Programa Conte Sua História
Depoimento de Maria Lúcia Bianchini
Entrevistada por Lucas Torigoe
São Paulo, 07/10/2015
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV515_Maria Lúcia Bianchini
P/1 – Lúcia, pode falar o seu nome inteiro pra gente, data e local de nascimento?
R – Maria Lúcia Bianchini, eu nasci em Santiago, Rio Grande do Sul, em 21 de novembro de 1960.
P/1 – E seu pai, como é o nome dele?
R – Meu pai é um nome especial: Sy Ricieri Bianchini. E a minha mãe é Ethel Maria Ritter Bianchini.
P/1 – Seu pai nasceu onde?
R – Os dois são do Rio Grande do Sul, o pai de família de ramo italiano e a mãe de ramo alemão.
P/1 – E você sabe a história da família do seu pai?
R – Mais ou menos. Eles tinham muito irmãos, tem foto dele, acho que são nove irmãos e a minha mãe também tem nove irmãos. O pai morava no interior de São Francisco de Assis, no Rio Grande do Sul, e a minha mãe vem de Santa Cruz do Sul e depois Santiago, que é onde eu nasci.
P/1 – A família do seu pai é da Itália, é isso, eles vieram pra cá?
R – Não. Os avós. Não é direto, acho que é a terceira geração.
P/1 – Foram morar no Rio Grande do Sul.
R – Isso, foram pro Rio Grande do Sul. Bianchinis. Tem ramo de Bianchini, eu sei, ali pelo Paraná, Santa Catarina.
P/1 – E a sua mãe?
R – A mãe é ramo alemão, os pais dos avós dela vieram da Alemanha.
P/1- Por que, você sabe?
R – Acho que buscando melhores condições de vida. Eles entraram no ramo de confeitaria e doces, por isso tem os doces Ritter, seria deles. Produziam botas e essa questão de confeitaria, padarias.
P/1 – Tudo no Rio Grande do Sul.
R – É, a minha família é.
P/1 – E você sabe como seus pais se conheceram, eles contaram essa história pra você?
R – O pai e a mãe? A casa da minha mãe é de nove irmãos, eles moravam em frente de uma praça que daí tinha um quartel do outro lado (risos). E o meu pai estava servindo, porque o meu pai é nove anos mais velho do que a minha mãe, então ele já estava servindo. E diz que ele passava com os óculos Ray-Ban dele numa moto, assim, daí olhou a mãe, a mãe olhou ele, daí ele foi pedir a permissão pro pai da minha mãe pra namorar e começaram a namorar.
P/1 – E isso foi em que cidade?
R – Em Santiago.
P/1 – Em que anos mais ou menos, você sabe?
R – Ixi, não sei não. Não sei dizer. Mas assim, o meu avô, como ele era Ritter, eu sei que na guerra ele sofreu discriminação por ser alemão e daí jogavam pedra na casa deles lá, ele foi levado preso pra Porto Alegre só por ser alemão. Isso mudou a vida dele, ele começou a ficar um cara introvertido, começou e morreu por causa disso, né? Eles eram nove irmãos, eles tinham padaria, supermercado, eram bem sucedidos lá. A mãe casou estava com 19 anos e o pai tinha nove a mais. E eu já nasci nove meses depois, já foi rapidinho. Teve essa diferença de idade deles e o pai estava no quartel. E quando eu recém tinha nascido, poucos meses, encosta o pessoal do Exército na frente da nossa casa, que o meu pai estava tendo uma crise mental e que teve que ser levado pra Porto Alegre. E a partir disso começou a ter sempre. E a minha mãe teve que encarar de cuidar de nós assim sem deixar a gente ser abalado por isso. E uma coisa interessante da minha mãe, ela nunca falou pra gente que o nosso pai tinha esse problema mental, então a gente cresceu super assim, orgulhoso do pai. Só fomos saber que ele tinha isso depois de casados, quando a gente já estava casado, daí já adulto e você: “Mãe, como assim?”, ela preservou, eu acho que foi bom. Mas eles estão juntos até hoje, o pai está estabilizado, está bem. Ela é uma guerreira, uma guerreira, encarou tudo, foi fazer faculdade pra cuidar de nós duas e mais o meu irmão que está na foto depois.
P/1 – E você tem quantos irmãos?
R – Eu tenho uma irmã menor do que eu, um ano e meio mais jovem, a Suzana. E daí o Henrique que nasceu nove anos depois.
P/1 – Que é o Ique.
R – Que é o Ique, é, que nasceu depois. Daí já não em Santiago, nasceu em Porto Alegre, eu ajudava a cuidar dele, trocar as fraldas (risos).
P/1 – Então voltando um pouquinho, quando você nasceu seu pai estava no Exército.
R – Estava no Exército, em Santiago.
P/1 – A sua mãe ficava em casa?
R – A mãe ficava em casa sim. Porque acho que logo ela também engravidou. Eles moravam próximos dos avós, dos pais, então ela não trabalhava fora, ela não tinha nenhuma profissão. Foi buscar essa profissão depois dessas crises do pai, que já estava comigo, minha irmã, daí também veio o meu outro irmão e ela foi estudar, fazer Pedagogia, virou professora. Pra garantir pra gente, já que o pai tinha essa instabilidade.
P/1 – E como é que foi crescer, como é que era a cidade?
R – Eu cresci em Porto Alegre. Bom, de Santiago a gente foi pra outro interior que é São Luís Gonzaga e Bagé. Mas com sete anos de idade a gente já foi pra Porto Alegre, que eu entrei no jardim de infância em Porto Alegre. Eu e a minha irmã. E a gente viveu lá na rua Santos Dumont. Eu era super moleca, gostava de andar de pé descalço, de carrinho de lomba, de tomar banho de chuva, subir em árvores e catar coisas assim nas sarjetas. No fim a gente cresceu sem supervisão porque a mãe estava trabalhando, estudando e o pai no Exército. Ali nasceu o meu irmão, eu cuidava dele, a minha irmã também, a gente ia pra escola. Daí assim, alguém sugeriu pra minha mãe que o pai tendo essa situação ele poderia se aposentar, então encaminhou a aposentadoria e conseguiu comprar uma casa, aposentado e com uma casa pelo Exército a gente mudou pra outro lugar em Porto Alegre, onde é essa casa que está a foto ali onde eles, sabe, do Natal, onde está a escadaria? Ali é a casa própria do pai e da mãe, que meu irmão mora lá com eles dois.
P/1 – Foi a casa que você mais se apegou?
R – Com minhas crianças foi essa que a gente mais se apegou, quando a gente saiu da comunidade. E depois que eu me separei todo final de semana a gente ia pra essa casa, essa casa é bem importante pra gente.
P/1 – E como é que ela é?
R – É uma casa que fica numa subidinha, é uma casa em um condomínio com várias casas parecidas, elas eram todas, no básico eram iguais e aí começaram a pintar diferente, fazer coisas diferentes, cada um com seu jardim. É um lugar bem bom de se estar. Tem uma praça na frente que até construíram um chimarródromo (risos), que a gente vai, todo mundo vai no final de semana, pega a sua cadeirinha de praia fechadinha com o seu chimarrão e vai ali pro meio da praça pra tomar chimarrão, é em frente da casa deles. E tem foto dos meus filhos numa seringueira ali em frente nessa praça, estão todos eles assim na seringueira, até um padre perguntou pra mãe, um padre italiano, amigo deles: “Nossa! Não sabia que no Brasil criança dava em árvore!” (risos). Dali foi a minha infância, minha adolescência também. Então eles eram católicos, sempre a gente ia pra igreja, era obrigado a ir pra igreja. Meu pai super, tinha que ir, não podia não ir. Então a gente ia, eu era uma menina muito obediente, muito obediente, ia, tá. Daí quando chegou na adolescência a minha mãe, tipo, vrum, me empurrou para ir pra esses grupos de jovens. E eu nem queria, nem sabia o que era mas tá, me inscreveu, tive que ir. Fui e foi super bom, encontrei um monte de gente, de Deus, idealista, legal assim, jovens da minha idade. E dali começou o meu ideal assim: “Então tá, vamos fazer que nem São Francisco, então vamos ajudar os pobres, vamos fazer radical”. E comecei a ver que a Igreja Católica não tinha esse radicalismo, sabe? Como assim, fala uma coisa e não faz? Comecei a me decepcionar. Nisso eu estava escolhendo a minha faculdade, fiz vocacional eu pensei, entre Psicologia e Serviço Social. De Psicologia não passei, ainda bem, porque eu não queria Psicologia, hoje que eu sei mais o que é. E daí fui fazer Serviço Social na PUC.
