P/1 – Dedê, a gente vai começar a entrevista, fala o seu nome completo.
R – Meu nome é Clébio Ferreira de Souza.
P/1 – Que dia e em que lugar você nasceu?
R – Dia 06 de setembro de 1984, eu nasci em São Paulo.
P/1 – Você, se for falar do seu pai e da sua mãe, o que você pode dizer deles?
R – Falar do meu pai e da minha mãe? Que eles são umas pessoas maravilhosas, lindas, que eu admiro até hoje.
P/1 – Os dois são vivos?
R – Sim.
P/1 – Que lembranças você tem do seu pai, assim, na sua infância?
R – Meu pai, na minha infância? O meu pai, um homem tranquilo, bem calmo, muito trabalhador, né, metalúrgico e sempre trabalhou muito pra manter a casa, né?
P/1 – Vocês são em quantos irmãos?
R – A gente é em quatro irmãos.
P/1 – E sua mãe, que lembranças você tem da sua infância?
R – Da minha infância? Minha mãe também é uma guerreira, ela foi costureira e ela trabalhou, ela trabalhou junto com meu pai num negócio que eles abriram, que era uma firma de zincagem e ela também trabalhou muito com ele e a gente ficava no meio dessa firmazinha que eles tinham.
P/1 – O que é zincagem?
R – Zincagem é uma firma que... Zincagem é um... Que zinca peças de ferro, que fica cromado, todo mundo entende como cromado, mas é zincado.
P/1 – Seu pai trabalhou com metalúrgica aqui em Perus mesmo?
R – É, ele começou no Bairro do Limão, onde a gente morava e, quando veio pra Perus, aí ele montou um negócio aqui em Perus e aí minha mãe ajudava ele.
P/1 – Você tem mais três irmãos.
R – Sim.
P/1 – Mais velhos, mais novos?
R – Eu tenho um irmão mais velho, Cleverson, meu irmão gêmeo, o Cleiton, e uma irmã mais nova, Danila.
P/1 – E as brincadeiras de vocês quatro, você lembra?
R – Ah, a gente brincava, a gente brincava muito na rua, ah, empinar pipa, jogar bolinha de gude, mãe na mula, elástico (risos), meu, a gente brincava, carrinho de rolimã, depois que a rua foi asfaltada, aí virou outro patamar a brincadeira, aí virou carrinho de rolimã, futebol na rua, mas sempre a gente brincou muito na rua, em casa também, né? Quando era mais pequeno, até uns sete, oito anos, a nossa mãe não deixava a gente sair na rua, aí a gente ficava em cima do portão, vendo a galera passar na rua, sabe?
P/1 – Vocês mexiam com as pessoas?
R – Não, era tranquilo até.
P/1 – Você falou que morou no Bairro do Limão, você morou pra Perus com que idade mais ou menos?
R – Então, eu morei no Bairro do Limão quando eu nasci, até seis anos, aí seis, sete anos, a gente mudou pra Perus.
P/1 – Você lembra dessa mudança?
R – Sim, nossa, total! Porque foi bem quando a gente entrou na primeira série da escola e aí o meu pai ainda trabalhava no Bairro do Limão e a gente morava em perus, então pra gente era muito longe pra ir estudar, né, que a gente estudava no Bairro do Limão ainda. E aí a gente ficou acho que uns dois, três meses, que não tinha vaga aqui na escola, estudando lá e, meu, era um dia bem longo, eu lembro que era um dia bem longo (risos), que aí era, nossa, aí depois tinha que pegar o transporte público, o ônibus pra Perus, Perus era muito longe. Essa transição foi muito louca pra gente porque, como a gente era pequeno e a gente vinha de ônibus, a gente não vinha de trem, né, e o ônibus era muito longe pra chegar em Perus. Quando o meu pai comprou o terreno em Perus, minha mãe queria morrer porque, mano, era o fim do mundo e o bairro era muito pequeno, as ruas de terra, não era desenvolvido como é agora, né?
P/1 – Vocês iam de ônibus e voltavam com o seu pai?
R – Não, a gente ia de ônibus com o meu pai e voltava com ele também.
P/1 – Mas ficava o dia todo, assim, fora daqui?
R – É, a gente ia pra escola, ficava, ah, mas foi bem no começo, quando a gente mudou pra Perus e aí depois a gente conseguiu vaga na escola e aí foi estudar na escola perto de casa, perto da casa da minha mãe.
P/1 – Você lembra de como era essa escola aqui em Perus?
R – Sim, ah, a gente lembra, é bem interessante, que a gente desenvolve trabalhos lá ainda, então a gente voltou lá depois de... Agora, né, depois de, sei lá, 20 anos depois, encontra os mesmos professores, com a mesma pedagogia e a gente fala: “Nossa!” Foi legal porque teve um ano que a gente foi dar formação pros professores que me educaram, então esse dia foi muito louco, assim, porque eu falei: “Pô!” – e ele foi bem receptivo, sabe? E aí também a gente recebeu vários professores da escola, do Júlio de Oliveira, pra ter oficina aqui na Quilombaque, então a gente ainda tem um contato com eles, isso é bem legal.
P/1 – Júlio de Oliveira é a escola, essa escola que você estudou desde a primeira série?
R – A gente estudou da primeira série até a sexta série.
P/1 – Mas na época ainda que você era criança, depois adolescente, como era a escola pra você?
R – Ah, a escola era... Ah, era legal, eu gostava de ir pra escola, a gente gostava, eu e o Fofão gostava de desenhar, meu, a gente era bom na aula de Educação Artística, que a gente fazia um monte de desenho, a professora pirava nos nosso desenhos e nós nem sabíamos que era, né, tinha algum pezinho na arte, que a gente ia pra esse viés, a gente gostava de desenhar o folclore, né, (risos) nós desenhávamos o saci, desenha, ah, desenhava esses desenhos, a professora pedia, a gente gostava de desenhar e jogar futebol. Nossa, a gente era muito, a gente, o que mais fazia era jogar bola na escola, a gente ia mais cedo pra ficar jogando e saía da escola e continuava jogando, sabe, o dia inteiro jogando bola.
P/1 – Dedê, você pegou esse apelido como?
R – Então, do meu irmão mais velho, do Clevinho, quando era criança, meu, desde quando eu me conheço por gente, eu tenho esse apelido, (risos) então eu não sei de quando que é, mas é desde quando eu era bebê, né?
P/1 – Você não sabe por que que ele te chamou assim?
R – Dedê, não sei, nossa, boa pergunta, né, Dedê, porque eu e o Fofão, gêmeos, né, a gente era muito igual, e aí o Fofão, que ele era mais gordinho que eu na época, e aí eu não sei porque me chamam de Dedê, é uma boa pergunta, mas sempre me chamaram e eu aderi e está tudo certo.
P/1 – Como que é ter irmão gêmeo? Conta alguma coisa de vocês juntos.
R – Nossa, ter irmão gêmeo é uma coisa muito boa que tem, só quem é gêmeo sabe como é bom ser gêmeos.
P/1 – É?
R – É muito emocionante.
P/1 – Como assim?
R – Porque a gente tem uma conexão, meu, a gente tem uma conexão do pensamento, sei lá, sabe, da gente... Igual eu pensar uma coisa e o Fofão falar, da gente ter mó sintonia, é muito doido, de ele ficar doente e eu também ficar, essas coisas existem.
P/1 – É?
R – É.
P/1 – Até hoje é assim?
R – Até hoje, a gente é uma pessoa só dividida em dois corpos. (risos)
P/1 – E quando vocês eram pequenos, tinha história assim, das pessoas confundirem?
R – Nossa, todo mundo pergunta: “Vocês são irmãos gêmeos?”, a gente com a roupa igual, cabelo igual, tênis igual e aí as pessoas: “Vocês são gêmeos?”, (risos) mano, todo mundo fazia isso, todo mundo perguntava se a gente era gêmeos, a gente: “Não! Lógico que é gêmeos, né?” E aí depois, depois, eu acho que com... Minha mãe, né, tradição, né, de gêmeos, usar todas as roupa tudo igual, andar tudo com tudo... E aí depois, acho que com uns 12 anos que a gente começou a se rebelar e cada um usar a roupa que queria, ter esse poder de escolha, (risos) Pelo menos de não vestir igual, né?
P/1 – Tem uma identidade sua e do seu irmão?
R – Identidade?
P/1 – Assim, vocês tem muita conexão, mas tem uma coisa que é mais você e outra coisa que é mais o Fofão?
R – Ai, uma coisa que é mais eu e uma coisa que é mais...
P/1 – Na convivência de vocês ou aqui.
R – Ah, eu sou mais legal, ele é mais chato. (risos) É zoeira, eu não sei. (risos)
P/1 – Você estava falando da escola, né, que vocês faziam tudo isso, mas teve algum professor, assim, que foi bastante marcante pra você?
R – Ah, eu acho que sim, ah, na escola, é porque a escola é muito grande, mas na escola infantil tem a professora de Artes, que é a Ana Paula, que ela foi bem marcante pra gente.
P/1 – Por que ela foi marcante?
R – Ah, pelo, porque a gente gostava de desenhar, de pintar e ela, nossa, ela é uma professora muito gente boa, massa, assim, pra caramba.
P/1 – Você disse que fazia bastante saci, essas coisas, de onde vinham essas imagens?
R – É do folclore, é da escola mesmo, o saci, a mula sem cabeça, (risos) esses desenhos que nós fazíamos, mas estou falando disso, quarta série, né, tinha dez anos.
P/1 – Não era em casa que tinha?
R – Era lição de casa ou na escola, alguma coisa desse tipo.
P/1 – Não era uma... Esses desenhos não foram mostrados pra você em casa, não, foi na escola mesmo?
R – É, foi na escola.
P/1 – Vocês gostavam muito de desenhar, você sabe como que isso foi acontecendo? Teve alguma influência da sua família, da sua mãe, do seu pai?
R – Não, não sei porque, acho que foi da escola mesmo, mas a gente sempre gostou de desenhar.
P/1 – E depois, quando você foi ficando mais adolescente, era a mesma escola?
R – Foi a mesma, não, então, a gente estudou nessa escola da primeira a sexta série, aí na sétima série, a gente tinha 12, 13 anos, né, 12, 12 anos, mandaram a gente pro noturno, pra estudar à noite, porque a escola era... É bem precária a educação aqui em Perus, então mandavam os alunos muito cedo pra estudar das sete às 11 da noite. E aí, na época, a minha mãe ficou louca com a escola e aí a gente foi estudar numa escola particular, que aí fizemos a sétima e oitava série e o primeiro ano, que aí a gente teve que sair, por causa que ela não queria que estudasse à noite, a gente era também muito novo pra estudar à noite, mas era a opção que tinha no bairro, ou você estudava à noite ou não estudava.
P/1 – Você sentiu muita diferença entre as duas escolas?
R – Ah, total.
P/1 – O que você achou?
R – Ah, a escola particular era uma escolinha, que a gente, nossa, zoava, nessa escola a gente zoou bastante porque a gente vinha de outra formação e era uma galera meio... Ah, a gente tem vários amigos até hoje dessa escola, que é massa, assim, que também frequentam o Quilombaque, mas era outro, outro, era outra história, né, tanto de espaço, era um espaço muito pequeno, era uma coisa muito quadrada, você tinha que... A gente detestava usar uniforme, não gostava de usar uniforme, tinha que usar uniforme e era uma escolinha meio chatinha, assim.
P/1 – E a moçada, os amigos, vocês tinham amigos na outra escola? Como é que foi essa passagem?
R – É, a gente tinha amigos na outra escola que também permaneceu vários amigos, né, como a escola era perto de casa, a gente tinha contato com as pessoas também na rua, da rua e tem amigos que a gente convive também até hoje, da escola, desde a escola da primeira série.
P/1 – Dedê, e quando você foi ficando adolescente, agora fora da escola, o que vocês faziam, assim, no bairro? Quais eram as diversões?
R – Quando era adolescente?
P/1 – É.
R – Ah, a gente tinha a Alternativa Music House, (risos) a Alternativa era uma danceteria que a gente... Era uma das danceterias mais antigas do bairro e a gente frequentou nas matinês, na época eu tinha 11, 12 anos, abriram a matinê pra tomar banho de espuma (risos) e a gente ia pra essa danceteria, que era perto de casa, né?
P/1 – E os seus pais concordavam?
R – É, era das duas às seis. Só que aí, depois, a gente queria ir à noite, porque a gente, como eu e o Fofão, a gente sempre conviveu com os amigos mais velhos nossos, né, que era irmão do meu irmão, que o meu irmão é mais velho dois anos, e aí eles iam, a gente queria ir junto e aí a gente dava um jeito também de ir, começar, depois que a gente frequentou a matinê, aí a gente queria ir à noite, sabe?
P/1 – Chegaram a ir?
R – Ah, chegamos.
P/1 – É?
R – Eu ia com a minha tia.
P/1 – Ah, tá. (risos)
R – (risos)
P/1 – E gostava de dançar, Dedê?
R – Ah, dançava, era uma diversão do bairro, né, não tinha muita opção, eu acho, né?
P/1 – E a música do bairro, do pessoal do bairro, né, dos seus amigos?
R – Na época, essa danceteria, eu tinha 12, 13 anos, a gente escutava, chamava de underground (risos), que era música do Prodigy, essas, era a música do momento, né, da época, que era.
P/1 – Tinha rock?
R – Ahn?
P/1 – Rock.
R – Não, era underground.
P/1 – É o quê?
R – Underground era música meio Prodigy, mas tinha uma, esse salão tocava de tudo, tocava samba, tocava rap, era uma mistura que cabia todo mundo, então não tinha essa divisão de gênero nesse espaço.
P/1 – Mas e fora dessa danceteria, os amigos seus assim, curtiam que música, você e eles?
R – Então, aí, depois, já mais adolescente, a gente começou a ir pra outros lugares, aí tinha meus irmãos, curtiam mais rap, que a gente já se encontrava pra escutar rap e eu escutava música eletrônica, drum’n’bass, que eu já tinha... Comecei a frequentar lugares que tocavam música eletrônica, assim, escutar Django, esses sons assim.
P/2 – Era clubber. (risos)
R – Não era clubber, não era clubber, não.
P/1 – Eu estou esperando chegar o tambor. (risos)
R – Não, então, isso...
P/1 – Como chegou o tambor?
