Projeto Memória Companhia Vale do Rio Doce
Depoimento de Armando Álvares de Campos Cordeiro
Entrevistado por José Carlos Vilardaga e Claudia Resende
Carajás, 26 de maio de 2000
Realização Museu da Pessoa
Entrevista CVRD_HV037
Revisado por Teresa de Carvalho Magalhães
P/1 - A primeira pergunta é seu nome completo, data de nascimento e local de nascimento.
R - É Armando Álvares de Campos Cordeiro. Eu nasci em Pompéu, Minas Gerais, no dia 15 de outubro de 1946.
P/1 - E os pais do senhor, o nome deles?
R - Sou filho de Joaquim Antônio de Campos Cordeiro, comerciante, hoje aposentado, e Ana Alves de Oliveira, também aposentada. Sou o quarto filho de sete. Éramos oito filhos, e hoje são sete. Nós somos lá em casa... eram cinco homens e três mulheres.
P/1 - Eles fazem o que hoje, a atividade deles?
R - Olha, o meu irmão mais velho, o Marcelo, ele se formou em Ouro Preto, era engenheiro metalúrgico e morreu logo depois num acidente. Então, a minha irmã, (Aiola?), é advogada trabalhista em Belo Horizonte, já aposentada. E a Léia fez pedagogia e se aposentou. Mora também em Belo Horizonte. Eu fiz engenharia geológica, em Ouro Preto também. Todos os meus irmãos, com exceção do Ernesto, que é o do meio, estudaram em Ouro Preto. Abaixo de mim tem o Eduardo, que fez engenharia de minas em Ouro Preto, que trabalha hoje em Campinas. Depois veio o Ernesto, que é fiscal do Estado, que não estudou em Ouro Preto, é o único que não estudou em Ouro Preto. Tem o Ricardo, que é engenheiro de minas, que trabalha hoje na Docegeo. E tem a Kátia, que fez turismo, e trabalha em Belo Horizonte. Mas não trabalha em turismo, trabalha por conta própria, venda de roupas, coisa assim, tá?
P/1 - Senhor Armando, o senhor conhece um pouco a origem da sua família, da onde que ela veio, sua descendência, seus avós...?
R - Sim, a minha família toda, a origem dela é... parte da minha mãe é origem portuguesa, Oliveira. Parte do meu pai deve ser...
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Depoimento de Armando Álvares de Campos Cordeiro
Entrevistado por José Carlos Vilardaga e Claudia Resende
Carajás, 26 de maio de 2000
Realização Museu da Pessoa
Entrevista CVRD_HV037
Revisado por Teresa de Carvalho Magalhães
P/1 - A primeira pergunta é seu nome completo, data de nascimento e local de nascimento.
R - É Armando Álvares de Campos Cordeiro. Eu nasci em Pompéu, Minas Gerais, no dia 15 de outubro de 1946.
P/1 - E os pais do senhor, o nome deles?
R - Sou filho de Joaquim Antônio de Campos Cordeiro, comerciante, hoje aposentado, e Ana Alves de Oliveira, também aposentada. Sou o quarto filho de sete. Éramos oito filhos, e hoje são sete. Nós somos lá em casa... eram cinco homens e três mulheres.
P/1 - Eles fazem o que hoje, a atividade deles?
R - Olha, o meu irmão mais velho, o Marcelo, ele se formou em Ouro Preto, era engenheiro metalúrgico e morreu logo depois num acidente. Então, a minha irmã, (Aiola?), é advogada trabalhista em Belo Horizonte, já aposentada. E a Léia fez pedagogia e se aposentou. Mora também em Belo Horizonte. Eu fiz engenharia geológica, em Ouro Preto também. Todos os meus irmãos, com exceção do Ernesto, que é o do meio, estudaram em Ouro Preto. Abaixo de mim tem o Eduardo, que fez engenharia de minas em Ouro Preto, que trabalha hoje em Campinas. Depois veio o Ernesto, que é fiscal do Estado, que não estudou em Ouro Preto, é o único que não estudou em Ouro Preto. Tem o Ricardo, que é engenheiro de minas, que trabalha hoje na Docegeo. E tem a Kátia, que fez turismo, e trabalha em Belo Horizonte. Mas não trabalha em turismo, trabalha por conta própria, venda de roupas, coisa assim, tá?
P/1 - Senhor Armando, o senhor conhece um pouco a origem da sua família, da onde que ela veio, sua descendência, seus avós...?
R - Sim, a minha família toda, a origem dela é... parte da minha mãe é origem portuguesa, Oliveira. Parte do meu pai deve ser também portuguesa, Cordeiro. Me parece que a origem do Cordeiro é: os portugueses chegaram no Nordeste faziam corda, e a partir do Nordeste eles se... e houve uma concentração, um núcleo, em Pompéu. Tanto a família da minha mãe lá de Pompéu, como a de meu pai, são descendentes de Dona Joaquina. A Dona Joaquina de Pompéu, que tem, sabe? Na época do Império, ela tinha... ela criou, ramificou ali... tinha uma fazenda e tinha uma influência política muito grande. E ali a família Cordeiro, Machado, Oliveira, todos têm a mesma origem na Dona Joaquina.
P/1 - Dona Joaquina de Pompéu?
