P1 - Bom dia, Baiá, tudo bem?
R - Bom dia. Tudo bem, graças a Deus.
P1 - Tudo bem. Então, a gente vai começar com a entrevista: eu gostaria que você nos contasse, primeiramente, seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Bom, o meu nome completo é José Roberto Fagundes, né? Meu apelido é Baiá, desde a infância. Então, eu também me sinto Baiá. E a minha idade, eu tenho 44 anos. Nasci em Campinas (SP). E moro ainda em Campinas já, agora, entre quatro anos.
P1 - Certo. Qual o nome dos seus pais, Baiá?
R - Meus pais! O nome do meu pai: José Roberto de Brito. E aí, então, o José Roberto, herdei do pai. E o nome da minha mãe: Maria das Graças Fagundes. Fagundes, eu herdei da minha mãe.
P1 - Você tem irmãos, Baiá?
R - Tenho irmãos. Eu tenho cinco irmãos, nós somos em seis. Somos em quatro homens, né, contando comigo e mais duas mulheres.
P1 - E onde você está nessa escadinha?
R - Nessa escadinha, (risos) eu sou o quarto.
P1 - Certo. A sua família é de Campinas mesmo ou seus pais vieram, seus avós vieram de alguma outra cidade ou algum outro estado?
R - Os meus pais vieram de outros estados e cidades, né? A minha mãe, mineira. A minha mãe, minhas tias, minha vó, enfim, mineiras. Na cidade de Ervália, natural de Ervália, Minas Gerais. Meu pai, a história do meu pai pra mim, ela... Eu sei pouquíssima coisa do meu pai, porque, assim que eu nasci, o quarto filho de meu pai faleceu quarenta dias após o meu nascimento. E também, a família do meu pai não foi uma família tão presente na minha vida. Então, o que sei, é um pouco da morte dele, pouco se fala da morte dele e que ele era de São José dos Campos (SP), é isso. Mas eu posso também estar errado, por quê? Porque a história de meu pai sempre foi muito oculta pra mim e, como eu não tive a presença dele, eu recebi muito afeto. A minha vida era cercada de mulheres, que era a minha mãe, só que ainda tinha mais três tias, a minha avó, a minha irmã, enfim....
Continuar leituraP1 - Bom dia, Baiá, tudo bem?
R - Bom dia. Tudo bem, graças a Deus.
P1 - Tudo bem. Então, a gente vai começar com a entrevista: eu gostaria que você nos contasse, primeiramente, seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Bom, o meu nome completo é José Roberto Fagundes, né? Meu apelido é Baiá, desde a infância. Então, eu também me sinto Baiá. E a minha idade, eu tenho 44 anos. Nasci em Campinas (SP). E moro ainda em Campinas já, agora, entre quatro anos.
P1 - Certo. Qual o nome dos seus pais, Baiá?
R - Meus pais! O nome do meu pai: José Roberto de Brito. E aí, então, o José Roberto, herdei do pai. E o nome da minha mãe: Maria das Graças Fagundes. Fagundes, eu herdei da minha mãe.
P1 - Você tem irmãos, Baiá?
R - Tenho irmãos. Eu tenho cinco irmãos, nós somos em seis. Somos em quatro homens, né, contando comigo e mais duas mulheres.
P1 - E onde você está nessa escadinha?
R - Nessa escadinha, (risos) eu sou o quarto.
P1 - Certo. A sua família é de Campinas mesmo ou seus pais vieram, seus avós vieram de alguma outra cidade ou algum outro estado?
R - Os meus pais vieram de outros estados e cidades, né? A minha mãe, mineira. A minha mãe, minhas tias, minha vó, enfim, mineiras. Na cidade de Ervália, natural de Ervália, Minas Gerais. Meu pai, a história do meu pai pra mim, ela... Eu sei pouquíssima coisa do meu pai, porque, assim que eu nasci, o quarto filho de meu pai faleceu quarenta dias após o meu nascimento. E também, a família do meu pai não foi uma família tão presente na minha vida. Então, o que sei, é um pouco da morte dele, pouco se fala da morte dele e que ele era de São José dos Campos (SP), é isso. Mas eu posso também estar errado, por quê? Porque a história de meu pai sempre foi muito oculta pra mim e, como eu não tive a presença dele, eu recebi muito afeto. A minha vida era cercada de mulheres, que era a minha mãe, só que ainda tinha mais três tias, a minha avó, a minha irmã, enfim. Então, assim, não houve também... Acho que nem há necessidade desse estímulo de saber. Meu pai, devido à ausência da família dele também, eu pouco sei da história dele.
P1 - Certo. E a sua mãe cuidava de você ou ela trabalhava também?
R - Nossa, a minha mãe fazia as duas coisas. A minha mãe trabalhava, desde quando eu a conheço, porque quando eu me lembro da minha infância, vem muitas lembranças da creche onde eu permaneci até os seis anos, do zero até aos seis anos. E a minha mãe também trabalhava nessa creche. Então, olha só: a gente ficava na creche e a minha mãe também era funcionária da creche, né? Então, a minha mãe, assim, cuidava e também trabalhava, enfim.
P1 - E como era a sua relação com a família mais próxima? Você gostava de ouvir histórias, você tinha relação com os seus avós, primos, tios?
R - Sim, a relação [era] muito forte, né? Nós morávamos em um quintal onde tinha a casa da minha mãe, uma casa... A gente é de família muito humilde, mesmo, assim. E morávamos em dois cômodos, eu, a minha mãe e os irmãos, e a minha avó também tinha um cômodo, uma casa no quintal, onde ela morava com mais duas tias. E em um outro cômodo, outra família, no caso, o irmão da minha mãe, casado então com a minha tia, e os primos. Tinham três primos. Então, olha a quantidade de gente que tinha, né, ali. E então, uma relação muito forte, muito forte assim, com os meus irmãos, tios, primas, avós, mãe. E também eu sou um garoto, né, negro de periferia. Então, essa relação também do estar com os amigos, crianças brincando na rua. Esse quintal que era minha casa, se estendia pra rua. A coisa é bem grande assim, mesmo. A minha infância é de uma relação muito grande, assim, com famílias, vizinhos.
P1 - E do que você gostava mais de brincar, quando você era criança, Baiá?
R - Olha, brincar… Uma criança precisa de estímulo, né, pra ela colocar a sua imaginação pra fora e o estímulo pode ser a relação social com os amigos, né, o ambiente... E o ambiente era muito propício. Esse quintal que eu tô falando, onde a gente morava, ele era cheio de árvores. Era bem cheio de árvores. Então, essas árvores já eram instrumentos, ferramentas que a gente usava pra brincar com os irmãos, o amigo que vinha em casa. E o quintal onde eu morava, era vizinho, do lado onde passava uma viela, que dava acesso à rua de trás. E tudo de terra, né? Tinha o asfalto lá na rua, mas o quintal era de terra e a viela era de terra. Então, essa viela era muito frequentada pelos jogadores de bolinha de gude e aquilo era incrível, jogar aquilo era incrível. Assim: a gente, muitas vezes, não queria ir pra escola, estudava à tarde e queria ficar lá jogando. Aí eu me lembro de várias cenas de mães vindo buscar os filhos pra ir tomar banho, pra ir pra escola e brava porque o filho estava lá jogando bolinha. Juntava, eram quinze, vinte garotos, né?
P1 - Você tinha algum sonho na sua infância, Baiá, de quando você crescesse, [de] se tornar alguma coisa, alguma profissão, alguma atividade?
R - Então, eu estava, antes da entrevista, refletindo sobre, né? E eu cheguei à conclusão de que a situação do qual eu e aqueles que ali conviviam comigo, a perspectiva que era nos passada, era que nós precisávamos trabalhar e estudar pra ser alguém na vida. E era essa perspectiva que eu tinha: “Ah, tem que trabalhar pra ser alguém na vida”. A escola tem uma dificuldade, isso eu digo até hoje, de ser atrativa pros alunos. Então, assim, estudar... Imagina, eu acabei de falar de uma parte, que era a brincadeira de bolinha de gude, mas também tinha a brincadeira de bola na rua, também tinha o pega-pega, enfim. Então, isso era mais atrativo, né, do que estar na escola. Apesar de ter essa importância, mas ainda tem essa dificuldade de atração. Então, a minha perspectiva era essa, que me passavam: que eu tinha que trabalhar e estudar, pra ser alguém na vida. Mas eu não me lembro de pensar: “Olha, eu gostaria de ter essa profissão”, pensar como profissão, né, no futuro. E isso foi acontecendo aos poucos, com a necessidade, mas sempre com demandas na frente, que era: trabalhar, você precisa trabalhar, você precisa trabalhar. Então, a gente estava sempre mais pensando em arrumar o emprego do que se preparando, programando pra ter uma profissão. É isso.
P1 - Certo. Então, já que você citou a escola, vamos começar a falar, então, da sua vida escolar. Qual é a primeira lembrança que você tem de estar na escola? Como foi essa experiência, pra você?
R - A escola também era nessa comunidade, né, nesse bairro onde eu morava, aqui na cidade de Campinas. E, então, a minha relação na escola continuava com os meus amigos, porque eles também frequentavam a mesma escola, a escola do bairro. E aí, isso aumentava também, porque ainda tinha a relação com o amigo da rua, quatro ruas abaixo, quatro ruas acima, enfim. Então, aumentava essa relação. E essa era uma parte muito bacana, muito boa, só que eu também sempre fui um garoto muito estudioso. Hoje, eu consigo analisar que eu tinha uma concentração no que eu estudava, tanto que até hoje lembro de respostas da quinta série. Por exemplo: eu me lembro de um professor de História, chamava Baltemar, e aí ele perguntava: “O que é ‘plantation’?”. Aí eu respondia: “É um latifúndio monocultor escravista”, ou “um latifúndio monocultor agrícola”. Olha, até hoje eu lembro das respostas. Então, acho que eu era uma... Consigo analisar hoje que eu era uma criança comprometida, ali, com os estudos, por quê? Porque eu ainda conseguia me concentrar, mesmo tendo todos esses outros atrativos, que eram os amigos, enfim, ser criança, querer estar brincando, porque faltava esse “feeling” que eu acho, na educação, dela ser mais atrativa, por quê? Porque estudar é muito interessante e transformou a minha vida, os estudos.
P1 - Tinha alguma matéria que você gostava mais? Algum professor que te marcou bastante?
