Projeto: Memória DIEESE 50 Anos
Entrevistado por: Nadia Lopes e Marcelo Fonseca
Depoimento de: Joel Alves de Oliveira
Local: São Paulo
Data: 06 de outubro de 2006
Realização: Instituto Museu da Pessoa
Código: Dieese_TM020
Transcrito por: Marcelo Cintra de Souza
Revisado por: Carla Pos...Continuar leitura
Projeto: Memória DIEESE 50 Anos
Entrevistado por: Nadia Lopes e Marcelo Fonseca
Depoimento de: Joel Alves de Oliveira
Local: São Paulo
Data: 06 de outubro de 2006
Realização: Instituto Museu da Pessoa
Código: Dieese_TM020
Transcrito por: Marcelo Cintra de Souza
Revisado por: Carla Poskus
P/1 – Pra começar, gostaria que o senhor dissesse o seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Bom, o meu nome completo é Joel Alves de Oliveira, eu nasci em Maracás, no Estado da Bahia, no interior da Bahia, no dia 7 de dezembro de 1947.
P/1 _ Qual o nome dos seus pais?
R _ Meu pai, José Elpídio de Oliveira e a minha mãe é Juvelina Alves de Oliveira, ambos falecidos.
P/1 _ O senhor lembra dos seus avós?
R _ Meus avós paternos são Francisco Elpídio de Oliveira e Firmina Elpídio de Oliveira. Não, desculpe, Maria Firmina de Oliveira. Que mancada, hein? Da minha mãe, Maria Florência de Oliveira e José Antônio de Oliveira.
P/1 _ O senhor lembra da atividade profissional de seus pais?
R _ O meu pai era marchante, ele matava boi e vendia a carne, e lavrador. E a minha mãe era uma senhora do lar. Ela costurava, tinha uma máquina que era aquela máquina ainda tocada na base daquela rodinha, que tinha aquela manivelazinha manual, né? Então, ela costurava pra fora pra ajudar a manter a família.
P/2 _ E o senhor têm irmãos?
R _ Nós somos uma família bastante grande. Nós somos em onze irmãos. Seis homens e cinco
mulheres. Dois deles estão falecidos, dois homens.
P/1 _ O que fazem os seus irmãos?
R _ Olha, a gente inicialmente, nós éramos lavradores, quer dizer, eu também comecei assim e, posteriormente, todos os irmãos, os homens, foram tapeceiros. Eu aprendi com um deles que aprendeu a profissão, que foi o Oliveira, e aí foi ensinando pros demais. Oliveira, José Antônio, Jonas, Gilberto, enfim, Juarez, todos eles. E as mulheres, todas do lar. Não tem uma assim que tem uma atividade especial.
P/1 _ Lá em Maracás, onde o senhor morava, como era a sua casa, a rua, como que era?
R _ Eu morava numa cidadezinha, eu nasci numa fazenda chamada Itapicuru e saí de lá com um ano mais ou menos de idade e vim para uma cidadezinha chamada Campinhos. Campinhos, município de Maracás. Campinhos era uma cidade, em primeiro lugar não era uma cidade, era uma vila, que tinha uma rua só. Era uma rua bem longa e a rua, do outro lado da minha casa, em frente a minha casa, a rua tinha mais ou menos uns 150 metros de largura, né? Do outro lado tinha algumas casas e à esquerda tinha uma represa muito bonita e no meio, assim, um campo de futebol. Era essa a cidadezinha que eu nasci, Campinhos. Ali, é, era um vilarejo de poucos recursos, não tinha uma escola pública, por exemplo, não tinha um hospital, não tinha um cinema, essas coisas assim que as crianças gostariam de ter e precisam ter. Nós não tínhamos nada disso.
P/1 _ E como que era o dia a dia na sua casa?
R _ Bom, o meu pai viajava bastante, a minha mãe costurava o tempo todo e no meu período de vida, quer dizer, os meus irmãos eles vieram, os homens vieram todos pra São Paulo. Meu pai também, ele veio pra aqui pra São Paulo, ficou uns dois anos, porque a gente tinha dificuldades financeiras, econômicas... e a minha mãe continuou lá batalhando, especialmente pra manter a família nesse período. Inclusive, tem um fato, eu acho que a minha mãe foi uma mulher assim extraordinária, ela era uma mulher muito enérgica, né? E a gente tinha uma dificuldade muito grande para educar as crianças. Os meus irmãos eram mandados pra fora, pra estudar com um professor que chamava Vilanova, mas eu como fui o mais novo da família, não tive essa oportunidade. Por que o meu pai e os meus irmãos já estavam aqui. Minha mãe estava praticamente sozinha, eu e um irmão mais velho que eu e a minha irmã Ceci, porque os outros já tinham casado. E a minha mãe, para me ensinar a ler, montou uma escola. Ela falou: “Olha, não tem escola. Como é que vamos fazer pra educar essas crianças? Como é que eu vou ensinar o Joelzinho a ler?” Então, ela resolveu montar uma escola na própria casa. A nossa casa tinha...você entrava, eu tenho até uma fotografia dela aqui já recente. Você entrava, assim, tinha uma sala, depois à esquerda tinha o “quarto dos santos”, por quê? Porque ali tinha um oratório com muitas imagens de santos, depois tinha a sala de estar e seguindo tinha uma outra sala que era a sala de jantar com uma mesa longa e dois bancos, assim, nas laterais, e ali a gente tomava as refeições. Depois a cozinha, o quarto das crianças e tal. Bom, então ela mandou fazer uns bancos, circulava assim a sala e ali durante um ano e pouco ela ensinou aquelas crianças da cidade. Eram vinte e poucas crianças, todas dali, daquele vilarejo, que ela ensinou a ler e escrever. E eu me lembro bem que todos os dias a gente cantava um hino. Ou cantava o Hino Nacional ou cantava o Hino da Bandeira. Era uma coisa assim bastante interessante, não é? E ela era uma pessoa de pouco conhecimento também, ela não sabia a quarta operação matemática. Ela não sabia, por exemplo, dividir, mas ela ensinou as outras três operações. E a gente aprendeu. Depois eu fui para uma outra escola que era no interior. A gente saía de manhã, levava a comida, não levava pra fazer lá, levava um arroz, um ovo, feijão, farinha...que era o alimento natural daquela região. E, lá tinha, então, uma escola, que não era uma escola pública, era uma escola que era paga, não sei se era bem paga, acho que se dava alguma coisa para aquela senhora, que era a professora, ajudar também as crianças a educar, a alfabetizar. Ia de manhã e voltava de tarde. Eram seis quilômetros pra ir e seis pra voltar. A gente ia “de a pé”, não tinha outro jeito, bicicleta ou essas coisas. Então a gente ia naquele grupo de crianças, brincando pelo caminho e tal. E essa professora, o nome dela era dona Teófila de Araújo, ela tinha 84 anos quando estudei com ela lá, estudei, acho, uns dois anos, e ela era extremamente enérgica. Ela pegava uma régua, ela tinha uma mão muito trêmula, me lembro muito bem disso, e ela saía assim, em volta da sala, tomando a lição das crianças: “Olha, faça isso assim, leia isso ou diga tal coisa, tal texto que eu mandei você ler, tal, tal, tal”. E quando a criança errava, ela “pá”, dava uma reguada assim na perna, que ardia em todo mundo, ninguém queria levar reguada. É um negócio muito interessante. E ela então, tomava a lição da gente. Ela chamava a gente, nos finais de semana, todo final de semana ela chamava a gente: “Olha, agora você vai recitar a Matemática”. Então ela ia perguntando, vamos dizer assim: “Sete vezes sete, quarenta e nove; cinco vezes oito, quarenta”, e assim por diante. Ia até vinte vezes vinte e você era obrigado a responder. Então a gente aprendia realmente a decorar a Matemática. Ela achava que aquilo era realmente fundamental. Então, mais ou menos foi isso aí. Eu tive esse ano com a minha mãe, foi mais ou menos um ano e pouco, eu aprendi a ler e escrever, a cantar os hinos, e depois com a dona Teófila. E lá eu fui trabalhar numa, não sei se tenho que responder isso agora, já começo ou não? Eu fui, eu comecei a trabalhar muito cedo, né?
Eu comecei a trabalhar, na realidade, com seis anos de idade, porque infelizmente as crianças do interior elas não têm essa, essa mordomia que a gente tem na cidade. Quer dizer, lembro que o meu pai comprou uma enxadinha bem pequenininha, botou um cabinho assim e disse: “Filho, hoje nós vamos trabalhar na roça. Nós vamos carpir o feijão.” “Ah, é pai, então vamos”. Aí fomos, a roça era um pouco longe, e aí logo que cheguei, dei umas duas carpidas assim, arranquei uns matinhos, qualquer coisa, e ele carpindo. Aí eu olhei, assim, tinha um pé de coqueiro lá na frente, né? E aí perguntei pra ele: “Pai, que hora a gente volta pra almoçar, que eu já tô com fome”. Eu tinha caminhado de casa até lá, tinha uns quatro quilômetros e já tava com fome [Risos]. “Filho, na hora que nós chegarmos naquele coqueiro, nós chegarmos ali, vamos carpir até lá e assim que terminar a gente vai embora.” Eu olhei aquele coqueiro, assim, “Não é possível. Esse coqueiro deve estar uns dez quilômetros daqui. Quando é que nós vamos chegar lá? Pelo amor de Deus!”
Então, são algumas imagens de criança que a gente tem na cabeça.
P/1 _ E, depois, o senhor... Só uma coisa, o senhor falou que o seu pai veio pra São Paulo, não é?
R _ Ele veio aqui pro interior.
P/1 _ Como que foi essa vinda, essa saída de Maracás para São Paulo? Ele veio sozinho, veio com a família... Como que foi esse processo?
R _ Não, os meus irmãos, o primeiro que veio pra cá dos meus irmãos foi o mais velho, foi o Jonas, e ele veio pra Paraná, lá em Arapongas. Me lembro bem que as cartas que ele mandava para minha mãe eram de Arapongas. Então, o Jonas é que veio primeiro, veio pra São Paulo e depois foi pro interior do Paraná, e aí o pessoal precisava ganhar algum dinheiro para manter a família. Veio depois o meu irmão Juarez, a seguir o meu irmão Oliveira, que era na seqüência de idade, e depois veio o meu pai e o meu irmão, vamos dizer, mais velho do que eu. Veio o meu pai e o José Antônio. E eles vieram para o interior, vieram para o interior trabalhar como lavradores. Veio ele, então ele ficou aqui mais ou menos uns dois anos, por aí. Aproximadamente uns dois anos. Naquela época, se pegava um trem na cidade, pegava um trem na cidade de Tamburi. Pegava na quarta-feira e chegava aqui no domingo, aqui em São Paulo, na cidade de São Paulo. E ele fez esse caminho. Depois, voltou, levou algum dinheiro pra ajudar a família, né? Foi mais ou menos assim. Que é o que, acredito eu, que continua acontecendo. O nordestino vem pra São Paulo pra tentar ganhar algum dinheiro pra tentar manter sua família.
P/1 _E a vinda do senhor pra São Paulo. Que época que foi? Quantos anos?
R _ Depois disso, eu fui com uns nove anos de idade, por aí, com a minha mãe tomar conta de uma fazenda e de uma venda do meu cunhado, meu cunhado Damião. E nós ficamos lá tomando conta dessa venda durante uns anos. Uns três, quatro anos, por aí. Em 1961, eu vim com minha mãe. Minha resolveu vir pra cá, porque a situação tava muito difícil. O meu pai tinha separado da minha mãe, a situação estava muito difícil. E, meu pai, inclusive, veio para São Paulo de novo. Tava separado e nós resolvemos vir pra cá. Quer dizer, ela resolveu vir e eu, naturalmente, junto com ela. Então nós chegamos aqui em São Paulo no dia 8 de fevereiro de 1961, era um dia de Carnaval. Lembro bem, aliás, era a semana de Carnaval, não sei se era o dia de Carnaval, mas era a semana, porque o pessoal passava nos bondes. Eu vim para uma pensão que a gente morava aqui na Avenida Rangel Pestana, 2188, guardo bem esse detalhe. E o pessoal passava nos bondes batendo na lateral dos bondes cantando e eu ficava ali na porta, encantado, “nossa, que coisa maravilhosa.” [RISOS] Uma festa! E eu estava assim, meu cabelo era cortado, careca, e a minha mãe não deixava o cabelo crescer. “Não, por que o cabelo crescer?” Era careca com um topetinho aqui na frente, topetinho do Ronaldinho. Era um topetinho aqui na frente. Eu tinha uns olhos grandes, assim, então eu tava em pé na porta, olhando assim, passou um cara com lança-perfume e “fiiiiizzzz”, bem nos meus olhos. Eu fiquei apavorado. “Pô”, xinguei o cara e o cara: “não, o incomodado que se mude”, tal e foi embora. Essa coisa assim. Então nós viemos pra cá, e fiquei um mês aqui e depois eu fui pro interior de São Paulo, lá numa cidade chamada Pacaembu. Ali eu fui trabalhar na lavoura de café e de amendoim. Então nós plantamos amendoim. Meu irmão arrendou uma terra, dois alqueires. E eu e ele fomos plantar então esse amendoim. Plantamos... O amendoim, para quem não conhece, é uma lavoura pequena, porém muito delicada. Você não pode deixar nem um pedacinho de mato, porque um pedacinho de mato que tiver já estraga a lavoura. Estou exagerando? Não? Então nós começamos a trabalhar ali, naquele serviço, e o amendoim cresceu e ficou aquela maravilha. Você olhava assim, era dois alqueires de um verde, de um tapete verde. Aquilo, nossa, meu irmão falou: “Olha, nós vamos ficar ricos! Vamos ganhar tanto dinheiro com essa lavoura aqui. Olha pra isso, que maravilha!” Aí o amendoim deu aquelas flores bonitas, começou a fazer aqueles esporões pra sair a vagem dele aqui assim, né? Quando floresceu, o sol apareceu. Aí, sol, sol, sol. Vinte dias de sol. Resultado, o amendoim cresceu, enroscou assim, nós colhemos, me lembro bem, era pra colher não sei quantos sacos e foram dois caminhões de amendoim que nós colhemos, só que você pegava assim a mão cheia, assim, estourava, pó,pó,pó,pó,pó,pó. Os grãos tudo miudinho, ficou tudo pequeno. Deu um prejuízo desgraçado. Então, dali eu fui, depois nós fomos trabalhar na lavoura de café, beneficiar café, tombar terra, tal. Passado um ano e pouco eu vim pra São Paulo, de novo, voltei para cá. Fomos morar aqui na Vila Maria. Aí alugamos uma casa, ai reuniu todos os irmãos nessa casa. Na época, cada um morava numa pensão, um trabalhava numa siderúrgica, meu irmão mais novo trabalhava na Sideralto e os outros trabalhavam em indústria de estofados. Eram tapeceiros. E veio mais um outro irmão que tinha ficado na Bahia, que era o Gilberto, veio com a família. Nós reunimos todos na Vila Maria numa única casa, na Rua Belisário Pena, número 344.
Belisário Pena, no Alto da Vila Maria. Ficamos ali alguns anos até quando eu, por exemplo, me casei em 71.
P/1 _ Mas antes disso o senhor tinha arrumado trabalho?
R _ Ah, sim. Dali eu fui trabalhar, trabalhei em várias....é, o primeiro emprego, quando cheguei aqui em São Paulo, o meu irmão ele tinha um amigo dele que trabalhava numa loja de calçado, aqui na rua do Seminário, aqui no Centro de São Paulo. Acho que é rua do Seminário, essa ruazinha curtinha. Aí ele falou assim: “Olha, você vai lá amanhã, procura fulano, fala que é meu irmão, que eu já falei com ele, que ele vai te dar um emprego.” Aí eu cheguei lá, me apresentei, ele disse: “Você fica na porta, só mandando as pessoas entrar.” Mas eu não me conformava em ficar em pé, na porta e falar para as pessoas: “Entra, entra”. Eu queria atender as pessoas. E o cara falava: “Não, você não tem que atender as pessoas, você tem que
mandar as pessoas entrarem”. Aí, eu fiquei dois dias nessa atuação, agoniado, porque eu já tinha, como eu tinha trabalhado como balconista, já de vários anos quando criança, e eu tinha uma facilidade de atender as pessoas, etc. e tal, e aí cheguei pro meu irmão e disse: “Olha, não vou mais trabalhar. O cara não me deixa atender os clientes!” Ele falou: “Ah, você não quer trabalhar e tal.” Bom, resultado, aí ele falou: “Toma essa cadeira”. Nós tínhamos duas cadeiras em casa. “Você desmancha essa cadeira e faz de novo, amanhã.”
Aí, trouxe umas tachinhas, um martelo, e falou: “Desmancha toda e faz outra vez”. Aí eu desmanchei e fiz a cadeira de novo. Fiz tudo torta, de qualquer jeito.