R – Então, é que aí isso foi depois de um tempo, com uns 15 anos. Aí 15 anos eu comecei a frequentar umas raves, que era bem massa, sabe, você pegava, ia pro interior e era umas mega festas, tinha umas tendas de circo, grande, e nisso começou, né, moleque, saía daqui e ia pra umas rave, via de tudo, um monte de coisa. E aí eu comecei a ter outros pensamentos, até na questão cultural, na questão da linguagem de música eletrônica, de ver os DJs, de ver as produções de festa, eu fui em várias festas, que cada festa tinha um tipo de produção, sabe, que era muito massa, assim.
P/1 – Além da música, você se encantava.
R – É, já fui numa festa que tinha um balão, que você podia passear de balão, tinha... Tinha cachoeira de fogos, assim, meu, era uma coisa muito loucas, você ficava, você entrava na festa, era bem começo, assim, não era igual. Eu comecei a ir nas primeiras Skol Beats, que era no Autódromo de Interlagos, você tinha que andar dez metros pra chegar numa tenda, era bem massa.
P/1 – Seus pais concordavam que com essa idade você fosse pras raves? Como que acontecia isso?
R – Nossa, eu tinha, a gente dava umas brigadinhas, mas eles concordavam, porque eu ia com os amigos mais velhos, que eram os nossos amigos, que a gente cresceu junto e, como eles eram mais velhos, eles, na época, eles tinham 18 anos, eu tinha 15, e aí a gente também tinha um esquema de ir com uma van, a gente fechava uma van com uns amigos do bairro e aí tinha, eu lembro que era eu, tinha 15 anos, e o João, que é um amigo nosso, tinha 16, e nós gostava de ir em todas as festas, né? E aí a gente dava um jeito, só que lá, já estava lá no meio da fazenda, lá no Arujá, a galera: “Ah, tsc”, nem pedia o RG: “Vamos entrar, vamos curtir a festa”.
P/1 – E você curtia bastante música eletrônica, o que era atraente nessa música?
R – O que era atraente?
P/1 – Por que esse ritmo...
R – Ah, eu gostava de escutar drum’n’bass, que é um som bem vibrante, ficar assim, perto das caixas, que eram umas produções bem legais, eu gostava também do visual da festa, que é, meu, você encontrava muita coisa artística, né, bem massa, assim.
P/1 – Até essa idade, Dedê, vocês faziam aqui no bairro, tinha alguma atividade que vocês faziam, vocês promoviam, você, seu grupo de amigos?
R – Não, a gente se juntava pra andar de skate, eu não andava de skate, a gente ficava junto com os moleques que andavam de skate. Acho que com... A gente mesmo que construía, né, os mini ramps, os corrimãos, porque aqui não tinha pista de skate na época, era a época underground. (risos)
P/1 – Vocês que construíam até as pistas?
R – É, os obstáculos, né, que falava.
P/1 – Certo.
R – E aí ficava, colava muita gente pra andar na rua e era muito louco porque, como a gente era em três irmãos, assim, quatro, mas nós três, então a nossa casa sempre foi a base, todos os amigos se reuniam lá, porque sempre ia lá, ia ter alguém, ou ia ter ou Fofão ou o Clevinho ou eu, então sempre lá foi o point. Em todo lugar que a gente morou, sempre a nossa casa era o lugar que os amigos se reuniam, minha mãe ficava louca, mas era, sempre foi, ainda é, né, a Quilombaque vem disso também, né, vem dessa proposta dessa junção de amigos.
P/1 – Essa reunião por skate era próximo também, esse espaço?
R – Sim, a gente se reunia na garagem da casa da minha mãe, que a gente guardava a pista lá e encontrava os amigos pra escutar música, escutar rap, escutar.
P/1 – Você gostava de rap, ou gosta?
R – Ah, eu gosto de rap.
P/1 – Mas na época?
R – Na época, eu escutava, mas não escutava muito, eu escutava outros, mais música eletrônica.
P/1 – E em relação à sua vida mais de namoro, de relações de amores? Tem alguma história?
R – De amores? Ishi. (risos)
P/1 – (risos)
R – Ah, tem, tenho, meu, histórias de amores que... Igual, eu namorei, a primeira pessoa foi a Tâmara, que é minha amiga até hoje, um amor, meu amor da minha... Sabe? Porque a gente estudou junto na escola primária e a gente teve um namoro bem namoradinho, assim, os primeiros namoradinhos, sabe? Só que depois a gente ficou um tempo afastado, depois que a gente mudou da escola, depois, quando a gente se encontrou, a gente começou a fazer um monte de coisas, e aí ela também foi uma das fundadoras da Quilombaque e também fundou a Trupe Liuds, a trupe de palhaços que a gente faz parte. Só que aí depois ela foi embora, que ela, hoje, ela mora em Recife, ela é doutora da alegria lá em Recife.
P/1 – Ah, tá.
R – E aí a gente tem mó conexão, hoje ela está muito bem, assim, ganhou prêmio como melhor atriz de Pernambuco o ano passado, a gente fica mó feliz, né?
P/1 – Ela é atriz também trabalhando como palhaça?
R – É palhaça.
P/1 – É? Bacana.
R – É, ela é palhaça (risos), foi a nossa formação, né?
P/1 – Você não é casado?
R – Não eu sou solteiro.
P/1 – Você tem filhos?
R – Não.
P/1 – Também não. Como que começou a Quilombaque, Dedê?
R – A Quilombaque? Então, a Quilombaque, ó, a gente já tinha esse encontro de amigos dentro da garagem da casa da minha mãe e aí, um certo dia, a gente foi pra um show lá no Ibirapuera, a gente gostava de ir, como aqui não tinha muita coisa, a gente ia dar rolê pra fora, né? Porque depois de um... No Ensino Médio, eu saí de Perus e fui estudar lá na Barra Funda e aí lá era outra vivência, depois fazer cursinho, essas coisas. Só que o que acontece? Aí um certo dia, foi, acho que foi eu e a Tâmara, não sei se o Fofão estava, a gente foi pra um show do Gilberto Gil lá no Ibirapuera, só que, meu, pra gente chegar de Perus até o Ibirapuera demorava, quando nós chegamos lá, o show já tinha acabado. Aí a gente: “Putz, mano, perdemos o show”, a gente gostava de ir em muito show pra lá, né, aí a gente estava lá, não tinha show, só que a gente estava passando e viu um grupo de percussão, né, e aí a gente: “Nossa Senhora, que da hora!”, aí a gente viu uma galera tocando e a gente era muito curioso, a gente chegou lá perto. Aí a Bia, que é a que coordenava grupo, falou: “Mano, quem quiser chegar pode vir todo domingo!” e a partir desse dia a gente começou a ir todo domingo e fazer parte do grupo, que chamava Caranguejeira, que tocava lá em frente ao MAM [Museu de Arte Moderna de São Paulo], né, e aí foi a partir de lá que a gente começou a vivenciar a música de fato, na percussão, né? Que aí foi eu e a Tâmara, começamos, aí depois levamos o Fofão e aí depois fomos levando uma galera do bairro pra ir tocar e aí nisso deu um... O Sérgio estava com um... Eu tinha acabado de entrar no cursinho, que também uma mudança bem grande, né, que a gente fez Cursinho da Poli.
P/1 – Então, antes, fazendo agora o caminho paralelo, você falou que foi estudar na Barra Funda.
R – Sim.
P/1 – Por que você foi estudar lá?
R – Ah, porque eu precisava circular, eu estava... A gente, depois dessa escola particular, que a gente não aguentava mais estudar, porque era muito pequena pra nós e a gente... A gente foi estudar no Gavião, que é uma escola, que é a escola aqui em Perus, que é uma Escola Estadual, acho que é a maior escola de São Paulo, é estadual, de proporção de tamanho. E aí eu estudei um ano, o segundo ano, só que eu queria, sei lá, dar um rolê e aí o Fofão continuou na escola e aí eu fui procurar, fui dar um rolê, a Tâmara estudava no Zuleica, né, a Tâmara tem muita influência, porque a Tâmara estudava no Zuleica, que é lá na Barra Funda também, na Pompéia, né? E aí eu falei: “Ah, não, então, meu, eu também quero estudar pra fora”, aí eu fui procurar, no Zuleica não tinha vaga, aí eu segui a rua e achei uma outra escola, que é o Miss Browne, e aí eu consegui vaga lá e eu fui estudar pra lá.
P/1 – Ela morava aqui no bairro, a Tâmara?
R – A Tâmara mora, morava.
P/1 – Morava ainda?
R – É, não mora mais. (risos) E aí eu fui estudar pra lá e a gente teve um contato mais forte também, esse reencontro, mas lá pro Centro, né, pra Barra Funda.
P/1 – E aí você vinha e ia todos os dias pra lá?
R – Todo dia, eu pegava, eu estudava de manhã ainda, eu pegava o ônibus cinco e 40, que eu lembro, pra chegar lá às sete, aí chegava lá às sete na maior disposição e aí era legal, porque depois que saía da escola ficava dando uns passeios pela Barra Funda, conhecendo coisa, né? Foi daí que depois, quando acabou essa escola, que eu fui pro Cursinho da Poli.
P/1 – Por que você resolveu fazer cursinho? Como é que foi essa história?
R – Então, era muito louco porque quando eu estava aqui em Perus, a nossa perspectiva era: “Não vejo a hora de acabar a escola”, o Ensino Médio, né, e essa era a perspectiva, depois que eu fui pra Barra Funda: “Não, vamos fazer!”, é outro pensamento, né: “Ah, vamos fazer universidade, vamos fazer cursinho!”
P/1 – Os alunos, os colegas?
R – É, meus amigos mesmo. Aí eu falei: “Vou fazer cursinho também, tentar uma universidade”, e aí a gente entrou no Cursinho da Poli, que é um cursinho que fica ali na Lapa, que também esse cursinho mudou nossa perspectiva de pensamento, nos politizou, acho que ali foi uma primeira formação mais política, que levou a um processo de criação da Quilombaque também, né?
P/1 – Agora, só você ou seu irmão Cleiton também?
R – O Cleiton foi, ele estudou, ele fez um ano de cursinho aqui, o cursinho popular daqui do bairro, que também era bem massa e aí, no outro ano, a gente conseguiu uma bolsa no cursinho.
P/1 – Da Poli, esse?
R – É, e aí a gente estudou lá, só que a gente fez três anos de cursinho. (risos) Mas a gente... Foi muito louco, porque o cursinho também foi um processo de nos politizar, porque a gente já entrou no grêmio do cursinho e aí a gente ia pras militância, ia, mano, a gente ia pra Brasília questionar a questão de vagas, questão de pagamento de vestibular e aí foi se engajando politicamente. A gente tinha uma ligação com os estudantes da USP [Universidade de São Paulo] também, e aí foi se engajando em vários movimentos mais politizados, mas não partidário, e fomos tendo essa vivência. Até que um dia, quando, foi bem na época que o Lula assumiu, que a gente estava, nossa, nesse fervo de militância, que a gente, na época, já tinha ocupado a Unesp [Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho], né, a reitoria, por causa da questão do pagamento de vestibular e aí um ano a gente foi pra Brasília pra reivindicar baixar esse custo do vestibular, que era muito caro, ainda é, hoje é quase 200 reais pra você prestar uma prova, né? Pra onde vai esse dinheiro, né? Mas... (risos) é uma coisa pra se questionar. Aí a gente estava lá em Brasília e o MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra] tinha acabado de... Estava na frente do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], porque o Lula não tinha feito a reforma agrária que ele tinha prometido, né? E aí estava o movimento em frente ao Incra, eles chamaram os estudantes, falou: “Meu, vocês não querem fazer parte? Porque a gente vai concentrar pela frente e os estudantes entram por trás”, nós fizemos um esquema, e aí vai lá nós, né, nós gostávamos do tumulto. Aí, quando o MST concentrou, assim, na frente da porta principal do Incra, veio a tropa de choque e a gente entrou por trás, um monte de estudante, tinha bastante estudante daqui de São Paulo, mas estudante do Brasil inteiro, né? E aí a gente foi entrando no prédio sem saber, correndo, os funcionários: “Não, pelo amor de Deus, deixa nós”, “Mano, pode passar”, né, e aí, quando nós vemos, nós estávamos lá dentro do Incra, preso, dentro lá, com uma galera, sem saber o que estava acontecendo, lá fora nós estávamos vendo a tropa de choque entrando em confronto com o MST e a gente: “Nossa, mano!” e a gente pegou o telefone, ligou pro cursinho, lá pro grêmio: “Ô, a gente ocupou o Incra”, a galera: “O quê? O que vocês estão falando?”. A gente ficou lá acho que umas cinco horas, só que o busão, o busão já era pra vir pra São Paulo, o busão do cursinho que estava com a gente, ele teve que esperar, porque metade do busão estava dentro da ocupação, né? E aí, quando a gente saiu, todas as emissoras, nossa, todo mundo aplaudindo, nós: “Mano, o que está acontecendo, sem saber da repercussão, e a gente entrou no ônibus e estava vindo pra São Paulo, aí numa parada, a gente estava no banheiro, acho, falando, aí um caminhoneiro falou: “Vocês que ocuparam o Incra ontem?”, a gente: “É”, “Nossa, parabéns, meu, os estudantes tem que mudar mesmo esse país, porque a nossa classe também não faz mais nada”. Aí, quando nós chegamos no cursinho, nós éramos heróis, sabe, nós estávamos em todos os jornais, a gente: “Nossa Senhora!”, nem sabia, sabe, foi muito, foi muito louco pra gente, a gente... E nisso teve um engajamento bem forte politicamente, tinha umas pessoas que, na época, aderiram ao PSOL [Partido Socialismo e Liberdade], foi bem no racha do PT [Partido dos Trabalhadores] com o PSOL, foi o surgimento do PSOL, né, eu até fui no lançamento do PSOL, a Heloísa Helena falando, o Babá, aí eu falei: “Nossa”, né, só que eu não acreditava muito, ainda não acredito nessa questão partidária, mas...
P/1 – Por que você não acredita?
R – Porque parte, já fala, né, partidária já é parte, não é união, né, então, quando for união, a gente pode acreditar, mas quando é parte tem interesses de partes, né?
P/1 – Mas quando você não se aliou, não se filiou ao PSOL, você tinha essa compreensão que você está falando agora?
R – A gente já, porque a gente, no cursinho, como a gente viveu três anos, a gente começou a frequentar várias, meu, a gente, vários debates, várias, e a gente via o movimento, igual, o movimento estudantil da USP era rachado, partidário, total corrompido e a gente já tinha essa discussão até dentro do grêmio, né? Porque a gente falava: “Meu”, porque é muito interesse partidário e a gente era meio, não, a gente também era mais pro lado da anarquia, né, a gente era anarquista (risos), tá ligado? A gente gostava de fazer política, mas não partidária, na época já tinha essa compreensão, era muito doido, né?