P/1 – Só voltando um pouquinho, em Porto Alegre você frequentou a escola pela primeira vez ou foi antes?
R – Sim, foi em Porto Alegre. Na primeira casa eu fui para o jardim, primeiro ano, até quarta série. Quando a gente mudou pra essa casa que é própria, que o pai comprou, eu já fiz acho que quinta, sexta, terminei o fundamental e fiz o médio.
P/1 – Antes de chegar na adolescência eu queria te perguntar como é que foi a escola, em que escola você estudou.
R – Eu estudei no Grupo Escolar Professora Branca Diva Pereira de Souza (risos). Era uma escolinha normal, simples. Estudei eu e a minha irmã ali e a minha mãe, nessa escola, como ela estava estudando Pedagogia teve momentos que ela foi lá, era estágio dela, então ela ficava no fundo da sala, daí a gente tinha que ficar toda comportada, mas eu era muito comportada, muito comportada. Então teve isso, a mãe fez o estágio dela de Pedagogia na escola que a gente estava. E ali nasceu o meu irmão. E o meu irmão assim, a minha mãe, nessa situação não queria mais nenhuma criança, então quando ela soube que estava grávida do Henrique ela pensou em dar o Henrique para uma prima dela que só tinha meninos, daí ela tinha prometido: “Se for uma menina eu vou dar pra você”. Quando eu soube disso, eu tinha nove anos, eu disse: “Como assim, mãe, você vai dar minha irmã pra alguém?”, não conseguia entender isso. Mas daí veio guri, então ficou com a gente, eu cuidava dele, tudo assim.
P/1 – Depois dessa escola você foi pra onde?
R – Depois dessa escola eu fui pra essa outra escola, era Escola Medianeira, lá no bairro Medianeira, daí eu entrei pro grupo de jovens.
P/1 – E essa escola, você gostava dela, de alguma matéria específica, você já tinha alguma afinidade?
R – Não, eu não tinha. Eu era uma menina média, de média um pouquinho pra superior, eu era bem aplicadinha, me saía bem. E o meu pai trabalhava na Associação de Pais e Mestres. Então a minha mãe já estava dando aula numa outra escola e o meu pai ajudava nesse círculo de pais e mestres. Então também, eu ficava toda orgulhosa que meu pai estava lá, eu e a minha irmã estudávamos lá.
P/1 – E em casa você falou do seu pai e da sua mãe, como é que era eles em casa? Como era essa relação?
R – Bom, na adolescência. A minha mãe diz: “Você era muito antipática” (risos). Que aí na adolescência eu comecei a ficar rebelde e, tipo, a minha irmã era toda bem dotada de dons culinários, então ia aprender a cozinhar, fazia tudo que a minha mãe queria; eu passava longe da cozinha que eu não queria fazer nada disso assim. E a gente não era muito afetivo dentro de casa, tipo, pra dar um abraço e um beijo? Hum-um, não se dava, sabe? Eu me lembro de em aniversário, no Dia das Mães me forçaram ir lá e dar um beijo. E nunca vi eles brigando, nunca escutei eles brigando. Foi uma boa formação. Eu só não tinha o afeto do abraço, beijo, coisa assim, mas a gente teve tudo o que a gente precisava, eles encorajavam muito a Educação. O meu pai me lembrou que eu disse que eu queria ser freira e que daí ele disse: “Ó mana”, porque o máximo pra eles é um filho ser padre ou ser freira. Daí, mas diz que ele me disse: “Não Mana, primeiro faça a faculdade, depois que você terminar a faculdade você pode ser freira”. Eu não me lembro disso. Tá. Daí acontece que eu entrei pra faculdade, pra PUC, lá eu virei? Co-mu-nis-ta! (risos). Então nada de ser freira de jeito nenhum. Meu pai depois dizia: “Se eu soubesse que você ia tomar esse caminho eu teria deixado você ser freira” (risos). Ainda bem que não deixou né? Porque... Posso contar a partir daí?
P/1 – Pode, pode.
R – Daí eu entrei pra faculdade toda assim, aquela menina boa, querendo fazer o bem pra humanidade, então por isso o Serviço Social. Mas no primeiro ano já em Filosofia, eu me lembro era Zilá Tota a professora. Já entrou aquela coisa da consciência crítica contra consciência ingênua. E eu vinha com consciência ingênua. Então começou assim, todos meus referenciais de religiosidade, Jesus, sabe, tudo ser questionado. E lá na faculdade tinha grupos comunistas, clandestinos, que estavam de olho no pessoal do Serviço Social e da Teologia. O pessoal da Teologia também era todo radical, que era do lado da nossa faculdade.
P/1 – Foi em que ano, mais ou menos, que você entrou na faculdade?
R – Eu entrei acho que era 80 e... Eu terminei o ensino médio, fiz cursinho pré-vestibular e já passei, então acho que é... tem que fazer a conta. Eu nasci em 60, acho que 82, eu acho.
P/1 – Pode seguir, eu queria só voltar mais uma vez, mas a gente volta pra lá. Em Porto Alegre vocês iam em festas, vocês comemoravam coisas em casa, como é que era?
R – Em família?
P/1 – Em família, mas também já na adolescência se você já saía.
R – Quando eu comecei a ir pro grupo de jovens era todos os eventos que tinha o grupo de jovens. Mas eu comecei também a ter um grupo de amigos ali na região e me apaixonei, foi minha primeira paixão. E daí a gente foi pra festa, Clube Teresópolis. Ali na comunidade aconteciam as festas de garagem (risos) no sábado. Assim: “Ah, vai ter festa na casa do Fulano”, daí botava uma luzinha, sabe, verdinha ou vermelhinha (risos) e os pais não deixavam por causa dessas luzes (risos), mas às vezes a gente ia nessas festas. Mas quando eu fui no clube, aí que eu conheci o meu marido. E quando eu o conheci eu estava nessa coisa de grupo de jovens ainda, não era comunista e eu me lembro que quando ele me chamou pra dançar a gente foi, começou a conversar, ele me perguntou: “Que cor são seus olhos?”, eu disse: “Ah, são verdes, azuis” “E os seus?”, eu perguntei: “Ah, os meus são cor de mel mas eu gosto quando estão vermelhos” “Como assim quando estão vermelhos?”, daí que eu vi que ele fumava maconha, não sei o que e eu fiquei assim: “Uau! Então é esse tipo de pessoa que eu quero ajudar” (risos). Daí a gente começou a namorar, eu falando pra ele de Deus e ele me convencendo da maconha (risos). Daí eu provei a maconha e ele começou a frequentar o grupo de jovens (risos). Aí a gente estava com 20 anos e ele e um amigo nosso decidem: “A gente vai sair de casa e vai morar só a gente”. Daí eu e a minha amiga, que era namorada desse cara, dissemos: “Como assim? Vocês vão sair e nós?”, daí comuniquei a minha mãe que a gente ia morar junto, ia sair: “Mas não vai casar?! E véu de noiva? Eu sempre idealizei” “Eu não, to indo, tchau”. E daí a gente foi morar os quatro juntos. A gente alugou uma casa. O Jairo trabalhava, eu estudava, os outros dois estudavam e trabalhavam e daí com esse dinheiro a gente botava em comum, pagava as despesas, cada um tinha o que dividia entre todos, então a gente tinha uma proposta muito radical de ser tudo em comum. Só que não durou muito tempo isso assim, sabe? Começou a vir egoísmo, preguiça, ciúmes entre os quatro, que daí rompeu. Só que daí eu já estava grávida, o Amadeu e a Mara também estavam grávidos e a gente se separou, foi cada um pra um lugar. Daí que nasceu a Gabriela, a primeira.
