P/1 – Dona Izaura.
R – Oi.
P/1 – Nós vamos começar a entrevista, a senhora pode falar o nome completo?
R – O meu nome é Izaura Machado Fernandes.
P/1 – A senhora nasceu onde?
R – Eu nasci no Iriri.
P/1 – Esse lugar fica em que estado?
R – Fica em Anchieta.
P/1 – É Espírito Santo?
R – É Espírito Santo, sim senhora. De Piúma pra lá. No outro município, sem ser Piúma, é Iriri. Eu vim pra cá com a idade de dez anos.
P/1 – E que dia e ano a senhora nasceram?
R – Eu nasci dia 24 de agosto de 1949.
P/1 – E a senhora viveu até os dez anos nesse lugar?
R – Até os dez anos eu vivi lá, depois nós viemos pra cá, que meu avô morreu, aí minha mãe veio... Papai veio morar aqui. Porque desgostou de lá, porque meu avô morreu, o pai morreu, aí nós viemos pra cá.
P/1 – O pai do seu pai morreu?
R – É. O pai do meu pai morreu. Ele pescava aqui em Itaipava. Aí nós vínhamos pra cá. Mas de primeiro nós tivemos uma vida dura, papai carregava pedra, eu o ajudava a tocar o boi, os bois, ele puxando e eu tocando o boi. Quando chegou depois, nós íamos pra pedra tirar sururu, ele nos levava. Eu pequenininha, já com idade de sete anos já o ajudava “despinicar” o sururu e ajudando-o. Com a idade de 14 anos já tava aqui. Já não tava mais lá, já tava aqui, já ia ajudando minha mãe tirar o sururu, aí apanhava o caldeirão de sururu. Primeiro ele botava num caldeirão. Botava um litro dentro do caldeirão, botava numa sacolinha e ia vender o sururu. Ia vender o sururu todinho, de casa em casa vendendo sururu. E minha mãe também era marisqueira, minha mãe nos criou também no marisco. Minha mãe nos criou no marisco. Primeiro, quando nós estávamos no Iriri, era roça. Ela botava, tadinha, aquele monte de... Nós, um num braço, outro no outro, e nos levava para o sítio na cabeça e nos levava pra...
Continuar leituraP/1 – Dona Izaura.
R – Oi.
P/1 – Nós vamos começar a entrevista, a senhora pode falar o nome completo?
R – O meu nome é Izaura Machado Fernandes.
P/1 – A senhora nasceu onde?
R – Eu nasci no Iriri.
P/1 – Esse lugar fica em que estado?
R – Fica em Anchieta.
P/1 – É Espírito Santo?
R – É Espírito Santo, sim senhora. De Piúma pra lá. No outro município, sem ser Piúma, é Iriri. Eu vim pra cá com a idade de dez anos.
P/1 – E que dia e ano a senhora nasceram?
R – Eu nasci dia 24 de agosto de 1949.
P/1 – E a senhora viveu até os dez anos nesse lugar?
R – Até os dez anos eu vivi lá, depois nós viemos pra cá, que meu avô morreu, aí minha mãe veio... Papai veio morar aqui. Porque desgostou de lá, porque meu avô morreu, o pai morreu, aí nós viemos pra cá.
P/1 – O pai do seu pai morreu?
R – É. O pai do meu pai morreu. Ele pescava aqui em Itaipava. Aí nós vínhamos pra cá. Mas de primeiro nós tivemos uma vida dura, papai carregava pedra, eu o ajudava a tocar o boi, os bois, ele puxando e eu tocando o boi. Quando chegou depois, nós íamos pra pedra tirar sururu, ele nos levava. Eu pequenininha, já com idade de sete anos já o ajudava “despinicar” o sururu e ajudando-o. Com a idade de 14 anos já tava aqui. Já não tava mais lá, já tava aqui, já ia ajudando minha mãe tirar o sururu, aí apanhava o caldeirão de sururu. Primeiro ele botava num caldeirão. Botava um litro dentro do caldeirão, botava numa sacolinha e ia vender o sururu. Ia vender o sururu todinho, de casa em casa vendendo sururu. E minha mãe também era marisqueira, minha mãe nos criou também no marisco. Minha mãe nos criou no marisco. Primeiro, quando nós estávamos no Iriri, era roça. Ela botava, tadinha, aquele monte de... Nós, um num braço, outro no outro, e nos levava para o sítio na cabeça e nos levava pra roça. Lá ela fazia uma redinha, igual esse, eu criei meus filhos como eu a vi criando. Aí fazia uma redinha, nos botava também na rede, ia capinar. E de tarde ela vinha, nos trazia, dava comida a nós, dava banho e assim foi criando. Aí quando nós viemos pra cá, lá ela criava no sururu. De semana ela ia trabalhar na roça, de sábado e domingo ela ia pra pedra conosco tirar sururu.
P/1 – Só um pouquinho então, dona Izaura, a senhora tava falando que o seu pai pescava já nessa época?
R – Pescava. Primeiro ele não pescava, não. Depois ele veio pra cá, porque disse ele que a pescaria era melhor do que a lavoura. Porque a lavoura plantava, quando dava tempo bom, corria tudo favorável, colhia bastante. Agora, quando não era o tempo favorável, às vezes dava muito sol, muita chuva. Quando dava muita chuva, a chuva matava tudo; quando dava muito sol, o sol matava tudo. Aí também não tinha grande comprador para as mercadorias que ele colhia. Aí ele veio aqui em Itaipava, passear aqui em Itaipava, o chamaram pra pescar e ele gostou de pescar aqui em Itaipava, e lá ficou também pescando. Lá em Itaipava ele pescava também. Lá no Iriri também, ele era pescador do Iriri.
P/1 – O seu pai.
R – Papai era pescador do Iriri. Depois nós viemos pra cá, eu cresci no marisco, tirando marisco, desde a idade de sete anos pra cima fui tirando sururu, idade de 14 anos eu já vendia sururu.
P/1 – Agora vamos só... Eu vou falar um pouquinho mais do seu pai, dona Izaura, porque depois a gente vai falar bastante dessa parte que a senhora fazia com 14 anos.
R – O meu pai veio pra cá, aí...
P/1 – O seu pai, ele... A senhora falou que ele carregava pedra. Como assim?
R – Carregava no carro de boi.
P/1 – E essas pedras eram do quê?
R – Tinha modo de uma carroça assim, botava o boi na frente, e o boi ia. E eu ia tocando o boi e ele ia puxando o boi. Eu ia atrás sentada também, tinha modo um banquinho, eu sentava, ia tocando o boi, e ele puxando pra guiar o boi, pra poder o boi ir certo. É assim que ele ia. Quando ele trabalhava na lavoura, trabalhava na lavoura; quando a lavoura tava mais ou menos, ele ia carregar pedra. É porque eles faziam casa, aí ele quebrava as pedras no lugar de pedral, quebrava as pedras e ia carregar para os outros. Porque aí vinham: “Senhor Dudu, eu quero...” – meu pai chamava Dudu – “Dudu, eu quero dois metros de pedra” “Sim, nós vamos tirar”.
P/1 – E ele quebrava sozinho?
R – Quebrava ele e minha mãe, na marreta. Na marreta eles quebravam pedra e carregavam. Quando não era lavoura, era pedra; quando não era pedra, era sururu. Na pedra também, sempre criou nós assim, graças a Deus.
P/1 – Quantos irmãos a senhora tem?
R – Eu sou irmã de 12 irmãos.
P/1 – Doze?
R – Doze irmãos. Tem dez vivos. Nove vivos agora, que três Deus levou.
P/1 – E a senhora disse que a sua mãe levava todos pra roça, mas levava todos eles?
R – Levava todos pra roça. Todos eles. O que nasceu lá, levava pra roça, o que nasceu aqui, já era pedra, levava pra pedra, criava na pedra também. Tirou sururu na pedra também, nos criou na pedra. Papai ia pescar e ela ia pedra tirar sururu conosco. Mas era assim conosco, sempre assim que papai fazia.
P/1 – A senhora é a mais velha?
R – Eu sou a mais velha de todos.
P/1 – E como era tocar o boi? É difícil?
R – Ah, tocar o boi, eu sentava como eu tô aqui, era um banquinho assim, aí papai botava nós sentados, tinha um banquinho, segurava assim, apanhava uma varinha e ia tocando o boi. Tocando o boi e o boi ia. O boi, o nome dele era Castelo e Chumbinho, eram os dois bois, era um vermelho e um cor de chumbo. Aí nós íamos tocando-o e ele ia embora. Assim que era. Era modo de um cambão assim no meio, é modo de uma carroça atrás e tinha um cambão assim no meio, aí de um lado era um boi, e de lado era outro, aí eu botava a canga nele e ele ia puxando, assim que nós íamos. Papai nos criou nesse negócio. Quando não era na roça, era carregando essas pedras. Um dia eu quase morri afogada também.
P/1 – Como?
R – Papai tava enchendo o caminhão de... A carroça de pedra, jogando, aí ele falou assim: “Minha filha, sai daí, que pode a pedra correr e bater no seu pé, não vai ajudar papai, não”. Eu: “Sim, pai, então vou ali”. Aí apanhei uma casca de coco, uma casca de coco aberta, e tinha uma lagoa, perto tinha uma lagoa, aí eu fui soltar barquinho. Ah, mulher, mas era um perau assim, eu afundei. Nosso pai! Aí eu fui para o fundo com tudo. Papai me procurou, cadê eu? Ele procurou de lá, procurou de cá, correu pra beira da lagoa. Chegou lá, foi na hora que eu vim em cima. Hora que eu vim em cima, ela me agarrou e me pegou, botou nas costas e se mandou. O médico, que tinha um médico perto, era médico. Aí me levou lá, me botaram de perna pra baixo, deixa vomitar água, claro que eu melhorei, mas quase que eu morri.
P/1 – Nossa!
R – Nessa lagoa. Depois papai me levava, falava assim: “Olha, se você for pra lá pra lagoa, você vai apanhar, hein. Não vá pra lagoa, não”.
P/1 – E da roça, dona Izaura, a senhora tem alguma lembrança dessas?
R – Tem. Muita lembrança. Nós capinávamos. Depois, quando nós viemos pra cá, tinha a roça da dona Josefina, a mãe dele ali. Tinha um sítio grandão, ela tinha um terreno grandão, aí ela deu pedaço pra nós, pra nós capinarmos pra nós. Ela deu um pedaço pra nós capinarmos. Aí nesse pedaço nós capinávamos e plantávamos assim, plantávamos meio. Ela deu pedaço grandão.
P/1 – Sei.
R – A dona Josefina. Ela hoje é morta. Ela deu pedaço, aí nós íamos pra lá, nós capinávamos, plantávamos milho, plantávamos feijão. Aí nós íamos lá capinar. Quando chegava dia de sábado, nós íamos pra pedra, e semana nós íamos pra lá. E sempre tinha semana. Tínhamos eu e minhas irmãs, aí mamãe botava: “Olha, essa semana é Fulano que vai ficar na casa, tomar conta da casa”. Aí quem ficava em casa tinha que dar conta de comida, roupa e tudo. E água era na cacimba que apanhava, não era água encanada, não. Água encanada não. Tinha que dar conta de tudo. Quando chegava dia de sábado, nós tudo íamos pra pedra tirar sururu, e pra vender também pra fazer um trocado, porque enquanto a roça dava, nós íamos procurar outro meio de vida. Lá no chamado Atenes também nós plantávamos mandioca lá também. Nós íamos lá capinar também, plantar mandioca. E sempre papai nos criou assim.
P/1 – E vendia? Vendia o arroz, o...
R – Vendia farinha. Nós fazíamos farinha meia também. Nós fazíamos farinha meia. Arrancava a mandioca e fazia farinha meia.
P/1 – Vocês faziam a farinha?
R – Ou quando tinha da nossa, nós fazíamos. Quando nós estávamos grandes, 18 anos, 17 anos, 14 anos, 15, mamãe nos levava para o Quitungo, nós raspávamos a mandioca todinha, depois mamãe me botava, eu que era maior, no rodete pra ralar a mandioca, e ela ia puxar a roda, papai tava pra fora, puxar a roda assim. Puxava a roda, aí nós botávamos no tipiti, botávamos aquela mandioca no tipiti, aquela massa no tipiti, aí secava, e no outro dia nós íamos de madrugada pra lá, de madrugada. Mamãe começava o forno, aí me deixava no forno, tirava o tipiti, e eu botava pra peneirar e já ia para o forno. Era assim, essa vida toda assim. Sei que nós criamos nós tudo, papai criou, mamãe nos criou tudo nessa vida, sacrificada, mas criou, graças a Deus.
P/1 – E de brincadeiras quando a senhora era criança, tinha brincadeiras? Porque trabalhava bastante, tinha brincadeira?
R – Ah, brincadeira mamãe dizia assim: “Olha, tem café pra torrar”. Papai levava pra fora. Aí nós torrávamos o café, socávamos o pó todinho, e disse: “Agora vocês podem ir brincar”. Aí nós socávamos. Aí tinha um tal de jogo de reis.
P/1 – Como era?
R – Era jogar bola. Um ficava lá, outro ficava cá. Aí ficava um tanto lá, um tanto cá. Aí jogava, aquele que queimasse, passava pra cá, era muito bonita a brincadeira. Mas a brincadeira era assim, mas não era de noite, não, era essa hora mais ou menos, mamãe já dava o grito dela pra nós irmos embora: “Já chega de brincar. Vai pra igreja”. Aí nós íamos tomar banho e ir pra igreja. Mas sempre assim, ela nos criou na igreja, graças a Deus.
P/1 – Qual igreja?
R – Católica. Igreja católica. Graças a Deus. Depois, com 18 anos eu casei.
P/1 – Mas antes ainda quando a senhora era criança.
R – Isso tudo quando eu era nova, mocinha já.
P/1 – Mas essa brincadeira de bola, como chama?
R – É queimada.
P/1 – Queimada?
R – É. Queimada.
P/1 – Essa brincadeira a senhora era criança ainda?
R – Eu era assim com uns 17 anos.
P/1 – E bem novinha assim, bem criança, antes de a senhora mudar da cidade?
R – Ah, mamãe fazia bonequinha. Mamãe fazia bonequinha de pano e botava cabelinho de milho.
P/1 – Ah, é?
R – O cabelo de milho ela botava e dizia que era o cabelo. Quando não era cabelo de milho, ela tirava um paninho preto, um paninho preto e enfiava todinho assim, e amarrava na bonequinha assim, fazia aquele cabelinho pra trás assim, aí nós brincávamos, era a nossa boneca, quando nós éramos pequenos.
P/1 – A senhora gostava dessa boneca?
R – Hein?
P/1 – A senhora gostava?
R – Ah, gostava demais. Nossa Senhora! Pintava os olhos com colorau, com urucu, e essa aí era a nossa boneca.
[TROCA DE ÁUDIO]
P/1 – [...] A senhora tinha quantos?
R – Irmão homem? Seis homens e seis mulheres.
P/1 – Olha! E para as meninas, ela fazia boneca. E para os meninos tinha alguma coisa assim?