P/1 – Dedê, você fala nós, na época, o seu irmão gêmeo, o Cleiton, fez tudo isso junto?
R – Sim, grande parte.
P/1 – Quando vocês entraram no prédio do Incra, vocês não tinham a mínima noção porque vocês estavam entrando ou sabiam?
R – Não, a gente sabia, tinha conversado com o MST, aí não sabia a repercussão que dava ocupar um prédio lá em Brasília, né, mas a gente sabia, sabia dessa questão da reforma agrária, dessa importância, também a gente já tinha essa compreensão do que era o PT no poder, dessa mudança, dessa mudança da esquerda na América Latina, que na época teve Hugo, teve vários, né, essa mudança da reforma agrária, todo mundo acreditando, mano, os trabalhadores, e mudou bastante, né, mas faltou algumas coisinhas ali na base, né, reforma agrária é uma.
P/1 – Dedê, você fez cursinho, a formação política, tudo, foi bem forte, mas, ao mesmo tempo, vocês tentaram entrar em alguma faculdade?
R – Sim, a gente fez, então, esse cursinho nos politizou muito, assim, porque os professores, a gente teve uma outra percepção de educação, que a gente tinha a nossa educação de escola, sempre foi: “Ah, vamos aprender gramática, vamos não sei o quê”, sabe? “Ah, vamos aprender o verbo to be”, essas coisas, sabe? E quando a gente entrou no cursinho, os professores mó dinâmicos, mó outra vivência, outra linguagem, linguagem que você entendia, meu, a gente tinha um professor de História muito bom, assim, era um professor que marcou nossa vida, que é o Marcos, que é um cara, meu, onde ele ia, o cursinho inteiro ia atrás da aula dele, porque, meu, eram umas aulas muito boas, assim, de compreensão da História, acho que a gente fez, de três anos, a gente assistiu muita aula de História dele, né, que deu uma compreensão.. A gente tinha aula de geopolítica também, tinha umas aulas que a gente deu pra ter uma dimensão do...
P/1 – Eram professores da Poli, não?
R – Não.
P/1 – Não, só o nome é que era?
R – É, o cursinho é da Poli, era um cursinho popular, né, e eram professores que vieram da USP.
P/1 – Mas aí vocês tiveram essa outra compreensão de educação, aí vocês desistiram de fazer, cursar a universidade?
R – Não, a gente cursou, prestamos, prestamos Fuvest [Fundação Universitária para o Vestibular], a gente, na época, eu estava querendo prestar Ciências Sociais, que eu já tinha esse pensamento de fazer Antropologia, né, e a gente prestou Fuvest. Aí depois eu comecei a prestar universidade fora de São Paulo, né, aí eu prestei a federal de Santa Catarina, em Floripa, eu queria muito ir pra lá, a gente prestou UEL [Universidade Estadual de Londrina], que é em Londrina, a Unesp...
P/1 – Todas públicas?
R – Todas públicas, a gente queria entrar numa universidade pública, esse era o nosso pensamento e é isso também que o cursinho colocava pra gente também, e aí a gente prestou, né, aí, no terceiro ano, nós focamos mais, eu falei: “Não, meu, vou parar de...”, saí um pouco da questão política, do grêmio e eu foquei mais pra estudar e aí, nesse ano, eu prestei a federal de Santa Catarina e UEL.
P/1 – De Londrina?
R – É, e aí nesses dois a gente passou, eu passei nas duas, só que teve um problema no meio do caminho, a UEL foi a primeira universidade a aderir cotas pra negro e aí a gente passou, eu o Fofão, a gente ia estudar na mesma sala, e passaram vários amigos um ano antes, também já tinham passado, né, então a gente já tinha essa conexão com Londrina, né? Só que quando a gente...
P/1 – Você passou em Santa Catarina também?
R – É, passei em Santa Catarina. Em Londrina, quando a gente foi fazer a matrícula, eles não aceitaram, porque a gente estudou na escola particular a sétima e a oitava série e tinha que ser o ensino todo em escola pública.
P/1 – Entendi.
R – E aí a gente perdeu a vaga, a gente ficou muito bravo, tretou com o movimento negro, porque a gente tinha uma bolsa, né, nessa escola, só que era, como era a primeira universidade a aderir cotas, era um processo meio maluco, porque nós tínhamos um amigo que passou com a gente, que ele é sarará, né, ele tem pele meio branca, mas é negro sarará, e aí a gente tinha ido pro Fórum, em Porto Alegre e ele rapou a cabeça, aí, quando ele chegou lá UEL, os caras: “Mano, você é branco”, perdeu a vaga.
P/1 – Não acredito.
R – Era nesse patamar assim.
P/1 – Quem decidia isso?
R – Quem decidia era a mulher que estava fazendo a matrícula. (risos)
P/1 – Mas você falou que tretou com o movimento, eu achei que tinha...
R – A gente chamou o movimento negro pra discutir com a universidade na época, né?
P/1 – Eu achei que vocês tivessem questionado o movimento.
R – Não.
P/1 – Vocês levaram o movimento.
R – A gente juntou o movimento e fomos questionar, né, essa questão com a reitoria da UEL. E aí teve, passou vários anos nesse processo meio zoado que eles tinham.
P/1 – Mas não conseguiram a vaga?
R – A gente não conseguiu, perdeu a vaga e aí, na federal de Santa Catarina, foi o ano que teve a greve, que teve uma treta por causa dos ônibus e aí a universidade também parou, ficou seis meses parado e aí ficou os seis meses, era o semestre que eu ia entrar, estava em greve, aí depois de seis meses que foram ver e aí eu já tinha perdido o contato, eu não corri muito atrás, porque, né, eu ia ficar seis meses esperando e também perdi, desencanei.
P/1 – Aí vocês não prestaram mais?
R – Aí depois desencanei e aí foi aí que a gente já estava em outro processo, foi aí quando a gente já estava tocando percussão e, depois de três anos de cursinho, a gente já começou, foi em 2005 que a gente começou a trabalhar, desenvolver a Quilombaque.
P/1 – Deixa eu te perguntar, antes de entrar na Quilombaque, vocês, além dessas atividades, tinham algum tipo de trabalho remunerado, emprego?
R – A gente? Ah, a gente ajudava o meu pai e minha mãe na firmazinha que eles tinham, né, aí ajudava, a gente amarrava peça, nossa, era um trampo mesmo.
P/1 – O que vocês faziam?
R – Tinham as peças, vinham e a gente tinha que amarrar num arame pra passar no produto, né, então a gente ficava vários dias amarrando peça, trabalhando com eles, né, ajudando eles.
P/1 – Era uma rotina, assim, de todo dia ter que fazer algum tempo lá?
R – Às vezes era necessário todo dia, dependia do fluxo, né, do que que tinha de trabalho, às vezes a gente tinha que ficar fim de semana trabalhando, né, às vezes não, então dependia, né?
P/1 – Dedê, só voltando um pouco, você falou que aqui no bairro não tinha essa coisa de: terminou o ensino médio, pensar em faculdade, aí naquela escola lá da Barra Funda... Você acha, assim, pelo o que você ouvia dos seus colegas daqui do bairro, isso ajudaria ou é uma ideia de que as pessoas... O que faz as pessoas não acharem que conseguem?
R – Não, isso foi na época, porque, meu, há dez anos atrás, a universidade não tinha essa questão do Prouni [Programa Universidade para Todos], né, o Prouni, meu, incentivou muita gente a ir estudar, fazer graduação, né?
P/1 – Aqui?
R – Aqui em Perus.
P/1 – Você acha que aqui? É?
R – Aqui, em toda periferia do Brasil, sabe? Eu estou falando numa questão mais ampla, porque antes era bem difícil você estudar numa USP, ainda é, né, até hoje.
P/1 – Sim, mas o Prouni, aqui no bairro, você acha que os jovens têm já essa...?
R – Total, daí que começou a ter essa consciência da graduação e também o mercado de trabalho não pedia isso, né, o Ensino Médio também era já, né, a graduação já está sendo pouca coisa ultimamente, imagina, né?
P/1 – Você falou que começou a tocar tambor com esse grupo.
R – É.
P/1 – Você nunca tinha mexido com isso?
R – Com tambor não.
P/1 – Ou percussão, né?
R – Ou percussão. E aí foi nesse grupo que a gente começou a tocar e aí foi bem massa, porque esse grupo também tinha... Esse grupo era um grupo aberto, vinha gente de São Paulo inteiro, era puxado pela Bia.
P/1 – Era na rua, assim?
R – Não, era dentro do Parque do Ibirapuera.
P/1 – Sim, mas na rua que eu quero dizer é assim: não era dentro de um espaço físico.
R – Era na marquise, em frente ao MAM.
P/1 – Era uma iniciativa dessa pessoa ou era alguma coisa...?
R – Ela, na verdade, ela começou sendo paga pelo MAM pra puxar essas oficinas, depois, o MAM cortou a verba e ela continuou. A Bia, ela é uma ex-chacrete e ela é uma percussora de vários grupos de percussão que surgiram em São Paulo, né, então ela começou, ela puxou vários blocos que existem até hoje. Se a gente for pensar, ela, o Bloco de Pedra foi uma, veio da ramificação da Bia também, né, o Baque Bolado, Batuntã, tem vários grupos.
P/1 – Esses blocos que você fala são só de percussão?
R – É, grupos de percussão tradicionais em São Paulo, né?
P/1 – Esse curso que ela deu pra vocês, só era de ritmo, da técnica ou tinha alguma coisa a mais?
R – Meu, era mais técnica, a gente pegava e tocava, era assim, ela passava.
P/1 – Não, mas tinha alguma outra coisa além de tocar, de formação?
R – Não era só a questão musical mesmo.
P/1 – Fala, você ia falar que ela passava...
R – Não, ela fazia a gente... Desenvolvia o ritmo, já tocava, era bem massa, assim. Aí, depois, a gente começou a ter vários, apresentar, o grupo tinha apresentações em vários lugares. E a gente já tinha uma articulação aqui em Perus, né, porque a gente também, vou falar que Perus sempre foi um bairro de luta, então a gente sempre teve, antes da Quilombaque, já tinha, a gente frequentava manifestação aqui, fechamento do lixão, que aqui tinha o Aterro Bandeirantes, que era... A gente recebeu 30 anos de lixo, né, de São Paulo, no Bairro de Perus. Era muito louco, porque, quando eu era criança, a gente sabia que ia chover quando vinha o cheiro do lixo, como a gente morava do outro lado, o lixão era em cima do Recanto e a gente morava do outro lado do morro e, meu, quando vinha o cheiro do lixo, nós falávamos: “Vixi, vai chover”, porque sabia que o vento trazia o cheiro do lixo, né, aí eu tenho essa memória, assim, do lixão. E aí a gente teve várias manifestações para o fechamento do lixão, Perus sempre foi um bairro de luta, né, de várias causas.
P/1 – O que você recebeu das lutas anteriores, assim, história, influência ou alguém que tinha participado e continuou? Entendeu? Como que você, um jovem, recebeu essa herança de luta de Perus?
R – A gente via, frequentava, a gente frequentava, assim, as manifestações.
P/1 – Seus pais participavam ou não?
R – Não, isso foi passando, aí, quando a gente já era mais adolescente, né, que aí também é essa questão do cursinho, o cursinho nos mobilizou pra muita coisa, né?
P/1 – Sei.
R – E aí pra essa questão da luta, a gente, depois de um tempo, a gente fez uma mobilização aqui, a gente fechou a Rodovia Anhanguera com o MST, só que isso já era com os tambores, a gente teve, frequentou vários atos assim, batia de frente, né? Até o começo da Quilombaque, a galera achava que a gente era um bando de baderneiro, né, porque a gente batia de frente mesmo, a gente, meu, era, gostava de treta, assim, gostava.
P/1 – Quem era “a gente”?
R – A gente era eu, meu irmão e uns amigos que faziam parte da Quilombaque.
P/1 – Mas a Quilombaque ainda não era Quilombaque?
R – É, mas aí eu já misturei o passado com o começo do início.
P/1 – (risos) Você falou que ainda vocês participavam de algumas coisas, de algumas manifestações e tinha o grupo de percussão, nesse grupo ia mais você e seu irmãos, né?
R – É, nesse grupo, no grupo de percussão lá era eu, o Fofão e a Tâmara que ia, a gente sempre tentava levar amigos, mais amigos pra conhecer, pra também sair um pouco do bairro, né, mas a gente ia todo domingo, religiosamente, tocar lá no Ibirapuera.
P/1 – Como é que vocês trouxeram então a percussão pro bairro?
R – Então, aí ia contar um fato, assim, que é uma... A gente, com a articulação que a gente tinha pelo bairro, a gente conseguiu levar o Grupo Caranguejeira lá pro Fórum, em Porto Alegre, né, que a gente já tinha essa articulação, né?
P/1 – Como que acontece essa articulação? Porque vocês tinham articulação no bairro, mas o Caranguejeira não era daqui, era do bairro?
