Projeto Plastek
Entrevista de Fabíola Fratogianni Eid
Entrevistada por Nataniel Torres
São Paulo, 13 de setembro de 2023
Código da entrevista: PLAS_HV005
P - Para começar eu vou pedir para você, por gentileza, dizer seu nome completo, seu local e sua data de nascimento?
R - Fabíola Fratogianni Eid, data de nascimento 02/09/85, São Paulo.
P - E qual o nome dos seus pais?
R - Roberto Eid e Maria Olivia Fratogianni
P - Os seus pais são vivos?
R - Sim, ambos.
P - E com o que eles trabalham?
R - O meu pai atualmente está desempregado, ele tinha uma empresa de dedetização, mas não foi para frente, então ele está tentando se aposentar, porque ele também tem algumas comodidades de saúde. E minha mãe trabalha no RH, ela é formada em RH e ela é gestora de RH de uma empresa de contabilidade.
P - E você sabe a história dos seus avós por parte de mãe ou de pai?
R - Pouco! Meus avós por parte de pai, o que eu sei, é que os pais do meu avô vieram refugiados da Síria, mas a irmã dele já era viva, ele não, ele nasceu no Brasil, meu vô. E a minha avó eu não sei, eu sei que ela tem descendência espanhola, mas não sei também de onde veio. Ela morreu quando eu tinha um ano e o meu vô morreu quando meu pai tinha 8 anos de idade, então eu não conheci os avós paternos. Os maternos, a minha avó também tem descendência espanhola, mas eram do Brasil, se eu não me engano a mãe dela era espanhola. E o meu vô, o pai era italiano e a mãe era polonesa, e aí eles já morava aqui no Brasil, ele também nasceu no Brasil, então não são imigrantes, nem nada disso. Meu vô era formado, era contador, ele era contador. Minha avó era dona de casa, fez aquele curso básico primário, que ela me contava que era até quarta série para as mulheres, aprendia a bordar, costurar, cozinhar. Isso é até grave, mas foi isso! Meu vô morreu já tem alguns anos, 20 anos. E a minha avó morreu em 2020, ou 2021, acho que foi em 2020, no início da...
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Entrevista de Fabíola Fratogianni Eid
Entrevistada por Nataniel Torres
São Paulo, 13 de setembro de 2023
Código da entrevista: PLAS_HV005
P - Para começar eu vou pedir para você, por gentileza, dizer seu nome completo, seu local e sua data de nascimento?
R - Fabíola Fratogianni Eid, data de nascimento 02/09/85, São Paulo.
P - E qual o nome dos seus pais?
R - Roberto Eid e Maria Olivia Fratogianni
P - Os seus pais são vivos?
R - Sim, ambos.
P - E com o que eles trabalham?
R - O meu pai atualmente está desempregado, ele tinha uma empresa de dedetização, mas não foi para frente, então ele está tentando se aposentar, porque ele também tem algumas comodidades de saúde. E minha mãe trabalha no RH, ela é formada em RH e ela é gestora de RH de uma empresa de contabilidade.
P - E você sabe a história dos seus avós por parte de mãe ou de pai?
R - Pouco! Meus avós por parte de pai, o que eu sei, é que os pais do meu avô vieram refugiados da Síria, mas a irmã dele já era viva, ele não, ele nasceu no Brasil, meu vô. E a minha avó eu não sei, eu sei que ela tem descendência espanhola, mas não sei também de onde veio. Ela morreu quando eu tinha um ano e o meu vô morreu quando meu pai tinha 8 anos de idade, então eu não conheci os avós paternos. Os maternos, a minha avó também tem descendência espanhola, mas eram do Brasil, se eu não me engano a mãe dela era espanhola. E o meu vô, o pai era italiano e a mãe era polonesa, e aí eles já morava aqui no Brasil, ele também nasceu no Brasil, então não são imigrantes, nem nada disso. Meu vô era formado, era contador, ele era contador. Minha avó era dona de casa, fez aquele curso básico primário, que ela me contava que era até quarta série para as mulheres, aprendia a bordar, costurar, cozinhar. Isso é até grave, mas foi isso! Meu vô morreu já tem alguns anos, 20 anos. E a minha avó morreu em 2020, ou 2021, acho que foi em 2020, no início da pandemia, nas complicações do Alzheimer.
P - E a história dos seus pais, eles chegaram a te contar como eles se conheceram, como é que foi essa história? E se sim como foi?
R - Eles nunca me contaram como se conheceram, eu sei que o meu pai era amigo da prima da minha mãe, e aí eles se conheceram em algum lugar, alguma balada, algum bar e aí eles ficaram juntos, mas era sempre um relacionamento conturbadinho, eles nunca tiveram um relacionamento sério. E aí a minha mãe engravidou, minha mãe escondeu a gravidez até o oitavo mês, mais ou menos, sétimo, oitavo, da família, e aí quando ela contou, meu vô queria que meu pai casasse, meu pai fugiu. Enfim, o que eu sei, que meu pai me conheceu quando eu tinha só cinco, seis meses de idade. Apesar de que eu tenho foto com dele comigo recém-nascida no colo, então eu não entendo bem essas histórias, por que cada um conta o seu lado, né? Eles são separados, então eu não tenho muito entendimento disso. Eles têm uma relação bem conflituosa. Mas eu acredito que tenha sido isso, dessa maneira que eles se conheceram.
P - E como foi a sua infância?
R - Olha, é difícil eu lembrar da infância, mas eu lembro poucas coisas, dos meus pais juntos eu lembro de pouca coisa, eles se separaram eu tinha 13 anos, eu lembro deles juntos, mas eu lembro já da parte do relacionamento conturbado, brigas e separação. Mas da minha infância eu lembro… eu era uma criança muito quieta, muito calada, muito tímida. Eu gostava muito de dançar, meu divertimento era câmera, alguém me filmando e eu dançando e cantando, era o meu sonho ser apresentadora, ser cantora, atriz. E era isso. Mas eu não tinha muitos amigos, poucos amigos, na escola geralmente era uma, duas amigas. Eu aprontava bastante, lá pela casa dos 11, 12 anos, mas antes disso eu era bem quieta, estudiosa, CDF da escola, enfim.
P - Como era a casa que você morou na infância?
R - Eu lembro só do apartamento que eu fui morar quando eu tinha 3 anos e morei até os 13, então eu lembro desse apartamento, que era um apartamento de 3 dormitórios, eu tinha a minha suíte, minha irmã tinha o quarto dela e os meus pais uma suíte deles também. Era um apartamento bom, de luxo, que meu pai ganhou de um primo dele, quando ele casou, na Mooca. Morei lá a minha vida inteira, quando os meus pais se separaram eu fui morar na Rua da Mooca, também na Mooca, em outro apartamento, já menor, com dois quartos, era um quarto meu e um da minha mãe com a minha irmã. Como eu cresci com uma suíte, foi difícil na adolescência falar, agora você vai dividir um quarto com a sua irmã. Veio a separação dos meus pais, veio a mudança de escola para pública, porque eu estudava no particular. Meu pai também perdeu o emprego. E veio a separação, então era muita coisa. E aí a minha mãe resolveu deixar um quarto para mim e ela ficou dividindo com a minha irmã, que tinha 9 anos na época. Foi um tempo assim, até a gente se mudar para outro apartamento, dentro do mesmo prédio, e aí a gente dividiu o quarto, eu e minha irmã. Mas era basicamente isso. Era um prédio até de alto padrão, na Mooca, que eu morei na infância, tinha piscina, tinha quadra, tinha os meus amigos lá, enfim.
P - Você comentou sobre a sua irmã. Qual o nome da sua irmã?
R - Andreia.
P - E como era a sua relação com a sua irmã?
R - Ela nasceu eu já tinha 5 anos, então no começo eu tinha muito ciúmes da minha irmã, muito ciúmes mesmo. E aí a gente nunca teve uma relação assim muito boa, era sempre de briga, primeiro porque quando eu tinha 10, ela tinha 5, quando eu tinha 15, ela tinha 10, então a gente não tinha uma idade… hoje mais compatível, mas naquela época bem incompatível para conviver. E aí a gente tinha uma relação um pouco conflituosa, mas depois na adolescência a gente fez se afastando, a gente não tem uma relação muito próxima, eu e ela.
P - Você contou sobre a separação dos seus pais. Como é que foi isso para você na infância?
R - Foi muito difícil entender, eu descobri, eu descobri não, eles deixavam abertamente, meu pai traiu a minha mãe, tinha arrumado uma amante. Então, tipo, eu era muito… tinha 13 anos, nunca tinha me relacionado com alguém, eu não sabia qual era a dor de ser traída, nem nada disso. Então na minha cabeça era bem confuso entender, eu sabia que meu pai estava errado, mas o que que eu fazia com aquilo, com aquela informação. Teve umas alienações parentais lá no meio, minha mãe jogando meu pai contra mim, minha mãe falando: você acha que seu pai está certo, você acha que seu pai está errado? Então foi bastante conturbado para mim, porque no meio dessa separação, como eu falei, mudei de escola e mudei de prédio. Mudar de lugar para mim, eu sou autista, então, primeiro que o autismo tem muito de não mudar de rotina, quebra de rotina é sempre um problema muito grande e entra em crise, eu tenho isso até hoje. E aí eu tive que mudar de prédio, mudar de amigos, mudar de escola, foi muita coisa ao mesmo tempo, então foi bem difícil. Eu não sabia que eu tinha autismo naquela época, mas foi uma época que eu entrei em depressão. Minha primeira depressão na verdade foi com 11 anos de idade, a segunda veio nessa fase, então foi bem difícil. Eu não sofri pela separação dos meus pais, porque eu não aguentava mais eles juntos, era muita briga. Mas eu sofri por todas as consequências que aquilo trouxe, meu pai não quis sair de casa, minha mãe teve que alugar um outro apartamento em outro lugar, eu não tinha facilidade de fazer amizade, então eu fiquei quase um ano sozinha nesse prédio novo, sem amigos, ficava em casa o dia inteiro, sem amizades. Minha irmã tinha facilidade, ela tinha amigos, eu não! Então foi bem difícil.
P - E como é que ficou a sua relação com seus pais? Eles se separaram e aí como que era com seu pai, como era com a sua mãe?
R - Bom, voltando ao autismo, o autismo não é afetuoso, a gente tem problemas de afeto, não quer dizer que eu não te amo, e nem que eu não me importo com você, mas eu não sou afetiva de abraçar e beijar. Isso já era uma interpretação das pessoas de que eu sou fria e com isso veio o afastamento de toda minha família, inclusive dos meus pais. Porque eu não demonstrava afeto dessa maneira, se eles me pedissem ajuda, “eu preciso ir no médico, eu preciso de companhia.” Eu estava lá, pronta! Até hoje minha mãe fala “eu precisava comprar isso, não tenho dinheiro”, “toma!”, mas eu não vou ser a pessoa que vou te abraçar e te beijar. E é difícil das pessoas entenderem isso. Com o diagnóstico é claro que isso melhorou um pouco na minha vida, o entendimento, mas é uma relação mais distante. Meu pai, eu me dou melhor com ele do que com a minha mãe, bem melhor. Mas o meu pai também não é afetivo, então é isso, a nossa relação é próxima, mas eu não diria que é uma família tradicional, sabe! É uma relação conturbada, ele já morou comigo, é um relacionamento um pouco abusivo também, da parte dele, eu acredito que mais pelo machismo estrutural que a gente tem, que ele é dessa maneira, porque ele não é uma pessoa ruim, mas ele tem um pensamento diferente do meu. E minha mãe eu acredito que ela é um pouco narcisista, tem o filho preferido, então é bem complicada a relação, não é muito próxima.
P - E como foi a adolescência para você?
R - A adolescência foi o mais conturbado de tudo, eu não tive ninguém que me explicasse nada, minha mãe nunca me explicou o que é sexo, o que é o amor, nada, nada, consentimento, então foi uma adolescência assim, onde eu queria descobrir tudo, mas na verdade eu tinha muito medo de descobrir as coisas. Tem várias questões aí na minha vida, eu me considero demissexual. E naquela época as minhas amigas já beijavam na boca, já faziam coisas que eu não fazia, porque eu tinha essa coisa de tipo, não posso, é feio! Eu não sei de onde veio isso, porque os meus pais sempre, ao invés de me explicarem, falavam “isso é feio, não pode fazer”. Quando se tratava de relações de sexo, eles tinham essa conduta comigo. Então eu não fui uma adolescente que curtiu muito, que beijou muito na boca, que ficou com várias pessoas. Eu namorava sério, então aos 14 anos eu já estava namorando, já tive um relacionamento sério aí, que durou um ano e pouco. Terminei esse relacionamento, fiquei um ano solteira, em que eu fiquei no máximo com três pessoas, que eu me envolvi mesmo. Depois já namorei de novo! Então foi uma adolescência praticamente perdida, porque eu só namorava. Namorei… o segundo namoro foi aos 16, onde eu já tive um filho. Então praticamente eu não vivi a minha adolescência.