R - De Pompéu. Bom, eu estudei em Pompéu, né? Primário e ginasial. Na minha época já tinha ginásio em Pompéu, ao contrário do meu irmão, que quando ele fez o primário ainda não tinha ginásio lá, ele teve que... papai teve que mandá-lo para Pará de Minas, para um internato, para fazer o ginásio. Possivelmente, coitado, ele pegou dois internatos: pegou um em Pará de Minas, e pegou outro lá no Arquidiocesano de Ouro Preto. Naquela época era difícil soltar as pessoas, assim, meu pai, ele praticamente foi o primeiro da cidade em investir na cultura dos filhos. Ele era pobre, né, ele era comerciário desde rapaz, e tinha uma vontade de fazer direito. Sempre foi o primeiro lugar no grupo, e ele se tornou um autodidata em direito. Ele comprava livros de direito, e estudou direito por conta própria. Naquela época! E ele sempre dizia para a gente o seguinte: que dinheiro ele não ia deixar, mas que ia deixar a gente em condições de vencer na vida. Quer dizer, aquilo que ele não teve, que ele não teve oportunidade de ter, ou por ignorância do pai e da mãe, ou por falta, ele acreditava que seria mais por falta, ele não pôde estudar. E isso ele cumpriu a palavra, todos nós tivemos oportunidade de fazer curso superior. Quem não fez, é porque não quis. O Ernesto, por exemplo, não quis, e se dedicou mais a fazer concurso, passar, e é fiscal do Estado, né? Mas todos os outros formaram em curso superior. E engraçado que ele... a família é muito grande, e quando tinha uma causa lá eles procuravam primeiro o meu pai para poder saber como é que era. Ele falava: “Não, agora o negócio é assim, assim, agora você procura o advogado tal.” Era uma pessoa muito séria, e ele nunca divulgou, mas ele servia mais para orientar, saber, ele sempre fazia isso com muita satisfação, sabe? Até hoje tem uns livros de direito dele lá, que ele... já está com 91 anos, ainda está lúcido, graças à Deus. E lê muito ainda, apesar de já estar cego de um olho, mas ele consegue ainda ler, com muita dificuldade, lê, sempre procurou se informar. Ele foi o primeiro a ter rádio em Pompéu. Eu me lembro que o rádio na época lá era um rádio Telefunken, que tinha antena, tinha um negócio todo... Parafernalha para poder funcionar, né? E nas horas da novela, os vizinhos vinham lá para casa, sabe, para escutar o rádio. Eu era pequeno, e era novidade, né, o rádio. E hoje a gente está aí com informações, isso até assusta, dá aquela sensação que a gente está velho. (risos) Não é? Você vê a Internet aí, pensando que eu vivi essa fase ainda num lugar que o jornal chegava no outro dia, que o rádio era o único meio de comunicação, e assim mesmo poucas pessoas tinham, né? Então, é engraçado.
P/1 - Como é que era Pompéu, quer dizer, como é que era essa cidade na sua infância?
R - Pompéu é uma cidade à 180 quilômetros de Belo Horizonte, ali no rumo de Brasília, você vai pela Belo Horizonte-Brasília, até o trevo... 10 quilômetros depois do trevo para Curvelo, no sentido de Brasília, você entra à esquerda, numa Rodovia que liga ao triângulo mineiro. Pompéu está a 40 quilômetros desse trevo. É uma cidade pequena, uma cidade muito... até hoje, hoje o Pompéu deve ter o quê? Uns 23 mil habitantes, no máximo, por aí, 23, 25 mil. É uma cidade gostosa. Eu ainda vou lá, toda semana eu vou, mais para curtir meus velhos, né? Todo domingo eu vou lá. Tenho muitos amigos lá. Uma cidade que... de poucas famílias, onde todo mundo se conhece, uma vida muito... até certo ponto monótona, né? Mas que na época nossa era... era meu mundo naquela época, eu não... para ir para Belo Horizonte você demorava o que? Demorava um dia de viagem. Isso na minha época. Pessoal usava guarda-pó, você passava por Papagaios, Paramaravilhas, Pitangui, Pará de Minas, Betim e aquelas jardineiras que ia a mala em cima. Aí usava-se muito colocar o lençol na mala, colocava a roupa e fechava em cima do lençol, fechava aquilo por causa da poeira vermelha, né? Você chegava lá, a mala estava aquele risco vermelho, assim, em volta. É engraçado isso. E o pessoal usava guarda-pó, viajava sempre de terno. Meu pai, por exemplo, quando viajava era de terno e gravata. Ele ia para Belo Horizonte de terno e gravata, tal. Pitangui, que era o centro mais avançado que tinha perto de Pompéu, né, ele ia arrumar lá alguma coisa em cartório, ele ia de terno e gravata, chapéu de lebre. E eu me lembro tudo disso, então me dá, às vezes, me dá a sensação, assim, de velhice, né? Você fala: “Não é possível. Ou as coisas aconteceram depressa demais, a evolução foi muito grande, ou então de fato eu estou muito velho.” (risos) Eu conto isso para os meus filhos, eles ficam até hoje: “Não é possível.” “É, ué. Mas era assim.”
P/1 - Armando, sua mãe também trabalhava?