Aí ele chegou de noite, olhou, disse: “Tá reprovado. Pode desmanchar outra vez e fazer outra vez.” Aí desmanchei, na terceira vez que eu fiz a cadeira, já não dava mais, o plástico... tudo. [RISOS] Bom, resultado, no quarto dia ele falou assim: “Agora, toma esse endereço aqui e vai ali na Sideralto na Avenida..., Sideralto não, ai meu Deus, é Sideralto? Não...Era a Indústria de Móveis Tubolar, aqui na Vila Maria, ops, Vila Maria não, aqui na Avenida Rangel Pestana, dois mil e num sei quanto lá.
“Você vai lá e fala que você é tapeceiro.” Aí, eu cheguei, tinha um corredor comprido na Avenida Rangel Pestana, perto do Cine Piratininga, eu entrei lá,
falei para o porteiro: “Está precisando de menor?” Ele falou: “Não, menor não”. Aí eu saí, e quando eu cheguei no meio do caminho de volta, falei assim: “Mas espera aí, mas eu sou tapeceiro!” Aí voltei lá de novo “Mas eu sou tapeceiro!” “Ah, tu és tapeceiro? Então venha fazer um teste. Vai lá que eu vou falar com o chefe da sessão que está precisando de tapeceiro lá.” Aí falou com o cara, e o cara falou: “Você vem amanhã fazer um teste.” Aí voltei pra casa todo eufórico: “Ah! Arrumei um serviço!” No outro dia, eu fui lá fazer o teste. O cara me deu uma cadeira pra fazer, uma cadeira semelhante a esta aqui. O encosto era curvadinho, assim. Sabe que eu estofei o encosto pelo lado contrário! O cara falou assim: “Escuta, mas onde você trabalhava?” “Ah, eu trabalhava na Rua Ânima.” Dei uma de João-sem-braço, porque na minha Carteira Profissional, pra você tirar a Carteira Profissional alguém tinha que dizer, assinar que você ia trabalhar lá e o meu irmão trabalhava nessa Rua Ânima, então ele pegou e pediu pro patrão anotar que eu ia trabalhar lá para eu poder tirar a Carteira de Menor. Eu falei: “Eu trabalhava na rua Anima, lá, não me lembro o nome da empresa, tal.” “Ah, é? Mas lá eles faziam assim? Mas tá errado. A gente estofa aqui pelo lado de cá.” “Ah!”, eu disse, porque tinha umas cadeiras lá que eram assim, tal. Bom, lá tinha
uma seção, tinha muitos tapeceiros, devia ter uns cinqüenta tapeceiros, era uma sessão comprida, muito longa assim. Todo mundo fazendo cadeira. E o pessoal fazia de 20 a 30 cadeiras por dia, os bons, né? Aí, o primeiro dia eu fiz, desmanchei, tornei a fazer e fiz umas duas cadeiras. Depois umas três, depois umas quatro, aí fui trabalhando e tal e o pessoal gostava muito de brincar. Eles faziam umas bolas de algodão assim e botavam umas tachinhas e o cara pá, pá. Batia aquela bola na cara, você olhava o cara, ninguém aparecia. Todo mundo quieto, trabalhando e tal,tal, tal. Pegava a tachinha na boca, com martelo de imã, você pegava a tachinha aqui e tchu, tchu. Bom, resultado, um desses caras me deu uma bolada, eu já estava lá há uns quarenta dias, já estava fazendo umas quinze cadeiras por dia, me deu uma bolada na cara que ficou vermelho. Eu saí xingando: “Quem foi o filho-da-puta que fez isso?”, querendo brigar. Ainda, eu era bastante ignorante, daqueles baianinhos meio terrível. Bom, resultado, o cara veio lá, meus irmão treinavam boxe e eu também dava umas treinadinhas. Resultado, o cara falou: “Fui eu”. Um cara altão, assim forte. “Fui eu que bati, e daí?” “Mas você não podia fazer isso” e pá,pá,pá. O cara veio, me deu um tapa e eu virei, pumba, dei um, na barriga dele. “Eu vou te pegar na saída.” Aí, todo dia eu ficava até mais tarde porque o cara ficava na porta esperando pra me bater. [RISOS] Então eu fiquei mais um mês, mais ou menos, nessa agonia e depois saí dali. E fui trabalhar numa outra empresa chamada Encanto do Lar, já fui como tapeceiro, quer dizer, como aprendiz praticamente, mas já com uma certa prática em fazer cadeiras, e dali eu fui para uma outra empresa que se chamava Indústria de Móveis Olímpia. Olímpia, e depois ela se transformou acho que em Formicrom, uma coisa assim. Ali eu fiquei algum tempo aprendendo. Aprendi a profissão, desenvolvi, porque era uma indústria de móveis finos, que fazia um serviço muito... Os móveis lá era pra durar dez, quinze, vinte anos e durava mesmo. Tudo era amarradinho, você pegava uma mola, amarrava aquilo ali, bem embaixo. As molas eram amarradas individualmente, depois você fazia um negócio chamado borlê, que era você em volta de todo o sofá você enrolava com a crina e costurava. Então, aquilo não deformava de jeito nenhum, era uma coisa que durava a vida inteira. As madeiras dos móveis era tudo de cedro. Era uma coisa fina. Bom, ali eu fiquei, é..., um ano e pouco. Fiquei um ano e pouco. Foi isso. Foi em 1963 por aí, eu fiquei de lá até meados de 1964, depois do golpe militar. Me lembro que o golpe militar, quando aconteceu, eu ainda estava lá. E eu saí de lá porque eu fui demitido. O sindicato, eu acredito que o sindicato tenha puxado uma greve, o Sindicato dos Marceneiros, contra o golpe militar, porque eu estava lá e eu fui mandado embora depois dessa greve. Eu aprendi a trabalhar, desenvolvia bem o serviço e eu conseguia fazer uma boa produção. Mas eu era garoto ainda, eu tinha acho que uns 16 anos, por aí. Aí um dia eu fui lá pedir aumento pro patrão. Falei, “Olha”, o encarregado lá, falei com o gerente: “Eu produzo bastante, meu serviço é bom, eu gostaria de
ter um aumento de salário”. Ele falou: “Mas, como assim, você já está recebendo igual aos maiores, você já está recebendo um salário mínimo. E o salário mínimo é salário mínimo de maior, eu te pago salário mínimo de maior aqui.” Eu falei: “Mas eu to desenvolvendo um trabalho, eu faço bastante, eu faço seis poltronas por dia, já”. Eu desenvolvia bem esse trabalho, tinha uma facilidade para trabalhar. Ele disse: “Não, você é muito criança ainda, eu não posso te dar aumento porque senão vou ter problema com os outros. Você tem que continuar a ganhar salário mínimo.”
Eu falei: “Então vou trazer meu pai aqui, que tem sessenta e poucos anos e você vai pagar um salário bom pra ele, então.” Coisa de criança, sabe como é que é.
Bom, passado um tempo, veio o golpe militar, logo, não me lembro bem se foi, porque eu não tinha consciência política naquela época, nenhuma. Não me lembro bem se foi logo a seguir do golpe, eu sei que eu cheguei lá uma manhã e o pessoal do sindicato tava na porta. “Olha, hoje é dia de greve. E ninguém vai entrar pra trabalhar.” Aí eu... Era um dia de vale e eu tinha vindo de casa sem dinheiro. Então eu falei pro meu colega que morava perto de mim, a gente morava na Vila Maria Alta, falei pra ele: “Então vamos pedir o vale e nós vamos ficar de greve.” Eu já tava “mordido” com a firma porque não me dava aumento e então eu fui pra falar com o gerente pra me dar o vale. “Não, você entra pra trabalhar que a gente te dá o vale no final do dia. Não tem problema, teu vale tá aqui.” Até pegou o envelope assim, tava tudo prontinho, tinha os envelopes de vale de todo o pessoal. “Tá aqui o teu vale e dos demais também, mas entra pra trabalhar. Eu não vou dar vale pra vocês ficarem em greve.” Ah, dá, não dá, resultado, nós fomos embora a pé. Saímos daqui da Rangel Pestana, dá uns quinze quilômetros mais ou menos até a Vila Maria, fomos a pé, chegamos de tarde, suado, cansado. Aí resolvemos ficar de greve. A greve terminou, acho que ficou um dia e pouco de greve e nós continuamos. Ficamos três dias. Quando nós voltamos ao trabalho, eu e esse colega, nós voltamos pra trabalhar e o cara falou: “Ah!”, “Voltamos pra trabalhar” e o meu cartão não estava na chapeira. “Vai lá no escritório”, o cara falou: “Você está demitido.
Por que você não veio trabalhar?” Eu: “Não nós estava em greve.”. “Mas a greve já terminou faz dias.” “É, mas, nós tava em greve”... Resultado, fui mandado embora sem direitos, até hoje não recebi os direitos. Nem reclamei. Bom, isso foi o meu primeiro contato com o sindicato.
P/1 _ A partir daí, como que evoluiu a sua trajetória?
R _ A partir daí eu fui, trabalhei em várias empresas. Trabalhei numa empresa chamada Indústria de Móveis Anon, onde trabalhavam três irmãos, trabalhou eu também, era ali na Rua Bresser e depois dali eu fui trabalhar numa outra empresa chamada Ecart, aqui no Parque Edu Chaves, aqui na Vila Maria. Só que eu era muito irrequieto, eu queria ganhar um bom salário. Porque os meus irmãos ganhavam bem e eu me sentia um pouco assim constrangido, apesar de ser um garoto, de chegar lá e ganhar pouco. E chegar no final do mês e ganhar pouco, apesar de que a gente repartia as despesas da casa e tal. Eu me lembro bem que o primeiro salário mínimo que eu ganhei, e ainda não foi nessa nova empresa... Vou até contar esse detalhe. Eu comprei, porque naquela época a gente usava muito terno, eu comprei um terno, compramos acho que 20 quilos de arroz, compramos um garrafão de óleo, porque o óleo de soja era servido naqueles tambores e você ia lá com o garrafão, na feira, e eles colocavam ali naquele garrafão. Tanto é que um dia eu vinha com um garrafão de óleo e acabei dando uma encostada nele assim no poste, pá, bati no poste de luz, quebrou assim embaixo e começou a escorrer o óleo e eu saí correndo com aquele garrafão até em casa. [RISOS] Bom, desse salário mínimo comprei um terno, esses 20 quilos de arroz, mais uma camisa. Inclusive, tem uma fotografia minha que eu, na época, logo que eu cheguei aqui em São Paulo, aqui, as camisas de meus irmãos não serviam pra mim, muito grande. Mas tinha uma que não tinha mais as costas. Ela estava rasgada aqui nas costas, só tinha frente aqui assim. [RISOS] Eu botei aquela camisa e fui lá me apresentar com 17 anos, não desculpe, fui tirar a Carteira Profissional. E eu passei o maior vexame, porque quando eu cheguei lá, os caras me mandaram tirar a roupa. Para fazer o exame médico, você tinha que tirar a roupa: “E agora, onde é que eu vou tirar essa roupa, esse paletó com essa camisa rasgada nas costas?” [RISOS] Eu sei que foi o maior vexame na vida. Encostei lá no lugar, e
tirei a camisa por ali. [RISOS] Foi um negócio terrível. Bom, mas aí eu fui para a Ecart e dessa firma que eu saí... Por que era assim, da firma que eu estava trabalhando tinha uma outra que fazia um anúncio que precisava tapeceiro e eu olhava, quanto paga? Paga mais, to indo pra lá. Eu pedia a conta e “pumba”.Eu saí desta Indústria de Móveis Anom e fui trabalhar na Ecart. Eu pedi lá, me lembro que era cento e oitenta, eu não me lembro se era milhões ou era mil, não sei
se era cento e oitenta e seis mil ou cento e oitenta e seis milhões, era um negócio assim. O dinheiro tinha muitos zeros. Eu tava ganhando oitenta e poucos, que era vamos dizer assim, uns dois salários mínimos, alguma coisa assim. Aí eu cheguei lá, o cara ele veio, o dono de lá veio da Liceu de Artes e Ofícios, onde se trabalhava, tapeceiro lá, trabalhava finamente. Tapeceiro trabalhava com dedal e umas agulhas sextavadas para fazer alinhavar os móveis, para poder, eles trabalhavam mais pro governo, aquela indústria lá. Então, eu cheguei lá e “Trabalhar de dedal?” eu nunca trabalhei de dedal a minha vida, isso é coisa de alfaiate. “Não, aqui você tem que trabalhar com dedal e tem que trabalhar também com esta agulha sextavada aqui pra você fazer o alinhavamento das almofadas, das bordas do sofá...”
[Interrompe e diz: Tô cansando vocês? Não então...tá]
Então, eu cheguei lá e falei: “Olh,. eu quero ganhar duzentos milhões ou duzentos mil reais, não, duzentos mil cruzeiros”, uma coisa assim. “Ah não, é muito dinheiro, isso é mais do que eu pago aqui.” Não senhor, sou um bom tapeceiro e eu quero ganhar isso”.
Aí voltei, fiz um teste com ele, ele viu que eu trabalhava bem, daí uns três, quatro dias depois o cara manda me chamar. “Não é possível, vou ganhar tanto dinheiro assim?” Resultado, fui pra lá, nessa firma, no final do mês eu recebi uma bolada. Cheguei, trouxe esse dinheiro pra casa, espalhei em cima de toda a mesa assim. Meus irmãos: “Que tanto dinheiro é esse? Onde
é que você achou esse dinheiro? Você fez alguma coisa? Assaltou alguém? [RISOS] Falei: “Não, não falei pra vocês que eu tava ganhando bem.” Olha, mas foi muito dinheiro. Bom, aí eu trabalhei nesta empresa uns dois, três meses. Aí um dia, eu vou contar todos esses detalhes, porque é assim que acontece na vida dos operários. Um dia eu estou no banheiro, com um jornal tô lendo lá: “Precisa-se de Tapeceiro Para Fim de Semana”. Eu falei “Ah!” eu vou pegar essa boca, não? Eu tinha comprado um terreno com meu irmão e depois tinha comprado um outro em Cumbica, lá no Jardim São João, em Guarulhos, e eu tava pagando a prestação. Falei: “Sabe de uma, eu vou pegar um bico no fim de semana.”. Eu tinha aí uns 18 anos, 19 anos, qualquer coisa assim. Aí eu fui lá. Anselmo Cerello. Cheguei lá, “Puta merda”, a Anselmo Cerello era uma firma de trezentos e cinqüenta empregados aqui na Alameda Cleveland, junto da Estação Sorocabana ali. Ai eu fui lá, falei com o rapaz, falei: “Olha, sou tapeceiro, eu vi este anúncio e tô disposto a trabalhar aqui nos fins de semana.”. “Olha, a gente tem muito pedido aqui.”, e lá trabalhava com móveis de junco e vime, e também, escovas, vassouras, pincéis essas coisas todas assim. Aí ele falou: “Você vem aqui então, venha aqui pra gente ver se você sabe trabalhar e aqui a gente faz essas almofadas.”, me mostrou as almofadas, “Aqui a máquina de desfiar o algodão, você tem que desfiar esse algodão”. Bom, resultado, eu comecei a trabalhar lá no sábado e domingo, eles gostaram do meu trabalho e acharam bom e tal. Eu fiquei trabalhando na Ecart e ali. Passado um tempo, o tapeceiro principal deles ia fazer uma operação de catarata. Aí ele falou pra mim: “Escuta, você não quer vir trabalhar com a gente?” e eu, “Eu quero, mas eu quero ganhar duzentos e, aliás, eu quero trezentos mil cruzeiros.”. Agora, com tanta moeda a gente não sabe mais o que que era. “Ah, não, é muito.,” eu disse: “Eu quero trezentos mil cruzeiros.” “Mas não dá, não sei o quê, bibibi, bababá”, daí um dia ele me manda me chamar. Manda me chamar, eu tinha ido e disse: “Olha, a gente aceita. Só que é o seguinte: eu vou te pagar duzentos na carteira e cem por fora, tudo bem?”.
Sai de lá, eu tava com três meses lá na Ecart, e fui pra Anselmo Cerello. Aí vim ganhando trezentos, era muito dinheiro, quer dizer, era muito dinheiro pra mim, tapeceiro né? Naquela época, tapeceiro, um bom tapeceiro, ganhava em torno de duzentos, por aí. Então eu falei: “Puta merda, não é possível”. Aí eu cheguei em casa: “Eu achei um serviço assim, tal,tal.”. Bom, fiquei na Anselmo Cerello. E, na Anselmo Cerello, a partir daí, eu então tomei contato com a militância sindical.