P - Como foi esse período da escola, primeiro na infância?
R - Na infância, como eu falei, eu era uma criança quieta, uma criança que aprendia rápido, eu não fiz o pré, eu pulei, na verdade eu sempre tive esse problema de fazer amizades, então meus amigos, que nasceram antes de julho, passaram para o primeiro ano e eu continuei na pré-escola, sempre um ano atrasada deles, que eu só tinha amizade com eles, que eles eram do meu prédio. Na escola mesmo eu não tinha amigos, eu tinha muita dificuldade. Então porque eu também queria. E a professora falou, “ela está super apta, não precisa fazer o pré”. Eu tive algumas aulinhas particulares em casa, fiquei um mês com a professora indo todo dia de manhã e de tarde eu ia para a escola e pulei o pré, fui para a primeira série. E aí da primeira série até a sexta, mais ou menos, eu era super CDF, eu estudava numa escola particular. Meu pai também me punha muito medo, se eu ficar de recuperação eu vou para o colégio público. Isso era uma punição. E aí eu tinha bastante medo, então eu estudava muito. Eu tinha dificuldades em matérias como português, interpretação de texto e tinha dificuldade com história, com coisas que eu tinha que decorar muito. Mas matemática eu tinha dificuldade quando o professor não sabia explicar, professores bons eu ia longe. E era isso! Na sétima série, lá para adolescência, aí eu fui para o público, porque o meu pai perdeu o emprego, se separaram. Não foi punição, mas para mim aquilo, “por que eu tô indo?”. Eu não entendia de finanças, de nada! Então nos primeiros anos eu fiquei muito sozinha nessa escola nova, foram dois anos que eu fiquei bem sozinha na escola, eu tinha uma amiga apenas e essa amiga mudou para o Japão, e aí eu entrei em depressão de novo, porque eu não queria ir para escola. Na verdade eu entrei em depressão por estar sozinha, mas as pessoas associavam a eu não queria ir para a escola, porque é pública, porque isso, não era! Era porque eu tinha medo de ficar sozinha mesmo. Mas depois eu fui fazendo amizades ao longo do período, só que aí eu virei uma adolescente rebelde, então eu já não queria mais estudar. Primeiro porque quando eu entrei no público havia uma diferença de ensino, então nos primeiros anos, até o segundo colegial, primeiro, primeiro, eu sabia o que eu estava aprendendo, eu nem estudava, não fazia nada, não entregava lição, porque eu ia lá e gabaritava prova. Depois começou a pegar, porque vieram coisas diferentes e aí eu ficava de recuperação, eu não entregava a prova, não entregava trabalho. Só ia para a escola para ficar no fundão, zoando, assim, conversando e isso! Eu virei popular na escola da noite para o dia, porque eu não tinha amigos, de repente eu comecei a ficar uma adolescente bonita, de repente eu comecei a ter um monte de amigos, facilmente as pessoas iam em mim fazer amizade, e aí mudou, e aí eu parei de estudar, falei: não quero mais! Agora eu quero curtir! Então na escola foi uma fase que eu digo que na minha adolescência que eu curti muito. A escola eu curti muito.
P - Nesse período de escola você lembra se comentava sobre questão de Meio Ambiente, de reciclagem, se falava sobre isso?
R - Falava, falava bastante de reciclagem. Era um tema novo, tava em alta. Na minha primeira escola particular, tinha até o comitê de reciclagem, então tinha sala de reciclagem, as pessoas reciclável papel, a gente aprendia a reciclar papel, aí usava os papéis nas aulas de artes, o reciclado. Na particular, na pública não tinha toda essa estrutura, mas tinha as lixeiras, que tinha as cores, separação aí de lixo reciclável. Se falava, tinham palestras. Não era tão forte como no Colégio São Judas, que eu estudei no particular, não era uma coisa assim que eles falavam a todo tempo. Mas eu sempre tive consciência disso, eu sempre busquei… Tinha vezes que eu vou ser sincera, não é por preguiça, é porque eu olhava o lixo, as pessoas já tinham jogado tudo em qualquer coisa, sabe, não respeita. Aí eu falava: ah, tá bom! Deixa, o que vai adiantar eu separar? Mas eu sempre até hoje procuro separar, eu tenho essa consciência com o meio ambiente.
P - A sua família tinha alguma preocupação, ou reutilizava coisas?
R - Não, minha família é bem consumista, não tinha essa preocupação.
P - Nada? Nem de separação de lixo?
R - Não! Nunca teve!
P - A gente entrou na questão de você ter um filho muito jovem. Me conta sobre esse período, por favor?
R - Bom, eu engravidei eu tinha acabado de fazer 18 anos, eu fiz 18 anos em 2 de setembro, eu descobri que eu estava grávida 1 de outubro, 2 de outubro, por aí. Tinha acabado de fazer 18. Na minha cabeça eu era muito adulta, estava super preparada para ser mãe, eu não achei ruim. Eu vou explicar. Meu sonho sempre foi ter filho na adolescência, eu achava lindo, eu achava incrível crescer e eu ter 40 anos e o meu filho 20, 22, sabe! Eu queria! Mas ao mesmo tempo, é óbvio, eu tinha muito medo disso acontecer. Primeiro, porque eu não sabia o que ia fazer da vida. E segundo, porque os meus pais iam brigar muito comigo, esse era meu maior medo. E na época que eu engravidei, eu tomava pílula anticoncepcional, eu namorava o pai dele, já tinha 2 anos e pouco, só que eu tive H. Pylori, uma bactéria no estômago, e aí eu tomei dois antibióticos. Ninguém me avisou que cortava o efeito, hoje como enfermeira eu sei, mas na época eu não sabia. E aí eu engravidei, nessa brincadeira de tratamento da H. Pylori. Eu fiquei grávida, minha menstruação atrasou uns oito dias mais ou menos e eu comecei a desconfiar, eu comecei a falar com o pai dele: olha, eu estou grávida! Aí ele: magina, você toma pílula. E eu: eu sei, mas tem alguma coisa muito estranha acontecendo, tô com cólica, não desce minha menstruação, já dei a pausa na cartela e nada! E a gente assim, mas bem despreocupados. Aí eu falei: vamos na farmácia! Eu comprei o teste a gente foi na academia, comeu no MC e depois eu fui na casa dele fazer o teste. Chegando lá, positivo! Eu lembro até hoje que na caixinha falava: espere 5 minutos. Só que as duas faixas rosas já tinham brotado. Mas na minha cabeça, 18 anos, eu nem sabia como fazer um teste, foi o primeiro teste que eu fiz na minha vida. E eu lá esperando 5 minutos, vai sumir essa faixa. Não sumiu! E aí eu saí do banheiro rindo muito, muito, para contar para ele que eu tava grávida. E ele achou que eu estava brincando, porque eu não parava de rir, mas eu tava nervosa. E aí eu comecei a chorar, daí ele acreditou. Enfim, esse dia a gente ficou desnorteado, ficamos dando voltas e voltas na rua, procuramos uma prima dele que tinha acabado de ter neném, ela tinha 16 anos, vamos colar nela, ela vai explicar para gente. Ela já sabia, porque a gente tocou na casa dela duas da manhã, ela saiu e falou, assim: você está grávida. E aí eu falei: por que? “Vocês estão me procurando duas da manhã, por que? E aí foi isso! Mas dizer que eu fiquei preocupada, em choque? Não! Eu chorei no dia por medo do que os meus pais iam falar, porque meus pais recriminavam tanto o sexo. E eu ia chegar e falar: então, além de não ser mais virgem, eu estou grávida! Então eu estava morrendo de medo disso, morrendo! Mas dizer que eu estava triste porque eu estava grávida, não, eu estava super feliz. Tanto que no segundo dia eu já não chorei mais. Eu já estava: ah, eu estou enjoada! Já estava me sentindo “a gestante”. Minha mãe nem sabia que eu estava grávida, ficava assim: tô passando mal! Então para mim foi super tranquilo.
P - E como que foi quando eles descobriram? Como foi esse momento com os pais?
R - Então, primeiro a gente contou para os pais dele, na verdade ele chegou e contou sem me contar nada. Os pais dele são muito de boa, são pessoas muito tranquilas, muito mesmo, então, assim, eles ficaram sem reação… o pai dele começou a pular de alegria, falando que ia ser avô. A mãe já ficou um pouco assim, “meu Deus do céu, não acredito” e tal. Mas na hora ela falou: você quer que a gente vá conversar com seus pais? Foram super bacanas! Eu tenho amizade com eles até hoje. Eu saio com eles, vou na casa deles, é incrível a nossa relação. E aí eles que foram na casa da minha mãe, eles inventaram que queriam alugar um apartamento lá onde eu moro, para minha mãe procurar um apartamento e aí falaram: vamos tomar um chá da tarde na sua casa. E aí ela contou para minha mãe. Nisso eu estava na sala com o meu ex, com o pai do meu filho, esperando eles contarem. E aí chegou a minha mãe super brava, super brava, falando: você tem medo de mim? Por que que você não me contou? Desse jeito! Eu falei: eu tenho! Tenho! E eu morrendo de vontade de ir no banheiro, eu não saía da sala por nada nesse mundo, esperando ela vim. E aí ela ficou uns dias sem falar comigo, me tratando mal, sendo ríspida e tudo mais. Meu pai… ela contou para o meu pai, eu tava morrendo de medo, “você vai contar, você vai contar!” Eu falei: eu não vou! Ela contou! Meu pai foi em casa, eu tava dormindo, quando eu acordei ele já estava lá. Eu fiquei enrolando na cama horrores para não ver ele. Quando eu saí, que eu tinha que sair, eu tinha que trabalhar, eu já trabalhava. Ele me viu, me deu um abraço, falou que eu podia contar com ele para o que precisava, foi super tranquilo, eu não esperava, pensei que ele ia… Quando eu perdi a virgindade, meu pai, ele me xingou, ele me bateu, assim, foi tão surreal, porque eu tinha perdido a virgindade um pouco antes e eles descobriram, minha mãe abriu uma carta que eu fiz para uma amiga minha e descobriu. Então meu pai me xingou horrores, então eu pensei que a reação dele ia ser pior, mas foi desse jeito, então eu fiquei surpresa. E foi isso! Minha mãe ficou uns dias, mas depois ela começou a gostar da ideia, que ia ter um menino, a gente descobriu cedo que era menino, com 8, 9 semanas já, de gestação. E aí ela começou a pintar o quarto de azul, enfim fazer essas coisas.
P - E como é que foi o nascimento dele? Primeiro nome dele e como que foi o nascimento?
R - O nome? Eu comprei um livro daqueles de nome e como boa virginiana que eu sou, acho que eu li inteiro, eu ia lendo nome por nome, falava e o pai dele ficava, “sim, não!”, e eu ficava anotando. Só que aí, nessa brincadeira de fazer isso, a irmã dele, tinha 19 anos, a irmã do pai dele. E aí ela falou: Leonardo! “Gostei, Leonardo!”. Porque eu queria Thiago, eu sempre tive na minha mente que se eu tivesse um filho ia ser Thiago, só que o pai dele tinha um amigo chamado Thiago e ele falava, assim: não, credo, Thiago não! Porque lembrava o amigo dele, que era doidão. E aí ele falou: eu não quero Thiago. Então ficou Leonardo, eu gostei! Eu era muito fã do Leonardo DiCaprio, do Titanic naquela época, então para mim, incrível! Gostei! E ficou Leonardo. Essa foi a escolha do nome. E o parto… eu não tava preparada, eu não sabia nem o que era um parto. Eu queria normal, queria normal, quando eu tive 33 semanas de gestação eu tive contração prematura, e aí eu fiquei internada e tive que ficar de repouso absoluta até 38 semanas. Quando deu 38 semanas ele resolveu parar a contração, quando ele poderia nascer, não vou nascer. E aí eu entrei em trabalho de parto de novo eu já estava com 40 semanas e 3 dias, isso era uma quarta, a cesária já estava marcada para sexta, porque a médica, falou: eu preciso tirar! Tá passando do tempo. Até 41 semanas a gente dá, depois não. E aí eu fui para o hospital na quarta, no dia 23 de junho, com muita contração e eu tentei o parto normal, mas eu não tinha dilatação alguma, quando foi 1:20 da manhã, 1:20 não, meia-noite, vai! A médica falou: vamos te levar para cesária, que ele pode entrar em sofrimento fetal. E aí ele nasceu 1:20 da manhã do dia 24 de junho, de cesária. Eu não queria, morrendo de medo, mas durante o parto foi tranquilo.