P/1 – E o Jairo fazia o quê?
R – Então, o Jairo Antônio só estudou até a oitava série. Sabe assim, ele era artista, desenhava. Eu não via essa diferença de que ele só tinha a oitava série, fez um monte de vezes a oitava série e eu já estava na faculdade, eu nem notava. Mais tarde algumas colegas minhas vieram me dizer: “Você não se deu conta da diferença?”, eu: “Não, não notei. Ele era idealista, não tem problema”. Eu entrei pra faculdade e o Jairo fazia serigrafia, fazia capoeira, fazia outras artes marciais aí. Daí, eu estou na faculdade, então na faculdade eu deixei Jesus pra lá, virei comunista, comecei a participar de grupos radicais clandestinos, sabe assim, a gente se encontrava em lugar que eles davam mil voltas pra você não saber onde é que é aquele lugar, você não usava seu próprio nome, era codinome porque caso você fosse torturado você não saberia dizer quem era que estava ali. A gente, em vez de bater palma você fazia assim (estala os dedos) por causa do barulho (risos). A gente dava um dízimo, você dava um dinheiro. E a gente estudava as coisas de Marx, Lênin. Daí eu convenci o Jairo pra essa proposta e o Jairo virou também comunista.
P/1 – Mas o que era a ação de um comunista na época, como é que estava?
R – Bom, era logo antes dos partidos de esquerda ser legalizados. Então a gente fez greve, greve nacional e esse nosso partido, essa vertente, era uma das vertentes que criaram o PT, então a gente fez nascer o PT, era um momento político de pode ter um partido. O MDB já era MDB e Arena, né, daí pôde outros partidos de esquerda, então a gente fez nascer o PT. Então eu digo que o PT é meu oitavo filho, que virou um monstro (risos), mas quando nasceu era um idealismo de ajudar, de fazer bem, tinha as comunidades eclesiais de base. A gente ia ver os acampamentos dos sem-terra. Então isso era o que a gente fazia. Ah e também no movimento estudantil, né? A gente também queria que o PT fosse promovido também no movimento estudantil. Eu participei de diretório acadêmico, essas coisas aí.
P/1 – E como é que era na faculdade? Você assistia às aulas e participava do movimento.
R – Então, eu era super boa na aula e eu e minhas melhores amigas, a gente era quatro amigas mais chegadas e eu e uma outra entramos pra esse partido, as outras não entraram nisso, depois eram do PT também, mas não eram radical assim. A gente assistia à aula normal, mas de noite, finais de semana a gente ia pra reuniões nas praias, coisas assim, vinham os líderes do exterior, e pessoas, essas grandes coisas assim. E daí eu me formei e a fundamentação da minha tese foi toda marxista, até a capa dele é vermelha (risos). E eu escolhi para me arguirem professores que já tinham essa linha também, comunista, idealista. Daí eu tirei 9,7, fui super bem.
P/1 – E tinha todo esse movimento em Porto Alegre.
R – Sim, bem forte.
P/1 – Porque dizem que o PT foi criado no ABC, em São Paulo.
R – Lá eram os bancários, eram fortes e o movimento estudantil era forte, que fez o PT lá. E as comunidades eclesiais de base também, pessoal cristão da igreja. Ih, eu levava minhas crianças, todos pequenininhos, para as manifestações do PT e a gente saía com bandeira, pendurava bandeira na janela, quando a gente morou naquele apartamento depois. Bom, então eu estou lá na faculdade, me formei.
P/1 – Você já estava grávida...
R – Então, me formei e daí fui fazer residência. Residência é tipo um estágio que os médicos precisam fazer, a gente não precisa, mas abriu um campo lá que era numa região bem legal, numa comunidade de baixa renda, então era saúde pública e precisavam de todos esses recém-formados fazendo residência, então tinha médico, enfermeiro, veterinário, serviço social, psicólogo. Era uma equipe super legal, todos jovens, todos idealistas, recém-formados, numa comunidade que a gente podia ganhar pra nossa causa. E todos eram petistas, todos eram do PT, desses movimentos de esquerda. Daí eu engravido e acontece tipo algo forte porque, então tá, eu estou grávida, quero, sou radical, a gente tinha livros de tática de guerrilha, sabe, se tivesse que morrer. Eu cheguei a me inscrever pra Nicarágua como assistente social que estava tendo lá revolução sandinista, me inscrevi pra ir pra lá. Se tivesse um pouco antes acontecido a guerrilha do Araguaia eu teria ido, foi porque não era no meu tempo, no meu tempo já estava abrindo assim. Mas era radical e eu ia dar minha vida pela minha causa, entendeu? Pelo bem, pelos outros. Eu engravidei, não era mais cristã, tinha deixado meu Jesus pra lá, lá no primeiro ano da faculdade, era comunista, engravidei, a nossa comunidadezinha de quatro, que eu pensava assim, pô, tudo pra dar certo, já tinha quebrado, então já estava ruim, um fracasso no meu ideal. Comecei a ver que esse pessoal com quem eu me relacionava radical desse partido clandestino eu comecei a me questionar olhando eles, assim, sabe quando a gente se reunia, mais tempo junto, ver as relações entre eles, a seriedade. Sabe assim, eu me perguntei: “Cara, se a gente assume o poder desse país essas vão ser as pessoas que vão estar mandando, coordenando, que vão estar comigo assim?”, eu falei: “Não, eu não quero, não é esse tipo de pessoa que eu quero lá no topo”. E comecei a me questionar nisso. Daí com esse pessoal lá, essa comunidade de residentes a gente fez uma greve nacional de residentes. Estava super forte, super legal, estava lá junto na liderança, começamos a ver que, cara, não vai dar em nada. Então assim, comecei a me decepcionar com isso também. Tipo, a gente tinha tudo pra dar certo e começou a ver o poder é muito maior contra, né? Então começou aí também eu me questionar. E grávida. Eu me perguntei: “Tá maluca, você tá grávida. O que você vai ensinar pra essa criança? Existe Deus? Não existe Deus. O comunismo é a verdade? Não é a verdade. Você pode, pela tua profissão fazer o que você quiser”. Eu estava decepcionada com o Serviço Social de ver também, sabe, que a gente ficava restrita ao que o patrão vai te mandar fazer ou o governo vai te mandar fazer, então tudo quebrando na minha vida, tudo indo já por água abaixo. Num dia desses da greve eu saio. Eu estava assim, macacão jeans, toda desleixada, então eu não mostrava formas femininas, era tudo assim, nada de mostrar formas femininas, você nem sorri, toda essa coisa rígida. Então assim eu estava, toda decepcionada e desse jeito. Peguei o ônibus, fui pro centro de Porto Alegre, sem ter um objetivo maior, mas ter bem assim, sabe, fui lá pro meio da cidade, do centro, que é a Galeria Malcon. Entrei na Galeria Malcon sem saber o que eu queria fazer lá, só assim, bem mal da vida. De repente eu vejo lá na esquina, no fundo da galeria assim eu vejo um pessoal que eu conhecia, da minha adolescência que era o pessoal que era conhecido como dos Meninos de Deus. Eles, toda a minha infância davam folhetinho pra gente, sorrindo, sabe, amorosos, felizes, queridos, uns desenhos super maneirinhos e eu guardava comigo e o Jairo guardava também sem a gente estar junto, quando a gente se encontrou a gente se mostrou assim: “Nossa, olha! Eu escutava”. Eu vi esses carinhas lá e eu disse: “Ixi, eu que não quero encontrar esses caras, eles vão vir falar de Jesus pra mim, eu não quero saber disso”. Tinha um monte de gente entre eu e eles, galeria, entendeu, um monte de gente. Eu disse: “Ah, eles nem vão me ver”. Peguei e fui por aqui, pelo cantinho. Eles me viram de longe e vieram pelo meio da multidão toda assim com um sorriso direto pra mim, com o folhetinho. Daí eu pensei assim: “Nossa, eu vou virar a cara”. Mas disse pra mim mesma: “Ah Lu, você não vai virar a cara para alguém que vem, você não está tão mal assim de virar a cara pra quem vem com um sorriso pra você, né?”