A Anselmo Cerello é uma firma tradicional, fundada em 1910, de um pessoal artesanal, um pessoal, tinha muito português, italianos e outros. E ali tinha diversas correntes do movimento sindical ali dentro. Tinha anarquista, era o Ítalo, Ítalo não me lembro bem, Pegoratto, esse era o pessoal anarquista, tinha uns 4 ou 5 anarquistas ali dentro, tinha o pessoal do Partido Comunista e tinha o pessoal que era anticomunista, principalmente os portugueses que trabalhava na área de vassouras e cestas, esse pessoal era... tinha vindo de Portugal, mas ainda tinha aquele resquício de Salazar, aquela coisa toda. Então, ali, na Anselmo Cerello, eu tomei contato com as várias correntes do movimento sindical. Eu não entendia nada. O nosso sindicato, o Sindicato dos Marceneiros de São Paulo, tinha sofrido intervenção, estava sob intervenção ainda, aliás, espera aí, tava saindo da intervenção em 1966, porque a intervenção foi em 1964 e, em 1966 houve uma eleição e a categoria conseguiu resgatar o sindicato, em 1966. A diretoria, vários deles foram condenados, responderam processo, alguns a dez anos de cadeia, outros perderam os direitos políticos, foi um “auê” desgraçado. Então, a categoria estava tentando se recompor, e lá internamente tinha companheiros que pertenciam a diretoria do sindicato cassada. Eu me lembro bem do Lázaro de Oliveira, que era um rapaz moreno, magro. Todo dia o Lázaro comprava o jornal Última Hora. Ele comprava o Última Hora, sentava no pátio e lia as notícias. Eu não tinha nenhuma visão política, mas eu não gostava de ver os cartazes de “Procura-se” que a ditadura fazia com relação aos estudantes, aos políticos que estavam perseguidos, aos dirigentes sindicais, então havia esse confronto, já havia esse confronto entre a ditadura militar e o povo. Porque, na verdade, a ditadura militar ela tinha os operários como o inimigo número um. Quando você pega, por exemplo, eu tive acesso a isso depois, num livro da chamada Escola Superior de Guerra. Eles colocavam quais eram os inimigos. Então, primeiro inimigo, externo. Primeiro inimigo vem da área externa, ou seja, contra o Brasil, de fora pra dentro. O segundo eram os operários, claramente colocado lá. A classe operária representa um perigo iminente, porque no seu meio tem a profissão, a “professão”, de comunismo, não sei que, não sei que, não sei que. Então, ali, dentro da Anselmo Cerello havia um silêncio, porém era como aquela música do Chico Buarque, as pessoas
conspiravam nas masmorras, no subterrâneo. Eu não entendia nada de sindicato, mas a diretoria, o sindicato foi reconquistado, em termos, pela categoria e logo a seguir, isso foi em 1966, em maio de 1967 eu entro para a diretoria do sindicato, perdão, pra diretoria não, fui convidado pelos companheiros, pelo Lázaro de Oliveira, “Por que que você não filia ao sindicato?” “Mas filiar ao sindicato, porque filiar ao sindicato?” “Não porque você é jovem e tal e eu vejo que você se interessa por essas notícias, e você inclusive comenta que você acha que é injusto perseguir os estudantes, não é, os operários e tal, não sei o que...”
Falei: “Sabe de uma coisa? Acho que vou me filiar ao sindicato.”. Aí, ele me passou uma folha, eu preenchi, levei ao sindicato, fizeram minha carteirinha. Bom, aí comecei a ter contato com esse pessoal. Eu não entendia bem aquela divisão. Eu não sabia porque que uns caras defendiam uma opinião e criticava outros internamente. Então, tinha aquele jogo de dominó na hora do almoço, aliás, dominó não, de truco, jogo de truco. Não, os portugueses jogavam dominó e os outros jogavam truco. Tinha aquelas mesas assim dentro do pátio da empresa e lá o pessoal jogava ali. E eu ficava ali observando e de vez em quando saía uma discussão política. Mas, saia aquela discussão, bom, parava porque todo mundo tinha medo, medo terrível. Bom, aí, setembro de 1967, eu fui numa assembléia no sindicato. Chamaram para uma assembléia e eu fui lá no sindicato. Era o começo da campanha salarial. Aí eu cheguei lá e pedi a palavra. Eu não entendia bulhufas de sindicato. [RISOS] Falei, “Companheiros, eu acho que nós...”, acho que companheiro não se usa na época, acho que foi senhores, senhoras. “Senhores, eu acho que nós todos devia votar no MDB [Movimento Democrático Brasileiro]. Por que...” aí fiz um argumento em cima. Ficou aquela, todo mundo em polvorosa no sindicato. O presidente me cassou a palavra: ”Você não pode sair da ordem do dia. Aqui é campanha salarial. Isso aqui não é um partido, você não pode ficar falando em política aqui dentro do sindicato.” Porque o DOPS [Departamento de Ordem Política e Social] tava lá dentro, tava tudo lá dentro.
Eu falei: “Não, mas eu acho que a gente devia era votar no MDB.”. Mas, tinha eleição no ano seguinte, em 1968. Bom, então me cassaram a palavra e tal, quando eu fui sair, alguns dos antigos que estavam lá camuflados lá dentro [[Risos] me cataram na saída, na porta. Mas pessoal do sindicato, os velhos militantes. “Olha, a gente gostaria que você viesse, nós gostamos muito de você, porque não sei que, bibibi, bobobó, venha pra cá, continue freqüentando aqui e tal. Eu achei a tua idéia boa, e mesmo assim, nós temos que votar no MDB mesmo e papepi popopó”. Ai eu fiquei mais aliviado. Falei: “Puta merda, levei uma enrabada dessa aqui, agora, pelo menos tem alguém aqui que concorda comigo.” O fato é que muita gente concordava, mas ninguém falava nada... Bom, aí voltei, na assembléia seguinte eu voltei e participei, não falei nada e tal, fiquei por ali. No ano seguinte, em 1968, aí fui pra assembléia de novo. Aí me elegeram pra Comissão de Salário. Fui pra Comissão de Salário do sindicato. O pessoal estava me “empurrando” e aí eu
comecei a me interessar e falei: “Bom, pera aí, lá no sindicato, lá na fábrica de vez em quando é que aparece um delegado, um boletim do sindicato, vocês deviam ir mais lá, levar alguma coisa, porque os trabalhadores querem notícia, querem informação.” “Ah!, então, você leva.”. E eu levava do sindicato e distribuía o folhetinho do sindicato. Eu fui pegando gosto pela coisa. Bom, o fato é que a partir de 1968 eu fui, voltei totalmente desiludido da campanha salarial. Fiquei “tiririca”, falei
“Mas aquilo não teve negociação, por quê?”
Chegou lá o nosso advogado, que era o doutor Altiva Ovando e nós fomos pra Delegacia do Trabalho. Chegamos lá, o Altiva Ovando veio: “Olha, eles não querem fazer negociação. Eles querem que lavre a ata de comparecimento, simplesmente.”. Aí, lavrou a ata de comparecimento e mandou pra dissídio. Eu falei: “Mas tem que ter uma negociação. Mas como? Não é uma negociação salarial?”
“É. Mas não tem!”
Aí passou. Eu fiquei “puto da vida” com aquilo: “Mas tem que ter uma negociação, não é possível. Você faz uma Comissão de Negociação, você chega lá, ninguém fala nada, você volta e tal?” Bom, aí fizeram um acordo depois no Tribunal, naquela primeira audiência. E as negociações eram assim desse jeito. Se fazia uma pauta, mandava pro sindicato patronal, instaurava uma mesa-redonda na Delegacia do Trabalho
e as partes ia lá, simplesmente fazia uma ata e não tinha discussão nenhuma entre as partes. No ano seguinte, de novo me botaram na comissão, em 1969, de novo na Comissão de Salário. Eu falei assim: “Mas eu quero negociação.” “Ah!” Aí, pediram uma mesa-redonda com os patrões, aqui na Praça Dom José Gaspar. Todo mundo reunido, e aí, o presidente do meu sindicato ... “Bom, Joel...”, o presidente não, o meu advogado. O doutor Altiva falou:
“Você queria fazer negociação, então fale pra ele o que é que você quer.”. Fiquei assim, quase que eu morri do coração, porque eu não tava preparado. Eu falei: “Não, o senhor que é o nosso advogado, fala pra ele o quê que é que nós queremos. Tem uma pauta.” “Não, você não falou que queria fazer negociação, então fala.”. Eu falei: “É, porque o custo de vida tá muito alto, o
Dieese [Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos] falou aquilo, falou aquilo outro. Apesar de o Dieese estar quase numa semi-clandestinidade, naquela época, mas o Dieese, saía algumas informações do Dieese. O Dieese falou isso, falou aquilo, não sei o que, o custo de vida tá alto, papapi popopó. Então a gente quer aumento de salário. Bom, não tem aumento, tal.” Resultado...
P/2 _ Isso foi em?
R _ Isso foi em 1969, depois do Ato Institucional Nº. 5, em 1969. Resultado, eu voltei envenenado, eu fiquei puto, falei “Pô, o cara arrumou a maior cama de gato”, como é que se fala, pega um peão, sai da fábrica, porque ele quer que tenha negociação, supõe que os dirigentes façam essa negociação, e não você que tá ali, chegando agora. Bom, mas tudo bem. Então, aconteceu isso. Nos anos seguintes, eu falei “Ah, é assim. Eu vou me preparar. Então, eu quero entender melhor.” Aí lia, lia, lia... Comecei a ler todos os livros do movimento sindical, negociação, como é que fazia,
busquei na biblioteca. Havia uma censura desgraçada, você não tinha acesso à cultura naquela época praticamente. Então era uma dificuldade terrível. Aí, a Anselmo Cerello começou a fazer uns cursos lá, dados pelo SESI [Serviço Social da Indústria], que era justamente uma orientação da ditadura militar, porque no SESI havia um presidente que era um general, depois passou pra um, não, o general era da Fundacentro [Fundação Jorge Duprat e Figueiredo], e no SESI
tinha um, era o Theobaldo Di Nigris, isso, um cara “direitoso”, terrível. Então eles mandavam dar uns cursos nas fábricas de orientação pros operários. Eles falavam muito de moral e civismo e eu comecei então a me interessar, fazer esses cursos, cursos, cursos. E ali a gente travava um debate com os professores. Me lembro de uma professora que chamava Elza, eu começava a fazer questionamento: “Por que aqui não tem socialismo? Por que não sei o que?” Ela: “Pelo amor de Deus, você não pode falar isso. Se você falar um negócio desse aqui na sala de aula, eu posso perder o meu cargo lá. Eu não posso discutir essas coisas, é para discutir moral e civismo.”. Bom, resultado, eu participei de uma maratona do SESI sobre moral e civismo e tal, e acabei ganhando o terceiro lugar, em nível do Estado. Então nós fomos pra Santana, onde participamos da primeira eliminatória, ganhei o primeiro lugar, depois participei de um outro aqui no viaduto do Chá, também fui classificado, e aí fomos pra final. Na final, tinha uma mesa, eu não me lembro bem esse advogado, como é que era?
Era o supra-sumo assim dos advogados da área trabalhista na área patronal. Não me lembro bem o nome desse danado. Agora me esqueci.
Então, tava composta a mesa, tava o presidente da Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo], tava todo mundo lá, compondo a mesa que ia julgar as pessoas, os operários que tavam participando daquilo ali. Uma “puta” de uma mesa. Sorteia o ponto. Pra mim saiu Democracia. Aí, eu pá. Falar de democracia. Falei assim: “Olha, democracia é uma coisa que está assim no interior de cada indivíduo.”. Mais ou menos assim. No interior de cada indivíduo. “Por exemplo, o pessoal da União Soviética, diz que eles são democratas. A China, os chinês fala que ele também é democrata, e aqui no Brasil também, que é um regime militar, também eles falam que é uma democracia, e não sei que, não sei que. Mas eu acho que democracia é uma coisa onde tem o direito de todo mundo.”. Criou um banzé naquela mesa. Levantou esse advogado, que era fortão desse jeito, fortão assim, levantou depois que eu falei. “Você está confundindo totalitarismo com democracia. Na União Soviética existe o totalitarismo, na China existe o totalitarismo.”. E foi por aí afora. Resultado, mesmo assim, na votação geral eu acabei pegando o terceiro lugar nessa maratona estadual. Eu ganhei, aí eu fui escolher os prêmios, tinha que escolher. Eu escolhi um dicionário, muito bonitão, desse tamanho assim, e vários livros de esquerda. Eu passei a relação pra eles comprarem os livros, eles tinham que comprar,
tinham que comprar e te dar. Aí, censuraram, né? Não deram aquele livro que eu pedi, deram o dicionário, deram o dicionário e deram uns outros livros lá que eles compraram.
P/1_O Senhor lembra o livro que o senhor tinha pedido?
R_ Ah, não lembro. Era, eu não me lembro do livro. Eu peguei na biblioteca do sindicato. Porque eles confiscaram os livros do sindicato. O Sindicato dos Marceneiros tinha uma biblioteca fantástica, tinha milhares de livros lá. Porque os marceneiros sempre foram dirigidos por pessoas de tendência socialista, especialmente os velhos comunistas, e eles compravam muito livro, incentivavam as pessoas a ler bastante. Então eles confiscaram, mas ficou a lista do que o sindicato tinha de livros lá. Então eu peguei aquela lista lá e falei: “Eu vou pegar pela lista do sindicato.”. Consultei o Salvador Rodrigues, que foi um dos fundadores do Dieese inclusive, e ele falou: “Livro bom é esse, esse, esse, esse. Pega esse livro.”. Além disso, eu escolhi um dicionário deste tamanhão assim, enciclopédia, tal. Bom, é, continuo?
P/1_E o senhor continuou na fábrica, nesse meio tempo...
R_ Eu tô na fábrica...
P/1_ E entrou já no sindicato. Como é que foi isso?
R_ No sindicato eu entrei em 1972. Nesse ínterim, eu fui fazendo aquele, aquela militância no sindicato. E, em 1970, então eu comecei no sindicato como auxiliar do Departamento Recreativo. Fui lá ajudar no Departamento Recreativo, passei a ser técnico do time de futebol do sindicato. Aí nós fomos disputar aqui no Maria Zélia, fomos disputar no 1º de Maio lá. Este é um fato também que eu não me esqueço, porque passou pela minha cabeça, aquilo nunca me deixou. E nesse Departamento Recreativo tinha um jovem, que ele era um operário, chamava Antônio Carlos Negreiros, não sei se é vivo ainda. Era um jovem, carinha de estudante, até assim do teu corpo assim. Estava recém-casado e ele participava do sindicato. Trabalhava numa firma chamada Mobilínea. E ele era muito politizado e ele era estudante. Ele e a mulher dele, os dois eram estudantes universitários. Mas trabalhava na fábrica e freqüentava o sindicato também. Bom, e ele falava muito de política. Resultado, nós fomos disputar esse jogo no campo Maria Zélia, na Vila Maria, e eu tô lá, na beira do campo lá e o campo era cercado assim, de madeira, tinhas umas ripas de madeira assim, tudo cercadinho, como alambrado assim, e tinha uma arquibancada de madeira, não é, tinham vários degraus. Era coberto. Então eu tô lá, na beira do campo: “Vai lá fulano, joga pra cá, chuta ali, faz não-sei-que, bibibi, bobobó.”. De repente, eu olho para uma pessoa que estava aqui do meu lado e a pessoa sumiu, não estava ali. Num tinha percebido nada. Eu olho, a esposa do Antonio Carlos tava bem assim, bem na ponta do alambrado, torcendo também... Bom, de repente eu olho pra lá e ela não estava mais. Fiquei invocado: “Mas as pessoas tão sumindo daqui?”. Aí, eu saí assim, procurando. Quando eu entrei atrás do, da arquibancada, logo dei de cara assim com um cara da Polícia Federal, com uma metralhadora, do outro lado, um outro com metralhadora e um monte de gente ali atrás tudo de mão na cabeça, com a mão assim pra cima no alambrado, inclusive a mulher do Antonio Carlos. Eu saí correndo, feito louco: “Para o time, para o jogo, tão prendendo todo mundo aqui. Ó Antonio Carlos, tua mulher foi presa.”. Ele saiu feito doido, correu lá e já pulou em cima dos caras. Os caras “queria” dar um tiro logo nele, aquela confusão danada. O campo estava todo cercado pela Polícia de Choque. Os camburões, aqueles brucutus, os carros do Corpo de Bombeiro com água. Cercaram o campo do Maria Zélia, na Vila Maria, no 1º de Maio. Resultado, levaram todo mundo. Eu me lembro bem do Antonio Carlos, que ele se agarrou no carro do DOPS porque prenderam a mulher dele, ela tava grávida, inclusive, de três meses. Ele se agarrou no carro: “Você tem que me levar também.”. Os caras não queriam levar ele. Mas, no fim, ele foi junto também, agarrado lá no carro. Levaram um monte de operários. Aí naquela época houve a morte do Manoel Fiel Filho, não lembro bem se foi aquele episódio, só sei que mataram um bocado de operário naquele período lá. Essa esposa do Antonio Carlos sofreu terríveis torturas lá dentro aqui do DOPS e acabou perdendo a criança de tanto apanhar aqui no DOPS. Foi uma desgraça. Eu fiquei tão revoltado, aquilo me deu uma revolta tão grande que eu fiquei dois, três dias atrás, numa delegacia não tava, noutra delegacia não tava. Ninguém sabia notícia de nada, de ninguém. Uma coisa terrível. Foi aquele primeiro choque, assim, que eu tive realmente assim com a repressão da ditadura militar. Eu fiquei muito “puto da vida”. Cheguei a achar que não tinha sentido. Como é que você tava lá, participando de um jogo de futebol e os caras vão lá prender? Era 1º de Maio. Aí, eu me lembro bem que o, que o Tolezano era o presidente do Sindicato dos Bancários. Tolezano, tinha também o Francisco, não espera aí, o Tolezano não era mais presidente do Sindicato dos Bancários, tinha sido cassado. Era o Francisco Teixeira, se não me engano, que era o presidente do Sindicato dos Bancários. Sei que eles fizeram um manifesto pra ler no 1º de Maio, lá no dia onde falavam sobre as reivindicações, mas ninguém atacava a ditadura porque não era possível atacar a ditadura. Todo mundo tinha um medo terrível. Realmente você participava de uma reunião no sindicato, vinha dois, três dirigentes de outro sindicato, no outro dia era chamado lá: “Que é que você foi conversar? Você foi naquele sindicato fazer o quê?”. Parece que eles tinham uma pessoa em cada esquina, visualizando os passos de todo mundo. Então, aconteceu isso, fiquei extremamente chateado, aí, falei: “Ah, eu vou entrar na luta armada.”. Tinha um dirigente sindical, operário do sindicato chamava... é, Pinto, ai meu Deus, vou lembrar, aqui ó, Rômulo Pinto Magalhães, era um homem baixinho, quase analfabeto, mas com uma visão política extraordinária. Eu falei: “Ô, Rômulo, eu vou entrar na luta armada. Eu vou participar com o pessoal aí, vou procurar esse pessoal, porque não me conformo com isso, não sei o quê.”. Queria por que queria entrar na luta armada. E ele falava assim: “Olha, vale mais um homem vivo, fora da cadeia do que um preso. O meu irmão...”