R – Então, a gente colocou o Caranguejeira, falamos: “Não, a gente tem um grupo de percussão, meu, vamos”, aí nesse lance a gente foi, arrumamos um esquema de tocar lá em Porto Alegre, no Fórum, em 2005, né, e aí foi bem massa esse Fórum, porque, pra gente também, nossa, o Fórum Mundial Social, e a gente também tinha ido com o cursinho. Então a gente foi com o Grupo Caranguejeira, porque a gente tinha uma articulação que era Tambores do Mundo, e articulou vários grupos de percussão aqui de São Paulo e foi pra Porto Alegre, e a gente já tinha articulado com o cursinho, levou dois ônibus pelo grêmio do cursinho também. E aí foi muito louca essa história também, porque a gente estava com o Grupo Caranguejeira, dando oficina lá em Porto Alegre, foi o lugar que a gente tocou pra mais gente, né, que a gente subiu no palco, assim, viu a multidão, nós tremíamos as pernas, falamos: “Nossa Senhora”, e estava com o cursinho. E foi muito louco porque, na época, o que aconteceu? (risos) O grupo achou, no acampamento, né, aí o grupo achou que eu ia com o cursinho e o cursinho achou que eu ia com o grupo, porque eu fui com o cursinho e o Fofão acho que foi com o grupo, né, e aí eu ia voltar com o grupo e o cursinho, o busão do cursinho acho que ia, no final, os dois busão foi e eu fiquei. (risos) Essa que foi a história. E aí eu fiquei, conheci o Fórum Social pós Fórum, né, que aí foi trágico, porque, meu, ficou gente do Brasil inteiro que perdeu o ônibus, nossa, aí é caos, aí a gente, tinha um busão da USP que na vinda tinha quebrado umas 20 vezes e aí metade do busão falou: “Mano, nós não vamos voltar com esse busão”, aí ligaram pra empresa, falaram pra eles mandarem outro busão, metade foi. E aí não mandaram outro busão, aí a gente teve que... Aí eu me juntei com essa galera, né, que estava na rua, literalmente, aí tinha gente da Bahia, que aí foi batendo a assistência social lá, né, da Bahia conseguiram mandar pelo avião da FAB [Força Aérea Brasileira], ia se arrumando, sabe? E aí a gente foi na reitoria da federal do Rio Grande do Sul e lá eles arrumaram um alojamento pra gente, né, só que eu, meu, estava meio desesperado, sem dinheiro, liguei pro Fofão: “Fofão, estou aqui, meu, em Porto Alegre, sem um tostão”, né? E fiquei lá uns dois, três dias, meu, pensando como que ia voltar pra São Paulo, né, porque a gente pedia carona nos ônibus que iam passar por São Paulo, aí você vê como o Fórum Social funciona: ninguém queria levar a gente. E aí eu encontrei uns amigos, os irmãos, também gêmeos, o Matias e o Camilo, que eles estavam vendendo malabares e a gente ficou na mesma barraca e aí eu falei: “Não, Camilo, me empresta dinheiro aí”, aí eles me emprestaram dinheiro e eu consegui comprar a passagem, se não... Aí depois eu encontrei o pessoal da USP, eles ficaram lá duas semanas esperando o busão chegar, (risos) sei lá, era meio... Só que tem outra coisa, eu fui pro Fórum depois, né, agora, foi em 2011, fui com um ônibus hacker, convidaram a gente da Quilombaque, foram vários coletivos, aí em 2011 fui pra lá, participei do Fórum, né, tinha o busão, ele fazia transmissão ao vivo, é um ônibus que eles compraram com vaquinha pela internet.
P/1 – O grupo, o grupo que comprou o ônibus?
R – É, ônibus hacker chamava. E aí ele, fomos pro Fórum, na ida a gente parou em Floripa e depois continuou a viagem e aí na volta também parou em Floripa e aí eu ia continuar a viagem de manhã, aí parou em Floripa, eu estava com uma carioca e um russo, aí a gente: “Ah, vamos dar um rolê”. A gente chegou na rodoviária: “Onde está pegando? Que praia?”, os caras: “Vai lá pra Praia dos Ingleses”, aí nós fomos pra Praia dos Ingleses curtir a noite, né? Só que Florianópolis, essa questão de ônibus coletivo, meu, é furada, aí tinha marcado um horário pro ônibus sair, a gente não conseguiu chegar na hora, chegamos uma hora ou duas horas depois, o busão tinha ido embora e a gente ficou de novo, eu perdi de novo o busão pra voltar pra São Paulo, de novo, os dois Fóruns que eu fui, eu fiquei no meio do caminho. E aí de lá a gente foi pedir carona na estrada, e aí a gente ficou a tarde inteira na estrada e o russo tinha uma passagem, ele estava no Rio de Janeiro com essa carioca e ele precisava chegar, que dois dias depois ele tinha o voo pra Rússia, né? E aí a gente ficou lá à tarde, na estrada, pedindo carona, daqui a pouco para um caminhoneiro, aí falou: “Não, eu só posso levar dois”, aí eu falei: “Vai vocês dois então”, aí ele pegou, foi o russo e a carioca, que era o meio do caminho pra eles, né, e aí eu fiquei lá. Aí eu falei: “Putz”, eu falei: “Meu”, aí eu pensei: “Meu, pra que eu estou com pressa? Eu estou em Floripa, não tenho nada pra fazer. Quer saber?”, voltei pra Praia dos Ingleses, fiquei uma semana lá, aí depois eu falei: “Ah, depois eu vou embora, né”, eu falei: “Meu, já perdi mesmo”, e aí foi bem massa.
P/1 – Vocês foram, continuaram com esse grupo, o Caranguejeira, e aí como é que vocês trouxeram pra Perus? Porque vocês começaram a ganhar o mundo, né?
R – O que aconteceu? O Caranguejeira, depois, em 2005, ele perdeu o espaço lá da marquise, um secretário do Meio Ambiente falou que estava interferindo na questão sonora dos pássaros, sei lá, proibiram, mas proibiram de tocar no Ibirapuera. Aí a gente foi tocar lá no Parque da Luz, aí chegou lá no Parque da Luz, nós ensaiávamos lá, o secretário chegou de novo e falou que nós estávamos atrapalhando e aí a gente foi entender o que foi. A Bia, numa reunião, foi e tirou o cara, o cara ficou bravo com a Bia e queria cortar ela onde ela colava, ele queria limar ela e aí foi limando o grupo, né, que a gente saiu do Ibirapuera, foi pro Parque da Luz, depois tinha que sair do Parque da Luz, a gente ficou sem espaço pra ensaiar, a gente tentou ensaiar em outros lugares, mas o grupo era grande, não... E aí foi se perdendo e aí o grupo acabou. E aí, quando acabou o grupo, que a gente voltou pra Perus, sem grupo, né, falou: “Pô”, a gente já estava numa pegada já mais, né, top, assim, tocando bastante, aí a gente falou: “Ah, vamos montar um grupo aqui com a galera.
P/1 – Essa vez que vocês pro Fórum com o grupo e pro Fórum agora também, que você parou em Santa Catarina, era com o mesmo grupo, não? Dessa vez, a segunda vez que você foi pro Fórum.
R – A segunda vez não, eu fui representando a Quilombaque.
P/1 – Mas a primeira vez era com esse grupo?
R – Como o Grupo Caranguejeira e a gente foi com o Cursinho da Poli também, né?
P/1 – Voltando, acabou o Caranguejeira, aí vocês resolveram aqui.
R – É, aí a gente começou, falou: “A gente quer tocar, vamos tocar aqui” e aí foi aí que a gente pegou uns instrumentos emprestados com os amigos, pegou meia dúzia de panela e começou a ensinar a galera, os nossos amigos que estavam dentro da garagem, os skatistas, a galera que estava lá: “Vamos aprender a tocar” e aí a gente montou um grupinho e começou a tocar aqui em Perus.
P/1 – Agora, falando sério em relação aos instrumentos, eu queria entender se pegaram as panelas é modo de dizer ou foi, pegaram mesmo.
R – Não, a gente pegou algumas e alguns instrumentos, né, mas não tinha instrumento pra todo mundo, instrumento era caro, né, e era muito nova essa questão da percussão também, né, não era agora, que é mais, tinha percussão em escola de samba, né, mas alfaia, nossa.
P/1 – O que é alfaia?
R – Alfaia é um instrumento feito artesanalmente, que é um tambor, mais conhecido como tambor de maracatu, né, que é amarrado em corda, com pele de couro.
P/1 – Você, no grupo que vocês estavam, os instrumentos não eram de vocês?
R – Os instrumentos?
P/1 – Do Caranguejeira.
R – Os instrumentos, a maioria era da Bia e as pessoas traziam também os instrumentos, né?
P/1 – Aí, quando vocês voltaram pra tocar aqui e começaram...
R – Foi aí que a gente pegou alguns instrumentos emprestados, outros a gente fez com tambor, com balde, com o que tinha, pegava baqueta, madeira e foi tocando.
P/1 – E essa proposta de pegar e fazer esse grupo novo com os amigos, os skatistas, como é que eles reagiram?
R – Não, eles curtiam.
P/1 – É?
R – Porque a gente já tinha, grande parte já tinha ido ver o bloco que a gente tocava, a gente sempre ia pra shows, igual, era legal no Ibirapuera, porque sempre tinha um show, né, então a gente ensaiava, depois ia ver o show, acho que tinha um patrocínio do Pão de Açúcar, que tinha vários shows lá na Praça da Paz. Então eu vi Gil, Caetano, Marisa Monte, já vi, nossa, uma galera, era outro universo, fora que a gente começou a frequentar várias outras, meu, sempre, um grupo com mais de cem pessoas, sempre tinha rolê pra fazer, né? A gente começou a frequentar vários rolês da hora, vários artistas, pá, e aí começou a ter um outro repertório, assim, outro universo, que foi massa, que a gente voltava pra quebrada e queria levar os amigos junto: “Não, mano, vamos colar ali”, sabe?
P/1 – E conseguiu levar?
R – Conseguimos levar bastante gente e foi louco, porque a gente também, depois disso, tinha esse pensamento, né, porque muita gente daqui do bairro foi pra fora, né, falou... Quando eu falo “pra fora”, a gente tem um lema que atravessou a ponte, né, que é atravessar as marginais, sair da periferia, e conheceu coisas lá e pegou, fez a mala e foi morar no centro, isso era o mais comum, ainda é, tem muita gente que faz isso, fala: “Meu, descobri coisa no Centro, vou morar lá e tchau, quebrada, mano, se vira”. E a gente tinha essa questão, a Quilombaque surgiu pra isso também, a gente falou: “Não, mano, vamos construir a história aqui, quem quiser vem aqui” e a gente conseguia também trazer muita gente do cursinho pra Quilombaque, várias pessoas do grupo de percussão, que eram pessoas de São Paulo inteira, pra frequentar Perus, né? Foi aí que começou, porque ninguém sabia onde era Perus, Perus era fora do mapa, a gente fala, porque ninguém sabia onde que era.
P/1 – Vocês traziam inclusive pessoas da percussão de outros lugares pra cá, né?
R – Sim, é.
P/1 – Como é que isso foi se desenvolvendo? Pode contando a história, assim, desse começo.
R – Então, a gente começou a tocar, montar esse grupo lá na garagem da casa da minha mãe e aí foi, e nisso já tinha, igual, a Tâmara fazia teatro e aí a Tâmara falou: “Ah, meu, eu podia dar uma aula de teatro aqui” e aí tinha uma amiga nossa que era casada com um surdo e mudo e falou: “Meu, ô, Dedê, se eu der aula de Libras aí”, a gente: “Libras?”. A gente nem sabia que a gente estava montando um espaço, na verdade, a gente montou o espaço pra gente fazer uma festa, que a gente queria fazer uma festa e aí a gente decorou o espaço, todo mundo pirou, né, e aí começou essas demandas, a galera se propor a fazer coisas, né? E aí na época a gente começou a fazer marchetaria também, né, oficina de marchetaria, e a gente começou também a dar aula lá.
P/1 – Na garagem?
R – Na garagem. Era muito louco, porque a nossa vivência foi assim, a gente aprendia num dia, no outro estava ensinando, era muito rápido esse processo, sabe, de ir buscar conhecimento fora do bairro e já trazer, eu aprendia hoje, amanhã já estava ensinando a galera: “Não, o que eu aprendi aqui”, isso foi a nossa formação. Acho que até hoje a formação da Quilombaque é isso, né, é muito prática. Tem a questão teórica, mas é teoria e prática junto, né, mais prática, às vezes a gente pratica pra depois teorizar. (risos)
P/1 – Quando você fala que vocês ensinavam a galera, quantas pessoas, mais ou menos, assim, que tinham, que ficavam sempre próximas?
P/1 – Você falou que tem essa galera, que vocês voltavam, quantas pessoas, mais ou menos?
R – Ah, depende, variava, (risos) igual, a gente montou, o primeiro grupo que a gente montou, que a gente deu o nome Quilombaque, era um grupo de percussão, tinha umas dez pessoas, acho que era umas dez pessoas, que a gente deu essa formação. E foi muito louco porque aqui tinha uma quermesse, na escola, no Gavião, é a principal quermesse, era a principal festa do bairro, e aí uma vez a gente, mano, chamaram a gente pra tocar lá e a gente: “Nossa Senhora”, era uma quermesse que levava 20 mil pessoas, sabe, é uma coisa grande e a gente foi e fez um arrastão, foi aí que também deu uma repercussão, que a galera... Tem duas festas no bairro que eram tradicionais, que agora se perdeu, que é a quermesse do Gavião e a saída da escola de samba do Valença, no carnaval, né, e aí um ano a gente tocou no Gavião, que foi um choque, né, pra galera, veio com percussão, foi bem massa.
P/1 – O que é esse arrastão?
R – Arrastão é um bloco, é quando você sai tocando com a percussão em um cortejo, é um cortejo. E aí, um outro ano, a gente fez um cortejo descendo a Avenida Principal, depois, antes da escola de samba passar, isso chamou muita gente pra percussão, né, mas isso aí já era pós a gente pegar o primeiro VAI [Programa para a Valorização de Iniciativas Culturais], já estava mais estruturado. Quando a gente passou no Gavião, a gente tinha meia dúzia de instrumento, isso também, as pessoas queriam conhecer, aí conseguiu chamar mais pessoas.
P/1 – Isso atraiu mais pessoas pro grupo?
R – Sim, era uma coisa nova, né, a galera queria saber o que era.
P/1 – Vocês falaram que deram uma festa, decoraram o ambiente, assim, e as pessoas começaram a querer: “Ah, eu posso ensinar isso”.
R – É, a galera.
P/1 – Me fala como evoluiu.
R – Os nossos amigos mesmo, aí a gente começou a falar: “Então vamos mover!” e aí a gente começou a abrir, fazer divulgação, aula de teatro, que aí a Tâmara dava aula de teatro, aula de marchetaria, que a gente dava pra meia dúzia de pessoas, aí veio a Camila querer dar aula de Libras. Aí a gente falou: “Libras? Quem que vai vir”, né, teve meio que... E aí foi quando veio gente de tudo que é lugar, veio professores, veio gente da igreja evangélica, que tinha um racha, né, quando a gente tocou percussão, nossa, todo mundo: “Esses macumbeiros”, todo mundo começou, teve um olhar preconceituoso pra caramba, né, que a gente teve que bater de frente, principalmente aqui no bairro. E é muito louco, porque é um bairro reduto de nordestino, nós estávamos tocando música afro-brasileira e a galera, né, tem essa questão da migração, que deixa a sua cultura, se perde no meio do caminho dessa viagem e aí teve esse enfrentamento dessa questão de a galera achar que a gente era um bando de macumbeiro, um bando de maconheiro, um bando de qualquer coisa que não presta. (risos) A gente teve que lutar com isso e até nessa coisa, que nosso engajamento era muito... A gente batia de frente mesmo, sabe, era...