. Daí eu parei e comecei a questionar eles. “Ah, você acredita em Jesus?”, eu: “Cara, vocês só falam em Jesus e da bíblia? E o comunismo e outras propostas sociais?”. E eles começaram, assim super doces, tudo o que eu perguntava eles começaram a me responder com a bíblia, com coisas de profecias bíblicas, de coisas que estavam pra acontecer, que estavam se cumprindo, que já tinham se cumprido. E eu pensei comigo: “Nossa, esses caras sabem coisas que eu não sei”. E aquilo já me chamou. E a gente ficou conversando várias horas ali, eu acho que uma, duas horas. No final ele quis pegar meu endereço, eu disse: “Não, não vou dar meu endereço”. E ele: “Não, como assim, você não quer que a gente te faça sequência disso?”, e eu: “Não, não, não, não”. Ele disse: “Você vai voltar pra casa, você não gostou do que a gente falou?”, eu disse: “Sim” “Então me dá, deixa eu anotar teu endereço”. Eu: “Não”, até que eu: “Tá, então anota”. Sei que daí no meu trabalho lá ele ligou uma, duas. E ele era português, então ele ligou uma, duas, três, quatro no meu trabalho e diziam: “Tem um português querendo falar com você” “Não quero saber, não quero saber”. Até que de novo pensei: “Pô, coitado do cara, verdade, quando a gente conversou lá foi legal, o que a gente falou tinha a ver, deixa eu atender”. Daí comecei a atender, eles começaram a ir na minha casa. E daí o que aconteceu? Entrei pra essa comunidade deles. Daí eu estava com a Gabriela recém-nascida, o Jairo estava dizendo: “Eu vou depois que eu terminar minha serigrafia, não sei o quê”. Eu disse: “Jairo, cara, eu estou indo, isso é o que eu quero. Eu fui lá, eu vejo que essas pessoas moram todas juntas, eu não vejo briga entre eles, eu vejo que o que eles pregam, o amor, eles vivem o amor e é uma coisa bem livre, amorosa, poderosa, tô indo. Tô indo com a Gabriela”. Daí me organizei, um dia peguei as coisas e fui com a Gabriela. Estava chegando assim, era só atravessar a rua e ali estava a comunidade. Quando eu ponho o pé aqui o Jairo vem assim, se põe na minha frente (fala berrando): “Você não vai entrar agora!”. E eu: “Hum”. Daí vem vindo um dos missionários assim, tipo: “Oi, tudo bem!?”, daí eu entrei. Entramos. Eu entrei, o Jairo entrou e a gente ali começou. Dali a gente foi pra Guararema, foi pro Rio de Janeiro. E eu tendo um filho atrás do outro, né? A Gabriela já estava com um aninho ali, em Guararema eu engravidei da Tabita. Daí a Tabita nasceu no Rio de Janeiro. No Rio de Janeiro eu engravidei da Joy, a Joy nasceu no Rio de Janeiro. Eu estava grávida do Urias e fomos pra São Paulo e de São Paulo ele nasceu em Brasília. E em Brasília nasceu Urias, Calebe, Natan, nessas comunidades.
P/1 – Só pra voltar um pouco, então, pra quem não conhece como é que funcionava essa comunidade, ela tinha sedes, é isso?
R – É um grupo de várias comunidades alternativas cristãs, missionárias. Tem no mundo todo e a meta era viver junto, num mesmo local, várias famílias, ter tudo em comum, o dia a dia e o estudar a palavra e pregar o evangelho. E a tônica deles era muito do tempo do fim, profecias do tempo do fim, viver em amor e música. Então teve produção de muita música, muito teatro, teatro amador, mas músicas teve muita produção livres e pôsteres que as crianças, sabe que as crianças estão mostrando naquela foto?
P/1 – Sei.
R – Aqueles pôsteres que a gente produziu que eram como imagens do céu. Tipo assim: “Quer saber como é o céu? Ó, em Apocalipse descreve”, então a gente desenhou, fez esses pôsteres que distribuiu no mundo todo. Então eram várias famílias unidas por esse ideal, nada era de ninguém, tudo era de todos, roupa, carro, tudo. O cuidado dos filhos, tudo. Se alguém ganhava uma herança entrava ali, dava pra quem precisava. Ninguém tinha dinheiro, não tinha nada de dinheiro pessoal. E as pessoas ajudavam porque a gente fazia um trabalho de amor pelas comunidades onde a gente estava nas cidades, tudo. Então as pessoas: “Ó, eu tenho supermercado aqui, tem essas comidas aqui que estão quase saindo do prazo, vocês querem?” “Queremos”. Foi de tudo. Eu estava grávida, precisava fazer pré-natal e hospital pra ter, a gente orava assim daí ia pras folhas amarelas e aí o senhor dizia: “Ali”. Então: “Olha, sabe, assim”, a gente falava da nossa vida: “Estou precisando de um médico pra cuidar”. E assim todas as crianças tiveram bons médicos, bons hospitais, tudo de pessoas doadoras, sabe, se doando, porque não tinha dinheiro pra pagar. O dinheiro que a gente levantava tinha que pagar algumas coisas tipo o aluguel, quando não era de graça a gente pagava o aluguel. Gasolina a gente ganhava, tudo. A gente viveu de milagres, vivemos de milagres de Deus por pregar o amor de Deus todo esse tempo (risos). E meus filhos viveram nisso, foram nascidos e criados nisso.
P/1 – Como é que era o cotidiano? Levantava, como é que eram as tarefas?
R – Morava em torno de 30 a 80 pessoas na mesma casa. Eram grandes mansões ou grandes sítios. Cada um tinha de si o seu quarto se você era casal. Se você era solteira tinha um quarto pra solteiras, um quarto pra solteiros, um quarto para os adolescentes. Daí a gente escolhia, toda a comunidade de 16 anos pra cima votava em duas pessoas ou duas duplas que seriam, esses vão estar responsáveis por um tempo pelas coisas espirituais e esses aqui os gestores das coisas físicas. Então quando você acordava de manhã esse gestor já tinha feito lá, alguém já tinha feito café, então tinha horário pra todo mundo levantar e o café já estava gostoso lá, uma mesa grande, todo mundo acordando e tendo junto esse café. Daí você já sabia, hoje eu estou na limpeza da casa, eu, Fulano e Fulano estamos na limpeza. Outros, você e você vão sair pra evangelizar. Vocês vão cuidar dos bebezinhos. Vocês estão no jardim, sabe? Tudo o que precisava era dividido assim. E todos faziam tudo, então essas pessoas que hoje eram pastores ou gestores no outro tempo eles estavam também fazendo as coisas que tinham que fazer, era igual, todo mundo vivenciava as mesmas coisas e se preocupavam igualmente com os problemas de todos, as finanças. Eu vivi o socialismo que eu pregava que eu queria (risos) ter vivido antes.
P/1 – E as crianças eram educadas ali também?
R – Também. Ah, isso era uma coisa que era proibido (risos), que é o homeschooling. Homeschooling é permitido no Canadá, Estados Unidos, então a gente ensinava nossas crianças em casa. E a nossa língua primeira era o inglês porque era uma comunidade internacional então vinha gente de vários países e a gente podia ir para qualquer país que quisesse, o inglês era o que unificava. A primeira língua de todas minhas crianças era o inglês, então eles tiveram contato com várias culturas, várias línguas. Hoje eles têm isso de bom, o inglês deles é ótimo, é um plus na vida deles, junto com a inteligência espiritual e emocional. Então essa questão dessa vida na comunidade ajudou eles a ter essa inteligência emocional, saber se relacionar com qualquer pessoa e ter esse afeto, essas relações. E também a inteligência espiritual porque sacam a coisa assim: “Deus existe, como a gente pode usar, como é que ele está aqui hoje, o que a gente pode fazer. E daí essa questão da educação, quando a gente saiu da comunidade eles tiveram que prestar o Enem, porque daí não tinham certificação, né? E saíram super bem, todos os jovens da comunidade que tiveram homeschooling estão super bem pelo mundo afora e bem sucedidos, por terem tido essa experiência no dia a dia, de comunidade.
