P/1 – Milson, pra começar, eu gostaria que você falasse o seu nome completo, local e data de nascimento.R – O meu nome é Milson Fernandes Nunes, eu sou daqui de Atafona, eu nasci lá Ilha do Pessanha, mas com oito anos eu vim aqui pra Atafona. O endereço é Rua Seis, casa seis, aqui na Cehab aqui, na Vila dos Pescadores.P/1 – E a sua data de nascimento?R – Quatorze do dez de 1968. Quatorze de outubro de 1968.P/1 – Milson, qual é o nome dos seus pais.R – Meu pai é Floripes Jorge Nunes e minha mãe é Clemilda Fernandes Nunes.P/1 – O que seus pais faziam?R – Meu pai era pescador, já faleceu. E minha mãe era dona de casa.P/1 – Descreve um pouco seus pais. Como eles eram?R – Ah, poxa, descrever meu pai assim é uma emoção muito grande, porque eles já se foram, né? Mas meu pai era uma pessoa maravilhosa, foi um grande pescador, um grande fazedor de rede. Aprendi muitas coisas com ele sobre a pesca. Assim, desde que eu me entendo como pescador, eu comecei a pescar com ele no rio, depois fui pra alto-mar, eu comecei muito novo. E é uma pessoa sem palavra, tipo, uma pessoa que tinha uma educação, uma educação assim, bem padronizada mesmo. Ele me ensinou a ser uma grande pessoa, a ter caráter, principalmente isso, me ensinou também a pesca, tudo em relação à pesca. Enfim, uma grande pessoa. E minha mãe é aquela dona de casa, uma pessoa maravilhosa também. Sinto muita saudade dela. E se foi assim, mas aquela mulher que de manhã cedinho logo acordava, de madrugada, os filhos todos, são oito filhos, são sete homens e uma mulher, aí são seis que são pescadores, porque tem um que é deficiente visual. Tem um que é cego, deficiente visual, e tem uma mulher. Aí os seis que pescavam, que pescam... Tenho muitas boas lembranças dela, porque ela acordava de madrugada, fazia nossa comidinha pra gente ir pescar, entendeu? Então eu tenho ótimas lembranças dela. Aquela mulher guerreira, aquela...
Continuar leituraP/1 – Milson, pra começar, eu gostaria que você falasse o seu nome completo, local e data de nascimento.R – O meu nome é Milson Fernandes Nunes, eu sou daqui de Atafona, eu nasci lá Ilha do Pessanha, mas com oito anos eu vim aqui pra Atafona. O endereço é Rua Seis, casa seis, aqui na Cehab aqui, na Vila dos Pescadores.P/1 – E a sua data de nascimento?R – Quatorze do dez de 1968. Quatorze de outubro de 1968.P/1 – Milson, qual é o nome dos seus pais.R – Meu pai é Floripes Jorge Nunes e minha mãe é Clemilda Fernandes Nunes.P/1 – O que seus pais faziam?R – Meu pai era pescador, já faleceu. E minha mãe era dona de casa.P/1 – Descreve um pouco seus pais. Como eles eram?R – Ah, poxa, descrever meu pai assim é uma emoção muito grande, porque eles já se foram, né? Mas meu pai era uma pessoa maravilhosa, foi um grande pescador, um grande fazedor de rede. Aprendi muitas coisas com ele sobre a pesca. Assim, desde que eu me entendo como pescador, eu comecei a pescar com ele no rio, depois fui pra alto-mar, eu comecei muito novo. E é uma pessoa sem palavra, tipo, uma pessoa que tinha uma educação, uma educação assim, bem padronizada mesmo. Ele me ensinou a ser uma grande pessoa, a ter caráter, principalmente isso, me ensinou também a pesca, tudo em relação à pesca. Enfim, uma grande pessoa. E minha mãe é aquela dona de casa, uma pessoa maravilhosa também. Sinto muita saudade dela. E se foi assim, mas aquela mulher que de manhã cedinho logo acordava, de madrugada, os filhos todos, são oito filhos, são sete homens e uma mulher, aí são seis que são pescadores, porque tem um que é deficiente visual. Tem um que é cego, deficiente visual, e tem uma mulher. Aí os seis que pescavam, que pescam... Tenho muitas boas lembranças dela, porque ela acordava de madrugada, fazia nossa comidinha pra gente ir pescar, entendeu? Então eu tenho ótimas lembranças dela. Aquela mulher guerreira, aquela esposa de pescador mesmo, e soube ser uma grande mãe de pescador.P/1 – Tinha algum costume de vocês, da família? Hábito de alguma coisa que vocês faziam juntos?R – Ah, a gente, quando eram todos novos... A gente, quando eram todos novos, o nosso costume... A gente quase não... A gente podia trabalhar assim, cedo. O costume nosso era dormir todo mundo junto, que todo mundo ficava junto lá no antigo Pontal, onde o mar avançou. Nós saímos da ilha e fomos lá para o Pontal. Então o costume nosso mesmo era sempre... O costume nosso era sempre contar quando a gente... Quando a gente chegava da pescaria, era sempre contar os acontecimentos relacionados à pesca que acontecia durante o dia. Esse era o nosso hábito.P/1 – E como era? Vocês sentavam junto? Como era?R – Sentava todo mundo junto. Comia junto, todo mundo na sala. Que a casa muito pequena no Pontal, a casa era uma pequena, não era uma casa grande. Era casinha de pescador mesmo. Aí ficava todo mundo junto, aí ficava contando que pescou em tal lugar, que apanhou tantos quilos de camarão, que apanhou tantos quilos de peixe. Enfim, aquela história mesmo do dia ali. E esse era o nosso hábito. E quando não tinha pescaria, quando dava vento, geralmente a gente não pescava, então à noite... É tão boa lembrança, foi até bom recordar isso agora. Então à noite a gente brincava de noite lá no Pontal, a gente brincava de pique, a gente contava história à noite, ainda mais quando era noite de lua cheia, a gente sentava todo mundo na praia e ficava contando aquelas histórias. Enfim, esse era o nosso hábito, mas sempre todo mundo juntinho ali. Era muito legal. Era muito bacana.P/1 – E além dos seus irmãos, com quem mais você convivia pra fazer essas brincadeiras, pra conversa sobre pesca?R – Com nossos colegas e com nossos primos. Porque aqui a maioria é parente. Aí vieram muitas pessoas, vieram lá do sertão, aqui do sertão do São Francisco aqui, e vieram muitas pessoas e se agregaram a nós. Aí ficamos colegas deles. E os outros eram primos. Eram primos, eram tios, enfim, eram