R - Em casa, né? Ela sempre... teve oito filhos, né, e não tinha uma profissão, está certo? Ela só tinha o primário, a exemplo do meu pai, que só tinha primário. E sempre se dedicou à família. E ajudou muito ele nessa vida aí. Ele teve várias fracassos na vida, em termos comerciais, tinha negócios, aí vendia fiado para a família. E é engraçado as coisas, eu me lembro muito bem, uma coisa que marcou muito a minha infância, que eu era a pessoa... que eu ficava lá em Pompéu, fiz até o ginásio, então eu ajudei muito ele num negócio dele lá, na venda, né? E era eu que entregava as contas, né? Às vezes eu chegava na casa de um parente dele, parente muito amigo dele, entregava a conta, o cara xingava. Eu não falava isso para o meu pai. E ficava com aquilo, né, e ficava chato, que absurdo. E não pagava, às vezes não pagava conta. Não existia juros. Então, chegou num ponto, quando... aí eu já estava... ele faliu várias vezes, faliu, recuperou. Ele faliu a primeira vez, que ele cismou de comprar uma fazenda de um parente lá em Morada Nova, uma cidade ao Norte, e o perente recebeu o dinheiro e não passou a fazenda para ele. Eu era... eu devia ter uns quatro anos de idade. Aí depois ele recuperou, arranjou mais uma parceria com um parente lá dele também, e criou, possibilitou para... a meta dele, que era sempre colocar a gente para estudar, né? Mas foi engraçado, porque ele cumpriu isso com toda dificuldade, né? Mas a vida minha em Ouro Preto, a vida minha e do meu irmão, principalmente nós dois, a vida era meio difícil, sabe, mas a gente não reclamava não. Morava em república, pensão, e lá em Ouro Preto tinha uma coisa interessante, que o aluno da escola, ele podia ser garçom nos bailes da escola. Então, todo garçom do baile da escola era aluno da escola. E meu irmão sempre era, e quando eu entrei para a escola eu também passei a ser garçom, né, de bailes. Então, aquele negócio: “Ah, tem baile?” “Tem.” “Então vamos faturar uma...” Está certo? E quando ele se formou, o Marcelo se formou, ele foi para a Cerzita trabalhar, e aí começou a me ajudar, porque tinha mais dois, outros dois, tinha o Ricardo, que já estava pequeno fazendo escola técnica lá em Ouro Preto, e tinha o Eduardo, que fazia científico, ficava com a gente lá. Quando ele se formou, um ano depois que ele se formou, ele morreu num acidente. E aí eu pensei comigo: “E agora? Como é que vai ser?” Aí eu resolvi... Uma coisa que me marcou muito é que quando eu voltei, que eu morava numa república, são meus amigos, uma coisa que me marcou muito, uma turma que de fato me deixou muito sensibilizado, que quando eu voltei do enterro, pensando que que eu ia fazer na vida, né, porque não tinha como, eles já estavam dando aula para mim. A minha carteira profissional está marcada, assinada, dia 25 de março de 68, que era o dia que eu estava enterrando meu irmão. A minha carteira, primeira carteira profissional. Aí, eu... eles nem perguntaram como é que era: “Você tem aí, tem esses livros aí, pode tratar, você tem aula hoje à noite. Tem quatro aulas hoje à noite.” Aí, entrei naquilo, era a minha chance de conseguir, né? Aí comecei dar aula à noite, e eles me ajudaram no início, mas depois cada um vai cuidar... Eles também tinham problemas, né? Mas já ajudaram demais, quer dizer, isso aí é uma coisa que marca. E conheço, pô, eu comecei a dar aula e mais os bailes da vida, do centro acadêmico, deu para mim terminar o curso e ajudar meus irmãos que estavam comigo, meu pai já não tinha mais condições de mandar nada. Mesmo assim, quando ele juntava um dinheirinho, ele mandava. É isso aí, eu... engraçado, precisa... você sabe que depois que meu irmão morreu, é que eu fiquei pensando assim: “Gente, mas precisava de eu levar uma cacetada dessa para poder arranjar um trabalho? Assim, um trabalho, que eu tinha condição de trabalhar, tanto é que eu trabalhei.” E a gente... aquele negócio... tem um ditado em Minas que diz que eixo apertado é que canta, né? Eu poderia trabalhar antes, mas não pensava nisso. Eu pensava que ia nos bailes lá, eu podia ter dado aula, essa coisa. É. Mas hoje eu... a gente aprende com os reveses, né? E como aprende. Bom, a vida de Pompeu foi essa. A gente... futebol de salão, por exemplo, lá quando eu era... fazia ginásio, não tinha quadra de futebol de salão. Aí meu primo estudava no colégio militar e jogava muito bem futebol, a gente jogava muita bola, e jogava bem até. Aí ele falou assim: “Vamos fazer um... vou trazer um livro de regra de futebol de salão. Aí ele trouxe, ele comprou um livro nas férias, ele vinha para Pompéu, aí nós olhamos no pátio do colégio lá, tinha um pátio grande, mas de terra, sabe? “Isso aqui dá!” Então nós começamos... aí outros lá chegaram: “Que que vocês estão medindo?” “Nós vamos fazer um campo de futebol de salão.” Mas futebol de salão ninguém sabia o que era. Aí a gente mediu aquilo lá, e aí na mesma hora apareceu ajuda, né, para jogar bola, na mesma hora nós medimos o pátio lá, fizemos mais ou menos a demarcação, e o problema era a bola. “Como é que era a