R – Para os meninos, papai fazia carrinho.
P/1 – Ah, de quê?
R – Aqueles carrinhos de tábua. Fazia aqueles carrinhos de tábua, pregava aqueles carrinhos, botava rodinha e os meninos brincavam com aquele carrinho, puxavam aquele carrinho. Eles puxavam aquele carrinho. Assim que pai fazia. Senão fazia uma rodinha, pregava um pau aqui, pregava a rodinha assim, para os meninos empurrar aquela rodinha também, era assim.
P/1 – A senhora se lembra de alguma arte assim, de alguma coisa que os irmãos um fazia para o outro, uma brincadeira?
R – Ah, eu era muito arteira.
P/1 – É? O que a senhora aprontava?
R – Arteira eu era demais. Nossa Senhora! Mamãe matava pinto, matava galinha, né? Aí tirava o pescoço da galinha, limpava o pescoço da galinha. Quando foi um dia, papai tinha uma franga, que era uma franga linda, que a madrinha dele tinha dado a ele, aí eu falei assim: “Ah, Neuza” – falei pra minha irmã – “Neuza, essa galinha aqui não precisa limpar o pescoço dela, não. Já tá limpo”. Aí ela jogava o milho embaixo do banco, quando a galinha vinha, nós pegávamos a galinha e eu passava a faca [risos]. Cortava o pescoço. Aí outro dia foi assim... Outra vez foi assim...
P/1 – Cortou dessa que ele ganhou?
R – Não, dessa que nós cortamos, que já tava pelada, daí nós cortamos, mas era o que tinha. Porque era assim que mamãe fazia, pelava numa assadeira, né? Ah, eu aprendi. Eu era muito sem vergonha. Aí no outro dia mamãe vendia galinha pra um tal de Antônio Cadeira, lá de Piúma, vendia galinha. Quando o homem chegava lá, dava um monte de dinheiro à mamãe, nós víamos, nós éramos pequenininhas, eu e minha irmã, ela mora lá minha irmã, veio de um ano cada uma. Aí vendia milho, vendia os franguinhos, mãe vendia. Foi um dia, disse: “Neuza, vamos fazer dinheiro?”. Ela disse: “Vamos”. “Como nós vamos fazer?” “Nós vamos vender o frango para o homem”. Ela disse: “Então vamos”. Aí nós fomos. Ela abria o saco, eu pegava os pintos e botava dentro do saco [risos]. Botava aquele monte de pintinho dentro do saco. Nós fomos vender lá no Iriri. Nós morávamos era longe, uma distância longe. Aí nós vínhamos. Aí Neuza disse assim: “Vamos vender por quanto”. Eu disse: “Neuza, vamos vender por quatro e cinco. Quatro e cinco”. Um saco de frango nas costas, quatro e cinco. Encontramos com nosso avô: “Vocês vão pra onde, suas cambadas”. Eu falei assim: “Não, vovô, nós vamos vender galinha, quatro e cinco”. Aí ele falou: “Vocês vão vender galinha? Deixe-me ver as galinhas que vocês vão vender”. Aqueles pintinhos já tava piando: “piu, piu”. “Espera aí”. Aí era perto do Engenho, né? Ah, mulher, ele apanhou a vara, um bagaço de cana, veio na bunda de uma, na bunda da outra: “Quatro e cinco. Quatro e cinco. Quatro e cinco”. Até em casa [risos]. Quatro e cinco. Quatro e cinco. Até em casa, quatro e cinco, senão a gente ia apanhar, quatro e cinco. Nós chegamos chorando, aí cheguei à casa, mamãe tinha chegado da roça, mas não podia fazer nada, porque ele era o avô, era velho, aí não podia fazer nada. Mamãe falava assim: “Tadinha da minha filha, não posso fazer nada”. “O que, tio Levi, que fez com elas?” Disse: “Ah, essas sem vergonhas iam vender pinto lá no Iriri, um carro ia pegá-las lá no Iriri”. Aí nós ficamos. Aí bom. Depois que pai saiu, vovô saiu, mamãe nos “carinhou”, deu um banho em nós, esfregou... Porque a gente tava tudo lapada de coisa, que ele bateu. Bom, falei assim: “Não, Neuza, deixa”. Era meu padrinho. Avô e padrinho. “Deixa, o vovô-padrinho vai morrer”. Ela falou assim: “Quando, menina?” “Menina, quando a luz do céu acender”. Que era o relâmpago [risos]. E eu pequenininha, tinha oito anos, sete anos. E ela pequenininha, seis anos. “Quando a luz do céu acender, menina”. Quando dava trovoada, dava aquele relâmpago, nós saíamos, eu e Neuza, uma atrás da outra na carreira. Chegou lá: “Neuza, vovô-padrinho morreu”. Cheguei lá: “Cadê? Ah, Neuza, não morreu, não”. Nós saímos pra casa, vínhamos embora. Era sempre assim, mulher. Mas eu era muito teimosa, era uma coisa. Quando foi uma vez, eu tinha cinco aninhos, aí eu vi que aquele padre ir pra igreja, aquele negócio amarrado aqui, aquele cordão amarrado, aquele vestido preto, aí eu falei assim comigo, pensando comigo: “Será que esse padre usa roupa? Ou ele vai de vestido? Será que ele é mulher ou homem? Eu vou ver”. A senhora acredita? Sabe o que eu fiz? Eu fui pra igreja, eu tinha cinco aninhos, quatro pra cinco aninhos, eu era pequena, não era grande, não. Eu dei uma carreira. Dei uma carreira pra cair na beira do padre. Pra senhora ver como eu era. Corri, caí na beira dele. Ele veio: “Filhinha, filhinha, machucou, filhinha?”. Eu já com os olhos pra cima [risos] pra mirar se ele tava de calça ou tava só de vestido.
P/1 – [risos].
R – Ele: “Filhinha, filhinha, machucou?”. Aí mamãe: “Ô menina sem vergonha”. Mamãe me pegou e deu uma “sandaliada” em mim.
P/1 – E a senhora viu alguma coisa?
R – Ele tava de calça. Ele tava de vestido, mas tava de calça por baixo. Ele tava de calça. Eu lembro. Eu tinha quatro anos, mas eu lembro. Ia fazer cinco anos. Eu lembro. Aí, mulher, aí... Bom, aí eu vim pra casa, quando chegou depois, tinha esse irmão meu, ele morreu até no mar, o Jonas, ele morreu no mar.
P/1 – Como foi isso, dona Izaura?
R – Faz tempo já. Bom, ele era pequenininho, aí papai foi pra votar, minha mãe também foi pra votar, nos mandou encher a talha d’água. Nós carregamos água naquele baldinho daquele tamanho assim, aquelas latinhas de tinta. Cada um trazia uma latinha até encher uma talha grandona de água. Enchemos a talha grandona de água. Nós enchemos a talha. Quando a talha tava quase cheia, Jonas vai assim, subiu num banquinho, que tinha um mocho assim com a talha enfiada dentro. Jonas vai, subiu em cima pra ver se a talha tava cheia. Na hora que ele pegou no beiço da talha, a talha veio por cima dele, foi até que pocou tudo no chão. Pocou a talha tudo no chão e Jonas já era. Jonas pegou e coisa, e nós corremos pra esconder no mato, com medo de papai bater em nós.
P/1 – E o Jonas?
R – O Jonas? Nós viemos juntos.
P/1 – [risos].
R – Pegamos o Jonas junto. Viemos, eu, Neuza e Jonas. Fomos embora nos esconder no meio do mato. E eu sei que a nossa vida foi assim. Depois nós viemos pra cá, era sempre assim.
P/1 – E quando a mãe e o pai chegaram e viram aquilo?
R – Ah, procuravam, gritavam nós, e cadê nós? Nós estávamos quietinhos no meio do mato. Nós estávamos quietinhos. Até que mamãe veio gritando, gritando, gritando, até que nós viemos. Nós vigiamos papai ir para o mato, para a roça, e nós viemos. Era assim, mulher, nossa criação foi muito... Papai era muito honesto pra nós também.
P/1 – Era?
R – A hora que nós fazíamos o errado, ele batia mesmo, batia de gurugumba mesmo. Era vara de cipó, mas aquele cipó que tira e cortava modo a gurugumba assim, batia em nós mesmo, nos ensinava. Nós íamos pra escola, nós brigávamos na escola, ah, às vezes ele lá, a pessoa dizia a ele, ele batia mesmo. Outra vez foi esse Jonas outra vez. Aí eu já tava aqui, já tava estudando aqui já. Já tava estudando aqui, aí a professora Ilta, nós estávamos estudando, ele jogou uma pedra pra matar o passarinho, aí quebrou duas telhas da igreja. A igreja era encostada aqui com a escola assim, era uma casa. Quebrou duas telhas, aí dona Ilta falou assim: “Ele vai ficar de castigo”. Nós íamos a casa merendar na hora do recreio. Eu falei: “Professora, posso trazer uma merendinha pra Jonas?” “Não. Não pode trazer, não”. Ele ficou. Eu vim em casa, nem merendei, nem merendei, que fiquei com pena do meu irmão lá com fome. Só falei... Ia falar pra mamãe, mas mamãe não tava em casa. Aí voltei pra trás de novo. Quando chegou depois, na hora da saída, ela falou assim: “O Jonas vai ficar aqui”. Eu não sei se ela falou brincando ou se falou na verdade. Aí que eu não sei. Eu sei que ela falou. Eu falei assim: “Ah, é? Vai ficar muito. Espera aí que vai ficar. Espera aí. Vai ficar muito”. Eu apanhei a minha capanga, que era capanga assim, botei, botei... Olha, vem chegando outra filha. Peguei a capanga, botei a capanga dele dentro da minha capanga, botei uma gilete com a pontinha de fora, peguei no braço de Jonas e me mandei na carreira. E gritaram assim: “Lá vai ela levando o Jonas, professora. Corre e pega ela”. Quando correram pra me pegar, eu sentei a bolsa assim, foi no braço do rapaz e cortou o menino, deu um ranho assim. Quando ele tava acudindo o sangue, eu me mandei com o Jonas. Era moita, era tudo, nós pulávamos e nos mandávamos. Papai quando chegou de fora, aí vai uma intimação para o papai, um negócio para o papai, que eu tinha feito isso, tinha feito aquilo. Bom, eu fui e trepei assim na janela, e fiquei. E papai falando com mamãe. Eu assim, eu trepo na janela, na janela tinha um pé de mato, se ele vir em cima, eu subo em cima do pé de mato, quero ver ele me pegar [risos]. Aí fiquei, fiquei assim na janela. Daqui a pouco ele falou assim… eu falei assim: “Papai, escuta aqui, ela botou aí que ela deixou o menino sem recreio? Eu vim buscar comida em casa para o menino e ela disse que não, que Jonas não ia comer?” “Não” “Ela botou aí que eu falei que o senhor pagava a telha? Pra dar o preço da telha que o senhor pagava. Que eu vinha em casa, pedia o dinheiro à mamãe e pagava, e ela ficou quieta?” “Não” “Ela botou aí que ia deixar Jonas de castigo a noite inteira, botou ele em cima do caroço de milho, que ele ficou o tempo todo em cima do caroço de milho?” “Não” “Ela botou aí que o deixou de noite no castigo?” “Não”. Eu disse: “Pois é, o caso que aconteceu foi isso. Eu fiz isso por causa disso”. Aí ele não bateu, não.
P/1 – Não bateu?
R – Não bateu, não.
P/1 – E a mãe da senhora era brava, dona Izaura?
R – Minha mãe era brava também. Ela era um pouco meio honesta. Ela não dava colher de chá a nós também, não. Não era assim de bater de machucar, não. Ela não batia pra machucar, não. Mas ensinar, ela ensinava. Ensinar, ela ensinava bastante.
P/1 – E o que a senhora acha que aprendeu mais?
[TROCA DE ÁUDIO]
R – O que eu aprendi mais, graças a Deus, foi o que minha mãe ensinou: eu costurar, eu sei fazer remendo de roupa, me ensinou a cozinhar, me ensinou a lavar roupa, ela me ensinou, respeitar os mais velhos, tudo ela me ensinou. Respeitar os mais velhos, chamar todos de vovô, titia, tudo ela me ensinou. Isso a minha mãe me ensinou e eu devo muito obrigação a ela por isso. Ela hoje é morta, mas eu devo muita obrigação a ela. “Minha filha, não maltrate os seus filhos”. Aí, bom, depois eu casei, graças a Deus.
P/1 – E seu pai, dona Izaura, o que a senhora aprendeu mais com ele a senhora acha?
R – Tudo que minha mãe me ensinava, ele ensinava também. Era a mesma coisa. Respeitar os outros, não maltratar ninguém, respeitar assim, velho e novo como a mesma coisa, tudo. Não chatear ninguém, não xingar ninguém, não chamar ninguém de bobo, nem burro, porque isso era uma coisa feia, ele dizia pra nós. Isso aí que papai me ensinava, nunca... Veja, a mesma coisa eu digo para as minhas filhas: “Filhas, olha, quando vocês ‘coisa’, vocês não maltratem ninguém, vocês respeitem os mais velhos, embora vocês tenham razão, mas sempre não ‘coisa’, sempre vai assim humilde, porque é assim”. E assim eu criei meus filhos. Graças a Deus eu sou mãe de sete filhos... Sou mãe de oito, porque teve um casal gêmeo. Essa que chegou na moto agora é minha filha, ela era gêmea, eram dois: era Silval e Silvana, eram dois. O meninozinho morreu com 15 dias. Ela deu coqueluche. Ela deu coqueluche quando nasceu. Quando eu cheguei à casa, estavam os dois mais velhos, estavam de coqueluche. Aí ela também deu coqueluche, pegou a coqueluche. O meninozinho era muito pequenininho, ele não aguentou. Ela era mais velha, maior, tinha mais idade um pouquinho, né? Mais idade não, mais tamanho. E aí o Elizinho morreu e ela ficou. Porque quando ela tossia, que perdia o fôlego, eu metia o dedo na goela e puxava aquela baba dela, aí ela vinha assim de novo, aí foi indo até que graças a Deus ela tá aí com 30 e poucos anos já, graças a Deus.
P/1 – Mas ele não aguentou?
R – Com 15 dias de nascido ele morreu. Quinze dias de nascido o Elizinho morreu, e ela ficou. Hoje em dia graças a Deus ela é casada, é professora. Eu fui criando meus filhos no marisco, como eu contei pra senhora, contei pra ele.
P/1 – Agora nós vamos falar nisso, na pesca agora. O seu pai, a senhora falou que ele já pescava.
R – É. Pescava.
P/1 – Mas ele... O pai dele também pescava?
R – Não. O pai dele era lavrador. O pai dele nunca pescou, não.
P/1 – Sei. E seu pai começou a pescar quando? Como, assim, ele começou a pescar?
R – Ele começou a pescar aqui em Itaipava. Quando nós éramos nascidos, eu nasci no Iriri, ele veio aqui em Itaipava, aqui passear aqui, aqui ele gostou das pescarias. Que ele já pescava também lá, mas era assim, pescava, ia de manhã cedo e vinha de noite. Saía de madrugada e chegava à tardezinha ele chegava.