P/1 – E era um pouco isolada a comunidade, vocês podiam, os parentes, como ficou isso aí?
R – Logo no início, quando a gente entrou, inicialmente os parentes não podiam saber onde é que a gente estava, mas isso foi só até eu ter a minha segunda filha, terceira ou quarta (risos). Mas a gente visitava os pais, eles só não sabiam onde é que a gente estava. Mas depois abriu, podia visitar, tudo assim.
P/1 – Como é que foi ser mãe pela primeira vez?
R – Ser mãe pela primeira vez? Então, eu ficar grávida da Gabriela que me botou a direção pra minha vida, entendeu? Daí ali eu renunciei aos camaradas comunistas e escolhi essa sociedade com essas comunidades que viviam o que pregavam. Então isso que eu dei pra Gabriela e isso que eu queria dar pra todos os sete filhos que eu tive. Teve um tempo que eu tive que sair da comunidade porque o Jairo quis sair, daí trabalhei, fiz concurso e passei, cara, não sei como! Passei. Fiz quatro concursos quando eu saí da comunidade, que ficou com as crianças e fui chamada pra entrar na Smed. Então eu bancava, ganhava um bom salário. Mas daí eu sempre convidava pessoas pra morarem comigo, tem uma foto ali também, sempre, nunca quis morar só eu com os meus filhos porque isso não era suficiente, eu precisava de ajuda de outras pessoas pra passarem os mesmo ideais, os mesmos valores no dia a dia. Então eu sempre tinha gente morando comigo na minha casa, com minhas crianças, ainda nessas comunidades. Então não era naquela comunidade mas a minha casa era comunidade. Até que as minhas duas filhas mais velhas, a Gabriela e a Tabita, tipo, você viu, né, elas são bem bonitas. Cara, na escola, porque daí era escola de população de baixa renda que elas estavam porque também eu não podia pagar escola, atraía um monte de gente querendo elas, querendo namorar, querendo levar pra festas e eu: “Meu Deus o que eu faço?!” Uma vez de madrugada, era três da madrugada e alguém ligou bêbado dizendo assim: “Eu vou matar a Tabita”. E eu: “Meu Deus o que eu fiz? Tabita, você conhece alguém, quem é que pode ter falado isso?”, ela: “Mãe, eu não sei”. E daí eu cobrava delas: “Não, não pode ir pra festa aqui”. Queriam ir pra festa também à noite pra voltar seis horas e eu: “Não, não pode”. Comecei a dar as regras e daí as duas diziam, principalmente a Tabita dizia: “Também, por que a gente foi sair da comunidade? É muito difícil morar aqui fora”. Daí a minha filha Gabriela disse: “Mãe, quando eu fizer 16 anos eu vou voltar pra comunidade”. Eu pensei assim: “Ai, graças a Deus”. Quando ela fez 16 ela disse: “Mãe, eu estou indo”. E a outra estava com 14 e disse: “Eu também vou!”. Daí eu busquei o Senhor em profecia e Deus me disse, porque eu perguntei: “Tá Senhor, em que comunidade, pra onde, que lugar?”, daí o Senhor me mostrou Curitiba, não na mesma comunidade, cada uma numa comunidade próxima e daí elas foram. Então tiveram a adolescência delas nessas comunidades, a Tabita e a Gabriela, e eu fiquei com os cinco lá ainda, crescendo, até que chegou num momento que os menores, a Joy e o Uria já estavam adolescentes e pré-adolescentes e eu via assim: “Cara, não consigo. O que esse mundo tem pra dar eu não quero dar pros meus filhos”. E daí eu largo o meu concurso, falo lá com o secretário da educação: “Olha, eu quero uma licença”. Eu sabia que eu não ia voltar mais, porque a gente tinha direito a uma licença de dois anos. “Ah, uma licença”. Ele: “Não, não vou te dar” “Mas as minhas duas filhas estão lá, eu preciso”. Eu orando, orando, orando, daí ele me deixou. Voltei pra comunidade com meus cinco filhos, daí a gente foi pra Curitiba, eu tenho que ver uma foto de lá. Com todos eles, com Joy, Urias, Natan, Calebe e Pollyanna.
P/1 – Mas antes de você querer voltar tem muita história ainda. Primeiro eu queria perguntar em que comunidades, quando casada com o Jairo, você passou, em que ordem nasceu seus filhos e quem eles são.
R – Gabriela nasceu fora, quando eu estava na faculdade, nasceu ali em Porto Alegre. Dali eu estava com o Jairo, a gente foi pra Guararema, interior de São Paulo, onde daí a Tabita foi concebida. De lá a gente foi para uma comunidade no Rio de Janeiro, onde nasceu a Tabita e a Joy, eu estava com o Jairo. Das comunidades do Rio de Janeiro a gente foi para o interior de São Paulo, que eu engravidei do Urias, eu estava com o Jairo. De lá, o Urias chega a nascer em Brasília, a gente foi pra Brasília. Lá em Brasília a gente morou Lago Sul, Lago Norte, Parque Way, onde foram nascendo meus três últimos filhos, Urias nasceu lá no Lago Sul, daí o Natan nasceu no Lago Norte, o Calebe nasceu no Parque Way. Eu estava com o Jairo. Nessa comunidade o Jairo foi intimado, tipo assim, que ele não estava se dando bem com as regrinhas e então foi convidado, tipo assim, ou muda ou muda, então o Jairo decide sair da comunidade e voltar pra Porto Alegre. Mas a comunidade diz: “Maria, você pode ficar com seus filhos, você faz parte da nossa comunidade”. Mas eu busquei o Senhor de novo em profecia e o Senhor me disse: “Vai onde estão os teus filhos”, porque o Jairo dizia que ia levar os filhos. Então eu saio da comunidade junto com o Jairo, com meus seis filhos, o meu menor estava com seis meses e a maior com oito anos e daí a gente sai com uma barrinha de ouro que era só o que cada família tinha, uma reservinha para emergência, então essa era a emergência, a gente estava saindo da comunidade, lá a gente, de ônibus, desde Brasília até Porto Alegre e eu dizia assim: “Deus, se você está na comunidade, eu sei que você está aqui fora também, então nisso eu me firmo, eu vou”. Chegou lá em Porto Alegre na casa dos meus pais no início o Jairo troca essa barrinha de ouro por uma moto e sai pra fazer adestramento de cães a domicílio, porque ele sabia muito, gostava muito, lia muito sobre cães e daí pra ter o sustento pra gente. Daí dali eu queria voltar de novo pra comunidade porque eu não queria criar minhas crianças desse jeito ali fora, então eu acho uma outra família que era da comunidade, a gente vai morar junto de novo com o Jairo, essa família, meus filhos, essa família tinha sete filhos também, e uma outra pessoa que era o dono da casa que era amigo e que bancava tudo assim. Daí esse amigo, porque começou a ter atrito lá nessa comunidadezinha entre o Jairo e esse amigo abre um canil, onde o meu marido ia ser o adestrador, ia administrar tudo e a gente vai morar no fundo do canil. Aí ele conhece a veterinária e se envolve com ela, fica com ela e eu fico, grávida já da sétima lá, no canil com as sete criancinhas. E aí, o que você que saber mais? Aí começa o meu calvário (risos). Morri (risos), aí foi bravo. O que foi a minha força? Era minhas crianças. Teve um momento que eu vi assim, se eu passo dessa linha eu enlouqueço. Cheguei até a pegar uma bolsa, eu acho que eu ainda estava grávida, uma bolsa, botar só um pouquinho de coisa aqui: “Sabe o quê? Vou sair fora, vou embora, vou sumir”. Daí fui diante de Deus, tipo: “Senhor, o que eu faço?”, daí o Senhor disse: “O que você tem na sua mão? Olha ao teu redor, o que você tem?”, daí eu falei assim: “Tenho meus filhos”. Daí o Senhor disse: “É. Aí são sete vontades minhas pra você”. Nesse momento eu decido: “Ok, sim Senhor, vou assumir”. E muda tudo. Aí fico super feliz, bonita, cuidando das minhas crianças da melhor forma, ensinando eles um Deus, saindo e distribuindo folhetinho de Jesus. E daí trabalhando, daí eu fiz o concurso, eu entrei pro concurso da Smed, da Secretaria Municipal de Educação.