bola?” “Não, a bola não quica, né?” “Não, a bola é pesada. A bola não pode quicar não.” Aí nós... naquela época tinha aquele... não sei se... vocês não lembram disso, vocês são mais novos, mas era comum você comprar a bola número um, dois, três, quatro e cinco. Cinco era a oficial. Então, nós pegamos uma bola número dois, que era pequena, fomos num sapateiro, pegamos crinas de cavalo, e colocamos entre a câmara e a bola, né? Aí a bola ficou pesada, falei assim: “É mais ou menos assim?” Aí meu primo falou assim: “É mais ou menos desse peso.” (risos) E assim foi feito o primeiro jogo de futebol de salão em Pompéu. É engraçado, né? Mas sabe que que é? Lá não tinha nada para se fazer, né, então quando um dava a idéia, todo mundo abraçava aquilo lá com a maior satisfação, o negócio, assim, ficava interessantíssimo. Naquela época, você não tinha notícia de nada, viver naquela... né? Não tinha intercâmbio nenhum. Era futebol... Mas isso aí. Agora, por que que eu fui para Ouro Preto, né? Fui para Ouro Preto pelo seguinte: depois que meu pai mandou o Marcelo para Ouro Preto, que ele fez pesquisa, era o internato mais barato naquela época e bom, que ele fazia, também: “Não, tem que ser coisa boa, né, porque meu filho vai ficar interno.” Então ele foi para Ouro Preto. E lá tinha a escola de engenharia, famosa, Ouro Preto é famoso, né? Aí, ele... e era mais barato também, ele não tinha condições, por exemplo de mandar a gente para Belo Horizonte. Quando o Marcelo foi, aí automaticamente todos nós fomos... o caminho o que que era? Ouro Preto, né? Ah, eu quero fazer... Nem pensávamos... começávamos a pensar: “Bom, engenharia eu tenho vontade de fazer, né?” Lá tinha engenharia e tinha farmácia. Farmácia eu não queria. Quando eu fui para Ouro Preto, eu tinha o quê? 16 anos, 15 anos. Eu não fazia a mínima idéia do que é que eu ia... eu já ia para fazer científico, francamente, não tinha a mínima noção do que que era aquilo, do que que era uma engenharia. Aí eu fui morar na república com ele. E eu tenho asma. Da família eu fui o premiado, que a família toda é de asmático, mas lá de casa só eu que tenho. Aí eu tinha essa preocupação, né? “Como é que vai ser?” Eu tinha de arranjar uma profissão que não fosse tão agressiva para mim. Gostar, depois eu ia ver. Eu sempre gostei de mato, pescar, essa coisa toda. Mas conciliar as duas coisas eu achava que ia ser impossível. Aí tinha um amigo meu lá, amigo do meu irmão lá, o Cuiabano, fazia, e o Mauro Barbosa, os dois faziam geologia. E eu via aquele negócio, toda vez eles saiam final de semana, eu falava: “Onde é que vocês vão?” “Não, nós vamos fazer, mostrar um mapeamento aí.” Eu falei assim: “Como é que é isso?” Um dia eu falei assim: “Bom, mas não posso andar lá com você?” “Ah, mas você... mas nós vamos voltar tarde.” “Não tem problema não. Eu quero ver como é que é isso aí.” Aí fui, passei o dia com eles, fazendo mapeamento, assim, eu achei que era um negócio interessante, sabe? Aí falei assim: “Sabe de uma coisa? Eu acho que eu vou fazer geologia.” E quando eu estava para fazer vestibular, eu fui influenciado pelos dois, pelo que eu vi, porque engenharia metalúrgica, engenharia metalúrgica eu visitei, é um absurdo aquilo, é um calorão danado, muito mais quente que isso aqui, tá? (risos) E você coloca poeira no pedaço. Aí não dá, para asma, poeira de calor você já viu que eu vou... Engenharia civil também era outra que eu poderia... tinha chance de fazer estradas, quer dizer, construção. Então, estava ainda em dúvida, engenharia civil ou..., né? Aí não. A saída minha com o Mauro e com o Cuiabano foi de fundamental importância para minha decisão, né? Aí eu entrei para geologia mesmo. Então, eu estava fazendo geologia, e foi descoberto Carajás em 1967. Aí a notícia: “Venha a Carajás...”, tal, e coisa, aí eu já comecei, falei assim: “Engraçado, se eu estou procurando uma região limpa, a Amazônia vai ser uma beleza. Então, falei assim: “Bom, vou formar e vou para a Amazônia.” Aí eu enfiei na minha cabeça que eu ia...
P/1 - Isso já no curso?
R - Já no curso. Já descobriram Carajás lá, tem minério para lá, então eu falei: “Não, eu vou dar um jeito de me formar e procurar emprego na Amazônia.” De fato eu fiz isso, me formei em 1971, em julho, fui na Vale do Rio Doce, lá no edifício Dantes, era no edifício Dantes lá na Avenida Amazonas, perto da Praça Sete, e o chefe da geologia da Vale naquela época era o Domingos Dumont. Aí, eu falei: “Ô, Domingos, como é? Tem algum emprego aí?” Porque eu estava... primeiro eu queria ir para a Amazônia, mas a Vale não tinha nada na Amazônia ainda, né? Mas já tinha ligação no Carajás. “Escuta, você tem alguma coisa da Vale aí, para emprego na Vale?” Ele falou: “Não, não tem não. Mas, olha, isso que você está querendo... você está querendo trabalhar na Amazônia?” “É.” “Foi criada agora a Docegeo, que eles estão contratando geólogo.” Eu falei assim: “Ah, é?” Aí ele me deu o endereço lá da Urca: Avenida Portugal, 808, Urca. “Está bom. Tudo bem.”
P/1 - Você já conhecia o Domingos Dumont?