P/1 – Lá?
R – Lá. E aqui não. Aqui ele já dormia no mar, aí ficava cinco, seis dias, oito dias no mar. Aí ele gostou mais, que fazia um dinheiro mais para o junto, aí aonde que nós viemos pra cá, viemos morar aqui.
P/1 – E lá, quando ele pescava...
[TROCA DE ÁUDIO]
R – Aí como eu tava dizendo a senhora... Aí, bom, depois eu me casei, graças a Deus, aí fui adquirindo meus filhos.
P/1 – Então, mas a gente tava falando, a gente vai falar já, já, como a senhora conheceu o seu marido, como foi o casamento, mas antes vamos falar... A senhora tava me falando que o seu pai pescava lá. Ele pescava de que jeito lá onde a senhora nasceu?
R – Ele pescava na embarcação “mais pequena”, “mais pequena”. Ele ia, aí esse moço que tava aqui, ele era camarada dele, aí iam pescar duas, três pessoas, iam de manhã cedo, vinham de tarde. Iam de manhã cedo...
P/1 – Pescava o que lá?
R – Pescava peixe.
P/1 – Que tipo de peixe que tinha lá.
R – Era parvo, era peroá, era o peixe que ele topava. O peixe que ele topava, ele ia pescando. Pescava, depois trazia os “cambinhos” e ia vendendo.
P/1 – E como ele pescava no barco? Que tipo de pesca ele fazia?
R – É à linha.
P/1 – Linha?
R – Linha. Pegava a linha e pescava.
P/1 – A senhora disse que também aprendeu a pescar. Era também com a linha?
R – Não, pescar eu nunca pesquei, não. Não gostava de pescar, não. Papai quis ensinar a pescar, mas eu não quis, não. Porque eu não sabia pescar, não tinha paciência de botar a linha lá e ficar esperando, não.
P/1 – Mas ele ensinava a... Ele queria ensinar as meninas e os meninos?
R – Os meninos homens, ele ensinou todos eles a pescar. O marido dela ali, da Marlene ali, inclusive ele é filho dele também, filho não, é irmão meu também, ele também é pescador. Todos eles papai ensinou a pescar.
P/1 – Os filhos homens?
R – Os filhos homens.
P/1 – Mas ele queria ensinar as meninas também?
R – Não, as meninas, ele disse que menina não era pra pescar, não.
P/1 – Por quê?
R – Porque menina ele ensinou a mãe levar pra roça, pra trabalhar na roça, e os meninos pra pescar.
P/1 – E ele falava o porquê que menino é mais pra pescar? Ele dizia assim alguma coisa sobre isso?
R – Porque menina não podia ir lá ao mar naquela época. Agora já vai, tem marinheira, tem tudo, mas naquele tempo não tinha.
P/1 – E ele dizia que menina não podia pescar, ele falava por quê?
R – A época do mar era muito feroz. Porque nós podemos pescar aqui nas pedras, mas lá no mar, pescaria de pesca você sabe que é divertimento, não é pra sustentar pessoa. Pescaria de pedra não é pra sustentar ninguém, pescaria de pedra é pra divertir, mas não é pra... Todas as mulheres pescam na pedra, mas pescam pra poder divertir, poder passar o dia, quando mata os peixes, elas ficam contentes. Mas pra sustentar família, pescaria de pedra não dá, não senhora, nem pra homem, nem pra mulher. Dizer: “Olha, eu vou pescar na pedra pra sustentar a família”. “Não dá, não senhor”. “Não dá, não senhora”. Tem que enfrentar o mar mesmo. Como eles levam lá dez, oito dias, dez dias, 12 dias. Agora meus filhos levaram 16 dias no mar, lá de mar adentro. Muito bravo.
P/1 – E aquela pesca que seu pai fazia que era um dia só, também não ia mulher?
R – É porque aquele ali era fresco, ele ia por fresco, matava lá fora. Ele dizia que era fresco, que ele não podia gelar o peixe, não tinha gelo. Aí ele trazia os peixes, fazia aquelas enfiadas de peixe e ia vender. Ia vender aquelas enfiadas de peixe pra poder arrumar o dinheiro pra nos criar, nos sustentar, pra comprar aquelas coisinhas, aquele feijãozinho, arroz, feijão. E comprava pra nós, e trazia o peixe pra nós comermos. E assim mamãe foi nos criando.
P/1 – Enfiada de peixe como é? Eu acho que eu sei como é, mas pra falar para as outras pessoas.
R – Enfiada de peixe era uma linha assim, cortava um pedaço de linha assim... (pausa).
P/1 – O que é enfiada de peixe?
R – Pois é, enfiada de peixe cortava um pedaço de linha, aí enfiava de peixe em peixe, uns cinco, seis peixes, conforme o tamanho da enfiada. Aí amarrava assim o cordãozinho e saia pendurando, carregando e vendendo. Assim que eles faziam. Todos os pescadores faziam assim.
P/1 – E também nessa pesca que era mais perto, que ficava só um dia, as mulheres também não iam?
R – Não. Ficavam em casa. Ficavam trabalhando em casa. Assim, pescando, tirando sururu, em casa, não ia.
P/1 – E seus irmãos foram com ele pra... Primeiro, os irmãos homens...
R – Meus irmãos foram com papai pescar aqui. Na Itaipava aqui, porque lá eles eram tudo pequenininhos e não iam pescar, não senhora. Ficavam tudo com mamãe. Aí mamãe nos levava pra roça. Papai ia pescar e mamãe ia pra roça conosco trabalhar.
P/1 – Com que idade os filhos começaram a ir com o seu pai, seus irmãos? Mais ou menos assim, que idade que...?
R – Com 14 anos. Onze, 14 anos já iam pescar com papai. Primeiro pescava assim, no fresco, de dia e de “coisa”, depois já ia pra ficar lá. Pescava no rio também, deixava minha mãe aqui e ia trabalhar no rio. Meus irmãos iam trabalhar no rio, Ozias, Valcir, Manezinho, tudo ia trabalhar no rio.
P/1 – Eles gostavam, dona Izaura?
R – Pescaria de mar muito é perigosa. Gostar, não gostavam, não, mas era preciso trabalhar, porque tinha a mamãe, pra trazer dinheiro pra mamãe. Depois casaram, precisavam trazer dinheiro para os filhos também, para a mulher, e aí foi vivendo, foi levando assim, graças a Deus.
P/1 – Todos ficaram pescadores. O trabalho deles é pescar.
R – Todos eles pescadores. Filhos de mamãe, todos eles são pescadores.
P/1 – E a senhora falou que antes era pescar no fresco, ou pescar fresco? Eu não entendi o que é isso.
R – Pescar fresco, que eles falam, é porque não gelavam o peixe, trazia o peixe fresco.
P/1 – Por isso que tinha que ser perto?
R – É. Você ia, no mesmo dia voltava, aí trazia o peixe e não gelava. Hoje em dia eles já vão, já gelam o peixe lá fora. Já tem a tina, já tem os lugares de botar o peixe, já tem o lugar de botar o peixe também. Já é barco a motor, naquele tempo o barco era à vela, era a pano. Todos os barcos eram a panos. Aí ele levava uma tina assim com gelo, botava os peixes, aí quando passavam os dias, eles iam, não podiam levar muitos dias lá, não, senão o peixe estragava. Quando acabava o gelo, o peixe estragava, aí tinha que vir embora. Aí vendia. Tinha o senhor Biduca ali, hoje em dia ele já é morto, aí vendia pra ele, para o senhor Biduca. Aí o senhor Biduca dava o gelo também pra eles. Ele vendia o gelo pra eles. Os pescadores foram tudo assim. Aqui, esse aqui é pescador, ali tinha o senhor Renato também, que morreu, era pescador. A maior parte aqui é pescador.
P/1 – E lá, essa pesca que trazia mais peixe, ia mais longe, era com linha?
R – É com linha. Tudo com linha. Tudo com linha.
P/1 – Mas pra pescar com linha, pesca quantos peixes de uma vez?
R – Ah, aí eu não sei, não senhora.
P/1 – Cada pessoa assim, por exemplo.
R – Aí eu não sei, não senhora. Eu sei que todos eles botam linha no barco. O barco é grandão assim, botam as linhas lá, aí os peixes...
P/1 – Mais de uma?
R – É. Mais de uma. Cada um bota uma linha. Aí os peixes pegam, eles vão só puxando os peixes pra casa, pra dentro do barco. Depois tem o porão do barco...
[TROCA DE ÁUDIO]
R – Tem o porão do barco, eles gelavam o peixe no porão do barco.
P/1 – Eles iam... Lá quando ele ia mais perto, era um barco menor?
R – Era um barco menor. Agora é aquele barco maior. Agora é tudo barco grande, mas de primeiro tudo era barco pequeno. De primeiro era barco de quatro, cinco pessoas. Agora não, são barcos de oito, sete, oito pessoas agora. Mas de primeiro era barco pequeno.
P/1 – Dona Izaura, esse barco que ele ia antes, menor, era dele?
R – O de papai era.
P/1 – Mesmo aqui? Aqui também era dele?
R – Aqui era dele.
P/1 – Como ele fazia pra conseguir um barco?
R – O nome do barco era Novo Divino.
P/1 – Como?
R – Novo Divino, o nome barco.
P/1 – O daqui?
R – É. O daqui. E lá, o barco de lá do Iriri que ele trabalha chamava Ondina, o nome do barco. Era uma baleeira, não era barco grandão, não. O daqui que era grandão, era maior, mas o de lá era pequeno.
P/1 – E como ele conseguiu um barco grande assim? Que ele comprava o polvo, ele pescava o peixe mais pra vocês usarem, né?
R – Aqui, ele chegou aqui e comprou o barco. Ele comprou o barco e ia pagando com o quinto.
P/1 – Como era?
R – Vendia o peixe, o dinheiro se desse 500 reais, aí se desse 50 reais, ele tirava dez e dava para o dono do barco, que ele não era o dono ainda. Aí ia pagando, ia pagando, até acabar de pagar. Quando acabava de pagar, aí já o barco era dele, aí o dinheiro era todo dele. Tirava a parte dos camaradas, que os camaradas estavam ajudando, tirava o dinheiro dos camaradas, se desse 500 reais, como se desse 500 reais, ele tirava cem do barco, que era pra ele, e os 400 tirava a despesa do barco, assim, comida que eles gastavam, gelo, e o resto que sobrava ele repartia para os camaradas. Assim que fazia. Era sempre assim a pescaria.
P/1 – Os cem do barco eram pra pagar o barco.
R – Cem do barco, quando “coisa”, ia pagando o barco.
P/1 – E pra ele, o dinheiro que sobrava, ele pagava: uma parte ia para o barco, outra parte era despesa. Ele não ganhava mais que os outros por que o barco era dele?
R – Pois é, minha querida, já tá explicado. Vamos se fizesse 500 reais, porque naquele tempo eles não faziam 500 reais, hoje em dia que a gente fala 500 reais, mas naquele tempo era 50, era menos dinheiro, não eram 500 reais. Aí, assim, tirava aqui é o quinto do barco, tirava cem reais do barco, botava separado, agora aqui tira as despesas do barco, vamos se tirou cem de despesa do barco, aqui ficava 300 reais, vamos que tinham quatro pessoas, nessas quatro pessoas repartiam um pouco pra cada uma, aí ficava dele também junto naquela parte. E ele já tinha também a parte do barco. Ele ganhava mais porque é da parte do barco. A senhora compreendeu?
P/1 – Entendi. É que eu pensei que a parte do barco fosse pra pagar o barco.
R – Pois é, isso depois de pago, mas antes era pra pagar o barco. Dava para o dono de onde ele comprou o barco. Assim que era. Mas tinha muita despesa, era pano que rasgava, precisava consertar, era amarra, rebentava, precisava comprar amarra, era ferro, que tinham as âncoras, rebentavam. Hoje em dia é âncora também ainda, e amarra também, precisavam compra outra âncora. E era sempre assim a pescaria. E eu sei que ele me criou assim, foi criando assim, depois eu me casei...
P/1 – E os panos assim, os panos que tinham nos barcos, o que eles faziam aqui? Era tudo eles que faziam?
R – A minha mãe costurava na máquina. A minha mãe costurava os panos. As velas ela costurava. Assim que fazia, ela costurava pra um monte de barco, as velas de barco.
P/1 – A sua mãe fazia de vários, ou só do seu pai?
R – De vários barcos. Eles traziam aqui: “Dona Rosalina, a senhora pode fazer um pano pra mim?”. Ela dizia: “Eu faço sim”. Ela fazia.
P/1 – Ela vendia, ou não?
R – Eles traziam o pano e ela cobrava o valor do trabalho dela. Assim que era.
P/1 – A senhora lembra como faziam essas velas?
R – Ah, lembro.
P/1 – A senhora sabia... A senhora também ajudava a fazer?
R – Eu a ajudava ajeitar o pano na máquina.
P/1 – É?
R – Pra poder costurar. Porque ela costurava em máquina de mão, levando à mão, aí precisava juntar, a gente juntava aquele... Embolava muito pano, que era um pano grande, né? Embolava. Mas sempre era assim. A vida nossa foi assim.
P/1 – E pra cortar? Tinha cortar ou não?
R – Ah, pra cortar, eles marcavam uma linha assim, marcava a linha assim, assim, e assim, e assim, do tamanho do barco, aí cortava o pano, aquele monte de tira, botava aquele monte de tira assim, os tamanhos “mais pequenos”, tamanho maior, tamanho maior, até crescer o tamanho de cima da vela. Aí ia emendando. Emendava a vela assim no pano.
P/1 – A sua mãe que cortava também?
R – Não, quem cortava era o pescador mesmo. O dono do barco mesmo que cortava. Cortava, fazia a medida do barco. Tinha que ser a medida do barco. Se o barco tinha sete metros, tinha que fazer sete metros de comprimento do pano. Assim que fazia. Aí fazia “mais pequeno”, “mais maior”, “mais maior”, até em cima. Assim que era. Depois que abandonaram tudo, foi tudo botando motor. Botaram motor, aí as velas não serviam mais. Porque as velas eram muito perigosas, quando acabava o vento lá fora, se ficava lá fora, rola, né? Depois graças a Deus fizeram o motor, aí já ajudou mais os pescadores, mas de primeiro era assim.
P/1 – E a senhora, como começou a... A senhora já várias vezes falou que a senhora também ia pescar na pedra.
R – Pescar na pedra nós vamos.
P/1 – A primeira vez que a senhora lembra que foi pescar de algum jeito. Como foi, que a senhora lembra?