mais da família mesmo. Era pescador que vinha de fora, aí fazia amizade com a gente, aí criava aquele vínculo, aquele vínculo afetivo. Ficava tudo junto.P/1 – E como era a casa que você morava?R – A casa nossa do Pontal era de tábua. Era de tábua, que o mar levou. Era casa de tábua. Tinha casa de tijolos já na época, assim, uns 30 anos atrás, mas a casa nossa era de tábua. Era perto da praia, logo pertinho da praia, aí criavam umas dunas de areia, aí quando dava vento, o vento vinha batia na casa, enchia os olhos nossos de areia, enfim, era uma situação... Mas a nossa casa era de tábua. Depois que o mar avançou, viemos aqui pra Cehab aqui, aqui para as casas populares.P/1 – Quando anos você tinha quando vocês mudaram pra cá?R – Olha, eu tinha mais ou menos aí uns 12 anos de idade. Uns 13 anos já de idade. Uns 12 anos, essa base, por aí.P/1 – E nessa época você já pescava?R – Já pescava. Eu comecei com oito anos de idade. Quando eu vim pra cá, já comecei a pescar. Lá eu só pescava no rio com o meu pai. Aqui eu fui pra alto-mar com 13 anos de idade, novinho. Saí da escola, porque tava estudando, aí tive que sair. Eu tive duas escolhas. Porque aqui a gente não tem muita escolha. Eu tive duas escolhas: eu tinha que ajudar meus pais... Ou tinha que ajudá-lo na ajuda em casa assim, na renda familiar, ou estudar, mas aí eu optei por estudar. Porque a maioria aqui opta por pescar, até por meio de sobrevivência, pra ter sua própria independência. Hoje mudou um pouco. Agora, naquela época era... Eu saí do estudo pra vir pescar, mas to satisfeito com isso, não tenho arrependimento, não.P/1 – Como você aprendeu a pescar?R – Como eu aprendi a pescar?P/1 – Como que aprendeu a pescar? É.R – Ah, aprendi praticando mesmo, em alto-mar mesmo. P/1 – É?R – Aprendi lá. É. Aprendi lá. Não tem muito segredo, não. Tem um ditado que é “a prática que faz o mestre”. Tem essa filosofia que “a prática que faz o mestre”. Então eu aprendi mesmo praticando. Aprendi a soltar rede, a catar camarão, a tirar um peixe da rede. Todos os segredos da pesca, eu aprendi praticando mesmo.P/1 – E com quem você começou? Quem te levou primeiro pra alto-mar?R – Com meu irmão. Foi meu irmão mais velho. Ele é o mais velho, eu sou o mais novo. Pesquei muito tempo com ele. Ele tá com 62 anos agora, ele é o mais velho, eu sou o mais novo, aí eu comecei com ele. Quando parei de pescar com ele, eu comecei a pescar com meus primos, com meus amigos, com meus colegas, porque a pescaria dele era mais camarão, era de camarão aqui, é pescaria que vai e volta. Mas na época apareceu a pescaria de rede, essa pescaria que tá aí, de rede espera. Aí apanhava peixe, apanhava todo tipo de peixe: apanhava cação, apanhava anchova, sarda, apanhava goete, apanhava corvina, enfim, todo tipo de peixe. Aí eu fui pela primeira vez, gostei, comecei a ganhar um dinheiro melhor e fiquei. E fiquei.P/1 – Quando você começou a pescar, de quem era o barco? Você falou que ia com seu irmão.R – Era do meu irmão.P/1 – Era próprio dele?R – Era dele. Era dele.P/1 – Você lembra como seu irmão fez pra comprar o barco?R – Não, ele comprou o barco... Ele comprou o barco... Não tenho muita lembrança, não, mas eu sei que foi o estaleiro daqui que fez o barco, depois ele comprou pagando mesmo. Ele comprou, deu uma entrada, depois começou a trabalhar e pagou o barco mesmo no trabalho, no próprio trabalho. P/1 – E do seu pai quando seu pai pescava?R – Meu pai não tinha barco. Não chegou a possuir barco. Porque meu pai assim, parou de trabalhar muito novo, porque ele também teve problema de saúde, mas quando ele parou de pescar, os filhos já estavam tudo grande, aí ele não conseguiu barco, não teve barco próprio. E os filhos só tiveram três também que possuíram; os outros, não.P/1 – E ele pescava no barco de quem?R – Ele pescava sempre no barco de um amigo dele, que sempre os amigos dele que tinha barco. Ele pescou muito com o falecido João Nonô, que é o pai do Willian aqui, presidente da Colônia. Ele pescou muito tempo, quase toda a vida com o falecido João Nonô. Depois ele pescou com outros, com outros, com outros, até ele ficar com problema de saúde e não pescar mais.P/1 – E na época que você era criança, os seus pais, o seu pai principalmente, ele vivia da pesca mesmo?R – Da pesca. Sempre vivemos da pesca.P/1 – E vocês conseguiam tudo que era necessário pra viver, alimento, tudo através da pesca?R – Tudo. Tudo da pesca. Lá na ilha a gente viva o que os recursos naturais nos ofereciam mesmo, o que o próprio meio ambiente nos oferecia, que eram os mariscos, tinha os siris, tinha os caranguejos, tinha os peixes do rio, a própria ilha, o que próprio ambiente ali mesmo na ilha oferecia pra gente. Sempre da pesca, sempre da pesca. Depois fomos pra alto-mar e sobrevivemos, vivemos e sempre com a pesca. Isso tranquilo. Nunca fizemos muita coisa sem ser a pesca, não. Entendeu?P/1 – Quem comprava o peixe de quando seu pai, seu irmão, começou a pescar?R – Tinham os atravessadores, sempre teve atravessador. Na época era a Odinéia, que tem frigorífico ainda hoje, a filha do João Nonô. Era ela e tinha também uma cooperativa, que fizeram uma cooperativa. Foram seis pescadores que fizeram uma cooperativa, aí tava dando até certo, mas aí aconteceu um acidente, que morreu três pessoas num acidente, num caminhão, aí depois desanimaram, aí ficaram mesmo só os atravessadores.P/1 – E quais peixes pescavam-se mais antigamente?R – Ah, basicamente o que pegam hoje, não mudou nada. Cação, anchova, a sarda, a solteira, o pargo, o xerelete, a corvina, os peixes não mudaram nada, o que davam naquela época ainda dão hoje ainda.P/1 – E a quantidade é a mesma?R – A pescada. É, a quantidade não dá mais como era, diminuiu muito. Diminuiu bastante mesmo. Pode considerar aí como 50%. Porque naquela época, olha só, eu quando comecei a pescar, eu quando comecei a pescar, eu ia