R - É, eu, na verdade, essa parte da infância, os professores muito me marcaram, porque eu lembro, recordo o nome deles, né? Então, com carinho assim, eu nem citaria um, porque são tantos. Tinha um professor de Matemática, o professor José, a gente adorava a aula dele. Olha só, e eu falando que não tinha o atrativo, né? Eu digo na escola, no geral, o pedagógico, por quê? Porque aí tinha os professores que eram professores, vou colocar um adjetivo assim: mais durões, né? Mas também, eu tenho boas recordações desse professor de História, que era o Baltemar. A professora Aparecida, de Geografia; a professora Cristina, de Inglês. A professora Regina, da primeira série, que eu lembro que a professora Regina andava pela sala. A gente fazendo a lição e ela andando pela sala. Ela passava por mim e ficava brincando com o meu cabelo, os cachinhos, né, que o cabelo é todo de molinha, assim, cacheado. E eu garoto tímido, né, ficava naquela situação ali na sala, enfim. Então, eu acredito que ali, o fato de eu ter pensado um dia em fazer uma graduação, esse momento da escola foi importante, apesar da vida sempre [ir] contra, né, desse nosso objetivo, desse histórico que eu falei, de garoto pobre, preto e de periferia. Mas, assim, foi muito importante, então, a educação na minha infância.
(P1 - E passando um pouquinho já pro seu ensino médio, você fez direto o ensino médio [ou] deu alguma pausa por algum motivo? Como isso aconteceu?
R - Então, o ensino médio, assim, eu vim do... Bem nessa conservação dos estudos, do ensino fundamental, eu até consegui galgar, assim, vagas em escolas muito importantes aqui em Campinas. Por exemplo: eu estudei o ensino médio num colégio técnico aqui, que chama [Etec] Bento Quirino, né, do Instituto Paula Souza, enfim. Estudei também no colégio que chama Vitor Meirelles que, na época, pra você estudar, tinha que prestar um vestibulinho. Olha só: escola pública, ensino médio, você tinha que fazer uma prova pra que conseguisse uma vaga, né? Outro colégio aqui de Campinas que chama Culto à Ciência, colégio centenário aqui de Campinas. Aí, mas olha só: eu falei ensino médio, você viu que eu fui saltando de escolas, né? Então, nesse momento do ensino médio, a gente está jovem ali, né, adolescente, jovem e com muita ansiedade também, da vida. Então, nesse momento, eu vejo que é muito importante. Hoje, eu percebo a importância que tem pessoas ali, orientando jovens nessa idade. Eu cheguei nessa situação na escola... Mas voltando à minha mãe, pensa: seis filhos pra criar. Eu me lembro da minha infância porque, assim, a minha mãe lutava cada dia pra pôr comida na mesa, né, pra pôr o arroz e o feijão ali, e muito difícil, seis crianças. Meu pai, quando morreu, eu era o quarto. Depois ela teve mais dois filhos, né? Mas eu não me lembro desses homens. Então, assim, essa presença masculina não existiu, né? Na escola, eu não tive esse acompanhamento, mas não foi nem porque... Até faltava, vamos dizer assim, uma competência técnica, que isso é importante, né, de estar atento aos estudos. Mas eu mudava de escola, assim, eu tomava essa decisão: “Ó, eu vou mudar de escola”. Eu tomava a decisão e mudava de escola. Até que eu sentia a necessidade do quê? Eu queria... A gente, jovem, quer ter um acesso, né? Então, eu sentia falta de ter dinheiro pra poder ter acesso, consumir, você poder comprar uma roupa. Você jovem, poder sair com os amigos, enfim. Então, isso fazia com que eu visualizasse mais arrumar um emprego, né, do que desse prioridade aos estudos. Isso foi uma dificuldade que fez com que eu interrompesse os estudos no ensino médio. Eu sentia, assim, que eu não valorizava, o quanto que percebo hoje que deveria ter sido valorizado aquele momento, mas também eu, pensa bem, jovem, podendo tomar essa decisão por mim: “Ó, eu não quero estudar aqui, vou estudar ali. Eu não quero estudar ali, vou estudar aqui. Não, eu não quero estudar. Vou parar de estudar, porque vou continuar trabalhando”.
P1 - E qual foi o seu primeiro emprego, Baiá?
R - O meu primeiro emprego! Eu vou expandir essa visão do emprego pra além da carteira assinada, por quê? Porque eu me lembro muito jovem, ‘carpindo’, assim, o vizinho precisava limpar o terreno, né? Então, eu me lembro muito jovem, na enxada, limpando o terreno do vizinho, pra ganhar um trocado. Empurrando o carrinho de mão, tirando o lixo do quintal do outro ali, pra arrumar um trocado. Entregando panfleto pra arrumar um trocado. Então, assim, sempre com essa necessidade, porque tinha que pagar conta em casa, tinha que ajudar a mãe, né? A gente sempre, quando criança, trabalha pra ajudar em casa. Isso que eu falei, de ter o acesso, lógico que a gente almeja isso também, mas, em primeiro lugar, era sempre ajudar em casa. E aí, eu me lembro dessa situação assim. E, depois, eu entregando currículo, consegui... Aliás, eu trabalhei também no bairro: tinha um senhor que fazia sandálias de... Hoje, lembrando, me recordando assim, parecia de bailarina, mas eu acho que não necessariamente era de bailarina. Sandálias. E aí mexia com aquela cola, que hoje aquilo deve ser até proibido, cola de sapateiro. Eu trabalhei fazendo isso, né? Eu trabalhei como ajudante de pedreiro, no caso, o nome era servente. Então, me lembro também [de] eu fazendo massa. Esses foram os primeiros trabalhos que eu arrumei. E com carteira assinada, eu trabalhei no McDonald’s, muito jovem. Também trabalhei nas Lojas Americanas, muito jovem, com dezessete, dezoito anos.
P1 - Você se lembra de alguma conquista de juventude que você teve quando começou a trabalhar, alguma coisa que você queria muito e falou: “Bom, agora sobrou um dinheirinho, eu vou conseguir comprar, vou conseguir fazer aquilo que eu queria”?
R - Sim. Isto, no começo da década de noventa, que eram os famosos LPs, discos. Eu adorava música. Adorava, assim, como eu gostava de música! Hoje eu analiso como eu gostava. Hoje, como músico, como eu gostava de música, mas eu não tinha noção, não tinha noção do tamanho que era isso. Então, comprar um LP era muito difícil e, quando eu comecei a comprar os LPs, foi incrível. Aí o meu irmão mais velho comprou uma vitrola, né? Na época, chamava-se “3 em 1”, que era: toca-fitas de dois “decks”, um rádio e o toca-discos, ele comprou. E aí eu comecei comprar os discos. Então, assim, o disco é uma das aquisições que, no começo, sim, eu fiquei muito contente.
P1 - Certo. E você disse que teve, por essa questão do trabalho, por isso ter se tornado uma prioridade de sobrevivência pra você, né, você interrompeu o seu ensino médio. Você fez isso logo no primeiro ano ou depois? Me conta como é que foi essa troca de escolas, né? E, depois, quando houve uma retomada?
R - Não, não foi no primeiro ano, não. Aliás, na verdade, foi no primeiro ano. Eu troquei de escola... No primeiro ano, fiz o primeiro ano no Bento Quirino, aí eu troquei de escola. E aí, no segundo ano, eu troquei de escola novamente e nessa terceira escola que eu interrompi.
P1 - E quais eram as atividades, né, agora, já na adolescência, não mais na infância? O que você gostava de fazer no seu tempo livre, com os seus amigos?
R - Na adolescência? Ah, na adolescência continuava sendo a nossa brincadeira na rua, nossos encontros... Eu sou de uma geração que, olha, isso tem tudo a ver com essa necessidade de trabalhar. A quinta série, a sexta... Quinta, sexta, sétima e oitava, eu fiz noturno. Olha só! A quinta série, a gente tem o que, dez anos? É isso, né? Por que uma criança de dez anos estudava à noite? Por que tinha essa possibilidade no município, no estado, que era uma escola do estado, né? Não é à toa. Então, a gente tinha o tempo livre pra trabalhar. Na adolescência, como eu estudava à noite, estava acostumado a estudar à noite, então eu gostava muito de nos encontrarmos na rua. E, nesse encontrar, podia ser pra brincar, mas simplesmente uma roda pra estar ali, conversando. Não tinha celular na época, era totalmente assim, as pessoas realmente... Esse contato presencial, físico, era muito forte, né, pra acontecer os grupos. Hoje os grupos acontecem também nas redes, não, necessariamente, precisa ter um encontro presencial, mas pra gente isso era muito bacana, importante. Então, na adolescência, acho que o que eu mais gostava era de sair pra rua e encontrar com os meus amigos. A rua onde eu morava era uma rua bastante frequentada, até por jovens de outro bairro, né? E isso favorecia esses encontros, que não eram poucos. Chegava [a] contar no dedo assim, tinha vinte jovens, adolescentes, fácil assim, dez horas da noite, na rua.
P1 - E vocês circulavam pela cidade, frequentavam outras regiões da cidade também?
R - Muito! É, eu tinha... Deixa eu pensar aqui: 21 anos, é isto. Eu tinha... O sonho que eu tinha era de ter uma motocicleta, ter uma moto, e assim como os meus amigos também. E aí, hoje, eu fico analisando: “Mas por que é que a gente gostava muito disso?”, porque era muito fácil a mobilidade e a gente adorava a mobilidade. A gente gostava de ir no bairro que era a dois quilômetros de distância, assim como o pessoal desse bairro também vinha no nosso bairro e era no entorno. Não era um bairro, eram vários bairros. E você tendo uma motocicleta, era muito rápido: você podia ir pra um bairro e depois podia ir pro outro, voltava pro seu, entendeu? Era... Hoje, eu percebo que essa necessidade da motocicleta... Porque a gente, na maioria das vezes, não saía desse circuito, assim, de ir no bairro a dois quilômetros daqui, depois ir pro outro ali. Então, era essa necessidade de mobilidade, que é engraçado, né? Hoje se faz isso com o celular. As pessoas fazem isso com o celular: “Eu vou até ali. Eu vou...”, mas nas redes. A gente, como precisava do contato físico, então a gente tinha a moto. E ia a pé também, ia de bicicleta também. Eu gostava muito de jogar basquete. Então, eu atravessava três, quatro bairros, pra chegar até a quadra de basquete mais próxima. A gente ia já com dois times formados, às vezes, um, dois times formados, pra chegar lá e jogar. Futebol também, nós temos uma relação muito forte no bairro onde eu morava. Hoje, eu não moro… Moro em Campinas, mas não moro mais nesse bairro. Mas tenho uma relação muito forte com amigos e essa relação, muito se deu através do esporte. No caso, a gente tinha um time do bairro, que disputava futebol amador, né? Então, isso também era o motivo de deslocamento para os bairros vizinhos, enfim. Eu acredito que esse sonho de ter uma motocicleta se dava, que melhorava essa relação, né, melhorava o deslocamento, é isso.
