o Klévisson fez, a História de Peter Alouche ou a Miragem do Destino, ele bota nomes e a minha família não gostou: “Botar o nome das irmãs, dos irmãos, do pai, da mãe!”, não gostaram. Então hoje eu realizei meu sonho, contar a história da minha vida sem precisar, sob pressão, agora acabou, não vou mais precisar escrever a história da minha vida. Mas vou escrever a história do Metrô. A história do Metrô vou escrever, posso contar? Mas vou doar, fechar num cadeado: “As Viagens com os Presidentes”. Como estão todos vivos eu não vou publicar agora, quando eu morrer (risos).
P/3 – Peter, qual é a importância do Metrô na sua vida?
R – Eu acho que foi tudo. Foi tudo. Eu vou te dizer, até, isso são pequenos segredos. Até eu me formar eu não comprava uma Coca-Cola pra tomar, não comprava um sanduíche porque achava que isto era minha irmã, meu irmão que trabalhavam. Então eu tive uma adolescência e até me formar muito dramática. Eu fiz estágio, isso me salvou um pouco, dava um pouco de dinheiro, mas se eu tivesse que recomeçar a vida eu não ia no São Luís. Posso contar a história do São Luís ou está tarde?
P/1 – Pode contar.
R – Quando nós chegamos meu tio tinha falado: “Vocês dois estudaram nos jesuítas lá no Egito, vocês vão estudar nos jesuítas aqui, São Luís”. Só que os jesuítas aqui eram de origem espanhola, quer dizer, brasileiro mas a linha espanhola. Lá eram de origem francesa. “Vocês vão estudar lá”. Quando ele morreu minha irmã e nós fomos lá no reitor da escola São Luís. Essa história é verdadeira, todos os que estão lá sabem, tem um cara de _2:15:02_ falou: “Olha, eu me lembro disso”. Fomos lá, o reitor falou: “Ah não, vocês imigrantes, aqui só tem quatrocentão”. Realmente, eu tive como colegas Ribeiro, o dono do _2:15:25_ Ribeiro, todos os nomes, Machado, não sei o quê, todos nomes tradicionais. O Suplicy, entendeu? “Não, vocês não podem entrar”. E depois é muito cara, nós não tínhamos um centavo pra pagar. E aí nós escrevemos, naquela época tinha que escrever, para o chefe dos jesuítas, que é o que chama Papa Nico, ele é o reitor de todos os jesuítas do mundo, ele era belga naquela época. Ele frequentava a casa quando eu ia no Egito, porque o Egito, como eu te falei, o Cairo é subúrbio da Europa, então o cônsul da França vinha em casa. Então nós escrevemos pra ele e ele deu ordem pra receber meu irmão e eu de graça, absolutamente de graça. Então nós entramos sem pagar um centavo, no meio daqueles ricaços. Aula de Matemática, primeira aula de Matemática, dez, dez. Nós deslocamos, todos os primeiros lugares foram deslocados pra terceiro ou quarto. Aula de francês, dispensados. Não (risos). Aula de inglês, dispensados. Aula de Matemática, dispensados. A gente sabia logaritmo. Enfim, o ensino lá era muito, muito. Francês mais árabe, então. Eu não preciso dizer, eu tenho prêmio São Luís de melhor aluno de todas as salas, é, tenho. Isso, mas enfim. Então, os nossos amigos quatrocentões fizeram um abaixo-assinado pra nos mandar embora, o que esses caras? Mas eles começaram a nos aceitar porque as mães dos alunos falavam francês naquela época e queriam praticar o francês. Então nos convidavam. Então os alunos começaram a nos aceitar, entende? E nós conquistamos. Mas não foi... agora, eu nunca me senti bem com os colegas ricos, nunca. Também no Mackenzie eu tive bolsa integral, mas lá tinha que provar que era pobre e tinha que ser primeiro lugar sobre todos nos cinco anos. Então eu fui. Mas não é bom quando você está... hoje meus sobrinhos todos têm recursos com escola privada, mas se eu tivesse que refazer eu não ficava em escola de rico porque você tem alguns detalhes idiotas. Por exemplo, naquela época o São Luís fazia contribuição pra piscina que eles construíram. Eu não podia pagar. Fazia excursões, então, você se sente humilhado, gozado. Não sei como são os pobres hoje, acho que a mentalidade mudou, mas naquela época... porque eu já fui da elite, lá no Egito, então eu me sentia rebaixado. Eu não tenho nenhuma queixa dos jesuítas, exceto algumas coisas, eram ideias jesuíticas, opus dei. Então a maçonaria é coisa do diabo, o espiritismo é coisa do diabo, não sei o quê, pecado mortal. Eu sou católico de Santa Teresinha. Faz o que você quiser, enquanto você não fizer mal pra ninguém então tá ótimo. Então, por isso que eu digo que eu não tive uma juventude, uma adolescência muito feliz, por causa dessas coisas. Pronto.