R - Conhecia. Conhecia sim. Lá em Ouro Preto ele ia muito na escola, a gente conhecia muito antes, né, assim, só de conversar, não tinha amizade com ele, mas ele... a gente conhecia ele. Sabia que ele era chefe da geologia da Vale naquela época, da pesquisa geológica da Vale. Que tinha uma equipe lá, e o escritório dele era no edifício Dantês. Aí com esse endereço eu tinha entrado com um pedido de emprego na CPRM, que tinha sido fundada naquela época, a CPRM, sabe, mas a CPRM é uma grande incógnita. Mas tinha sido fundada, estava lá. Eu me formei em início de julho, e fiquei o mês todo esperando CPRM e nada de CPRM me chamar, aliás, não estava chamando ninguém. Eu falei: “Sabe de uma coisa?” Fui lá na CPRM, peguei meus documentos, falei: “Me dá aí.” Naquela época, você tinha que ter aquele atestado do Dops de bons antecedentes, e aquilo ali não podia ter cópia xerox. Então, eu pensava: “Bom...” Eu tinha um, né, entrei com o CPRM. Aí fui lá, conversei com o Fernando da CPRM, falei: “Escuta, Fernando, está demorando, eu estou sem dinheiro, eu preciso trabalhar. Então, me empresta esse documento aí.” Ele falou assim: “Não, Armando, vamos fazer o seguinte? Leva só o essencial, deixa a parte aqui. Se você arranjar outro emprego, depois você vem e pega o resto aqui.” Agora, eu falei assim: “Não, eu preciso daquele do Dops. Sem aquele ali, eu não...” Precisava de bons antecedentes, tá. A época era boa, viu? Para você conseguir, você precisava... olha, para você conseguir, você precisava de ver, era... você ficava na berlinda lá, o cara olhava, consultava, olhava, será que... para mim foi meio constrangedor, porque eu estudava em Ouro Preto. E as repúblicas de Ouro Preto eram invadidas, dia 21 de abril, tudo quanto é festa. Tinha... eu cansei de acordar com metralhadora, assim, porque tinha antes estudantes da escola que tinham sido presos na revolução, né? Eu peguei aquela fase. Eu entrei em 1965 na escola, tá?
P/1 - Pegou bem o período da mobilização, né?
R - É, então aquele negócio, é um absurdo, as assembléias do centro acadêmico eram pancadarias, né? Tinha a turma do dedo duro, e tinha a turma que não era, aquelas coisas todas. Então, eu vivi muito essa parte, e refletia nas escolas. Quando você: “Ah, eu estudo em Ouro Preto. Moro em república.” Para você conseguir um atestado daquele naquela época não era fácil não. Então, eu falei assim: “Olha, Fernando, me empresta isso aí que já foi uma dificuldade.”
P/2 - O que que você tinha que apresentar?
R - Ah, você tinha de apresentar o eu diploma, o registro do Crea, e tinha de apresentar também... era exigido por todas as empresas esse atestado de bons antecedentes, que era dado pelo Dops.
P/2 - E no Dops como que se conseguia o atestado, como que você comprovava sua boa antecedência?
R - Eu chegava, dizia lá que eu era... eles que iam me dizer se eu era bom ou não, porque eles tinham a ficha de todo mundo naquela época. Eu acho que tinha, né? Ainda mais estudante de Ouro Preto, está certo? Foi uma época muito difícil para estudar, teve amigos meus que desapareceram, lá de Belo Horizonte, Antônio Joaquim, por exemplo, era presidente de diretório lá da escola de direito, sumiu, ele era um dos desaparecidos, ele era lá de Pompéu. Então, era uma época, assim, muito... principalmente 1978, né... 1968. Foi uma época muito difícil, houve muita repressão. E o que? 1971 ainda tinha ainda, o negócio ainda era meio... A guerrilha do Araguaia foi o que? 1972, 1973, quer dizer, você vê que o movimento no Brasil era muito tumultuado ainda, quer dizer, você... o estudante conseguir um atestado desse aí era difícil, não era fácil não. Então, o pessoal da CPRM: “Não, leva.” Aí, eu fui para o Rio. Cheguei lá encontrei o Roberto Assad, primeira vez que eu vi o Assad, não sei se vocês conhecem o Assad.
P/2 - Ainda não.
P/1 - A gente vai conhecer. Estou cada vez mais curioso.
R - Não, é sensacional. Ele é fora de série, uma pessoa com o coração muito bom, e uma pessoa totalmente, assim, vulnerável. Aquelas pessoas boas que... ele é aquela pessoa que fala que o rei está nu, né, e ele é muito vulnerável por isso, por dizer as coisas certas na hora errada, eu acho. Mas ele é uma pessoa espetacular. Então, encontrei o Roberto Assad, Roberto Assad me apresentou para o Otávio Ferreira da Silva, que também estava lá. Aí, finalmente, eu fui para o Tolbert, fui ser entrevistado pelo Tolbert. Eu não conhecia o Tolbert, nem sabia quem era Tolbert. Então, era... “Não, esse é o...” Aí o Tolbert falou: “Não, eu tenho a Terraservice Projetos Geológicos Ltda, é uma empresa que foi criada para trabalhar para a Docegeo. A Docegeo é só a representação da...”, né, em 1971, era a representação da Vale, como administração, né, ela fiscalizava a Terraservice. Em princípio ela não tinha geólogo. Aí, eu conversei com ele, falei que o Domingos tinha me dado o... e esse fato de eu ter sido estudante de Ouro Preto, naquela época a escola de Ouro Preto era muito boa, e ter sido encaminhado lá pelo Domingos já abriu a porta para mim, eu senti isso. “Ah, o Domingos?” Então, ele ficou mais alegre, né? “Tá, tudo bem. Está bom.” Aí, ele falou assim: “Olha, a Docegeo tem um distrito em Belo Horizonte, tem em Salvador, tem em Belém, tem em Goiânia, e tem a administração central aqui no Rio. Tem vaga para todos esses. Você vai querer ir para Belo Horizonte?” Eu falei assim: “Não, eu estou querendo ir para Belém.” Ele quase caiu duro, né? Ele falou assim: “Mas...” Aí ele ficou interessado: “Mas por que que você quer ir para Belém?” Porque ele gostava... eu não sabia que ele tinha ido em Belém, que ele tinha sido chefe do Breno na descoberta de Carajás, eu não sabia nada disso, né? Aí foi um papo gostoso, sabe, ele falou: “Eu queria saber...” Sem querer eu despertei a curiosidade dele, porque ninguém queria ir para Belém, né, naquela época. Eu falei: “Não, eu sempre quis trabalhar na Amazônia. Tem um lado da minha saúde, que eu imagino que eu mudando o clima, de um clima seco, que está... se eu passar para o clima úmido, eu vou me dar bem, eu acho.” Ele falou assim: “É.” Eu falei assim: “O único jeito que eu tenho de saber é fazer. Mas eu sempre imaginei isso. Mas primeiro isso aí. Segundo, a curiosidade que eu tenho mesmo de trabalhar num lugar que está começando agora, isso é um desafio e eu gosto disso.” Daí ele falou: “Então tudo bem, então está contratado.” Era dia 23 de agosto de 1971. É engraçado, porque depois eu... tempos atrás, agora, quando a Docegeo fez 25 anos, é que eu fui atentar que a Docegeo, dia 7 de julho de 1991, foi o mesmo dia que eu estava colando grau: 7 de julho de 1971. Eu falei: “Coincidiu, né?”
