P/1 – Então, bom. Inicialmente gostaria de agradecer muito Cilinha por nos receber aqui na sua casa, para dar essa entrevista para um projeto que é super importante. Tá, muito obrigado. Bom, para a gente identificar, eu queria que você falasse o seu nome completo, o local e a sua data de nascimento.
R – É, Demercilia Teixeira de Souza, aqui é Augusto Braga, 145. Eu nasci em 6 de novembro de 1975.
P/1 – Nasceu em?
R – Campos.
P/1 – Nasceu em Campos? Ok, 1975. Está bom, antes de entrar na sua vida mesmo, eu vou perguntar um pouco sobre a sua família, sobre os seus pais, a origem da sua família. Você conheceu os seus avôs?
R – Conheci, muito.
P/1 – É? Conta um pouco o nome deles, de onde eles vieram.
R – Eles eram, da parte da minha mãe, eles eram, trabalhavam em roça, negócio de cana, plantava abóbora, essas coisas assim, melancia. Aí nós colhíamos, eu até ajudava na roça também, cortava cana, trabalhava na enxada, tudo isso já passei. Depois, o meu avô da parte do meu pai não tive muito contato não, porque ele morava em outra cidade. Depois o meu avô recebeu uma proposta boa do sítio que ele tinha, pegou e vendeu. Aí vieram para o Farol, para Campos. Dali a idade foi passando, foi passando, minha avó adoeceu, ficou três anos em cima da cama. Meu avô teve um AVC, faleceu. Minha vó ficou sofrendo na cama ainda, minha mãe sofrendo, meus tios, tudo, aí depois ela faleceu. Não fui ao velório deles porque eu passo mal, até eu sou proibida de ir em velório, essas coisas, que eu tenho problema de nervo. Aí foi, a minha vida sempre foi um pouco de alegria, um pouco de sofrimento. Aí veio o problema que as minhas tias da parte de pai com câncer de mama, depois veio de estômago. Aí fui só perdendo meus entes, família e, não fui em nenhum velório, para mim eles estão vivos, não faleceu ninguém. E quando a gente vê, é uma coisa quando a gente não vê,...
Continuar leituraP/1 – Então, bom. Inicialmente gostaria de agradecer muito Cilinha por nos receber aqui na sua casa, para dar essa entrevista para um projeto que é super importante. Tá, muito obrigado. Bom, para a gente identificar, eu queria que você falasse o seu nome completo, o local e a sua data de nascimento.
R – É, Demercilia Teixeira de Souza, aqui é Augusto Braga, 145. Eu nasci em 6 de novembro de 1975.
P/1 – Nasceu em?
R – Campos.
P/1 – Nasceu em Campos? Ok, 1975. Está bom, antes de entrar na sua vida mesmo, eu vou perguntar um pouco sobre a sua família, sobre os seus pais, a origem da sua família. Você conheceu os seus avôs?
R – Conheci, muito.
P/1 – É? Conta um pouco o nome deles, de onde eles vieram.
R – Eles eram, da parte da minha mãe, eles eram, trabalhavam em roça, negócio de cana, plantava abóbora, essas coisas assim, melancia. Aí nós colhíamos, eu até ajudava na roça também, cortava cana, trabalhava na enxada, tudo isso já passei. Depois, o meu avô da parte do meu pai não tive muito contato não, porque ele morava em outra cidade. Depois o meu avô recebeu uma proposta boa do sítio que ele tinha, pegou e vendeu. Aí vieram para o Farol, para Campos. Dali a idade foi passando, foi passando, minha avó adoeceu, ficou três anos em cima da cama. Meu avô teve um AVC, faleceu. Minha vó ficou sofrendo na cama ainda, minha mãe sofrendo, meus tios, tudo, aí depois ela faleceu. Não fui ao velório deles porque eu passo mal, até eu sou proibida de ir em velório, essas coisas, que eu tenho problema de nervo. Aí foi, a minha vida sempre foi um pouco de alegria, um pouco de sofrimento. Aí veio o problema que as minhas tias da parte de pai com câncer de mama, depois veio de estômago. Aí fui só perdendo meus entes, família e, não fui em nenhum velório, para mim eles estão vivos, não faleceu ninguém. E quando a gente vê, é uma coisa quando a gente não vê, é outra coisa.
P/1 – Ficam vivos na memória sempre.
R – Sempre. Para mim eles estão viajando.
P/1 – Me conta um pouco, você disse que nasceu em Campos.
R – Em Campos.
P/1 – É, na área rural de Campos?
R – Isso.
P/1 – Área rural de Campos? Me conta um pouco...
R – Lá em Boa Vista.
P/1 – Os seus pais nasceram aonde? Também em Campos?
R – É, são de Campos também.
P/1 – São de Campos também, entendi. E conta um pouco como é que era a vida ali. Descreve a sua casa na infância, lembra dela?
R – Ah, tinha dois quartos, sala, cozinha, um banheiro, fogão a lenha. Aí, lá na parte de trás da roça tinha todos os tipos de plantação, pé de laranja, pé de limão, pé de coco, cana, melancia, tinha tudo um pouquinho. Aí a gente ia lá, colhia, tudo saudável. Aí meu pai pescava peixe, de água doce, aí ele vendia na rua, com a buzina dele, uma cestinha, saía vendendo. E minha mãe de casa mesmo, na roça mesmo trabalhando com nós. Botava as crias do lado e ia para a roça.
P/1 – Você sempre trabalhou, desde pequena?
R – Desde pequena.
P/1 – Desde pequena.
R – Desde pequena. Na enxada, no facão, até uma vez meu irmão com raiva da minha irmã pequenininha pegou o facão na cabeça dela, pau [risos[. Aí saiu aquele sangueiro, minha mãe ficou desesperada, que o negócio de hospital lá era muito difícil, muito longe.
P/1 – Nossa, como é que vocês fizeram?
R – Aí a gente chamou meu pai de bicicleta e, chamou o vizinho que tinha um carro, aí levou para o coisa. Mas não foi nada sério não, só levou uns cinco pontos eu acho. Que aí tinha coco, essas coisas e tinha muito facão.
P/1 – Uhum.
R – Aí com o tempo, meu avô, a roça foi fracassando, a seca, aí foi aonde que ele vendeu. Aí foi aonde vieram tudo para Farol. Aí, meu avô aposentou, minha avó, aí, acabou o negócio de roça, essas coisas. Mas meu pai continuou trabalhando no peixe, ele pescava, até eu ajudava ele pescar também, peixe de água doce, é tilápia, traíra. Aí te dava tróia, rodava a rede assim, batia e puxava e aquele monte de peixe, cem, cento e poucos quilos de peixe, de tilápia.
P/2 – Onde? Onde vocês pescavam?
R – Isso já a casa do Farol. É no Farol já. Aí minha mãe limpava...
P/2 – Isso em qual rio que era?
R – Era no Lagamar.
P/2 – Ah, no Lagamar.
R – É, aí minha mãe limpava, nós ajudávamos a limpar, aí meu pai vendia o peixe tudo limpinho. Só não fazia o “tique”, mas aí vendia tudo limpo.
P/1 – O que é que é o tique?
R – É que faz ali o “tiquizinho” da traíra.
P/3 – Pega a ponteira e dá os cortes?
R – É, dá os cortezinhos.
P/1 – Como é que é, você faz um?
P/2 – Aqueles cortezinho que abre.
P/1 – Ah, só para um rip, rip, rip. Chama ‘tique”?
R – É, a gente fala “tique”.