Que era o Miguel, que agora me parece que ainda está no movimento sindical, se não me engano está com o pessoal dos funcionários públicos: “O meu irmão tá preso no Rio de Janeiro e aí o que é que ele tá fazendo lá dentro da cadeia? É muito mais conveniente, nós ficarmos aqui fora e continuar fazendo esse trabalho de esclarecimento. Lênin falava que você tem que analisar, você tem que criticar o passado e projetar o futuro.”. Alguma coisa assim, criticar o passado, assim, a dialética da crítica do dia a dia. Aí ele me convenceu, mas eu, não era possível, não me conformava com aquelas injustiças. Eu via os cartazes, por exemplo, de Procura-se de estudantes, eu ficava envenenado. Bom, então eu comecei a participar mais do sindicato, mais ativamente, até que em 1972 os operários da fábrica fizeram um abaixo-assinado,
encaminharam ao sindicato solicitando que eu fosse incluído na diretoria, em 1972. Mas na verdade, eles queriam substituir um dirigente do sindicato que era da nossa fábrica, que era o Antenor. Então eles queriam tirar o Antenor e “botar eu”. Aí, criou um “puta” de um pandemônio lá dentro da fábrica porque quem tomou essa iniciativa de fazer esse abaixo assinado era o pessoal de tendência comunista e os anarquistas também. E o pessoal mais à direita falou: “Espera aí.”. Eles assinaram também, mas depois, na hora de tirar o Antenor, eles não quiseram. E aí o Antenor foi lá, pediu pro pessoal e o pessoal achou que devia, então, que devia ficar os dois. E então fez um outro abaixo-assinado pedindo que seja mantido os dois dirigentes da Cerello lá, na chapa. E a diretoria do sindicato aceitou e então eu fui incluído como suplente da diretoria. Tenho até um jornal, o primeiro jornal aí, que tem um belíssimo artigo do Dieese sobre salário mínimo e tal. Mas antes disso, eu já tinha participado da Comissão de Construção da sede do sindicato, da sede nova ali
das Carmelitas. Fui membro dessa comissão. Eu tava muito assim, com muita atividade e além disso, eu trabalhava, eu e minha mulher até uma hora da manhã. Não sei como consegui sobreviver nesse período, porque eu saía da fábrica, passava no sindicato e corria pra casa pra trabalhar. Trabalhava até uma hora, duas horas da manhã fazendo reforma de móveis pra poder ganhar alguma coisa. E então, entrei pra direção do sindicato e a partir daí comecei a freqüentar várias atividades do sindicato que era feita, por exemplo, o que era permitido fazer naquela época, por exemplo, os congressos de prevenção de acidentes, tinha uma organização chamada Frente Nacional do Trabalho [FNT], que era ligada à Igreja, que tinha o Salvador Pires como presidente, e que ela professava uma política à esquerda da Igreja, das Comunidades Eclesiais de Base. E eu então comecei a entrar, a participar dessa organização, e comecei a freqüentar as reuniões. Eu fui a Bauru, fui em vários lugares onde, o que era possível fazer naquela época, então comecei a participar, fui me esclarecendo a respeito da importância do sindicato na vida dos trabalhadores. Aí então comecei a atuar mais intensamente dentro da fábrica, fizemos uma, elegemos uma comissão em 1975, nós elegemos uma Comissão de Fábrica lá dentro da Anselmo Cerello, foi um negócio assim meio maluco, porque era terminantemente proibido falar em greve. Porque greve era uma palavra banida do vocabulário nacional. A única pessoa que falava em greve sem ser punido era o Almir Pazzianotto, que era advogado dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo e da Federação dos Metalúrgicos. De vez em quando, na época do dissídio coletivo ele falava: “Olha, os trabalhadores têm que ter o direito de greve, porque sem o direito de greve eles não vão conseguir isso, não vão conseguir as suas reivindicações.”.
Aí a gente via no jornal: “Pô, o cara falou em direito de greve.”. Então, a gente falava, comentava, os operários da fábrica, por exemplo, a Anselmo Cerello era uma fábrica que tinha uma tradição muito grande de participar das lutas da categoria. “Ah, Joel, não adianta você vir falar em greve aqui. Olha o que é que deu. A diretoria do sindicato foi presa.”. Então o pessoal se afastou. Mas mesmo assim, a gente começou falando de reivindicações, de custo de vida, aquela coisa toda. Quando eu pegava um artigo do Dieese “Olha aqui. Olha o que o Dieese está falando. Olha o salário mínimo quanto é que é. Olha não sei que. Olha isso, olha aquilo.”. E eu ia, fui, articulando isso. Em 1975, portanto, nós fizemos um movimento lá internamente, pra conseguir uma antecipação salarial e nesse movimento acabou dando um certo embate. Por quê? Porque, anteriormente a isto, a Anselmo Cerello tinha muitos processos, muitos processos na Justiça do Trabalho. Tinha uns cinqüenta processos. Por quê? A maioria dos trabalhadores da Anselmo Cerello, mais de cem, eram estáveis. Até eu já tinha um processo lá, que eu tinha aberto em 1969, eu abri um processo contra a Anselmo Cerello porque eu queria que fossem integrado aqueles 100 reais da minha contratação. O que aconteceu? Quando veio o dissídio coletivo eles me deram o aumento do sindicato em cima do que estava registrado, em cima dos 200, e o resto ficou fora, sem aumento. “Não, mas eu quero o aumento em cima do 100.” . Aí, é, nós então, quando eu entrei no sindicato passei a chamar a empresa pra resolver os problemas daqueles processos. “Olha, você tem muito processo. Vamos conversar. Vamos negociar pra ver se a gente acerta aqueles processos.”. Aí fizemos um acordo com um operário lá dentro da empresa, sem o sindicato saber. Eu era suplente. Aí me chamaram no sindicato e me deram uma “enrabada”. “Como é que você faz um negócio desse. Você faz uma negociação lá com a empresa e com o trabalhador e se isso aí fosse contra o trabalhador? Se ele tivesse perdido os direitos dele lá?” “É, mas não perdeu.” “Então, pra você fazer, você tem que vir aqui primeiro, conversar com a gente, pra gente orientar você até que ponto você pode chegar.”. A diretoria me proibiu de fazer uma negociação sem o conhecimento da diretoria. .Porque eu lá, com a estabilidade, vou pra cima do patrão. [RISOS] Bom, aí começamos a fazer essa negociação, eu vinha no sindicato e falava: “Olha, tem mais um processo. O operário tá querendo fazer um acordo lá, pra resolver esse caso.”. Aí, nós fomos negociando, negociando, negociando e resultado: fizemos acordo em 20 processos, mais ou menos. Todos eles, os trabalhadores saíram satisfeitos… Acertaram... Bom, em 1975, essa negociação interna já tinha provocado a contratação pela firma de um advogado chamado Brenan Couto da, Couto, é Brenan Couto, era um “diretoso” que fez curso na Escola Superior de Guerra, mas ele tinha uma habilidade na negociação. Então, aí, vinha eu, que era do sindicato, e mais o reclamante, o operário. Aí, eu comecei a sugerir que a gente, nessas reuniões fosse também uma comissão de trabalhadores para acompanhar, pra facilitar. E então o que eu fazia, chamava os caras da CIPA [Comissão Interna de Prevenção de Acidentes]. Vinham os companheiros da CIPA me acompanhando nessa conversa. A gente reunia toda sexta-feira. Aí foi, conseguimos resolver vários processos e em 1975 eu propus, então, para a empresa, que nós constituíssemos uma comissão de caráter permanente dentro da fábrica.
Aí foi pra lá, foi pra cá. E eles : “É, mas Comissão de Fábrica é uma coisa que não pode acontecer, porque isso é proibido porque não sei o que e delegado do sindicato também, só se for pelo sindicato, tótótó.” “É, mas uma comissão de negociação só pra gente acompanhar essas coisas.”. Resultado, consegui convencer a empresa a constituir uma comissão. Aí nós fizemos, eu fiz lá um estatuto dessa comissão, do jeito que deu na cabeça e fomos pra eleição. Resultado, elegemos uma comissão com voto secreto, tudo bonitinho, cinco membros e cinco suplentes. E essa comissão foi empossada e na cláusula lá eu constei, pedi pra constar, e o advogado concordou: “Olha, vamos dar uma garantia de um ano para esse pessoal.”. O advogado também, depois é que eu percebi, ele também estava muito interessado nessas negociações, porque ele ganhava com isso. Tanto é que passado um certo tempo, essa comissão passou a ter muita conquista, a firma pegou, chamou ele e mandou embora. Aí ele procurou a gente, veja como é esse jogo, esse é o jogo da política. Aí ele veio lá na hora do almoço, me encontrou lá no bar: “Fui mandado embora. Vocês foram culpados, porque eu fiz essa negociação, permiti a constituição dessa comissão e agora eu estou na rua.”. Falei: “É, então espera aí.”. Fui lá e conversei com o pessoal da comissão, fizemos um movimento dentro da fábrica pra retomar negociações de sexta-feira, porque ela tinha sido suspensa porque praticamente tinha acabado os processos na área
trabalhista. Mas nós começamos a levantar reivindicações internas. Então vamos fazer uma pauta de reivindicações internas e nós vamos querer a negociação. Resultado, levantamos uma pauta de negociação pra trazer de volta o advogado. [RISOS]. Aí veio o advogado da empresa, o doutor Brenan, aí chamaram ele de volta pra vir fazer essa negociação. Ele refez o contrato dele e permaneceu como advogado da empresa por muito tempo lá. Foi aí que nós começamos. Em 1977, quando pintou, a comissão foi formada em 1975, acredito eu que tenha sido a primeira Comissão de Fábrica que foi montada pós-golpe militar de 1964. Acredito. Porque lá no ABC foi a partir de 1977 que foi montado. Em 1977, 1978, as comissões da Scania e tal, tal,tal. E, então, em 1977 eclodiu o movimento lá do ABC. Na categoria dos marceneiros também teve paralisação. Na Acil e na Giroflex. Os trabalhadores pararam voluntariamente, chamaram o sindicato, conseguiram um aumento de salário, no bojo lá.
Nós, da Anselmo Cerello, já “távamos” com a pauta de reivindicações em Julho daquele ano de 1977. Acho que eu tenho até a pauta aí, se não me engano. Tenho sim, eu tenho. Então, nós começamos a negociação. A Comissão e..., a Comissão de Negociação com a direção da empresa. Essa negociação começou umas nove horas da manhã, numa sexta-feira, e foi. Chegou meio-dia não tinham chegado a um acordo ainda. Aí, o pessoal tava todo no pátio, esperando: “Uai, vai sair alguma coisa ou não vai?”. Chamei o pessoal tudo numa seção, chamava seção de junco. Reuni o pessoal todo e falei assim: “Ó pessoal, a proposta da empresa é assim: eles quer dar, não me lembro se era 6%, 3% ou era 4%, era um negócio assim, pra quem ganha até tantos salários mínimos, e X%, que era metade daquele aumento, para quem ganha mais do que isso. E lá na Anselmo Cerello o pessoal tinha um bom salário. O pessoal ganhava a base de 10 salários-mínimos, tinha gente que ganhava até muito mais do que isso. Eram todos profissionais, bons profissionais. Ganhavam bem, na época. “Eu sugiro que vocês permaneçam aqui, na seção, sem descer pra sua seção de trabalho até que termine a negociação. Vamos permanecer aqui em assembléia.”. Aí, votamos, e o pessoal resolveu aguardar o resultado da negociação parado, dentro da fábrica. Aí voltei lá pra negociação. Falei: “Olha, o pessoal tá querendo um aumento.”. Daí a pouquinho chegou a informação que o pessoal não voltou pro trabalho, pro patrão. O patrão subiu na mesa e falou o diabo: “É, porque vocês estão fazendo greve, eu vou chamar o DOPS, que tá ali.”. Ele já tinha me feito uma ameaça antes, num desses processos de negociação que deu uma certa encrenca, ele já tinha me chamado lá, um dia, eu já era do sindicato, da diretoria do sindicato, eles me chamaram um dia, abriram a cortina da janela e mostraram: “Olha, tá vendo, Joel, você fica fazendo com o pessoal aqui. Na hora que você precisar deles você vai ver. Você tem é que ficar com a empresa. Olha aquele prédio ali, é de nossos amigos. Eu dou um telefonema pra lá e você desaparece. Você sabia disso? Você não tem visto os jornais que todo dia acontece assim?” “É mas os trabalhadores querem fazer suas reivindicações e eu sou da diretoria do sindicato. Eu sou obrigado a fazer isso. A trazer as reivindicações. A vir aqui falar com vocês, a parar e tal.”. Bom, então, essa ameaça foi uma ameaça que bateu pesado. Era realmente, era só um telefonema os caras chamava lá e você…
desaparecia muita gente, mas muita gente mesmo. Bom, tem as comissões de Tortura Nunca Mais e outros presos políticos desaparecidos que ainda não encontraram seus filhos, seus parentes que foram assassinados pela ditadura. Mas era efetivamente assim que acontecia. Não importava se era filho de rico, de pobre, operário, o que fosse, você desaparecia mesmo, sumia com você. Ou então te dava uma surra tão grande que você nunca mais tinha ânimo pra nada. Eu tomei aquele choque, mas não desisti. Eu falei: “Não vou desistir.”. Continuei. Bom, resultado, o homem sapateou na mesa, falou os diabos, mas os trabalhadores: “Vai lá e fala pra eles voltar ao trabalho agora. Senão vou chamar o DOPS aqui.” “Mas o senhor vai chamar o DOPS aqui dentro. Pra entrar dentro da sua fábrica, pra bater nos trabalhadores aqui, pra quebrar sua fábrica, pra incendiar, fazer isso?” “Não, não quero nem saber, eu quero que você bote esse pessoal pra trabalhar agora. Vai lá e fala pra eles.”. Eu falei: “Tá bom, aguarde um pouco aí.”. Fui lá e falei: “Pessoal, não saiu nada na negociação. O homem tá “puto da vida”, tá bravo, mas eu acho que vocês têm que continuar parado aqui, esperando o resultado da negociação.”. [RISOS] Voltei lá, falei: “Ó, o pessoal não quer voltar pro trabalho. Falou que só volta a trabalhar na hora que sair o acordo.”. Resultado, o homem sentou, esperneou, e tal. Aí chegamos num acordo. A empresa fez uma proposta, tirando aqueles escalonamento, chegando bem próximo daquilo eu sei que nós pegamos, eu lembro bem que um dos valores foi 8% e não sei quanto foi o outro. Pegamos isso aí, uma antecipação salarial de 8%, acho que teve um abono, uma coisa assim também, e a promessa de que voltaria a conversar depois, como sempre acontece. Bom, aí voltei lá e falei com os trabalhadores, levei a proposta, eu com a comissão, membros da comissão, falamos e tal, alguns ficou descontente, outros ficaram contente, a maioria ficou contente, aprovou e tal e todo mundo voltou ao trabalho. Foi mais ou menos umas 3 horas de greve, mais ou menos, foi de meio-dia até três, três e pouco da tarde, sem almoço desde às nove horas da manhã. Aquilo foi um fato que marcou muito a minha vida. E daí pra frente, então, nós fizemos muito movimento interno na fábrica e tal, participei de muita coisa em defesa dos trabalhadores. Dali eu fui pra, em 1978, nessa época eu já tava como membro do Conselho Fiscal e, em 1978 teve uma outra eleição no sindicato, e eu fui eleito segundo tesoureiro. Devido a essas atuações que eu tinha nas assembléias, que enchia o saco da diretoria, [RISOS] o pessoal resolveu então me liberar da produção pra ir pro sindicato. E eu fui tomar conta da subsede do sindicato em Taboão da Serra, em 1978, a partir de Setembro de 1978. Já tinha onze anos que eu estava na fábrica. E lá na subsede, aí eu comecei a fazer um trabalho realmente aí abri a cabeça, aí foi fogo. Aí foi trabalhar, trabalhar. Levantava cinco horas da manhã dormia tantas horas da noite. Eu peguei toda essa parte de São Paulo pra cá, por exemplo, Taboão da Serra, Osasco, aqui Lapa, até a Vila Maria. Como eu morava em Guarulhos, então Penha, esse mundo todo. Eu não almoçava, eu saía feito doido, todo dia, tentando fazer do sindicato um instrumento de luta dos trabalhadores. Foi realmente um trabalho muito grande. Ali depois, no final de 1980, por exemplo, em 1980, 78/80, o mandato do sindicato era de três anos naquela época, teve um problema interno no sindicato e o tesoureiro foi destituído e eu fui então levado à Tesouraria do sindicato. Foi aí que eu entrei para a direção do Dieese, em 1980. Eu não me lembro se eu entrei já como tesoureiro do Dieese ou..., eu sei que entrei na diretoria do Dieese em 1980. E lá no sindicato, na subsede, nós começamos a dar muito curso. Cursos de tudo quanto era jeito. Até curso via televisão a gente começou a dar pros trabalhadores. Curso de tudo, porque eu precisava dar curso político mas eu precisava dar outros também pra poder... Mas eu achei um pessoal muito bom, um pessoal da Frente Nacional do Trabalhado que me ajudou muito, uns advogados, que hoje são juízes, Bosco, Amaral, o Sampaio Garcia, que era um jovem, Carlos Eduardo Sampaio Garcia. Esse jovem operário, operário não, jovem advogado, ele é juiz hoje, do Trabalho, ele é um cara cheio de marcas de espinhas, cabeludo, mas uma capacidade jurídica incrível, ele tinha um conhecimento jurídico fantástico.