P - E como foi a recepção desse bebê depois em casa?
R - No hospital já foi uma loucura para mim. Eu acho que é o hormônio misturado com tudo, com emoção, com espira. Na minha cabeça o bebê nascia, ele mamava e pronto, gente! Não, o bebê não sabe mamar, ele não pega direito, o bico racha, foi um pesadelo na verdade, eu só chorava naquela maternidade, porque o meu filho não sabia mamar, ele não tinha pega correto, o meu bico era invertido, ele não era invertido, ele era plano. Tem o invertido que é para dentro, o plano e o protuso, o meu era plano, então ele não pegava corretamente, rachou todo o meu peito. Ele chorava de fome, eu chorava daqui, ele não pegava complemento, ele não mamava a mamadeira de jeito nenhum, ele não sabia mamar. E hoje eu sei que isso é um clássico sinal do autismo dele, mas não sabia na época. Mas aí tentaram dar no copinho, não ia também. Então, assim, ele chorava de fome e eu chorava, porque eu estava desesperada. E foi assim ainda em casa um período, então a amamentação foi bem difícil, bem difícil! Aquela coisa toda que eu tinha na minha mente que ia ser incrível, não foi! Eu tinha muita dor da cesárea, como meu parto foi de emergência, eu não fiz jejum, então eles não me deram morfina, então eu fiquei com muita dor, muita dor mesmo, não conseguia nem andar de dor. Em casa, quando a gente chegou, num sábado, então tinha um monte de gente em casa, eu só queria dormir, só queria, sabe, pelo amor de Deus! Porque eu não dormi um dia naquele hospital. Mas tinha muita gente em casa, eu com dor, eu chorando para dar de mamar, aquelas pessoas todas. Era muita gente, a gente era adolescente, tinha muitos amigos, ali tinha amigo do cursinho, amigo do trabalho, amigo do prédio. Eu sei que eu entrei em colapso nervoso, acho que no segundo dia e pedir para todo mundo ir embora. Hoje se tem mais consciência disso, as pessoas de não ir visitar, mas na época não tinha e aí eu fiquei bem nervosa. Não foi um mar de rosas, foi bem difícil. Logo depois, cinco dias, todo mundo voltou a trabalhar e eu fiquei sozinha, com 18 anos, com um bebê recém-nascido. Então não foi uma época fácil. Eu cuidei dele sozinha, fui aprendendo. A minha avó ficou a primeira semana comigo, mas ela ficou mais para cozinhar, fazer algumas coisas pontuais, porque ela já estava bem idosa. Mas foi solitário. Foi solitário a maternidade para mim. Mas, assim, eu acho que eu consegui desempenhar o meu papel de mãe. Claro que eu tive muitas falhas, que hoje, com a cabeça de hoje eu não faria. Mas ele foi bem recepcionado, bem mimado.
P - E o pai do bebê nessa história?
R - O pai do bebê nessa história. Para começar ele dormiu o primeiro mês em casa, mas ele trabalhava e eu não. Eu não, naquelas, eu cuidava de um bebê o dia inteiro. Mas na sociedade, tinha, tem ainda, mas o machismo daquela época era muito maior. Então, “não acorde ele de madrugada porque ele vai trabalhar amanhã, você não”. Então eu acordava sozinha, praticamente, ele não sabia nem trocar uma fralda, então era tudo eu mesmo, dava de mamar. Nos primeiros dias que eu tinha muita dor, ele ainda pegava o bebê e trazia pra mim, porque eu não conseguia levantar por causa da cesárea. Ele me empurrava até para eu levantar. Mas depois, foi “eu por eu mesma”. A gente se separou quando meu filho tinha 10 meses, ele teve contato com ele, ficava cada 15 dias na casa dele, mas ele saía, ele não ficava com a criança, ficava com os avós. Nunca teve muita responsabilidade. Enfim, a mulher teve que mudar e o homem não, a vida dele continuou normal. E depois disso, ele começou a se envolver com outra pessoa, se afastou do meu filho. Foi se reaproximar mesmo, acho que o ano passado.
P - Como foi a questão do trabalho? Que você contou que tinha começado a trabalhar, depois teve o filho, parou. Me conta sobre o trabalho.
R - Quando meu filho nasceu, eu combinei com o pai dele que eu ia ficar um ano em casa. Eu falei: ó, eu não preciso de nada, minha casa tem tudo, minha mãe ainda me sustenta, então você trabalha e compra as coisas para ele. Nisso ainda eu fiquei seis meses recebendo seguro desemprego, então eu também ajudava nessa parte, das coisas dele e recebi também a licença maternidade, na verdade eu recebi um ano praticamente, porque eu recebi quatro meses de licença maternidade, mas seis meses depois de seguro-desemprego, mais a rescisão. Então esse dinheiro foi o que eu guardei também para me manter e mantê-lo durante esse ano que eu fiquei em casa. Quando ele fez um ano, minha mãe começou a me forçar a estudar, e aí eu fiz instrumentação cirúrgica, na verdade eu queria fazer artes cênicas, mas toda vez que eu pedia isso… Minha tia que ia pagar o meu curso. Eu falei: artes cênicas. “Não, não, artes cênicas não, é caro!” Todo mundo falava “é muito caro fazer teatro, não dá!”. “Então você vai fazer outro curso.” Eu: mas que curso? Eu sei o que eu quero, eu quero teatro. Aí eu fui para instrumentação cirúrgica, meio, “você não gosta de mexer?”, “Eu gosto muito de saber tudo sobre medicina”. Então com esse meu gostar desse conhecimento, me jogaram para essa área. “Você não queria fazer cirurgia, mexer nas pessoas, faz instrumentação!”. Eu achei o máximo! Falei: nossa, quero! Fiz instrumentação. Dei aula praticamente, porque no meu curso… depois eu fiquei com instrutora da professora, porque eu decorei as peças muito rápido, enfim. Trabalhei como instrumentadora, mas nunca fui feliz nisso. E aí quando eu comecei a voltar a trabalhar, depois de me formar na instrumentação, que foi 10 meses de curso. Vieram as cobranças para eu fazer faculdade, “eu quero artes cênicas!” E todo mundo: faz o vestibular, faz o vestibular, depois… Eu falando: eu não tenho como pagar uma faculdade. “Depois a gente dá um jeito!” Isso minha mãe. E aí eu falei: então tá bom! Eu vou fazer artes cênicas! “Artes cênicas não!” Aí lá fui eu para enfermagem, fiz enfermagem, passei no vestibular. Ela virou e falou: bom, agora você banca sua faculdade. “Como? Você tá mandando eu fazer.” Enfim, tive que dar o meu jeito, eu não sei que jeito eu dava. Eu lembro que a minha avó me dava R$ 300,00 para ajudar na faculdade e eu ganhava R$ 380,00. E com a pensão do meu filho, eu juntava tudo, fazia faculdade, eu pagava escolinha e a babá do meu filho. Que ele tinha uma senhora no prédio que cuidava dele, porque tinha que pôr na perua e eu estava o dia inteiro fora de casa. Qual mágica eu fazia? Eu não sei! Mas eu ia dando conta. E aí, enquanto eu fazia faculdade, eu sempre ia procurando emprego que eu ganhasse mais. Eu trabalhava de telemarketing, de vendedora, de telefonista, recepcionista, eu trabalhava de tudo isso, que eram trabalhos que conseguiam fazer eu pagar a faculdade, enquanto eu estava lá me formando.
P - Como é que foi o período da faculdade?
R - Eu amava, porque como eu falei, eu amava conhecer sobre medicina, então não faltava, nunca faltei na minha faculdade, nunca peguei uma DP também. Eu ia doente, eu já saí carregada da faculdade para o hospital, porque eu ia trabalhar passando mal para trabalhar, ia para faculdade passando mal. Eu era bem CDF na faculdade, bem mesmo. Enfim, eu já fui conselheira da classe, eu era a nerd da faculdade, eu fiz um e-mail na faculdade geral, tudo que dava de matéria eu anotava, psicografava, porque tinha que anotar muito rápido e aí eu passava a limpo no final de semana, eu passava o meu final de semana todo passando essa limpo, era a minha maneira de estudar, se eu ficar lendo, eu não decoro, eu tenho TDAH, meus pensamentos vão longe. Então eu passava a limpo. E aí eu passava a limpo no computador, no word e no caderno, duas vezes, daí eu já decorava a matéria, aprendia, entendia, jogava no e-mail do grupo, então quem faltasse tinha matéria, além de tudo. Então eu curti muito a minha faculdade, muito mesmo, aprendi tudo que eu podia, curti, fiz amizades, saía, foi o tempo assim que eu tive mais livre de ser mãe, porque minha mãe não ficava com meu filho para eu sair, eu morava com a minha mãe, ela era bem rígida nisso. Então o momento que eu tinha de descontração, de não ser mãe, de viver a minha juventude, porque eu entrei na faculdade com 20 anos, era a faculdade, foi o momento que eu me via descansada disso. Então eu trabalhava o dia inteiro, eu saia de casa 5:00 da manhã, chegava em casa meia-noite, pegava a malinha dele da escola, arrumava, trocava a fralda dele, punha ele na minha cama, dormia com ele, 4:00, 5:00 da manhã, acordava, trocava a fralda dele, levava ele para babá e ia trabalhar. Era puxado, mas acho que com aquela idade eu dava conta, hoje eu não daria conta, não sei se eu teria saúde física e mental para isso, mas na época deu certo.
P - E como é que foi a sua entrada nessa área da medicina? Teve a faculdade, mas como você começou a trabalhar com isso?
R - Quando eu me formei, em 2010, eu ainda trabalhava em agendamento de exames, numa empresa. E eu saí de lá, acho que em maio, se eu não me engano, do ano de 2010. E aí eu já estava procurando emprego na área da enfermagem, quando você se forma é muito restrito, todo mundo quer experiência e não quer dar emprego para quem não tem experiência, principalmente na área da saúde, então foi bem difícil. Mas em 7 meses, em julho, eu consegui o meu primeiro emprego, que foi numa empresa onde eu monitorava pacientes crônicos. E aí eu fiquei três anos e meio nessa empresa, fiz pós em auditoria, mesmo assim eu consegui sair dessa empresa e ir para assistência, que eu queria trabalhar na assistência, pegar a mão, saber como era e eu fui para o Hospital das Clínicas, trabalhei na UTI neonatal de lá, fiquei um ano mais ou menos lá, passei de lá para a Unimed Paulistana, que não existe mais, fiquei também na Unimed Paulistana na UTI Neonatal e pediátrica, por quatro, cinco meses, fui chamada para Amil, para ser enfermeira auditora. Desde então eu entrei na auditoria.
P - Explica um pouco como é a auditoria dentro da área da saúde?
R - Existem vários tipos de auditorias dentro da área da saúde, o que eu faço é auditoria de contas médicas. Então, por exemplo, você é um hospital e eu sou um convênio, eu sempre trabalhei para convênio, mas existe enfermeiro auditor nas duas partes. Eu como convênio, eu recebo as suas contas, dos pacientes que tem o meu convênio, que internaram no seu hospital, passarem consulta e eu vou auditar mesmo, eu vou pegar esse prontuário e falar: pera, o paciente tem diagnóstico X, estão me cobrando o medicamento Y, por quê? Leio todo o relatório médico, não fala nada sobre esse medicamento, nem doença de base que ele já possa ter. Então eu vou lá e gloso, ou seja, eu não pago. Então essa auditoria é importante, parece que a gente economiza pouco, mas às vezes chega contas que a gente glosa, não paga milhões, a gente fala de milhões. Porque o prestador, ou cobra errado, ou coloca a mais. E tem auditoria da parte de quem trabalha no hospital, que controla os prontuários, se tem tudo anotado, porque se não tem tudo anotado, eu do outro lado “não vou pagar”. Controla a própria conta da auditoria, revisa aquilo antes de mandar para o prestador, tem os recursos, então eu como hospital, o convênio glosou, não pagou, eu vou lá e abro um recurso em cima disso. Tem contra recurso, tem reembolso, tem uma área imensa. Tem OPME, que são orto e próteses em material especial, que também enfermeiro auditor pode atuar. Tem regulação, tem home care, que hoje eu trabalho com essa parte de auditar contas de home care e fazer toda a negociação de admissão de pacientes. Enfim, é uma área muito vasta.
P - Nesse momento da sua história na medicina, você tem alguma relação com plástico?