para o mar com... Quando eu comecei a pescar, eu ia para o mar com umas... Eu quando comecei a pescar, eu ia para o mar com 500 braças de rede, 500 braças por metragem aí são uns 800 metros de rede, a gente ia num dia, voltava no outro com mil quilos de peixes, com dois mil quilos. Ficava dois dias, no máximo dois dias no mar. Hoje não, hoje os pescadores vão para o mar hoje com quatro mil braças de rede, com quase oito mil metros de rede, oito, oito, nove mil metros de rede, aí tem que levar lá oito, dez dias. Até pouco tempo agora oito, dez dias, pra pegar 500 quilos, pra pegar 700 quilos. Diminuiu muito. Diminuiu bastante. E a tendência é só diminuir.P/1 – A que você atribuiu essa diminuição?R – Essa diminuição eu a atribuo com o próprio mesmo... É que os pescadores... Eles cada vez vão colocando mais redes, e vai aparecendo mais barcos também, a pescaria sempre vai ficando mais... Olha só, inclusive tem muito pescador... Tem muito pescador daqui que tá lá em Santa Cruz, não pesca mais aqui. Por quê? Porque já sabe que a pescaria onde tira, tira, tira, tira, né? E também agora que veio esse porto pra cá, aí acabou... Aí que vai atrapalhar mais ainda, por causa do navio. É que na época dava muito peixe...TOCA DE ÁUDIOR – Então, é que na época... Assim, na época dava muito peixe na beirada. Aqui que eu falo é aqui na beira da praia aqui, com duas, três milhas aqui da costa. Agora pra apanhar um peixinho tem que ir muito fora, tem que navegar oito, nove horas aí pra fora pra apanhar peixe. Então isso aí que é... Os peixes aqui da beira praticamente acabaram tudo. Não tem mais. De vez em quando que dá. Mas é que os pescadores estão explorando lugares mais longe pra apanhar o peixe, porque senão não conseguem apanhar nada, não. Devido aumentar os barcos também. Aumentaram os barcos, aumentou a quantidade de pescador também, aumentaram as redes, enfim. Aumentou a tecnologia, aí tem todo aquele processo, que não é igual antigamente. Então vai apanhando, apanhando, apanhando, apanhando, aí fica fraco.P/1 – Como era o processo antigamente?R – Hoje ficou melhor, porque hoje tem a máquina de puxar rede. Porque antigamente era manual mesmo, artesanal mesmo. A gente largava a rede e aquela porção de... A gente largava rede e tinha que puxar no braço, fazer muita força física. Hoje deu uma melhoradazinha porque tem o rolo. O rolo puxa a rede, aí a pessoa não faz mais tanta força como fazia antes. O rolo ajuda bastante. E pode também explorar lugares mais fundos, pode ir mais longe, largar a rede em lugar mais fundo, que o rolo puxa, entendeu? O lugar onde o rolo puxa, a gente com o nosso físico não puxa, que é muito fundo. É isso aí.P/1 – E como vocês faziam antigamente pra demarcar a área de pesca?R – Ah, na mente. Era na mente mesmo. Agora tem o GPS que marca o lugar certinho. Sai de lá, marca, aí quando volta, volta ao lugar certo. Agora, na época esse povo não tinha GPS, era na mente mesmo, era na bússola. A gente saía daqui na bússola, aí tipo assim, nós vamos para o pesqueiro de 90 graus, aí marcava na bússola 90 graus, marcava a hora mais ou menos, aí largava a rede. A gente ia a um pesqueiro de 120 graus, aí marcava na bússola os 120 graus, saía, marcava a hora no relógio, “é aqui”. Só andava onde era areia, onde era um lugarzinho bom de largar a rede e ia a um pesqueiro de 150 graus. E daí por diante. Hoje não. Hoje tem o GPS, que você descobre um pesqueiro, aí você marca ali, quando você voltar, você vai lá certinho. No mesmo lugar que você achou o pesqueiro, que pegou um peixinho, o GPS vai e marca, entendeu? Show de bola. Tecnologia, né?P/1 – E como é a rotina quando você tá dentro do barco pescando?R – Ah, a rotina é aquela mesma, a gente fica lá, larga a rede, a gente chega lá, vai e larga a rede, a gente leva a comida, que dá o nome de rancho, a gente leva o gelo, o óleo. Ah, fica lá. A gente faz a comida lá mesmo, conversa. Hoje tem um rádio de comunicação, que a gente se comunica um com o outro, aí começa a conversar um com o outro no rádio de comunicação, enfim, essa é a rotina. Larga a rede, no outro dia... A pescaria de rede espera. A do camarão, você vai e volta. A minha pescaria que eu pesquei, ela é de rede espera, aí é assim, a gente larga, conversa, no outro dia a gente vai e puxa a rede. Nós puxamos duas vezes no dia. Pode puxar a rede de tarde, mas o principal mesmo é de um dia para o outro. Tipo assim, larga a rede num dia e só puxa no outro dia. Tem que puxar pra colher os peixes, para o peixe também não ficar ruim, e pra tirar da rede e gelá-lo. Quando não tem peixe, fica no mesmo lugar até fazer a pescaria. Quando não tem, a gente tem que ir pra outro lugar. Aí vai andando, aí vai pescando até encontrar o peixe, fazer a carga e vir embora.P/1 – Quando tempo, nesse tipo de pesca, vocês ficam no mar?R – Ah, não é menos de uma semana, não. É uma semana, pode levar até cinco dias, pode levar seis dias, uma semana, dez dias, 12 dias. Há exceções, né? Há exceções, que às vezes pode dar sorte, isso aí acontece várias vezes, de ir num dia, largar a rede, chapar no peixe e vir embora no outro dia. Isso aí é uma exceção. Isso aí não é dizer que é difícil, não, mas as poucas vezes acontecem isso. Quando acontece é a maior alegria, entrar num dia, chapa de peixe, vem embora no outro dia. Mas acontece isso, de vez em quando acontece isso. Agora, o normal são oito, dez dias no mar, 12 dias, até fazer a carga e vir embora, e retornar pra terra. Entendeu? É isso aí.P/1 – E o material? O material que vocês levam, a rede, quem prepara?R – A gente compra pronta a rede. A rede compra pronta, essa rede de nylon aí. Compra pronta. E tem as pessoas aqui que entralham. Que entralham. Quando não tem as pessoas, a gente mesmo entralha, porque a gente sabe pescar, mas sabe entralhar rede também. A gente sabe fazer a rede, a gente faz do nosso jeito e vai e