P/1 - Colação de grau?
R - É, no dia a Docegeo está sendo criada. Eu achei, assim, uma coincidência muito grande, né, o dia. Eu achei interessante isso. Só citar isso aí como um registro, porque achei de fato interessante, uma coincidência muito grande. E eu não sabia, nunca tinha atentado para a data da minha colação de grau. Se não me engano foi a minha secretária que falou: “Engraçado, o senhor colou grau no dia de aniversário da Docegeo, no dia de criação.” Eu falei assim: “Ué... é.” Não tinha atentado para isso. (risos)
P/2 - Já tinha feito a sua história, né?
R - Não é? Engraçado, né? As coincidências. Aí tudo bem. Com isso, eu fiquei bem no Rio de Janeiro uns... um mês, mais ou menos, em setembro, final de setembro eu fui para Belém. Cheguei, eu acho, hoje analisando aquela escolha minha naquela hora, naquele momento com o Tolbert, eu acho que eu fui uma pessoa de muita sorte. Uma sorte danada. Primeiro, eu... deu certo naquilo que eu estava pensando, né, em termos da asma, eu de fato eu melhorei, não tive problema nenhum de asma. Porque ficava no mato, de fato o ar livre, essa coisa toda, e muito movimento, muito exercício, isso tudo contribuiu para uma melhora significativa, né? E agora o principal mesmo foi ter encontrado a equipe que eu encontrei lá. O Tadeu Teixeira, que hoje está na Paranapanema, era um cara com uma experiência muito grande em Amazônia, o Décio, ele era um geólogo, que tinha sido da Codin, depois foi muito meu amigo, já morreu. O Walter Hirata, Roberto Assad, e o Breno, né, como chefe do distrito. Então, ele era uma pessoa... ele é ainda uma pessoa muito organizada, ele... hoje se fala muito em definição de rotina, na qualidade... O Breno já fazia isso em 1971. Ele, quando eu cheguei, eles me mostraram lá a sede, falaram assim: “Agora, a rotina é essa aqui. Você vai para o campo, toda amostra que você coletar tem um número, o seu número, a sua sigla de amostra de rocha é AC até infinito, né, um até infinito. Agora, coletou a amostra, você tem de preencher essa ficha aqui, você tem de levar esse bloquinho para o campo. Porque as amostras não entram no laboratório se não tiver essa rotina já cumprida. Que que é? Número da amostra, dia de coleta, a área onde você coletou, localização da amostra, descrição sumária, macroscópica, e anotar o que você quer, se é análise petrográfica, se é metalográfica, se é química. Você anota aqui. Se você vai fazer petrografia, você enche essa… diretamente no campo, o que que você quer, por que que você está pedindo, para o petrógrafo poder entender o que que você quer. Então, você faz isso aqui assim. Agora, quando você fizer a amostragem, você já coleta duas amostras, porque uma vai para a litoteca do distrito, tá?” E assim por diante. Então, todas as amostras de solo, sedimento de corrente, testemunho de soldagem, tudo já estava preparado como é que a gente ia proceder. Quer dizer, ele estava montando uma equipe com uma rotina definida. Ele não tinha um plano, não tinha montado ainda o arquivo fotográfico, né? Ele começou a montar devagar. Mas ele pedia para a gente já deixar tudo pronto, tirar fotografia. Dar para o fotógrafo, o dia que foi feito, o que que é que você estava fotografando, a descrição também, a exemplo das rochas, você tinha que fazer aquela descriçãozinha. E deixar guardado lá. Aí depois ele contratou a Margarida, que ela ajudou ele a montar de fato aquele acervo fabuloso que tem lá, de mais de 15 mil fotos, tudo catalogado, com os negativos preservados, que eu acho que a maioria preservou, porque ele criou um quarto aclimatado para isso. Então é uma pessoa extremamente cuidadosa, e exigente também, ele... o relatório, ele... todo relatório que passava na frente dele ele devolvia simplesmente, falava: “Não está bom não.”
P/1 - Devolvia todo?