P/1 – Em Porto Alegre.
R – Em Porto Alegre. Daí eu já estava separada. O Jairo vai morar com a Angélica e eu estou com sete e trabalhando.
P/1 – E aí a gente chega onde você ainda não aguenta ficar só com sua família e...
R – Ah é, isso mesmo. Desses blocos primeiros que a gente foi, eu aluguei uma casa grande onde eu estou com meus sete filhos e essas pessoas agregadas, aí que acontece da Gabriela e a Tabita virarem adolescentes e decidirem ir, eu fico com uns cinco mais um pouco e decido ir de novo, daí eu rompo de novo.
P/1 – Antes de continuar eu queria perguntar pra você como é que era criar essas sete crianças? Entre si como elas se tratavam, como é que era isso?
R – Primeiro as mais velhas viveram na comunidade, então tiveram aqueles valores de ajuda o outro, empresta, perdoa, ajuda, arruma, então era muito, fazia tão mais fácil pra mim eu ter já as mais velhas com essa visão, então elas ajudavam muito com os menores e ensinavam, junto com as pessoas que eu agreguei, ensinavam esses valores. Então isso, nossa, as pessoas ficam assim: “Como você aguenta, como é que você consegue criar sete?!”, mas é porque eram nesses valores, entendeu? Então eles se ajudavam. Tinha uma duplinha que era de matar, que era a Joy e o Natan. O Natan era o mais difícil, acho que era o que mais precisava de atenção e que eu não conseguia dar. Nossa, ele me deu muito, muito, muito trabalho. Tanto que a minha menor, a Joy.
PAUSA
R – Então, na relação entre eles tinha uma duplinha explosiva que era a Joy, a terceira menina, com o Natan. O Natan era muito sensível porque acho que ele precisava de mais atenção e amor que eu não podia dar no caso. Eu via que as duas maiores gritavam mais, então eu tinha que atender, e os dois pequenininhos também, eu tinha que cuidar e os do meio ficavam sem a minha atenção, existe até a síndrome do filho do meio, então no meio tinha três (risos), que era então a Joy, o Urias e o Natan. Mas o atrito era entre Joy e Natan. Bom, então isso fez bem difícil a nossa convivência, o lidar com isso, mas cara, amor nunca falha, amor nunca falha. E Deus e amor e isso era o que eu tentava resgatar o Natan e todos. Até que se conseguiu, hoje o Natan é o que é, missionário (risos). A gente está super bem, todo mundo super bem. Mas teve só esse atrito no dia a dia era com os dois. Tanto que a minha pequena a Pollyanna, agora ela me disse: “Mãe, quando eu via o trabalho que o Natan te dava eu disse pra mim mesma”, e ela era picorrucha, “eu não vou dar trabalho pra minha mãe”. E ela nunca me deu trabalho, sabe? Mas era uma boa relação. E com a ajuda dessas pessoas que ensinavam, mantinham os mesmos ideais, mesmos valores, então fez mais fácil isso.
P/1 – E você estava falando de Curitiba. Você se mudou pra lá, seus filhos foram pra lá.
R – Então, as minhas duas filhas foram cada uma para uma comunidade. Mas eu com meus cinco fomos em uma em São José dos Pinhais, que era de amigos que a gente conhecia antes da comunidade. A gente morou lá, a gente começou lá uma comunidade. Eles tinham cinco filhos, eu estava com meus cinco também, aí tinha mais outros agregados, a gente morava lá também, acho que eram 35 pessoas. E antes de ir pra lá eu comecei a mandar meu dinheiro, que eu ainda trabalhava, mas de mandar pra eles terminarem a casa deles lá. De Curitiba meus filhos começaram a sair, será? Não, de lá a gente foi pra Brasília. Ah é, em Curitiba, daí chegou um ponto que eu via assim: “Olha, essa comunidade não tem mais nada pra dar pros meus filhos”. Deus me falou isso, Deus disse: “Tente mudar, se você continuar aqui com seus filhos você vai perder seus filhos”, porque não estava um ambiente legal já. Daí eu vou pra Brasília com todos eles. De lá a minha filha Joy decide sair da comunidade e vai morar com o namorado, que hoje é o marido dela. O Natan decide sair da comunidade também, vai morar com o pai dele em Santa Catarina. O Urias decide ficar um pouco com o pai, porque quando a gente se separou eles estavam todos comigo e ele disse: “Mãe, eu fiquei muito tempo com você, agora eu posso ficar com o pai?”, eu disse: “Claro, vai”. O Urias ficou com o pai um tempo e em Curitiba ele volta pra morar comigo, decide ser de novo por essa missão. Então o Natan e a Joy já não estão, está o Urias. O que mais que acontece?
P/1 – É em que ano, mais ou menos, quando vocês voltam pela segunda vez?
R – 2001.
P/1 – Eles tinham mais ou menos quantos anos?
R – A Polly já estava acho que com dez, por aí, isso. E as outras já estavam com, 27. Porque a diferença é de dez anos entre a Gabriela e a Pollyana. Ah não, se ela está com dez, ela está com 20.
P/1 – E as mais velhas ficaram.
R – Ficaram nessas duas comunidades. Então a gente se encontrava, visitava, mas estava em três comunidades diferentes em Curitiba. Daí eu vou pra Brasília e as duas se mantêm ainda em Curitiba onde a Tabita encontrou, casou com um missionário de lá, as duas casaram com missionários também.
P/1 – Ah, é?
R – É. Da comunidade, os dois americanos, que são os meus genros.
P/1 – E você morando em Brasília.
R – E eu morando em Brasília. Daí acontece que a proposta da comunidade a nível internacional muda. Muda a ponto do tipo: “Olha, não vamos mais ter essa estrutura, essa organização. Preparem-se porque se são missionários aqui vão ser missionários fora, mas não vai mais ser essa vida comunitária de tudo em comum”. Daí foi um choque para um monte de gente e eu começo a fazer o coaching, eu me formei como coach. Quando eu saí eu tinha meu diploma de assistente social, eu vim pra São Paulo, um amigo meu me deu um emprego como assistente social, vim com a Polly.
P/1 – E o resto dos filhos?
R – Os outros já estavam... O Natan já estava com o pai, a Joy já tinha saído e estava com o namorado, as três estavam ali e o Urias estava numa outra comunidade, que não era em Brasília. Não lembro, acho que São Paulo. Ele estava em São Paulo trabalhando com esse meu genro, então eles são programadores, trabalham com programação de computador. Eu estou onde? Ah tá, a comunidade está mudando, eu venho pra São Paulo e eu começo a trabalhar como assistente social de novo, aqui em São Paulo.
P/1 – Que ano, você lembra?
R – Acho que 2010.
P/1 – Então entre 2001 e 2010 aconteceu essa mudança.
R – Essa mudança da proposta das comunidades a nível internacional.
P/1 – E os seus filhos, vai ser meio difícil fazer a linha do tempo, mas eles estavam se formando todos ou eles estavam vivendo na comunidade só?
R – Não, formando não. Eles eram autodidatas e estudando na comunidade, homeschooling, mas aí como teve essa proposta de sair da comunidade eles começaram a buscar certificação. Fizeram todos os cursos que precisavam pra ter certificado.
P/1 – E pra que lado eles foram, o que eles estão fazendo hoje?
R – Espera só um pouquinho. Tá, o que estão fazendo hoje. A Gabriela é tradutora simultânea, mora em Curitiba, tem um gurizinho, está casada com um que era missionário, filho de missionário, filho da comunidade também e eles também têm uma empresa de locação de fones para congressos, essas coisas assim. Essa é a Gabi, está em Curitiba. Tem uma casa própria pra ser construída, tem local, tem dinheiro. A Tabita, eu moro com a Tabi. Eu moro com a Tabi, com o esposo dela que é americano, ele é um CEO de empresas bem boas e eles têm três filhos, então eu moro com três netos, Tabita, o meu genro e a Pollyanna está morando comigo. Pollyanna está fazendo Estética no Morumbi, faculdade de Estética, já está com uma estética montada. A Joy casou com aquele namorado, ela tem uma empresa de paisagismo da família dele, está com um bebezinho agora, o Levi. Quem falta? Ah, o Natan. Mora com o meu ex-marido no interior de Santa Catarina, eles têm um sítio, estão montando um sítio autossustentável e ele prega o evangelho. O Natan é missionário.