leva pra pescar. Mas a gente compra os panos prontos já. A gente só coloca na tralha e leva pra pescar. Entendeu?P/1 – E pra quem você vende o seu peixe?R – Um atravessador. Um atravessador.P/1 – Como se dá essa relação com o atravessador?R – Ah, o atravessador, a gente chega do mar, aí a gente vai e descarrega pra eles, eles vão, leva o peixe pra o Rio, pra São Paulo, pra Vitória, enfim. A gente entrega a eles, são deles. Depois eles têm que prestar conta pra gente. Aí fica nesse ciclo: a gente pega o peixe no mar, coloca pra eles, descarrega pra eles, eles vão e vendem, ganham o lucro deles, que têm que ganhar, é óbvio que têm que ganhar o lucro deles, e o outro eles pagam a gente, o que é nosso. É tipo assim, o dele é dele, o nosso é nosso.P/1 – E quando você vai para o mar, quantas pessoas normalmente vão com você quando você vai pescar?R – Depende da pesca. A pesca de rede são quatro, são quatro ou três. Mas não passa de quatro, não, são cinco, quatro. Agora, tem uma pescaria de traineira aí, tem a pescaria de traineira, que agora tá no momento aí, tem uns quatro barcos de pescaria de traineira aí, que são oito tripulantes, nove, dez tripulantes. Mas não é o meu caso. A minha pesca, essa de rede aí, é no máximo quatro, não pode passar de quatro, não. São três, quatro.P/1 – E como vocês fazem? Como é a divisão com relação à pesca?R – A metade fica para o barco... Divide em seis: a metade fica para o barco e a outra fica para os tripulantes. Cada tripulante, que aqui dão o nome de camarada, tem sua maré. A maré é tipo assim, ele leva uma rede exclusiva só pra ele. Ele leva cinco, seis redes exclusivas. Além de ganhar a parte dele, ele leva cinco, seis redes exclusivas só pra ele, o peixe que apanhar é só dele, aí dá mais uma ajuda. Entendeu? Mas é assim, é metade do barco e metade dos camaradas. É metade barco e metade dos tripulantes. É sempre assim em toda pesca.P/1 – E no caso você tem barco?R – Não.P/1 – Não?R – Não. Eu não to nem pescando em alto-mar mais. Eu to falando aqui porque eu pesquei 30 anos, eu tenho conhecimento de causa. Eu to pescando no rio agora.P/1 – E como é pescar no rio aqui?R – Ah, no rio é mais light, né?P/1 – (risos).R – (risos) No rio é mais light, né? Pesca aí, pesca manjuba, pesca de tainha, de carapeba, pesca de robalo. Esse ano agora eu vou pescar até de carapeba, já até preparei minhas redes. E não precisa ser barco grande. Não precisa ser barco grande, é uma canoinha mesmo, uma canoinha com motorzinho de rabeta, à gasolina, aí pesca esse rio todo aí. Aí apanha esse tipo de peixe. Apanha bagre, apanha tilápia, apanha carapeba, robalo, apanha tainha, mas só que é mais light, é menos perigoso. Pesquei 30 anos em alto-mar, e lá é muito perigoso, você tem que ter muita... Deus tem que proteger muito a gente mesmo, porque a gente tem que ter muito cuidado lá, porque lá passa muito navio. É uma pescaria muito estressante, porque a gente tem que vigiar a nossa vida, é temporal, é tempestade, é vigiar o navio também, que se não vigiar o navio, ele passa por cima do barco, como já passou em vários barcos aí. Eu já perdi vários colegas porque o navio passou em cima. Então, enfim, lá é complicado. Lá é complicado.P/1 – Você já passou alguma situação de perigo pescando?R – Já passei várias, várias situações de perigo. Várias, não foi só uma. Já passei várias situações de perigo. Foi mais com o navio, né? Um navio já passou... Eu já vi a morte já nos olhos várias vezes. O navio passando pertinho do barco nosso, chegou a passar em cima do barco, mas passou em cima do cabo que fica entre a rede e o barco. Já passou em cima do cabo, já saiu carregando a gente pra cima dele, aí teve que passar uma faca rapidinho, senão a gente ia pra baixo da hélice do navio. Várias situações de perigo. Relâmpago, ter que puxar rede com temporal, com vento, com chuva, enfim. Muita coisa mesmo que tem que ter muita fé mesmo pra estar lá. E sem contar o desgaste, tanto físico, como também o desgaste emocional da pessoa, o desgaste mental, “tu” não dorme, à noite tem que ficar de vigia. Porque enquanto não tinha havido nenhum acidente, a gente até que ficava despreocupado. É proteção de Deus mesmo.TOCA DE ÁUDIOR – Então, muito sofrida mesmo. Entendeu? Alto-mar mesmo, tanto faz a pescaria de rede, como a de linha, alto-mar é pescaria muito sofrida. Tem que ficar ligado, porque senão...P/1 – E pescando no rio, a quantidade de peixe...R – Ah, é bem menos, não tem nem comparação. No rio a gente é mais pra sobreviver mesmo, mas tanto faz. É bem menos, mas só que em contrapartida o rio pra mim tá sendo melhor, porque o rio não tem despesa. Porque quando a gente sai pra... Quando eu pescava em alto-mar, era aquela despesa grande que sai, que sai já daqui devendo, despesa alta de comida, de óleo, de gelo. Agora, no rio também dá pra viver também, mas só que não tem aquele ganho que tem no mar. Agora, dá pra viver, porque o esforço físico é bem menos, o cansaço mental também é menos. E é isso aí. Mas não tem nem comparação, porque no mar, o mar é imenso. Esse rio aí a gente dá... É só pra sobreviver mesmo. Porque o rio acaba muito peixe, porque teve muito impacto ambiental aí nesses rios. Agora que tá dando uma melhorada, mas teve muito impacto ambiental, teve uns três logo, um em cima do outro, aí degradou muito. Mas sempre Deus ajuda, não dá pra ficar sem, não.P/1 – E com relação a esses impactos, que tipo de...TOCA DE ÁUDIOP/1 – Então, voltando, a questão do...R – Impacto.P/1 – De pescar aqui no rio, do impacto ambiental.R – Isso. Tiveram dois impactos muito fortes: aquele impacto da Cataguases, que sujou a água, a água todinha, ficou toda contaminada, a água ficou preta. Teve esse da Cataguases, que despejou lá um resíduo, uma sujeira lá da usina lá, parece, que a água ficou preta, a água ficou igualzinho uma água... Uma Coca-Cola; e depois teve outro