P/1 – Quando que vocês ganharam o nome ou foram comparados com os Queixadas? Você lembra disso?
R – Ah, isso foi, já foi mais depois, quando a Quilombaque já estava mais estruturada, já tinha um nome.
P/1 – Então Quilombaque, que vocês deram esse nome, foi como?
R – Com o grupo de percussão.
P/1 – Eu sei, mas como que escolheram esse nome?
R – Então, a gente precisava de um nome, né, (risos) antes a garagem era conhecida como Phone Raps, que a Phone Raps era um coletivo dos skatistas, que a gente... E aí era um rap que tinha, a gente: “Não, mano, aqui é a Phone Raps”. E aí gente falou: “Mano, mas o nome é em inglês e a gente tinha um grupo de percussão, não tem que pôr um nome brasileiro, né” e aí foi aí que a gente discutiu: “Ah, vamos por Quilombaque”, que era, surgiu “quilo” de quilombo e “baque” de batida, que é o refúgio da batida, né? E aí isso em 2007, aí já tinha um ano, dois anos de vivência com essas oficinas meio capengas, do jeito que dava pra ir, aí a gente criou o Cine Quilombo.
P/1 – Você falou que é de “refúgio”, o que é isso?
R – Refúgio?
P/1 – Batida?
R – “Quilo” de quilombo, “baque” de batida.
P/1 – Mas aí você falou de refúgio.
R – E aí é porque quilombo é um refúgio, né, era um refúgio dos negros que fugiam dos seus... Da escravidão, né, quilombo que era um refúgio, por isso que a gente colocou refúgio da batida, significava que foi o nome do primeiro projeto que a gente mandou pro VAI, que a gente foi contemplado, que a gente já tinha mandado acho que duas vezes pro VAI, só que a gente não sabia escrever projeto, não sabia nem o que era projeto, só que a gente mandou, imaginou um projeto lá e mandou. E aí depois, com o tempo, a gente foi, né, aprendendo na prática.
P/1 – Mas teve um projeto que foi o Coruja.
R – Ah, teve o Coruja.
P/1 – Como é que vocês conseguiram ganhar esse?
R – O Coruja era ligado à igreja católica, era... Também era, vinha das pessoas da comunidade de base, eles têm um lance de um dinheiro aí, que não sei da onde que vem, que vinha lá da Holanda, não sei, que podia ter esse financiamento. E aí, como a gente conhecia o Mário, a Regininha, o Márcio, o Márcio foi nosso professor, a Helena foi nossa professora de História lá no Júlio de Oliveira e a gente já fazia trabalhos aqui no bairro, antes da Quilombaque existir, a gente já fazia, o Fofão fazia grafite, aí já tinha um trabalho já do lado cultural, sabe?
P/1 – Grafite, tinha mais alguma outra ação?
R – Ah, a gente...
P/1 – Mais grafite?
R – Era mais grafite, aí, como começou a surgir a percussão, eles vieram com essa proposta, né, e aí a gente fez uma proposta, eles conseguiram três mil reais pra gente começar o pontapé inicial da Quilombaque. A Quilombaque já andava sozinha antes, aí veio esses três mil, nós: “Nossa, estamos ricos”, aí a gente começou a ampliar as oficinas, né, e foi aí que deu, começou a colar muita gente nas oficinas, a gente fazia os eventos, o evento fechava a rua e a gente: “Putz”. E aí foi quando, em 2007, nós ganhamos o primeiro VAI.
P/1 – Esses três mil, que você falou: “Ó, agora”, o que isso...
R – A gente fazia sem nenhum real, imagina com três mil, a gente fez a revolução. (risos)
P/1 – Esse dinheiro, no que ele ajudou pra crescer, como é que isso ajuda? Entendeu?
R – Esses três mil ajudou a estruturar, assim, igual, a comprar materiais pras oficinas, porque antes a gente que bancava, a comprar alguns instrumentos básicos, a pagar, dar uma ajuda pra galera, né, pra quem dava oficina, foi assim que ajudou, na divulgação, imprimir, que a gente, nossa, a gente imprimia muitos xerox e colava em Perus inteiro a nossa programação. Muita gente conhece de, assim: “Não, eu vi esses cartazes”, que a gente fazia Cine Quilombo, aí passava filmes alternativos de quinta-feira.
P/1 – Na garagem ainda?
R – Na garagem, era o dia que deixava a minha mãe sem a novela, que nós pegávamos a televisão dela (risos) pra poder passar os filmes, né, ela ficava brava, mas: “Mãe, você entende, né”, e aí chamava Cine Quilombo, aí passava só os filmes pancada, né?
P/1 – Fala algum, você lembra?
R – Ah, nossa, era, faz tempo, né?
P/1 – (risos)
R – Zumbi somos nós acho que a gente passou lá, passou o que mais?
P/1 – Não, mas tudo bem.
R – Era... Tem lá o contra a Globo lá, como chama? Eu esqueci.
P/1 – Não, mas tudo bem.
R – Eram uns filmes meio... E aí colava as pessoas pra assistir, colava.
P/3 – Vocês cobravam?
R – Não, era tudo de graça, nada, era tudo gratuito, não sei como a gente mantinha, né, mas a gente dava um jeito.
P/1 – A de Libras então bombou?
R – A de Libras bombou, assim, aí por isso que a gente... A de Libras foi muito louco, porque a gente teve que abrir duas turmas, porque começou a colar professores, foi bem na época que os professores tinham que fazer Libras, e aí veio a galera da igreja evangélica, vinha o tiozinho, a tiazinha, nós: “Nossa Senhora”, a gente: “Caramba, meu, o negócio tá...”, foi a oficina que mais encheu (risos), que tinha mais gente era na oficina de Libras, né, e aí deu, tinha duas turmas de Libras.
P/1 – Tudo sem cobrar?
R – Tudo sem cobrar, a gente arrumou umas cadeiras, ah, tem o lance das cadeiras, a gente... Foi uma época, o que aconteceu? Até esqueci, está falhando a memória, mas a gente pediu, ah, veio aqui o Alckmin, o Alckmin chegou aqui em 2006, ele foi lançar, ele estava se lançando, 2006 não, 2008, eu acho, 2007, ele veio, ele estava se lançando a presidente, né, do Brasil e aí ele veio aqui nessa praça inaugurar um Poupa Tempo móvel, que ia ficar uma semana e ia embora. A gente falou: “Mano, esse maluco vem inaugurar uma coisa que vai embora, ele está de brincadeira”, aí nós, né, na militância: “Não, mano, vamos fazer uns cartazes, vamos colar lá”, aí a população inteira colando pra ver o Alckmin, né, falar um monte de baboseira. E aí a gente colou, eu, o Fofão, o Clevinho, a Tâmara e acho que um primo meu, e aí com cartaz, tá ligado?
P/2 – O Buzze.
R – É, o Buzze. Aí a gente com cartaz: “Mala direta: vote nulo” e do outro lado: “Cadê a cultura e educação?” e aí a gente, quando ele começou a falar, nós começamos a vaiar ele, mano, ele não conseguia falar. E aí, né, o que eles fazem? “Ah, nossos amigos petistas”, só que ele se ferrou, porque no cartaz estava: “Vote nulo” e aí eu tenho um cartaz assim, que eu estava assim, estava: “Mala direta”, um fotógrafo da Folha tirou ele lá atrás, mano, ele conseguiu pegar e como: “Vote nulo”, tá ligado? E aí nisso, meu, o Alckmin não esperava, ficou muito puto, o que eles fizeram? Mandaram o segurança deles pegar a gente e aí o segurança rasgou a camisa do Fofão, rasgou, arrancou a camisa, assim, nós: “Mano, a gente só está se manifestando”, sabe? E aí, meu, eles mandaram a polícia pegar a gente, quando a gente estava indo embora, uma assessora do subprefeito veio com a perua, colocou a gente pra dentro da perua e falou: “Não, eu levo vocês embora” e aí ela levou a gente até a garagem onde era a Quilombaque. Aí chegou lá, nós pegamos ela, deixávamos nas ideias e a mulher começou a chorar (risos), que é a Ana Leonor, e aí depois ela chamou a gente pra ir pra subprefeitura e o subprefeito estava querendo matar a gente, porque ele era do PSDB [Partido da Social Democracia Brasileira] e a gente tinha tumultuado quando o Alckmin veio aqui. Imagina o cara querendo matar você, sabe? E aí um dia a Ana Leonor chamou a gente pra uma reunião dentro do gabinete do cara, a gente foi, levou os instrumentos, estava fazendo uma ciranda, aí o cara chega, mano, o cara queria morrer, né? E aí, depois de um tempo, né, com essas mudanças de subprefeito, cargo de confiança, esse maluco saiu e a Ana Leonor virou subprefeita do bairro e foi aí que ela também começou a ajudar a gente, que ela já conhecia e aí ela emprestou as cadeiras da sub pra gente dar aula de Libras, foi aí que a gente conseguiu as cadeiras pros alunos, né? E a Ana Leonor ajudou a gente em várias coisas, até quando a gente foi pra feira no... pra Expo no Anhembi lá, com o Pinóquio, a Care não ajudou a gente em nada e a Ana Leonor ajudou, falou: “Não, vou imprimir uns cartazes pra vocês”, a gente falou: “Da hora”, sabe? Foi uma mulher que marcou, assim, também, na passagem da Quilombaque, que ela colava nas festas, meu, a subprefeita colando, a gente ficava de cara, né, e a gente colocava e ela ficava louca, porque a gente colocava uns protestos ainda, né, que ela: “Ô, meu, mano”, faz parte (risos), ela ficava meio brava, né, que ela colava e a gente tirava ela ainda. (risos) E aí depois ela saiu, entrou uma nova subprefeita e, no segundo dia que ela entrou, ela pediu as cadeiras e a gente, mano, cheio de alunos, a gente foi lá falar com essa mulher. Aí a gente chega lá, fala: “Não, então, meu, a gente precisa das cadeiras, está tendo curso de Libras”, a mulher chega assim: “Tá, vocês ficam um final de semana sem beber que vocês compram cadeira”, aí nós: “Mano, beleza”, aí foi o racha com a prefeitura, mano, não tem mais conversa. Aí, nesse mesmo ano, como era, ia ter eleição em 2008, veio a Gazeta e nos procurou aqui, eles fizeram um levantamento e o lugar mais precário de cultura era o Bairro de Perus, aí saiu uma matéria bem interessante, né? Eles fizeram uma matéria comparando a Paulista, o berço da cultura: “E agora vamos”, aí pegou, isso tem numa reportagem bem legal, pegou e chegou em Perus e a gente estava tocando percussão, aí fizeram uma matéria com a gente. Aí nessa matéria a gente falou, falou na Gazeta sobre a subprefeita: “Ah, então, como que é a relação?”, “Ah, não, então, a subprefeita falou pra gente parar de beber, que a gente comprava as cadeiras” e aí os caras foram questionar a subprefeita, aí essa mulher também queria matar a gente, né, mas, né, ela tomou o troco em rede nacional. (risos)
P/1 – Muito bom.
R – E aí depois, foi nesse processo, aí lá a Quilombaque já não cabia mais, naquele espaço, que era uma garagem bem pequena e aqui já era a oficina de marchetaria que a gente tinha e a gente decidiu vir pra esse espaço.
P/1 – Aqui, vocês conseguiram esse galpão, vamos dizer, esse lugar, como?
R – Então, não era esse galpão, né, era um galpãozinho meio capenguinha e aí meu pai tinha a firma aqui do lado e aí ele tinha alugado pra fazer um vestiário, assim, pra galera se trocar e aqui tinha esse espaço e a gente falou: “Não, vamos montar a oficina lá”, trocou ideia com o meu pai e esse quintal era um quintal de terra, aqui do lado não tinha, só tinha um telhado. E aí a gente locou o quintal pros caras do caminhão guardarem o caminhão aqui à noite e aí eles pagavam o aluguel, né, fazendo contabilidade criativa, então os caminhões estacionavam à noite, a gente cobrava o preço do aluguel integral e a gente ficava aqui com a oficina de marchetaria (risos) e fazia os trabalhos de marchetaria, né, com o Projeto Pinóquio.
P/1 – Vocês vieram pra cá e conta então como é que foi essa história aqui já, quando vocês estavam nesse espaço.
R – Então, aí em 2007 a gente ganhou o primeiro VAI, que era uma verba de 15 mil reais.
P/1 – Como é que vocês construíram esse projeto? Como é que vocês começaram a aprender a fazer projeto?
R – Meu, a gente fez isso, falou: “Nossa”, foi fazendo e não aprovava, aí depois, acho que nosso herói ainda não tinha chegado, a gente foi aprendendo fazendo, meu, comparando com outros, meu, não sabe nem escrever direito. E aí, só que o VAI, como é pra jovens iniciativas culturais, ele não tem essa formatação como um projeto, sabe? Tem que ter mais ou menos um, né, o que você quer fazer, o que você quer desenvolver, isso foi, essa iniciativa do VAI foi uma proposta que revolucionou os editais na Prefeitura de São Paulo pras periferias, porque o recurso começou a chegar nas periferias, porque a gente sabe que tem essa questão dessa máfia da Lei Rouanet.
P/1 – Que época era?
R – De que o recurso só fica no Centro, né, e o VAI, essa política de iniciativa cultural, foi o que deu formação pra um monte de coletivo que tem hoje na periferia, é por isso que, né, foi uma das ferramentas pra periferia se desenvolver artisticamente, culturalmente, politicamente e a gente conseguiu o VAI, assim, num dos primeiros anos, né, isso foi bem massa.
P/1 – E aí veio esse valor.
R – Aí a gente foi montar, era um grupo de percussão, né, e aí gente ia montar um bloco com 30 pessoas, aí a gente foi mapear o bairro, a gente colocou no Recanto dos Humildes, numa escola lá no topo da favela, e começamos a dar oficina lá e aí o bloco... Aí lá a gente conseguiu comprar os instrumentos, tinha uma estrutura, né, foi aí que a Quilombaque ganhou nome, porque a gente fazia os cortejos pelo bairro, só que agora, né, de responsa, assim, com bastante gente, com figurino, já era uma coisa mais, né, bem melhor, (risos) mais organizada.
P/1 – Fala os ritmos que vocês tocam.
R – A gente tocava, na época, samba-reggae, ijexá, maracatu, afoxé.
P/1 – Que ritmos vocês tocam?