P1 - E, Baiá, como a música acabou entrando na sua vida?
R - A música, na minha vida... Eu sou acordeonista, o acordeon aqui no Brasil é conhecido no nordeste, aqui no sudeste, como sanfona e no Rio Grande do Sul, gaita, né? Mas, desde a infância... Esses dias eu estava tocando uma música, porque alguém falou assim pra mim: “Ô, você toca essa música?”. Falei: “Não, não conheço essa música”. Um aluno falou pra mim, né, que eu também sou professor de música. Um aluno falou pra mim: “Professor, você toca essa música?”. Eu falei: “Eu não toco”, mas aí ele falou o nome. Ele falou: “Ah, essa música é do Zé Béttio”. Aí eu lembrei da minha infância, desse nome, Zé Béttio, por quê? Porque a minha mãe acordava muito cedo… A gente entrava na creche era seis horas, minha mãe era funcionária. Então, a gente acordava muito cedo pra ir junto, né, muitas vezes. Ou, às vezes, ela ia primeiro e aí a vó, a tia levava depois. Assim, tinha que entrar às sete, mas ela entrava às seis. E esse Zé Béttio era um locutor, que também era sanfoneiro, né? Mas ele tinha um programa na rádio, que acordava as pessoas muito cedo, assim. Esse programa, eu ouvia muito esse programa. E aí, me veio... Eu fui buscar informações dessa música que esse aluno falou e aí eu lembrei da minha infância, que eu escutava essa música: chama Galo Branco, né, que a sanfona imita um galo assim, enfim. Aí eu vejo então que o rádio, logo na minha infância, já era um acesso à música, mesmo naquele momento [que] eu não me interessava por aquelas músicas. Mas você vê? Eu não esqueci da música, mesmo não tendo ainda o interesse. Eu tô falando, tinha cinco, seis anos, né? O rádio era a nossa interação com a música e eu sempre ouvi rádio na adolescência, na juventude também, eu sempre gostei de música e eu, na igreja... Porque eu, quando garoto, criança, jovem, adolescente até, frequentei muito a igreja católica e a minha vó, que era muito devota de Nossa Senhora, enfim, muito católica, frequentava todo o domingo a igreja e nós íamos juntos, né? E eu comecei a fazer, a participar do grupo de oração nos dias regrados. Por exemplo: toda quarta-feira, né? A gente fazia também a crisma. Então, eu comecei a ter um contato musical, assim, vendo o grupo que tocava nesses momentos. No grupo de oração, tinha lá quem tocava o violão, quem cantava, quem tocava o teclado. Então, aquilo também me atraiu, a ponto de - eu aí já [era] adolescente - [que] fui ter aulas pra aprender a tocar violão, com o senhor da igreja. O nome dele era Toninho. Isto mesmo. E o Toninho foi muito acolhedor, me recebeu. Ia eu, a minha irmã e mais um amigo, que também participava do grupo de oração, e íamos na casa dele sábado à noite. Só que nós não tínhamos violão, né? E aí arrumamos um violão emprestado. Então, ele tinha o violão dele, eu e a minha irmã ia com o violão e o outro amigo ia com o violão dele, na casa desse ‘seu’ Toninho. Então, esse foi o meu primeiro contato com o instrumento musical, no caso, o violão, e agradeço muito ao ‘seu’ Toninho, pois a minha juventude... Esses encontros que eu falo, na rua, em outros bairros que eu falei anteriormente, eu gostava muito de estar presente com o meu violão. E a gente cantava as músicas da época, o “rock” era muito presente, né, na década de noventa. E, assim, as pessoas sempre me convidavam, porque: “Ah, o Baiá vai tocar o violão. Então, chama o Baiá. Baiá não pode faltar, porque ele vai tocar o violão”. Então, a minha relação com a música começou assim, desde muito cedo, ouvindo rádio. E com instrumento musical, foi o violão com o professor de música, Toninho, da igreja, [que também] morava no bairro.
P1 - E quando você decidiu que queria tocar acordeon?
R - Rapaz, olha, essa é uma história bacana, uma história que me deixa muito feliz, fico muito emocionado, olho pra trás e falo: “Caramba, o que é que rendeu tudo aquilo?”. Então, vou começar: voltando nessa mesma rua, onde muitas pessoas de outros bairros chegavam, gostavam de estar presentes, que era a Rua Sete, do bairro Jardim Capivari, em Campinas. E a gente, na Rua Sete, nós, amigos, éramos muito articulados. Não só da Rua Sete, mas, assim, no bairro mesmo, era [todo mundo] muito unido. Por exemplo: fazíamos excursões… Eu fico pensando: nós, naquela idade, alguém fazia uma excursão, era até menor de idade, pra ir pro Playcenter, né? Fazia festa, encontros, entretenimento. A gente não tinha acesso, então a gente acabava fazendo nosso entretenimento. E em 2000... Quando foi em 2002 - isso, 2002 - a gente, no Jardim Capivari, na Rua Sete, resolveu fazer uma festa junina na rua, né? E, primeiro, de onde veio essa ideia? Nós fomos numa festa e chegamos lá, a festa estava meio devagar e a gente chegou... A gente sempre chegava em bando, assim. A gente chegava na festa era dez, quinze. Chegamos lá, achamos a festa muito parada, estava muito tranquila aquela festa. Eu nem me lembro. Fui convidado, mas eu nem me lembro direito assim. Eu fui na festa na chácara, mas não lembro quem que era, se era aniversário. Hoje, eu nem me lembro. Aí chegamos na festa, tinha uns instrumentos parados no palco, ninguém estava tocando e a festa estava bem devagar; a gente falou, meio atrevido: “Vamos pegar aqui, vamos tocar?”. Pegamos e começamos a tocar. Aí as pessoas começaram... O palco, não tinha ninguém próximo assim, cada pessoa num canto, as pessoas começaram a chegar perto, começaram a chegar. Começaram a ouvir e a gostar, aí os donos dos instrumentos, né, falaram: “Não, espera aí. A gente que vai tocar aqui”, “Não, tudo bem”, a gente não criou problema nenhum e saímos. No dia seguinte, a gente se encontrou, né? Isso, tô falando [de] eu e mais cinco, seis amigos. Nós nos encontramos e começamos a conversar sobre o feito, né? Falamos: “Nossa, a gente chegou lá, a festa estava devagar. Tinha uns instrumentos parados e a gente começou a tocar. O pessoal começou a gostar. E aí isso até incomodou os donos dos instrumentos que chegaram, pegaram. Tranquilo, numa boa”, enfim. Aí a gente falou: “Olha, não é que a gente leva jeito pra isso?”. É nada, a gente estava, era muita empolgação. Hoje eu penso que era muita empolgação mesmo, né? Porque cantava e pegou a percussão, o violão, fazia a harmonia, a gente gostava era disso. Então, a gente pensou: “Vamos montar uma banda de forró” porque, naquele momento, a música... eu sempre tive preferência por gênero, mas isso foi mudando, no decorrer da minha vida, né? Gostava muito de rock, mas também gostava muito de samba. Também gostava muito de rap, reggae. Então, assim, isso ia mudando constantemente e naquele momento era o forró. E era o momento até que... tem uma banda que era muito famosa na época, que era o Falamansa. E a gente gostava de dançar, enfim. “Então, vamos montar uma banda de forró?” “Vamos”. Aí montamos a banda de forró. “Mas a gente vai tocar onde, né? Quem somos nós, vamos tocar onde?” Então, a gente faz uma festa pra gente tocar nessa festa. Combinado, então vamos fazer uma festa junina”. Aí, em 2002, isso aconteceu em 2002, marcamos com outros amigos e aí um ficou responsável por isso e aquilo e a gente até fez uma “vaquinha” ali, economizou uma grana, pra construir um palco. Aí pagamos pro senhor marceneiro do bairro, ele fez um palco com resto de madeira de construção, onde uma amiga trabalhava numa construtora, falou: “Lá tem umas madeiras fortes” e trouxemos, ele olhou, falou: “Dá pra fazer”. Fez o palco. E a atração da nossa festa, na verdade, não era nem a gente tocando, era o palco, né? Tô brincando. O pessoal ficava muito empolgado, quando a gente falava que ia tocar. O nome da banda era Dona Quitéria, o nome da banda de forró era Dona Quitéria. É uma homenagem a uma senhora que morava na Rua Sete, que chamava Quitéria. Então, a gente a tratava como Dona Quitéria e ela era nordestina, “casou” certinho, pegamos o nome. E isso também mobilizou o bairro, porque todo mundo tinha uma relação muito bacana, de conhecimento, com a Dona Quitéria e sua família, né? Então, montamos lá a Banda Dona Quitéria, fizemos programa numa festa, fizemos a divulgação, fizemos faixa, fomos até o bairro vizinho, num senhor que trabalhava em fazer faixa, ele trabalhava de palhaço, era o Tico Tico. Aí, ele fazia faixa também e fazia o trabalho de palhaço. Fizemos a faixa, colocamos na entrada do bairro e aí pedimos pro rapaz fazer o palco, ele fez o palco, enfeitamos a rua com bandeirinha. Eu fui com um amigo perguntando pros moradores quem queria colocar uma barraquinha disso, cachorro-quente, vender bebida, enfim. E aí, isso foi mobilizando, até que chegou o dia. E, no dia, foi um trabalho, foi em frente da minha casa, né, que as coisas aconteceram, assim. E foi um