também, que aí matou peixe, matou muito peixe no rio. Se eu não me engano, matou parece que 30 toneladas de peixe. Foi o impacto de Resende. Foi onde jogaram na água e deixaram sair pra água aqueles resíduos tóxicos, aquele veneno que mata planta, que mata...P/1 – Agrotóxico.R – Agrotóxico. Isso. Aquele foi feio. Aquele morreu muito peixe. A gente ia ao rio, a gente chorava. Os peixes tudo morto em cima d’água, tudo morto em cima d’água. Passou no outro dia, os peixes foram tudo pra praia, a praia ficou repleta de peixe. Matou mais de... Ah, muito peixe. Matou mais de 50 toneladas de peixe. Aquele foi feroz. E ainda tem uns... O rio ainda ficou com as consequências daquele impacto. O impacto foi muito danoso, que matou muito peixe, contaminou a água, ainda contaminou também os mangues, as vegetações. Tudo que tava no rio, que tem com relação ao rio aí, contaminou muito. Agora que deu uma melhorada, que a água vai e volta. Mas aquele foi feroz. Espero que não aconteça um desse mais, não.P/1 – Milson, e...R – E...P/1 – Pode falar.R – Não, e também falo essa usina aqui, essa usina de São João da Barra, que os resíduos também saem, o espumante sai também e jogam tudo na água também. Esse rio nosso é poluído o tempo todo. Os de lá foram os mais fortes. Agora, essa usina aqui de conhaque, de bebida aqui em São João da Barra, joga muito... Eles também jogam muito resíduos também pra água, que não deixa de contaminar, né? Não deixa de contaminar.P/1 – Agora que você pesca no rio, quantas vezes por semana você costuma pescar?R – Ah, é de segunda a sexta. Sábado e domingo eu não pesco, não. Principalmente de sábado. Sábado eu não pesco porque é da minha religião. P/1 – Com relação assim... Como se dá a relação com os pescadores? Como vocês se organizam? Como é?R – Temos a Colônia de Pesca. Temos a Colônia de Pesca, onde somos associados e temos todos nossos direitos. Quando precisa de uma ajuda médica, de uma declaração, é a Colônia. A Colônia é a nossa instituição, onde quando a gente precisa, a gente vai lá. E não tem aquela ajuda assim, para os pescadores, ainda, não tem um projeto viável pra ajudar os pescadores. Que o pescador precisa muito de ajuda, é uma rede que perde, aí tem que repor no lugar. É tipo assim, pra dar pra ele animar, pra ele voltar, pra ele não ficar endividado, porque tem pescador que perde material desse aí, aí é prejuízo de 15, 20 mil reais. Aí coitado, tem que se enfiar em dívida, porque não tem um projeto na Colônia viável pra dar, tipo assim, uma maneirada. Não tem um projeto na Secretaria de Pesca. Então fica difícil. Mas a gente quando precisa de alguma coisa é na Colônia. É mais na Colônia. Onde recebemos um seguro desemprego quando a pescaria fecha, tem um consultório dentário lá, mas precisa de muito mais coisa ainda.P/1 – E como que, no caso da pesca no rio, como que funciona o defeso?R – O defeso é de novembro a fevereiro, que é o da piracema. Aí fecha, ninguém pesca, a gente recebe um salário do Governo Federal pra gente não pescar, o do rio. É de novembro a janeiro. E do mar é de março a maio. É de março a final de maio, que é o defeso do camarão. Mas o do rio é piracema. São quatro meses do rio e são três do mar, entendeu? A gente para de pescar e tem uma ajuda do governo, seguro desemprego.P/1 – E durante esse período que vocês não estão pescando, que vocês não podem pescar, você desenvolve alguma outra atividade?R – Não. Não, não, não. A gente fica só esperando mesmo. Até porque não tem outra atividade. Porque se for arrumar um serviço com vínculo empregatício, aí...P/1 – Perde o defeso.R – Não pode, né? Pescador tem que ser pescador. Ele pode até sair, mas atrapalha muito. A gente fica só esperando mesmo, esperando a pescaria abrir. Uns fazem rede. Uns fazem rede, outros ocupam algum tempo com... Eu, por exemplo, ocupo meu tempo com leitura, porque eu gosto de ler, aí fico bem informado das coisas, é o tempo que eu tenho pra ficar mais bem informado. Mas a gente dá uma parada até que volte. É isso?P/1 – Milson, você chegou a ensinar a sua atividade de pesca pra mais alguém?R – Ah, ensinei pra muito pescador. Tem muito pescador que sabe pescar aí porque eu ensinei pra eles. Os jovens de hoje em dia aí, os jovens que estão pescando hoje em dia, o sobrinho meu, tem uns dez primos meus que estão pescando hoje em dia, uns dez primos, tudo começou a pescar comigo, tudo começou comigo. Eu ensinei a manha como é, como é o ritmo da pesca e aprenderam a botar a pedra numa rede, a botar a boia numa rede, o lugar de pescar, a como se comportar na hora de puxar uma rede, enfim, muita coisa eu ensinei pra eles, tem muito pra ensinar ainda. Eu tenho uma experiência lá do mar.P/1 – E como se dá essa relação de aprendizagem entre o jovem e um pescador mais antigo?R – Ah, é legal. Passo toda a experiência, aí a gente passa pra eles o que a gente sabe, o que a gente aprendeu. Eles vão e logo manjam também, que vão com vontade, estão novos. Eu passei por essa experiência quando eu comecei a pescar, eu comecei a pescar com... Como eu sempre falo, eu fui com tudo, eu tava novo, com vontade ganhar meu dinheiro. Mas devido ao tempo, porque 30 anos não são 30 dias em alto-mar, aí o desgaste, não tem como não desgastar um pouco. Agora, os jovens estão com tudo, tudo novo, aprendeu tudo, e estão tudo pescando, graças a Deus. Agora, a maioria hoje não quer nem saber de pescar, não. Eles querem estudar, eles querem fazer curso, a maioria. A maioria. Os que eu ensinei estão tudo pescando, mas só que a maioria, tem uns meninos que estão... Os que são filhos de pescadores, que hoje não querem saber de pescar, não. Estão estudando pra fazer curso. Porque, olha só, há 15, 20 anos, os pescadores quando tinham um filho, e o filho dizia pra pai quando crescer que ele queria pescar: “Ah, papai, eu quero pescar”. Isso há 15, 20 anos. Na minha época mesmo, quando