R – Quando eu era pequenininha, mamãe me levava pra tirar o marisco, depois fui crescendo, fui vendendo marisco pra ela, depois eu casei nesse tal de marisco de pedra. Casei tirando marisco de pedra. Nós embarcávamos água também para os barcos, e eu minha irmã, carregávamos água na cabeça lá de trás, eu e minha irmã, pra nós comprarmos uma roupinha pra nós. Porque papai dava, mas se nós quiséssemos comprar também alguma coisa que nós precisávamos comprar, que o pai não podia dar, nem tudo a gente pedia para o pai. Aí eu e minha irmã trabalhávamos, botávamos a água nas cabeças e botávamos... Eram uns barris, aí eu, mais minha irmã, botávamos água no barco, e muitas mulheres aqui, não era só eu, não. Muitas pessoas também carregava a mesma coisa, cada uma tinha seu barco pra carregar água. Aí nós carregávamos, eram 12 latas, eram 18 latas. Aí nós carregávamos. Era um barril de seis latas pra cozinhar, outro barril de seis latas pra eles tomarem, que era diferente a água. Sim, porque a água de beber tinha que apanhar mais longe, que era mais “coisa”, a água de cozinhar podia apanhar por aqui mesmo, que era meio salitrada, mas pra cozinhar não tinha problema. Agora, pra beber a gente ia mais longe. E eu sei que nós fomos aqui. Depois nós casamos. Eu casei, depois minha irmã casou. Aí eu conheci meu marido, graças a Deus.
P/1 – Como a senhora o conheceu? Como foi esse dia?
R – Ah, esse dia foi...
P/1 – O dia que a senhora conheceu.
R – O dia que eu o conheci, eu o achava muito bonito. Aí quando foi um dia, eu fui pescar na pedra. Fui pescar na pedra, aí quando eu joguei a linha, a linha pegou. E ele foi lá à pedra, tava ele, tava meu avô pescando, e eu fui pescar com meu avô. Meu avô tava pescando, eu também joguei a linha pra pescar. Aí quando eu joguei a linha, a linha pegou na pedra. Eu falei assim... Eu desci pra tirar a linha, aí ele tava na beira, esse que era meu marido, tava na beira, aí ele falou assim: “Não desce, não, que você vai cair. Se você cair, eu morro” [risos]. Eu disse: “Morre nada”. Eu falei: “Morre nada”. Aí ele foi, desceu, tirou a linha pra mim, e disso nós começamos. Papai quando soube que eu tava namorando-o, papai não gostou, não. Não queria que eu o namorasse, não. Aquele ali é irmão também. Papai não queria que eu o namorasse, não.
P/1 – Por quê?
R – Ah, não sei qual o assunto, que eu não sei, não senhora. Sei que papai não queria que eu o namorasse de jeito nenhum. Não é esse aí, não, o outro. Eu comecei a namorá-lo, até que nós casamos. Nós casamos, mas quando levaram nove meses de nós juntos, ele foi trabalhar no rio e lá no rio ele arrumou outra mulher mais bonita do que eu, mais nova que eu. Dessa que vai para o carnaval e se perde. É novinha de 12 anos, ele a pegou e não quis mais voltar aqui, não. Aí eu fiquei sozinha. Fiquei sozinha, lavava roupa...
P/1 – Já tinha filho?
R – Não. Tinha filho, não senhora. Eu lavava roupa pra um, lavava roupa pra outro, tirava marisquinho, e lavava roupa, e fui levando. Aí apareceu ele. Ele tava trabalhando com papai, pescava com papai. E ele, a mulher dele morreu, ele era viúvo. Ele era pai de cinco filhos. Ele era viúvo. Aí perguntou se eu queria casar com ele, mas é que eu não podia casar, porque eu já era casada. Ele podia, porque ele era viúvo, mas eu era casada. Aí eu falei assim: “Ai, Nilton, eu não posso casar com você, que eu sou casada”. Eu esperei dois anos, mas ele não apareceu. Aí um dia nós nos juntamos. Assim, não fugimos, não. Um dia assim, pelas oito horas, fui lá pra casa da mamãe. Porque eu tinha minha casa, morava aqui mesmo, aí fui lá pra casa da minha mãe, lá na casa da minha mãe, ele morava lá embaixo, aí da casa da minha mãe eu fui lá morar com ele. Nós moramos e lá nós adquirimos filhos, graças a Deus. Eu tenho oito filhos com ele, graças a Deus, e tenho muita coisa com ele. Um dia ele me bateu.
P/1 – É mesmo?
R – É. Um dia ele me bateu. Bateu-me por conta de um palito de fósforo.
P/1 – Palito?
R – É. Esse irmão que tá passando aí, que passou aí, ele tinha coisa... Ele acendeu um palito de fósforo, aí botou, aí o palito ficou assim. Ele foi e falou assim: “Izaura, minha sorte tá para o lado de cima”. Que o palito de fósforo quebrou a cabecinha. Aí ele falou assim: “Vamos ver a sua agora”. Aí ele acendeu o meu. Quando ele acendeu o meu, eu fiquei assim, caiu para o lado do mar. Ele foi e falou assim: “Izaura, sua sorte tá no mar”. Eu fui e falei assim: “É mesmo?”. Só fechei a boca, mulher. Só fechei a boca, o tapa mesmo comeu. Olha, mas me bateu de um tanto que me arroxeou todinha, me arroxeou todinha, vai lá na beira dele que foi verdade. Aí me bateu mesmo por causa de um palito de fósforo. Não foi por causa de nada, só por causa de um palito de fósforo.
P/1 – Mas eu queria entender...
[TROCA DE ÁUDIO]
R – Mas eu tenho pra mim, eu não sei, eu não sei o pensamento dele, não senhora, mas pra mim ele pensou que eu tava pensando no outro que tava no mar. Eu acho que foi isso. Que ele me bateu, só pode foi isso que ele pensou. Eu não sei, não senhora, mas eu tenho que foi isso.
[TROCA DE ÁUDIO]
R – Bom, eu só acho que ele me bateu por isso. Que ele falou que o palito de fósforo caiu para o lado do mar, que eu falei “é mesmo”, eu não sei assim na minha cabeça, mas eu pensei que ele me bateu por conta que ele pensou que eu tava pensando no outro.
P/1 – A senhora acha que ele ficou com ciúme?
R – É. Eu acho que ele ficou com ciúme. Eu lavava roupa pra um homem ali, eu lavava roupa pra um homem ali, aí chegou a mulher dele, lá de Minas, ele falou assim... De Caratinga. Aí ele falou assim: “Que é isso no seu braço? Seu roxo, tá tudo roxo”. Eu falei: “Ah, que meu marido me bateu”. Eu contei pra ele, ele disse: “Escuta, por causa de um palito de fósforo?”. Eu disse: “Por causa de um palito de fósforo”. Ele falou assim: “Tá doido, que homem nervoso”. A mulher disse: “Quer ir embora comigo? Quer ir trabalhar comigo?”. Eu disse: “Ah, eu vou”. Aí eu me mandei pra ir com ela trabalhar. Eu fui, larguei-o, ele ficou todo emburrado aí, mas eu o larguei e fui. Fui lá, levei quase dois meses lá. Lá em Caratinga.
P/1 – E os filhos?
R – Não tinha filho, não. Tinha filho, não. Depois quando eu vim, eu tinha uma irmã minha que tava passando mal, eu sonhei que ela tinha morrido. Tinha uma meninazinha que tinha nove anos, ela sabia tudinho. Ela botava a mão na gente assim, ela sabia tudinho, adivinhava. Ela tinha o dom. A menina tinha nove anos, mas ela tinha o dom, ela dizia... Se ela botasse a mão no ombro da senhora, ela dizia os problemas da senhora todinho. Era um dom que ela tinha. Nove anos que ela tinha. E a mulher que eu fui morar com ela era adventista, era crente, mas ela acreditava na menina. Aí ela foi lá, eu sonhei pra ela, contei o sonho pra ela e ela foi lá. Chegou lá ela falou assim... O nome da menina chamada Querida. “Querida, minha amiga sonhou isso, isso, isso e aquilo, sonhou que o pai dela morreu no mar, e eu quero saber de você se é verdade”. Ela pegou a mão dela e falou assim: “Dona Antonieta, isso não é o pai dela, não, mas foi outro barco que morreu lá, o pessoal morreu tudo. Quatro pessoas morreram. E a mãe dela levou a irmã dela bem mal, mas agora a irmã dela já melhorou, lá em Piúma, no médico lá em Piúma, levou para o marido dela, que era o marido dela. Mas agora tá melhor”. Mas eu não acreditei. “Ah, minha filha, que eu não acredito. Não acredito. Não acredito.” Ela falou: “Então vamos lá pra ver”. Quando eu cheguei aqui, minha mãe mais meu pai não me deixaram voltar mais com ela. Era pra nós irmos num dia e voltarmos no outro. Mas minha mais meu pai não deixaram mais. Aí ele chegou. Minha mãe falou assim: “Não vai falar com o outro, não?”. Eu falei assim: “Quem bate, esquece; mas quem apanha, não esquece, não, mãe. Eu tô lembrada ainda”. Minha mãe disse: “Minha filha, mas existe o perdão. Jesus perdoou 70 mil vezes, não foi uma vez só, não. Então você traga sua opinião, e eu não gosto de opinião, não. Vão viver junto, que Deus vai abençoar o casamento de vocês agora e vocês vão viver juntos, vocês não vão brigar mais, senhor Nilton já tomou vergonha também do que fez, agora vocês vão viver junto”. Aí nós passamos a viver junto, daí veio o primeiro filho. Aí, bom, fiquei com ele, eu queria muito uma criança, mas não tinha criança. Queria criança, mas não tinha criança.
P/1 – Quantos anos você tinha?
R – Tinha 20 anos. Nós fomos lá a Juacima uma vez, tinha uma meninazinha assim pequenininha, magrelinha a bichinha, sentada no chão, aí eu falei assim: “Dona, essa menina tá passando mal aí, essa menina a senhora não dá pra mim, não?”. Mas falei brincando com ela. Ela disse: “Não, pode levar a menina. Pode levar. É sua” “A senhora me dá mesmo?” “Dou” “Então cadê a roupinha dela?”. Disse: “Ela não tem roupa, não”.
P/1 – Era a mãe da menina?
R – Era a mãe. Eu fui e falei assim: “Ah, então eu vou vir”. Aí eu vim em casa, mamãe tinha uma menina que tinha roupinha pequena. Peguei a roupa só de mamãe, da menina, buscar a meninazinha. E trouxe a menina. Fui à casa da dona Nilce, comprei roupa pra menina, mandei costurar roupa pra menina, comprei um monte de roupinha. Quando a menina tava um ano comigo, a menina começou a andar. Um dia deu uma brotoeja brava nela, uma brotoeja braba nela. Aí me ensinaram assim: “Izaura, é bom dar um banho de... Você bota a bacia de água pra esquentar no sol e quando a água estiver quente do sol, você dá um banho nela que é bom”. Eu botei. Chegou o tio dela aqui, da menina: “Pra quê essa água?” Eu disse: “É pra dar banho na menina”. Ele falou assim... Ficou quieto, mas não falou nada, foi embora. Bom, aí eu fui, fiquei com a menina. Quando foi um dia a mãe da menina veio cá buscar a menina. A mãe da menina veio buscar a menina. Primeiro ela vinha ver a menina, se tava boa, como tava a menina, como é isso. Eu disse: “A menina tá bem, graças a Deus, tá gordinha”. Quando eu a trouxe, ela nem podia tomar injeção. O médico passou injeção pra ela, uma injeção desse tamanhozinho, uma injeção pra cálcio, ela não podia tomar, porque não tinha lugar pra picar, de tão magrinha que a bichinha era. Aí tomava no leite. Tomava injeção no leite. Quando a menina fez um ano que tava comigo, a menina já estava andando, a mãe veio buscar. Nessa hora eu desmaiei. Eu desmaiei, passei aquele maior nervoso, por causa da menina que ele levou, aí mamãe veio perto de mim, falou assim: “Minha filha, deixa levar, minha filha. Isso que você fez foi um benefício. Dá os remédios que você tá dando, dá a roupinha pra ela levar tudo, e Deus vai dar uma pra você, minha filha”. Eu disse: “Nada, mãe, não deu até agora, não dá mais nada”. Quando foi de noite, a menina levou a menina, eu ajoelhei ao pé da cama e pedi primeiramente a Deus, e depois a Nossa Senhora, que me desse um menino pra mim, uma criança pra mim, um neném pra mim. Que eu não ia achar que criança era problema, eu não ia achar ruim de criar, eu não ia achar ruim de ter, eu não ia achar ruim de nada. Só queria que Deus me desse um filho por meu, porque aí só ele que ia tirar. Só ele que tinha o poder de tirar, mais ninguém. Bom, aí fiquei. Quando chegou no segundo mês, eu já comecei a esperar. Comecei a esperar. Quando nasceu, quando nasceu, eu esperava dia dois de maio, ganhei dia dois de junho. Quando nasceu, nasceu um nenezinho com 1 quilo e 150. Um bichinho desse tamanhozinho, com 1 quilo e 150. Chorou três meses sem parar. Nasceu com um negócio na cabeça, um ovo assim na cabeça, grandão. Mandaram-me usar uma meia, que a meia puxava e melhorava. O padrinho dele não quis que o operasse, não. Dei pra batizar, não quis que o operassem, não, que disse que ia morrer, que a pele é fininha. Eu sei que ficou com três... Duraram três meses. Com três meses ele vinha, parou de chorar. Quando foi um ano e um mês, ele andou. Um ano e um mês ele andou, aquele menino pequenininho. Eu tava fazendo um bolinho, meu tio chegou aqui, lá do Iriri, chegou aqui, eu fui fazer café pra ele e bolinho. Na hora que eu tava coando o café, botei a frigideira com bolinho pra fritar, a cozinha era “imprensadinha”, o irmão passou, ele foi espiar o que tava assando, a frigideira chegou a adornar na cabeça dele. Onde a frigideira bateu, saiu o couro. Nosso pai! E pelou a cabecinha dele, eu andava com a cabecinha dele amarrada, com medo de a mosca pousar e tudo, passava remédio. E foi embora, e foi embora, eu criei meus filhos todos assim.
P/1 – E ele ficou bem?
R – Ficou bem, graças a Deus, sarou. Sintoma tem até hoje. É pelado assim até hoje, mas ele é pai dessa... Não passou uma mocinha loirinha ali? Ele é pai dela, é pai de três filhos, graças a Deus, já tem uma bisneta. Agora ele tá com uns 80 quilos. Fortão, graças a Deus. Daí pra cá eu fui adquirindo meus filhos e levando pra pedra, como eu tava contando pra eles. Amarrava num pau lá, outro cá, amarrava um saco, abria o saco, amarrava as quatro pontas, os botava dentro da redinha, levava-os. Socava a farinha bem socadinha e botava um pouquinho de açúcar dentro da farinha, e comprava o leite no senhor Nenê Dutra. O Nenê vendia leite pra mim direto, o pagava por mês. O dinheiro do sururu eu o pagava. Eu levava pra lá a farinha temperada e o leite na garrafinha. Chegava lá, levava a caçarolinha, fazia o mingau e dava pra eles comerem lá na pedra, pra eles irem comer, os outros eu dava comida. E fui levando. Fazia rede, os botava na rede. Mandava os “maiorzinhos” balançarem a rede. Quando eles estavam chorando, eu vinha cá, botava o peito dentro da rede, eles mamavam, de vez em quando estavam mamando, de vez em quando estavam no colo, metia dentro da rede. E fui criando, que eu sempre criei meus filhos todos assim.