trabalho. Assim, a gente acordou cedo e começou a enfeitar a rua e vai buscar bambu no bambuzal, pra fazer o enfeite da rua e faz a barraquinha, ali naquela correria. Eu só sei que quando chegou, assim, quase seis horas da noite, eu estava quebrado. Cansado, cansado de tanto trabalhar junto com os amigos, na organização da peça, ali na Rua Sete. Aí eu entrei pra casa e falei: “Agora eu vou tomar um banho, né? E vou sair pra festa”. E aí eu tocava violão na época e eu também cantava. Me atrevia a cantar, que eu não sou cantor. E quando eu tomei o banho, me arrumei, quando eu saí da minha casa pra rua, eu não acreditava no tanto de gente que tinha, porque a nossa expectativa foi muito, muito superada. E isso se dá e eu não tô falando que... isso se dá porque a nossa banda era a atração, não é isso. O que acontece é a mobilização. Toda a peça, as pessoas foram se identificando, até o nome da banda, né, fez com que a própria família da Dona Quitéria, que era muito grande, esteve presente na festa. Então, aquilo foi muito bacana e até hoje me cobram de festa, porque aí a gente fez o segundo ano, mas isso parou, porque é muito trabalho. Dava muito trabalho, assim, pra gente, assim, de estar por trás e fazer essa peça. Mas até hoje me cobram. E essa peça teve um detalhe, tudo isso que eu contei que estava acontecendo, tinha um detalhe central, que era: nós éramos uma banda de forró, certo? Uma banda de forró geralmente é formada por um trio, no mínimo. E aí tem: o zabumbeiro, que toca a percussão, a zabumba; junto com o triângulo, que completa ali uma percussão; e tem a sanfona, que é um instrumento muito versátil, assim, ela tem uma questão melódica, uma questão rítmica e uma questão harmônica. Então, ela, por si só, já faz toda essa função. Então, um trio já basta pra fazer uma banda de forró, mas éramos em cinco: tinha a percussão, nós tínhamos o violão, nós tínhamos o zabumba e nós tínhamos o vocalista e o triângulo. Nós éramos em cinco. Mas não tinha a atração principal, que era o sanfoneiro. Então, a gente falou: “Não, mas festa junina tem que ter sanfoneiro. Sim, tem que ter sanfoneiro. Então, vamos arrumar um sanfoneiro, pra tocar conosco”. E saímos pra procurar esse sanfoneiro e a gente não encontrou sanfoneiro, não encontrou. E era difícil encontrar, até que deram um contato de um sanfoneiro e nós ligamos pra esse sanfoneiro e o preço que ele cobrou pra época, pra gente, era um absurdo. Era um absurdo e hoje eu entendo o porquê. Inclusive, um sanfoneiro, assim, de muito destaque no Brasil, né, que é o... não sei se eu posso falar o nome, né? Mas o nome é Tadeu Romano, o nome do sanfoneiro. E ele cobrou um preço pra gente, que era fora, não tem jeito, infelizmente, né? Ele é de Campinas. E aí conseguimos o contato de um outro sanfoneiro, que ficou sensibilizado com a nossa causa e acabou aceitando por um valor que a gente poderia pagar. Então, esse sanfoneiro veio, fez a peça, a peça aconteceu e a peça foi, superou as nossas expectativas. Foi muito bacana, foi um prazer! Fico muito feliz e emocionado de contar essa história. E, no dia seguinte, a gente se encontrou, como sempre, muito alegre, comentando, muito empolgado, [que] a festa foi um sucesso, foi muito legal. Todo mundo elogiando, né? Não tinha redes sociais naquela época. Então, era isso mesmo, todo mundo chegando pra você - presença física - e elogiando: “Queremos no ano que vem”. Aí, eu pensei comigo: “Caramba e essa sanfona?”. Aí eu tô com 27 anos, né? Isto... 26 anos, isso. Aí eu pensei: “E essa sanfona? Não encontra de jeito nenhum, não tem sanfoneiro. Eu vou aprender a tocar isso, pra gente tocar na festa do ano que vem”. Então, foi assim que eu comecei ter o interesse pelo acordeon, que até aquele momento, eu nunca tinha pegado um acordeon na mão. Eu nunca tinha visto na minha frente. Eu via ali o sanfoneiro tocando, né? A gente via na capa do disco, via na televisão, mas tocando, assim, na minha frente, ali, foi uma oportunidade. E também, dessa história que partiu o desejo de tocar o acordeon. E aí, eu achando que ia tocar na festa do ano seguinte, né? Mas aí, adivinha o que aconteceu? Eu toquei nessa festa do Jardim Capivari, né, anos depois, acho que dois, três anos após essa história, teve a festa e eu fui lá com a minha sanfoninha, velhinha, que eu demorei pra adquirir. Eu acho que foi uns três anos após, três, quatro anos após, a gente resolveu fazer novamente a festa. Foi isso mesmo. Então, foi assim, a minha relação como instrumentista de uma banda começou ali e o desejo de tocar o acordeon.
P1 - E qual foi o seu primeiro contato com o Instituto Anelo?
R - O primeiro contato com o Instituto Anelo: eu, em 2016, isto. Bom, essa história que eu contei: 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, né, que depois teve essa festa que eu fui lá, já como sanfoneiro, tocar. E, de lá pra cá, o que aconteceu? Logo em 2002, depois dessa festa, que me deu essa vontade de tocar o acordeon, eu fui buscar informação. Uma ex-namorada até conseguiu o contato de uma professora, a professora Leonor e eu fui até essa escola de música, que era na casa dela. E ela começou dar aula pra mim, de acordeon. Só que a minha perspectiva era essa que eu falei aqui: eu gostaria de aprender a tocar, pra eu tocar na festa do bairro. Hoje, eu tô falando como um professor de acordeon, de música, de um instituto muito grande, assim, musicalmente, que é o Instituto Anelo. E eu comecei a estudar com essa professora, mas aí ela me convenceu a estudar música, não simplesmente ir lá e pegar, pra tocar uma música ou outra. Então, ela foi me ensinando a tocar, ela me ensinou a ler partitura, né? Eu aprendi a ler a partitura, escala [e] teoria musical. E eu fiquei, olha, os dois primeiros anos eu fiquei fazendo aula de acordeon, de sanfona, com ela, de música, sem ter o instrumento, porque é um instrumento que é de difícil acesso, é muito caro. Então, eu fiquei quase três anos sem ter o instrumento, fazendo aula. Toda semana ia lá, pegava o acordeon dela, tocava, devolvia pra ela, voltava pra minha casa pra, na outra semana, retornar na aula, ter aula, pegar, tocar na sanfona na escola e voltar pra minha casa. Mas, foi bem motivado assim, eu gostei muito de estudar música daquela forma. Então, depois, eu consegui comprar a minha sanfona, continuei. A senhora Leonor percebeu que eu levava jeito pra coisa, não só de tocar o instrumento, mas também ela me deu uma oportunidade de auxiliar os alunos dela. Enquanto ela não estava ali presente: “Ó, José, vem cá. Você está estudando, tocando aí, pode auxiliar esse aluno aqui?”. Aí eu ia lá e auxiliava o aluno: “Ó, é assim que se faz. É assim que funciona a escala”, enfim. E aí ela percebeu que eu levava jeito e ela veio: “Ó, José, agora, se você quiser, eu vou passar uns alunos pra você. Você dá aula pra eles, ganha uma grana”, enfim. Então, ela começou a me passar aluno. Eu falei: “Mas como assim? Não, eu não sou professor, né? Como eu vou ensinar, se tô aprendendo?”, “Não, José, olha, isso aqui você pode ensinar. Eu vou te passar uns alunos, que são uns alunos que não sabem nem pegar no instrumento. No mínimo, você vai ensinar pra ele como pegar”, porque tem todo uma técnica, né, pra você pegar o instrumento, como você manipular o instrumento. Então, ela me passava um aluno e outro e eu ia aprendendo como se fazia. Então, foi na prática, assim, fui colocado na situação: “Ó, você vai dar aula”. E aí eu comecei a dar aula pra um, dois, quando eu vi, estava com dez, doze alunos e aquilo ainda acabou, realmente, sendo uma renda pra mim. E aí isso é bacana, porque nós estávamos falando no começo da entrevista sobre profissão, né? E hoje eu vivo - sou músico - de música. Porém, nunca pensei em ter isso como profissão. Ter a música como um sustento, viver a música. Na verdade, eu pensava em viver, muito mais viver a música, do que viver de música. Mas aí... Só que, nesse intervalo de estar estudando lá na escola de música, com a senhora Leonor, Escola de Música Adagio, estar agora auxiliando, dando aula pra alunos iniciantes, tendo uma quantidade de alunos ali, isso não estava me satisfazendo. Por quê? Eu sentia a necessidade de voltar a estudar, eu tinha abandonado o ensino médio, né, como eu disse. Eu sentia vontade de voltar a estudar, porque, apesar de eu ter abandonado o ensino médio… Na verdade, abandonei, mas depois fiz... Eu concluí o ensino médio de um projeto, acho que do governo, não sei se o governo estadual, mas aqui era do município, que é o EJA (Educação de Jovens e Adultos), né? O EJA, eu terminei o ensino médio dessa forma. Antigamente, se falava que era... Como é que era a denominação que se dava?
P1 - Mobral, não era?