eu comecei a pescar, quando eu vi meu pai pescando, eu também queria pescar. Mas só que agora os filhos de pescadores não querem pescar, não. A maioria quer estudar devido ver o sofrimento dos pais, tem muito pescador doente aí que se trata com remédio, tem muito pescador que ficou com problema de saúde, estresse. E os filhos hoje em dia não querem mais ficar agregados a isso, não, estão estudando. E eu até conheço uma meia dúzia aí que já estão até formados já, já estão trabalhando em outro setor. Filhos de pescadores que trabalham em outra coisa sem ser a pesca. E hoje os pais também.... Os pais de hoje também estão fazendo de tudo para que os filhos não pesquem, estudem. Eu tenho uma filha, graças a Deus eu tenho uma filha, que é uma é uma bênção na minha vida, e tá estudando, vai fazer o último ano agora, tá com 18 anos. Mas se fosse um menino, também com certeza eu ia fazer de tudo pra estudar também. Mas é menina, não vai pescar mesmo, então vai estudar. E ela quer ser arquiteta. Se Deus quiser, nós vamos lugar pra isso. E é isso aí. Porque hoje os filhos de pescadores não querem pescar, como antigamente.P/1 – Milson, como você vê a importância da pesca aqui pra comunidade?R – É muito importante. É a história, um resgate da história. Imagina esse lugar aqui sem pescador, sem pesca. Até porque é um trabalho que você produz pra alimento, pra colocar na mesa das pessoas. Eu quando penso isso, eu fico muito feliz. Quantos mil quilos de peixe eu não coloquei na mesa das pessoas? E coloco até hoje, apesar de pegar bem menos, que é no rio, mas ainda to colocando alimento na mesa do povo. Então tudo ensina, envolve muita coisa. Mas o que nós estamos precisando é de mais um apoio. É de mais um apoio dos órgãos públicos. Pra gente... Porque do modo que tá aí, eu acredito, se não tiver um apoio aí dos órgãos públicos, se não tiver um apoio federal, uma apoio firme mesmo, um apoio pra vir e dar uma infraestrutura, eu acho que a tendência é a pescaria acabar. Que o porto vai entrar na ativa aí, vai atrapalhar bastante. Não tem como, vai atrapalhar bastante. Eu não sabia, eu soube essa semana agora que vão ser 190 navios. Cento e noventa navios e rebocadores que vão ficar trafegando. Vai atrapalhar bastante. Então se não fizer um projeto, se não fizer um projeto viável para os pescadores, pra resgatar, não fortalecer a classe, eu acho que a tendência é acabar.P/1 – E que tipo de projeto você acha que poderia contribuir?R – Era com ajuda de manutenção, com ajuda de apetrecho, é o que mais eles têm prejuízo em alto-mar, entendeu? Já tive muito prejuízo com apetrecho de pesca, já perdi muita rede minha. É aquilo que eu falei com você mais cedo, é fazer projeto pra colocar uma fábrica de gelo com preço de custo, uma bomba de óleo com subsídio, que eu já lutei pra cá, já fui a várias reuniões de Petrobras, mas os órgãos públicos ficam omissos, não vão. E conseguem. Que tem vários lugares que têm. Eu conheço vários lugares que têm essa bomba de óleo. É uma bomba de óleo com subsídio, é livre de imposto, ajuda bastante. Uma oficina com mecânico. Isso tudo é projeto viável. Uma oficina com mecânico, que os motores dos barcos dão muito problema, aí ficam tudo enrolado, quando tem dinheiro, eles fazem, quando não tem, tem que ficar uma semana parado, uns 15 dias, um mês. Uma loja com apetrecho de pesca, com tudo, com tudo com relação à pesca: rede, anzol, nylon, chumbo, cortiça, tralha, agulha, âncora, GPS, sonda, enfim, tudo. É isso aí. Ia ser show de bola. Que tem lugar que tem isso, sabe? E aqui falta essa política. Que se fizer isso aqui, com certeza isso ia melhorar muito a qualidade de vida aqui dos pescadores. E eles iam ficar superfelizes com isso. Mas os órgãos públicos não têm competência pra fazer isso, ficam omissos, acham difícil fazer uma coisa dessas. Dinheiro não falta, né? Dinheiro não falta.P/1 – No caso especificamente da exploração de petróleo, como você acha que impacta para os pescadores aqui?R – Impacta, né? Não deixa de impactar. Teve uma época aí do navio sísmico, aquilo foi impacto ambiental, a pesca diminuiu mais por isso também, porque o navio, aquele navio de sísmico, que solta aqueles...P/1 – Pra perfurar?R – É. Isso.P/1 – Broca de perfuração.R – É. Aquilo afeta. Espantou muito peixe da área aqui. Porque, olha só, antes dele aqui dava muito peroá. Eu tiro por isso. Aquilo espantou muito peixe pelo barulho. Teve uma mulher na reunião que falou que não faz nada, não. Eu falei: “Mas faz sim”. Faz sim. Porque ela tem o estudo dela que ela tem, mas a gente passa lá no mar, como é. O cabo quando passa, ele torneia a água, porque aquilo é elétrico, tem eletricidade naquilo. Então eu tiro que antes disso aqui dava muito peroá. Peroá dava de montão. Ia para o mar num dia e voltava no mesmo dia com mil quilos, com dois mil quilos. Depois que vieram essas pesquisas sísmicas, esse peroá acabou. Acabou o baiacu, acabou a sarda, acabou muito peixe depois disso. Então impacta bastante. Impactou bastante. Eu tenho certeza, não tenho dúvida nenhuma que foi por eles. Não tenho dúvida nenhuma. Porque o peixe não podia sumir assim de repente. E esse peroá dava lá onde eles faziam as pesquisas. Esse peroá dava lá onde fazia pesquisa. Então depois deles acabou o peroá, o peroá sumiu. A gente pegava mil quilos num dia. Hoje, se pegar 30 quilos, é muito. Então eles foram... Com certeza. A causa é deles.P/1 – Mudou a área de pesca de vocês em função da exploração do petróleo?R – Não, a exploração de petróleo, ela é bem mais em alto-mar, né? Ela bem em alto-mar. Mas não mudo, não. Os pescadores que vão pra plataforma, eles pescam lá mesmo, os pescadores de linha. Mas não mudou, não. Não mudou, não. Agora, esse navio aí com certeza impactou muito, o peixe sumiu. Sumiu e nunca mais apareceu. Porque se não fossem eles, quando eles terminassem a pesquisa, aí