(FIM DO CD 01/02)
Então, ele me ajudou muito nessas aulas de política lá. A gente conversava, discutia, como é que era os regimes políticos nos diversos países tal, isso ia por aí. E eu sindicalizei muitos trabalhadores, tá? Em 1980, em 1980, “ah!”, aí eu criei um troço chamado, chamado, é, como é que foi, meu Deus, o nome correto era, agora esqueci o nome correto do negócio. Era o seguinte: o sindicato tinha que fazer o chamado Acordo de Compensação de Hora de Trabalho, que era feito, a lei exigia, naquela época exigia que era feito para menores e mulheres. Então, o que eu fazia, eu chegava lá nas empresas, como eu era lá de Taboão da Serra, eu era o responsável, eu chegava na empresa e falava: “Olha, tem o acordo de compensação de hora tá vencido, você tem que fazer senão vem a fiscalização e te multa.”. E, de fato, acontecia mesmo. Então, a empresa pegava e fazia a solicitação do Acordo de Compensação de Hora de Trabalho. Eu falava: “Mas eu quero que você inclui também os maiores, porque isso vale para todo mundo.”, argumentava, fazia uma série de argumentos que a empresa se interessava em fazer pros maiores. Vinha para o sindicato, pra sede central, o presidente falava assim: “Olha, leva esse livro deixa lá, pra eles colher as assinaturas e depois a gente passa lá, dois ou três dias depois, e pega o livro e traz e a gente faz a ata e manda para a Delegacia do Trabalho.”. Falei: “Também não tá certo isso. Eu acho que a gente devia aproveitar esse momento para sindicalizar os trabalhadores. Vamos aproveitar isso, vamos
exigir que a firma pare a produção. A gente vai lá, fala do sindicato e pede pro pessoal fazer a carteirinha de sócio do sindicato.” “Ah! Isso é muito trabalho, porque tem milhares de firmas.”. Naquela época, o sindicato tinha mais de cinqüenta mil trabalhadores na base. Tinha muita firma. E eu achava que fazer aquilo do jeito que fazia era um desperdício. Eu via naquilo uma possibilidade do sindicato ir lá dentro da fábrica. Porque o sindicato não tinha um carro de som, não tinha coisíssima nenhuma, falava com o trabalhador na hora que ele saía, distribuía um boletinzinho feito no mimeógrafo a álcool, quando o funcionário errava uma letra tinha que refazer todo, porque não dava pra desmanchar, mimeógrafo, desse jeito, tititi. Ah! Errou. “Puta merda.” Tem que fazer tudo de novo. Às vezes tava no final e tinha que fazer tudo de novo pra rodar. Aquela coisa toda. Era um trabalho desgraçado fazer um boletim. E eu via nisso aí uma possibilidade do sindicato estar lá dentro. Aí o presidente falava assim: “Olha, você leva lá...”, era o Nelson Gonçalves, um cara excepcional, maravilhoso, politizado, mas medroso, extremamente medroso, ele tinha um medo terrível da ditadura por que o pessoal não brincava. Qualquer reuniãozinha que eles participavam, os caras já chamavam ele: “Vem aqui. Explica o que é que você foi discutir lá?”. Então, eles ficavam com medo. Com razão. Bom, é, aí o que acontecia. Eu ia na fábrica, falava com o patrão: “Olha, eu tô aqui com o livro do sindicato pra colher as assinaturas. Mas eu quero que você reúna todos os trabalhadores pra mim poder explicar pra eles o que é um Acordo de Compensação de Hora. Senão ele não vai saber cumprir, não vai saber o que é, não sei o quê, não sei o quê.”. Aí, as firmas foi permitindo isso, porque era uma obrigação. Eu ia lá, falava do sindicato. Eu escrevi uma cartilha dizendo o que que era o sindicato, como é que o sindicato funcionava e tal. E a diretoria do sindicato, contei a história do sindicato, a diretoria achou boa e imprimiu. Então eu levava essas cartilhas e chegava lá na fábrica, dava para os trabalhadores e pedia para o trabalhador assinar, ficar sócio do sindicato. Isso foi feito uma, duas, três, quatro, dez, vinte vezes. Aí eu peguei, pensei melhor e falei: “Escuta, mas porque que a gente não exige, que tenha um operário lá dentro pra fiscalizar esse Acordo de Compensação de Hora de Trabalho? A gente pode colocar uma pessoa lá dentro, eleger, os trabalhadores elegem, escolhe um, e fica como fiscal do cumprimento do acordo.”. Aí a diretoria do sindicato aceitou essa idéia, elaboramos um acordo com uma cláusula que essas pessoas tinham uma garantia de emprego de três anos, dois anos do Acordo de Compensação de Horas mais um. Bom, aí eu fiquei radiante, agora nós vamos eleger delegado sindical aqui na base. Aí eu comecei. Chegava lá na firma. Batia o pé. Falava: “Não, eu quero uma reunião com os trabalhadores para fazer o acordo e eu quero que seja eleito um Fiscal de Cumprimento do Acordo aqui.”. Os patrões, às vezes nem lia o acordo, outros lia: “Ó, mas...” “Não, mas é só prá cumprir o acordo, num sei o quê.”. Resultado, quando eu comecei assim a pegar as firmas “grande” começou a dar problema. Ligava pro sindicato patronal, o sindicato patronal ligava pro presidente ou então o sindicato patronal ligava na Delegacia do Trabalho, a Delegacia do Trabalho ligava pro presidente. Dava encarcada nele: “Olha, seu diretor aqui tá fazendo exigência descabida. Isso não tá na lei, não sei o quê.”. Eu batia o pé: “Não. Eu só faço o acordo se tiver essa, isso aí. Se não tiver, eu não faço o acordo.”. E segurava, ficava ali, remoendo os caras. “É, mas você tem que fazer, porque o fiscal vai vir aqui multar. Então, ele vai te multar. Eu só faço com isso.”. Aí direção do sindicato começou a me apertar. O pessoal da DRT [Delegacia Regional do Trabalho], do sindicato patronal apertava eles, e eles me apertavam: “Joel, você tem que parar com isso. Você não pode mais fazer essa exigência. Você não pode. Se o cara não quiser, você não pode.”. E eu: “Não, mas tem que ser.”. Eu, muito teimoso [RISOS] batia o pé. Resultado, em decorrência disto, criou um problema entre eu e a diretoria do sindicato de então. E aí eles resolveram que eu não podia mais continuar na direção do sindicato a partir do próximo mandato, que era em 1981. Ou eu abria mão disso, deixava de fazer essa exigência ou então eu tinha que ficar fora da diretoria. Porque isso tava causando muito problema, era muita pressão em cima da diretoria, dos patrões, tava causando problema nas empresas, não sei o quê, e além disso, eu
também queria que na próxima gestão do sindicato fosse aproveitado alguns companheiros que foram cassados em 1964. Eu falei: “Pô, já veio a anistia”, naquela época estava ainda no processo de anistia, 1980, a anistia me parece. “Já teve a anistia e nós temos que trazer esses companheiros...” “Pelo amor de Deus, se fizer isso o sindicato entra em intervenção de novo.”. E eu: “Não é assim, nós temos que apoiar os companheiros que tão aí, tal.”. Tinha gente até com o nome trocado na categoria. Ainda perseguido. Eu achava que devia. Então, esses dois motivos levou a diretoria a tomar uma posição. Reuniu, era 22 o total, entre suplentes, tal, e 21 companheiros decidiu que então que eles iam fazer uma chapa e eu ficaria fora da diretoria. Bom, “Então eu vou fazer minha chapa.”. Aí parti para fazer uma chapa, é, de... Nós criamos um, um tal de pica-pau. Nosso sindicato tinha o sindicato do trabalhador em madeira e eu fiz uma sugestão que a gente mudasse o nome do sindicato. E fiz uma enquete, lá na subsede, com os trabalhadores para, qual era o nome. Aí sugerimos mil nomes e tal, desenho, não sei o quê. Aí no jornal tem o pica-pau. Bom, resultado, o pica-pau acabou sendo o nome escolhido pelos trabalhadores. A diretoria aceitou e mandou fazer o primeiro pica-pau. Só que esse primeiro pica-pau ele veio só com propaganda da diretoria que tava contra mim. [RISOS] Eu falei: “Eu
sou o tesoureiro e não pago.”. Então, criou um problema com a Oboré. A Oboré com o Serjão, o Sérgio [Sérgio Gomes], como é que é o sobrenome? Sérgio da Oboré, a gente chamava de Sérgio da Oboré. Ele é um professor de jornalismo, muito famoso. Ele mexe com, vocês já devem conhecer... Vocês já estão cansados, hein? Eu tenho muita história. Bom, aí acabei não pagando esse jornal, por que era um jornal de propaganda da diretoria usando o pica-pau que nós criamos, os trabalhadores ajudaram a criar. Me esforcei tanto pra criar aquele negócio lá, então aquele pica-pau era como um martelo, magrinho, como um martelo levantando um prego. “Eu discordo. Mas não é esse o pica-pau que a gente quer, a gente quer um pica-pau gordo, forte, pra enfrentar os patrões [RISOS] pra ter um embate do dia a dia, e não sei o quê.”. Bom, resultado, não teve acordo, rachamos mesmo e eu fiquei sozinho contra o restante da diretoria. Aí eu fiz uma chapa, chamada Chapa Unidos Para Vencer e essa chapa a base principal dela foi a subsede e a minha área. Então, fomos pra disputa eleitoral. Na primeira, foi dois turnos, na primeira eu ganhei por 106 votos, sendo que a urna, que era a urna 9 lá da minha base tinha 405 votos meu, da minha chapa, e 50 votos da Chapa 1, que era a chapa da diretoria. Aquela urna decidiu a eleição. No segundo turno, aconteceu um fato extremamente desagradável. Houve o embate eleitoral, aquela coisa toda, muita gente participando, eu tive apoio de várias pessoas, especialmente aquelas ligadas à Frente Nacional do Trabalho, alguns companheiros da velha guarda porque eu também estava trazendo Lázaro, Paulinho Maia, que foi um dos cassados, na, na, pelo golpe militar de 1964, eu tava com ele na chapa como Secretário Geral da chapa. Isso foi um escândalo. Eu entendia que aquilo devia ser feito porque precisava resgatar a Fortaleza da Praça da Sé, que era o nome que o nosso sindicato tinha quando era na Praça da Sé. E esse era o nosso slogan: “Vamos resgatar a Fortaleza da Praça da Sé, vamos fazer um sindicato livre e atuante, com a chapa Unidos Para Vencer.”. No segundo turno veio a apuração e, a urna 9, eles foram deixando por último. Eu não tinha mesário, porque naquela época os presidentes de sindicato nomeavam todos mesários, eu só tinha fiscal. Eles deixaram a urna 9 por último. Quando foi na hora de apurar a urna 9 entraram com impugnação: “Tá impugnada a urna 9.”. Eles tavam ganhando por duzentos e poucos votos. “Mas tá impugnada por quê?” “Não, a urna chegou antes, voltou da coleta de votos antes da hora.” “Não, mas como? Voltou na hora!”. Voltou, não voltou, voltou, não voltou, criou aquele “puta” daquele embate dentro da sede do sindicato, já era uma hora da manhã. Tinha um jornalista do, do, da Rádio Bandeirantes, que era o Ronco, Pedro Luís Ronco ele tava acompanhando, chamei ele para acompanhar a eleição, e ele tava acompanhando lá essa eleição. E aí, resultado, impugnaram a urna 9 com esse argumento. Tinha um cara que tava participando das nossas reuniões de chapa e participava da dele também que era um cara da Polícia Federal infiltrado na eleição. E a gente não sabia. Ele se apresentou como um cara do setor da construção civil, São Paulo, que veio pra colaborar. Mas eu não sei, ele vinha nas nossas reuniões de chapa e eu não sabia que ele ia também na chapa do outro. E aí esse cara se apresentou na hora da impugnação e falou: “Então, vamos levar para a Polícia Federal. Porque eu sou da Polícia Federal.”. Não sei se era da Polícia Secreta. “Eu sou da Polícia Federal.”. Catou a urna, botou debaixo do braço [RISOS] e levou a urna pra Polícia Federal. Aí deu um quebra-pau no sindicato. Não morreu gente naquele dia porque realmente eu consegui equilibrar as coisas e argumentar. Mas foi o diabo. Tinha muitos trabalhadores que estavam lá esperando o resultado. A minha chapa trouxe a categoria pro sindicato. Então o pessoal queria bater nos diretores, queria matar, queria fazer o diabo. E aí falamos: “Então nós vamos ficar aqui dentro da sede, nós não vamos sair daqui enquanto não for resolvido isso.”. E a diretoria se mandava. Nós ficamos dentro do sindicato, três dias lá dentro. Só veio o Secretário Geral, que era um rapaz chamado João D’Orsi Guidolim, esse veio, enfrentava a gente duramente, era feroz. Ele veio, entrou no sindicato, mas os outros não. O Nelson Gonçalves, que era um cara muito ético, um cara muito educado, uma pessoa muito fina, ele era um pouco medroso, mas uma pessoa de muito caráter, ele era o encabeçador da chapa 1. Então, três dias depois ele me liga e diz: “Olha, Joel, você aceita abrir a urna.” “Eu aceito.” “Então venha aqui no Sindicato dos Contramestres que nós vamos conversar para acertar isso.”. Eu fui lá no sindicato, combinamos, fomos lá na Polícia Federal, trouxemos a urna. Abrimos a urna e a chapa 2 ganhou a eleição por cem votos. Essa foi uma história assim muito terrível, naquela época tinha muita, muito roubo de eleição sindical. Era o diabo. Aquele pessoal que a ditadura botou na diretoria do sindicato eles faziam o diabo pra não sair dos sindicatos. E tem muitos deles que continuam até hoje lá. Eu conheço vários deles que estão até hoje na diretoria do sindicato como se fossem grandes dirigentes sindicais. [RISOS]
P/1- Com essa vitória, então, o senhor assumiu a presidência do sindicato?
R_ Assumi a presidência do sindicato em 1981.
P/1_ Foi nesta época que o senhor foi chamado pro Dieese?