P/1 – Até hoje.
R – Até hoje. Lindinho, está com uma namorada também. Eles saem pra fazer aula bíblica com as pessoas, oram pras pessoas, as pessoas se curam, milagres estão acontecendo, super radicais, incrível (risos). Super querido. E quem falta? Ah, o Calebe. O Calebe também está em Santa Catarina, está com uma namorada, está morando com a namorada e também faz Computação, também trabalha com programação. O Urias está em São Paulo, também com uma namorada que era da comunidade, a esposa dele era da comunidade, ele também é programador. Também está tendo sucesso. Todos estão galgando super, porque também eles têm o inglês, tem tudo o que eu falei antes, acho que não faltou ninguém, né? Gabi, Tabi, Joy, Urias, Natan, Calebe, Pollyanna. É. E eu, então, quando eu estou trabalhando aqui em São Paulo, voltando, surge um concurso de novo. Um concurso pra Cotia, que é onde eu estava, pra assistência social de Cotia, e eu faço e passo. Mas surge também para o Tribunal de Justiça de São Paulo.
TROCA DE FITA
P/1 – Você estava falando do concurso que você tinha passado.
R – Daí surge o concurso para o Tribunal de Justiça do Estado e eu não me achava em condições de fazer nada disso porque eu estive afastada todo esse tempo, mas umas colegas minhas: “Ah Malu, vai, faz, tenta”. Eu peguei a apostila, me dediquei. Tiro o primeiro lugar na região que eu queria. Isso é milagre total (risos)! Mas daí entro e estou assistente social judiciária, estou trabalhando no Tribunal de Justiça no fórum de Embu das Artes que é onde a gente morava, que foi a minha primeira opção.
PAUSA
R – Porque a minha filha sabia, ela vai levar as crianças pra escola. Porque hoje eu moro com eles então como a gente morava no Embu e eles estudam no Embu, ainda teve esse esquema, eu levo eles dois pra escola antes do meu trabalho, daí ela busca. Ai, eu não falei da Tabi!
P/1 – É, você esqueceu dela.
R – Posso falar agora?
P/1 – Pode, pode. Como é que ela está hoje?
R – Então a Tabita é linda (risos), os dois são um casal, um super bom exemplo de como educam os três filhos na sua individualidade, com conversa, afetivos. E a Tabi está fazendo Pedagogia e ela dá aula de inglês pra filhos de empresários assim.
P/1 – E você passou nesse concurso e está trabalhando hoje em Embu.
R – Eu estou em Embu das Artes, no Tribunal de Justiça. Super bons. Acho que ali é um lugar onde o assistente social tem voz, sabe? Porque nós somos os olhos e braços do juiz. Os processos vêm, o juiz manda pra gente, psicólogo e assistente social, entrevistar pra saber que decisão tomar. Então a gente entrevista, faz o relatório e dá nossa sugestão: “Olha, sugiro que”. E daí nisso o juiz e o Ministério Público geralmente acatam. É bem legal, eu estou muito feliz, parece que alinhado com toda a minha caminhada, sabe assim? Porque é com a infância e juventude que eu lido.
P/1 – E como é isso? Você tem alguma história que te marcou no trabalho?
R – É.
P/1 – Como é o cotidiano?
R – Então, o que chega lá são casos já, os piores. As crianças que já estão em estado, já foram agredidas, abusadas. O que eu acho interessante é que eu tenho esse discernimento pra sacar qual é a verdade, sabe assim? Então fazer as perguntas certas. E o que eu tenho visto é que os pareceres que eu tenho dado, eu acho que isso eu chamo de inteligência espiritual também, de discernir a situação toda, de todos os envolvidos e os pareceres que eu tenho dado, depois eu tenho já visto que estavam corretos, têm dado bom resultado. E a equipe que eu trabalho é ótima também, é um bom salário. E estou fazendo coaching junto com isso. E tem um grupo de mulheres também assim. Porque por toda essa minha história Deus me falou assim, tipo: “Conta a tua história” (risos). Sabe, o Senhor diz: “Malu, conta a tua história, mulher”. Daí eu com a Gabriela assim: “Gabi, nossa, ó o que o Senhor me falou. Quero abrir aqui um site, que nome a gente dá?”, daí me veio: “Minha História Mulher”. Daí eu tenho um site que chama Minha História Mulher. E eu tenho reunido mulheres já em Curitiba, aqui no Embu, em São Paulo, em Itapema, Rio de Janeiro, tá pra fazer em Brasília, onde a gente reúne mulheres que é com esse título, Minha História Mulher, que a gente faz um coaching e tenta resgatar, eu encorajo elas: “Escreva a sua história, registra a sua história, tenha um diário”. Nossa, falar em diário, eu tenho diário desde os 17 anos. Já são dois baús que eu mandei lá pra Gabriela quando a gente mudou para o apartamento agora com toda a minha história, tá lá que um dia eu tenho que resgatar tudo isso (risos) pra montar num livro. Isso que eu estou falando aqui, mas lá está todos os detalhes porque eu adoro escrever. Então pra mim a coisa acontece mais escrevendo, então toda essa história, está tudo lá em livros assim, com as datas, com os anos, com tudo. Então eu encorajo essas mulheres a terem diários, escreverem sua história, porque é importante. Pras outras gerações, pra elas mesmas se organizarem e verem onde estão ou o que já passaram, né?
P/1 – E isso importa como um gênero em si ou elas em específico?
R – Como assim? Ficou pra mulher, pra feminino, nesse caso porque o que eu passei é o que uma mulher passa, né? Com filhos, com separação, com emprego, com dinheiro, com corpo, com mente, com espiritualidade. Então isso é que eu acho que eu consigo, posso beneficiar outra mulher, entendeu? Não sei se de repente as coisas estão mudando e homens podem se beneficiar com essa história também, mas nesse momento tem sido mulheres e o meu nicho como coach hoje é mulher também, é mulher e é espiritualidade. Então é life coaching, coaching de vida e inteligência espiritual. Porque eu acho que só consegui chegar onde eu estou, desse jeito, bem, feliz, saudável, com meus filhos bem, com tudo por causa da inteligência espiritual, entendeu? Senão eu não ia aguentar, não tem como. Isso que circula nesses encontros com as mulheres, de buscar. E não é assim, restringir, a princípio todas são cristãs, mas eu estou abrindo pra espiritualidade, não só cristianismo. Então eu estou agora pra validar isso, o quanto basta uma espiritualidade e o que essa espiritualidade, quais são seus limites, ou o quanto que é só o cristianismo. Eu estou pra validar isso, esse é o meu momento de vida, de ver isso com o grupo de mulheres, com o meu coaching, os meus estudos, tudo assim. Uma coisa é certa: a inteligência espiritual é necessária pra você estar bem na vida.
P/1 – Como é que funciona o coaching?
R – O coaching? Então, agora está sendo individual, alguma mulher quer e diz: “Malu, preciso, estou com algo embolado na minha vida, emocionalmente desestabilizada, preciso de uma ajuda”. Então uma vez por semana a gente se encontra e eu ajudo ela se organizar e a ver como está sua vida, todos os aspectos da sua vida hoje. Valida cada, quão feliz você está em cada parte dessa tua vida. Que partes você acha que poderia ajudar a você dar um... daí ela define, eu acompanho ela até estabelecer um objetivo, até chegar em três meses nesse objetivo, acompanhando com ferramentas. Tem várias ferramentas para o emocional, para o espiritual, pro físico, pra ter essa mudança na vida dessa mulher, com uma assessoria minha até atingir essas mudanças. Então dá pra ver mulheres mudando do seu emocional e daí tendo resultados, ou na vida familiar, ou profissional, ou financeira.
P/1 – Você falou da sua trajetória e você acha que ela generaliza um pouco os problemas da mulher? Que ela pode passar hoje em dia?