P/1 – A senhora alimentava um de cada vez na rede?
R – Os pequenininhos. Os mais grandinhos, eu já forrava uma esteira, eles ficavam na esteira, os “maiorzinhos”.
P/1 – Quer dizer que tinha mais um na rede?
R – Ficava só o “mais pequenininho”.
P/1 – O “menorzinho”.
R – O nenezinho que eu botava na rede. Os maiores, não. Os maiores eu levava a esteira, um pano, forrava assim pra eles comerem. Forrava um pano grande, botava pra eles comerem naquele pano, botava o pratinho deles, eles comiam ali, daqui a pouco cresciam. Daqui a pouco os “maiorzinhos” balançavam os menores, e assim ia. Eu sei que eu criei meus filhos todinhos no marisco mesmo.
P/1 – E aconteceu alguma vez alguma coisa que a senhora lembra até hoje com eles? Assim, perto da pedra?
R – Nada. Nunca aconteceu. Aconteceu só um... Uma vez o menino, um menino meu, o Ricardo, eu tava de resguardo do mais caçulinha, do mais pequenininho...
[TROCA DE ÁUDIO]
P/1 – Só conta o que aconteceu uma vez com o Ricardo.
R – O Ricardo tinha quatro anos, aí tinha minha irmã, aquela que passou aqui, que pensou que era até minha filha, nós fomos tudo à pedra, eu tava com 40 dias de resguardo, do mais caçulinha meu. Nós fomos lá, nós apanhamos a garrafinha com mamãe de água mineral pra levar pra pedra. Chegamos lá, nós fomos tirar o caldo de sururu, cozinhar com eles ali, com as crianças tudo ali, aí mamãe falou assim: “Olha, cuidado pra ele não botar água na geladeira”. Eu disse: “Ih, mãe, pode deixar que eu não vou perdê-lo, não”. Na hora que a onda veio, o mar veio, o pessoal foi tudo tomar banho, tudo tomando banho. Na hora que a onda veio, o mar levou o Ricardo. O mar levou o Ricardo, aí essa Maura, essa irmã minha, falou assim: “Alá”. Quando falou “alá”, aí o mar o carregou. Vou dizer a senhora que eu pulei uma pedra, que eu nem vi como eu pulei a pedra, eu tava operada.
P/1 – Nossa!
R – Tinha que fazer ligação, aí liguei nesse Denilton. Pulei pra apanhar o Ricardo, aí nada. Meu marido nadou também, que ele nada bastante. Tinha minha cunhada Rosângela, ela tava tomando banho também, aí a Rosângela veio, quando ele afundou a primeira vez, afundou assim, quando na terceira vez, a Rosângela agarrou nos braços dele. Aí o trouxe, eu deixei neném, deixei criança, deixei tudo, botei-o nas costas e me mandei. De resguardo, 40 dias de resguardo. E me mandei. E me mandei, aí graças a Deus que meu compadre Clóvis, ele era vivo, ele tratou dele e graças a Deus ele ficou bom. E esse Ricardo também, quando eu tava pra ganhá-lo, no dia que eu tava pra ganhá-lo deu um temporal, mas um temporal feio. Um temporal. A minha casa era tudo de estuque, de barro, barreada. Aí tinha caído um bocado de barro, despregado as tábuas. Aí eu fui para o hospital, meu marido ficou aqui. Meu marido ficou aqui com as crianças, e eu fiquei preocupada lá com medo das coisas. Na hora acabou a energia no hospital, aí eu comecei a passar mal, na hora que eu o ganhei já não tinha mais por de si, eu já tava assim... Não tava nem em mim mais, não. Mãe falou assim... A enfermeira falou: “Vê, mãe, tão bonitinho seu filho. Vê que coisa linda”. Eu falei: “Ai ai” “Ah, é? A senhora não tá ligando, então eu vou dar para os outros”. Eu falei assim: “Ai ai”. Quando chegou no outro dia, minha mãe foi lá, falou assim: “A mãe tá doida, mas a avó tá aqui com dois braços pra criar”. Eu dei a criança. “Cadê?”. Aí o homem brigou comigo. Eu disse: “Não, mãe, não dei ninguém, nada não”. Aí passou. Com 11 dias dele, com 11 dias que eu tava de resguardo dele, veio minha sobrinha me convidar para o casamento dela, foi dona Alzira. Eu ia para o casamento. Disse: “Olha, até lá, se correr tudo bem, eu vou”. Sei que quando ela saiu, entrou uma cobra dentro de casa. E eu: “Mata a cobra. Mata a cobra. Mata a cobra”. E a cobra dentro de casa, e eu mandando matar a cobra, segurando naqueles paus, naquelas paredes: “Mata a cobra”. Só sei que mataram a cobra. Mataram a cobra, aí eu fui e fiquei. Fiquei. Quando chegou depois, porque deram quatro horas, umas três, quatro horas...
P/1 – Quem matou?
R – Quem matou foi meu marido. A senhora acredita? Começou a moda de um arrepio subindo em cima de mim, uma coisa ruim, e eu fui a modo que eu tava desmaiando, não tava enxergando mais nada, não. Eu passei a mão no menino, falei: “Meu ‘véi’, eu não tô boa, não. Eu não tô boa, não” “O que você tem?” “Ah, não sei”. Peguei o menino, sei que... A casa da mamãe é ali, aquela casa azul ali. Cheguei à casa da mamãe, joguei o menino no braço dela e: “Mamãe, eu não tô boa”. Aí mamãe disse: “O quê, minha filha, que você tem?” “Ah, não sei”. Eu sei, mulher, que daqui a pouco sumiu tudo, não ficou nada em mim, eu não enxergava nada. Escutava a senhora falar, mas não sabia onde a senhora estava. Escutava, tinha o sentido falando assim, mas não sabia onde estava mais. E eu queria subir nas paredes, subir nas paredes, aí chamaram um carro pra ir, um não tinha gasolina, outro não tinha não sei o quê, outro não tinha não sei o quê, até que arrumou um que me levou. Fui lá pra vila, fiquei lá na vila até umas 11 horas da noite, depois vinha da vila.
P/1 – Mas foi num hospital?
R – Era no hospital. Quando eu passei mal, eu passei em casa. Eu cheguei da vila, no outro dia, mamãe me levou de novo, aí o médico falou assim: “Olha, manda dar bastante de mamar ao neném, que ela vai ficar desacordada”. Vim cá, dei banho no menino, dei de mamar, mas foi o mesmo que nada. Todo dia mamãe ia pra lá e pra cá comigo. Todo dia. Quando foi um dia, passamos na farmácia, mamãe falou assim: “Olha, seu Clóvis, vou levá-la, que ela tá passando mal” “E como foi o estado dela?”. Aí contou pra ele, né? Ele disse: “Ah, o problema dela é nervo. O problema dela é tudo nervo. Quando dá cobra, ela passou a ter problema de nervo”. Ele me deu o remédio e graças a Deus eu melhorei. Mas assim, quando eu me molho, eu fico toda roxa, a mão, o beiço, tudo roxo. E quando eu ponho raiva também, fico toda roxa. Não posso tomar raiva. Não posso ver briga nem de cachorro. O cachorro começa a brigar, eu cato assim correndo. Se uma criança começar a discutir, ou uma pessoa qualquer, eu vou saindo de fininho, que eu não posso ver briga, não. Não posso ver discussão, não. E nisso eu passei a sofrer do coração. O problema da angina começou foi nisso. Começou o problema da angina, foi isso aí que começou o problema da angina, que eu passei mal. Quando foi um dia eu passei mal, fui para o hospital, aí no hospital... Aí o médico falou assim: “Ela tem que ser operada de vesícula”. Eu já fui preparada pra operar de vesícula, daí cunha pra vila. Chegou lá, tava tudo preparado para o médico me operar. Chegou lá, o médico falou assim: “Você já fez todos os exames?”. Falei: “Não, senhor. Não fiz exame nenhum, não” “E como manda operar sem exame?”. Ele foi fazer o exame, não deu vesícula, que o médico passou, deu coração, a angina.
P/1 – Ah, sim.
R – Foi onde que eu culminei com remédio de angina.
P/1 – Agora a senhora trata da angina?
R – Aí de primeiro...
[TROCA DE ÁUDIO]
P/1 – Então agora a senhora trata da angina?
R – Agora eu trato da angina, tomo remédio direto. Depois veio osteoporose. Veio osteoporose. Assim, os primeiros dias que eu ia no barco pra tirar sururu, me chamavam pra ir no barco: “Ah, tenho medo. Não vou, não”. Quando foi um dia, eu ia. Mas quando vinha a onda, eu deitava no fundo do barco, de tanto medo. Depois eu pedi assim: “Ai meu Deus, minha Nossa Senhora, me dá uma fé. Que eu tenha fé, que eu tenha fé em Deus que não vou mais ter esse medo”. Que eu não vou ter mais esse medo. Quando foi um dia, fui para o mar. Tirei o marisco, quando chegamos, chegamos lá matinho. Chegamos lá, eu vim da pedra, fui com... Primeiro pra tirar o sururu, ia com aquele evangelista e com Luzia. A Luzia nos levava no barco. Direto nos levava no barco. Quando foi um dia, ela até tirou a roupa dela, tirou a blusa dela pra me dar, pra eu vestir, de tremendo que eu tava ela tirou a blusa dela, me deu a blusa dela pra eu vestir, de tão tremendo que eu vim. De tanto eu pedir a Deus, primeiramente pra tirar esse medo meu, esse nervoso meu, que agora graças a Deus eu já sou outra mulher. Já não tremo mais, não, mas sempre eu vou de blusa, mas não tremo como eu tremia, mais não. E por aí minha vida foi sempre assim marisqueira mesmo.
P/1 – Quantos netos a senhora tem?
R – Eu tenho, meu mesmo, cinco netos.
P/1 – Cinco netos. Meninos e meninas?
R – É. Menina, tem três meninas. Não... É. Três meninas e dois netos.
P/1 – Que idade tem os meninos?
R – Olha, o meu mais velho, o meu neto mais velho tem 20 anos.
P/1 – E o mais novo ou a mais nova?
R – Aí tem a outra com 18, tem uma com 16, tem outra com quatro aninhos, que é filha dessa que tava aqui, e tem outra com um aninho. E tem uma bisnetinha com 11 meses. Minha bisneta é coisa linda.
P/1 – Dona Izaura, a gente vai falar um pouquinho da pesca agora. Mas a senhora, tá? Na pesca. Que a senhora contou bastante do seu pai. A senhora disse que no barco mesmo as meninas não iam.
R – Não.
P/1 – Então conta como a senhora começou a pescar, ou na pedra com linha, conta assim como foi desde o começo.
R – Não, na pedra com a cavadeira. A gente levava cavadeira pra tirar o sururu.
P/1 – Como era?
R – Levava o cavador pra tirar o sururu, a cavadeira, levava o saco.
P/1 – Marisco e sururu é a mesma coisa?
R – Marisco e sururu é a mesma coisa. Tanto faz o marisco, como o sururu, é a mesma coisa. E eu fui criando meus filhos tudo assim.
P/1 – Quando a senhora começou a... A primeira vez que a senhora foi tirar marisco, a senhora lembra? Que época que era? Se a senhora era criança, se a senhora era...
R – Não, quando eu era criança, eu tirava marisco com a minha mãe. Cresci no marisco. Cresci no marisco. Cresci, casei, tudo tirando marisco, sururu. Quando não era roça, era marisco. Quando não era roça, era marisco. Fui sempre assim. Depois, quando eu criei meus filhos...
P/1 – Como ela ensinou a senhora a... A senhora lembra como começou? A primeira vez, ou as primeiras vezes, a senhora lembra como era? Ela ensinou pra senhora?
R – Lembro. Ela levava a cavadeira e falava: “Minha filha, é assim que tira. É assim, mas na hora que a onda vir, minha filha, firma o cavador. “Firma o cavador pra onda não te derrubar”. E foi sempre assim, a gente tirava, jogava pra cima da pedra, depois botava no balde, botava dentro do saco e vinha embora.
P/1 – Que idade... A senhora lembra?
R – Nessa idade que eu ia com mamãe tirar marisco, eu já tinha 14 anos.
P/1 – Antes disso não?
R – Antes disso eu ia pra ajudá-la “despinicar”. Debulhar o sururu.
P/1 – O que é “despinicar”?
R – É debulhar. Descascá-lo. Descascá-lo. Depois, com a idade de 13, 14 anos, já enfrentei o cavador.
P/1 – As crianças na época só ajudavam a limpar?
R – É. As crianças ajudavam a limpar. Minhas crianças tudo ajudavam a limpar. Tirava: “Minha filha, é assim que tira”. Dava uma canequinha pra cada um, um copinho cada um, uma vasilhinha só: “Aquele que encher primeiro, a mamãe vai gostar mais, hein”. Aí a mamãe vai dar bala”. Aí eles enchiam depressa pra ganhar bala.
P/1 – Limpando?
R – É. Quando eles cresceram, quando eles cresceram já na idade assim, de oito anos, dez anos, eles faziam que nem eu. Eu “despinicava” o marisco, eles saíam vender os pratinhos. Saíam com os pratinhos vendendo, todas elas. Elas e os meninos também, cada um com os pratinhos vendendo. Iam até Itaoca vendendo aqueles pratinhos de sururu, todos eles iam vender. Tanto fazia Francisco, como Ricardo, Fernando, tudo vendia sururu.
P/1 – Eles... O dinheiro eles davam pra senhora?
R – A Penha, a Vica... A Penha, a Vica, a Nilta. Ah, as crianças vendiam o sururu, o dinheiro era meu. Aí tinha aqueles docinhos assim, eu dava dinheiro pra eles comprarem docinho. Eles compravam docinho, vinham tudo contente.
P/1 – E eles gostavam de fazer isso?
R – Gostavam.
P/1 – Todos?
R – Todos.
P/1 – Ou tinha um ou outro que...
R – Não. Não tinha, não. Todos eles gostavam. Eles gostavam de vender o marisco. Eles me ajudavam a “despinicar”, debulhar os marisquinhos, depois lavava bem...
P/1 – É “despinicar”?
R – É. “Despinicar”, debulhar, é tudo a mesma coisa. Aí eles botavam nas vasilhinhas, nos pratinhos, saíam tudo vendendo. Tudo vendendo. Todos eles meus vendiam sururu. Todos eles vendiam sururu.
P/1 – E escavar, a senhora ensinou pra algum?
R – Ensinei pra todos eles.
P/1 – Que idade assim, a senhora começou a ensinar? Que idade eles tinham?
R – Olha, ele começou a pescar, com 12 anos meu filho mais velho já começou a pescar.
P/1 – Mas não marisco.