R - Então, eu já tive relação com plástico, mais na época que eu trabalhava com assistência, que nós utilizamos muito materiais de plástico. Tem um nome, é um plástico mais duro, eu esqueci o nome agora, não vou lembrar. Mas a gente usa muitos materiais de plástico que são descartáveis no hospital, então bureta, seringa, “n” materiais. Matérias que tem perfurocortantes, a gente descarta, isso não pode… Então, a seringa está acoplada na agulha, para gente desacoplar depois que usou essa seringa na agulha, a gente corre o risco de se furar, então a gente não faz isso, a gente já descarta. Nada que tenha perfurocortante junto, a gente vai tirar e separar, porque tem risco de infecção, de contaminação. O restante dos materiais que não entram em contato com o paciente, lá onde eu trabalhei, nos hospitais que eu trabalhei, não tinha reciclagem, então a minha vivência é, nós descartavamos da mesma maneira, em outro recipiente, no lixo contaminado. Enquanto que o material perfurocortante, por mais que tivesse seringa junto, vai para o desta parque, que é uma caixa amarela, que vocês já devem ter visto em vários hospitais, estabelecimentos de saúde, onde a prefeitura mesmo passa e recolhe aquelas caixas de perfurocortante, tudo isso é incinerado depois. Alguns hospitais, que eu tenho conhecimento, que as pessoas me disseram, reciclam os materiais, levam para reciclagem, os materiais de plástico. Então eles me disseram que tem uma coleta, onde você joga todos os lixos de plástico em um lixo específico e uma empresa particular que passa nos hospitais pegando esse material reciclável.
P - Você teve contato com a medicina pela faculdade, o que você aprende é teórico, depois na prática é outra coisa. Primeiro, na faculdade falavam sobre essa questão da utilização dos materiais, da reciclagem, o que pode e o que não pode usar, porque que usa?
R - Eles falavam a parte técnica, o porquê que usa cada material, o porquê dos… polipropileno. O porquê dos materiais, risco de contaminação, tem medicações, por exemplo, que não pode entrar em contato com plástico, com outros materiais, porque perde… a gente chama de precipita. Perde a função dele, não pode entrar em contato com a luz, então não sei se vocês já viram equipos que são laranjas, que são fotossensíveis. Então essa parte técnica sim, a parte de reciclagem não é falado na faculdade.
P - Mas eles chegam a explicar porque que tem que usar plástico? Como é essa questão? Ou ele falam, esse é o material, tem que usar e pronto!
R - Olha, vem e explicam, vem de anos de estudo. Por exemplo, látex tem pessoas que têm alergia. Então, geralmente quando a gente vai utilizar sonda, em hospitais, lógico, que tem mais dinheiro, que tem uma condição melhor, a gente já usa tudo de silicone, não usa mais látex, entende! Para não ter risco, eu não sei se o paciente tem alergia ou não, ele pode ter, não vamos correr o risco, vamos usar de silicone. Eles comentam sobre as medicações que eu falei, que em contato com algumas substâncias, ou tipo de materiais, podem precipitar, perder a função. Isso sim! Mas sobre reciclagem mesmo, não! É mais a parte técnica mesmo do porque. E teve evolução também de tudo isso, porque antigamente utilizavam materiais de vidro, seringa de vidro, reutilizava esses materiais, até agulha, agulha era esterilizada e reutilizada. Com isso a gente teve disseminação de hepatite, de HIV, de outras doenças que foram eliminando esse tipo de esterilização, tipo de utilização e optaram pelos descartáveis. Até para manter a segurança do paciente mesmo. Então tudo que tem contato direto com o paciente, não reutiliza, a gente não esteriliza, é descartado. Por uma questão de biossegurança mesmo.
P - E lá no momento do uso qual que é o procedimento? Como você tem que proceder nessa questão do uso desses materiais e como é que você faz para descartar eles? Conta para mim como é a rotina dentro do atendimento?
R - Depende, se eu tô num procedimento estéril, por exemplo, eu tenho que me paramentar primeiro, colocar luvas estéril, avental estéril, primeiro eu abro todo esse material e descarto ele em cima de uma mesa estéril, depois eu me paramento para depois conseguir tocar nesse material, então a preparação de um procedimento estéril é totalmente diferente de um procedimento não estéril. Um procedimento estéril, por exemplo, uma cirurgia ou um curativo que esteja muito profundo, ou um cateter central, um pique, eu vou ter que me esterilizar para passar, para fazer o curativo. Num procedimento que não seja estéril, por exemplo, um curativo simples, eu vou pegar esse material, no centro de material, que todo hospital tem. Tem o centro de material estéril, mas aí é outra parte, são materiais reutilizáveis, materiais cirúrgicos, enfim, que é de aço cirúrgico, outra coisa, não é plástico. Existe os materiais de… também não é plástico e nem polipropileno, eu não vou lembrar o nome agora, mas talvez eu lembre, tipo de silicone, que são reutilizáveis, por exemplo, cabos de ventilação mecânica, a gente esteriliza, porque eles têm capacidade de aguentar a temperatura da esterilização e tudo mais. Outros tipos de plástico derreteriam. Mas é isso, a gente pega no estoque, abre na frente do paciente, utiliza o material e depois é descartado em lixo comum. Na verdade, o comum do hospital é o infectado, que são lixos hospitalares, que vão para incineração depois. Nos hospitais que algumas pessoas, alguns colegas meus trabalham, eles disseram que tem um descarte próprio só para plástico, que vai para reciclagem. Nos casos dos hospitais que eu trabalhei, não tinha!
P - E como é que falavam para vocês nessa época que você tava, na sua experiência? Como é que era, você só descartava e depois não fala mais nada?
R - Não! Nada! A gente não tinha nem ciência de qual empresa que coleta esse material, nada disso, nunca foi falado. Não faz nem parte acho que da enfermagem, deve fazer parte da logística do hospital, parte administrativa, parte de biossegurança.
P - Já que é a enfermagem que toca nesse material, por que você acha que a enfermagem não é incluída nessa conversa?
R - Eu acredito que, no Brasil o sistema de saúde ainda é muito fechado, então eu acredito que é por isso. Hoje a enfermagem tem vários papéis dentro do hospital, como eu falei da auditoria, por exemplo, mas que é pouco conhecido, muitas pessoas ainda me perguntam o que uma enfermeira auditora faz? O que que você faz? Então tem papéis importantes e fundamentais dentro do hospital, mas que infelizmente não é divulgado, eu acho que a medicina é muito mais visada, muito mais vista. E na verdade quem toca os hospitais são os enfermeiros, a equipe de enfermagem, sem eles o hospital não anda. E infelizmente… eu acho que é questão hierárquica mesmo, ou até de desinteresse de que os profissionais da enfermagem tenham conhecimento dos processos, eles estão mais interessados mesmo na parte técnica.
P - E como é essa questão do enfermeiro, do técnico de enfermagem e do médico. Quais são os papéis dentro do dia a dia, do cotidiano do hospital, do atendimento?
R - O médico estudou medicina, é um curso onde ele é apto para diagnosticar um paciente, ele dá o diagnóstico e prescreve o tratamento. Eu ainda sou contra, na minha vivência eu entendo que farmacêutico estudou para prescrever, então na minha opinião, na minha opinião pessoal, o médico diagnosticaria e enviaria para o farmacêutico passar a prescrição de medicamento. Essa é a minha opinião. Mas isso não acontece, não só aqui no Brasil, em alguns lugares do mundo, a medicina toma conta de muitos espaços dentro da área médica. Então o médico que eu tenho papel de diagnosticar o paciente e prescrever o tratamento dele, medicamentoso. O enfermeiro faz faculdade de enfermagem, o papel dele na assistência é fazer toda a parte administrativa do setor, então a gente fica responsável por admissão, remoção, alta do paciente, falo de papel administrativo mesmo, de preencher papéis de abrir protocolos. O Enfermeiro também fica responsável por fazer alguns procedimentos que só são atribuídos ao enfermeiro, então sondagem vesical, que é a sondagem de uretra, é só o enfermeiro, troca de curativo de cateter central, é só o enfermeiro, é privativo do enfermeiro, para quem tem curso superior. E o enfermeiro chefia também, além disso que eu falei, ele chefia a equipe de técnicos e auxiliares, então nós somos os líderes deles, nós que desempenhamos a escala de tarefas de cada um no dia a dia, nós fazemos também as escalas de folga do setor, cuidamos de todos os equipamentos do setor, então todos os dias tem a checagem desse material, checagem do carrinho de parada, das medicações. Medicações psicotrópicas ficam sobre o cuidado do enfermeiro do setor, nós que ficamos com a chave, é passado de plantão para plantão para a enfermeira, nós temos que fazer também a contagem diária no começo e no fim do plantão desses medicamentos para ver se não houve extravio, todas as medicações que são psicotrópicas, ou controladas tem que ter esse nosso controle. Que mais o enfermeiro faz, deixa eu pensar, que a gente é responsável. Acho que basicamente é isso, assim, um resumo, vai! Do papel de enfermeiro. O técnico, ele fez um curso técnico de dois anos, onde ele também aprende as técnicas, por exemplo, de punção, de instalação e preparação de medicamento, cálculo de medicamento, troca de fralda, banho, esses cuidados mais técnicos ao paciente mesmo, é o técnico e o auxiliar que fazem. O auxiliar é um curso de 10 meses. Então a diferença entre o auxiliar e o técnico, que tem alguns procedimentos que é privativo do técnico, auxiliar não faz e quando se trata de papéis administrativos o técnico pode ajudar, o auxiliar não. E aí tem a diferença salarial também, para cada nível. O enfermeiro responde pelos auxiliares e técnicos, eles respondem a nós, nós que somos a liderança deles. Tem também a prescrição médica, os enfermeiros são responsáveis por________ essa prescrição. Então o médico me deu a prescrição, eu vou ter que olhar aquela prescrição e ver o horário das medicações, eu vou ter que colocar essas medicações num horário que o setor está girando, de acordo com todo mundo, porque 8 horas é o hora de medicação, então todo mundo já vai lá e vai dando para os pacientes das oito. E ver também se tem interação medicamentosa ou não, para não deixar as medicações todas juntas, isso é o enfermeiro que faz. Deveria ser o médico, mas é o enfermeiro. E além disso, a parte mais importante, que é a sistematização da enfermagem, que se chama SAE. O SAE é você tem que passar no paciente, colher o histórico de vida dele, para obter informações que talvez ele tenha uma doença. Mas por que ele tem essa doença? E eu pegando o histórico dele, eu vou achar outras informações. O Enfermeiro cuida dos sintomas. O médico cuida da doença e o enfermeiro dos sintomas. Então eu prescrevo os cuidados de enfermagem, faz parte do SAE o histórico, _____ o exame físico, então examina esse paciente, faço todo exame físico nele, da cabeça aos pés e aí eu faço a prescrição de enfermagem, que são todos os cuidados que o meu técnico e auxiliar tem que ter com esse paciente durante o meu plantão e a evolução também, eu evolui esse paciente. Recebo o paciente, ele é acamado, com acesso venoso central em jugular direita, um acesso venoso periférico no membro superior esquerdo. E assim vai! Tem que evoluir inteirinho como ele tá, para passar o plantão. É muita coisa para um plantão.
P - Você vai fazer esse rastreio do uso do material, você tem que fazer uma contagem e tal. Como é essa questão no uso desses materiais, inclusive o plástico? Você falou das medicações, mas e dos outros materiais, as luvas, enfim, todo esse outro material que inclui também o plástico?
R - Esse material, na verdade eu confiro o estoque, o que tem no estoque naquele dia, mas eu não faço o controle de compra e venda dele, isso fica no setor de compras mesmo do hospital. Eu faço só a solicitação de material para farmácia. E aí eles enviam o que eu preciso no plantão. Então eu tenho que ver todos os equipamentos, carrinho de parada, o desfibrilador se está funcionando, todos os laringoscópios, tem…. agora eu esqueci o nome, mas tem um material que a gente usa para entubar, eu tenho que ver se está funcionando, se a lâmpada tá ok. E tem que ver também o histórico de materiais e medicamentos, mas não tem controle de compra e venda, ou do que é de plástico ou não é, isso não! Essa parte não!
P - E no atendimento, Fabíola, você tem alguma história que você lembra que tenha te marcado, porque você passou por vários lugares. Tem alguma história, que se você olha para trás, você fala, “nossa, essa história me marcou”?