P/1 – Ah, entendi. Só antes de, em Campo, né? Vocês ficaram quanto tempo lá? Você já era criança? Você ficou até que idade ali?
R – Olha, eu fui para Campos eu acho que eu tinha...
P/1 – Em Campos, né?
R – É. Quando eu fui para Campos, acho que eu tinha uns 11 anos.
P/1 – Desculpe, você não nasceu em Campos? Não?
R – Nasci em Campos, mas morava no interior.
P/1 – Então, no interior, na roça, tal. Você ficou lá da infância até uns 13, é isso?
R – É, nessa faixa.
P/1 – Lá você disse que o seu pai pescava, né?
R – Pescava.
P/1 – Você lembra qual é que era a técnica, como eles faziam ali?
R – É a malha da, ele é, como fala. Aquela linha náilon, a linha não, é totalmente diferente da do mar, é plástica, linha plástica. Aí as malhas são bem maiores porque os peixes são grandes. Aí eu não sei o nome certo da linha, eu sei que pegava muito peixe, vinha traíra, vinha cará. A gente pescava de boia, botar para pegar traíra, aí saía, colhia aqueles 200 e poucas boias, aí depois colhia as redes. Eu sei que nós vínhamos com bastante peixe, hoje em dia acabou, não tem mais.
P/2 – Lá nessa região?
R – É. meu pai hoje trabalha, é aposentado e trabalha na roça, porque o salário mínimo não dá pra manter eles, minha mãe não é aposentada.
P/1 – É difícil.
R – E minha mãe hoje trabalha de auxiliar de cozinha. Ganha 40 reais, por exemplo, sábado e domingo, aí ganha 80 reais.
P/1 – Entendi.
R – E ela sofre, problema dos ossos, mas fazer o que, tem que trabalhar. Até completar a idade da aposentadoria dela.
P/1 – Com certeza.
R – Vai demorar um pouco, ela tem 63 anos, meu pai que fez 65, agora dia 7 de março.
P/1 – É, me conta um pouquinho, voltando ainda para Campos e, como é que era. Você tinha tempo para brincar um pouco também? Você tinha tempo para, você tinha amigos no, vizinho?
R – Tinha primo, mas cada um na suas casas, porque as tarefas eram grandes, porque a gente trabalhava na roça do meu avô. Eu tenho pavor de boneca, porque eu nunca tive uma boneca, a boneca minha era o trabalho.
P/1 – Você não fazia aquelas de espigas? Não sei, tinha umas? Não tinha brinquedo?
R – Não, aí brincava muito quando podia, era aquele negócio de bolinha de gude, subia em pé de árvore. Quando podia também, quando não podia estava trabalhando. Porque na época no interior as coisas eram muito difíceis. Aí meu avô contava com os filhos, com netos, para não precisar pagar outras pessoas para ajudar na roça. Principalmente quando ele cortava, botava fogo na cana, para cortar a cana. Aí saía aqueles caminhãozão de cana, aquelas caçambas, tudo era a gente que cortava, os filhos, os filhos deles, meus pais, eu também já entrei muito, eu tenho até calo na mão, que é de facão, enxada.
P/1 – Olha.
R – Essa foi um calo já.
P/1 – Porque é que vocês foram para, não sei se você sabe isso, mas porque foi para o Farol e não para outro lugar? O que é que te levou, a família para o Farol?
R – Porque lá no Lagamar tem essa lagoa de água doce e, meu pai vivia disso. Aí comprou um terreno, ali construiu três, quatro cômodos de casa. Aí ali fomos melhorando, mas dependendo da pesca, da água doce. Aí continuou meu pai pescando, ele vendendo, minha mãe limpando, vendendo e, ele parou agora pouco tempo, com 60 anos, de vender peixe na rua. Até quase em Campos ele já foi de bicicleta vendendo peixe, Toco, Goytacazes.
P/1 – 50 quilômetros?
R – Faixa Grande, tudo, rodando tudo de bicicleta.
P/1 – E vendia tudo?
R – Tudo. Graças a Deus vendia tudo, aí trazia mercadoria, trazia fruta para nós.
P/1 – Você se lembra dessa mudança de cidade?
R – Lembro.
P/1 – E como foi esse mudar de lugar, mudar de vizinhos, mudar de...
R – Para a gente foi bom porque a gente saiu da roça, a gente conheceu outros lugares diferentes, mas foi bom, muito bom. Pelo menos saímos daquela agonia de cortar cana, aquela quentura de 40 graus, pensou em um canavial de cana.
P/2 – É.
R – Muitas vezes, eu até falo para o meu marido, que na hora do almoço, as coisas lá eram muito difíceis, na hora que ia abrir a marmita para comer, eu nem comia, eu pegava e ia para a cana, chupar cana. Lá vou chupar cana, aí eu começava a descascar a cana e chupar a cana. Porque lá, comida simples, né, aí aquela quentura, era um ovinho frito, mortadela. Aí eu não comia, eu preferia chupar cana.
P/1 – Uhum. Quando vocês mudaram, você parou de trabalhar ou continuou trabalhando?
R – Não, eu continuei então com o meu pai no Lagamar.
P/1 – Sempre indo pescar?
R – É, sempre.
P/1 – Ele te ensinou tudo?
R – Ele sempre ensinou.
P/1 – Você lembra a primeira vez que você foi pescar?
R – Ah, lembro, que eu até levei a mordida de uma traíra [risos]. Eu fui puxar o anzol, a traíra veio que veio e tampou aqui, tenho até o sinal daqueles dentes.
P/1 – [risos]
R – Também uma traíra desse tamanho.
P/2 – E isso foi em Campos ainda ou já foi no Lagamar?
R – Isso já foi no Lagamar. Lá também no interior tinha os rios também, mas só que meu pai não me deixava pescar não, porque era mais perigoso, era mais fundo. No Lagamar já é baixo.
P/2 – Como é que era a pesca no rio e, depois no Lagamar? Mudou um pouco o jeito de pescar?
R – Não, continuou, é a mesma coisa. Só que lá no primeiro, era fundo e, no Lagamar é baixo, é ralo.
P/2 – Mas aí o tamanho da rede era o mesmo?
R – São as mesmas redes.
P/2 – Mesma rede?
R – A mesma rede, a mesma malha. Eu só não sei te dizer agora que malha é, entendeu, eu sei que é linha plástica, não é linha da do mar, é totalmente diferente.
P/1 – Você conseguiria nos descrever, assim, como é que era? A técnica, quando vocês preparavam? Vocês saiam que horas? Como é que era esse?
R – Ah, meu pai, a gente não tinha hora para ir, era mais a hora que ele via que o peixe estava coiso. Aí, tipo, a rede já vivia na canoa, lá a gente fala canos, muitos falam batera. A gente pegava, ficava eu numa ponta da canoa, o meu pai atrás, no remo. A gente ia, começava a soltar a rede, eu soltava sempre a parte do, a que fica as pedras, o chumbo. Aí soltava o chumbo, meu pai ia lá soltando onde que fica aquelas boinhas, a cortiça, a gente rodava, até soltar a rede toda. Aí parava, papai enfiava um bambu, aí começava batendo. Batendo, batendo, batendo, aí levava umas uma hora batendo mais ou menos, aí meu pai entrava dentro da água, para ficar mexendo no mato para os peixes saírem do meio do mato, sair da toca. Aí ele, era muito bom, muito gostoso. Aí dava o tempo, “Está bom”, aí ele subia em cima da canoa, aí ele não olhava nem para o seco, para a beirada. Aí nós puxávamos a rede, aí já nós trocávamos, eu ficava nas cortiças e ele ficava no chumbo, que era muito pesado para mim. Aí meu irmão também estudava, era mais novo do que eu um ano, que eu tenho 37, ele tem 36, mas na época era tudo criança ainda. Aí nós puxávamos, para o meu pai, por baixo, aí vinha aquela coisa, aquela sacada de peixe, traíra, cará, tilápia, vinha muita coisa.