R – Não marisco, pescando no mar. Depois eles vinham, aí eu dizia: “Vamos tirar marisco com mamãe hoje?” “Ah, mamãe, vamos tirar”. Chegava lá, dava a cavadeira a eles, eles cutucavam o sururu também. Com idade de 15 anos, 16 anos, todos eles tiravam sururu. Graças a Deus a minha vida foi sempre assim.
P/1 – Agora, a senhora assim, pescar com a linha, de vez em quando a senhora pescava?
R – Não.
P/1 – Que a senhora falou. Nunca? Nunca?
R – Só pesquei naquela vez que meu avô tava lá, que eu arrumei esse casamento. Depois não pesquei mais, não.
P/1 – Nunca outra vez?
R – Não gostei de pescar, não. Gostava de pescar, mas não tenho paciência de botar a linha lá, ficar esperando o tempo todo não.
P/1 – E marisco, a senhora gosta ou só faz porque...
R – Ah, não, marisco eu gosto de tirar marisco. Tanto gosto de tirar, como gosto de “despinicar”, como gosto de cozinhar, tudo eu gosto. Gosto de vender também, tudo eu gosto. Boto na sacolinha, saio por aí vendendo a um e outro.
P/1 – Mas o que... Qual é a sensação? Por que a senhora gosta tanto?
R – Hein?
P/1 – Qual é a sensação? Por que a senhora gosta tanto?
R – Porque assim, no momento... Eu gosto do marisco porque uma que eu criei meus filhos tudo com marisco. Botei-os na escola com dinheiro do marisco. Botei aqui na escola, depois tirei daqui, botei lá no Leopoldino, lá na vila. Botei lá pra estudar, as meninas, todas elas pra estudar lá. Os meninos não estudaram, não. Os meninos estudaram aqui. As meninas estudaram lá. Então botava pra estudar lá. Quando eu tinha dinheiro, eu ia lá pagar o dinheiro a eles. Pagava o dinheiro que era cobrado, eu pagava. Quando eu não tinha o dinheiro, eu não ficava sem ir lá, não, eu ia lá do mesmo jeito, eu falei assim: “Olha, eu vim cá falar com o senhor, para o senhor me desculpar, mas eu não pude trazer o dinheiro ao senhor hoje, que a maré, não deu maré boa pra tirar marisco, eu não fiz meu dinheiro pra tirar marisco, meu marido tá trabalhando, mas também não recebeu”. Que depois ele passou a trabalhar... Quando eu casei com esse aqui, ele começou a trabalhar na prefeitura. “Ele não recebeu ainda, tá atrasado o pagamento, então eu vim cá falar com vocês. Eu vou deixar as meninas sem vir pra escola, ou o senhor vê o que o senhor faz comigo aí”. Ele falou: “Não, pode mandar as crianças pra escola, é assim que eu gosto, eu gosto quando vem avisar, porque a pessoa pensa que não paga porque não quer ou porque é outra coisa. Então a pessoa vindo avisar, é uma boa. São duas coisas que eu gosto que a senhora avise: quando a senhora não puder pagar, a senhora vir avisar; e também quando as crianças estiverem doentes, que faltar à aula, a senhora não deixe de avisar, não. Porque às vezes todo mundo falta, eu botei outro no lugar pensando que as crianças tão boas e não querem estudar”. Eu disse: “Não, senhor, pode deixar que eu venho avisar”.
P/1 – É escola particular?
R – Era particular.
P/1 – Católica, ou não?
R – É católica, minha senhora. Meus filhos todos são católicos. Eu tenho uma que é ministra da palavra. Essa aqui que tá aqui, não, a outra, é ministra da palavra.
P/1 – Mas todos os filhos estudaram nessa escola?
R – As meninas, só.
P/1 – Os outros a senhora falou que estudaram aqui.
R – Os outros estudaram aqui.
P/1 – Estudaram em escola pública.
R – Estudaram na escola pública. Os meninos estudaram na escola pública. Só as meninas que foram pagas.
P/1 – Agora voltando aos mariscos. A senhora disse que gosta porque com marisco a senhora conseguiu...
R – Eu gosto do marisco, do sururu, porque foi com eles que eu criei meu filho, com eles que eu vivi, graças a Deus, e tenho minha honra por isso, de criar meus filhos, educar meus filhos, tudo no marisco, por isso eu tenho minha honra, graças a Deus.
P/1 – Dona Izaura, e...
[TROCA DE ÁUDIO]
P/1 – Agora, a senhora ensinou todos os seus filhos. Do jeito que a senhora aprendeu, a senhora ensinou para os seus filhos a também tirar o marisco, “despinicar” o marisco.
R – “Despinicar”, vender.
P/1 – E eles? Algum deles continuou com esse trabalho até hoje?
R – Os meus meninos, as minhas meninas, elas são professoras, mas se a senhora der uma cavadeira a elas, todas elas sabem tirar sururu. Todas elas sabem tirar, sabem “despinicar”, sabem tudo que precisar. Os meus meninos também a mesma coisa. Todos eles foram criados no marisco, todos eles tiram marisco mesmo. O Ricardo, o Fernando. O Fernando é mais pra “despinicar”. Agora, o Ricardo e o Denilton... O Denilton também gosta mais de “despinicar”. Agora, o Ricardo e o Francisco, ah, esses são... É só eu chegar, logo: “Mamãe, cadê? Vamos tirar marisco?” “Vamos embora, meu filho”.
P/1 – Isso que eu ia perguntar. As meninas são professoras?
R – São professoras.
P/1 – E os homens?
R – São pescadores.
P/1 – Mas outro tipo de pesca? Mas ainda gostam de tirar marisco?
R – É. Pescar na linha. Pescar na linha. Mas eles gostam de tirar marisco. E as minhas meninas também, todas elas. Quando são férias delas: “Ah, mamãe, eu vou tirar marisco com a senhora”. Vêm todas elas tirar. Quando chega assim, como essa agora chegou mais cedo, que eu to aqui “despinicando” marisco, todas elas sentam aqui ajudando a “despinicar” marisco. Ah, não é porque são professoras, não tem negócio de unha, não, mete a mão mesmo no marisco mesmo.
P/1 – E elas falam alguma coisa: “Ah, eu gosto”. Por quê? Mas elas falam assim, por que elas gostam ainda?
R – Elas gostam. Elas gostam, porque foram criadas nisso. Desde pequena que eu dei esse ensino a elas no marisco. E trabalhar em roça nunca foram, não. Minhas meninas não foram criadas na roça, não senhora. Porque depois que eu casei, não fui criada em roça. Eu fui muito à roça quando era solteira. Agora depois de casada, meu marido pega lote pra limpar, pra campinar lote, eu vou capinar com ele. O lote que ele tá carpindo, eu capino com ele mesmo. Aí eu vou capinar com ele. Mas elas já não foram criadas na roça, não senhora. Elas foram criadas no marisco.
P/1 – No marisco.
R – Mas dá uma cavadeira a elas, elas sabem direitinho. Pegar um saco de marisco, botar nas costas, embarcar num barco pra ir tirar marisco, todas elas.
P/1 – E aí quando... As pedras são mais próximas da praia, mas vocês também vão a pedras mais longe?
R – Vamos. Nós vamos de barco.
P/1 – E sempre foi assim?
R – Nós vamos lá à Ilha dos Franceses, vamos lá à Pitinga, tudo é lugar que nós vamos pescar.
P/1 – Quem leva?
R – Hein?
P/1 – E quem leva no barco?
R – Ah, cada vez nós arrumamos um pescador pra nos levar, um barco pra nos levar. Nós os pagamos pra nos levar.
P/1 – A maioria é mulher que vai?
R – É tudo mulher.
P/1 – A senhora ainda vive do marisco? Ganha com o marisco?
R – É tudo mulher. E os homens vão pra puxar as âncoras, mas nós também puxamos.
P/1 – Âncora? Do barco?
R – É. Os ferros. Os ferros do barco.
P/1 – Sei.
R – Nós também puxamos.
P/2 – Dona Izaura, posso pedir pra senhora repetir uma coisa aqui? Aquela hora que a senhora falou que as suas filhas não são marisqueiras, elas são professoras, mas elas sabem tirar marisco.
R – Todas elas eram marisqueiras, mas depois que elas estudaram, agora são professoras. Mas se der uma cavadeira a elas, qualquer uma tira sururu, todas elas. Todas elas tiram sururu e me ajudam bastante no sururu. Hoje elas são professoras, mas elas me ajudam bastante no sururu.
P/1 – A senhora ainda vive, ganha dinheiro com o marisco?
R – Ganho bastante dinheiro com marisco.
P/1 – É o seu trabalho ainda?
R – O meu trabalho é o sururu. Eu adoro esse serviço. Eu adoro marisco.
P/1 – Não é assim... Era isso que eu queria entender, a senhora agora faz só quando quer fazer, ou ainda é um trabalho que a senhora...
R – É um trabalho que eu gosto.
P/1 – Quantas vezes por semana assim...
R – Olha, dando maré, todos os dias, menos domingo, que nós não vamos à pedra. Mas dando maré, todos os dias.
P/1 – E o que é “dar maré”, dona Izaura?
R – Dar maré, minha querida, é quando a lua... Vai por lua. Quando a lua tá cheia, dá maré boa. Quando a lua é nova, também dá maré boa de manhã. Já quando é quarto minguante, já dá maré “mais ruim”, é maré morta, já é mais tarde a maré. Mas a gente vai assim mesmo, não pode tirar o muito, tira o pouco. Agora, quando a maré é de manhã cedinho, a gente vai lá e tira uma porção. Vai de barco, arruma um barco, a gente vai lá, tira uns seis, sete, oito saco cada uma, cada uma mulher, aí carrega tudinho, tem os fogões ali, a gente vai cozinhando nos fogões e leva até à noite. Tem vez que vai até à noite cozinhando o marisco. Depois faz os pacotinhos tudo de quilo em quilo, aí quando não sai vendendo, bota na geladeira, no freezer, pra ir vender depois.
P/1 – Porque cozinha pra vender.
R – Cozinha.
P/1 – Agora, o que é maré ruim?
[TROCA DE ÁUDIO]
R – A maré que é “mais ruim” pra nós é a minguante.
P/1 – Mas o que acontece com o mar quando é assim?
R – Ah, quando o mar tá muito agitado, que vem o vento do sul, aí o sururu emagrece, aí a gente não pode tirar, que o mar fica agitado, aí nem com lua boa, nem sem lua nós podemos tirar. Nem quando tá lua boa, nem quando tá ruim, não pode tirar, que o mar tá muito bravo, aí não pode tirar, que também emagrece o sururu.
P/1 – O que é emagrecer o sururu?
R – Emagrecer, porque ele fica que nem a água. Quando ele tá gordo, o branco que é branco, ele tá branquinho; e o vermelho, ele fica vermelhinho também. E quando ele emagrece, a senhora não diferencia o sururu branco, nem o vermelho, ele fica tudo preto, fica roxo. A senhora o cozinha, ele fica roxo, ele fica um sururu roxo, ele não fica vermelhinho. E quando ele tá gordo, ele fica igual uma pelotinha, gordinha, igual uma pitanguinha.
P/1 – E o mar agitado... Quero ver se eu entendi. O mar agitado o deixa magro?
R – Emagrece o sururu. Que ele bate muito, aí emagrece. E quando tá o mar manso, aí ele vai engordando.
P/1 – E a lua?
R – A lua melhor é a lua cheia. Depois da lua cheia, é a lua nova.
P/1 – O que acontece com o mar na lua cheia que é bom?
R – É porque a maré vai lá embaixo. Seca bastante. Mas vai lá embaixo, aí dá pra senhora tirar bastante.
P/1 – Que horas do dia?
R – De lua cheia é de manhã cedo.
P/1 – E na nova?
R – É de manhã cedo também.
P/1 – E também o mar vai lá embaixo?
R – Vai lá embaixo também. Já a minguante e o quarto crescente já não são tão boas.
P/1 – O que acontece com o mar?
R – Seca a maré, mas não seca assim, uma maré boa pra tirar marisco. Sempre fica o mar meio agitado. E o dia da lua também não é muito bom tirar marisco, não.
P/1 – O dia da lua?
R – É.
P/1 – Como é o dia da lua?
R – Por exemplo, hoje a lua vai ser dia 24, hoje a senhora vai tirar a primeira maré, 21. Aí a senhora tira 21, 22, 23 já é maré boa ainda, já no 24 já o mar começa a ficar mazebo por conta da lua. Passou o 24 da lua, o dia da lua, já no outro dia a maré já tá boa. Também tem um perau também, tem dia que a senhora vai lá, o marisco tá bom, a maré tá gorda, o sururu tá gordo pra valer, a senhora hoje diz: “Ah, eu vou deixar o outro, amanhã eu vou tirar mais. Chega maré, amanhã eu vou tirar mais”. Chega amanhã, o marisco tá igual uma água. Emagrece de um dia para o outro.
P/1 – Mas o que é isso?
R – Ah, não sei. Aí que eu não...
P/1 – Vocês chamam o quê, isso?
R – Emagrece.
P/1 – Não, mas a senhora falou: “Às vezes acontece...”. Tem um nome essa história que acontece de repente de um dia para o outro?
R – Não, a gente vai lá, diz assim: “Vamos tirar marisco tudo hoje”. Aí eles falam assim: “Não, vamos tirar amanhã, deixa o resto pra tirar amanhã. A amanhã nós tiramos”. Aí diz: “Vamos tirar hoje. O que pode fazer hoje, não pode fazer amanhã” “Não, vamos tirar amanhã”. Meu marido sempre fala assim: “Vamos tirar amanhã”. Digo: “Então deixa. Amanhã nós vamos tirar”. Quando chega amanhã, o marisco tava tudo magro. Tem dia que tá gordo, tem dia que emagreceu tudo. Aí leva uma semana, duas semanas, três semanas sem poder tirar, porque o marisco emagreceu. E é assim. A vida da marisqueira é assim. Todas nós somos marisqueiras, nós trabalhamos por lua, nós trabalhamos com cavadeira, nós trabalhamos com luva nos dedos, nas mãos, pra não cortar.
P/1 – Antes não tinha luva. Antes não era luva.
R – Antes não tinha luva, não senhora. Era só o cavador mesmo. Antes não tinha luva, mas agora tem a luva pra gente não machucar o pé, a mão.
P/1 – Quem orientou pra pôr luva? Como que começaram a usar luva?
R – Essas pesquisas que tem como aí, como essas pesquisas que vocês estão fazendo assim, e falou que é bom a gente usar uma luva pra não machucar a mão. Aí começou a fabricar as luvas, a gente começou a usar as luvas. De primeiro era só sem a luva.
P/1 – E descalça?
R – Descalça nunca pode tirar não. Eles gostam de usar tênis, sapato pra poder tirar, pra não “coisa”. Mas eu não uso sapato, não, que eu tenho medo de cair com sapato.
P/1 – A senhora até hoje é descalça?
R – É de sandália. Descalça ninguém pode tirar, não senhora, que a ostra corta o pé.
P/1 – Nunca tirou descalça?
R – Não. Nunca tirei descalça, que a ostra corta o pé da gente.