R - Relacionada a plástico, ou não? No geral? No geral tem uma, que na verdade eu cuidava da UTI neonatal, que eram bebês prematuros, ou com comorbidades… No HC era até difícil ser prematuro, ele atendia a nível nacional, então vinham bebês de UTI avião, do Brasil inteiro, com doenças raras, com problemas sérios de saúde. Porque é um hospital da USP, é um hospital escola. E aí eram bebês com muitos problemas mesmo, problemas cardíacos, problemas de metabolismo, doenças raras, síndromes. E eu lembro… nossa, foi uma coisa tão simples, mas me marcou muito, porque era uma mãe de um prematuro e ele também tinha algumas outras comorbidades, estava com ventilação mecânica, estava recebendo drogas vasoativas, estava bem complicado a situação dele, ele estava na incubadora. E eu precisava trocar a incubadora dele e dar um banho de leito, que na verdade… a gente pega uma toalha, não é nem toalha, desculpa, é uma compressa, que é um paninho mais macio, molha com um pouquinho de sabão e passa nos bebê, até adulto toma esse banho de leito, quando não pode ir para o chuveiro. Então eu tinha que fazer isso nesse bebê. Como é prematura e bebês, eles descompensam muito fácil nessa manipulação, a gente não pode ficar mexendo neles, quanto mais você mexer, mais descompensado eles ficam, eles se estressam, eles não entendem o que está acontecendo, então eles ficam com taquicardia, saturação cai, e aí tem que tomar muito cuidado. Só que ao mesmo tempo a gente está falando de um hospital público, a gente não tinha mão de obra, tanta mão de obra, era um pouco saturado. E eu tinha que fazer isso com ajuda de outro enfermeiro e não tinha. O que que eu fiz, “mãe, lava sua mão, vem aqui que eu vou te ensinar a técnica”, ensinei a técnica da lavagem de mão. “Você vai me ajudar que eu preciso dar banho no seu bebê e trocar a incubadora.” E aí eu ensinei ela. Abri a incubadora com o cotovelo, enfiar a mão, pegar… Eu peguei o bebê e pus na mão dela, enquanto eu estava trocando, eu vi ela chorando, e aí eu perguntei: o que que foi, tá tudo bem? Quer que eu segure? E ela falou: não, eu tô muito feliz, porque eu nunca tinha pego o meu bebê e você foi a primeira pessoa que me deixou pegar o meu bebê. E aquilo me marcou, que eu fico até arrepiada de contar, porque eu falei, caramba, que gesto…. Que para mim, foi uma rotina que eu tô pedindo ajuda para ela, porque eu não tinha para quem pedir e para ela foi tudo! E esse bebê pode morrer a qualquer momento e ela nunca ia ter pego ele com vida. E aí eu comecei a pôr em prática, então eu comecei a fingir que eu não tinha ajuda em todos os meus plantões, para todas as mães terem um momento ali de pegar o seu bebê, nem que fosse na mão. Eu acho que isso marcou muito para mim, porque… às vezes você não está vivendo que a pessoa está vivendo, você não tem noção daquilo, que uma coisa tão boba para mim, pode ser o mundo para ela. E aí isso me marcou muito, eu comecei a mudar o meu atendimento depois disso.
P - E Fabi, você trabalhou no público e trabalhou no privado, o que na sua vivência você viu o que tem de diferença entre um e outro dentro da medicina?
R - Falta de material, a gente já teve que lavar material descartável para reutilizar, no público, porque não tinha. Equipe médica, eu digo assim, de olhos fechados, que tá muito mais preparado no público do que no particular, porque o público que eu trabalhei, novamente, é um hospital escola, a gente tem professores da USP lá e são médicos que trabalham no Einstein, no Sírio, o jaleco deles é de lá, ou da USP. Então, assim, eu não posso falar do atendimento médico, porque de 10 a 0, eu daria 10 para o HC, porque o hospital que eu trabalhei, a gente sabe que existem outros hospitais públicos que não é a realidade. Mas falta de material, falta de equipamento, o hospital público não tem equipamento de última linha, no hospital particular eu pegava materiais com muito mais tecnologia, camas, leitos, berços, enfim, até material de punção que era de uma melhor tecnologia do que o público, porque o público é tudo por licitação, por pregão que compra, e aí não vence o mais caro e útil, vai vencer o mais barato. Então a gente não tem tanta tecnologia assim. É isso que eu vi! E também vê a diferença de informação dos pais, mães, dessas duas estruturas, então no público a gente via pessoas bem mais despreparadas, humildes, carentes de informação. Enquanto no particular já eram pessoas… tinham uma informação mais adequada, formação de vida, tinham mais informações, são pessoas mais culturalmente estruturadas, do que no público.
P - No público, especificamente, essas defasagens, como é que você como enfermeira que tinha uma responsabilidade, até com uma equipe, como é que na sua experiência você lembra que você fazia para tentar sanar essas questões?
R - Olha, a gente chegou a lavar material descartável, porque assim, ou eu lavo… tudo bem, é o mesmo paciente, não vou mudar de paciente o material, é o mesmo remédio, porque assim, a cada 48 horas a gente tem que descartar esse material que tá correndo a medicação, dependendo da medicação é 24 horas, mas ele não tem! Se eu jogar fora, ele não vai receber essa medicação que está mantendo ele vivo, então eu prefiro lavar, entende! A enfermagem a gente fala que ela tem muita criatividade, principalmente no público, tala, bebê recém-nascido, quando a gente punciona, a gente precisa por uma tala, senão ele vai dobrar, ele não tem consciência de que ele não pode dobrar aquele membro. Então a gente não tinha tala, a gente fabricava com palito de abaixador de língua e colocava gaze, para ficar fofinha e embalava com esparadrapo. Era assim que a gente fazia tala. É isso! É a criatividade, a gente usava da criatividade para suprir a falta de material que a gente tinha.
P - Por que você saiu do atendimento e foi para uma área administrativa?
R - Porque, primeiro, eu amo assistência, mas não dá para trabalhar com pessoas na assistência, a enfermagem é uma classe muito desunida, é uma classe que só tem um querendo passar por cima do outro, ao invés de se unirem, de se ajudarem, como é a classe médica. Não! Eles são pessoas que não ensinam, que não ajudam. Eu não sou essa pessoa, eu não consigo ser assim. E eu sofri muito nesses ambientes, hoje… no começo é óbvio, eu falava, gente, é comigo, não é possível, isso é coisa da minha cabeça. Mas hoje conversando com outros profissionais da saúde, todos têm a mesma fala, que é muito rigoroso, é muito rígido, é rude, é um lugar completamente de não acolhimento, é o contrário, são pessoas até comprometendo saúde de pacientes para prejudicar outro funcionário. Então, assim, são coisas que estavam me fazendo muito mal, de verdade, me fizeram muito mal, eu entrei até num burnout por causa disso. Picuinhas pessoais acontecendo no ambiente de trabalho e eu sou totalmente desfavorável a essa situação. Eu tenho uma amiga que até hoje está lá no HC, onde eu trabalhei e ela passou por tudo isso comigo também. Hoje ela já tá, há 14 anos lá, então tá numa posição um pouco melhor, mas ela fala para mim, ela lembra do que acontecia comigo, com ela e com todas as outras que eu já vi até chorando, saindo do hospital. E acontece em todas as áreas, acontece na medicina, a medicina é mais unida, mas quando são residentes ainda acontece bastante. Acontece na enfermagem, acontece na medicina veterinária, acontece em todas as áreas da saúde, não sei porquê. Eu tenho a percepção, eu vejo isso até em filmes e séries médicas, de que eles botam uma pressão nos profissionais, para eles aprenderem a lidar com pressão. Só que eu não acho isso didático, isso só me causava pressão alta, gastrite, úlcera, eu tive tudo no ambiente hospitalar, por conta disso. Então resolvi fazer auditoria e sair dessa área. Eu já tinha feito auditoria, antes de ir para a assistência, porque eu nunca tinha conseguido emprego em assistência, estava meio que desistindo. Mas depois que eu entrei eu vi que não dá. Se eu trabalhasse sozinha no setor eu continuaria.
P - Pra gente só fechar essa questão da temática. Hoje dentro da sua área, ou dentro da área da medicina mesmo, mesmo olhando por esse prisma mais administrativo, você vê essa questão do meio ambiente, da reciclagem, da reutilização, isso é falado dentro da sua área? E se não é, por que você acha que não é?
R - Depende da empresa, eu já trabalhei em empresas que nem impressora mais tinham, para não imprimir nada, tudo online, tudo sistematizado mesmo. Nessa empresa que eu trabalhei, inclusive, não vou citar nomes, mas para você imprimir algo que você realmente precisasse imprimir, você tinha que usar o seu crachá, para ficar computado o que que você imprimiu e iam te questionar, o porque que você estava imprimindo aquilo. Então, eu já vi nessa parte. Plástico em si, não! Porque em escritórios, geralmente se usam papel, então era muito mais na parte do papel. Então tinha… A maioria das empresas mesmo que eu trabalhei se preocupam muito com a parte de impressão, não sei se é por conta da reciclagem, não sei se é por custo, não sei! Mas eles falam bastante em preservação de Meio Ambiente, tinha até assinatura, “pense bem antes de imprimir.” Então, eu vejo bastante isso, mas para o lado do papel, como eu falei, como é escritório, não utiliza muito plástico. Mas ainda vejo… Mentira! Essa última empresa que eu trabalhei, que não tinha impressora, não tinha copo descartável também, quando você entrava, você ganhava uma caneca e uma garrafa d'água, aí você reutilizava, tinha a pia para você lavar, em todos os ambientes. Era super bacana! Mas não são todas as empresas que são assim, a maioria já não imprime mais, mas ainda usa o copo descartável, usa papel toalha, esse tipo de coisa.
P - Vamos voltar a falar agora um pouquinho da vida pessoal. Você começou a falar do seu filho, quando ele era criança, e depois quando ele começou a crescer, como é que foi a sua relação com a maternidade e com as suas descobertas nesse campo?