P/1 – Posso pedir uma gentileza?
R – Sim.
P/1 – Não sei se tem alguma estrofe que o senhor goste bastante, de algum dos dois cordéis. Eu queria que o senhor lesse um trecho que o senhor goste muito pra gente.
R – Eu vou dizer só a última estrofe do meu cordel. Esse cordel chama “Encontro no Metrô”. Recebeu o prêmio, primeiro lugar, no concurso do Metrô de cordel. Não, vou ter que ler três estrofes.
P/1 – Pode ler.
R – “Quem tu és, nosso gentil de coração caridoso? Boa gente, anjo querido, se oferece generoso, devolver-me a cor perdida de um caminho esperançoso. Por que me estende a mão e não me trata de insano? Ouve com suavidade, age tal samaritano. Quem estude a verdade, agente metropolitano. Diga-me logo seu nome, metroviário de luz, que no caminho da fé esse cedo conduz. Responda, quem é você? Meu irmão eu sou Jesus”. A história é um cara que entra no metrô em dia de Natal e vai se suicidar porque ele está sozinho, veio do Nordeste, abandonado. Encontra um agente do metrô que se torna amigo dele. Ele o conduz, mostra as estações, etc e no final ele diz: “Eu sou Jesus”. Essa é a estrofe que eu gosto. Não, da história da minha vida, eu acho que as duas últimas estrofes, o Klévisson me colocou lá no céu. E como eu preciso me levantar, eu vou ler. “Parabéns a Peter Alouche, Deus desse a fortaleza, pois na coragem do homem está sua grandeza, num coração de bondade que transborda de humildade, tem uma luz com certeza. Peter Alouche, no Metrô, tem feito sensacionais, além de ser o construtor, edificou muito mais. Pro Metrô é importante pois é seu representante em fóruns internacionais”. Pronto.
P/1 – Pra finalizar.
R – Sim.
P/1 – Peter, hoje, qual o seu maior sonho?
R – Ah, é difícil! Quando eu vou citar São Paulo sem ser muito evangélico, é, eu fiz o bom combate, agora entrego. Meu maior sonho é, honestamente, eu sou trágico, mas eu vou dizer: é não sofrer de doença. Eu quero fazer uma declaração pública, eu sou a favor da eutanásia, pronto! Se eu tiver que sofrer, me dão uma injeção que eu não quero sofrer e não quero fazer sofrer ninguém. E quero que tudo o que eu acumulei não seja jogado fora. Eu vi com a minha irmã, com meu irmão, não saber o que fazer com aquilo. A roupa doa, mas meus quadros, que eu adoro, vão um a cada um. Meus livros vão pra Companhia do Metrô São Paulo, isso já decidi. Não, tem livros de literatura francesa que você não imagina! Tem toda a literatura francesa, está lá. Literatura inglesa também. Bom, então, eu quero partir sem saber que eu estou partindo, em paz. E não quero sofrer de doença, quero estar feliz como eu estou, continuando a trabalhar para o Metrô de São Paulo. Eu tenho o que contribuir. Falei isso pro diretor, principalmente com essa questão das concessões, eu acho que eu tenho tudo. Eu só não gostaria de trabalhar para uma empresa concessionária porque eles só pensam em dinheiro. Eu quero ajudar ao Metrô a não degradar. Eu tenho feito através dos meus artigos. Mas enfim, vamos ver. Tá bom? Obrigado.
P/2 – Então em nome do Museu da Pessoa e do Metrô de São Paulo, Peter, muito obrigada.
R – Eu que agradeço, é um privilégio, não resta dúvida. É um privilégio, é uma exceção que me foi dada, eu não sei se mereço, mas pra mim foi o maior presente que eu recebi como metroviário. Honestamente. Eu pensava que fosse a camisa lá dos 50 anos, mas esse aqui foi o maior presente. Muito obrigada.
P/2 – Obrigada, Peter.
P/1 – Obrigada.
FINAL DA ENTREVISTA
Recolher