P/1 – E tem alguma, assim, um saber pra não escorregar na pedra? Eu vou lá, o que a senhora teria que me dizer pra...
R – Pra senhora não pisar em cima do limo, que o limo escorrega. A pedra quando tá lisa assim, a senhora não pode pisar, que o limo escorrega. E tirar com facilidade de o mar não derrubar, e quando vir a onda, a senhora pega a cavadeira e escora na pedra, e a senhora firma nele em cima sem mudar o pé, que se mudar o pé, a onda tira. Tem de firmar o pé e firmar firme ali, aí a onda passa, tem umas que derrubam, tem umas que não derrubam, não. E é assim.
P/1 – A senhora já passou algum susto desses?
R – Ah, já caí umas três vezes na pedra.
P/1 – E aí?
R – Mas eu caio, de repente o pessoal já dá o pau da cavadeira, me põe e traz pra cima.
P/1 – Mas machuca?
R – Ah, corta, arranha. Quando ela arranha, dói pra caramba.
P/1 – Mas na água mesmo, no mar, nunca caiu?
R – Não. Dentro do mar não. Caí assim, na beira do mar, mas logo eles trazem logo. Alá, minha bisneta tá ali, olha. Passou ali.
P/1 – E pra tratar do... “Despinicar” o marisco é só com a mão direto?
R – É só com a mão.
P/1 – Não usa nada?
R – Não, é só com a mão. Sem luva, sem nada. Tira a luva.
P/1 – E quem começou assim... Fizeram pesquisa, começaram a falar pra usar luva, mas quem são...
R – Assim, quando eles iam à reunião assim...
P/1 – Onde são essas reuniões?
R – Quando a gente tinha reunião assim lá em Piúma, quando tinha assim, falavam que era bom usar a luva pra não machucar as mãos.
P/1 – Quem chama pra essas reuniões?
R – É sempre senhor Lili as pessoas, que sempre chamam a gente. Aí vai aquele monte de mulher pra reunião.
P/1 – E eles são da onde, essas pessoas?
R – Eles vêm de fora, vêm de Brasília, vêm dos lugares longes pra fazer reunião com a gente.
P/1 – Sei. E agora, de quando a senhora... Desde sempre trabalhou, vendeu, viveu do marisco, tá diferente de agora pra viver do marisco?
R – Tá não. Tá a mesma coisa. Só que de primeiro quase o marisco não tinha valor, e agora tem mais valor. Que de primeiro eu entregava ali para o Lúcio ali, ele vendia a 3,50, 1,50 o quilo. Mais 1,50 o quilo. Vendia um monte 1,50, um real o quilo. Aí junta aquele monte de marisqueira tudo vendendo para o Lúcio.
P/1 – Sei.
R – Tudo vendia para o Lúcio 1,50. Todo mundo vendia.
P/1 – O que ele fazia com isso?
R – Ele mandava fazer transporte.
P/1 – Entendi.
R – Mandava pra longe. Vender pra longe. Nós vendíamos tudo pra ele. Mas depois foi subindo o preço, depois juntou muito fiscal lá, muita coisa, ele também parou de comprar, porque não podia... Lutou com o peixe só, largou o sururu. Aí nós começamos a vender pra um e outro.
P/1 – E o que a senhora acha que aconteceu para o preço aumentar?
R – Porque as coisas vão subindo, tem que subir também o marisco. Se não subir o marisco, como vai fazer?
P/1 – [risos].
R – Não é, não?
P/1 – É verdade.
R – Quando eles vêm comprar marisco aqui: “Ah, dona Izaura, tá muito caro o sururu, dez reais o quilo”. Aí eu falei assim: “Meu filho, tudo hoje em dia tá caro. Se você vai comprar um peixe, o peixe tá danado de caro. Não tá caro o peixe? Os pescadores que levam um monte de tempo lá fora, quando chegam a terra, vão vender o peixe pouco mais ou nada, mas pra quem compra, o peixe pra quem vai comprar na... Quando a gente vai comprar um quilo de peixe é um absurdo medonho, eles cobram um absurdo da gente. Agora, se a gente não der valor no que é da gente, como a gente vai comprar as coisas?”. Eu falo com eles. Falo assim: “A luz é um absurdo de caro. A água é danada de cara. Tudo a gente tem que comprar hoje em dia”.
[TROCA DE ÁUDIO]
P/1 – A senhora tava dizendo que o sururu ficou mais caro agora...
R – A gente vende mais caro agora, porque as coisas...
P/1 – Aí a senhora vende pra quem agora?
R – As coisas tudo encareceram, né? Vendo pra quem aparecer na porta pra comprar. Aquele que aparecer vai levando.
P/1 – Agora a senhora não leva mais, as pessoas que vêm?
R – A gente leva ainda. A gente leva nas casas das pessoas ainda, mas eles também vêm comprar aqui na porta.
P/1 – E a senhora leva pra vender em que casas assim?
R – Por aí tudo.
P/1 – A senhora leva onde já sabe que compra?
R – A gente leva nas casas, pergunta. “Ah, hoje eu não quero, não. Amanhã eu quero”. Aí amanhã a gente leva. Vai levando assim.
P/1 – E que histórias que tem de sururu que a senhora vai contar pra gente?
R – Ah, agora já acabou.
P/1 – Mas como faz quando vão...
R – Ah, quando vai pra pedra, a gente bota um pouquinho de gordura, leva um pouquinho de óleo, leva o sal e leva o arroz já lavado, e leva a água pra poder lá cozinhar o arroz. A gente vai, leva o arroz, leva um pedacinho de carne seca, nós levamos carne seca, lá nós assamos carne seca, ou linguiça, e nós comemos com arroz cozido, quentinho da hora.
P/1 – E o sururu também, ou não?
R – O sururu... To explicando já. O sururu é o trabalho. A comida que nós levamos pra comer quentinho na hora.
P/1 – Quantas mulheres vão?
R – Ah, tem dia que juntam umas oito. Tudo no mesmo lugar cozinhando. Nós cozinhamos lá no matinho, na banda de lá, cozinha aqui na Guruaba. Todo lugar nós cozinhamos quando cozinhamos em casa.
P/1 – E a conversa costuma ser do quê, a conversa?
R – Ah, conversa de uma coisa, conversa de outra, conta mentira.
P/1 – Tem música assim, que vocês cantam?
R – Conta verdade. Vai embora.
P/1 – Contam o quê?
R – Contam um bocado de mentira, um bocado de verdade.
P/1 – Vocês cantam? Tem algumas músicas, ou não?
R – Nada. No trabalho de sururu não tem nem tempo de cantar. Porque se nós não aumentarmos, cuidarmos muito no negócio, nós atrasamos e vemos embora de noite. Tem de meter a mão mesmo pra valer. Que quando é em casa, se acabar de noite, a gente tá em casa. Quando é lá, como vai acabar?
P/1 – Vem antes de escurecer?
R – Antes de escurecer tem que ir embora, lá pelas cinco, seis horas, tem que arrumar o caminho de casa, todas elas. Aí tudo com as caixas na cabeça. Sou eu, minha nora, minhas irmãs, as outras amigas, vêm tudo.
P/1 – Suas irmãs ainda trabalham no marisco?
R – Todas elas.
P/1 – Continuaram todas no marisco?
R – Todas elas. Aquela que esteve aqui. Aquela que era “matadeira” de pinto comigo. Aquela que nós tomamos palmada, foi aquela que teve aqui. Aquela que ia junto comigo.
P/1 – Agora a senhora cria um monte de galinha?
R – Aí tem essa aqui que teve aqui agora e tem aquela que passou com o meninozinho na bicicleta, também é minha irmã.
P/1 – Hein, dona Izaura, agora a senhora cria um monte de galinha.
R – Ah, crio.
P/1 – Não mata mais.
R – Ah, agora eu crio, não mato mais, não. Mato sim. Mas na hora de comer, eu mato mesmo, pego e passo a faca.
P/1 – Dona Izaura, o que a senhora acha que mudou da época de antes, quando a senhora começou a trabalhar no marisco, que a senhora era mais nova, de agora?
R – Dona, o que eu acho que de primeiro, de primeiro quando nós éramos mais novas, não existia crédito. A senhora vê que não passava vendedor na casa da gente, não passava ninguém vendendo pra gente, era mais dificuldade de comprar as coisas. Hoje em dia não. Hoje em dia a senhora tem crédito. Qualquer pessoa que passa aí, os vendedores: “Dona, quer ficar com isso? Quer ficar com aquilo?” “Ah, não quero, não”. “Mas pode ficar, depois a senhora paga com o prazo de um mês, com o prazo de dois meses”. E de primeiro não, era tudo à vista, se tivesse dinheiro, comprava; se não tivesse dinheiro, não comprava.
P/1 – E a senhora acha isso bom ou não?
R – Eu acho isso bom, porque devagar a gente vai pagando e obtém o que a gente quer ter em casa. Quer ter uma coberta, a gente vai pagando devagarzinho. Paga mais caro, mas a senhora tem dentro de casa. Agora, à vista é difícil a senhora ter o dinheiro pra pagar à vista. “Fulano, eu vendo isso aqui por dez reais. Eu vendo isso aqui por 15 reais, mas é prazo de um mês”. É mais fácil você comprar o de 15 de um mês, do que comprar o de dez na hora. Porque na hora o dinheiro é tome lá, me dá cá, quer dizer que o dinheiro é mais dificuldade. Agora, a prazo já é mais... A senhora já compra mais com facilidade, dá cinco hoje, cinco amanhã, quando pensar que não, a senhora já pagou e não viu nem como pagou.
P/1 – Agora em relação às marisqueiras, mudou alguma coisa nesse tempo todo que a senhora trabalha?
R – Não. As mesmas coisas, as mesmas marisqueiras, a mesma união. A gente tem que ter união, tem que ter amor uma pela outra, ter união, porque: “Vamos lá naquela pedra lá?” “Vamos embora” “Vamos arrumar um barco pra nós irmos lá na Pitinga, ou na ilha?” “Vamos embora”.
P/1 – Sempre foi assim?
R – Sempre foi assim. E sempre tem união. Foram minhas noras ali, minhas cunhadas: “Vamos lá à pedra lá? Vamos tirar um marisco?” “Vamos embora”. Quando uma vez tá doente, a outra vai. E sempre assim.
P/1 – Agora, quando... Cada uma vai tirando e vai...
R – Cada uma tira pra si.
P/1 – Ah, e limpa o seu.
R – Cada um... Porque, tipo assim, eu tiro pra mim, elas tiram pra elas, outra tira pra ela, outra tira pra ela, e vai tirando aquela porção. Tem vez que junta aquele monte, vai no barco, aí aquela pessoa vai, tira o marisco, pra todas que estão em casa “despinicarem”. Trazem aqueles mariscos, todo mundo vai “despinicar” em casa. Como eu, eu vou lá, tiro cinco, seis sacos de sururu, eu trago pra casa, chego a casa, meu marido vai cozinhar e eu vou ajudá-lo a tirar do fogo, depois junta nós tudo aqui, meus filhos vêm, minhas filhas vêm, que estão dando aula, vêm. Vão tudo ajudar a “despinicar”. Vêm os vizinhos também, vêm juntos, vêm ajudar a “despinicar” um pouquinho. Eu sei que é tudo assim, tudo ali.
P/1 – Mas aí depois fica pra senhora.
R – Depois fica pra mim. Depois fica pra mim.
[TROCA DE ÁUDIO]
P/1 – E aí o que a senhora faz com o sururu, quando a senhora vende, fica pra senhora?
R – Fica pra mim. Quando os meus filhos ajudam assim... São casados. Os que me ajudam são casados também. Eles me ajudam, mas o dinheiro fica pra mim. Eles: “Mamãe, pode ficar pra senhora, que eu estou ajudando a senhora”.
P/1 – Entendi. Agora, eles são pescadores...
R – As minhas meninas também, vêm de lá: “Mamãe, olha, nós não precisamos mais, não. Graças a Deus nós já temos o que é nosso e nós estamos ajudando a senhora”. Vêm todas elas me ajudar. Vem aquela lá de trás, a Maria da Penha, vem a Silvana, vem a Nilta, de vez em quando ela tira pra ela também, mas quando ela não tira, ela me ajuda, o Ricardo me ajuda, o Chiquinho me ajuda, o Fernando me ajuda, o Denilton me ajuda, todos eles me ajudam.
P/1 – A senhora falou que seus filhos são pescadores, os homens.
R – São pescadores.
P/1 – Eles vivem da pesca ainda?
R – Vivem da pesca.
P/1 – E pra eles, a senhora acha que mudou alguma coisa de uns tempos pra cá, para os pescadores?
R – Mudou e não mudou. Que as coisas hoje em dia estão tudo mais caras, né? O óleo é uma carestia danada. As iscas que tem que comprar também, muito caras as iscas pra eles trabalharem lá fora. Enfrentam o mar “brabo”, muito “brabo” lá fora, muitas “maragadas”, fica de noite sem dormir, que tem que fazer as vigílias. Quando chega a casa, que o preço tá bom, nós ganhamos um dinheirinho; quando não tá bom, é a conta de pagar só a despesa. A gente que é mãe fica tão triste com isso. Porque hoje em dia os compradores que ganham mais do que os que vendem. É óleo, é isca, é rancho, comida pra eles comerem, é tudo quanto é coisa que faz. Lá fora tem também que pescar, tem que vigiar o barco pra ver se vem algum navio, pra não bater, aí é duas horas cada um ficar em cima do barco sem poder dormir, sem nem cochilar. Aí deram duas horas, vai lá, chama outro: “Fulano, sua vez agora. Vem, fica lá em cima do barco, vigiar”. A gente fica com pena. Todos os pescadores têm essa mão de obra feroz. Vai lá fora, tadinho, trabalha pra valer, quando chega a terra, quase não ganha nada.
P/1 – Ficam dias fora?
R – Ficam. Agora eles ficaram 16 dias no mar. Já pensou 16 dias e só ver céu e água? Como pode? Tem uns que ficam até 20 dias, 22 dias, conforme a viagem. Quando mata uns peixinhos, ainda vão poucos dias. Agora, quando não mata nada, ficam 20, 22 dias no mar.
P/1 – E é com linha também?
R – É com linha também.
P/1 – Não é rede?
R – Não. É linha. Bota a linha e puxa. Quando pega aqueles peixes grandões, que força que eles não dão, né? Nosso pai! Depois gela tudinho, bota dentro de uma tina assim, como isso aqui, aí vai só botando, botando gelo e gelando. Gelo e gelando. Gelo e gelando. Até encher aquela tina todinha pra trazer pra casa.
P/1 – E eles estão querendo que os filhos também continuem com...
R – É porque agora os estudos que tem são poucos. Os estudos que tem também agora precisam de bastante estudo pra arrumar os empregos bons. Precisa de bastante estudo. E os pescadores quase não têm estudo, porque se largar pra pescar, não faz os cursos que tem que fazer. Como diz o outro, a pessoa em casa precisa comer, precisa trabalhar pra poder dar comida para os filhos em casa. É onde que, vou falar pra senhora, que a vida de pescador é dura, é doída. Vida de pescador é doída também. Eu tenho muita pena dos meus filhos. Eu tenho três filhos que pescam lá, aliás, quatro, que meu marido também tem um filho que pesca. São do mesmo barco. Eles pescam tudo no barco do irmão deles. Aí tenho três filhos nesse barco pescando, e tenho neto. Tenho neto pescando também nesse barco.