R - Bom, o meu filho quando ele começou a crescer, ele começou a apresentar um comportamento um pouco diferente das outras crianças, as escolas me chamavam bastante, falava: olha, tem alguma coisa errada, precisa levar no psicólogo. Eu levava, nem sempre eu tinha dinheiro para levar no psicólogo que a escola queria que eu levasse, porque era renomada, era indicação. Mas eu levava e já cheguei a levar em algumas indicações com ajuda da família. Mas todos me traziam a seguinte problemática, “Ah, sim, ele tem algum problema, ele não tá normal, mas eu acho que é porque você é muito nova, não sabe cuidar, a sua casa é muito agitada. Eu e a minha mãe sempre tivemos relações de conflitos, então gritava, ela grita muito e eu gritava junto, gritava as duas e ele ficava desnorteado. E sempre culpabilizam principalmente a mim! Vários médicos que eu levei, eu já fui num neurologista que falou: a culpa dele não falar, ou dele ter esse comportamento e que você dorme no mesmo quarto que ele. E eu falava: mas como é que eu vou dormir em outro quarto, que no meu apartamento só tem dois quartos? “Não pode! Põe uma parede no meio!” “Meu quarto é muito pequeno, não tem…” “Então ele vai continuar assim!” Então, eram coisas que foi me culpando e que eu me sentia péssima, eu me sentia uma mãe lixo. E a escola me culpava, os médicos me culpavam, psicólogo me culpava. E aquilo foi tomando uma proporção… Que até um dia, ele em outra escola, as escolas expulsavam ele também, muitas escolas expulsavam, eu tinha que trocar de escola às pressas, tinha comprado o material, uniforme, tudo! “Tchau, aqui ele não estuda mais!” Porque ele tinha comportamentos agressivos, ele batia em outras crianças, ele gritava, ele não parava quieto na aula, ele tinha dificuldade de aprender. Ele foi o primeiro a aprender a ler e escrever na classe dele, mas ele aprendia muito rápido e não tinha mais paciência de ficar sentado. Ele não verbalizava, até os quatro anos de idade quase, ele não falava nada, falava poucas palavras, mamãe, papai, quando ele não sabia ele só falava, am, apontava. E naquela época a gente não tinha informação de nenhum problema de saúde, mental ou até de saúde cognitiva. Enfim, não tínhamos internet nesse nível, o máximo que a gente tinha era o Facebook com fire_____, não sei como fala! Era o máximo! Então eu não sabia o que fazer, eu ficava perdida. Até que um dia uma escola pediu uma avaliação neuropsicológica, e aí eu fiz a avaliação neuropsicológica na USP, nenhum um lugar fazia, nem sabia o que era avaliação neuropsicológica. Eu não lembro… lembrei! Tenho um psiquiatra da Unifesp, que meu avô passava nele, super caro a consulta, e aí eu recorri a ele, porque na minha cabeça, o meu filho ia virar um bandido, marginal, das coisas que falavam para mim, era isso que eu tinha para mim, meu filho vai ser um marginal, vai ser um bandido, vai ser um lixo de ser humano. E eu preciso achar então um psiquiatra, não é mais um neuro, porque o neuro falou para eu não dormir com ele, cada vez pior! E eu me sentindo lixo de mãe. E todo mundo na minha orelha, “tá vendo, porque você é novinha, não sabe cuidar, que isso e que é aquilo… Cadê o pai?” Era só eu! Enfim, eu sofri todos esses machismo, essa maternidade tóxica. Tanto que até hoje falam, “que ter filho?” Não, eu não quero ter filho, eu não quero ter filho! Se tornou um trauma para mim, a maternidade. Eu amo meu filho, mas tudo que eu vivi tornou um trauma. Levei ele nesse psiquiatra, ele não cobrou a consulta e pediu a avaliação. Fiz a avaliação neuropsicológica lá na USP e recebi o diagnóstico de autismo. Demorou, foram umas 10 sessões, até que ela me chamou… O pai dele pagou a metade, mas não foi junto receber o diagnóstico, eu chamei, mas ele não quis. A psicóloga queria falar com ele, mas ele não apareceu. E aí ela deu o diagnóstico de autismo. Ela deu o diagnóstico, explicou um pouco e eu saí de lá perdida, falei assim: como que ele é autista? Ele fala! Eu falava isso. Porque na nossa cabeça naquela época, autista eram pessoas não verbais, aquela criança que só gritava, se chacoalhava, isso era autismo, não tinha inflamações. E aí eu cheguei em casa e toda a família, “magina, ele não é autista, ele não tem autismo, tá errado!” Levei o laudo para o médico, o psiquiatra, o psiquiatra fez assim: não, ele não tem autismo. Tinha um TDAH lá junto. “Ele não tem, ele tem o TDAH da ritalina.” Passou Ritalina. E o meu filho ficou tomando ritalina muito tempo, só que isso deixava ele quieto na escola, então a escola adorou. Ele saiu do primário, do primário não, desculpa, da pré-escola, ele foi para o primário, e aí começou o problema, ele já tinha o laudo, e aí nem uma escola aceitava, todas fechavam a porta para mim. “Não, a gente não aceita autista!” “Vamos fazer um teste de uma semana.” Chegava no final da semana, “então, não vamos ficar!” Hoje é lei, tem que aceitar! E ainda assim não funciona. Naquela época, era não atrás de não. Eu fiquei, eu pedi uma semana de licença do meu emprego, do meu primeiro emprego de enfermeira, para tentar achar uma escola para ele. E a minha chefe na época me deu e eu tentei, tentei. Levei ele na fono, porque ele falava pouco, ele tinha problema de dicção, trocava o “r” pelo “l”, levei em fisio também, ele fez todo o acompanhamento, psicólogo, ele ficou fazendo todos esses acompanhamentos. Mas ninguém de fato explicou para mim, o que é o autismo, o que traz… Acho que também não tinha essa informação na época, hoje já tem pouca. Enfim, consegui uma escola lá na Mooca, super cara, que aceitou ele. Fizeram até um treinamento sobre autismo, da faxineira a direção, do mais baixo para o mais alto, da hierarquia. Pra mim a faxineira devia estar no alto, porque sem ela a gente não vive, mas enfim. Fizeram um treinamento, acolheram ele super bem. Mas era uma escola bem cara. Eu tive que rebolar para pagar aquela escola. E eu paguei até o 9º ano dele, nessa escola, depois eu não consegui continuar, porque ficou muito inviável para mim, mesmo o colegial, aumentava muito o preço, ele foi para o público. Aí ele já estava mais controlado, hoje em dia ele tem um comportamento legal. Mas na época que ele era criança não, ele tinha aquele transtorno opositor desafiador também. Então, quanto mais brigava com ele, mas ele ia te desafiar, ele xingava. Eu desconfio ainda que ele tenha tourette, mas não tem nada diagnosticado, mas ele tem bastante traço, sabe! Enfim, não foi fácil! Mesmo nessa escola que aceitou ele, eu era chamada quase toda semana na escola, para reclamar dele. E eu ficava, assim: mas o que que eu faço? Porque eu não sei mais o que fazer com ele. Eu era leiga, então eu deixava de castigo, eu batia, eu bati no meu filho, porque as pessoas ficavam, “você tem que fazer alguma coisa, você tem que fazer, você tem que dar um jeito!” Então eu ficava, o que que eu vou fazer? Eu batia, eu deixava de castigo. Se a gente saísse para uma festa… nunca ninguém me explicou, não vai com ele em lugares barulhentos, porque o autista tem problema sensorial. Não! Então eu ia e ele começava a fazer birra. Não era birra, era crise. E aí eu batia nele, coitado. E eu hoje, eu fico olhando isso e eu me sinto muito culpada, muito, porque eu fico: caramba, meu filho tava numa crise e ao invés de eu ajudar eu estava batendo nele, estava pondo ele de castigo. Eu me sinto péssima, mas eu sei que eu não tenho culpa porque eu não sabia, não foi por mal. Mas deve ter sido horrível para ele, a infância dele. Eu já perguntei várias vezes, ele fala que não. Mas não é possível! Caramba, ele precisando de ajuda e eu brigando. Enfim, então foi bem complicado essa fase aí da infância dele. E da adolescência, foi complicado, ele era um adolescente rebelde na escola, mas ele era bonzinho, meu filho era bonzinho. Ele aprontava coisas de adolescente, normal, aprontava de aprontar, de pregar peça em alguém, de não sei o que, de cair, se estrupiar inteiro lá embaixo. Ele tinha bastante dificuldades com coisas motoras, por exemplo, andar de bicicleta ele foi aprender aos 16, 17 anos, porque ele quis, ele falou: agora eu vou aprender! Então ele sempre teve um pouco dessas dificuldades. Eu via que ele acabava sendo, às vezes, sendo o centro da zoeira das pessoas, isso me incomoda muito, até hoje. Porque ele não enxerga que ele está sendo zoado pela galera, mas eu enxergo, às vezes eu falo para ele, “Leonardo, essa pessoa está só te passando para trás.” Mas não adianta falar, mãe falando é chata. Mas eu tô vendo! E isso acontecia na infância, na adolescência, então eu sempre fiquei de olho. Mas teve uma fase da adolescência dele, que ele conseguiu… na verdade eu não tinha conhecimento do autismo depois, autista não fica adulto, então eu não tinha conhecimento dos sintomas nem nada, eu fui deixando para lá, foi ficando para lá. Então na parte do autismo mesmo, eu nem percebia, foi uma fase também que eu fiquei mal, eu tive depressão, então eu comecei a viver em outro mundo, eu estava extremamente deprimida, no fundo do poço e acabei me distanciando dos cuidados do meu filho, então eu não vivi muito a adolescência dele, ele ficou boa parte com a minha mãe e eu não enxergava as dificuldades dele, do autismo, depois que eu tomei conhecimento, ele já tinha 16, 17 anos. Depois disso eu comecei a enxergar bastante o lado difícil do autismo nele. E aí eu já comecei a procurar tratamento, ele faz psicoterapia, toma medicação, passa com o psiquiatra. E tá tudo encaminhando hoje.
P - Como você descobriu o seu autismo?
R - Aí quando ele ficou adulto, teve algumas problemáticas com ele, da fase adulta, em que eu via que era inocência dele, aí eu voltei a pesquisar mais sobre autismo, a voltar nesse mundo, porque também quando ele recebeu o diagnóstico, foi muita gente me falando que não, que ele não era autista, que não era assim e que esse médico estava doido, que essa moça estava louca, ele tomou ritalina por um tempo. Eu parei de dar também, porque eu falei: eu não vou ficar drogando meu filho não. Enfim, na verdade nem lembrando que o meu filho tinha autismo, foi apagando, sabe! Até que começou a acontecer alguns problemas aí na fase de adulto para adolescente, de adolescente para adulto, que eu via que ele estava caindo em golpes, coisas assim. Aí eu peguei o laudo dele um dia, e falei: deixa eu ver! Na minha cabeça ele tinha um autismo leve. Que hoje a gente sabe que não é mais leve, moderado, é nível 1, suporte, 2 e 3, todos têm nível de suporte. E peguei o laudo dele antigo, olhei, era autismo moderado. Eu falei: porque que na minha cabeça estava leve. Porque na minha cabeça estava isso? Era tanta gente falando para mim que ele não tinha nada, era tanta gente falando que aquilo era birra e malcriação, que não era autismo. Eu apaguei da minha mente, não sei nem explicar como que isso aconteceu, não sei explicar, eu simplesmente apaguei, eu deletei que ele tinha autismo. E quando eu peguei o laudo de novo, eu falei: não é nem leve, é moderado, ele tem TDAH, ele tem um monte de coisa. Como é que eu não vi isso antes? Eu acho que era tão nova que eu não entendi aquele laudo, eu não sei explicar. E aí eu comecei a olhar aquela avaliação dele, meu Deus, meu Deus! Eu negligenciei meu filho, eu tava desesperada. Daí eu comecei a procurar de novo, procurei uma neuro, procurei psiquiatra. E nisso, eu comecei a pesquisar muito autismo em adultos, em adolescentes. E aí eu comecei a me trazer conteúdos sobre autismo em mulheres. E aí acendeu uma luz na minha cabeça, porque eu falei, caramba, tem um monte de sintomas aí que eu tenho, mas tem muita coisa! Antes disso, eu tinha sofrido uma depressão profunda, eu tive vários episódios de depressão ao longo da minha vida, como eu falei, e hoje eu sei que isso na verdade é um shot down do autismo, que eu já explico mais adiante. E eu entrei numa depressão mesmo, dessa vez, profunda, eu tentei suicídio, fiquei internada em clínica psiquiatra, eu me perdi totalmente, eu só queria morrer, era só isso que eu queria na minha vida, não tinha mais vontade de viver. Então nessa fase eu nem cuidei do meu filho, porque eu não cuidava nem de mim, eu me sinto muito culpada como mãe, mas eu não cuidava nem de mim, eu não tava bem. E quando eu saí dessa fase, que eu fui descobrindo, estudando o autismo dele de novo, eu comecei a ler, tudo. Aí a mulher do pai dele, o pai dele tem mais dois filhos autista. E a mulher dele descobriu que era autista. E aí ela veio falar comigo, falou: olha, você tem muitas características parecida comigo, o pai dele sempre fala, por que que você não faz o teste para ver se você é autista? Eu acho que você é autista. Imagina, imagina! Nisso eu tive diagnóstico de borderline, bipolar. E aí comecei a ver muitas, mas muitas mulheres, que eram