R_ A partir dessa época, eu acho que eu já estava na diretoria do Dieese em algum cargo. Parece que eu já estava num cargo de diretoria. Precisa ver o que que era. A partir daí, o Dieese estava sediado lá no nosso sindicato, na sede da Rua das Carmelitas e nós passamos, saímos feito um doido fazendo trabalho sindical. Com dois anos nós estávamos com 500 delegados sindicais nessas condições que eu falei, com estabilidade no emprego. Aí, chamamos o Primeiro Congresso dos Trabalhadores Marceneiros, um “puta” dum congresso e tal.
Fomos pra frente. E o Dieese estava lá na nossa sede e nós passamos então a atuar muito com o Dieese. Usava muitos trabalhos do Dieese, tal. E aí eu fiquei como tesoureiro do Dieese, não me lembro se foi em 1982, acho que foi em 1982, acho que foi em 1982 quando fiquei como tesoureiro do Dieese. Desse detalhe eu não me lembro bem. Em 1984, em 1983 o presidente do Dieese, que era o Hugo Peres, ele deixou a presidência do Dieese, se licenciou para concorrer a um cargo de deputado federal, e eu então assumi um mandato tampão, até a próximas eleições, que aconteceriam em janeiro de 1984. Aí fui eleito presidente do Dieese, nesta época. Depois, continuamos como
presidente, o Sindicato dos Marceneiros cresceu muito politicamente, fizemos muitas reuniões, participamos da Pró-CUT [Central Única dos Trabalhadores], eu presidi a 2.ª ENCLAT [Encontro Nacional da Classe Trabalhadora] que foi aquele grande debate do movimento sindical que definia, que era pra definir se são, se deveria ser realizado o segundo CONCLAT [Congresso Nacional da Classe Trabalhadora] em 1982 ou 1983. Então se dividiu o plenário. Foi 765 votos a favor do CONCLAT 1982 e 760 votos a favor do CONCLAT 1983, ou seja, a tese de adiamento perdeu por cinco votos. Realizou no Sindicato dos Químicos de São Paulo. Foi o Congresso mais polêmico que eu já assisti como dirigente sindical. [RISOS] Foi uma coisa fantástica. O movimento sindical daquela época era um movimento de busca de novos caminhos, de novas conquistas, de avanços, de romper com a ditadura, entendeu? Então havia uma efervescência muito grande dentro do movimento sindical. Fizemos o primeiro CONCLAT, que eu participei na Praia Grande, assim, na marra, porque a ditadura não queria. Na época, nas vésperas do CONCLAT eles fizeram um decreto, o Governo Federal, dizendo que qualquer despesa que os sindicatos tivessem relativos àquele CONCLAT não seria considerado, não seria aceito nas prestações de contas dos sindicatos. Eles fizeram todo tipo de pressão para não haver o primeiro CONCLAT. Resultado, vários Estados definiram pela realização do CONCLAT 1982. Esse CONCLAT acabou não acontecendo em 1982, por vários motivos, eu era membro dessa Direção Provisória do Estado, aqui, da Pró-CUT estadual, com vários dirigentes, com muitos companheiros, muito combativos, de quem eu tenho grandes recordações. Jamil Murad, Gilmar [Gilmar Carneiro], Gushiken [Luiz Gushiken], que era do Sindicato dos Bancários, e vários outros. Azevedo [Paulo Azevedo], dos metroviários, eram ponto de referência muito grande aqui em São Paulo, Clara Ant, agora me parece que ela está, não sei se está na Direção do PT [Partido dos Trabalhadores], porque ela é da Federação dos Arquitetos. Era um pessoal que carregava realmente esse movimento nas costas. Eu digo que carrega, por que uma coisa é você ter uma diretoria. Outra coisa é quem daquela diretoria efetivamente vai no dia a dia ali, batalhando pra que a coisa ande e tal. Isso acontece em todas as diretorias de sindicatos, enfim, até das empresas mesmo tem sempre aqueles que é o primeiro a chegar e o último a sair que na hora de sair fala “Peraí, deixa eu ver se a porta do fundo tá fechada.”. Ainda vai lá conferir. E outros não, deu cinco horas ele vai embora e ele é da direção, mas ele participou da reunião, não tem mais compromisso, deu o voto dele ali, debateu, divergiu, vai pra casa. E outros vai carregar o piano. Esses companheiros carregavam o piano e a gente se reunia no Sindicato dos Marceneiros, passou a ser um ponto de referência do movimento sindical. Ali se deu as grandes plenárias da Pró-CUT, deu até grandes plenárias de fundação do Partido dos Trabalhadores. Eu acho até que a decisão principal de fundação se deu lá no Sindicato dos Marceneiros quando os mineiros chegaram e botaram o Lula na parede. Falou: “Olha, ou você concorda com a fundação do Partido dos Trabalhadores agora, ou Minas vai fundar.”. Não me lembro qual foi o companheiro que usou desta expressão, mas foi os mineiros que botou o Lula na parede para fundar o Partido dos Trabalhadores. Lá na sede do Sindicato dos Marceneiros. Dali tiraram então uma resolução que ia chamar uma plenária pra fundar o Partido dos Trabalhadores. De lá saiu o resultado e também da...
P/1_ Durante a gestão do senhor, só uma curiosidade, o Dieese, na sua gestão, o que que o senhor lembra da sua gestão? O senhor presidiu o Dieese, não é? Que foi marcante, como foi essa relação do Dieese com os trabalhadores, com a categoria, com os sindicatos...?
R_ O Dieese sempre foi um órgão extremamente querido no movimento sindical. No entanto, quando houve a fundação da CUT, em 1983, houve um grande problema. Por quê? Porque uma corrente do movimento sindical dizia o seguinte: “O Dieese agora vai ser da CUT.”. Aqueles dirigentes sindicais que não foram pra CUT, que ficaram na CONCLAT, dizia, aliás os outros da CUT dizia assim: “Ah! O Dieese agora vai ser da Conclat.” As centrais começaram então, não era bem uma central, que era CUT, a Conclat era uma coordenação, começaram a pensar em constituir seus próprios departamentos de estatística. Chegaram a constar nos seus estatutos, inclusive. E isso balançou o Dieese, ficou na berlinda, ficou na corda bamba. E vai, e vai, e sobe e desce, e vai e faz, não faz, e a gente toureando, porque foi um trabalho muito grande pra manter o Dieese unitário como ele continua sendo. Eu acho que esse foi o meu maior trabalho. Eu, Barelli [Walter Barelli] e tantos outros funcionários do Dieese que atuou naquela época e atuava e que alguns ainda estão no Dieese ainda, o César Concone, que não está mais no Dieese. Nós trabalhamos muito pra convencer os dirigentes sindicais de não constituir os seus departamentos e fortalecer o Dieese. Mesmo enquanto central sindical. Mesmo enquanto CUT, porque a CUT já saiu com essa idéia de formar um Departamento Econômico, também, um substituto do Dieese, a Conclat também já buscando constituir o seu Departamento Econômico também, e a gente então começou a visitar esses companheiros e falar: “Olha, tira isso da cabeça e vai. Vamos fortalecer o Dieese. O Dieese tem condições de ser unitário, dá pra ser unitário. Tem aí toda uma cultura, todo um cabedal de experiência, de estatística, de estudos, de comportamento, veja o Barelli e tal.”. A gente argumentava muito e foi passando e foi passando, tal. Bom, em 1986 o Dieese passou por um dos momentos mais difíceis que eu acho, pelo menos pra mim como presidente. Em 1986 surgiu o Plano Sarney. O plano econômico, o Plano Sarney. O que é que aconteceu? O
Dieesefoi às pesquisas e constatou que num determinado mês, que eu não me lembro qual foi, teve uma inflação quase zero ou praticamente uma inflação, uma deflação. Nossa,
isso criou uma avalanche de crítica do movimento sindical em cima do Dieese terrível, foi duro para sustentar. Alguns companheiros diziam assim: “Olha, se o Dieese agora é um órgão estatal que apóia a política do governo, porque que nós temos, como dirigente sindical, estar financiando o Dieese?”. Foi duro pra manter isso. Muita crítica. Gente que me telefonava todo dia: “Pô, Joel, agora o Dieese tá manipulando os índices, a favor do governo? O plano econômico do governo Sarney? Por que esse índice agora foi contra os interesses dos trabalhadores. Eu estou prá fazer negociação salarial agora e como é que eu vou levar pra mesa de negociação zero por cento de inflação.” “Meu querido, mas esses são dados estatísticos! São dados científicos, não podemos manipular isso.” “Ora, você não pode publicar um negócio desse. Então esconde, bota pra lá, bota na gaveta, mas não bota nos jornais. Pô, você botou no jornal, então agora vocês virou sarneysista, vocês é agora o fiscal do Sarney também?”. Resultado, tivemos que chamar uma assembléia e colocar a seguinte questão em discussão: o Dieese deve manipular os índices pra não prejudicar o movimento sindical e os trabalhadores ou deve fazer os seus índices científicos? Três dias de debate. Resultado, depois desses três dias, conclusão, votação, o Dieese deve se manter independente, deve continuar sendo um órgão científico e não manipular os índices, não importa que isto seja a favor ou contra os trabalhadores. Então, aí, parou com essa crítica em cima do Dieese. E muitos dirigentes sindicais que era de determinadas centrais ou que tinha tendência a outras centrais, eles deixaram de pagar o Dieese. Deixaram de pagar o Dieese. Vários, vários e vários. Na área da CUT, por exemplo, nós fomos falar com o Lula, o Lula não era da direção da CUT mas era uma pessoa que tinha muita influência na CUT, nós fomos falar com o Lula pra ele ajudar a conter o pessoal da esquerda, porque o pessoal tinha deixado de pagar o Dieese por conta de que o Dieese tava manipulando índice, aliás, tava apoiando o Governo Sarney. Porque não sei o quê, porque aquilo. Eu não sei o que é que o Lula fez, mas eu sei que ajudou, porque vários dirigentes depois voltaram a pagar. Do lado de cá, quer dizer, do outro lado, do lado da Conclat, um outro posicionamento. Por exemplo, a Federação dos Metalúrgicos parou de pagar, os Metalúrgicos de São Paulo parou de pagar, que eram sindicatos grandes, que causavam um baque na receita do Dieese. O Argeu [Argeu Egydio], que era o presidente da Federação dos Metalúrgicos surgiu com uma outra tese. Falou: “Os metalúrgicos do Estado constituíram”, já chegou com esse argumento, “constituíram um departamento econômico e não vai mais precisar do Dieese. Nós vamos ter os nossos próprios índices.” O que que o Argeu fazia, ou seja, o que os economistas que eles contrataram, eles contrataram um ou dois economistas, e botaram lá na sede deles, que que eles faziam: pegaram os dados do Dieese, pegaram os dados da FIPE [Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas], pegaram os dados do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], misturavam os três e diziam esse aqui é o índice de custo de vida. [RISOS] Mas é um custo de vida que todo mundo pode fazer, claro, mas você não está sendo honesto. Então, nós tivemos um embate muito grande. Enquanto isso, no âmbito do Dieese, os projetos também a gente procurava, por exemplo, intensificar a busca de alternativas. Por exemplo, a formação sindical. Essa foi uma das maiores polêmicas que eu tive na minha gestão como presidente do Dieese. Por quê? Um companheiro de uma determinada corrente dizia assim: “Pera aí. Qual é a linha do curso?”, o outro falava: “Pera. Você vai dar curso de visão capitalista ou socialista, ou isso, ou aquilo, ou aquilo outro?”. Por que ninguém faz nada de forma neutra e justamente nessa parte de formação sindical. E aí chegamos a uma conclusão, numa reunião de diretoria, eu disse: “Vamos fazer o curso. Vamos fazer. Seja lá o que Deus quiser. Nós precisamos fazer esse curso.”. Aí começamos então a fazer os famosos cursos de formação sindical do DieeseDIEESE. Começamos aqui no caminho de Jundiaí, tinha aqui uma faculdade praticamente desativada. Nós fizemos muitos cursos ali, eu não me lembro bem o nome, como é que era nome daquela faculdade? Como é que era o nome, ai meu Deus, acho que era da Igreja Católica. Bom, fizemos muitos cursos alí. Começamos no Sindicato dos Marceneiros, os primeiros, e depois nós fomos pra lá. Eu sei é que esses cursos se espalhou pelo Brasil. Milhares de dirigentes sindicais passaram pelos cursos do Dieese. O que é que o Dieese queria fazer com aqueles cursos? Criar os monitores de educação sindical, ou seja, treinar o dirigente, para que esse dirigente, lá no seu sindicato desenvolvesse o curso de formação com os trabalhadores e para os seus dirigentes. Essa era a idéia inicial do Dieese. A gente discutia, o Barelli falava assim: “Bom”, terminava as palestras, falava assim: “Agora vocês vão discutir quem é mais comunista do que o outro.”. Terminava os cursos e aí o debate político esquentava até a madrugada. Era um negócio maravilhoso. Então, fizemos muitos e muitos cursos. Uma outra coisa também, nós tivemos um problema seríssimo pra bancar, eu não me lembro se a segunda ou terceira Pesquisa de Padrão de Vida e Emprego. Me parece que foi a segunda. Essa pesquisa causou um déficit no Dieese, um déficit terrível. E nós ficamos de pires na mão, indo de sindicato em sindicato para pagar a folha de pagamento do Dieese, que era um negócio terrível. Essa pesquisa, naquela época, só um parêntese aqui, hoje quando a gente fala de informática a gente não tem uma noção de quão nova é essa ciência, essa tecnologia. A gente não tem idéia. Porque faz pouquíssimos anos que esse “troço” começou e já tomou o mundo inteiro. Ninguém hoje vive mais sem computador, sem informática, sem Internet, não é assim? Dá para o Dieese ficar hoje sem Internet? Dá pra vocês ficar? Não dá! Uma loja da esquina ali, dá pra trabalhar? Só fazendo um pequeno espaço aí, o Dieese não tinha nenhum computador. Eu me lembro que o Gilmar, do Sindicato dos Bancários, ele foi numa viagem à Europa e voltou maravilhado com um equipamento. Ele falou assim: “Rapaz”, na reunião de diretoria do Dieese, “Rapaz, eu vi um negócio lá na Europa revolucionário.”, o Gilmar é muito empolgado, um cara trabalhador extremo, “Um troço revolucionário. Imagina que um telefone transmite um papel escrito e se você assinar naquele papel e colocar ali, sai do outro lado e com a sua assinatura. Chama fax.”, aí eu: “Caramba rapaz, a gente pode conseguir. A gente pode comprar um?”, “Mas vamos passar fax pra quem?”. [RISOS] Ninguém tinha fax. Olha, isso faz pouco tempo, companheiros, faz pouco tempo, parece brincadeira um negócio desse. Eu
me lembro da expressão dele que eu nunca esqueci. Sabe aquelas coisas que marca a gente? Então foi assim que ele falou do fax. O primeiro computador... Então nós fazíamos a estatística e manualmente era feita a tabulação de cada uma das planilhas. Nós tivemos uma época com 114 funcionários, não eram funcionários, eram pessoas contratadas pelo Dieese, temporários, que trabalhavam no Sindicato dos Químicos de São Paulo e pra conseguir agilizar isso, a gente pagava a eles por planilha que eles fizessem. Chegou uma época que eles fizeram uma greve lá, “Nós queremos tanto. Ou dá tanto ou a gente não faz mais as planilhas.”. Tivemos que pagar. Resultado, ficou esse negócio, demorou acho que uns dois anos para sair essa pesquisa, a mão. Foi feita toda a coleta de dados de campo, nas cidades tal, tal, tal e depois ficamos dois anos pra sair essa pesquisa porque era feito tudo a mão. E depois de passado isso a limpo, a mão, o Dieese levava então esse documento à Universidade de São Paulo e lá eles faziam a tabulação. Então, tinha um computador lá que devia ser um “pczinho” desses, qualquer coisa aí, não sei quantos mega, vai. Acho que nem tinha mega. Eu sei que o cara apertava o botãozinho e ele ia pensar. Aí, passava, passava, passava um tempão e ele dava uma resposta, que podia ser positiva, negativa ou correta ou incorreta. Mas quem tinha então era a Universidade que tinha lá um computadorzinho que ajudava o Dieesequando era possível. Aí, nós começamos a elaborar um plano, o Barelli, muito preocupado com o desenvolvimento do Dieese, então surgiu uma idéia: “Vamos então fazer um esforço para que o Dieese tenha o seu próprio computador.”. Pôxa, isso faz pouco tempo, 1986 por aí. Faz vinte anos, olha vinte anos na história não é nada, né? Resultado, fizemos então um convênio com o pessoal da Suécia, através da LO [Confederação Nacional de Sindicatos, Landsorganisationen], a central sindical sueca, pra fazer uma série de estudos, fizemos convênio com a Federação Internacional dos Mineiros para pesquisar as minas, as condições de trabalho dos trabalhadores mineiros aqui no Brasil e tal, e num desses convênios constava que eles iriam fornecer pra nós um computador. E aí, os suecos deram pra nós o primeiro computador, na verdade dentro desses convênios, que eu acho que era pra ser um e eles mandaram dois, três “pczinhos” desses aí. Nossa, foi uma coisa fantástica. O Dieese foi uma das primeiras instituições a ter computador aqui, especialmente dentro desse porte. E enquanto isso, nós também batalhávamos junto aos sindicatos para que os sindicatos pagassem o Dieese, que esses sindicatos grandes era um problema terrível. Os
Metalúrgicos de São Paulo, a gente ia lá quase todo mês falar com o Joaquinzão [Joaquim dos Santos Andrade] pra que ele: “Pô Joaquinzão, paga o Dieese.” “Ah, mas isso é o Departamento, não sei que, a Federação, tititi.”. E os metalúrgicos da Federação dos Metalúrgicos agiu com esse tese de que agora com as centrais sindicais o DIEESE não vai mais existir, cada organização tem que ter seu departamento. Isso eu era delegado da CNTI [Congresso Nacional dos Trabalhadores da Indústria], aqui da Federação. O Argeu levou essa tese lá na plenária da CNTI nós tivemos uma puta de uma discussão, ele era delegado, eu também era. Ele levantou isso aí e eu levantei uma outra tese lá. Eu falei: “Olha, eu acho que uma organização como a CNTI, que é uma Confederação dos Trabalhadores da Indústria, com ramificações a nível do Brasil inteiro, não pode prescindir de uma subseção do Dieese aqui dentro. E eles disseram, “Contratem os próprios.”. Eu falei: “Não, nós já temos, bota aqui uma subseção do Dieese. E acabamos ganhando.”. No primeiro dia que surgiu essas propostas e no segundo dia debate e votação. Resultado, eu acabei ganhando do Argeu lá nessa discussão e foi aprovado que a CNTI deveria ter uma subseção do Dieese lá dentro, em Brasília. E foi uma grande vitória porque segurou aquela onda de que o Dieese realmente iria desaparecer, que tinha que ter... Acho que, definitivamente, ali foi o divisor de água. As subseções, a gente estava incentivando muito as subseções, porque nós queríamos entrar dentro dos sindicatos, para que os sindicatos não pudessem ter esse argumento de que “agora você pertence a fulano, beltrano, sicrano”. Não, as subseções foi uma coisa que muito importante para que o Dieese fosse para dentro dos sindicatos e a gente dava exemplo de como algumas subseções, como por exemplo dos metalúrgicos do ABC, que apresentava constantes estudos da categoria e dos bancários de São Paulo, que também era um outro sindicato muito ativo dentro do Dieese, que ajudava a bancar os déficits do Dieese, que emprestava o dinheiro. Marceneiros, bancários, metalúrgicos do ABC esses três sindicatos realmente é que segurava as pontas para poder pagar o salário do Dieese, dos funcionários daquele período mais difícil ali.