P/2 – E aproveitava tudo?
R – É, a gente limpava tudo. Limpava e depois meu pai saía vendendo. Ele congelava ali no gelo, ali na água de gelo, aí ele vendia em um dia, no outro dia ele vendia no outro dia, mas tudo fresquinho.
P/1 – E vocês que faziam tudo, pescava, depois ia lá limpava, cortava?
R – Limpava, daí meu pai saía para a rua para vender.
P/1 – Isso a família toda que participava disso?
R – Isso, era tudo unido.
P/1 – Era você, seu irmão, seus pais?
R – É, eu, meu irmão. Tenho mais dois irmãos, é o menino e a menina, só que eles eram bem menores e, minha mãe.
P/1 – Entendi.
R – Aí era tudo ali, junto ali.
P/1 – Então o trabalho da família era pesca?
R – É a pesca.
P/1 – Vocês pescavam todo dia?
R – Enquanto, antes do meu avô vender o sítio, nós vivíamos no sítio, na roça. Mas aí depois que ele vendeu, mas mesmo assim, nós estando na roça, meu pai trabalhava com o peixe. É sempre assim, era da roça, do peixe. Sempre foi assim. Hoje mudou porque ele está aposentado e está fazendo bico.
P/1 – No Farol, a roça vocês não faziam mais?
R – Não, a roça lá não tem.
P/1 – Não tinha mais?
R – Minha mãe tem a rocinha hoje lá no Farol. Ela continua no mesmo ritmo que era antigamente.
P/1 – Eles continuam lá, tal?
R – É, aonde a minha mãe mora, não tem nada. Ela tem um sitiozinho mais afastado, que é lá no Viega, é bem depois do Lagamar. E lá tem a caninha dela, tem os pezinhos de coco, tem aipim. Continua na mesma, no jeitinho dela, adora a roça. Ontem mesmo ela ligou falando que tinha ido para a roça, aí pegou até um chuveiro no meio do caminho. Aí fiquei aí, conheci meu marido com 14 anos, aí namorei três meses, de três meses meu sogro foi lá me pegar. Pegou de bicicleta, eu lembro buscou na bicicleta vermelha. Aí me levou para lá, minha mãe quase deu um piripaque, porque 15 anos. Aí fui morar com minha sogra, graças a Deus é minha segunda mãe, amo minha sogra, meu sogro também amo ele. E dali meu marido pescando, antigamente o mar lá era muito bravo, muito bravo mesmo e, aí meu marido já perdeu muitos colegas dele, que morreram, que o barco tombava, aí o barco caía por cima deles. Aí tem também a Barra do Fuá que é muito perigosa, também já perdeu muita gente lá nas pedras. É muito triste. Aí depois os anos foram passando, foi passando, meu marido também, ele tinha um barquinho antigamente, foi, nós estamos em 2013, tem uns 13 anos, tem para mais de dez anos que o meu marido tinha um barquinho, aí perdeu em alto mar, foi para o fundo. A sorte dos pescadores que antes do barco afundar, ele chamou socorro no rádio de comunicação. Aí foi até um rapaz aqui de Macaé que socorreu eles. Aqueles bichinhos das águas.
P/1 – Mauricinho.
R – Mauricinho das Águas, que socorreu os pescadores. Aí levaram muito tempo indo na água, quando o rapaz pegou ele, levou direto para o seco. Aí levou ele posto, enrolou um cobertor, que já estava dando um...
P/1 – Um choque, né? Térmico.
R – É, já estava congelando. Aí foi muito triste, foi aquela agonia e, consegue, vai lá na Prefeitura e vê se consegue recuperar o barco. Eu sei que só conseguiu do barco, só o motor. Aí nós vendemos por mil e 500 reais, o barco valia 38 mil. Perdemos tudo, aí começamos tudo do zero.
P/1 – Isso ele estava sozinho? Como foi isso aí?
R – Dois pescadores.
P/1 – Dois pescadores e, ele não contou como foi? O que é que aconteceu? De repente?
R – Ele disse que estava ventando muito, aí ele ancorou o barco, foi passar um cochilo. Aí nisso também foi de espantar, a água já estava dentro do barco. Que antigamente tinha muito vento nordeste, muito forte. Aí já estava com os cestos, isopor tudo cheio, dormiu, aí quando foi ver já estava vindo a água gelada nos pés. Aí meu marido que ficou com o prejuízo. Aí inclusive até um dos pescadores é primo dele, mas graças a Deus não morreu ninguém, o mais importante foi isso, senão a tragédia para nós ia ser pior.
P/2 – E eles ficaram quanto tempo no mar? Esperando chegar socorro?
R – Olha, eu acho que ficaram mais de, umas duas horas mais ou menos, eu acho. Eu não sei em detalhes não, mas acho que ficou por mais de duas horas.
P/1 – Só uma pergunta, você falou no passado muitos perderam muitos amigos, né?
R – Meu marido perdeu.
P/1 – Perderam muitos amigos em mar, tal. Qual é que era a infraestrutura que tinha no barco? Ou mesmo dessa polícia marítima para socorro? Como é que?
R – É porque não vai empurrar o barco para dentro do mar, tem uma tábua e tem uma coisa ali que encaixa o ferro do trator. Aí nisso, é de madrugada, quatro e meia da manhã. Aí o mar às vezes está até bravo e eles não estão vendo, ainda manda acho, mal mandado, não sei. Inclusive até um amigo do meu marido, muito amigo mesmo, foram criados juntos, ele morreu porque não soube nadar. Pescava no mar, mas não sabe nadar. E isso tem até hoje, muito pescador já velho e, não sabe nadar. Aí o barco foi e virou por cima dele, aí ele morreu praticamente esmagado.
P/1 – Mas isso já é na costa já?
R – Não, lá na beira da praia mesmo. Vocês não foram no Farol, não?
P/1 – Eu não conheci.
R – Você não conhece não. Lá na beira da praia tem um monte de barco, tem para mais de 800 barcos.
P/2 – Os barcos ficam na areia. Em cima da areia, não fica dentro da água igual aqui.
P/1 – Retomar essa questão da segurança mesmo, quando vocês iam para o mar, assim, vocês tinham colete? Era obrigatório?
R – Tem colete. É obrigatório no barco.
P/1 – Tinha fiscalização disso? Como é que era? Tinha gente que, vocês tinham curso de segurança?
R – Nada.
P/1 – Tinha alguma coisa? Vocês aprendiam por conta.
R – Natural mesmo, a gente olha, vai e, vai aprendendo.
P/2 – Hoje tem, mas antes não tinha não.
R – É que antigamente as coisas eram mais difíceis, hoje em dia a tecnologia vai mudando muito. Antigamente não tinha nada disso. E o mar no Farol é muito bravo. Aí por isso que nós viemos para cá, porque o mar aqui é mais manso.
P/1 – Entendi. Foi depois que vocês perderam o barco que vieram para cá?
R – Foi, mas ainda ele ficou lá pescando ainda. Ficou pescando muito tempo lá ainda, muitos anos. E dia 30 agora eu faço 22 anos de casada.
P/1 – [risos]
R – 22 anos de casada.
P/1 – Legal, hein.
R – Aí temos essas duas crianças, o Álif tem 19 e, a minha tem 12.