R - Isto! Não, Mobral era uma outra denominação, eu esqueci. Mas era também, um dia também já foi Mobral e nesse momento chama-se EJA. E aí eu terminei o ensino médio dessa forma. Mas eu sentia a necessidade de estudar e, assim, em 2001, isto, a minha irmã prestou o vestibular na federal do Rio de Janeiro e foi morar no Rio de Janeiro (RJ), estudar. Ela prestou Dança, né? E isso também me motivava. A minha irmã, a gente tinha uma boa relação, até, assim, de juventude. Quando ela foi embora, eu perdi essa companhia, né? E aí a gente brincava assim: “Não, você vai vir estudar aqui [e] vai morar comigo, no Rio de Janeiro”. E eu prestei o vestibular, naquela época que eu terminei o EJA, no Rio de Janeiro. Prestei o vestibular, só que aí eu não passei. Então, eu fui... Procurei outros ares e esqueci, deixei aquilo pra lá. Em 2008, me veio essa necessidade novamente, falei: “Não, mas eu...”, sabe? Aquilo ficou ainda comigo, assim, de levar o estudo à frente. Então, eu falei assim ó: “Eu vou prestar o vestibular novamente”, resolvi que ia prestar o vestibular novamente. Nesse momento, eu tinha uma relação... Eu gosto muito de plantas, adoro plantas, assim. Tenho uma paixão. Aquele quintal que eu falei que era cheio de árvores, cheio de... Aquilo também me contagiou tanto, que eu adoro, assim. Morar num espaço onde tenha terra que eu possa plantar, me sinto muito satisfeito, né? E aí eu tinha uma vontade, então, de prestar um curso no vestibular, lá em... Na federal do Rio de Janeiro. Em 2001, 2002, eu prestei Ciências Sociais. Aí, desse momento, 2008, 2009, eu queria prestar Biologia, porque eu queria estudar Botânica. “Não, eu quero ser um botânico. Eu gosto de planta e é isso que eu quero fazer”. E isso, paralelamente, eu estava estudando música, né? Mas o meu sonho com a música era um sonho simples, de aprender a tocar o acordeon, pra poder tocar na festa do bairro Jardim Capivari, na festa junina. Então, não era um desejo de ser um bom músico, né? Isso foi evoluindo, foi... E aí, então, o que é que eu fiz? Eu falei... Como eu tinha parado de estudar um bom tempo, né, e ainda terminei dessa forma, no EJA, falei: “Então, vou procurar um cursinho, né, vestibulinho, de vestibular e vou estudar no cursinho o ano todo e, no final do ano, eu presto vestibular”. Foi isso que eu fui fazer, então. E aí eu busquei estudar num cursinho comunitário, um cursinho comunitário de um bairro próximo à minha casa, assim, que eu ia [a] pé, levava assim uns vinte minutos andando. Estudava nesse cursinho à noite. E esse cursinho era formado por jovens, ali, da região, que montaram esse cursinho comunitário no porão de uma igreja, em 1998. Montou num porão de uma igreja. Aí, eles conseguiram um espaço no terreno público ali, no terreno da associação de moradores. Construíram com muito sacrifício um prédio com quatro salas e foi nesse cursinho que eu fui estudar, nesse prédio com quatro salas, depois de dez anos de existência do cursinho. Então, era uma organização, era bem organizado o cursinho. E, no cursinho, eu estava com sede de estudar. Então, eu ia pro cursinho até no horário que não era meu horário de ter aula, porque lá tinha uma biblioteca [e] professores. E eu queria, eu estava muito empolgado pra prestar o vestibular. Estava com a ideia, era projeto, né? E aí eu ficava nesse cursinho, aí eu olhava assim: o jardim estava meio mal cuidado assim, sabe? Então, eu pegava, pedia licença, ligava a torneira [e] molhava o jardim. Aí, arrumava, eu e mais um amigo, Benedito, ferramentas, podava o jardim e começou a ficar bonito, né? A grama recebeu água, sol, começou a ficar verde. Os pingos de ouro começaram a ficar quadradinhos, deu um formato, a coisa começou a ficar bonita. Aí o pessoal do cursinho falou assim: “Ó, José, você não quer vir aqui trabalhar conosco? A gente aqui tem umas diretrizes, enfim”. Tinha o estatuto do cursinho e eu comecei a participar mais. Quando eu fui ver, estava com atividade no cursinho. Eu era o jardineiro, eu cuidava, eu era da limpeza, era o jardineiro. E, nesse momento, olha só, eu... E eles me pagavam, né? Então, assim, eu estava ali com o meu objetivo, estudando, né? Já estava como uma função ali, no cursinho e também dava aula lá com a senhora Leonor. Então, isso começou a fazer uma renda, eu vi uma possibilidade e falei assim: “Agora dá pra eu estudar”, porque aquela dificuldade do jovem negro, de periferia, que é assim: “Agora eu consigo estudar, porque eu estou aqui, no cursinho, estou recebendo”. Então, eu tinha uma renda, isso aí, que dava pra me garantir estar ali e era justamente ali, de onde eu estava tirando a minha renda e da escola de música também. E aí eu prestei o vestibular no final do ano e não tive acesso, não passei. Mas a minha relação com o cursinho estava tão forte, porque esse era o objetivo do cursinho comunitário: era conseguir fazer com que o jovem de periferia tivesse acesso ao ensino público de qualidade, porque o foco ali era prestar o vestibular da Unicamp, que é uma das grandes faculdades aqui do Brasil, né, e até do mundo em determinadas áreas. E aí, então, era essa a briga do cursinho. Assim, o jovem de periferia também vai ter... E eles eram todos estudantes da Unicamp ali, que aí, naquela organização... Aí eu comecei a fazer parte daquela estrutura ali, que eu virei também coordenador do cursinho. Eu ainda não tinha acessado o vestibular [e] virei o coordenador. Numa eleição, né, porque lá tem o estatuto. Me elegeram um dos coordenadores, éramos cinco coordenadores: eu fiquei com a coordenação administrativa, mas tinha coordenação pedagógica, a coordenação de extensão, enfim. E eu virei o coordenador do projeto Cursinho Herbert de Souza. Isso também me deu um pouco de dificuldade, porque aí eu comecei a ter responsabilidades, que ficou mais difícil de estudar, entendeu? Mas eu não deixei de estudar, só que pra eu estar na sala de aula, já era difícil, porque eu ia estar na sala de aula com o professor, que depois estaria, num outro momento, tendo reuniões, coordenando, entendeu? Ficou uma situação difícil. Mas eu também, ali, já peguei uma facilidade de estudar. Eu peguei a prática de estudar novamente. Pra mim, era muito mais fácil pegar e ler um livro, enfim. E foi desse jeito que eu fui indo. O vestibular da Unicamp é um vestibular difícil [e] dependendo do curso, fica mais difícil ainda. Então, no meu segundo ano de vestibular, a gente diz assim: “Eu já ‘bati na trave’”. Eu me lembro que foram setenta e.... 81 vagas [e] eu fiquei em 82. E aquilo poderia até ter sido uma frustração muito grande, mas não. Isso motivava mais ainda, né, porque a gente sabia da dificuldade. E isso foi em 2010. Em 2011, eu consegui o acesso. Prestei o vestibular na Unicamp e tive acesso, só que o curso já mudou. Eu não prestei vestibular pra Biologia, eu entrei no curso de Química e Física, o curso de licenciatura. E foi dentro da universidade que eu mudei de curso, aí eu fui pra Educação Física, porque, estando em laboratórios, enfim, aquela rotina de um estudante de Química, eu não me identifiquei. Eu não me identifiquei, era algo que não estava sendo prazeroso. E, naquele momento, eu queria que o estudo fosse prazeroso, né? Então, eu resolvi mudar de curso, aí eu fui pra Educação Física. Depois eu olhei pra trás e vi que a minha vida toda foi na Educação Física. Eu fui jogador amador de futebol, adorava jogar basquete, sempre gostava de bicicleta. Tudo quanto é tipo de atividade física, esporte, a gente estava presente. A gente organizava campeonatos, né? Então, depois eu fui perceber isso. Por isso que eu disse: a importância de uma orientação pros jovens, pro adolescente, porque senão fica muito difícil e você tem que ir aprendendo com a vida, que foi no meu caso, né? Mas daí eu consegui acessar a universidade dessa forma. O cursinho Herbert Souza foi muito importante, porque quando eu acessei a universidade... E o lema do cursinho era: “Pela difusão do conhecimento crítico” e ali sim eu me formei. Eu acho que, assim, o acesso à universidade veio complementar tudo isso, esse meu desejo, mas a relação com o cursinho foi muito bacana, muito forte. E tudo isso que eu tô contando, paralelamente, eu continuei na música. Eu não conseguia mais estudar música do jeito que queria, porque estava usando-a muito mais como fonte de renda, sabe assim? Eu não estava mais estudando música, estava dando aula pra alunos iniciantes, enfim. Isso, 2011, 2012. Aí eu, estudando na universidade, Educação Física, em um estágio, eu estava fazendo estágio em uma ONG, né, como educador físico. E, numa sala, nessa ONG, uma ONG também que abrange, aqui, a periferia de Campinas, perto da universidade, eu vi uns instrumentos musicais. Eu falei: “Nossa, olha que bacana!”, tinha aula de música lá. Mas eles falaram assim pra mim: “Não, foi o instituto - porque tinha bastante instrumento parado - que veio aqui, com uma proposta de dar aula, mas aí o projeto não foi pra frente”, enfim. Eu falei: “Ah é? Olha, que bacana!”. E ela, muitos elogios ao instituto. E eu fui, então, busquei no YouTube, saber quem era o instituto. Então, pelo YouTube, eu fiquei encantado com o projeto, porque era uma matéria aqui da televisão, aqui da Eptv. Era uma matéria e aí eu fiquei encantado, falei: “Nossa, eu queria conhecer esse instituto. Olha que bacana!”. E era lá do outro lado de Campinas, na periferia. Campinas é muito grande, né, bem distante. E aí, inclusive, eu vi na matéria tocando sanfona. “Nossa, queria conhecer esse instituto!”. Aí, eu pensei: “Eu poderia mandar um currículo. De repente, dar aula no instituto, pra iniciantes, no acordeon”, enfim. E aí eu mandei um “e-mail” e aí, não me responderam. Mandei um “e-mail”, não me responderam. Aí, eu acessei as redes e vi que ia ter um evento lá no instituto. Então, fui lá assistir e fiquei encantado. E era um encerramento de semestre, em 2016, no meio do ano, encerramento de semestre. Aí eu falei: “Nossa!”. Bom, cheguei ali [com] toda humildade, olhei assim, bati palma. Fui embora pra casa, falei: “Quer saber de uma coisa? Eu vou fazer uma inscrição. Então, vou entrar como aluno no Instituto Anelo. É, no próximo semestre, então, eu entro como aluno” e foi o que eu fiz. Fiz a inscrição, começou o semestre, segundo semestre. Eu entrei como aluno no Projeto Sanfônica. E, quando eu cheguei lá, no dia da apresentação, no primeiro dia, que todos os alunos [estavam] dentro de um teatro se apresentando, aí um levanta a mão, fala, enfim. Aí eu vi que tinha um amigo meu no teatro, que foi o meu ex-aluno, o Hudson Sales. Foi o meu ex-aluno de acordeon, na época era um garoto que morava no bairro, que passava em frente da minha casa e me escutava, devia me escutar tocando acordeon. Eu lembro dele passando com um violão. E ele foi me procurar lá pra ter aula de acordeon, isso em 2012. Isso, 2012. E ele, muito dedicado, né, muito empolgado. Só que aí chegou um momento que eu entrei na universidade, estava na universidade [e] eu parei com essas atividades. Estava muito difícil, eu tinha que me concentrar ali na graduação. E a gente se encontrou nesse dia, no teatro, e foi muito bacana. E aí a gente começou a fazer o curso junto, nesse semestre. Então, agosto, setembro, outubro, novembro, quatro meses tendo aula no Instituto Anelo, aí o professor, o Lucas Soares, era o professor de acordeon e é o fundador também do instituto, falou pra gente assim, ó: “Eu tô com muitas demandas aqui no instituto. E eu tô num momento que não consigo mais estar em sala de aula. Não consigo mais estar em sala de aula”, viu em mim e nesse meu ex-aluno, meu amigo, um potencial de assumir esse projeto e começar a dar aula no lugar dele, que foi assumir outras demandas no instituto. E aí, em contrapartida, a gente ia continuar estudando com - o nome dele é Guilherme Ribeiro - um grande acordeonista. A gente iria trocar, iria dar aula no instituto e, em contrapartida, ia ter aula com esse acordeonista, pianista, lá em São Paulo. A gente só ia ter, assim, porque a gente pagava o combustível, né? Tá. Então, a gente, em três alunos, ia pra São Paulo uma vez por semana ter aula com esse acordeonista. E, em contrapartida, assumimos turmas de acordeon do Projeto Sanfônica do Instituto Anelo. E é onde eu estou até hoje. Desde 2016, que eu entrei como aluno e hoje sou professor de acordeon, do curso que está em evolução, né, o curso de acordeon, assim como o próprio Instituto Anelo. Grande crescimento.