R – A gente tocava maracatu, afoxé, ijexá, samba-reggae. O que mais? Funk, fazia uma mistura de um funk bem massa. (risos)
P/1 – Pra tocar esses ritmos, vocês aprenderam lá naquele grupo ou vocês continuam estudando pesquisando? Como que é?
R – É, a gente fazia uma mescla do que a gente aprendia e desenvolvia outros ritmos, né?
P/1 – Mas vocês vão fazendo experimentos, assim, meio autodidatas ou vocês têm alguma referência?
R – Não, a gente, depois, que a gente também foi estudar música, a gente foi fazer, foi estudar com o Abu, né, que foi que a gente foi estudar depois do Caranguejeira.
P/1 – Quem é?
R – O Abu, ele é percussionista que veio do Recife, um puta percussionista que até hoje a gente se encontra e aí a gente foi estudar com outras pessoas, aí a gente conheceu o Dido, que foi muito louco, assim, que a gente conheceu, depois que o Caranguejeira acabou, a gente foi começar a tocar em vários lugares, né? Aí um dia nós estávamos tocando lá perto do Parque Dom Pedro e aí estava meia dúzia de amigos que faziam parte do Caranguejeira, aí chegou o Dido do além, da rua, e pegou o instrumento e começou a tocar com a gente, quando vai ver ele era um percussionista que tinha acabado de chegar de Recife, estava na rua e a gente começou a tocar com ele e ele nos ensinar também, aí montamos um grupo com ele tocando, né?
P/1 – Quando vocês tocam, essas pessoas vão aprendendo, tem um custo pra vocês financeiro?
R – Então, não entendi.
P/1 – Pra vocês, acabou o Caranguejeira, algumas pessoas tocavam junto, vocês tocavam junto.
R – Não, a gente só pagou pra tocar com o Abu, que era meio que num conservatório, sabe, aí juntou um grupo de amigos e a gente pagava, mas só foi isso, o resto a gente aprendeu na prática.
P/1 – Aí vocês ganharam esse VAI, fizeram esse projeto, o bloco que vocês formaram foi com os jovens desse lugar, do Recanto?
R – Foi, foi com gente do bairro inteiro e gente de fora do bairro, começou a vir várias pessoas de São Paulo inteira, né, tinha gente que vinha do Taboão, tinha gente que vinha do Centro, tinha gente que vinha de tudo que é lugar, o Jair, que vinha lá do Tucuruvi, então começou a vir gente de todo canto pra tocar.
P/1 – Como é que essas pessoas ficavam sabendo?
R – Ah, a gente divulgava, tinha também essa conexão com o... Aí chamou algumas pessoas que tocaram com a gente no Caranguejeira, outras pessoas que conheciam a Quilombaque, que já tinham vindo em evento, e aí foi que deu esse boom, né, e aí foi bem massa o grupo.
P/1 – Vocês ficaram lá, esse projeto durou quanto tempo?
R – Durou, o projeto, a gente conseguiu renovar ele, foi feito em dois anos pelo VAI, só que o bloco durou até 2010, o Refúgio, começou a chamar Refúgio e a Quilombaque virou o espaço.
P/1 – Ainda é assim?
R – É assim?
P/1 – O bloco chama Refúgio e o espaço Quilombaque?
R – Não, o Refúgio acabou, aí a gente criou outro grupo, que chamava Catimbó na Véia Preta, que aí a gente fez um outro grupo pra tocar, sabe, só que hoje em dia, na correria, o grupo também está meio parado.
P/1 – Entendi.
R – Só que, com isso, nesse processo, eu fui dar aula, eu fui trabalhar com percussão, dando aula, e aí eu fui dar aula pra crianças especiais, né, aí eu fui dar aula, comecei a dar aula numa clínica de autista lá no Brooklin, de percussão.
P/1 – Como é que você chegou lá?
R – Foi uma amiga aqui nossa, que é psicóloga e ela perguntou: “Você conhece algum oficineiro?”, “Oxe, mano, nós. Como assim?”, ela: “É sério, mas vocês trabalham com crianças especiais?”, “Trabalho”, nunca tinha trabalhado: “Trabalho”, precisando de trabalhar, de dinheiro, trabalha. E aí, né, fui eu e o Douglas, o Buzze, pra dar aula lá na clínica de autista, mano, quando a gente chegou, nossa, foi tenso o negócio, né?
P/1 – Muitos?
R – Tinha, nossa, era uma clínica que era uma clínica particular que atendia o Servidor também, né, então tinha uma mistura de gente rica com pobre, era muita gente e a gente pegava três salas. Aí eu cheguei lá, já chegou um malucão grandão, já grudou no meu cabelo assim, eu: “Meu, e agora?”, eu, né, ficando de boa, foi uma vivência bem interessante, nós ficamos lá um ano.
P/1 – E aí, conta, assim, um pouco.
R – A gente teve que criar, mano, a nossa metodologia, mas, meu, era, foi um mundo muito doido, assim, principalmente nessa clínica, né, porque eu tive outra vivência, depois dessa clínica, eu saí, fui trabalhar na APAE de Caieiras e aí lá eu fui trabalhar sozinho, também com percussão. É um mundo muito diferente, né, é outra realidade, não tem nada a ver com o que a gente pensa, né, a gente se acha normal, mas é outra ideia. Igual, eu tive que estudar cada aluno, entender primeiro cada aluno, né, pra depois dar o instrumento, sabe, tinha, igual, na APAE, eu tinha aluno de vários, tinha várias deficiências, né, tinha autista, tinha Síndrome de Down, tinha esquizofrênico, eu tinha uma aluna que tinha um amigo imaginário, o Zé, aí ela falava com o Zé: “Ó, Zé, vamos dar banho na boneca”, ela tinha a minha idade, né? Eu falo crianças, mas são pessoas mais velhas, e aí a minha metodologia era achar que eles eram normais pra mim, meu, não tinha, porque todo mundo: “Ai, coitadinho”, coitadinho nada, comigo não tinha essa, era, meu... E aí eu zoava ela pra caramba também, né, um dia ela chegou: “Ai, Zé, esse professor é louco mesmo”, eu falei: “Vanessa, o que você está falando?”, aí: “Cadê esse Zé?”, ela mudava de assunto, falava: “Eee”. E aí eu montei um grupo de percussão com eles, na APAE eu fiquei dois anos e a gente montou um grupo que contava a história de Caieiras, né, foi muito louco, porque, meu, foi quando, eu lembro um dia que a gente foi apresentar no Dia das Mães, mano, foi mó emocionante, sabe? Foi um trabalho muito que marcou, assim, pra mim, sabe, de dar oficina, de como professor, de entender essas pessoas, entender esse mundo, né, porque lá na APAE eles cresceram juntos, então tem alunos que desde criança estão juntos lá, que era o único lugar que cabia eles nessa sociedade, né, zoada, que a gente vive. E lá a gente tinha muito o amor deles, sabe, de um bater e o outro, que não tinha nada a ver, chorar: “Meu, por que está chorando?”, “Porque ele bateu no outro”, sabe? Era, meu, um outro mundo, esse mundo que não tem dinheiro, não tinha esses conceitos que a gente entende, isso não existe nesse espaço que eles vivem, sabe, era muito o amor puro mesmo, era muito louco isso, né, e conhecer a família deles, porque tinha um aluno, meu, era muito louco, principalmente as mães, sabe, meu, porque é uma batalha ter um filho, né, com necessidade especial. E tinha família que tinha mais deficiência que o aluno, você fala; “Mano”, o aluno que segurava a casa, você fala: “Mano”, porque, nossa, foi uma vivência muito...
P/1 – Você disse que a tua metodologia era entender cada um como era.
R – É, entender cada um e não tratar como coitado, de falar: “Não, vamos, vamos trabalhar”, sabe, e também questão, porque vai buscar a teoria, Síndrome de Down é violento, eu tinha uma Síndrome de Down que era mais calmo e a outra que batia em todo mundo, sabe, então, meu, a teoria não batia muito. Eu tinha um aluno autista, que era o João, que ele, como o autismo ajuda a gravar coisas e eu falava pra ele: “Toca isso: tatitarititaque”, meu, ele tocava e não saía do ritmo, ele tocava tudo, eu só falava o que ele tinha, eu falava o barulho na orelha dele e ele tocava tudo, eu falava: “Mano, eu não tenho que ensinar ele”, que eu falava: “Mano, toca isso”, ele vai e tocava, a síndrome dele fazia com que ele gravasse o som e ficava e não perdia o ritmo. E aí tinha outros, né, ah, foi uma experiência muito, muito maluca mesmo, eu posso te falar, bem interessante e foi uma formação bem massa. Nessa época, eu dava aula na APAE pra especiais e dava aula na Pró-Morato de marchetaria, que também foi uma fase bem diferente também, porque a gente foi chamado pela Care, que é a ONG que nos ensinou a fazer marchetaria, pra dar aula na Pró-Morato, que é uma ONG conhecida em Francisco Morato e aí tinha alunos de 16 a 24 anos e aí a gente foi ensinar, né, foi dar aula. Eu cheguei, meu, pra, né, que marchetaria é bem precisão, aí eu cheguei pra menina: “Não, marca dois centímetros na régua”, ela não sabia o que era dois centímetros na régua, estava no terceiro ano do Ensino Médio, aí eu falei: “Quê?”, aí quando eu fui ver, meu, os alunos bem precários, assim, na questão de educação, aí, meu, a gente falou: “Mano, como assim?”, ficamos assustados, tinha gente que nunca tinha ido pra São Paulo, sabe, nunca tinha pegado o trem.
P/1 – Era aqui em Perus?
R – Não, em Morato, Francisco Morato. A gente, meu, falou: “Nossa Senhora”, sabe, tem um outro... E aí a gente começou a dar, vinha com todo o repertório cultural que a gente tinha pra eles, nossa, foi muito bom, assim, né? Aí depois veio um marroquino, que a ONG não queria que ele se matriculasse no nosso curso, porque ele não tinha RG, né, as burocracias do sistema, a gente bateu o pé: “Não, a gente quer ele”, ele fazia marcenaria em Marrocos. Quando viu o trabalho do cara, o cara faz um telhado inteiro de madeira, nós: “Nossa Senhora”, e a gente ensinou ele a fazer marchetaria, em três meses ele estava vivendo com uns trabalhos melhores que o nosso, nós: “Nossa Senhora” (risos). Só que era louco, porque a convivência com os alunos, com os outros alunos, metade da aula era dele: “Não, vamos, o que você faz lá? Ensina a escrever, né, em árabe. Ô, como que era lá?”, meu, era muito louco, né, esse repertório que a gente criou com os alunos que não tinham repertório nenhum. A gente começou: “Vamos fazer umas excursões, mano, nós vamos lá, vamos num show” e começamos a sair com a molecada, né?
P/1 – Isso era a Quilombaque fazendo?
R – Então, não, a gente era uma parceria da Care, que contratou a gente, que era o Projeto Pinóquio, fazia parte da Quilombaque, que era a oficina que a gente criou, pra dar aula lá na Pró-Morato, né?
P/1 – Então, ouvindo você, Dedê, falando tudo isso, a Quilombaque hoje, com toda essa história, o que ela faz agora?
R – A Quilombaque?
P/1 – Vocês conseguiram o primeiro Projeto VAI e fizeram aquela ação lá no Recanto, depois vocês continuaram fazendo projetos?
R – Então, isso foi uma fase bem de “sevirologia” mesmo na Quilombaque, porque a gente pegou VAI em 2007 e 2008, em 2009 nós não pegamos nada. E como manter essa estrutura que a gente já tinha? Não tinha nenhum real no bolso, tinha um grupo de percussão com 30 pessoas, tinha um monte de oficinas acontecendo aqui e como manter o espaço? Porque aí a gente já tinha mandado os caminhões vazarem, porque aí já dava pra, né, e foi um ano bem difícil pra Quilombaque, a gente chegou a um patamar: ou fecha a porta ou... E aí foi quando abriu o edital do Ponto de Cultura, aí a gente começou a escrever, o Soró escreveu o projeto.
P/1 – O Soró aí já estava aqui?
R – É, o Soró já tinha chegado, né, a formação depois de escrever projeto foi com o Soró, de virar a noite, de madrugada com o Soró, escrever, né, eu aguento o Soró há anos falando, não é de hoje, de escrever, virar a noite, meu, já teve várias vezes, escrevendo, trocando ideia com o Soró, o Soró caía em cima do computador e eu: “Nossa” e deixava ele lá, a tela enchia, falava: “Mano, deixa o cara dormir, né? Vai fazer o quê?”, várias noites viradas escrevendo projeto, projeto. E aí a gente mandou esse pro Ponto de Cultura, que era um edital do MinC [Ministério da Cultura], né, em parceria com o Governo do Estado, e o Ponto de Cultura era uma referência de política cultural, o Mais Cultura, que veio desde a gestão do Gil, que revolucionou, né, foi uma criação do Célio Turino.
P/1 – E funcionou mesmo pra vocês?
R – Nossa, funcionou muito, assim, a gente foi em encontros de Ponto de Cultura, muito massa, assim, né? Aí, em 2009, nós já, mano, não sabia o que fazer, aí no final do ano saiu o resultado, saiu um pré-resultado, né, e a gente comemorou achando que a gente tinha ganhado e a gente: “Nossa, ganhamos”, falamos na praça, já fazia evento na praça: “Mano, a gente é um Ponto de Cultura” e não era nada, nós: “Putz”. Depois que a gente foi ver que não tinha sido contemplado, aí nós falamos: “Mano, ferrou e agora?”, “Agora vamos ficar quietos, vamos esperar e rezar, né, pra ver se...” E aí a gente foi contemplado mesmo, né, e aí foi o primeiro Ponto de Cultura nessa região.
P/1 – Na repescagem?
R – Não, é porque não tinha saído o resultado, a gente comemorou, sei lá. (risos)
P/1 – E aí saiu.
R – A gente tinha muita confiança e aí saiu o Ponto de Cultura e o Ponto de Cultura já era um... A gente desenhou um projeto pra trabalhar em rede também, a gente já queria trabalhar, o projeto que a gente desenhou era desenvolver a Quilombaque e trabalhar em cinco bairros vizinhos, então a gente ia trabalhar em Jaraguá, Taipas, Brasilândia e Anhanguera. E aí a gente chamou grupos parceiros, que era uma célula, então tinha a Quilombaque, que a gente desenvolvia a sustentabilidade dos coletivos aqui do bairro e aí fazia, tinha que ter uma... Aí uma vez por mês tinha uma apresentação na Brasilândia, uma em Taipas, uma no Jaraguá, outra na Anhanguera. A gente fazia esses grupo circularem, sabe, e aí foi crescendo essa rede e a gente criou essa rede e aí a gente entrou, o Ponto de Cultura, a gente entrou com uma instituição que não era a Quilombaque, que a gente ainda não tinha associação e tinha que ter dois anos, aí o Soró veio com o parceiro dele, que era um instituto. Como chama o instituto? Até esqueci, era o do Nando, mano, esqueci o nome.