P/1 – Já vou até perguntar sobre eles. Você não falou, né, como você conheceu o seu marido. Como foi que você o conheceu?
R – Ah, isso aí eu ...
P/1 – Você só falou que casou. [risos].
P/2 – Só que o sogro foi buscar.
P/1 – É, que o sogro foi buscar. Como é que você conheceu...
P/2 – Mas porque é que o sogro foi lá? [risos].
R – Porque aonde a família dele mora tem mais recurso de onde a minha mãe morava, a família nossa. E era bem distante, a gente ia a pé, uma hora de viagem a pé. Porque antigamente não tinha ônibus, era só bicicleta e cada um tinha seu carro ou moto, cada um se virava do jeito que podia. Aí um dia eu estava no ponto do ônibus com a minha mãe, aí eu vi aquele magrelinho, ele tinha 14 anos, mas aí eu já tinha visto ele em baile, em discoteca. Antigamente tinha muito discoteca em Campos, aí eu sempre paquerava, ficava olhando. Aí teve um dia que nós estávamos em um baile, veio o irmão dele falar comigo, que queria ficar comigo e minha mãe do lado. Eu falei assim: “Não, eu não quero ficar com você não, eu quero ficar com o seu irmão”. Aí ele foi e falou assim: “Aquele magrelinho ali?”, [risos]. Eu disse: “É, aquele magrelinho ali”, aí dali, ele me apresentou e, nós ficamos, assim, dançando. Aí depois sumiu, levei uns três meses sem ver, aí depois disso ainda encontrei de novo na discoteca. Aí dali, nós estamos até hoje.
P/1 – [risos].
R – 22 anos vamos fazer agora dia 30. Até no dia que eu fui morar com ele, era um sábado de Páscoa.
P/1 – Ora, que legal.
R – Aí depois eu fui morar com a minha sogra, aí depois ele foi trabalhando, trabalhando, aí construímos uma casinha nossa no quintal da nossa sogra. Aí meu marido pegou e vendeu a casa, barganhou em um barco, aí foi inclusive até esse barco que ele perdeu em alto mar. aí minha mãe me deu um pedaço de terra lá no Lagamar, aí ele foi e construiu a casinha nossa lá. Aí ele, continuando a vida nossa, aí depois a pescaria lá foi fracassando, fracassando, aí nós viemos para cá.
P/1 – Esse fracassando, fracassando foi por causa do acidente ou é porque foi caindo a pesca?
R – É, de ele perder o barco também, aí ele enjoou de lá também por causa da decepção que ele teve, que foi muito grande, perder um barco assim da noite para o dia, foi muito suor, muito sacrifício dele, que ele pesca no mar desde nove anos de idade e, ele está com 37. Foram muitos anos de mar, já pegou muito mar bravo. Mas nós já fomos já para o Norte, lá para o Espírito Santo, é Barra do Riacho nós já fomos, Aracruz nós já fomos para lá. É, tem outra cidade também.
P/2 – Santa Cruz?
R – Hã?
P/2 – Santa Cruz.
R – É, Aracruz, Barra do Riacho e, é aonde que tio Carlito mora, Regência. Tudo para lá, tudo nós já fomos.
P/1 – Vocês?
R – E ele vai, leva uma semana. Aí vê que dá para levar nós, aí carrega tudo, nós somos tudo unido. Para onde que ele vai, ele nos carrega.
P/1 – Nessas pescarias, você acompanha ele, né? Até hoje, tal. Como é que é? O que é que você faz? Qual é que é a sua função ali? Como você ajuda? Como você, qual é que é o trabalho do pescador?
R – O pesado é ele que faz, aí eu fico segurando o leme. Aí eu ajudo a soltar, abrir os braços do barco, aí ele vai lá na frente, prende. Aí depois a gente vai soltando a rede dentro d’água, aí joga a porta porque é pesada para mim. Aí dali nós vamos, aí ele solta ali 80 metros de corda, 60 metros de corda. Aí leva ali umas três horas, duas horas e meia de arrasto, arrastando a rede, para depois puxar para cima. Aí vem camarão, vem peixe, vem arraia, vem cobra, tem até cobra venenosa e, até picou ele, ele até ficou no hospital, no soro. A cobra malhada. Uma hora eu estava até procurando na máquina, nas minhas fotos que eu tinha na máquina, mas a menina me passou para o computador, mas o computador meu está com um probleminha, aí não dá para ver. Aí é caçar cada camarão, muito bonito, camarão tudo vivinho pulando, é muito gostoso. É muito bom mesmo.
P/1 – E vocês pegam, trazem tudo. Você também limpa, continua limpando, nã, nã, ou você já passa para alguém, para o mercado? Como funciona isso?
R – Aí vai e bota no isopor e separa peixe, camarão. Aí vai e bota, gela, aí no outro dia ele vem para o mercado, vai seis horas, cinco e meia, aí vai para o mercado e vende. Aí ali cada um bota um preço, aí quem pagar mais, aí a gente entrega.
P/1 – Ah, você não tem um comprador já direto?
R – Não, não. Ali fica, ali quem pagar mais, botar preço. Aí agora a pesca está até fechada, são três meses de pesca fechada, o camarão. Ali ele foi para o peixe, está pescando peixe. Aí só vai chegar sexta-feira.
P/1 – Isso que você falou é a Defesa, né?
R – É, a Defesa.
P/1 – Vocês recebem por isso? Esse período? Como é que funciona esse?
R – É, recebe três meses, pela Federal. Eu não recebo não, é ele quem recebe, meu marido. Eu estou ajeitando para eu receber agora.
P/1 – Uhum.
R – Aí recebe três salários mínimos. Mas só que aqui, Macaé, só recebe depois que a pesca libera.
P/2 – É? Segundo o Medeira já recebe.
R – Aqui? Meu marido recebe por Campos, não recebe por aqui ainda não. Ele vai trazer os documentos dele para cá.
P/1 – Entendi.
R – Lá vai começar dar entrada dia 13 ainda, do mês que vem. E a turma lá está pescando, porque tem família para dar comida.
P/3 – Depois que passa o período é que cai o dinheiro?
R – É, aí vai viver como?
P/1 – É, as contas continuam, mas. [risos]
R – Aí os filhos pedindo comida, vai fazer o que, tem que ir para o mar.
P/1 – Tem que ir para o mar?
R – Tem que ir para o mar, senão, aí complica.
P/1 – Você, sempre ajuda ainda na medida do possível, tal. E vocês pegam para vocês também? Comem? Como é que?
R – A gente, até tem um período que está dando muito camarão, a gente descascava em casa. Aí eu tinha até 13, 14 mulheres descascando camarão. O quintal era cheio só de mulher descascando camarão. Aí tinha o comprador, vinha e pegava tudo limpinho, levava. Até agora esses dias ele ligou, quer um camarão, mas a pesca fechou.
P/1 – A pesca fechou.
R – Aí não tem como. Aí a gente limpa o sete barbas, não é camarão pequenininho, não. Aí já é um camarão grande, mas inclusive até não está tendo dele não, ele sumiu.
P/1 – Me fala uma coisa, como foi essa opção para vir para Macaé? Porque Macaé?
R – Porque aqui é mais fácil para pescar, porque é mais perto e, não tem tanto perigo na boca da barra.
P/1 – Uhum.
R – E aqui as coisas têm mais valor, a mercadoria tem mais preço. E lá não, lá paga, já chegou até 50 centavos um quilo do camarão.
P/2 – Ixe.