P2 - Baiá, você poderia contar pra gente como foi ser aluno do Projeto Sanfônica?
R - Como foi ser aluno do Projeto Sanfônica?
P2 - É.
R - Ah, foi maravilhoso, muito bacana. Eu já fiquei muito contente de encontrar esse meu amigo, esse ex-aluno e, junto com ele, participar do projeto. Estando no projeto... Porque o Instituto Anelo, lá você consegue, há a possibilidade de ter aulas de vários instrumentos: cordas, teclado, né, percussão, enfim, sopro. E, até então, eu tocava acordeon, mas eu tocava mais assim, na escola, na minha casa e poucas relações. Apesar… A história que eu contei, de começar com esse desejo, foi de ter uma banda, mas com o acordeon mesmo, eu pouco toquei com outros instrumentos, até então. E, no Instituto Anelo, tinha o Projeto Sanfônica, mas também tem um projeto que chama Prática de Banda. Eu também me inscrevi nesse projeto, fui e comecei a tocar acordeon com os outros instrumentos, né? E isso foi muito importante, no desenvolvimento musical. Então, estando no Projeto Sanfônica, me deu a possibilidade, né, de participar ali com outros músicos, outros instrumentos, com o mesmo objetivo, tocar um repertório, enfim. E depois, eu percebendo também que o professor, no caso, na época, o Lucas Soares, ficou satisfeito com o desempenho, tanto que ele nos convidou pra assumir uma turma e ser o professor de acordeon. Então, foi muito satisfatório participar do Projeto Sanfônica, né? Eu recebi... Inclusive, alguns alunos que estavam comigo na sala de aula, como alunos também, no semestre seguinte, já estavam ali, dando aula pra ele, na posição de professor. E aí, eu percebia que esses alunos dele ficavam com vontade. Por quê? Porque quando estavam comigo na sala de aula, eu como aluno, eles também percebiam, né, que a gente tinha um desenvolvimento maior assim, né? Então foi uma satisfação, porque estar no Projeto Sanfônica, também teve esse reconhecimento, né, da habilidade e oferecer essa oportunidade, de ser o professor do instituto onde estou até hoje.
P2 - Baiá, você acha que atingiu seus alunos, quando você dá aula?
R - Sim, eu acredito que sim. O Instituto Anelo tem essa característica. O aluno passa aqui um período no Instituto Anelo, né? A música nos envolve. Então, o Instituto Anelo começou lá em 2000, no ano 2000, e alunos que, daquela época, hoje, são professores. Então, tem essa questão orgânica. Eu, quando entrei, em 2016... Em 2017, eu assumi uma turma como professor. Entrei como aluno, assumi como professor. E, naquele momento, ainda hoje, 2021, tem alunos daquela primeira turma, porque eles estão numa evolução musical, entendeu? Me lembro até que na turma tinha um aluno, já de uma certa idade, então ele era avô. E ele levava o neto pra ir fazer aula... Aliás, não pra fazer aula, ele levava o neto junto com ele. Ele que ia fazer aula, o neto ia só pra assistir. Na época, o neto, que era o Gustavo, deveria ter o quê? Onze anos de idade, dez, eu não me lembro direito. Mas o Gustavo ficava assistindo a aula e o avô falava que chegava em casa, ele pegava a sanfona, ele tentava tocar, porque ficava prestando atenção. No semestre seguinte, o que aconteceu? Inscreveu o Gustavo na turma e o Gustavo começou a fazer a aula, agora participando. Ele já fazia aula, ia assistir todos os sábados, agora ele participava como aluno oficial, inscrito. Ele está no projeto até hoje e vem de uma evolução musical, assim como outros alunos também. Então, eu acredito que sim. Acredito que as aulas estão tendo resultado e atingindo os alunos de forma positiva.
P2 - E o que o acordeon significa pra você?
R - Ah, o acordeon, pra mim, significa tudo: que é através do acordeon que eu expresso, a gente... Porque a música, pra mim, representa justamente a expressão do nosso sentimento. A música nos transforma e foi isso que o acordeon fez na minha vida. Mesmo, como eu disse, eu contei aqui, que lá no início não foi algo planejado: “Eu quero ser professor de música. Quero viver a música”. Mesmo que lá atrás isso não fosse o objetivo, acabou acontecendo. Acabou acontecendo, e a música tem esse poder de transformação. O acordeon me abriu as portas. Por exemplo, estando no Instituto Anelo, isto foi em 2019, então, assim: 2017, comecei como professor. E o Instituto Anelo tem uma parceria com um projeto que acontece lá na Itália, que está acontecendo nesse momento, que é o Arcevia Jazz Feast. Arcevia é uma cidade, uma província da Itália. E então, desde 2006, montava-se um grupo pra ir participar desse festival, que é um seminário de "jazz", enfim. E, então, eu fazendo parte do Instituto Anelo, tive a oportunidade de participar do Arcevia Jazz Feast em 2019. Então, olha só: até então, eu nunca tinha andado de avião e a minha primeira viagem foi internacional, né? Sozinho, ali, no aeroporto e, pra chegar em Roma, sozinho e procurar o lugar onde ficar. Então, olha que experiência: o acordeon, realmente, transformou a minha vida e continua transformando.
P2 - E como foi essa experiência lá na Itália, quando você chegou lá no festival?
R - A experiência foi muito bacana, muito positiva. Lá, no festival, tinha nós, brasileiros, italianos, mas tinham franceses, também. Tinham sul africanos. Então, era uma mistura ali de cultura e o fim, o bacana de tudo [é] que o fim era a música, né? Então, assim, mesmo você com dificuldade de comunicação com a língua, a música é universal. Então, a gente se comunicava realmente através da música. Aprendi muito, muita coisa assim, de lá pra cá, do Arcevia pra cá. Porque, assim: o gênero "jazz", por exemplo, não é um gênero musical que esteve presente na minha vida, né? Aí eu vim conhecer o "jazz" mesmo, através do Instituto Anelo. E tive essa oportunidade de participar do Arcevia Jazz. De lá pra cá, também, a minha musicalidade mudou totalmente, porque o "jazz" tem uma característica própria: a questão harmônica, enfim, melódica. O estilo, né? Então, isso é muito rico. A viagem, em si, já foi muito rica, porque pensa bem: eu nunca tinha viajado de avião, então foi uma experiência muito bacana e eu tive que fazer isso, assim, sozinho. Eu fui viajar só, né? E, assim, me deu também muita confiança, até. Hoje, eu olho e falo: “Olha!”. Olhar pra minha história, assim, e pensar que um dia eu ia pro aeroporto sozinho, conseguir chegar lá na Itália e desembarcar, procurar onde ficar e depois ainda… E chegando lá na Itália, eu encontrei os outros amigos, porque nós fomos, nós estávamos em cinco pessoas, seis, sete. Devia ter uns oito brasileiros, mais ou menos, né, que aí eu os encontrei lá, porque nós ficamos sete dias. Isso mesmo: sete dias, hospedados numa casa próximo a escola, onde tem o festival. E fomos muito bem recebidos pela Dona Josefina. Não esqueço da torta maravilhosa, a recepção que ela sempre faz aos brasileiros que lá vão. Então, foi uma experiência muito bacana e muito transformadora, mesmo. Conheci outros brasileiros que moram lá, em Arcevia, na Itália. Enfim, é muito transformador.
P1 - Então, vamos voltando pra sua vida pessoal, Baiá: como você conheceu a sua esposa?