voltava o peixe. O peixe não voltou, então foram eles. Entendeu? Agora com relação à mudança, não mudou, não. Tá todo mundo pescando, só que com muita restrição. Quando vão pra plataforma, aí vem o rebocador pra tirar os barcos da plataforma, que são 500 metros de distância, que não pode ficar mais. Antes poderia ficar amarrado lá pra pescar anchova, dourado, olhete, olho de cão. Agora não pode mais hoje. Hoje tem que ficar 500 metros afastados. Mas atrapalha muito. Tá doido. E o impacto ambiental que houve esses dias aí. Ficou todo manchado de óleo aí, ficou todo mundo sem apanhar peixe aqui, ficou mais de três meses aqui sem peixe. É, impacta. É um troço terrível. Ainda querem tirar o nosso petróleo ainda. É complicado. Não pode fazer isso. Mas é briga lá dos grandes.P/1 – Tem alguma outra, além dessa... Você já falou do vazamento no rio, falou a questão do petróleo, a questão do porto. Tem algum outro impacto que vocês sentem aqui na pesca recentemente?R – Até que recentemente agora não teve nenhuma ainda, não. Os impactos que estão causando aí foram esses que eu mencionei aí: do rio poluído, do porto e do navio sísmico em alto-mar. Agora, recente agora até que... Tá pra vir coisa pior aí quando o porto entrar na ativa, aí que vai ser mesmo pra... Porque não sei se você já ouviu falar em água de lastro.P/1 – Não.R – Essa água de lastro são as águas que o navio vai... Que limpa o navio. Aí o navio vai jogar aquela água toda, aquilo tudo de resíduo tóxico no mar, na água, aí que vai... Esse é mais impacto ambiental, não tem jeito. Água de lastro. Mas aí quando o porto entrar na ativa. Que você imagina essa porção de navio tudo jogando os resíduos pra água, resíduos tóxicos, que são tóxicos mesmo, aí não tem jeito. É mais impacto ambiental. Vai ser daí pra pior. Por isso que eu to falando, se não tiver uma política assim, voltada pra ajudar o pescador, a tendência é ele desanimar e acabar. Arrumar outro serviço, se virar em qualquer outra coisa, que ele não vai nem querer pescar mais. É. Por que como vai ser? Se for para o mar, não tem um peixe, não tem um camarão; se for para o rio, não tem um peixe. Aí vai viver de que? Realmente tem que se virar, vai ter que ir pra outro lugar. Como eu falei mais cedo, tem vários amigos meus que estão lá em Santa Cruz, saíram daqui. “Tu” viu que aqui a coisa tá literalmente... O bicho tá pegando. Foram lá pra Santa Cruz. Tem mais de 15 barcos pescando lá. Tem uma porção em Macaé também. É isso aí. Se não tiver um apoio que firme aqui, do órgão público municipal e um apoio federal, vai ficar difícil, até para as futuras gerações, entendeu? Principalmente para as futuras gerações, os filhos. É complicado.P/1 – Milson, no caso do turismo, pra vocês pescadores, que influência o turismo traz?R – O turismo aqui é mais o verão. É no verão, as pessoas vêm, eles querem conhecer as ilhas, a erosão que acabou com uma porção de casa aqui em Atafona. O turismo não influencia em nada, não. Todo verão vem gente pra cá mesmo, aí vai passear. Eu tenho até um casal de amigo meu que é biólogo, que ela é antropóloga e ele é professor de História, aí todo verão eles vêm, André e a Cacá. Eu sinto saudade deles. De vez em quando eu ligo pra eles. Eles vêm no verão, eu os levo lá em Grajaú, aqui na ilha aqui, eles tiram fotos, escrevem alguma coisa lá. É isso aí. O turismo aqui é mais no verão. Pessoas que de vez em quando vêm de fora e querem conhecer, aí vão pra Pontal, veem lá a erosão, as casas caídas, vão pra ilha conhecer lá como é a ilha, e conhecer como são os mangues. É isso aí.P/1 – E no caso do... Com relação à pesca, aumenta o consumo de peixe na época de temporada? Vocês vendem mais peixes? Como é isso?R – Ah, vende. No verão é bem melhor pra vender peixe. No verão haja peixe. Uma superdemanda. Que são muitos consumidores e é bem melhor pra vender o peixe.P/1 – E mesmo na temporada vocês vendem através do atravessador?R – Aí varia muito. Aí varia muito. Os barcos grandes já são atravessadores mesmos, isso direto, inverno, verão. Agora os barquinhos menores, que vão aqui pegar um peroazinho aqui, que vão aqui pegar um camarãozinho, os pescadores de rio, são mais os de rio, aí vão ao porto ali, ou então mercadinho, vai ali, coloca seu peixinho e vende, que não tá preso a atravessador. Mas a maioria é atravessador inverno e verão. A maioria tudo tá lá com eles mesmo. Agora, os de pequeno porte aí que vendem. E também tem o mercado ali, que coloca o peixe ali, eles vão e compram ali. Quando não compram diretamente da gente, eles compram na peixaria. Tem peixaria aqui. Enfim, isso aí é tranquilo.P/1 – Milson, qual é a importância da pesca na sua vida?R – Ah, foi muito importante. A pesca, seu for afundo aqui mesmo, se eu for afundo, eu vou ficar até emocionado, porque eu sou muito emotivo. Mas é importante. Aprendi a ganhar o meu sustento com o meu trabalho, ensino isso pra minha filha agora, o que é viver do seu trabalho. Nunca mexi em nada de ninguém, graças a Deus, aprendi só a lutar pra sobreviver. É isso mesmo? E só coisa positiva, só coisas boas. Com todos os contratempos que tem, a gente nasce pescador, a gente nasce pra ser pescador. É isso aí. Mas foi muito importante. Eu tive muitas aventuras em alto-mar, peguei muitos peixes e aprendi a dar valor à vida, principalmente... Aprendi assim, principalmente a dar valor muito à vida, o que é o valor de uma vida. Porque no mar, você debaixo de um temporal, de uma tempestade, você debaixo de um mar revolto, a gente aprende também a exercitar a fé, porque eu não tenho dúvida nenhuma que tem um superior que protege todos os pescadores em alto-mar. Porque em alto-mar os perigos constantes que tem, não tem que ter dúvida que tem um superior que tá olhando, porque são muitos perigos mesmo, os perigos são constantes. E ser o homem que eu sou. A dignidade, o caráter, graças a Deus, até