R – É muito barato, aí não tem como. Aí lá tem a despesa, botar o barco para dentro, para puxar, tem despesa de óleo, de gelo. Se não apanhar a mercadoria, fica devendo no final da semana. Tem que pegar muito camarão para pagar despesa, para sair da despesa, para ganhar já o ganha pão.
P/1 – E aqui?
R – Aqui não tem despesa.
P/1 – Também não são essas despesas?
R – Aqui só bota o óleo e o gelo. E vamos para o mar com Deus. Aí o custo já é mais barato para nós, rende mais. A gente vai, depois da ilha e pesca o que, duas horas depois da ilha, para dentro. Uma hora, depende do local onde está dando o camarão. Porque bota um GPS marca ali, que já sabe mais ou menos, que tem os marcadores, nomes dos lugares onde ficam os camarões.
P/1 – Hoje o barco está todo equipado, assim?
R – Tem. Tem GPS.
P/1 – O que é que tem ali? Quais são, o que precisa para esse barco sair? Tem o GPS, que mais?
R – GPS, tem colete salva vidas, tem aquelas boias que coloca aqui, tem aquele negócio que apaga fogo, extintor, tem que ter isso também, os documentos tem que estar tudo certinho, a Capitania.
P/2 – A documentação.
R – Senão...
P/1 – Rádio?
R – Rádio comunicação. Tem barco que tem a tal da...
R/2 – Sonda.
R – A sonda. O nosso, que eu e meu marido pescamos, tem isso tudo.
P/1 – Você falou que vocês têm o?
R – Tem o guincho.
P/1 – Guincho?
R – Que ali que é, aquela ferragem ali que puxa a corda para cima. Vai puxando, vai puxando, aí até chegar. Puxa as portas, aí as portas têm que botar para cima na mão, porque o guincho não tem como puxar. Aí depois vem a rede.
P/1 – Vocês têm uma infraestrutura ali para dormir? Para comer? Como é que é?
R – Tem, o colchonete na casinha. Aí tem o fogãozinho, fica debaixo da tábua, eles falam a cozinha. Aí tem a prateleirazinha que tem as mercadorias, tudo nos potinhos. Aí ali eu faço arroz, frito camarão, frito peixe, faço a farofinha. Já fiz frango na batata.
P/2 – [risos]
R – É.
P/1 – Tem um cardápio.
R – É, cozinha normal. É a cozinhazinha normal, eu só tenho que levar a mercadoria. Já fiz carne seca na batata, eu cozinho normal.
P/2 – Depois de quanto tempo, depois que vocês perderam o barco, quanto tempo demorou para conseguir adquirir outro barco?
R – Ah, demorou um bocado. Levou uns quatro anos e meio, mais ou menos. Aí depois eu vim pedir para o Centro, de uma meia. Ali ele pagou, foi pagando por mês. Aí pagou, depois apanhou a outra meia e ficou de sócio. Aí foi só trocando de sócio, sócio. Aí hoje ele está pescando aí peixe, com Deus.
P/1 – Vocês têm algum crédito para esse setor? Assim, para a pesca? Tem algum apoio? Prefeitura, Estado?
P/2 – E algum financiamento de banco para comprar essa parte? Ou não, teve que juntar o dinheiro?
R – Não, parece que está surgindo isso agora. E eu não sei como é que é direito, não. Mas parece que tem banco aí que está, vai soltar verba aí para comprar barco. Aí tem não sei quantos anos para poder pagar. Não sei como é que é direito não, mas parece que já tem já.
P/2 – Mas o caso de vocês não foi?
R – Não.
P/1 – Vocês fazem parte de alguma cooperativa? Associação?
R – Associação daqui de Macaé. É até do Júnior, Júnior Abacaxi. Aí a gente é associado ali. No caso aí, meu filho e meu marido são associados ali.
P/1 – Ah, é? E porque é que vocês procuraram? Qual é que é o apoio? Qual é que é a troca que vocês têm?
R – É porque ali eles ajudam os pescadores. Por exemplo, precisa de um plano de rede, ali se for no orçamento que vem da verba da Prefeitura, eles vão e dão. Depende de uma hélice, eles vão e dão. É uma peça de um motor, quebra um motor eles vão, correm atrás. Se eles puderem ajudar, eles ajudam, não atrapalha. E Juninho Abacaxi corre muito atrás disso, para os pescadores. Ajuda muito, ele é bem do povo mesmo.
P/1 – Bom, vocês conheceram ele aqui, né?
R – É, aqui.
P/1 – Como foi chegar a Macaé? Porque é que vocês vieram parar na Barra? Como foi isso?
R – É, nós viemos para a pesca mesmo, para pescar.
P/1 – Você lembra? O que é que você achou? Você já conhecia aqui?
R – Não, no primeiro dia, quando eu vim aqui, meu marido veio pescar, aí levou 15 dias e foi lá pegar nós. Aí alugou uma kitnetezinha, com um cômodo, uma cozinhazinha. O fogão meu é um fogãozinho de uma boca auto reversa. Aí teve uma chuva aí, perdemos tudo. A água, era para baixo assim a casa. Aí inundou tudo d’água. Molhou tudo, perdemos tudo, colchonete, travesseiro, coberta. A coberta deu para recuperar ainda, mas o resto jogamos tudo fora. Aí os vizinhos ajudaram, cada um deu uma coisa. Aí ali foi um fogãozinho, eu cozinhava o feijão primeiro, depois fazia o arroz, fazia o macarrão, ou fazia a carne que tinha, ou fazia um peixe, mas com uma boquinha só. Aí depois nós fomos, passando anos, aí hoje nós estamos nessa casa aqui. Pagamos 700 reais de aluguel aqui nessa casa. Mas passamos um monte de perrengue ainda, altos e baixos.
P/1 – Mas, família, vocês estão gostando de Macaé? Foram bem acolhidos? Como foi?
R – Muito, as pessoas aqui são muito boas. São mais, assim, que ajuda a gente do que em Campos. Daqui eu não saio não. Não tenho vontade de ir para outro lugar mais não. Até a casa minha em Campos eu vendi, para ficar aqui. Não tenho de vontade de voltar para lá não.
P/1 – Você diz que vocês estão aqui há oito anos, né? Você já viu muita mudança em Macaé? Assim, é perceptível que a cidade mudou, cresceu?
R – Mudou, muita coisa mudou. É que eu não sou muito de ficar informada das coisas, não. Mas pelo que eu vejo na televisão que passa as coisas aqui de Macaé, está mudando. Só o que tem que mudar mais aí é o negócio de tráfico. Mas já mudou muito, que até quando nós viemos morar aqui, tinha uma boca aqui do lado, mas graças a Deus acabou. Mas precisa melhorar mais, tem que arrochar mais eles.
P/1 – Mas em relação a pesca, por exemplo, nesses oito anos, você viu diferença? Ela é boa?
R – É, melhorou muito. Tem esse negócio do guincho que dá muita vantagem para o pescador, que não esforça muito o pescador. Tem o pau de carga, que puxa a sacada para cima, que não faz muito esforço, aí é só puxar a cordinha. Aí vem, puxa a corda e, a sacada cai em cima do convés. Aí não faz tanto esforço como era antigamente, que era puxado na mão. A porta antigamente era quantos quilos?
R/2 – 18.
R – 18 cada porta, na mão. Hoje em dia é o guincho que puxa. Eu falei com o meu marido, demora para inventar uma máquina para catar o camarão em cima do barco [risos]. Para separar, porque estão inventando tudo.
P/1 – [risos]
R/2 – Hoje em dia tem porta que pesa até 90 quilos.
P/1 – Como é que é?
R/2 – Tem porta hoje que pesa até 90 quilos.