R – Eu penso que sim. Penso que a minha história tem bastante pra poder sentar com mulheres e vamos pensar como que foi feito, como que pode ser feito. Porque eu vejo mulheres no dia a dia assim, quando me encontram, sabem que eu tenho sete filhos, diz: “Como assim? Você tem sete filhos com esse corpitcho?” (risos), elas dizem. Nada a ver mas tudo bem. Então mulheres veem que têm um sucesso, até com 50 anos. Eu estava com 50 anos quando eu fiz o concurso, passei no concurso, daí comprei meu primeiro carro. E tive um namorado, agora não estou de namorado, daí quero alguém especial, estou buscando (risos). Mas a minha vida, quando outras mulheres olham é algo que pode ser uma ajuda pra elas. E eu quero poder ser uma ajuda pra pensar junto, não que eu tenha todas as soluções, não tenho, mas o que eu passei eu posso ponderar com elas, né? E ver se isso pode ser uma ajuda pra você, se você ver que o resultado que eu tenho na minha vida, nos meus filhos é bom, se você quer isso então vamos sentar juntos, eu posso tentar. E é isso que eu faço nesse grupo de mulheres, de tentar ser essa força do bem na vida da mulher, nesse momento.
P/1 – E é uma coisa que você já quase respondeu, mas eu ia te perguntar: depois que você se separou você não se casou, mas você falou que teve namorado.
R – Desde que eu me separei várias pessoas apareceram querendo: “Ah, eu te assumo com as suas crianças”, não sei o quê, mas eu via assim: “Pelo amor de Deus, eu já tenho que me dividir em sete, eu não vou conseguir manter um relacionamento”. Então por muito tempo não queria, estava fechada pra relacionamento. Até que a minha última filha, Pollyanna, no fim com 19 anos, já não precisando mais tanto de mim, daí eu fiz uma oração pra Deus, eu disse: “Deus, agora, se você quiser me dar um companheiro, agora eu aceito” (risos). E aconteceu, daí apareceu uma pessoa legal, especial, a gente ficou três anos juntos.
P/1 – Isso quando?
R – Isso agora, não fez um ano que eu achei melhor da gente separar. Porque agora eu estou querendo mais, não sei, quero outro tipo de pessoa. Então agora estou aberta para um relacionamento, entrei no Tinder (risos), tudo novo.
P/1 – E como é que está sendo isso?
R – Está sendo uma experiência bem diferente. Ainda estou vendo como funciona, eu gostaria que não fosse só de fotografia, você ver a pessoa ali, daí você vê a outra foto, às vezes nem parece a mesma pessoa e daí você só pode dizer like ou não, eu queria saber mais sobre a pessoa, entendeu? Eu queria que escrevessem o que você gosta, o que você acredita, você tem filhos? Então eu estou buscando o quê? Pessoas que têm filhos, não quero solteiro, não quero jovens, quero de 50, minha idade, 54 pra cima. Porque daí eu já posso ver o resultado pelos filhos dele, né? Então já está aposentado, já está bem profissionalmente. Agora é muito legal nesse momento da minha vida, eu ainda posso escolher (risos). Mas eu não sei se o Tinder é alternativa, estou validando isso, entendeu? Eu gostaria de realmente poder já ler a pessoa já falando mais coisas e não só pela foto, às vezes a foto não diz muita coisa. Então está sendo uma experiência legal. E eu conto muito com Deus, que Deus vai estar me guiando também de ter esse discernimento da pessoa certa. Meus filhos estão apoiando, Tabita me produziu toda para eu tirar fotos pro Tinder (risos). Ai, elas me matam do jeito que eu me arrumo, que eu gosto de me arrumar toda mais assim, ela: “O quê?! Você vai sair com essa roupa? Ai, meu Deus!” (risos). Mas é tudo muito legal, amo a Tabita.
P/1 – E como é que estão os netos agora? Você tem quantos, quem são?
R – Eu moro com o mais velho que tem dez, é o Artur. Depois do Artur é o Davi Owen e daí tem a Anissa, tem sete e ele acho que oito. E tem outro, o da Gabriela, ah é, não contei esse. A Gabriela tem um que está com sete. E a Gabriela teve uma gravidez toda bonita, tirou foto, linda assim, sabe, foi um monte de milagres, na hora que ela foi ter o neném ela perdeu. Perdeu a menininha no parto. Então essa foi a primeira perda da nossa família, que abalou. Mas a Gabriela, eu era a primeira que ia entrar no quarto pra consolá-la. E eu: “Meu Deus, o que eu vou dizer pra essa menina, como eu vou consolar?”. Mas eu abro a porta e a Gabriela já está com um sorrisinho, sabe? E daí ela diz que Deus já tinha consolado ela. E ela faz um blog sobre isso reconhecendo todas as coisas e tira um bem de tudo isso. Então sabe com isso a gente também tirou um bem disso, sabe? Hoje a gente vê que dá pra aprender outras lições, mas então a gente teve a perda dessa neném, mas que foi bem levada pela Gabriela com super inteligência espiritual e daí todos nós conseguimos lidar com isso. Então seria essa netinha que está no céu, que é a Lina.
P/1 – E como é o seu dia a dia hoje? O que você gosta de fazer?
R – Meu dia a dia? Ah, eu gosto muito de natureza, muito. Eu fiz uma horta quando a gente morava no Embu, uma horta super bonita, grandona que a gente comia. Meus netos iam lá catar na hora do almoço, ia lá catar todas as folhas de couve, salsinha, pimenta, deu 500 pimentas, eu tenho foto! De dois vasinhos, sabe esses que a gente dá de presente, de pimenta? Eu plantei, deu 500! Eu tenho foto lá das crianças catando tudo, um balde assim, super legal. Há dois meses a gente teve que mudar pra cá. Teve não, a gente ganhou uma proposta super boa, não precisa pagar, não sei o quê, são milagres acontecendo, tá. E a gente mudou pra cá e daí eu fiz a minha horta na minha janela assim. Tem couve, tem salsinha, tem orégano (risos), tem a pimenta, levei pra lá também, tem babosa. Então assim, eu amo a natureza. Nossa. E sofro muito de ver o desmatamento, me mata. Tem que até trabalhar pra não ficar mal com isso, mas gosto muito da natureza então curto a natureza, curto música, muito música. E curto espiritualidade, essa espiritualidade na música. E eu acho que hoje o cristianismo, no caso, tem muitas respostas a serem buscadas, que não está correto. Que assim como o PT, que desviou, também o cristianismo, igrejas, religião estão errando muito, erraram muito. Então eu estou nessa busca, junto com muitas outras pessoas no mundo todo, de buscar respostas no cristianismo, na espiritualidade, entendeu? Então isso eu desfruto muito, de ler livros, conversar com pessoas sobre isso, buscar filmes. Isso me faz viva, de tentar achar essas respostas (risos).
P/1 – E quais são seus sonhos hoje, Malu?
R – Meus sonhos hoje? Olha, eu acho que meu sonho é: vou me aposentar, daí quero viver de coaching, quero continuar a fazer o coaching, quero ter um companheiro comigo, esse é um sonho. Um companheiro bem sucedido, que a gente possa viajar, vai visitar um filho, vai visitar outro filho, vai visitar outro filho, quero estar livre assim. E que todos os meus filhos seguirem bem, os meus netos bem, como estão.
P/1 – Como foi contar a sua história pra gente, Malu?
R – Eu acho que deve ser muito truncado pra vocês (risos) escutarem isso. Mas eu gostei muito porque era um sonho meu escrever um livro sobre a minha história e daí aqui pra vocês é uma fatia, ou pelo menos dá pra, eu posso depois seguir como roteiro o que eu contei aqui pra vocês, seguir como roteiro pra poder, com meus diários que eu tenho de todas essas fases e fotos, poder daí escrever um livro total. Esse é um sonho também. Então foi muito legal de contar a história.
P/1 – Tá certo, então. Obrigado viu Malu!
R – Não sei se deu certo pra vocês (risos).
P/1 – Foi ótimo.
FINAL DA ENTREVISTA
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