P/1_ Como que o senhor vê a importância do Dieese para o movimento sindical?
R _ Bom, eu sou suspeito pra falar. Eu acho que o Dieese enquanto instituição ela é fundamental porque eu dei aquele exemplo agora a pouco. Se você pega, por exemplo, o índice, hoje, da FIPE, do IBGE, porque naquela época, inclusive, eu não sei se naquela época ainda estava sendo, mas antes foi. O IBGE era manipulado, os índices do IBGE era tudo manipulado, tanto é que o Dieese travou um grande debate com o Delfim Neto e acabou saindo vitorioso pelo, pela, por um documento do Fundo Monetário Internacional que reconhecia, que reconhecia que efetivamente a inflação no Brasil não tinha sido aquela que o Delfim tinha dito que era. Porque ele manipulou os índices. E sim, o Dieese estava certo e o reconhecimento veio anos depois. Mas foi uma coisa também muito positiva. Eu acho fundamental, ontem, hoje e amanhã. Eu acho que os trabalhadores têm que ter as suas próprias informações, não manipuladas, mas científicas, para poder se contrapor às informações que os patrões têm, especialmente agora. Uma outra coisa que foi muito importante também é o seguinte: que com o processo de crescimento do Dieese, a sede que nós tínhamos lá nos marceneiros, que era o terceiro andar do prédio dos marceneiros, ficou pequena. Então, o Dieese começou a ter serviços realizados num determinado lugar, lá no Sindicato dos Químicos, no marceneiros a sede central, nós cedemos também um pedaço lá pro Diesat [Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho]. “Vamos então buscar uma alternativa. O DIEESE precisa de uma sede nova.”. Naquela época, o Montoro foi eleito governador do Estado e nós fomos lá falar com ele, levamos o Montoro, porque o Montoro, como Senador, usava muito os dados do Dieese, tá? E levamos o Montoro lá no sindicato, foi lá na minha posse, foi lá na posse da diretoria do Dieese, foi lá buscar dados... Então, a gente puxava o Montoro. Quando ele foi eleito, falamos: “Opa, é agora.”, fomos lá, “Montoro, precisamos de uma sede nova pro Dieese, o Governo do Estado tem tantos prédios sem utilização aqui na cidade de São Paulo, vamos então ceder um desses em comodato pro Dieese.”. Aí, primeiro, eles sugeriram um prédio ali na Rua Tabatinguera, de esquina, próximo da Praça João Mendes. E nós fomos lá e era um prédio que a sala era tudo pequenininha, um prédio de 20 andares, que ia dar uma despesa enorme pra manter, tal, tal, tal. Bom, esse daí realmente não dá. O Serra, que hoje é governador, aliás vai ser o governador de São Paulo, ele ajudou muito o Dieese. No, por exemplo assim, na, na, pra romper determinadas barreiras internas pra gente conseguir essa sede que o Dieese tem ali no Parque. Então, fomos lá, sugerimos várias, entre elas essa daqui, porque tinha um laboratório que era aqui, que ia mudar lá pra Vila, pra Barra Funda, não, pra Água Funda, lá pro Zoológico, então nós falamos olha vamos ocupar ali. Conseguimos então fazer esse convênio, ou seja, um comodato parece que de noventa e tantos anos para a sede do Dieese, para conseguir mudar a sede do DIEESE pra cá. Nesse ínterim também buscamos a realização de convênios com o governo do Estado. Fizemos convênio com o Procon [Programa de Proteção e Defesa do Consumidor], pra fazer aquela pesquisa da cesta básica. Diariamente era publicado o preço menor de cesta básica na cidade de São Paulo. Isso, durante um certo tempo foi, por exemplo assim, uma coisa que as pessoas procuravam nos jornais. Onde é que é a cesta básica mais barata? Ah! No supermercado tal. Então começou a sair essa pesquisa. Uma outra pesquisa muitíssimo importante do Dieese foi essa pesquisa que nós temos com a Fundação Seade [Sistema Estadual de Análise de Dados] também, que nós negociamos o convênio naquela época, e ela é até hoje uma das principais pesquisas que o Dieese tem em termos de avaliação da situação de emprego, desemprego, padrão de vida e tal. A nível do Estado de São Paulo. E muitos convênios que nós conseguimos realizar com outras instituições. O fato é que, em decorrência de toda essa celeuma, o Joel acabou sendo obrigado a permanecer vários anos como presidente do Dieese. O Sindicato dos Marceneiros, que foi um dos articuladores das Pró-CUTs, tirou uma resolução de não se filiar à CUT porque seu presidente era presidente do Dieese. E se filiasse, criava um problema. Um outro problema que ficou surgindo, toda vez que tinha uma eleição, diziam: “O Joel tem que continuar porque se ele sair o Dieese vai rachar. Se ele sair o Dieese vai rachar.”. Em decorrência disso, eu fiquei seis mandatos como presidente do Dieese. Foi um negócio terrível. Eu já não agüentava mais… [RISOS] Porque realmente a gente tinha um trabalho muito claro e é claro que os funcionários do Dieese, vamos dizer assim, 90% de todo trabalho era carregado pelos funcionários, mas os 10% de ação política tem que ser carregado pela diretoria sindical. Então, se a diretoria sindical não desenvolve o trabalho, como naquela época nós tivemos que fazê-lo, se não tivesse feito provavelmente hoje o Dieese não estaria... Poderia até ser um departamento de uma central, alguma coisa assim. Então, em decorrência disso, qual foi a saída que nós encontramos? Bom, peraí, se esse é o problema, a esta altura do campeonato nós já estávamos em 1990, eu já estava a seis anos como presidente do Dieese. Sabe de uma, vamos então fazer uma reforma no estatuto do Dieese. Faz uma reforma e cria-se uma condição de fazer um revezamento anual da presidência entre as centrais sindicais, porque aí já havia duas centrais ou mais. Faz um revezamento entre as centrais sindicais. Isso a princípio foi um negócio muito polêmico. Teve muita reunião, em quase todos os estados para discutir, foi elaborado uma minuta de estatuto e foi mandado pra todos os sindicatos filiados. E, finalmente, nós chamamos uma plenária aqui na, em Atibaia, em Bragança Paulista, na sede de campo da Federação dos Metalúrgicos. Lá, durante três dias, travou-se um intenso debate. O Barelli já tinha saído da direção do Dieese, tinha se licenciado, ele foi pra Secretaria do Trabalho, isso foi no começo de 1990, e o, quem tava como, Serginho
[Sergio Mendonça] estava como secretário, diretor técnico do Dieese. Fomos então à Bragança, fizemos três dias de intenso debate, travamos uma polêmica terrível com os companheiros também, e até mesmo com os funcionários do Dieese também, porque eu achava que algumas coisas não devia constar do Estatuto outros, devia. Não apenas eu, como cada um tinha a sua opinião. Ao final de três dias conseguimos aprovar o Estatuto novo do Dieese. Passados alguns meses, continuava aquela ideia: “Não, o Joel tem que continuar, por que mesmo assim...". Aí eu fiz uma carta pedindo licença da presidência do Dieese. Eu falei: “Agora vai ter que por em prática, porque, não dá.”. Quem era o vice-presidente? O João Vacari, que era da CUT. Assume o João Vacari, não aconteceu nada, o Dieese não morreu, ele assumiu cumpriu esse mandato, me parece que ele foi eleito, mais um ano, ele permaneceu mais um ano como presidente, ou foi o Paixão [Paulo Paixão] que assumiu? Aí eu perdi um pouco o fio da meada aqui. O fato é que aquela reforma estatutária foi fundamental para a manutenção do Dieese.
P/1 _ Eu gostaria que o senhor falasse, na sua avaliação, quais seriam os principais desafios para o Dieese no futuro?
R_ Bom, eu estou um pouco afastado das atividades do Dieese de hoje. Eu acredito que o Dieese continua fazendo as coisas que nós fazíamos, anteriormente. Mas eu acho que um dos principais desafios que me parece que continua existindo é de conter o déficit financeiro do Dieese. Porque ainda têm muitos sindicatos que aproveitam os dados do Dieese e não contribui com o Dieese. Uma época, nós chegamos a discutir, numa reunião de diretoria, quando eu fui presidente, de estabelecer um certo “royalty”. Bom, você usou os dados do Dieese, usou na sua campanha salarial, botou no jornalzinho os estudos do Dieese ali, foi pra mesa de negociação com esses estudos, então você paga uma
taxa para o Dieese. Nós pensamos em fazer isso. Claro que nós não colocamos isso em prática. Mas um dos grandes desafios que o Dieese tinha naquela época, que era um projeto do Dieese, pra depois eu voltar à tua pergunta aqui, quando eu tava falando do problema do computador era o seguinte: o Dieese tinha como objetivo ter um computador ligado à ele em cada sindicato. Naquela época, os computadores não falavam entre si, você tinha que comprar um computador compatível com aquele computador que você tinha. Senão você não falava um com o outro. A gente foi, ia para o sindicato e falava: “Olha, o nosso projeto é que em cada sindicato tenha um computador, cada sindicato tenha um computador e daquele computador você possa acessar as informações diretamente da sede do Dieese.”. Isso parecia um sonho extremamente longínquo, inaplicável. “Como os computadores vão falar entre si? Precisa combinar previamente com cada sindicato pra saber qual computador ele vai comprar.”. Nós passamos por esse problema, então são coisas assim que parece que você está sonhando, mas que na realidade você está vivenciando o futuro. Falando hoje disso aqui, é ridículo a gente falar de um negócio deste, mas naquela época era uma operação futurística, você imaginar que os computadores pudessem estar falando entre si, ligados a um órgão central que lhe informa no dia a dia com que esta acontecendo. As pesquisas, as informações e tá abastecendo aquela unidade ou aquele sindicato de informações. Eu acho que o grande desafio que o Dieese tem pela frente é, naturalmente, continuar prestando esse serviço para o movimento sindical. Eu acho que esse é um desafio de todo o dia do Dieese. Quer dizer, é preciso que os dirigentes sindicais tenham consciência política de valorizar mais o Dieese, porque são milhares de sindicatos que existe no Brasil, mas a quantidade de filiados ao Dieese é menor, muito menor do que a quantidade de sindicatos existentes. E aqueles que pagam, provavelmente sejam bem menor ainda do que aquela quantidade filiada. Então, o grande desafio é convencer todos os dirigentes sindicais de operários, naturalmente, de trabalhadores assalariados, de que o Dieese é um órgão útil e necessário para as suas atividades de embate do dia a dia com o patronato.
P/1_ Eu vou retomar umas questões pessoais. O senhor falou que é casado?
R_ Sou casado.
P/1 - Tem filho?
R- Três filhas maravilhosas, uma delas, inclusive, está tão distante agora, está do outro lado do mundo, está na Austrália. É uma revolucionária.
P/1_ Qual o nome de seus filhos?
R _ A minha filha mais velha chama Lisbel, inclusive, ela participou comigo, ela e a Lenina, que é a segunda, ela participou comigo de muitas manifestações. Quando, por exemplo, os metalúrgicos estavam em greve lá no ABC, naquelas manifestações da Praça João não sei de quê lá, na Praça da Matriz, a minha filha eu levava ela aqui no colo. Eu me lembro bem que em uma dessas manifestações, que os helicópteros do exército passavam raspando nas árvores e balançava até o nosso cabelo. Até o cabelinho dela balançava. O vento das hélices. Passava assim pra intimidar os trabalhadores, baixíssimo, as árvores faziam assim, e nós ali, ao lado com a praça toda cercada de cão de guarda e cada cão com seu respectivo soldado e com os escudos. Então, nós participamos muito dessas atividades, de manifestações políticas em favor da liberdade e dos direitos dos trabalhadores. A minha mulher, por exemplo, foi comigo muitas vezes fazer piquete em porta de fábrica. Ela chegou, quando nós compramos o primeiro som, que eram umas cornetinhas assim em cima do coisa, depois nós compramos um som chamado “treme-terra”, também fomos um dos primeiros sindicatos, depois dos bancários, a ter carro de som, mandamos fazer umas caixas de ferro, uma tonelada,
puxada por um, engatada atrás de um carro e aquilo dava um som maravilhoso. Mas, com o passar do tempo a gente verificou que era muito inoperante, porque era muito pesado aquele trambolho pra você
poder carregar aquilo atrás do carro. Mas ajudou muito. E a minha mulher, me lembro bem, numa das greves gerais que nós tivemos, que eu falava no microfone e ela dirigindo o carro na frente da passeata, aqui, por exemplo na Freguesia do Ó. Nós paramos aquela base toda ali e eu fiquei responsável, com vários outros dirigentes de outros sindicatos, a encaminhar aquele movimento naquela região. Então nós conduzíamos os trabalhadores daquela região toda, parando fábrica por fábrica e levamos até a, como é que é, o Largo da Lapa, ali junto, onde tem a estação. E a minha mulher foi dirigindo e eu “Companheiro vamos à luta, isso e tal.” comício, o diabo. Ela participou muito comigo desses movimentos. As minhas filhas participaram também. Então eu tenho a Lisbel, a mais velha, a Lenina e tenho a Lidiane, que nasceu de oito meses em decorrência do embate da eleição do sindicato. Porque a minha esposa estava grávida e ela participou ativamente também desse movimento e ela saiu um dia da eleição, que houve aquele problema, ela inclusive tem uma foto que ela tá assim com a mão na cabeça, com a barriga deste tamanho [RISOS] e saiu dali e, no dia seguinte ela foi para o hospital e teve o nenê de oito meses. Então, essa é a Lidiane. Ela tem agora vinte e cinco anos e está na Austrália. Ela ficou um ano na Austrália, ela foi estudar Inglês, depois voltou, foi de novo, voltou e faz quinze dias que foi de novo. E a gente tá com o coração aqui, terrível… Então, eu tenho essas três filhas maravilhosas, tenho duas netinhas, a Laís e a Labele, uma de cinco anos e outra de um ano e meio e, enfim, eu tenho uma vida muito feliz. Muito bem composta. Graças a Deus.