R – Aí a sorte é o guincho, que puxa para cima.
P/2 – E separamos as portas ali.
P/1 – Ah, depois a gente vai fazer uma filmagem, com certeza. E me fala uma coisa, bom, você gosta de pescar, né?
R – Adoro.
P/1 – Adora?
R – Adoro.
P/1 – Aliás, antes disso até...
R – A terapia.
P/1 – Uma terapia?
R – Para mim é, porque eu tenho problema de saúde, assim, de nervo, aí quando eu vou para alto mar, que fico ali distraída olhando camarão, eu ali vendo a maresia, aquilo me faz bem. Eu venho outra pessoa de lá.
P/1 – Vocês também ficam dias fora do mar?
R – Eu já fiquei duas noites no mar. Duas noites.
P/2 – Em média, cada pescaria é de quanto tempo? É no mesmo dia, vai e volta? Ou sempre é?
R – É que varia muito, sai a partir de meia noite, aí chega sete horas, oito horas da manhã. Muitos já saem seis horas, vai chegar no outro dia. Isso depende de cada pescador, cada tipo de pesca. Tem um monte que pesca pescada, que vai lá, solta a rede, vem para casa, aí no outro dia vai lá, colhe. Aí cada um tem o seu ramo. No caso do meu marido, a gente vai no caso de manhã, por volta de seis horas, aí a gente vem no outro dia, ou leva duas noites. A pesca do vegeta, aqueles camarões grandões, chega a levar quatro noites no mar. eu já levei duas só, aí quando leva muito tempo, aí eu não vou não. Ele já levou quase uma semana no mar. aí saía lá em Búzios para descarregar o camarão, porque o camarão lá é bem mais caro, é bem mais vantagem do que vender aqui.
P/1 – Ah, então vocês fazem isso, de ir pescar, vende em outro lugar, aí depois volta?
R – Isso. Aí lá eles abastecem, bota gelo, bota orla e, volta de novo para a pescaria, aí depois vem e sai aqui.
P/2 – Aí aqui vende os peixes?
R – É, peixe, camarão, lula, polvo. O que vier na rede eles vendem, siri. Aqui não perde nada não.
P/1 – E aqui vocês se organizam que nem no Farol? Que é vocês mesmo que vendem ou já tem os compradores certinhos?
R – Lá tem comprador também, mas só que lá, os compradores de lá gostam de comprar bem abaixo do preço normal. E aqui não paga tão bem, mas eles dão mais valor na mercadoria.
R/2 – Que também chega da cidade grande para o interior e, a cidade grande.
P/2 – Mais concorrência, né?
R – É.
P/1 – É. E me fala uma coisa, você ensinou seus filhos a pescarem? Você incentiva eles pescarem?
R – Ele trabalhava na loja de coisa de pesca, vendia depois. Mas aí o salário estava muito pouco, aí o pai foi e chamou ele para o mar, que ganhava bem mais. Aí está aí, pescando aí com o pai. Até inclusive ele não foi essa viagem porque está com médico marcado. Que tem que cuidar da saúde também, né.
P/1 – Claro.
R – Não é só mar. que aí tem que passar protetor solar, porque pega muito sol. O sol lá é totalmente diferente quando a gente está aqui na rua, lá é sol e vento. Aí acaba com a pele da pessoa. Tem pescador aí de 40 anos, mas parece ter 60, porque não se cuida, não passa um protetor solar, não passa nada. Isso aí deveria ter, né. Eles também que ter consciência e se proteger.
P/1 – Essas conversas, essas questões aparecem na Associação? A Associação dá essas instruções?
R – Eu acredito que sim, mas aí depende de cada pessoa. Tem gente que não se cuida, não gosta, não tem vaidade. O meu filho pesca no mar, mas ele é vaidoso. Você olha para ele, ninguém diz que ele pesca no mar, mas tem, ele gosta também. Até eu estou, ele veio, passou por um teste aí para ver se ele passa para modelo. Que eu não quero ele ali também, na minha vida, o pai não conseguiu sair dali. Com o meu avô também não. Que a pescaria é rica, mas aí não tem futuro. Aí no caso, já parou o estudo para pescar. Aí um menino novo, 19 anos, não tem futuro. Só fica ali pescando, faz dinheiro, aí no caso compra um carro, um imóvel, mas mais para frente ter um trabalho fixo, carteira assinada, uma profissão, não tem.
P/2 – Pescador você acha que não é profissão?
R – É, mas só que não é tão, como se diz, não é tão valorizada como ter um estudo. Você vai procurar um emprego tem que ter o segundo grau completo. Até para faxina, faxineira tem que ter o segundo grau completo. Eu mesmo, várias vezes eu procurei emprego para mim porque eu não tenho estudo, só tenho a quarta série. Estou até pensando, estou cuidando, estou com problema sério de saúde, que eu descobri que eu estou com um nódulozinho na mama, aí eu estou cuidando. Aí eu estava até pensando voltar a estudar de novo. Aí depende também, o dia em que eu estou no mar, aí como é que eu vou estudar? Que aí não tem a falta, se tiver muita falta perde o ano. Tem esse detalhe. Aí eu não quero isso para os meus filhos não. Meu filho, a minha filha, ela pensa de outra maneira. Ela é muito inteligente.
P/1 – Ela nem pensa em trabalhar com isso? Em pescar?
R – Não, ela é muito estudiosa, graças a Deus, não me dá trabalho nenhum. É a melhor aluna que tem na sala dela. Tem um monte de currículo, aluna nota dez. Ela é muito estudiosa. E ela não para de estudar nada para a prova não, ela pega, vai, faz, mas é o dom dela mesmo.
P/1 – E o Alif?
R – Álif, fez, estudou até o segundo grau.
P/1 – Segundo grau. Terminou?
R – Terminou. Aí do terceiro ano, parou para ir para o mar.
P/1 – Vocês tiveram uma conversa? Como foi, sua família, assim, para decidir?
R – Ah, foi de repente, ele foi na curiosidade com o pai e, dali mesmo foi gostando, dali mesmo foi ficando. Aí pediu dispensa no serviço e, foi em um final de semana, aí gostou, o rapaz entendeu o lado dele, aí foi, liberou. Porque no mar ganha mais.
P/1 – Uhum. Tem outras mulheres também, que você conhece, tem muitos pescadores aqui no bairro, né?
R – Tem.
P/1 – Você conhece outras mulheres que também são como você, que vão para o mar, que trabalham?
R – Não. Que eu conheço, só eu mesmo. Só doida aqui, só eu. [risos]. As mulheres ficam tudo apavoradas quando eu falo que eu vou para o mar pescar, “Você é doida, você vai fazer o que no mar? eu morro de medo. Até para eu ir na beira da praia tomar banho eu tenho medo”, disse: “Mas eu não tenho”. Já peguei mar bravo lá com o meu marido, o barco entrando água e, joga água e liga a bombinha para tirar a água, foi um sufoco. Meu marido queria amarrar a boia em mim do colete, eu disse: “Não”. Aí eu fiquei tampada na casinha do barco ali, ninguém fez eu sair dali. [risos].
P/1 – [risos].
R – É que boto meu colete, parece que eu vou morrer sufocada, sei lá, dá uma impressão estranha, eu fui e arranquei fora. Eu tampei na casinha. Aí ele falou: “Olha, se acontecer alguma aqui eu vou te jogar dentro do isopor, hein”. Ah, mas é bom. Eu gosto.
P/1 – E vocês também param um pouco? Tem férias? Saem?