R - Devolvia. Aqueles lá que ele via que o português estava ruim, então falava: “Olha, melhora.” Então, quando fazia o relatório, a turma, todo mundo tinha um cuidado de fazer uma coisa que... Ele falava assim: “Olha, você está escrevendo não é para você. Você está escrevendo para uma pessoa que não conhece nada. Você tem que...” E é verdade, um relatório técnico, um relatório geológico, você tem que saber onde é que é a localização daquilo. E ele era muito exigente nisso, sempre foi. E sempre foi muito amigo também. Então, era um chefe completo. Eu aprendi muito com ele. Eu acho que a Docegeo deve muito... aliás, a Vale do Rio Doce. Eu diria que o legado, o principal legado da Docegeo para a Vale não são as jazidas que a Docegeo descobriu não, é a manutenção dos direitos minerais de Carajás. Isso graças ao Breno também, que montou um esquema, que até hoje perdura. É de você ter as... primeiro ele sentiu, a primeira pessoa que identificou a importância de Carajás foi ele. Já sabia que tinha o ferro lá, mas ele vislumbrou a potencialidade do resto. Então, ele falou: “Não, nós vamos manter, requerer todo o Carajás.” E a gente fazia artifícios, né, naquela época sempre tinha a fila lá no DNPM. Com isso, nós fomos mantendo. Questiona-se a fila, mas através dessa fila nós mantivemos intactos os direitos minerais de Carajás. Porque você tem um tempo, você tem um tempo para pesquisar. Hoje, por exemplo, você requer uma área, o DNPM te dá um alvará por três anos, e depois você tem o direito de renovar esse alvará por mais três anos, tá? Então, você... na realidade um pedido de pesquisa, uma área de pesquisa, tem um tempo de seis anos. E nós começamos a requerer Carajás foi em 1974. E até hoje Carajás é nosso. Quer dizer, os artifícios legais, mas com muito esforço, isso aí para mim é o maior legado da Docegeo para a Vale do Rio Doce. Daí não era... eu nunca ouvi ninguém falar isso. E não são as descobertas, a descoberta é consequência. Nós estamos descobrindo em Carajás muitas jazidas hoje, se a gente não tivesse o direito mineral lá não teria a jazida, a jazida seria de terceiros. Então a manutenção desses direitos minerais, e isso foi organizado pelo Breno, foi a melhor coisa que a Docegeo fez para a Vale do Rio Doce nesses 20 e tantos anos de resistência, 28, né? Não, 29.
P/1 - Esses artifícios como são?
R - É o seguinte, eu vou explicar. Antes era possível, hoje não é mais possível, tá? Você quando... o relatório... tinha o relatório para fazer... ao final de cada período de seis anos, você tem de apresentar um relatório. Ou relatório positivo ou negativo. Se você apresentar o relatório positivo, você tem uma reserva lá, então tudo bem, aquilo lá já está garantido, praticamente garantido para você, porque é uma jazida. Você vai então depois explorar essa jazida, e vai fazer um plano de aproveitamento econômico, então ganha mais tempo. Então, até ser resolvido, você... No final ou você vende aquilo ou então você toma posse mesmo e lavra. Quando o fato do relatório negativo, a área ficava livre. No dia, você protocolizava o relatório negativo, no dia, a área ficava livre. Só que a gente fazia o seguinte: deixava para apresentar o relatório negativo um dia depois. E requeria... quando você terminava o período aqui, por exemplo, vai vencer hoje o relatório, então eu teria que apresentar o relatório negativo aqui. A área iria para uma licitação, essa área aqui do relatório negativo. Não, você então fazia o seguinte: você deixava para entregar no outro dia o relatório, a área... você ficava inadimplente algum tempo, algumas horas. De manhã cedo você requeria novamente a área. Então, pela lei, você não ia chegar a ficar inadimplente. Por que? Porque ficava um período lá de algumas horas, né, o protocolo abria às 8 horas, você protocolizava, e depois imediatamente você entrava com o relatório negativo.
P/2 - Ah, primeiro o relatório negativo, e depois requeria novamente a vocês?
R - Não, primeiro você requeria, porque a área estava livre. Aí, entregava o relatório negativo para ficar limpo. E é um artifício legal. Todo mundo faz isso, e é legal, o processo não tem...
P/2 - Mas todo mundo passou a fazer depois?
R - Todas as empresas fazem isso aí no Brasil, todas elas, a Anglo American, tudo, com certeza. Agora hoje é mais complicado. Hoje é mais complicado, porque existe uma concorrência maior, existe... é mais arriscado fazer isso, porque você pode perder a área no outro dia, a área está livre, então o outro chegar e... naquela época era mais tranquilo isso, né? Carajás ainda não tinha o holofote em cima dele não. Hoje não, hoje, com certeza, perde na certa, não dá para fazer isso mais não. Então, você tem que trabalhar, para chegar num resultado positivo, ou então, de fato, o relatório negativo, e como vai acontecer, nós vamos apresentar alguns relatórios negativos nesse ano, então, faz parte do jogo, né? Em áreas que de fato não tem possibilidade de jazida. Mas foi esse o legado, sabe, eu acho que se não tivesse isso aí não teria... já não teria a Docegeo...
P/1 - Armando, o senhor, quando vai para a Amazônia, que expectativa o senhor tinha, com relação ao que imaginava encontrar ali, vir para a Amazônia...?