P/1 – Tudo bem.
R – E aí, no primeiro ano, o recurso era de 60 mil por ano, eu acho.
P/1 – E eram dois anos?
R – Eram dois anos, três anos, né?
P/1 – Esse primeiro Ponto de Cultura que vocês conseguiram a grana?
R – É. E aí, no primeiro ano, nossa, deu um boom na região e aí começou a bater vários outros grupos, meu, veio gente de Osasco, Vila Menk, veio gente de Morato, parceiros, falando: “Não, mano, a gente quer entrar na rede” e a gente: “Putz, mas, né, então vamos entrar”, mas não tinha recurso pra todo mundo: “Mas vamos ver o que dá pra fazer” e foi-se criando uma rede. Essa rede ficou grande, foi ficando grande, aí, no outro ano, o cara, o presidente da associação dá o golpe, some com o nosso dinheiro.
P/1 – Nossa!
R – E aí como manter a rede, (risos) manter o projeto sem recurso? O cara sumiu, deu o golpe na instituição inteira e levou nosso dinheiro de bandeja ainda, acabou com a instituição, né, e aí a gente, mano, quebrou nossas pernas, a gente falou: “Mano, ferrou geral”, sabe? E foi aí que a gente começou a aprender a viver em rede, né, porque a gente, um ano a gente estava cheio do dinheiro, no outro não tinha mais nada e aí a gente teve que mandar outros projetos, a gente conseguiu alguns VAIs, só que não... Igual, a gente conseguiu VAI pra a Trupe, a Trupe Liuds, né, que tem uma trupe de palhaços, e foi a Trupe que teve que bancar a Quilombaque um ano, porque a gente perdeu dinheiro, o cara sumiu com o dinheiro.
P/1 – Quando vocês pensaram em trabalhar em rede, essa ideia surgiu da Quilombaque ou fazia parte do projeto fazer rede?
R – Que projeto?
P/1 – Era exigência do projeto fazer rede?
R – Não, ah, tinha algumas coisas, mas a gente já queria trabalhar em rede com alguns coletivos, né?
P/1 – Aí vocês é que chamaram esses grupos de outros lugares?
R – É, o desenho do nosso projeto era esse: trabalhar em rede com os bairros vizinhos e fazer essa articulação de circular os coletivos, as atrações, né?
P/1 – Quando o dinheiro sumiu, esses outros grupos que foram se agregando, houve uma continuidade?
R – Sim, aí foi o que sustentou a Quilombaque também.
P/1 – De que jeito que sustenta?
R – A gente precisava de uma apresentação, eles tinham grupo: “Ah, vamos fazer um sarau”, vinha o sarau da Brasa e realizava o sarau aqui. “Ah, estamos precisando do som”, nisso a gente já tinha comprado equipamento, a gente emprestava o som, foi emprestando: “Ah, está precisando do quê?”, “Vamos fazer grafite, chama os grafiteiros”, “Ah, está precisando na Vila Menk”, na Vila Menk nós fazíamos festival pra 20 mil pessoas na rua, cinco palcos, tudo em rede, nós não tínhamos um real no bolso, vai fazer um festival pra 20 mil pessoas, que era o aniversário da Vila Menk.
P/1 – Mas isso já com o dinheiro sumido?
R – Já sem dinheiro (risos), só que com o dinheiro a gente já tinha feito, a gente tinha estruturado a questão de equipamento de som, de luz, a gente tinha um palco, que a gente pegou, a gente... Tem a escola de samba, a gente pegou um carro alegórico deles e transformou num palco móvel. Então a gente precisa de um palco, nós guinchávamos o palco, o palco cinco por quatro, grande, com telhado, tudo, um sistema, guinchava e levava e aí era um palco que circulava por várias quebradas, o palco pronto, sabe? E aí até que o palco chegou em Carapicuíba e foi preso lá, porque não tinha placa, porque a gente deixou, meu, era como se fosse um carro alegórico, era um palco, né, que tinha que chamar o guincho pra levar e aí nisso nós perdemos o palco, no meio desse caminho aí (risos). Só que aí já tinha uma rede com vários outros coletivos, né, várias instituições também.
P/1 – Você acha que é um caminho, Dedê?
R – Ah, total, eu acho que o que mantém os coletivos hoje é a rede, hoje a gente tem o MCP, né, Movimento Cultural das Periferias, que é essa rede que se articulou. Porque a gente começou com uma rede aqui, mais na região, né, noroeste, chegava à Osasco, Franco, só que lá na Zona Sul já tinha uma outra rede da Zona Sul, na Zona Leste tinha uma outra rede de coletivos, tudo coletivos culturais.
P/1 – Mas essas redes foram acontecendo meio que paralelamente ou vocês é que começaram, tiveram essa ideia?
R – Não, isso foi paralelamente, que chegou a um patamar que se uniu. E aí então o que acontece? Toda a articulação cultural na periferia passa por todas as periferias e não passa pelo Centro, tem essa articulação, que não circula o Centro e por isso essa união, a gente sabe o que está acontecendo lá no Itaim Paulista, sabe o que está acontecendo lá no Jardim São Luís, no Grajaú, sabe, porque tem essa rede. E foi a partir dessa rede que a gente se juntou e escreveu o Fomento à Periferia, né, que foi o edital que a gente conseguiu transformar em lei o ano passado.
P/1 – Com esse movimento?
R – Foi com esse movimento.
P/1 – Tem uma liderança, um grupo que coordena? Como é isso?
R – Vários grupos que coordenam, né, de várias regiões.
P/1 – A Quilombaque participa?
R – A gente é um dos participantes atuantes, meio que liderança com alguns coletivos, sempre tem, né, os coletivos que têm que puxar o negócio, se não o bagulho não anda. E a gente virou meio que referência pros coletivos da periferia, até pelo tempo, assim, a gente, a nossa referência de espaço que a gente sempre teve a referência é o Pombas Urbanas, né, que o Pombas, pra gente, nossa, mano, nossa, nós nos espelhamos no Pombas Urbanas e aí muita gente se espelha na gente e aí a gente foi criando essa rede com vários coletivos.
P/1 – Por que vocês se espelham no Pombas Urbanas?
R – Ah, pela organização e pelo movimento que eles têm lá na Cidade Tiradentes, né, meu, uma articulação bem interessante e são muito parceiro nosso, né, sempre traz exposição, já veio vários espetáculos pra cá, a gente já foi pra lá e essa troca, né, porque eles também têm uma vivência de mais anos, né, o Pombas Urbanas tem 25 anos, então já deu pra sofrer mais que a gente. (risos)
P/1 – Dedê, assim, vocês formaram essa rede, elas foram aparecendo simultaneamente ou algumas ou uma surgiu primeiro e as outras pegaram de exemplo?
R – Então, a gente, a Zona Sul sempre teve à frente no movimento cultural de São Paulo, até pela questão do rap, a questão dos movimentos de base lá, sempre a Zona Sul era referência, assim, porque, igual, no Projeto VAI, onde vinha mais projeto era a Zona Sul, porque lá tem várias instituições já de muitos anos, né?
P/1 – Mas essa ideia de rede que eu quero dizer.
R – Então, lá já tinha uma rede forte, na Zona Sul, só que a rede eu não sei o que acontecia e aí a gente foi criar a nossa aqui, né, com os coletivos parceiros daqui e foi também essa questão do VAI, ajudou muito, contribuiu, porque aí começou a pegar VAI, começou a desenvolver os projetos, né? Igual, vários parceiros começaram com o VAI e a gente também dava formação pra os grupos iniciantes escreverem VAI e conseguirem pegar e conseguirem desenvolver, até hoje é assim, né, a gente, meu, vários grupos que estão iniciando, a gente fala: “Não, escreve o VAI pra poder...”.
P/1 – E a Universidade Livre, o que foi isso? Algum projeto, o que é isso?
R – Então, a Universidade Livre vem também de um outro processo sofrido, sempre vem do sofrimento, né, em 2011, no mesmo ano que nos roubaram, que levou o dinheiro, veio o projeto do Parque Linear aqui pro Bairro de Perus. O que que acontece? Perus, como teve o aterro, tinha que ter uma... Eles pegaram o aterro, fechou o Aterro Bandeirantes, eles transformaram o aterro e transformaram em gás, uma energia renovável, então Perus, pelo Protocolo de Kyoto, tinha uma energia renovável, então tinha um crédito, chama crédito de carbono. Que o que acontece? Os países do mundo inteiro, tirando os Estados Unidos, claro, assinaram um tratado de poluição, de limite de poluição e os países só podiam atingir esse limite, né, e aí os países que não atingiam esse limite podiam vender o crédito pro outro país poluir mais lá, mano, capitalismo do caos, né, é isso que é o crédito de carbono. E aí Perus, como tinha essa questão da energia renovável, que já tinha sido degradado, eles começaram a leiloar esse crédito, porque tinha essa energia renovável que ia pra rede, né, e aí tinha esse leilão e aí nesse leilão era muita grana que começou a entrar, né, 60 milhões por leilão, que a União Europeia comprava pra poder poluir lá, uma coisa maluca, né? No Protocolo de Kyoto, esse recurso era pra ser desenvolvido no local, só que a Secretaria do Verde, na época, pegou o dinheiro e sumiu, não desenvolveu local nenhum, nós continuamos na mesma miséria, ela plantou umas arvorezinhas e aí pra, né, passar um pano, né, pros investidores lá, precisava ter um projeto, aí criaram o parque linear, um megaprojeto, que custava 109 milhões.
P/1 – O que era esse parque linear?
R – O parque linear é um projeto que permeia esse rio, aqui atrás da Quilombaque tem um rio, que permeia o rio, ia ser um parque maior que o Ibirapuera, que vai na margem do rio e nisso tinha, dentro do projeto, né, casa de cultura, uma escola ambiental, tinha tudo, a coisa mais linda, maravilhosa. Só que esse projeto foi construído por uma empresa de arquitetura da FAU [Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo], só que eles não pisaram no espaço pra desenvolver o projeto, eles, meu, pegaram lá no Google Maps, fizeram o projeto, que estava no projeto rapa fora. Só que aí quem estava? A gente. E aí o que acontece? A gente recebe a notícia que ia ter uma desapropriação, aí: “Mano, como assim? Mano, ninguém falou nada”, já estavam com o projeto e aí a gente começou a tretar lá na subprefeitura, só que os moradores iam pra bater nos caras, porque iam perder a casa, né, perder a casa, eles queriam pagar cinco mil por terreno, o cara que tinha casa com sobrado, com cinco famílias, né, que na periferia você constrói um prédio, né, e mora a família, a filha que casa, depois o neto, e eles queriam pagar cinco mil por cada casa. Aí os moradores se uniam e iam espancar a galera, só que nisso não estava mobilizado o bairro, né, cada um estava com o seu interesse. Aí o que que a gente fez? Aí um dia, nós num sarau aqui, veio um professor da FAU, o Euler, aí o Euler: “Não, eu sou da FAU”, “Então, meu, criaram um projeto lá da FAU que quer derrubar o nosso espaço” e o Euler é um professor militante pra caramba, um cara sensacional, assim, sabe? E aí ele quis entender, né: “Como assim?” e aí a gente explicou a situação, falou: “Mano, criaram um projeto”, ele sabia quem fez o projeto, né, que eram os amigos, que dão aula lá na FAU, ele: “Não, eu sei de quem é esse projeto” e foi perguntar pra galera, né, e aí nisso o Euler veio e deu uma formação pra gente, uma formação pra entender um projeto de arquitetura de um parque, né? E aí nisso a gente começou a marcar encontros com as comunidades que iam ser desapropriadas e a gente ia dar formação pra eles e construir um projeto, primeiro, a gente começou a ler o projeto que a prefeitura estava propondo e entender várias questões que não tinham nada a ver, né, se a gente for pensar, o CEU [Centros Educacionais Unificados] estava irregular, está na beira do rio, mas aí... Porque o projeto deles era meio quadrado, né, o posto de gasolina, que está na beira do rio, ficava, o CEU ficava, o outro cara que tinha mais dinheiro ficava: “Mano, que história é essa? Por que a gente não vai ficar?”, né, e aí foi levantando esse questionamento e o Euler deu essa formação pra gente. Aí a gente marcou com as comunidades que iam ser desapropriadas, que a gente ia dar uma formação, aí a gente levava o cinema.
P/1 – Vocês fizeram essas formações?
R – É, fizemos formação na região toda, a gente marcava com a galera num espaço, aí levava o cinema, levava Narradores de Javé, esse filme, e assistia e depois a gente ia discutir o projeto e aí a gente levou essa formação pros moradores: “Ó, esse projeto está assim e assim e vamos construir um projeto que a gente quer” e a gente, nesse processo, construiu um projeto da comunidade. E aí, depois, a gente chamou a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente pro debate, chamamos os arquitetos que escreveram esse projeto pro debate, chamamos a subprefeitura e, mano, a gente começava a fazer perguntas técnicas que eles não sabiam responder, igual, o embate que tinha antes da moradia, meu, tinha tiozinho de 80 anos perguntando a questão da hidráulica, não sei o que, que os técnicos: “Mano, a gente não sabe responder isso”, sabe? Aí foi ficando feio pra eles e aí a gente conseguiu reduzir a desapropriação em 80%, de remanejar, dar um jeito de pôr no projeto, foi e aí a gente questionou: “O projeto, caramba, tem um espaço cultural, tem a escola de meio ambiente, mano, a gente já está fazendo isso já faz tempo, mano. Por que vocês querem derrubar a gente pra construir uma coisa que a gente já está fazendo?”, sabe, e aí começou a questionar e os caras ficaram meio perdidos. E aí foi nisso que a gente começou a pensar nessa formação de uma Universidade Livre, aí o Euler propôs de trazer os estudantes da FAU pra estudar o território, pra estudar mais, aumentar o caldo na nossa luta, porque aí já está discutindo com a USP, aí já é outro patamar, aí depois o Euler começou a querer saber a questão da fábrica de cimento, que a gente movimentou pra fábrica.
P/1 – Esse mapa tem a ver com isso?
R – Tem, esse mapa tem tudo a ver com isso (risos), na verdade.