P/1 - Então, a família do senhor participou das atividades. Se o senhor pudesse sintetizar assim a seguinte questão: o que a militância sindical e política significou na sua vida?
R - Olha, é assim. Eu tenho uma concepção de sindicato. Eu acho que ou o dirigente, na minha opinião o sindicato tem que ser de luta, tem que ser combativo. E os dirigentes sindicais pra ter esse compromisso e não se corromper, eu acho que ele tem que vim da base. Ele tem que ter a militância, primeiramente, lá dentro da fábrica, do escritório ou da repartição, de onde ele trabalha. Ele tem que ser levado dali pelos trabalhadores até a direção do sindicato. Na minha opinião, aqueles dirigentes que são dirigentes pela graça de Deus, ou porque teve um amigo, ou porque foi levado à direção do sindicato pela ditadura, esses são dirigentes que se tornam com o passar do tempo verdadeiros carrapatos do movimento sindical. Eles grudam ali nos sindicatos, e não querem sair nem a pau. Eles achavam que aquilo, se ele sair ele morre, uma questão de vida ou morte, ele não tem desprendimento. Ele não compreende que aquilo que ele está fazendo ali é um trabalho para os trabalhadores. Ele tem um mandato, mas ele faz todo tipo de falcatrua, de alteração de estatuto, de golpe, de rasteira para continuar na direção do sindicato. Muitos deles continuam, que foi colocado pela ditadura militar, estão aí até hoje posando de dirigentes. Na verdade são dirigentes, não são líderes. Porque eles falam por eles. Então eu acho que o sindicato efetivamente tem que ser uma instituição que reflita a opinião dos trabalhadores, na minha opinião. Eu acho que ele tem que ser de luta, que os trabalhadores tem que ser comprometido. Isso não significa dizer que esses dirigentes, alguns desses dirigentes não possa cometer erro, mas eu acho que é menos. De se corromper, de fazer corpo mole, de buscar locupletar-se de certas coisas que o sindicato possa oferecer. Eu fui um dirigente que eu vesti a camisa dos trabalhadores durante todo o tempo que eu estive na direção do sindicato. Procurei fazer o máximo que pude, não parei nenhum momento. Agora, tem um detalhe, eu cheguei numa hora que eu achei que não tinha mais condições físicas pra continuar. Por quê? Eu fui acometido de um problema de coluna, acho que por ficar muito tempo sentado, dirigindo e tal, eu acabei contraindo um problema de coluna, eu fiquei, por exemplo, de dezembro de 2000 até 2001 eu praticamente fiquei... Eu não conseguia andar direito. Eu chegava no sindicato, eu fui presidente da Federação Estadual dos Trabalhadores da Construção, aí eu perdi a eleição lá porque houve uma mutretada também, um negócio meio feio que aconteceu, não vem ao caso aqui, mas que eu também discordo desse tipo de prática, que a maioria dos sindicatos acabou perdendo para a minoria. E então eu voltei para o sindicato. Fui pro sindicato, mas eu já tava com problema físico. Eu subia as escadas do sindicato arrastando o pé e os companheiros, por uma questão de solidariedade, falavam: “Não, Joel, você vai ficar aqui, você vai ajudar a gente, vai nos assessorar, fazer isso fazer aquilo.”, mas eu sentia que eu tava limitado. Eu preciso levantar cedo, tenho que ir pra porta de fábrica, tenho que conversar com os trabalhadores, tenho que organizar, tem que ajudar isso e aquilo. Eu cheguei num ponto que eu tava limitado. Eu falei: “Sabe de uma, eu vou me licenciar da direção do sindicato.”, que eu era vice-presidente naquela época. “Não, você fica aí. Vai ter eleição agora, você assume a presidência novamente, não sei o quê.”, eu disse: “Eu não tenho mais condições físicas pra isso.”. Saí, fiquei um ano e pouco praticamente quase que sem poder andar direito, hoje tou recuperado, se bem que eu estou muito tempo sentado aqui e na hora que eu levantar vou sentir um pouco de dor nas costas, [RISOS] mas eu acho que cada indivíduo tem que saber qual é o seu limite. Você não pode ficar na direção de um sindicato, eternamente, sem produzir. Quando eu falo em produção, estou falando de produção de algo que seja de interesse dos trabalhadores. Não basta você ficar na representação, “Eu represento, tô representando os trabalhadores do setor tal.”, tudo bem. O cara não tem mais fábrica, não tem mais vínculo empregatício, não sei quantos anos que não foi numa empresa, nem vai nas portas de fábrica. Eu tenho esta visão do sindicato. Eu acho que o sindicato é pra lutar, o sindicato é pra desenvolver atividades em benefício dos trabalhadores. Às vezes, você conquista uma coisa pequena. Por exemplo, uma das coisas que eu me orgulho muito de ter ajudado a conquistar, quando eu tava na fábrica, eu ficava muito indignado quando o patrão mandava o trabalhador embora e falava: “Vai procurar os seus direitos.”, “Pô.”, eu falava, “Isso tem que acabar, isso não é possível, ão pode ser desse jeito.”. Aí o cara ia procurar os direitos dele e ficava dois, três, quatro anos, cinco anos esperando o resultado da Justiça do Trabalho e o patrão ia lá e depois, condenado, porque ele era errado mesmo, não tinha direito de fazer aquilo, não podia deixar de pagar os direitos dos trabalhadores. Então ele ia lá fazia um acerto, pagava ao trabalhador o que ele devia ter pago há três, quatro, cinco anos. Então eu sugeri numa assembléia dos marceneiros que toda vez que o trabalhador fosse demitido tivesse um prazo pra que fosse feito o acerto de conta dele, e se não fosse feito no prazo, a empresa teria que pagar uma multa. Essa proposta foi feita me parece que em 1988, 1987, não, que 1988, 1978 alguma coisa assim. Foi logo nas primeiras vezes que eu fui pra participar da Comissão de Salário do sindicato.
Aí nós levamos, foi aprovado na assembléia. Levei pra pauta de reivindicações, foi levado um ano, dois anos, até que nós chegamos um ano, que eu não lembro bem, precisa verificar, se foi em 1970, perdão, que 1970, 1979, eu não sei se foi em 1979 ou 1980, que nós conquistamos isso no Sindicato dos Marceneiros. A cláusula da convenção: “As empresas que demitirem o empregado terão dez dias úteis para fazer o acerto de conta. Se o acerto de conta não for feito nesse prazo o salário passará a contar a partir da data da demissão.”. Ou seja, se a empresa demorar um mês, vai pagar um mês, se demorar três, vai pagar três salários e assim por diante. Acho que foi em 1977 isso aí. Resultado, conseguimos essa cláusula. Eu peguei essa cláusula, mandei fazer uma carta com essa cláusula e mandei para todos os sindicatos, pro Brasil inteiro. Hoje, é lei. Então, o primeiro sindicato a conquistar pra categoria essa cláusula. Hoje falam: “Ah! isso aí é direito nosso.”. Ninguém, nunca sabe como é que foi feito isso aí, não é? Mas, então, todos os direitos dos trabalhadores são conquistados assim, a gente nem sabe como é que foi, quem foi que abriu o caminho. Mas é assim. Essa é uma cláusula que eu acho muito importante. Quando nós ganhamos o primeiro processo em cima disto, o trabalhador ganhou dois anos de salário. Os patrões ficaram alucinados. Porque eles não acreditaram: “Olha, não manda embora sem pagar os direitos.”. Se mandou embora tem que pagar, tem dez dias para pagar
os direitos. O primeiro que bancou pagou na justiça. A justiça entendeu que estava na convenção e era direito. E condenou. A partir daí, os patrões passaram a respeitar e tal. Um ou outro caso ficou sem solução, mas...
P/1 _ De sua passagem no Dieese que lições que você tirou, assim, para a sua vida?
R _ Bom, eu, a primeira coisa que eu entendi é o seguinte. Primeiro que os trabalhadores são capazes. Os trabalhadores têm capacidade de ter as suas informações, por exemplo, de constituir as suas organizações, de buscar as informações que possam alavancar as suas lutas, as suas conquistas e tal. Segundo, que eu acho que, é aquilo que você falou agora pouco, quer dizer, a união faz a força, um negócio muito assim batido, mas é realidade. Quer dizer, se o Dieese, por exemplo, não fosse um órgão constituído pelo conjunto do movimento sindical, conjunto entre aspas naturalmente, aqueles mais conscientizados, provavelmente nós não teríamos tido tantas conquistas, como nós temos hoje. E como nós tivemos, porque eu acho que o momento que nós tivemos maiores conquistas no movimento sindical brasileiro, nesses últimos, vamos dizer assim, depois da ditadura militar, ela se deu ali de 1978 até oitenta e pouco. Este período, que nós conquistamos muitas coisas, a redução da jornada de trabalho e vários direitos, o direito da mulher, pra criança e tal. Então, a principal lição é essa. Eu defendia sempre uma tese que em vez de nós constituirmos várias centrais sindicais, nós poderíamos ter uma única central sindical. Eu falava isso com muita convicção, não apenas porque eu era dirigente do Dieese e achava necessário que tivesse isso. Mas eu acho que dentro de uma única central sindical pode você ter os diversos departamentos e segmentos, cada um com a sua ideologia, por exemplo, porém, buscando o mesmo objetivo. Não precisa ter dez centrais sindicais. Tem vários países do mundo com uma central sindical só, um exemplo, vamos pegar um caso, na terra da valsa, eu estive lá e vi isto e achei muitíssimo importante eu acho que a minha tese está ali, Áustria.
A Áustria tem uma central sindical só, é claro que é um país pequenininho, respeitada as proporções, e aquela central sindical tem vários departamentos das diversas ideologias. Tem comunista, tem socialista, tem direitista, tem verde, tem amarelo, tem de toda cor. Tá todo mundo dentro ali. E eles têm um peso nas eleições. Como a CUT, por exemplo, tem diversas correntes lá dentro, pode ter também as diversas centrais sindicais constituída numa única, eu sei que isso aí é uma utopia da minha parte nos dias de hoje, eu acho, mas pode ter, então eu acho que é possível a organização e a união dos trabalhadores. Aí você fala assim: “Mas, tá provado através da história que as pessoas com opiniões diferentes têm dificuldade de conviver e cada um puxa para um lado.”. Tanto é as eleições que nós tivemos agora. Nós tivemos PT, com outros partidos, tivemos o PSDB [Partido da Social Democracia Brasileira], com outros partidos, tivemos o PSOL [Partido Socialismo e Liberdade] também, que é um aglomerado de partidos. Tivemos várias correntes mas que no fim estamos todos dentro de um único país. Então nós podemos, naturalmente, conviver, pacificamente, sem agressões, claro que podemos disputar os espaços, mas é possível. O Dieese e o movimento sindical me ensinou que é possível você conviver com opiniões diferentes.
P/1 _ Olhando assim a sua história, que você passou pela roça, passou pela fábrica, passou pelo sindicato, passou pelo Dieese, olhando isso e pensando para o futuro. Quais são os seus sonhos?
R _ Olha só que interessante. Deixa eu falar para vocês. Uma das coisas que eu poderia fazer nesse período também, do movimento sindical foi abrir as relações do Brasil com o exterior. Especialmente dentro do segmento que eu atuava que é o setor da construção. Porque eu acho que os trabalhadores, tanto faz ele estar aqui no Brasil, como em qualquer país do mundo, eles são trabalhadores. E eu participei ativamente de várias organizações internacionais. Fui presidente de uma delas, por exemplo, fui presidente da Flemacon [Federación Latinoamericana de la Construccion, Madera y Materiales de Construcción], que é uma federação latino-americana dos trabalhadores, fui vice-presidente da União Internacional dos Sindicatos. Participamos de muitas atividades em vários países do mundo e eu vejo que os trabalhadores dos diversos países têm problemas extremamente semelhantes aos que nós temos aqui. Alguns ganham um pouquinho mais, outros ganham um pouco menos, mas tem esse problema. O meu grande sonho a essa altura do campeonato, eu não estou mais atuando dentro do movimento sindical, mas eu tenho um sonho, particularmente, dentro do movimento sindical. Eu acho que precisa ser feita uma reforma sindical no Brasil. Não dá pra continuar eternamente com esse modelo de, vamos dizer assim, de organização que nós temos, onde você tem o sindicato, por exemplo, atrelado a uma contribuição compulsória, que é o Imposto Sindical, e que através dessa contribuição você permite a manutenção de muita gente que não representa coisíssima nenhuma, mas que representam a si próprio e que são eternos dirigentes sindicais, de grandes categorias, inclusive. Então, um dos meus sonhos é ver uma reforma na estrutura sindical para ampliar a democracia no meio sindical, uma democracia sindical. Porque democracia política, eu acho que o Brasil já tem, já está bem estabilizada, apesar de ser muito nova, mas ela já está bem estabilizada. E o meu sonho maior não se refere à minha pessoa, se refere ao povo em geral. Eu gostaria de ver o meu povo numa situação muito melhor de vida do que tem hoje. Do que teve anteriormente. Eu gostaria que não houvesse mais trabalhadores ou mesmo pessoas que estejam desempregadas no Brasil passando fome, como tem em muitos lugares, não é só no Nordeste, até aqui no estado de São Paulo mesmo tem, então eu gostaria de ter, por exemplo, meu sonho maior seria não ter mais pessoas mendigando pela rua, que tivesse, que as pessoas tivessem o mínimo necessário para a sobrevivência, com educação, com saúde, com lazer e em paz. Então basicamente este é o meu sonho.
P/1 _ O que o senhor achou de participar desse projeto Memória do Dieese?
R_ Bom, eu não sei qual é a dimensão desse projeto. Eu não sei se o que eu falei aqui pode ser aproveitado para alguma coisa. O que eu quis aqui contribuir aqui neste projeto, se é que vai ter alguém, eu acredito até que possa ter alguma utilização pra isso, é mostrar que é possível que as pessoas possam se desenvolver desde que se interesse, seja por exemplo, seja incentivado a isso, possa se desenvolver politicamente e possa contribuir para a melhoria, digamos assim, da situação geral. Eu espero que isso aqui sirva para alguma coisa, mesmo pra ver a própria história do Dieese, que é uma instituição reconhecidamente de grande importância para os trabalhadores e até para o pessoal do exterior, porque quando eu fui presidente do DIEESE eu recebia muitas delegações de outros países e o pessoal queria saber, por exemplo, da situação social do Brasil, queria conhecer o movimento sindical, eu sempre tinha uma visão e é essa a visão que eu passei aqui. “Neste segmento sindical tende a crescer, tende a diminuir, vão continuar assim, a situação política é essa, essa, essa.”. Então, eu acho que eu contribui de alguma forma nesse período que eu fui dirigente, nunca me acomodei, nunca fiz corpo mole, graças a Deus. Espero que possa ser utilizado, olha um operário, pelo menos nessa parte, ele pode ser um dirigente melhor ou pior desde que ele tenha algum compromisso que ele tenha alguma ramificação lá na base dele, porque não acredito que pessoas sejam dirigentes pela graça de Deus ou por amizade particular possam contribuir bem para os trabalhadores. Pode até acontecer, entendeu, eu espero que contribua até para um esclarecimento até do movimento sindical daquela época porque é muito comum e eu vi isso no cinqüentenário do Dieese a gente falar só das coisas boas do Dieese. O Dieese já passou pedaços difíceis e eu, como dirigente, quantas e quantas vezes junto com o Barelli, com outro funcionário do Dieese, nós íamos aos sindicatos de “pires na mão”: “Olha, paga aí, adianta, faz um empréstimo”, pra pagar o salário de pessoas que estavam trabalhando pra eles. Então, eu acho que tem muitos funcionários do Dieese que são grandes exemplos de humildade, de trabalho. Eu conheci um deles aqui, dentre muitos, muitos, excepcionais. Por exemplo, o Bartolomeu, não tô querendo desmerecer nenhum outro funcionário do Dieese. O Bartolomeu é um exemplo, ele é o cara que lida com o dinheiro do Dieese e não é pouco dinheiro. O Dieese não tem dinheiro, mas o movimento dele é grande, porque ele tem muitos compromissos. É um cara que eu nunca fiquei sabendo que ele tivesse um deslize sequer. E está aí há tantos anos, acredito que ele continua como funcionário do Dieese. Mas o Bartolomeu é uma pessoa simples, humilde e excepcional exemplo. Eu quando exerci a presidência do Dieese eu procurei ser, vocês podem procurar nas documentações, revistas eu nunca fui um cara vaidoso por cargo, essas coisas... Procurei exercer da forma mais humilde e discreta possível, sem querer... afinal de contas ser presidente nacional do Dieese naquele período, era uma coisa importante. Eu nunca utilizei essa vaidade pessoal pra fazer isso, aquilo, aparecer. Eu acho que o Bartolomeu é um exemplo disso. Como tantos outros funcionários que o Dieese têm também, que eu não estou falando o nome aqui, mas que eu reconheço que são pessoas maravilhosas.
P/1 – Muito obrigada.Recolher