R - A minha esposa, a minha esposa também - olha só, eu estava pensando nisso aqui - tem uma relação com a música, com o acordeon, vocês acreditam nisso? Olha como o acordeon transforma! (risos) Bom, eu fui convidado, um amigo lembrou que eu era sanfoneiro, que eu tocava e eles iam fazer uma festa de meio do ano, uma festa junina, né? Esse amigo participava de um grupo de cultura popular aqui de Campinas, [que se] chama Urucungos. E no Urucungos ia ter uma festa junina, aí meu amigo falou assim: “Ô, Baiá, você não quer vir tocar aqui? Traz a sanfona, vem fazer um forró, participar da festa conosco”. Eu falei: “Bacana! Perfeito, vou sim”. É uma pessoa que eu considero muito. Fez o convite, vamos lá, sim. E foi até a primeira vez que eu fui no Urucungos. - Verdade, foi a primeira vez. - E chegamos lá na festa, a minha irmã do Rio de Janeiro estava aqui em Campinas e ela conhecia muita gente lá do Urucungos, né, desse espaço cultural. Também estava presente com uma outra amiga. Então, assim, eu estava em casa, né? Tô lá, vamos tocar. Cheguei lá na festa, né, toquei e bati um papo com todo mundo. Bacana, encontrei amigos. No final, como a minha irmã estava aqui, falamos: “Ah, não, vamos…''. Saímos da festa, acabou a festa e falamos: “Vamos pra algum lugar, algum barzinho, sentar, conversar, bater um papo”. Estávamos com amigos, né? Então, fizemos isso. Viemos, saímos lá do Urucungos e viemos aqui pra Barão Geraldo, que é o bairro onde eu moro aqui, distrito, né? Paramos num bar e encontramos uma outra amiga. Essa outra amiga estava com a minha esposa, com a Graciety. E aí nós a encontramos, fomos pro bar. Sentamos, assim, numa mesa, nós estávamos, contando agora, assim, devia ter umas dez pessoas na mesa. Batendo papo, conversando. Então, assim, numa mesa, num bar com dez pessoas bebendo, conversando, você conversa com um aqui, mas tem as conversas paralelas, né, do outro canto da mesa, do outro canto da mesa. Enfim, naquele momento, eu não tinha trocado uma palavra ainda com ela. Aí eu fui buscar um suco de laranja, que, assim, eu não consumo bebida alcoólica, né? Aí eu fui buscar um suco de laranja, aí ela estava lá no caixa, me viu ali e puxou um assunto. A gente bateu um papo rápido ali e voltamos pra mesa. Voltamos pra mesa e aí, no final de tudo, desse encontro, chamou a conta, aí cada um tirou o dinheiro da carteira, deu uma parte, pagou a conta. Eu acredito que foi ela que pagou a conta, né? Aí sobrou um troco e eu estava indo embora, assim, e ela: “Ó, seu troco aqui!”. Eu falei assim: “Não, só umas moedinhas. Não precisa disso, não”, “Não, pega sim, leva e tal”. E aí eu fui embora pra minha casa. E ah, na época, eram redes sociais, acho que já era o Facebook ou era o Orkut, não me lembro ainda qual que era a rede social, que essa minha amiga que a levou nesse dia, pro encontro, começou a conversar comigo e falou: “Ó, a minha amiga gostou de você”. Falei assim: “Ah, gostou de mim? Que bacana, né? Ah, mas quase não falei com ela”, “É, mas ela gostou de você. Ela queria ver se a gente marcava um encontro”. E aí, eu sou uma pessoa um pouco tímida, não sou bastante tímido, mas sou um pouco tímido, né? Assim, hesitei um pouco ainda nos encontros. E eu, na verdade, tinha acabado de sair de um relacionamento amoroso, que aí eu fiquei muito sentido. Saí desse relacionamento, porque eu não queria terminar o relacionamento e a pessoa terminou comigo. E aí eu não queria. Eu estava muito sentido, é isso mesmo. Agora que eu lembrei: [eu estava] muito sentido ainda. Então, eu não queria, por isso que eu hesitei. Não queria marcar encontro agora. Aí, eu tenho uma relação muito forte aqui no distrito, no Barão Geraldo, onde ela morava e nós moramos, ela... Aí a gente acabou se encontrando. Conversávamos, batíamos um papo. Ela morava aqui e precisava... Isso, passou-se, deixa eu ver: uns três meses, uns três, quatro, uns três meses conversando assim e aí resolvemos nos encontrar. Aí, foi eu mesmo conversando com ela: “Ah, vamos nos encontrar? Então vamos”. Aí nos encontramos, paramos num bar, bebemos, conversamos. Chegou no final, eu fui levá-la embora. Aí chegou em frente da casa dela, até que não teve jeito, ela falou assim: “Rapaz, tem que ser agora, né? Você está me enrolando demais, (risos) né?”. Aí ela virou pra mim e falou assim: “Você não quer entrar pra tomar uma xícara de café?”. Aí eu disse pra ela: “Não seria muito incômodo?”. Ela disse: “De forma alguma”. E aí eu entrei na casa dela e a gente acabou tendo um encontro ali, uma relação afetiva que foi muito bacana, e dali começou o nosso relacionamento. Esse período, assim, de excitação da minha parte, ela sempre... Hoje, eu percebo que ela investiu bastante, né, nessa situação, assim, de estarmos juntos, né? Enfim, isso, eu acho que a conheci em outubro, eu estava falando de uma festa julina... Foi em julho. E depois, o nosso relacionamento mesmo, foi se dar em outubro de 2013. Isso, 2013. Então, aí passou outubro, novembro, dezembro, janeiro, fevereiro, março. Então, a gente estava aí já num relacionamento de seis, sete meses. Eu, nesse momento, estava com uma dificuldade de relacionamento em casa. Eu não morava… A minha mãe morava em outra casa, já. Essa casa que eu morava é a casa onde, o quintal onde eu nasci, que a minha mãe construiu uma outra casa maior. Enfim, já estava numa situação melhor. E eu morava com: eu, mais dois irmãos, uma sobrinha, isso mesmo. Morava... As mulheres tinham ido, já, embora, ficaram só os homens e a minha sobrinha, que, na época, tinha treze, catorze anos. Isso mesmo. Aí a gente estava com dificuldade de relacionamento. E aí, o que aconteceu? A minha sobrinha também estava passando por um período difícil, na adolescência. E aí aconteceu que, devido a esses problemas de relacionamento, eu tive que... Eu estava... Eu tive não, eu estava muito impaciente e aí eram muitas discussões. Eu preferia sair e ir pra rua, enfim, voltava pra casa só pra dormir, é isso. Aí, a minha esposa, na época, ia mudar de casa. Então, ela estava procurando uma casa pra morar e eu também estava ajudando-a nesse sentido, né? Aí ela encontrou uma casa e falou: “Tem uma casa lá, vamos dar uma olhada. Ah, é, de quem é essa casa?”. Quando eu fui ver de quem era a casa, era a casa do meu ex-professor de Geografia, lá do Projeto Herbert Souza, do cursinho. Um amigo, assim, um "brother". Eu falei: “Nossa, que bacana, que legal! A vida é incrível, né?”. Uma casa que um dia até eu dormi já nessa casa, que eu era muito amigo, assim, do Cleiton, né? Dormi na casa dele. Então, era uma casa que eu já conhecia e aí a gente começou a conversar junto, não foi nada planejado. De repente, quando eu vi, eu estava conversando com o meu amigo, de alugar a casa dele pra ela morar, mas daí eu resolvi também ir embora de casa. E foi assim que eu saí de casa, já saí de casa pra ir morar com ela. E, a partir daquele momento, nós estamos juntos até hoje. Um relacionamento amoroso, assim, muito bacana. Tenho muita satisfação, assim, de poder falar essas histórias.
P1 - Você tinha falado, né, num intervalo, a respeito dessa questão, da sua… Da presença das mulheres na sua vida...
R - Ah, é verdade. Bom, como eu contei aqui, a presença paterna, eu não tive uma presença paterna, porque logo que eu nasci meu pai faleceu. Passou quarenta dias… É essa história que me contam. Por que eu falo que é história que me contam? Porque pouco falam do meu pai pra mim e eu também não sentia a necessidade de buscar essas histórias. Acredito que eu fiquei tão satisfeito, na questão afetiva, que não me fez falta. É, foi isso. A questão afetiva, em relação às mulheres. A minha mãe... Olha como era: [era] a minha mãe, eu tinha mais três tias, a minha avó, a minha irmã. Então, assim, eu vivi esse meio, né, que era cercado de mulheres. E então, uma criança, pedagogicamente falando, né, forma-se uma personalidade de uma criança do zero aos oito anos, ali, no máximo, nove anos, você tem uma personalidade bem formada, né? Então, foi um período que eu vivi junto com essas mulheres. E muito… A minha forma de conviver hoje, está relacionada a isso. Como que eu me alimento hoje, está relacionado a isso. A forma afetiva, a relação afetiva que eu tenho, aí, no caso, com as mulheres, também está relacionado a isso. Então, assim, a presença das mulheres, a minha mãe é um exemplo pra mim. A minha mãe tem uma característica, assim, de nunca desistir de ninguém. Na minha família, teve muita dificuldade, assim, por exemplo, com drogas, que eu já tive irmãos que foram dependentes químicos que, assim, eu me recordo hoje, que era uma dificuldade muito grande. A pessoa não se conter naquela questão de usar droga e começar a sumir as coisas dentro de casa. Aí, você imagina uma mãe nessa situação: ter que trabalhar pra pôr comida dentro de casa e ainda agora tem que se preocupar onde que o filho está à noite. Tem que acordar cedo, mas tem que ir atrás do filho na rua. E ela nunca desistiu desse filho, né? E aí me lembro quando o meu irmão foi pra uma casa de recuperação, ficou lá um tempo. A minha mãe visitava e ele voltou. Depois, ele voltou a usar novamente e ela nunca desistiu dele, né? Esse é um outro irmão também, que teve problema, que foi... Se envolveu com pessoas erradas e foi preso, por exemplo. Aí, está a minha mãe, ia lá visitar esse meu irmão, né, enfim. São dois irmãos. O terceiro irmão tinha muita dificuldade, não queria estudar e a minha [mãe] sempre insistia. Eu me lembro da minha mãe correndo atrás dele pelo bairro pra levá-lo pra escola. Tanto que ele odiava ir pra escola, era um horror pra ele, assim, ir pra escola. E eu fico pensando: eram seis crianças, porque nós somos 'escadinhas' assim, né? [Em] um ano nasceu um, outro ano nasceu outro. Então, era realmente um monte de criança que ela tinha pra cuidar. E, então, essa relação com a minha mãe, assim, eu olho pra ela assim, eu vejo um exemplo. Às vezes, eu tenho... A minha esposa diz que eu tenho uma dificuldade, assim, de... Sabe, como se diz assim? As coisas que me afetam, eu realmente levo pro coração, sabe, assim? Eu faço muita reflexão olhando sobre isso e aí eu procuro olhar pra minha mãe, um exemplo, pra eu amolecer um pouco mais o coração. Aquela dificuldade, às vezes, assim, de perdoar, de ouvir mais, procurar entender melhor o outro, pra que você possa também manter uma relação com as pessoas. E a minha mãe é um exemplo disso. Eu me lembro de vários homens, assim, mas nenhum deles com presença. Então, a minha mãe, a maior dificuldade dela foi se relacionar com homens. E os homens perderam mesmo a oportunidade com a minha mãe, porque a minha mãe é muito cuidadora e muito carinhosa, mas ela não teve uma boa relação com esses homens. Talvez isso também me faça ser mais sensível com o tratar as mulheres, né? Eu tô falando da minha esposa, mas eu tive outras namoradas, que eram relacionamentos afetivos muito bacanas, que são coisas que também me formaram, de uma questão afetiva, né? Namoros que duraram seis anos, outros duraram quatro. Então, assim, por que não foi pra frente? Devido ao momento mesmo, devido à vida, mesmo. Mas se eu olhar o relacionamento, foi um relacionamento afetivo muito bacana, de troca, realmente, né? Aprendi muito com as mulheres, na minha vida, assim, dessa relação afetiva, tanto paterna, e aí eu falo de família, quanto relações amorosas mesmo.
P1 - Então, a gente vai pro último bloco de perguntas: o que é mais importante pra você hoje, Baiá? Não precisa ser uma coisa só.