P/1 – O barco é de um dos filhos seu?
R – É do barco do filho do meu marido. É que ele é viúvo, aí tinha o barco dele, ai eu… Aí tinha o barco dele.
P/1 – E agora eles estão levando o seu neto pra pescar?
R – Ah, meu neto já foi pescar já. Desde novinho já continua pescando.
P/1 – E ele gosta disso?
R – Ah, gosta de pescar demais. Gosta muito de pescar.
P/1 – Ele quer ser, continuar sendo pescador?
R – Quer continuar sendo pescador.
P/1 – E ele estuda?
R – Quando tava pequenininho, estudou. Mas depois foi pescar, parou de estudar.
P/1 – E o que o pai dele fala disso?
R – O pai dele, a vontade do pai dele era que ele estudasse, se formasse em outro emprego melhor. Mas a senhora sabe, emprego melhor hoje em dia... Existe muito emprego muito emprego melhor, mas precisa de muito estudo. Emprego melhor precisa de muito estudo. E os pobres dos pescadores lá fora sofrem. Falar pra senhora, quando é o vento, quando é o mar “brabo”, o pessoal sofre lá fora.
P/1 – E o que é um emprego melhor?
R – Emprego melhor é esse que não precisa enfrentar o mar. Em terra. Porque você sabe que em terra, tá na terra. Já no mar, não, no mar só Deus pra segurar ali, que Deus segura todos eles. Mas ali só mesmo Deus, porque se não for Deus, mais ninguém. E terra também, que quando tem que acontecer, tem que morrer, tanto faz em terra, como no mar, sempre morre. Mas eu quero dizer que a vida do mar é mais sofrida. É mais sofrida. Que em casa a senhora passou mal, a senhora pode correr para o médico, levar para o médico, bota no carro, na mesma hora leva para o médico. Lá o médico já consulta, já interna se for “coisa”. E no mar? Mar aqui que chega à terra já passou mal e já morreu. Não é, não?
P/1 – Agora, o seu neto gosta?
R – Meu neto gosta.
P/1 – Ele quer continuar pescando?
R – Quer continuar pescando.
P/1 – Ele fala alguma coisa sobre isso?
R – “Meu filho...”
P/1 – Seu neto.
R – O nome dele é Wellington. “Wellington, você quer continuar a pescar, meu filho?” “Ah, vovó, não tem outra coisa, a gente tem que pescar mesmo”. Aí vai pescar, tadinho.
P/1 – Mas a senhora acha que ele gostaria de fazer outra coisa?
R – Ah, se aparecesse um serviço pra ele bom, sem ser pescaria, eu acho que ele queria sim. Eu acho que ele queria. Se tivesse um serviço bom, que ele tem 20 anos, né? Os meus filhos também falam em largar a pescaria. Eles falam em largar a pescaria. Eles falam em largar a pescaria também. Disse: “Mamãe, se eu achasse um serviço bom, um serviço que não precisasse a gente dar tanto duro, nós íamos largar essa pescaria, porque essa vida, mamãe, é uma vida muito triste. A senhora precisava ver quando vêm as ondas do mar, são ondas de três, quatro metros, que o barco sobe, quando bate embaixo, é de o coração da gente esfriar. Quando não é isso, a vagas do mar vem, lava o barco por cima tudinho, mamãe. É muito triste”. Eu falei assim: “É, meu filho, como é triste”.
P/1 – Vaga?
R – São as ondas do mar. As ondas do mar são as vagas. O mar grande, aquelas ondas grandes que batem no mar, os casarinho chegam a lavar tudo, tadinho. A gente fica com pena com isso. A gente que é mãe, o coração da gente fica na mão. A senhora pensa, quando meus filhos estão pra fora, eu não gosto de ir lugar nenhum. Eu não gosto de ir lugar nenhum, porque eu não sei se eles estão bem lá fora, não sei se não estão bem. Às vezes eu to comendo, to almoçando, to me divertindo num aniversário, num casamento, não to sabendo que meu filho tá em vagas de mar, que nem almoçar tá podendo, nem almoçar eles estão podendo. Eu digo: “Meu filho, às vezes mamãe quer ir a um lugar...” “Mamãe, a senhora é boba? A senhora vai” “Meu filho, mas eu vou, chega lá, às vezes eu to me divertindo lá, to com alegria lá, e vocês nem podendo comer. Perdendo hora de sono, vaga de mar em cima da cara de vocês, e eu me divertindo. Que prazer tenho eu, filho? Ah, quando vocês estão em terra, todo mundo tá em terra, aí eu podendo ir a um aniversário, podendo ir a um casamento, aí eu vou, porque eu sei que estão tudo em terra”. Estão tudo em terra, estão até passeando, estão se divertindo também, aí eu vou. Mas quando eu sei que eles estão no mar, gosto de ir, não senhora. As meninas falam: “Mamãe, a senhora é boba, a senhora é isso, a senhora é aquilo. A senhora não vai pescar, a senhora não vai...” Aquele ali também é irmão. Aquele gordo que vai passando ali é irmão também. “A senhora não vai a lugar nenhum, mãe. A senhora tem que se divertir, a senhora tem que aproveitar a vida, mãe”. Disse: “Meu filho, o negócio não é aproveitar a vida, o negócio é aproveitar o pensamento da gente. É o pensamento da gente”. Eu sou uma mulher que não gosta de luxo, não gosto de botar aqueles... Piriricar pra ir a aniversário, casamento, eu não gosto. Se for pra eu ir “coisa”, eu deixo de ir. Ah, não vou, não senhora. Não gosto de ir, não. Eu gosto de ir comum.
P/1 – Deixe-me só perguntar a última coisa pra senhora, dona Izaura. Agora a senhora tem uma carteira de marisqueira.
R – Tenho. Tenho a carteira de marisqueira.
P/1 – Isso mudou alguma coisa pra vocês?
R – Mudou, porque quando nós não tínhamos carteira, nós não recebíamos. Agora nós temos a carteira, nós temos a defesa. Nós recebemos... Quatro meses nós ficamos sem tirar sururu: setembro, outubro, novembro e dezembro. Nós ficamos quatro meses sem tirar marisco, mas nós recebemos. Nós recebemos esses quatro meses. De primeiro nós tirávamos direto, mas não recebia. Não tinha carteira, mas também não recebia. Agora que eu to achando que eu to com 63 anos, já fiz, e tenho a carteira desde 2001, que eu paguei a colônia e to pagando ainda, e até hoje não me aposentei. Tanto duro já dei pra tirar esses mariscos já tudo e até...
P/1 – A senhora já procurar se aposentar?
R – Já. Já to procurando. Tenho fé em Deus que um dia que chego lá.
P/1 – E antes quando a senhora não tinha... Quando vocês tiravam direto e não tinha o defeso, prejudicava o marisco, ou não?
R – É a mesma coisa, né?
P/1 – A senhora acha?
R – Só que agora tendo esse defeso, o marisco rende mais na pedra. Porque a gente fica quatro meses sem tirar marisco, nesses quatro meses o marisco fica rendendo, fica rendendo na pedra. Porque quatro meses, se eu não tiro, a senhora não tira, ninguém tira, o marisco só tende a render. É onde eles rendem na pedra. E quando nós vamos tirar direto, tá certo que a gente não tira numa pedra só, tira hoje aqui, outro dia tira em outro lugar, mas eles sempre vão diminuindo. E quando a gente para de tirar, em todo lugar a gente não tira, e nisso eles vão crescendo.
P/1 – Certo.
R – Verdade.
P/1 – E só por último mesmo, tem alguma mudança no mar que mexeu muito com a pesca aqui, ou com o trabalho com o marisco?
R – Não. É só quando o mar fica “brabo”.
P/1 – Não, alguma mudança, alguma...
R – É só quando mar fica “brabo” mesmo.
P/1 – Alguma construção, alguma intervenção dos homens.
R – Agora eles querem fazer esse negócio que eles estão querendo fazer, essa... Lá atrás, que eles estão querendo fazer, primeiro, quando eles foram fazer, nós viemos a uma reunião na vila, eles disseram que não ia prejudicar nada.
P/1 – E o que é isso que eles querem fazer?
R – Eles querem fazer modo um porto. Um porto pra Petrobras botar lá fora as coisas pra procurar petróleo. Estão sondando aonde tem, e se tiver, eles já compraram. Já compraram daqui do Recife até lá no Matinho. Compraram aquela área todinha, então ninguém pode ir lá, tirar, cozinhar assim, como eles iam, ninguém pode ir mais. Primeiro eles faziam barraca, “embarracavam” tudo pra lá. Agora nenhuma esse ano não teve. Não pode fazer mais barraca. Mas agora nós marisqueira, não. Marisqueira eles não proibiram, não. Ainda agora teve uma reunião, que nós tivemos ali, nós perguntamos a ele, ele falou assim: “Vai ser atingido, vai ter ‘atingimento’, mas enquanto não tem esse “atingimento”, vocês podem tirar à vontade o marisco. Podem cozinhar lá onde vocês cozinhavam, no lugar que vocês cozinhavam, e vocês podem tirar, vocês marisqueiras”. Ainda explicou: “Vocês marisqueiras”.
P/1 – Enquanto não tiver “atingimento”, você sabe o que é isso? O que é isso: “atingimento”?
R – Quer dizer que o “atingimento” não vai atingir agora, não.
[TROCA DE ÁUDIO]
R – O “atingimento” não vai atingir agora.
P/1 – Entendi.
R – Vai custar a atingir. Daqui uns dois anos, três anos, quatro anos. A gente pode ir tirando esse marisco, mas enquanto não atinge a maré, não atinge o“coisa”, aí pode continuar tirando. Ele falou assim: “As marisqueiras, porque pra receber, tem mais de duas mil marisqueiras, mas quem é marisqueira, são umas mil”. Porque todas elas falam que são marisqueiras pra poder receber a defesa, né? Agora, na hora de receber mesmo, de tirar o marisco, nem todas elas sabem. Eles falam: “Dona Izaura, como eu faço pra...”. Aí veio um fiscal aqui. Veio aqui em casa, o fiscal veio aqui. Veio comprar sururu, aí ele perguntou a mim se tinha sururu, eu falei: “Tenho sururu, sim senhor” “A senhora tem mesmo?” “Tenho”. Aí ele: “Então tal dia eu volto buscar” “Senhor pode qualquer dia, hoje, amanhã, qualquer hora que o senhor quiser ir lá buscar o sururu, tem”. Ele chegou aqui, aquela menina que tava aqui tinha chegado aquela hora com um monte de saco e tava cozinhando, eu falei: “Aqui quentinho para o senhor comer na hora aqui”. “O senhor quer levar”? “Tem quentinho da hora”. Eu disse: “Olha, aqui, eu digo ao senhor, quem é marisqueira é essa daqui,que quem pega esse saco de sururu nas costas, bota nas costas, traz esse balde aí, esse tacho aí no fogo, essa é marisqueira. Mas tem marisqueira que não sabe nem botar a panela no fogo, e recebe melhor do que nós ainda”. É, mulher.
P/1 – Tem alguma empresa, outro tipo de empresa no mar que já tem mudado, interferido, mudado alguma coisa na pesca?
R – Tem essa Petrobras lá, essa coisa aqui, tem muitas mulheres daqui indo pra lá pra trabalhar, mulher, homem, tudo. Mas eu provavelmente, eu não sei, é bom de lá de Vitória. Eles embarcam pra Vitória pra ir pra lá, pra trabalhar para a banda da Petrobras lá. Agora, eu nunca fui, nem sei onde é. Sei que vejo contar que tem mulher que vai pra lá, tem homem que vai pra lá, mas tá precisando de estudo, quanto mais estudo... Tem meu sobrinho ali que vai, mas precisa de bastante estudo. Mas é que meus filhos não têm esse estudo pra ir pra lá ainda. Agora diz ele que essas empresas que vão abrir agora, essas que vão abrir agora aí, não vão precisar de tanto estudo, não. Porque ele disse que vai precisar pra fazer massa, não precisa de tanto estudo pra fazer massa. Pra bater um ferro, pra tirar ferrugem, também não precisa de tanto estudo, como eles explicaram pra nós. Tem muitos negócios que não vão precisar de tantos estudos.
P/1 – Mas aí seus filhos deixariam? A senhora acha que eles deixariam?
R – Ah, um emprego bom, eles deixariam.
P/1 – Entendi.
R – Um trabalho bom em terra, eles deixariam.
P/1 – Entendi.
R – Eles deixam, porque a vida no mar é muito feroz, como eu tava contando pra senhora. É muito feroz lá no mar. Eles trabalham mesmo porque são obrigados a trabalhar, que têm família pra sustentar. Eles são obrigados. Todos os pescadores são obrigados a trabalhar, que têm as famílias pra sustentar, né? É de onde eles ganham o pão deles de cada dia. Mas se não fosse isso, acho que pescador não pescava, não senhora. É muito doído um pescador. Já basta o nome pesca-dor. O nome já vem imitando já. É o mesmo quem anda de “mota”, é morte.
P/1 – Pescador é...?
R – Pescador já pesca a dor. Não é? Já diz assim, é pesca-dor. O nome já vem indicando.
P/1 – Nós estamos terminando, dona Izaura.
R – Graças a Deus.
P/1 – Qual é o sonho da senhora?
R – Hein?
P/1 – A senhora tem algum sonho assim, ainda?
R – Filha, meu sonho é de ver meus netos tudo criado, como eu to vendo, meus bisnetos criados, graças a Deus, meus filhos tudo amparado. Semana ou depois Deus me levar, que Deus me levasse, mas quando eu tivesse meus filhos tudo amparado, tudo casado, cada um com a sua esposa, cada um com o seu viver pra eles viverem. É isso que eu queria, mas seja pela vontade de Deus, não pela nossa. Se Deus quiser levar amanhã, amanhã mesmo eu vou.
P/1 – E a senhora achou o quê de contar essa história?
R – Eu achei bom. Não sei se vocês gostaram de escutar esse enjoo meu, até começar, até agora. Que eu estou rouca.
P/1 – O que a senhora acha? Que eu gostei ou não?
R – Ah, aí que eu não sei. Quem sabe da senhora é a senhora. Quem sabe da senhora é a senhora.
P/1 – Eu gostei bastante. Muito. Aprendi bastante. Muito obrigada, viu, dona Izaura?
R – Gostou de conversar comigo?
P/1 – Eu gostei bastante. A senhora é ótima pra contar as histórias. Agora, viu aí, por isso que a gente queria que a senhora assinasse o papel. Agora vamos gravar e não vamos mostrar pra ninguém? Tem que mostrar. Tá bom?
R – Tá bom.
P/1 – Combinado?
R – Combinado.
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