diagnosticadas com border e bipolar e que na verdade eram autistas. Eu vi que o suicídio no Brasil, feminino, 90% de mulheres autista, ou homens autista. O maior índice de suicidio no Brasil é de pessoas autistas. Aí eu falei, não é possível! Começou a se encaixar muita coisa. Vi pessoas com histórias igual a minha, com depressão, que ficou internada e teve diagnóstico de bipolar e de borderline. Mas esses diagnósticos não me completavam, eram diagnósticos que eu lia, falava, aqui ok, mas aqui não, eu não faço isso! E lá na clínica eu criei amizade com pessoas com esse diagnóstico real e eu falava: mas eu não faço isso! O border é muito intenso, eu não sou essa pessoa! Então, tipo, tinha várias coisas que não se encaixavam comigo. E aí eu fui procurar, então primeiro eu fui numa psiquiatra que falou que eu falava e porque eu falava eu não era autista. É grave, porque no Brasil, muitos profissionais da saúde não tem ideia do que é autismo. Eu tinha ideia, mas para quem não tem, toma esse não, já fala: então tá bom! Então eu não sou autista. Quem não é da área da saúde, acredita muito no que o médico tá falando. E as pessoas às vezes falam que eu sou exagerada, mas eu não sou exagerada, eu tenho conhecimento. Até em médicos gerais que eu já fui, eu falo, não, eu vou em outro porque você não está falando a verdade, isso não está certo! E aí eu falei, não! Fui em outro, aí outro virou e falou: mas todo mundo é um pouco autista. Eu falei: não é possível! Ele ainda falou, assim: mas o seu filho fala? Imagina, seu filho não é autista. Descartei de novo! Até tinha desistido. Mas aí eu achei uma médica que era do convênio, mas ela era especialista em autismo adulto. Na verdade onde eu trabalhava tinha uma moça que tinha uma filha autista, eu perguntei: onde você passa a sua filha? E aí ela deu o nome da clínica. Eu liguei lá, “essa doutora só atende criança.” “Tem alguém que atende autista adulto?” “Tem! A doutora tal!” “Marca!” Marquei eu e meu filho. Meu filho foi, ela avaliou, confirmou o autismo dele, pediu para ele fazer terapia e tal. E para mim, ela ouviu o que eu tinha para falar e falou: eu acho que você é autista, mas eu vou te pedir uma avaliação neuropsicológica para a gente confirmar. E aí eu fiz! E quando eu fiz confirmou o meu diagnóstico. Eu sou autista e tenho TDAH. E aí eu voltei nela, ela me laudou e desde então eu estou aprendendo a conviver e conhecendo muito mais sobre o autismo, principalmente em mulheres, que é totalmente diferente de masculino, que tem aqueles sintomas clássicos. A avaliação do autismo é totalmente voltada para os sintomas de homem, não é de mulher, que a gente chama de sintomas clássicos do autismo, algumas mulheres são, mas a maioria mascaram os sintomas. Então, chega em casa com extremo cansaço de tanto ficar atuando o dia inteiro, fingindo ser quem não é. Ou entendo hoje porque que eu não sou afetiva, como eu falei lá no começo, que eu não sou afetiva, porque abraços e beijos me incomodam, me incomodam muito. Isso é do autismo, é normal! Eu entendo muitas, muitas situações, muitos jeitos meus de ser, hoje eu entendo o que é meltdown, shutdown. Meltdown é quando você estimula o sensorial, ou algo sai da sua rotina. O autista tem muito apego com a rotina, tem uma rigidez cognitiva muito grande, se algo sair da minha rotina, isso é um motivo para eu entrar em crise. Então o simples fato de eu ficar doente, por exemplo, e não conseguir fazer a minha agenda, é um motivo para desestabilizar meu humor. Então isso da crise de raiva, que achavam que era Border, isso das crises de angústia, e aí vem o shutdown, que é a parte que você deprime, você ficou tão mexida com tudo isso, com várias situações acontecendo, que você deprime. Você passa uns períodos depressivos e depois volta ao normal, que era o que aconteceu comigo, períodos longos, meses, dois, três meses. Depois volta. Todo mundo fala: que depressão é essa sua? Tanto que as pessoas achavam que eu fingia. Não era fingimento, era um shutdown. A depressão mesmo que eu tive, foi lá em 2018, que eu falei que aconteceu tudo aquilo. Antes disso era shutdown que eu tinha. Enfim, fui entendendo, isso é libertador, porque hoje eu me entendo, hoje eu sei os porquês de tudo da minha vida, desde a infância, de não ter amigos na escola, de ser retraída, tudo! Desde a época da adolescência que eu mascarava os sintomas para ser, “nossa, eu nunca tive amigos, agora eu tô tendo, eu preciso manter essas amizades. Desde o medo de perder as pessoas, porque eu sempre fui muito sozinha, aí veio de novo o diagnóstico errôneo de border, junto com o meltdown da raiva. Enfim, muitas coisas, que hoje eu entendo, entendo mais o meu filho, a gente quase não briga hoje, porque eu tô fazendo ele entender um pouco, ele não quis muito, ele nega bastante ainda o diagnóstico, mas eu estou fazendo ele entender o que é, o que ele sente, todas as características, enfim, que ele tem. É isso, sabe. Ainda tem muito preconceito, eu ainda ouço de muito pessoas, “ah, mas eu também tenho isso! Então eu também sou autista.” Ainda tem pessoas que duvidam do meu diagnóstico, que falam que eu sou autista só para ganhar benefícios, que a passagem do SPTrans de graça. Nossa, muito benefício! Familiares que não aceitam. Tem familiares meus que falaram: você devia ganhar um oscar mesmo! Devia ter feito artes cênicas, que você atuou tão bem para o médico que pegou um diagnóstico. Empregos que eu já pedi, depois que eu abri o diagnóstico, teve dois empregos que eu perdi dias depois de eu abrir no meu diagnóstico. Então, calma aí! Eu não tava funcionando até agora? Agora que você sabe que eu sou autista eu não funciono. As pessoas têm preconceito, acham que você tem algum déficit cognitivo, que pode acontecer com probabilidade de um autista, mas não é o autismo em si. Tem autistas que tem que tem déficit cognitivo, que tem atraso de fala, atraso mental, tem autistas não verbais, que não falam, nem por isso tem déficit cognitivo, eles são super inteligentes, escrevem, mas não verbalizam, não falam! Tem autistas com altas habilidades e superdotação, que a mídia mostra. Quando a mídia mostra autista, eles mostram os que tem auto habilidades e superdotação, que é o Sheldon ou aquela advogada extraordinária. Eles não mostram o autista característica, o que a maioria é. Eu tenho auto habilidades e superdotação, meu QI é 136. Mas isso não é glamouroso, isso é… Lógico que tem uma parte boa, mas tem a parte ruim, que é auto cobrança, a ansiedade desacerbada,0 perfeccionismo. Autocobrança mesmo, ninguém me cobrando! Uma série de complicações em cima disso também. Meu filho também tem auto habilidade, ainda não confirmou superdotação, mas tem auto habilidades. Então, assim, tem esse lado do autismo, mas tem outros lados. Então é importante conhecer, porque hoje para cada quatro pessoas, uma é autista. A gente sempre teve e era sub diagnosticada. Eu ouço muita gente falando: agora virou moda. Não é que virou moda, a ciência evoluiu. Hoje a gente tem meios de diagnósticos mais evoluídos e a gente está diagnosticando pessoas adultas, pessoas já idosas, que não tiveram diagnóstico. E quantas pessoas já não morreram sem ter diagnóstico.
P- Nesse caminho, até você chegar nesse entendimento, eu sei que você passou por umas coisas ruins na sua vida. Você fala sobre o que você quiser, tá! Mas eu sei que você teve relacionamentos e algumas coisas eu sei que tem relação com esses shutdown que você está contando. Como é que foi esse processo?
R - Bom, a minha vida inteira não tive relacionamentos fáceis em casa, eu falei, minha mãe eu desconfio de narcisismo, o meu pai é um pouco abusivo. Abusivo no sentido machista de ser mesmo. Eu não era afetuosa, eles também não eram, então a minha relação familiar nunca foi muito boa. Eu por ser autista, hoje eu entendo que eu não tinha amigos, que é normal no autismo, infelizmente, as pessoas não compreendem a gente, então a gente acaba sendo isolados. E aí eu provavelmente desenvolvi uma dependência emocional, tanto por pais abusivos, narcisistas, quanto por falta de amizades, então eu virei uma pessoa dependente emocional. E aí eu acabei caindo em muitos relacionamentos abusivos, a maioria dos meus relacionamentos foram abusivos. E eu permitia, tanto que eu tinha psicólogos que falavam: você percebe seu ciclo de repetição de relacionamento? Você percebe que você se envolve com pessoas iguais e repete esse padrão de relacionamento? E eu: não! Parece que vira a chave. Teve uma época da minha vida, que foi em 2020, quando eu me livrei do meu último relacionamento abusivo, que foi o mais abusivo de todos, foi extremamente abusivo, que foi com um narcisista, não sei nem se psicopatia seria o nome para aquela pessoa. Eu sozinha, não sei como explicar, muitas pessoas, “como você saiu da depressão? Como você descobriu…?” Não sei! Foi autoconhecimento, foi interno, virou uma chave, não foi só do autismo, foi antes do autismo, eu descobri o autismo em 2022, isso foi em 2020, que eu consegui enxergar de que eu era dependente emocional e que eu não precisava disso, que eu era muito bem sozinha. Como foi esse processo? Eu não sei! Quando foi que virou a chave? Eu não sei! Eu sei que, claro, eu fazia terapia, eu fiz terapias de dialética comportamental, cognitivo, tive internações, passei em números psiquiatras. E provavelmente uma hora eu enxerguei aquilo. Mas demora, tem pessoas que vivem relacionamentos abusivos a vida inteira e não descobre que estão. Quando você está dentro é difícil de você enxergar que ele é abusivo. Mas eu passei por vários. Então várias traições, mentiras, abuso sexual, violência física, violência verbal. Eu cheguei ficar até… Não cheguei a ficar obesa, mas eu fiquei bem acima do meu peso, numa época desse meu último relacionamento abusivo, porque ele falava coisas do tipo… ele era 12 anos mais novo que eu, então ele falava: você é velha, se você não ficar comigo, ninguém vai te querer! Você é velha e feia! Eu fiz até um antes e depois no meu Instagram, do relacionamento abusivo, que parece que eu sou 10 anos mais nova do que eu era. Então, assim, muita coisa eu passei. Por isso hoje eu entendo que foi uma dependência emocional, por falta mesmo de pessoas ao meu lado, uma fraqueza. Não é culpa de ninguém, eu desenvolvi essa dependência emocional, por N fatores da minha vida, mas hoje eu tô bem blindada quanto a isso, tanto que eu sempre emendei um relacionamento no outro, eu nunca fiquei solteira, eu namoro desde os 14, até os 32, 33, 34, 35 anos eu namorei assim, sem ficar solteira. Quando eu via que um relacionamento estava acabando, eu já arranjava outra pessoa para terminar, porque eu não podia ficar sozinha, aquilo para mim era o fim. Se alguém terminasse o namorou comigo e eu estivesse sozinha, eu entrava numa depressão profunda, eu queria me matar, era o fim da minha vida, eu sofria muito, eu emagrecia horrores, eu ficava de luto, parecia que meu filho morreu. Então, isso é um problema, isso não é normal, não é nada normal. E aí eu até casei com uma pessoa, muito boa como pessoa, mas não tinha compatibilidade nenhuma comigo, mas porque eu precisava casar, na minha cabeça a mulher tinha que casar, imagina, depois dos 30 solteira. Eu tinha toda também essa estrutura machista e patriarcal na minha mente, eu venho de uma família assim, eu nasci num bairro assim, que é a Mooca, me criei lá, morei lá até os 32, então minha realidade era essa. Quando aconteceu tudo isso comigo, que eu fui internada, foi quando eu comecei a conhecer pessoas de outros lugares na minha vida e essas pessoas começaram a me mostrar outras coisas, o que é periferia, o que é pobreza, o que é homossexualidade. Isso eu já sabia! Mas me mostraram outras coisas que eu não sabia, tipo, outras siglas, outras coisas que eu não tinha ideia. Enfim, mostraram tantas coisas na minha vida, que eu acho que com isso eu fui crescendo e consegui virar a chave da minha vida, consegui dar uma mudada. Tanto que se você entrar no meu Facebook, você vai falar: essa é doida! Porque em 2018 eu acho que tá lá “fora PT”, 2022 tá o PT de novo. Quem que é essa louca? Então, tipo, muita mudança. Mas eu acho sempre positivo minhas mudanças, eu achei que foi super positiva. E é isso! Hoje eu acredito que eu não caia num relacionamento abusivo, porque eu vejo de longe, o cara fala um A, eu falo: nossa, olha essa fala! Eu já sei que ele é abusivo. Então, eu tô bem blindada, tenho muito autoconhecimento sobre isso.
P - E aí você contou que teve essa mudança de chave, também teve o entendimento do autismo, também teve a superação de um monte de coisas. E aí você começou a fazer algumas coisas que mudaram a sua vida. Conta sobre esse período que a gente já está chegando no hoje.