P/1 – Vocês construíram esse?
R – É, esse mapa é uma construção também da Universidade Livre pra discutir o território. Então a gente tinha as aulas todo sábado, vinham os alunos da FAU e a comunidade que quisesse participar das aulas e a gente começou a dar aula, começou na Quilombaque, né, nas aulas pra estudar o território. Depois a gente começou a circular, então a aula era do CEU, depois era lá no meio da quebrada, lá no meio da favela, ia lá em cima no morro.
P/1 – Isso vocês chamaram de Universidade Livre, era isso?
R – Esse foi o primeiro processo de Universidade Livre, que a gente... Que aí tinha o certificado da USP, sabe, aí foi bastante gente que participou, a gente ficou três anos, eu acho, nessa formação, aí a gente falou: “Meu, é a Universidade Livre”, né, de aproximar, meu, que a gente tem essas tretas com a academia, né, principalmente com a USP, que todo conhecimento fica dentro dos muros da USP e não chegava nada pra cá, né?
P/1 – Quem vinha eram estudantes, mas não tinha nenhum financiamento pra esse projeto?
R – Não, eram os estudantes da FAU, era uma disciplina do Euler, que ele dava e os estudantes vinham aqui e a comunidade em geral vinha, quem quisesse participar participava junto, no mesmo patamar.
P/1 – Tinha um certificado pra todos os participantes?
R – Pra todo mundo e aí foi uma proposta da Universidade Livre, né, que aí depois se ampliou, a gente fez uma articulação com o CEU e aí foi desenvolvendo vários outros cursos nessa linguagem do território, né? Nisso o movimento com a... Tinha um movimento de ocupação da fábrica de cimento, né, porque desde quando a fábrica fechou, a fábrica de cimento é a primeira fábrica do Brasil de cimento e aí teve a maior greve, você sabe disso, né?
P/1 – Humhum.
R – E aí, quando a fábrica fechou, os Queixadas que queriam transformar a fábrica num centro cultural da memória, né, dos Queixadas, só que tem uma história, que a família Abdala que é dona do terreno, que é contra, que os caras querem construir um condomínio fechado e tem esse embate, né, até hoje. E aí até na gestão passada tinha uma proposta de um ceder um outro espaço pra eles e eles cederem a fábrica pra gente, só que ficou difícil, eu acho que nessa gestão é mais fácil o cara ajudar a construir o condomínio fechado do que a gente fazer o movimento de memória, né, infelizmente.
P/1 – Dedê, a Jana, Janice, qual a função dela aqui? Ela trabalha mais com a parte administrativa e de gestão...
R – Então, a gente, o que que aconteceu? A Quilombaque foi tomando uma proporção grande, assim, né, porque a gente, hoje, a Quilombaque, você tinha perguntado, a Quilombaque hoje é um espaço que agrega vários coletivos, né, é um espaço independente que agrega vários coletivos e desenvolve vários coletivos dentro da Quilombaque. Então hoje tem grupo de capoeira, tem de percussão, de palhaço, de dança, de jongo, tem um monte de coisa, né, e são grupos, tem sarau, são grupos autônomos, que a gente busca essa autonomia dos coletivos, dos grupos que se criam aqui, e a Quilombaque faz essa gestão de como a gente conseguir essa sustentabilidade pra esses coletivos se desenvolverem artisticamente e como se desenvolver o território, né, nessa questão da cultura de paz, sabe, desenvolvimento do território na questão de geração de renda através da cultura, do turismo, né? Aí, nisso, a gente, né, a Quilombaque foi ficando gigante nas nossas mãos e a gente teve que cada pessoa pegar uma demanda, a Jana, hoje, fica nessa demanda mais da gestão, da burocracia, que Nossa Senhora, é bem difícil, né?
P/1 – Hoje vocês são uma organização?
R – A gente é uma associação, né, que aí depois que a gente tirou o CNPJ, ficou mais... A gente fala mais fácil e mais difícil, porque é muito burocrático, mas a gente começou a concorrer a editais, né, maiores, que precisavam de ter pessoa jurídica, né?
P/1 – Vocês conseguem ganhar esses editais pra manter essa estrutura?
R – Então, a gente consegue alguns editais, a gente também cria editais, né, que foi o Fomento à Periferia.
P/1 – Ah, existe essa possibilidade?
R – Na verdade, foi isso que aconteceu, porque, quando o VAI, antigamente podia pegar dois anos o VAI só, o coletivo pegava dois anos, não podia pegar mais, então a gente tinha pegado o VAI com a percussão, já pegamos o VAI com o circo, pegamos o VAI com o grupo de DJ, já pegamos o VAI de tudo que é jeito, de fotografia, só que o VAI pagava o projeto específico, não pagava o espaço, né? E aí a gente foi bater na Secretaria de Cultura, falou: “Não, mano, vocês estimularam a gente, só que agora a gente está num buraco”, a gente, na época, quando a gente pegou Ponto de Cultura, foi o único grupo que saiu do VAI e virou Ponto de Cultura, porque o resto dos grupos se acabavam, porque tinha o VAI, tinha o Fomento ao Teatro, à Dança, e a gente não se encaixa no fomento de teatro nem da dança, né? E aí foi aí que a gente criou o VAI Dois, o VAI Dois era pra grupos que já tinham pegado o VAI duas vezes.
P/1 – Vocês conseguiram essa influência?
R – A gente que teve que bater e criar essa demanda pra secretaria e construir esse edital junto com eles.
P/1 – É municipal, secretaria municipal?
R – É municipal, secretaria municipal. E aí a gente criou o VAI Dois e o VAI Dois era uma verba maior, era o dobro do VAI Um, né, pra grupos que já tinham pegado o VAI e também dava foco pra espaços independentes e aí a gente conseguiu pegar o VAI Dois duas vezes, só que também só podia pegar duas vezes. Aí a gente: “Mano”, e já tinha essa rede com as periferias, a gente: “Mano, mas o VAI é muito pouco”, né, perto dos fomentos, Fomento à Dança é 700 mil, sabe? Fomento ao Teatro também, e aí pra periferia chega VAI de 50 mil? Mano, não está batendo essa conta, né, porque os fomentos... E aí que a gente fez essa lei de criar da Lei de Fomento, a Lei de Fomento foi escrita pelos coletivos da periferia, a gente escreveu a lei e fomos na secretaria, na Câmara, falar: “Mano, a gente quer que aprova isso”, fizemos pressão dois anos atrás do Haddad e aí ele chegou e aprovou.
P/1 – Agora é lei?
R – É lei, é lei, é como se fosse o Fomento ao Teatro, o Fomento à Dança, tem o Fomento à Periferia, que está congelado, o recurso está congelado, né, sabe, é conquista, mas toda hora vem, nada é fácil, porque a gente foi contemplado pelo Fomento à Periferia, a Quilombaque, só que o recurso está congelado pela nova gestão, né? E a gente está no embate, porque, meu o que faz? Como que mantém essa estrutura? Como que mantém todo o projeto que a gente tem, sabe?
P/1 – E os coletivos, quando vocês recebem esse recurso, os coletivos recebem também?
R – Recebem, é a gestão, gere tudo, a programação, as oficinas, a divulgação, tudo, pagar aluguel.
P/1 – Os coletivos ganham alguma coisa também?
R – Oi?
P/1 – Eles são remunerados por meio dos fomentos?
R – Sim, então...
P/1 – Vocês não pegaram nenhum fomento ainda, por enquanto?
R – Não, a gente pegou o Fomento à Periferia.
P/1 – Ah, já chegaram a pegar, é verdade, você falou.
R – A gente já está com esse fomento. O que aconteceu? A gestão passada antecipou sabendo que ia dar B.O. esse ano e aí eles fizeram o pagamento da primeira parcela em dezembro, foi a única que a gente recebeu, essa gestão travou todo o dinheiro da cultura, eles congelaram 43% da verba da cultura, o resto é só pra pagar a gestão, pra pagar os funcionários, o que é pra pagar projetos está tudo congelado.
P/1 – Só pra terminar essa parte, Dedê, por meio desses recursos, os grupos recebem alguma ajuda de custo, alguma remuneração, esses coletivos que tem aqui?
R – Sim, a gente tenta manter eles e incentivar a autonomia deles, né, através de escrever projetos, através de vender apresentações, é assim que é a sustentabilidade, né? A gente é contra a Lei Rouanet, né?
P/1 – Por quê?
R – A gente não concorda que a iniciativa privada escolha quem ela quer bancar, sabe, eu acho que isso é um papel do Estado, né, e a gente é contra a Lei Rouanet, a gente nunca escreveu nenhum projeto pra Lei Rouanet e acho que nunca vai escrever, a gente só recebe recurso através de edital, porque, meu, infelizmente essa lei privatizou totalmente a cultura do país, né, quem recebe são os grandes gestores. Como que a gente vai atrás? O Grupo Pandora escreveu a Lei Rouanet e foi apta a captar, como que ela vai bater? Aqui tem a Natura, sabe, como que vai bater numa empresa falando mal da questão do capitalismo? Você acha que eles vão bancar? Sabe?
P/1 – A empresa não bancaria grupos que questionam, é isso que você está dizendo?
R – É, eu não conheço nenhum grupo que pegou Lei Rouanet na periferia, só pega os festivais grandes, Cirque du Soleil, os musicais da Globo, isso que é a Lei Rouanet, é isso que nós estamos discutindo, essa é a gestão cultural do nosso país, infelizmente é isso.
P/1 – Você disse que o Pandora não conseguiria por quê?
R – Porque como vai captar um recurso pra falar mal do capitalismo pegando o dinheiro da indústria? Será que é de interesse da indústria financiar esses coletivos, né? Então tem essa questão aí.
P/1 – É nesse momento que vocês estão?
R – É nesse momento que a gente está, a gente está lutando pra descongelar o recurso da secretaria, que foi aprovado o recurso da cidade, Lei de Fomento à Periferia, Semana do Hip-hop, as casas de cultura, Fomento ao Teatro, Fomento ao Circo, Fomento à Dança, o cara simplesmente congelou tudo. Cancelou um edital da dança, a galera já tinha mandado os projetos, já estava com o júri já selecionando projeto, ele simplesmente cancelou de um dia pro outro, num sábado, saiu no Diário Oficial num sábado, não falou com ninguém, sabe? A gente está, infelizmente, num momento de luta, isso só nos une ainda mais, né, porque... O que aconteceu? A cultura, os coletivos culturais de São Paulo se uniram numa frente única, a gente já estava vindo com essa questão do movimento cultural de periferia, que já estava forte, já estava debatendo de frente na Câmara Municipal, na Secretaria de Cultura, que a gente teve um super avanço, né, que conseguiu várias conquistas no final do ano. E aí chega essa gestão, chega atravessando, só que agora, mano, a treta é um gestor contra uma cultura de uma cidade inteira, né, porque, mano, quero ver quem é a favor do cara, (risos) tá ligado? Pior que tem, né, infelizmente.
P/1 – A gente já tem que terminar agora, Dedê. Você quer falar alguma coisa que a gente não perguntou? Até você de um grupo de palhaços, em relação aos tambores, alguma coisa que tenha mais esse lado da arte, isso, se você quiser também falar, que a gente pouco perguntou disso.
R – É, só veio pra questão política, né?
P/1 – Eu perguntei bastante sobre isso também, porque a gente está perguntando sobre a gestão, né, o foco principal em relação à Quilombaque, nesse momento. Mas por isso que eu estou falando, se tem alguma coisa que você quer falar, que a gente não perguntou.
R – Não, eu acho que, pra mim, eu estou contente.
P/1 – Quer perguntar alguma coisa, Cleiton?
P/2 – Aquela pergunta de sempre. (risos)
P/1 – Qual é?
P/2 – O que é a Quilombaque pra você e a perspectiva que tem no seu ver?
R – A Quilombaque pra mim foi a minha escola, foi a minha universidade, que eu não tive, a gente criou a universidade aqui, a gente criou o espaço na prática, a nossa formação foi toda aqui, tanto teórica, na prática, como outras conquistas, né? Hoje, a Quilombaque nos permitiu voar, eu posso falar que a gente começou com um grupo de percussão, querendo tocar e não sabia a repercussão, que esses tambores iam chegar, que hoje é a Quilombaque. Eu posso falar isso, porque a gente entrou em vários espaços que a gente não poderia entrar, né, se a gente não tivesse a Quilombaque, eu acho, assim, a gente, eu falo por mim, assim, meu, de dar palestras em vários momentos, começou a dar palestra no Senai [Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial], depois viajar, já fui, meu, pra vários lugares, já tive, pra falar de Quilombaque, igual, fui pra Colômbia, pra Bogotá, pra falar da experiência da Quilombaque. O ano passado, eu fui pra Inglaterra e pra Escócia pra falar da experiência da Quilombaque, sabe, ficar, o ano passado, eu fui pra ficar num castelo medieval, fazendo imersão com artistas do Reino Unido, pra falar de Quilombaque, sabe? A Quilombaque, meu, me proporcionou tanta coisa, tanta formação que está muito além de um espaço, né, e acho que a perspectiva é ampliar cada vez mais e dar mais oportunidade a pessoas. Eu acho que a Quilombaque é um portal, a gente fala aqui, porque a gente vê resultado, a gente vê resultado no dia a dia, de várias pessoas que passaram por aqui, que hoje, igual a Tâmara é doutora da alegria, o Dante, meu, se formando em música na federal de Ouro Preto. Várias pessoas que saíram daqui hoje vivem de arte, vivem bem de arte, sabe, e saíram desse mundinho, que era pequeno, nos coloca tão pequeno, né, que fala: “Putz, você é da periferia, você é um pobre coitado”, pobre coitado coisa nenhuma, a gente pode ir pra onde a gente quiser, sabe, é só a gente acreditar. Eu acho que a Quilombaque é isso, é um espaço, é um portal que a gente fala que tudo que é torto para aqui, né, e a gente tenta transformar essas pessoas em buscar os seus objetivos, seus ideais. Tem frustrações no meio do caminho, tem porrada, tem, mas tudo é processo, né, e a gente também está construindo, não sabe o que é certo, o que é errado, a gente está construindo no dia a dia, nosso dia a dia é esse, cada dia é uma dificuldade que a gente tenta passar, né, e acumular as experiências que a gente já passou pra poder não sofrer mais igual, né, sofrer de outras formas, mas tentar ampliar, né, sempre pra frente, eu acho que é isso.
P/1 – Muito bom, obrigada.
R – De nada.
P/1 – Foi ótimo.
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