R – É, no caso de segunda à sexta, eles pescam de segunda à sexta, sábado e domingo a gente passeia, faz um churrasquinho assim. Vai à Imbetiba, então leva as crianças para tomar banho. Aí de domingo a gente vai à igreja, tem que procurar Jesus também, porque é bom, para ele nos acompanhar. Minha mãe fala que água não tem cabelo, não tem aonde agarrar para se salvar, aí tem que pedir muita força a Deus.
P/1 – Vocês são religiosos?
R – Todos.
P/1 – Sua família também era? Alguma coisa de...
R – É, cada um tem a sua religião, sua crença.
P/1 – Desde que você está aqui, né, você acha que tem diminuído o número de pescadores, de barcos? Você acha que está mudando isso ou está normal? Ou aumentou?
R – Bem, aí em Campos, lá no Farol, diminuiu muito os pescadores. Diminuiu muito, muitos vão trabalhar em pedreiro, ajudante de pedreiro. E aqui, assim, conheço e não conheço muitos pescadores não. Porque quando eu vou para o mar eu boto o macacão, boto a bota, um boné, pensam que é um homem que está lá pescando. Aí não tem muito esse contato com muitos não. Porque meu marido também não gosta de me expor muito assim também não. Tem dois vizinhos aqui, eles ficam admirados de me ver pescando no mar, porque eu sou uma heroína. Que a mulher dele fala: “Que, eu não vou não. Eu não vou não, eu cato latinha na rua, mas não vou para o mar”.
P/1 – Mas você organiza elas, né? Você falou que tinha a questão de descascar o camarão, tal, você tem uma participação com as mulheres aqui do bairro? Como é que é?
R – Eu tenho as, tem as amizadezinhas. Quando tem o camarão, eu chamo elas, aí quando elas podem vir, elas vêm e descascam. Aí a gente paga por quilo, três reais o quilo. É o mesmo preço que as mulheres no mercado descascam. A gente acompanha o mesmo ritmo de lá, que a gente dá valor, que dá trabalho. Aí elas descascam 15 quilos, 20 quilos, depende de cada mulher que é mais ágil. Até eu entro na ciranda, descasco camarão também. A minha filha também, ela gosta também de descascar.
P/1 – Junta aqui todo mundo?
R – É, imagina esse quintal aqui cheio de mulher.
P/1 – Vem aqui e, você que vende? É o camarão que vocês trazem, é isso? Ou monte de gente traz camarão para cá?
R – Não, ele é do barco que meu marido pesca.
P/1 – Só do barco?
R – Aí traz, a gente descasca, a gente bota as mesas aqui, as caixas, compensado, aí cada um vai trabalhando, botando nos seus potinhos, vai pesando. Aí dá para ganhar um dinheiro. Aí eu estava falando, o negócio de uma falou comigo, “É, Cilinha, cadê o camarão para nós descascar para eu ter o meu dinheirinho, está fazendo falta”. Eu disse: “É, mas não está tendo. Não pode pescar agora, porque a pesca está fechada”. Porque se pegar, ele leva multa muito grande e, o barco vai preso, perde a carteira de pesca, perde tudo. Se o Ibama pegar. Aí está pescando peixe agora.
P/1 – Isso é aqueles controles, né, para questão ambiental, né? Para deixar o camarão ali para?
R – Para crescer o camarão.
P/1 – Crescer, né?
R – Que agora está na época da produção.
P/1 – Exato.
R – Aí os camarões, tem que dar uns três meses para eles crescerem.
P/1 – Esse tipo de informação, por exemplo, vai na boca miúda, assim, ou tem curso? O Ibama vem procurar vocês? Tem alguma coisa assim?
R – Ah, que eu saiba não. É parou, parou.
P/1 – Vem uma lei, pah.
R – Vem, a lei lá de fora. Aí fechou dia primeiro, aí só vai, nós estamos o que? Março, abril, maio, vai abrir ia primeiro de maio. E recebe esse salário mínimo da Defesa. Aí a colônia aqui parece que ajuda a dar cesta básica, mas meu marido que não tem os documentos daqui ainda, aí ele não apanha.
P/1 – Entendi. Pegando essa questão da pesca ainda. Tem alguma história que você viveu com o mar que você gostaria de contar para a gente?
R – Como?
P/1 – Alguma história sua ou uma narrativa, enfim, um causo que aconteceu com você no mar? Nessas viagens, que você lembra... Que você gosta muito? Ou que foi muito perigoso?
R – Foi a história do mar bravo.
P/1 – Como foi esse dia? Vocês estavam lá, tal?
R – É, o mar estava mansinho, de repente o vento caiu, caiu, aí não teve como a gente aumentar e pegamos o vento à sudoeste. O mar ficou bem agitado, aí foi onde o meu marido ficou com medo, me deu para botar o colete, eu não quis, parece que eu ia morrer sufocada. Foi onde eu agarrei na casinha e, não queria, [risos], ninguém fez eu sair.
P/1 – Não quis sair, né?
R – Olha, foi adrenalina pura.
P/1 – Você diz que viajou muito, para vários lugares aí pelo litoral, né?
R – É, lá para o Norte.
P/1 – Teve algumas dessas que você gostou muito? Vocês desceram, foram conhecer? Ou vocês não têm tempo para conhecer os?
R – Não, não tem não. A gente vende mercadoria e, volta para o mar de novo, carrega, abastece e volta de novo.
P/1 – Tá.
R – Mas é bom, muito bom.
P/1 – Ok. Bom, a gente vai então caminhando mais para um fechamento da entrevista. Está tudo bem?
R – Tudo bem.
P/1 – O que é que você está achando? Está tudo em ordem?
R – Está legal.
P/1 – [risos]. É, vamos pensar. Qual foi o dia mais feliz da sua vida?
R – O dia mais feliz da minha vida? Quando os meus dois filhos nasceram.
P/1 – Como foi esse dia? Vamos lá, pelo primeiro, o Alif. Alif?
R – Álif.
P/1 – Álif?
R – O primeiro, eu ganhei ele no hospital sozinha, sem médico, sem enfermeiro, sem nada. E o médico está vindo, o médico está vindo, quando for ver já nasceu, estava nascido. Na força, na marra ali. Pior se não tivesse passagem, morria entalado, né?
P/1 – Verdade.
R – Aí depois que o menino nasceu, aí levou uns 20 minutos, aí veio uma doutora e veio um médico. Aí nasceu tudo direitinho, fiquei no hospital, depois fui para casa. Aí passou uns anos, depois de cinco anos, engravidei da menina. Porque o remédio me dava muita dor de cabeça, aí o médico falou: “Ou você engravida e opera, ou você fica tomando remédio sentindo dor”. (pausa). Aí veio ela. Aí eu operei também, fechei a fábrica, não quis mais não. Aí onde que eu tenho um casal.
P/1 – E ela foi mais tranquila? Foi no hospital também?
R – Foi no hospital, fiz um escândalo, porque eu fiquei com medo do primeiro. Aí depois eu pedi até desculpa à doutora, a doutora novinha. Aí eu fui e contei a ela porque é que eu fiz tanto escândalo, ela disse: “Não, até eu faria o escândalo”. Eu fiz o escândalo porque eu fiquei com medo, fiquei com trauma. Pensou, mãe de primeira viagem, você ganhar o neném sozinha no hospital? Sem enfermeira, sem nada? Foi muito dolorido para mim, fiquei com trauma.
P/1 – Isso foi lá na?
R – Lá em Campos.
P/1 – Lá em Campos?
R – Lá em Campos. Até essa clínica é fechada hoje.
P/1 – E ela? Olha.
R – Ela nasceu lá também.