R - Tá! Bom, quando eu fiquei sozinho de fato, terminei meu namoro, tal. Eu comecei a pensar em mim mesma. Um pouco antes, quando eu morava com a minha mãe ainda e um outro ex um pouco abusivo, bem abusivo também, não vou passar pano não! Bem abusivo também, teve violência física, sexual, enfim. Eu fiz balé, eu entrei no balé… Eu falei que quando eu era criança o meu sonho era o quê? Cantar, dançar e atuar, era o meu sonho. Então quando eu consegui um emprego bom, trabalhava na assistência, ganhava legal, tava trabalhando à noite, me matriculei no balé. Até descobrirem quanto eu pagava no balé, descobrirem minha mãe e ele. E os dois falaram, assim: não, você paga balé, então você vai pagar mais conta aqui em casa e deixar de fazer balé, porque não, você está ganhando melhor. Eu falava: mas espera, a gente está dividindo as contas em três, o que tá sobrando para mim é meu, é mérito meu, eu estudei, eu corri atrás. Vocês lembram que eu acordava 4 da manhã e chegava meia-noite, uma hora da manhã em casa, então? Eu tenho direito. “Não, não, não vai fazer!” E eu saí! Aquilo foi me desmotivando, eu broxei, eu comecei tipo com pensamentos, “você é velha para fazer balé, o que você acha que vai fazer no balé? Olha a sua idade.” Tinha 29 anos na época. Eu saí! Não fiz mais. E aí depois do fim desse relacionamento aí, em 2020, eu falei: não, agora eu vou fazer tudo que eu quero. Claro, eu vivi uma fase muito difícil financeiramente, porque nessa época eu desfiz um relacionamento que eu morava junto, então os gastos ficaram todos para mim. Meu pai tava morando comigo, eu também pedi para ele sair de casa, porque tava um relacionamento abusivo e eu me vi necessitando de morar sozinha mesmo, me conhecer, agora é comigo, agora sou eu! Eu sempre tô num relacionamento sério, deixa eu viver a minha vida sozinha, eu preciso me conhecer! Então, no começo foi um problema financeiro, mas o que que eu fiz, atividade física é eu mesma, pegava o aplicativo de celular, fazia atividade física em casa, depois fazia corrida na rua. Não tenho dinheiro, não há problema, sem desculpa! Comecei a mudar meu corpo, comecei a mudar a minha alimentação, comecei a me preocupar mais com várias coisas. Já tentei antes disso e depois disso, ser vegetariana, porque eu amo, eu sou enlouquecida por animais, eu tenho muita consciência de tudo isso, mas eu ainda tenho muitas seletividade alimentar, muita mesmo do autismo e não tenho dinheiro para suprir o veganismo sem suplementar. Não consigo, infelizmente. É o meu sonho, se um dia o leite vegano for o mesmo preço que o leite tradicional, cara, eu troco fácil! Porque eu amo leite de castanha, amo leite de coco. Mas eu não posso financeiramente, infelizmente. Eu acho que o veganismo ainda tem muito a evoluir, enfim, Mas voltando, eu tentei modificar a minha alimentação, cuidar mais da saúde, me preocupar mais, beber água, que eu não bebia por questão de seletividade alimentar também, depois eu descobri que todo mundo me achava estranha, “como que essa pessoa não bebe água?” Eu vivi anos da minha vida, eu vivi 36 anos da minha vida sem beber água, só bebia coca. Só que eu tinha enxaquecas horrorosas, toda hora. Eu ainda tenho enxaqueca, mas é esporádica, eu tinha todos os dias dor de cabeça e uma vez por semana enxaqueca de parar no pronto-socorro, até eu descobri que isso era desidratação, não era enxaqueca. Então, eu comecei a ficar mais velha, a gente passa dos 30 e os problemas vão surgindo. Então eu comecei a tentar mudar. Eu tenho um emocional muito forte, tenho crise de ansiedade, minha ansiedade é exacerbada, mesmo com medicamento, mesmo com terapia, isso ainda me prejudica. Então eu tenho problemas estomacais, intestinais, problema de taquicardia. Muitas coisas afetam o meu físico, então eu tenho que cuidar disso também, para não afetar tanto, porque eu acho que eu não passo dos 50, se eu continuar desse jeito. E é isso! E fui virando a chave, até que um dia eu consegui me matricular de novo na escola de dança, voltei a fazer balé e ainda não só balé, faço jazz, sapateado, fazia dança de salão, é que tirou da escola. Faço tudo! Tudo que aparecer lá eu vou fazendo, eu não tô nem aí, que eu amo dançar. Posto vídeo dançando, posto vídeo de mini blusa. Porque eu ouvia muito, eu tive filho, eu tive estria na barriga, minha mãe não tem estria, então a realidade… Minha mãe teve dois partos, dois filhos, mas não teve nenhuma estria. Eu não sabia nem o que era estria, a primeira que estourou na gravidez, eu achei que eu tinha machucado a barriga. Até que falaram: não, isso é uma estria. O que é estria? Não sabia! Então isso fez eu me fechar naquela época, até para usar biquíni, eu não ia mais na praia, maiô era de velho, biquíni eu não usava. Eu já deixei de viajar, eu ganhei viagens que eu deixei de ir, deixei de entrar em piscina, que eu amava, por conta de vergonha do meu corpo. E hoje eu quero que se exploda, entendeu. Hoje eu uso, não tô nem aí! Ainda as vezes fico meio tímida. Eu vou usar mesmo assim. Meu filho às vezes fala: mãe, você está parecendo uma menina de 15 anos. Eu: e daí? Mas eu sou! Então é isso! Eu me libertei muito de vários sentidos. Deixei o meu cabelo do jeito natural, eu sempre alisei,_______ parei de alisar, descobri que ele tem cacho que eu nem sabia, não fazia ideia de que ele tinha cacho. Eu sempre ouvi a vida inteira que meu cabelo era ruim, minha família é uma família de cabelo liso, meu pai tem o cabelo enrolado, só eu nasci com o cabelo enrolado. Então minha mãe falava: cabelo ruim, esse cabelo ruim! Minha tias falavam: cabelo ruim! Era todo mundo falando “cabelo ruim”. Meu cabelo era ruim na minha percepção. E hoje todo mundo: seu cabelo é lindo! É, né! É lindo! Não culpo a minha mãe de não saber cuidar, porque a maioria das meninas da minha idade, naquela época, usava o cabelo preso, porque ninguém sabia cuidar de cabelo cacheado, mas as falas de cabelo ruim, não eram legais. Enfim, me libertei, sabe! Hoje eu canto, eu aprendi a cantar sozinha, e aí de várias pessoas me vendo cantar em karaokê, ou casa, falando: caramba, você canta maior bem! Será? Vou tentar! Postei um vídeo começou as pessoas curtindo, eu fui postando, me chamaram já para banda, já participei de duas bandas, participei de ensaio, fiz apresentação, fui lounge como cantora, sem nem saber o que eu cantava. E é isso! Comecei a aprender violão, fazer todas essas partes de artes. Quem sabe um dia eu não consigo viver da arte, quem sabe! É meu sonho, se eu conseguir, aí eu fechei, zerei a vida.
P - O que você achou de contar a sua história e saber que a sua história vai fazer parte de um museu, que vai ficar aí para posterioridade, seus netos, bisnetos, tataranetos, até o dia que não tiver nem mais geração, vai estar aí. O que você acha disso?
R - Eu acho incrível! Eu não tenho tabu para falar da minha vida. Eu me preservo no ambiente profissional, porque como eu falei, existe preconceito, então eu procuro preservar a minha história de vida no âmbito profissional, por conta de preconceito que eu já sofri, que eu não estou inventando da minha cabeça, que já aconteceu de eu ser demitida. Então, é isso! De resto, eu falo para todo mundo, eu não tenho problemas em divulgar minha vida, eu não tenho vergonha nenhuma do que eu sou, do que eu passei. Você é autista? Eu sou, e daí? Eu sou! Então é isso! Eu achar incrivel se meus bisnetos, “olha a minha bisavó!” Incrível! Acho muito legal isso. Eu queria saber, eu queria que tivesse um vídeo da minha bisavó aqui falando. Ia ser um pouco triste, eu acho, porque naquela época era um mundo extremamente machista, coitada, ela ia falar o quê? Que aprendeu a cozinhar, lavar e passar. Mas ia ser legal, né. Então, quem sabe como que vai estar o mundo daqui alguns anos e eles falarem, “olha, a minha avó era revolucionária.” Uma coisa que eu queria falar que a gente não falou, pode? Sobre o plástico na minha vida pessoal. Eu tenho autismo, eu tenho seletividade alimentar, como eu falei. Eu só conseguia beber água, em garrafa plástica, Pet, descartável. Só que eu tenho conscientização da natureza, de animais, de natureza, de tudo isso, aquecimento global. Enfim, eu sou super a favor, mesmo antes de ter outra cabeça, eu sempre fui a favor disso, eu sempre fui a ovelha negra da família, que não falava: não faz isso, não faz aquilo. E aí eu falava, assim: eu só consigo beber, eu tenho ânsia… Eu não bebia água, quando eu comecei a beber, era só nessa garrafa. Vidro, não dava, eu tinha ânsia, de verdade. Eu falei, eu vou superar, eu vou me esforçar, porque quantas garrafas de plástico eu consumo por semana, sabe! É descartável, eu ainda lavava, eu usava uns quatro cinco dias a garrafa, lavando, para não comprar outra. Mas eu falei, não! Aí lançou a moda de umas garrafas coloridas, que vem três no kit, não sei o quê, e aí cola um monte de adesivo. E eu amo coisas coloridas, de arco-íris, de bichinho, falei: hummm, isso daqui é a minha deixa. Comprei, enfeitei a minha garrafa inteira e lá tô eu! Parei de consumir plástico.
P - Com todas essas coisas que você está contando, têm um entendimento, um aprendizado sobre essas experiências todas que você teve na sua vida. Se você tivesse um conselho para dar para as pessoas, principalmente mulheres, que eu sei que você sempre toca no machismo, tem um motivo para isso. O que você diria para essas mulheres?
R - Que vocês podem ser felizes sozinhas. Vocês não precisam casar, tira isso da sua cabeça. Se você quiser casar, casa! Mas você não precisa. Eu ainda tenho muitas amigas que ficam, “aí eu conheci um boy do Tinder, aí não sei o que. Mas ele disse isso para mim, tudo bem, eu vou perdoar!” Não, você não tem que perdoar! “Eu já tenho 36, tenho que casar!” Não! “Seu eu não relevar nada, eu nunca vou casar!” Então não casa! É muito melhor ficar sozinha. Só que eu já fui aquela pessoa do outro lado e eu entendo, que várias pessoas já falaram essas coisas para mim e eu ficava, assim: ah, tá bom tiazona, a tia dos gatos. Hoje eu sou a tia do gato. E eu tô muito feliz! Entendeu? Só que é difícil, enquanto a pessoa não vira a chave dela, não tem quem faça ela mudar! A gente muda de dentro para fora, não adianta alguém de fora falar, não adianta! É claro que você pode ouvir aquilo e um dia lá na frente, você falar: nossa, me falaram isso! Mas é muito difícil essa mudança do externo para o interno. Mas eu sempre falo isso, não precisam de homem para viver, não tem que casar, não tem que tolerar nenhum tipo de machismo, não tem que tolerar! Não é: ah, não, releva, releva, o mundo é machista. Não! Você releva teu pai, tua mãe. Meu pai que é lá da década de 60, fala umas coisas, que eu relevo, não é nem tolero, eu relevo, que eu falo: ah, tá bom, fala aí! Agora eu conviver com um homem que nem é da minha família, que eu tenho que casar e ficar tolerando o que ele me fala. Não! E quem disse que você precisa casar? Quem disse que você precisa de alguém para ser feliz? Você pode fazer tudo sozinha, sem medo! Eu sei que dá medo. Dá medo! Eu não vou falar que as primeiras vezes que você sai sozinha, faz algo sozinha não dá medo, ou vai morar sozinha, dá um medo! Mas vai, vai que você vai ser feliz! E assim, se abre, sabe, para novas descobertas. “Eu sou velha para dançar, eu sou velha para cantar!” Quem falou que você é velha? Que idade é velha? O que que é velho para você? Porque eu tenho 38, uma pessoa de 50 para mim agora é jovem. Quando eu tinha treze eu falava que era velho. Então, assim, não tem essa, não tem época. Sua vida é uma, você vai morrer. Se você tem oportunidade de fazer alguma coisa hoje, faça! Porque é a única vida que você tem, ninguém sabe, cada um tem sua crença, mas ninguém sabe de fato o que vai acontecer. Eu tenho outra vida? Eu tenho outra chance? Ou não tenho! E se você não tiver? Então viva, faça o que você tem vontade! Não importa a sua idade, sua aparência, se você é gorda, se você é magra, é alta, é baixa, faz! É isso meu conselho.
P - Fabíola, qual é o seu legado?
R - Legado? Ah, eu acho que o feminismo é um grande! Feminismo e o… É que eu não sou, eu não posso ser hipócrita de falar que o veganismo, ou vegetarianismo, mas é o meu sonho ser. Eu ainda tenho muito a superar. Mas defesa dos animais, eu já resgatei animais, teve uma fase da minha vida que eu fiquei com 17 gatos no apartamento, resgatados, fiz dívidas. Então eu diria que o feminismo e animais. Mas muito feminismo. E deficiência… Enfim, eu abordo tanta coisa, eu acho que o meu Insta é uma bagunça, ninguém entende! Ele falam: o que que ela é? É da igreja evangélica, é do candomblé, ela faz o quê? Mas eu defendo… Na verdade eu acho que eu defendo a liberdade, liberdade de todos os seres, independente, de mulheres, de animais, de tudo. Mas acho que o legado mais forte que as pessoas acham de mim é o feminismo.
P - Obrigado, Fabi! É isso! Essa é a nossa entrevista e agora ela é uma peça de museu.
R - Obrigada vocês!
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