R - O que é mais importante pra mim, hoje? Ai, olha, que pergunta! Deixa eu pensar, assim… A minha esposa é algo muito importante pra mim. O nosso projeto é justamente envelhecermos um do lado do outro, dando uma força pro outro, porque o acordeon... Olha eu novamente querendo história... Vocês fizeram uma pergunta: como é que o acordeon atinge a sua vida? O acordeon me deu a oportunidade de ter relação com, por exemplo, o Gustavo, que é o aluno, que eu falei que tinha dez anos, nove anos, mas também com pessoas que têm 86, 87 anos. A minha professora de acordeon, eu tenho uma relação com ela - ela é viva até hoje -, ela tem 82 anos. Um aluno, que ficou muitos anos comigo, porque... Hoje, ele tem 87 anos e é um amigo. E eu o olho, por exemplo: é casado com a primeira esposa até hoje. E aí eu vejo aquela relação, aquela...Ccomo a importância de um pro outro, no dia a dia, na vida deles e aí isso me dá uma perspectiva do que eu quero, né, pro meu futuro. E aí a minha esposa entra nesses planos, né, de envelhecer junto, um cuidando do outro. Então, essa é uma das coisas importantes. O acordeon, com certeza, é uma coisa muito importante, porque me move a todo momento, assim. Eu tô falando como projeto de vida hoje, mas eu não consigo me ver sem tocar o meu instrumento. Eu quero envelhecer tocando o meu instrumento. Então, é algo que me move também. A minha mãe é viva, né, e isso também me move. Eu penso, assim, que até o último momento que a minha mãe estiver nesse mundo aqui, eu tenho que estar presente com ela. Então, eu acredito que ela também é algo que me move. A relação com o coletivo também é algo que me move bastante e isso é um dos motivos também de eu estar presente no Instituto Anelo, que a música sempre pensa no coletivo, né? Então, isso é muito importante, eu acho muito importante isso. E isso também hoje me move. Hoje, essa dificuldade que a gente tem, né, com a pandemia, de estar presente no coletivo, mas a gente ainda tem as redes sociais. Eu não sou uma pessoa muito ativa nas redes sociais. Ainda sou, ainda sinto muita falta dessa questão da presença, a presença física, mas, ainda, o coletivo é muito importante pra mim, assim. A pandemia deixou algo, um espaço vazio, nesse sentido.
P1 - E quais os seus sonhos pro futuro, Baiá?
R - Ah, os meus sonhos pro futuro? Bom, aqui também, na entrevista, eu falei do meu gosto, né, pelas plantas. Eu adoro plantas, tenho várias plantas. Essa casa, na qual foi a primeira casa que eu fui morar com a minha esposa, era uma chácara. Então, assim, lá a gente plantava horta e tinha várias plantas no quintal, enfim. E, assim, hoje a gente mudou de casa e não é assim, mas eu tenho vários vasos. Tenho plantas que estão comigo desde quando eu morava na casa da minha mãe. Então, tem plantas que estão comigo já faz quinze anos, né? Tem plantas que eu trouxe, que era da minha mãe, então tem vinte anos. Então, um dos meus sonhos pro futuro é esse, poder... Hoje a gente mora numa casa que é alugada, né, mas o sonho de ter um espaço pra morar, que eu possa plantar e cuidar das minhas plantas. E, na verdade, isso junto com a minha esposa, é um projeto que a gente tem. Então, assim, é um sonho, mas é um projeto, planos. A gente só faz planos pra ter isso lá no futuro. Ter um espaço de terra que você possa plantar e possa cuidar. Eu também… A minha, a casa onde eu morava… É engraçado, né, que naquela época, era o motivo de um desconforto nosso como jovens, que é assim: a minha mãe teve uma relação com um rapaz, que gostava muito de galinhas. Então, ele fez um galinheiro bem na entrada da minha casa. E a gente, assim, até ficava com vergonha, porque a entrada da casa, o que era? Era um galinheiro cheio de galinhas. Mas a gente, como criança também, né? Assim, porque foi um bom período que essa pessoa morou com a minha mãe. E pegava aquele gosto pelos bichos, né? E depois que eu fui morar - isso aí na infância, né, adolescência - nessa chácara, eu comecei também a cuidar das galinhas e voltou tudo isso. E aí eu via a relação bacana que eu tinha com aqueles bichos, você vê? Como a gente, lá na infância… É isso, né? Quando criança, não gostava de comer jiló, mas hoje eu adoro, porque na infância tinha jiló, tinha quiabo e cuidar dos bichos também era assim. Então, fui morar nessa chácara. Então, assim, hoje, os animais, no caso, as galinhas, você dá nome pra elas, né? Tinha o galo que era o José, a Santinha que era a galinha. Então, assim, é uma relação muito bacana. É mais um motivo pra ter esse espaço. Então é isso: ter um espaço com terra. Tem que ter terra pra eu plantar, criar os bichos. Enfim, é isso.
P1 - Uma pergunta que eu não te fiz, que eu ia fazer lá no início, mas o papo se desenrolou e eu acabei não falando de novo: de onde surgiu seu apelido?
R - Ó, essa pergunta é boa. Por quê? Isso também é uma história. (risos) Bom, Baiá. Eu, desde que me conheço, fui Baiá. Então, quando eu entrava na escola: “José, José”, aí ficava José. “José. José”. Mas quando alguém descobria que era Baiá, pronto, aí trocava e acabou, virava Baiá, né? Então, só que, assim, também como parecia um nome, né, eu também não me preocupava de onde que veio. Não era uma preocupação minha, eu era Baiá e acabou. Então, passou um tempo na minha vida, eu comecei a me questionar também: “Baiá? O que é que é Baiá?”, eu nunca via “baiá”. Eu via baia. Baia, que é um espaço onde cuida ali dos cavalos, enfim. Mas “baiá”? Ele tem o acento no A, por isso que dá essa tônica, né, “baiá”. “E o que é que é baiá? Não sei, não sei”, enfim. Aí, chegou um momento... Agora, eu tô falando, olha só, 2000 e... Quando que foi ali.... 2012? É isso, 2012, eu acredito. Então, já se passou aí mais de trinta anos, né, do nome, a ‘nomeficação’. Aí eu fui lá pro Rio de Janeiro, fui lá visitar a minha irmã, a Viviane, que é aquela irmã que foi pro Rio de Janeiro, fazer o curso de Dança lá na universidade federal e ficou por lá, virou carioca. Fui visitá-la e ali... Ela é muito dedicada, devota, na religião da umbanda. Aí, então, ela estava participando de um culto e eu também fui participar desse culto. E olha que ela já sabia, até. Ela já sabia, mas ela não me falou nada. Aí, nesse culto, começaram a cantar um ponto, assim. Ponto, o que é o ponto? São as músicas que se cantam pra uma entidade, no caso, a entidade poderia pensar que são... Eu vou fazer uma analogia aqui, não é isso, mas poderia ser: um santo, um deus. Tô falando isso pra quem não conhece a religião umbanda que, apesar de ser uma religião tipicamente brasileira, poucos conhecem, pelo menos na região onde eu moro. Mas, enfim, aí começaram a cantar um ponto pro Baiá, que era um ponto pra caboclo: Caboclo Baiá. E aí, logo fez assim, ó, 'plic', porque a minha tia que era uma pessoa, que ela... Assim, ela me adorava. Adorava eu como filho, sabe assim? Ela arrumou muita briga com os meus irmãos, com as minhas tias, com a minha mãe, por minha causa, entendeu? Tanto que, assim, ela gostava de mim e eu era muito apegado a ela, que ela morava em casa, só que ela também tinha uma relação lá em Volta Redonda (RJ). Então, ela ia pra Volta Redonda, ficava seis meses, aí voltava pra casa e ficava ali um período também, depois voltava pra Volta Redonda. E eu sentia muito quando ela ia e, quando ela estava, quando tinha a presença dela, eu tinha um carinho a mais, um 'dengo' a mais, e eu gostava daquilo, né, enfim, a presença da tia. Chorava muito quando ela tinha que ir pra Volta Redonda. E aí, ela era umbandista, né, muito frequentadora. Na verdade, assim, eu cresci numa situação que, você estava doente, a minha vó vinha e me benzia, né? Fazia umas orações, me benzia. Ia lá no quintal, pegava uma planta chamada guiné. Colocava a guiné em você, fazia a oração. Às vezes, eu me lembro também que pegava um pedaço de pano, uma agulha, costurava, fazia oração. Então... Acendia vela. Na minha infância, tinha muito isso de acender a vela no quintal. Aí eu fiz a relação e falei assim: a minha tia, como umbandista, me deu esse apelido Baiá, que é justamente um caboclo da umbanda, que eu fui conhecer lá no Rio de Janeiro, participando desse culto religioso, em 2012. Então, por isso que eu falei: é uma história longa, né? Eu nem me questionava, mas a vida acabou me apresentando, assim, num lapso: agora eu sei de onde vem o Baiá, porque a minha tia, que era da umbanda, meu deu esse nome, né? Não é nem apelido, é um nome, porque, realmente, quando as pessoas descobrem que é Baiá, aí substitui o José Roberto por Baiá. Ah, e um detalhe, ó: o meu nome artístico é Baiá Fagundes. Por que Baiá Fagundes? Porque eu não tive uma relação com o meu pai. Poderia ser, por exemplo, Zé Fagundes, né, poderia ser. Ou senão, Zé do Acordeon, poderia ser um nome artístico, poderia ser vários, né? Mas por que Baiá? Devido a essa relação bacana com as minhas tias, enfim, a minha família. E Fagundes veio da minha mãe. Então, aí eu falei: “Como não teve a presença do meu pai, não tem por que ter o Zé, o José, porque me chamavam de Zé, Zé da Sanfona. "Zé da Sanfona, não. Vai ser Baiá Fagundes". Fagundes, homenagem à minha mãe; Baiá, homenagem à minha tia, que me deu o apelido.
P1 - Vamos pra última pergunta, então: como foi pra você, hoje, contar a sua história pra gente?
R - Contar a minha história é uma satisfação, primeiro pela grandeza que é. Todo mundo tem uma história, mas quando a história fica eternizada, é algo muito grandioso e eu acredito que o Museu da Pessoa traz isso. A história da pessoa fica marcada e realmente fica eternizada para gerações futuras, mesmo até se, de repente, amanhã acontece alguma coisa e eu parta dessa vida, pra outra. Então, eu fico muito satisfeito pelo convite. Agradeço novamente a quem? Ao acordeon, por eu estar no Instituto Anelo, e foi através do Instituto Anelo que eu cheguei até vocês aí, do Museu da Pessoa. Então, pra mim, é uma satisfação enorme estar podendo trazer o meu relato aqui, pra ficar marcado aí pra história do Museu da Pessoa. Parabéns pelo trabalho de vocês!
P1 - Bom, a gente que te agradece, Baiá, em nome do Museu da Pessoa, em nome também da Cpfl e da Anelo, muitíssimo obrigado pelo seu depoimento!
R - Bacana, eu que agradeço. Tenha um bom dia!
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