P/1 – Na mesma?
R – Não, não foi na mesma clínica não.
P/1 – Ah, tá.
R – Ela nasceu na Beneficência. Mas no dia do parto dela, eu fiz um escândalo muito triste. A doutora, depois eu pedi até desculpa para ela. Aí depois que eu estava calma, eu fui e contei a ela do primeiro filho meu. Ela disse: “Ah, até eu também faria a mesma coisa”.
P/1 – Fala uma coisa, oh, eu não conheço nada da cidade. Daqui, qual é que é o lugar que você me levaria para conhecer? Assim, “Esse aqui é o lugar que eu acho que merece ser conhecido da cidade”, assim?
R – Aqui em Macaé?
P/1 – Que você gosta ou que? Ou o contrário, né, “Oh, vem ver isso aqui que”?
P/2 – O negócio está feio.
P/1 – “O negócio está bravo aqui, oh, dá uma olhada”. Qual é o lugar que você me levaria, assim?
R – Aqui em Macaé tem muito ponto, ele pescador, ele sabe, tem muito ponto triste aqui também em Macaé, que precisa muito de ajuda. Agora ponto que eu goste muito...
P/1 – Que você goste?
R – Que é uma praia que eu gosto muito é ir nos Cavaleiros.
P/1 – Cavaleiros.
R – Os Cavaleiros, lá é muito bom. A Imbetiba também está passando por uma reforma, vai ficar muito bonita também. As praias que eu gosto, é a dos Cavaleiros e a da Imbetiba, mais nos Cavaleiros.
P/1 – Então o que você gosta é a praia?
R – É, a praia, é ali, a maresia.
P/1 – Uhum.
R – O cheiro do mar. É muito bom.
P/1 – Esse bairro, dos oito anos que você está aqui, tem crescido? Está chegando gente?
R – Muita coisa. Vem muita gente de fora, da Bahia, é Minas, vem muita gente de fora, muita gente mesmo. Até a gente passa, vai lá na esquina ali, só vê mais gente que a gente nunca viu. E gente procurando casa para alugar, está crescendo muito.
P/2 – E porque é que esse pessoal está vindo para cá?
R – Para procurar emprego. É firma, empregada doméstica, essas coisas assim. Porque aqui tem mais coisa do que para lá onde que eles vivem.
P/2 – Para pesca, igual vocês, não é muita gente que está mudando para a cidade? Você não vê muito?
R – Não, é mais gente para trabalhar em firma, empregada doméstica.
P/1 – Ninguém chega batendo lá no barco? “Posso trabalhar com vocês”?
R – Não.
P/1 – Isso não acontece?
R – Não. Meu marido traz pescador lá de Campos para vir pescar com ele aqui, porque aqui é muito difícil.
P/1 – Uhum. Como você imagina essa cidade daqui a 20 anos?
R – Deve ficar para melhor, né. Que o Prefeito que entrou agora, a gente espera que ele faça muita coisa boa para Campos, ah, para Campos, para Macaé. Deve melhorar muito.
P/1 – O que?
P/2 – O que você quer que melhore? O que você queria que melhorasse?
R – A parte da área da Saúde, melhorar muito porque está precisando, da Educação, que precisa. Agora no momento que está precisando muito, que eu vejo muito na televisão é a área da Saúde. Que agora esses dias eu fui na UPA, meu filho passando mal, eu levei mais de duas horas para ser atendida e, ele com 40 graus de febre. Aí até hoje, ele colheu o sangue, fui apanhar o resultado do exame dele, até hoje não sabe para onde foi o resultado dos exames dele de sangue. Aí eu não sei se ele estava com dengue, não sei nada. Só passou benzetacil para ele tomar.
P/1 – Está tendo problema de dengue aqui, né? Na região?
R – Muita, isso aí está geral, está todas as cidades.
P/2 – E aqui para o bairro, o que você acha que poderia ter no bairro que poderia ficar mais agradável, mais interessante?
R – Olha, eu não sei. O que Jú?
P/2 – Ah, se para você já está bom, está bom. [risos]
R – Não, tem que melhorar. Tem que melhorar, mas e...
P/1 – Mas o que?
R – Sei lá. Eu sei que tem que melhorar alguma coisa. [risos]. Eu não sou muito de sair disso não, eu estou mais em casa.
P/1 – Aqui pelo jeito está ótimo.
R – É meu cantinho. Eu amo o meu cantinho. Eu gosto de ficar em casa. Até meu irmão mais velho, dos homens, ele até reclama comigo que eu fico muito dentro de casa. Eu amo ficar dentro de casa, eu gosto da minha casa, não gosto de estar na rua batendo perna. Para eu ir na rua, só para eu agir, aí eu ajo tudo de uma vez só. Não gosto de estar batendo perna. “Mas você tem que sair na rua. tem que sair, conversar com os vizinhos, apanhar amizade”. Eu disse: “Eu não, eu quero, deixa eu dentro casa vendo minha televisãozinha, que eu estou melhor”. Ficar na casa de um e outro, não gosto.
P/1 – E Cilinha e, fala uma coisa.
R – Não fui criada assim.
P/1 – Não foi, né?
R – É, não fui criada assim. Eu gosto de ficar dentro da minha casa, agindo minhas coisas.
P/1 – Cilinha e, assim, olhando, né, a gente está falando sobre a sua vida, nessa sua trajetória. Olhando para trás, teria alguma coisa que você mudaria? Teria feito outra opção?
R – Estudar. Estudar, ter uma profissão, assim, e antes de eu ir para o mar, no caso. Estudar, porque eu parei de estudar cedo, só fui à quarta série. Aí eu casei, não tive como, na época o meu marido não tinha negócio de estudar à noite, aí depois as coisas foram prolongando, aí vieram os filhos. Aí foi só dificultando mais ainda. Que antigamente as coisas eram mais difíceis, assim, para estudar, hoje em dia está mais fácil, tem como estudar à noite, fazer um Supletivo. Antigamente não tinha, eu estou até pensando, depois que eu sair desse problema de saúde, eu voltar, ver se eu me matriculo na escola.
P/1 – Legal.
R – Tem que estudar.
P/1 – Vocês têm alguma questão?
P/2 – Não, por mim acho que.
P/1 – Tem alguma história que a gente não perguntou, né, porque tem várias, eu imagino, mas que você gostaria de contar e a gente não perguntou? Algum caso? Uma vez que você foi não sei aonde?
R – Um caso triste que aconteceu com nós, foi a perda do barco nosso que foi um baque para nós, que nos perdemos. E nós agradecemos muito a Deus ainda dos pescadores não terem morrido. E a aventura que eu tive no mar, assim, foi no dia do temporal, [risos].
P/1 – Entendi. Mas tem alguma que a gente não perguntou? Que você não falou, que você gostaria de contar?
R – Não.
P/1 – Não?
R – Só.
P/1 – O que é que você achou de contar a sua história?
R – É bom.
P/1 – Foi bom?
R – Bom, pelo menos vai ficar registrado em algum lugar.
P/1 – [risos]. Mas foi bom por quê?
R – Hã?
P/1 – Porque é que foi bom?
R – Ah, pelo menos alguém vai saber da minha história.
P/1 – Está certo.
R – Que tem uma mulher que vai para alto mar pescar, né? Não tem a Presidente mulher lá, comandando o Brasil? Por que não tem uma mulher pescando no mar? [risos].
P/1 – Maravilha. Gente, então em nome do Projeto, Cilinha, muito obrigado, tá, pela entrevista. Muito obrigado.
R – De nada.
P/1 – Tudo bem?
R – Bem, foi bom.
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