hoje. Eu tenho certeza absoluta que eu vou levar isso até o fim dos meus dias aqui na terra. O que é mais importante é isso aí. Entendeu? É muito bonito.P/1 – Milson, teve alguma coisa que eu não perguntei que você acha que seria importante falar?R – Olha, acho que não. Assim, por incrível que pareça. Você perguntou tudo que tava... Com relação a projetos, o que precisa, acho que foi legal. Perguntou tudo.P/1 – Pra gente ir terminando, tem alguma coisa na sua vida que você mudaria, teria feito diferente? O que seria?R – Olha, quando o meu pai... Quando eu tava na sexta série, que eu passei pra sétima série, porque eu queria estudar, eu conheci um casal, um casal veranista, que eles conheceram nossa família, aí eles falaram pra mim a importância do estudo, foram eles que me colocaram, porque a maioria aqui é analfabeta, a maioria. Agora que tá tendo aula. Agora que tem projeto aí pra dar aula aos pescadores, pra aprender, aí muitos estão indo agora, depois já de certa idade. Agora, na época esse casal me ensinou o valor do estudo. Eles colocaram eu e meu irmão na escola. Eu sou o mais novo, eu sou o caçula de sete, e depois de mim tem outro, que é o Aguinaldo. E os outros nunca ligaram não. Mas eu, quando eles conheceram a gente, eu tinha oito anos, já tava na idade de ir pra escola mesmo. Então eles falaram com meus pais a importância do estudo, onde me colocaram. Eu estudava durante a semana e no final de semana pescava com meu pai. Estudava durante a semana. Então o que eu mudaria, se pudesse, o que eu mudaria era estudar, que eu tinha certeza absoluta que eu não passei pra sétima série porque meu pai me tirou da escola pra me colocar no mar. Aquilo, tipo assim, foi uma geleira que caiu na minha cabeça. “Não, papai, eu quero estudar. Eu quero estudar.” Porque eu sabia a importância do estudo. Eu sabia a importância de um estudo, que esse casal tinha falado pra gente. Mas não deu. Se você me perguntar o que eu tenho arrependimento, assim, de ter saído, não, porque acho que era esse o caminho, era esse mesmo. Agora, com certeza se meu pai não... Se ele soubesse... Porque também não tinha essa visão, né? Se na época ele soubesse o valor de um estudo, eu com certeza estudaria, porque hoje eu tenho certeza não tava na pesca, não. Porque eu saí na sétima série, eu tinha 14 anos. E eu sei, eu sei, porque eu gosto muito de ler, aprendi a ler bem, graças a Deus, aprendi a escrever bem, graças a Deus. Mas às vezes eu tava em outra coisa, eu tava em outro setor também. Tem vez que eu penso assim, às vezes se eu tivesse estudo, se o meu pai me desse estudo, às vezes eu tava em outro serviço, eu tava em outra coisa, mas também não tava nem aqui. A gente não sabe. Então tudo é plano de Deus. Mas eu sei a importância do estudo.P/1 – Falando em importância, o que é importante pra você hoje?R – O que é importante pra mim hoje?P/1 – É. Atualmente.R – A educação, sem dúvida nenhuma. O estudo. Sem dúvida nenhuma. O estudo faz diferença em tudo. A pessoa quando é bem informada, a pessoa tem que se informar mais, tem que gostar de ler pra ficar bem informada, pra ficar atualizada nas coisas. Isso é muito importante. É muito triste... Tem uns colegas meus aqui, é muito triste de ver colega meu aqui que não sabe nem assinar o nome, em pleno século XXI, na globalização, num país, num mundo globalizado. Assim, coisa triste também são eles quando sabem que a gente sabe de alguma coisa, aí vêm perguntar a gente o que tá acontecendo, o que é isso, o que é aquilo. Então isso pra mim é gratificante, porque eu sei, aí passo pra eles. Isso aí não tem preço, é gratificante. Mas ao mesmo tempo é uma coisa desagradável, que eles também poderiam saber também. Então a educação não tem... É tudo. É tudo.P/1 – E você tem algum sonho ainda?R – O sonho com relação à pesca, não tenho mais, não. Acho que já fiz de tudo, já pesquei várias pescarias. Agora, o sonho que eu tenho é de ver minha filha formada, é de passar pra ela... Eu fico até emocionado quando eu falo isso, você me desculpe. É porque emociona. O meu sonho agora é passar pra ela o que eu não consegui. Inclusive, esse ano ela falou pra mim: “Papai, eu vou trabalhar pra eu te ajudar. Eu sei que você às vezes tem alguma dificuldade”. Ela mora comigo, ela é filha de pais separados. Fica com a mãe também, mas ela fica mais comigo. Aí ela falou, eu falei: “Você não precisa, não, minha filha. Eu quero só que você estude”. Porque hoje tá melhor pra estudar, ela ganha livro. Na minha época não ganhava livro, não tinha nada. Meu pai também, poxa, não posso botar a culpa nele, porque se naquela época fosse igual a hoje, eu estaria estudando, eu não me tirava da escola, não. Porque tinha que comprar os livros, ele tinha que me dar dinheiro da passagem, dinheiro de lanche. Hoje minha filha ganha pra estudar. Então esse é o meu sonho, de ver a minha filha formada e chegar um dia de vê-la formada, de vê-la independente. Ela queria trabalhar esse ano, eu fui e não deixei, que ela tá no último ano do segundo grau, vai terminar esse ano. “Ano que vem você pode pensar em fazer alguma coisa. Aí já vai fazer 19 anos, pra fazer algum curso pra você se manter e ficar independente”. Mas o meu sonho mesmo é de chegar um dia e falar assim: “Fiz a minha parte”. De vê-la formada e falar assim: “Fiz a minha parte”.P/1 – Como você se sentiu a...R – Ah, um sonho também que eu tenho, um sonho é esse projeto, lembrei, esse projeto aqui para os pescadores: uma fábrica de gelo aqui, uma bomba de óleo aqui e uma oficina com mecânico aqui, e uma loja com apetrecho de pesca ali. Outro sonho meu, para os meus colegas.P/1 – Milson, como foi contar a sua história aqui pra gente?R – Ah, foi legal, né? Revivi algumas cenas, algumas coisas aqui. Foi uma viagem no tempo aqui. Legal. Achei muito produtivo, muito construtivo. Show de bola.P/1 – Obrigada.R – Tá bom?
Recolher