R - A Amazônia para mim era um desconhecido total, né? Era... falava-se muito que tinha jacaré na rua, cobra em Belém... Aí foi engraçado, porque achei a cidade muito hospitaleira, o paraense é extremamente hospitaleiro. Na época, então, nossa senhora! Eu me senti em casa. É interessante como é que, ao contrário de Minas Gerais, mineiro é muito fechado, né? O paraense não, ele queria conhecer as pessoas. Então, ele procurava, né? Ficou fácil de fazer amizade, ficou fácil de conhecer, de circular, então, me senti muito bem. Era também uma terra totalmente desconhecida para mim, com uma comida totalmente diferente, mas muito gostosa, muito saborosa. E um pessoal muito... um pessoal muito alegre. Carnaval de rua de Belém era sensacional. Era uma coisa, assim, livre, todo mundo participava. Depois quiseram imitar o Rio de Janeiro, mais tarde, né, a fazer concurso, não sei o que lá, começaram a colocar corda, impedir a participação popular, resultado: o Carnaval acabou. Está certo? Se eles estivessem mantido a cultura deles, eu acho que... que era o que? De blocos, de família, assim, você tinha aquela... “Ah, quarteirão? Tem um bloco.” Então, todo mundo saía, sabe, fazia... reunia, todo mundo ia, brincava, encontrava com outros. Era um carnaval muito alegre, muito despretensioso. E a gente de fato gostava daquilo lá. E foi num desses carnavais, aliás, o primeiro que eu passei, é que eu encontrei (risos) a Angélica, tem foto dele, tem foto do dia em que eu conheci ela e não tem foto do casamento. Do casamento não tem nenhuma foto.
P/2 - Mas por que que não tem foto do casamento?
R - Porque eu era o responsável para arranjar o fotógrafo, e acabei esquecendo do fotógrafo. Na hora do casamento, eu ví só o pessoal falando assim: “É, não sei não. Nunca ví um casamento sem foto.” Eu falei: “Ah! E é de fato.” (risos) É engraçado, né, eu... deu tudo certo. (risos)
P/2 - Ô Armando, e como é que era a rotina de trabalho?
R - A rotina de trabalho era o seguinte: o geólogo, ele ficava no início... olha, tinha... ficava um mês e uma semana. Mas a gente ficava muito mais. Eu cheguei a ficar dois meses e meio no mato, direto. Isso era muito comum. Aquela vontade que a gente tinha de conhecer, de ver, então você entrava para o mato, e tudo era novidade. Então você ia ficando. Mas com o tempo isso aí não é produtivo. E a gente vê é o seguinte: que tempo de campo, hoje então, que a vida é mais estressante, se você fica mais de 20 dias, na minha opinião, você fica normal, mas você não tem aquela atenção, você... se você for chegar de folga, e for refazer algumas picadas, algo que você mapeou, você vai encontrar novidades lá que você não tinha visto, apesar de você ter trabalhado com toda atenção. Porque o subconsciente age na pessoa, a pessoa tem que pagar conta, vai chegando fim de mês, tem os meninos na escola, tem um punhado de coisa, que você não fica tranquilo, né, ficar um mês no mato, assim, dificilmente. Eu acho que não é produtivo.
P/1 - É muito isolamento?
R - É, hoje a gente tem o que? Um regime de 20 dias. Tem empresas que você pode até colocar gente mais de tempo, mas na minha opinião é anti-produtivo, eu acho. Eu acho que não é por aí, não. Acho que exige bem que um trabalho de 20 dias sejam bem preenchidos, que o cara tenha uma boa folga. Quanto melhor, quanto mais folga ele tiver melhor. Aí a gente nisso era 30 por 15... 30 por 7! E a gente ficava muito mais. E com o tempo, essas coisas foram se ajeitando, né? “Já estou ficando... mas e daí? Eu chego lá...” No meu caso, por exemplo, um dia eu fiquei dois meses, quando eu voltei fui refazer o mapeamento que eu tinha feito. Eu não achei tanta coisa, assim, que eu não tinha olhado, não tinha prestado atenção, coisa importante, falei assim: “Não, não vale a pena.” Para a pessoa não é... não é produtivo, né? Eu trabalhei sempre no sul do Pará, sabe? Na região de Conceição do Araguaia. Naquela época, Conceição do Araguaia, em 1971, ela tinha somente uma rua, duas, duas ruas, porque era cidade antiga, de beira de rio, era antiga, mas era uma localidade muito pequena. Cheguei em 1971 para trabalhar entre a antiga Santana do Araguaia e Conceição, uma serra lá de... que eu batizei, não tinha nome... ia chamar Serra do Bradesco, mas era... Serra do Bradesco não, Quatipuru. Então eu coloquei Quatipuru, por causa de um Quatipuruzinho que tinha lá. Quatipuru é um esquilinho, né? Tinha muito. Aí eu trabalhei de 1971 até 1976 nessa região ali, como um hiato de um ano... quase um ano, no Xingú, eu fui trabalhar no Xingú. Em São Carlos do Xingú. É uma região que... impressionante, né, eu vi a criação daquilo ali, e o fortalecimento da Igreja. A Igreja começou a pegar força naquela região: São Félix do Araguaia, Conceição do Araguaia. Por que? Os grandes proprietários da época, de 1971, aquele governo militar queria conquistar a Amazônia na pata do boi, não sei se vocês chegaram a ler isso aí. Deve ter conhecido aí, é conhecimento de vocês. Então, eles requeriam as terras em cima de uma imagem de radar, imagem fotográfica, né? As terras eram requeridas em cima de uma imagem, sem levar em consideração as pessoas antigas que moravam ali, que tinham nascido ali.
P/1 - Era o projeto Radan?
R - É, o projeto Radan, ele fez o levantamento de imagem de radar da Amazônia. Isso foi divulgado, foi feito... mas em 1971 não tinha as imagens ainda não, a gente usava, para o trabalho nosso nós usávamos um mapa da Usaf (United States Air Force). Você vê, mapa, plano e meta da Usaf. Não tinha base nenhuma. Da ordem, da força aérea americana, tá? E tinha, na região ali, tinha fotografias aéreas do projeto Araguaia de 1965. Tinham umas fotografias aéreas que pegavam até Carajás. Mas é muito pouco, as áreas, por exemplo, mais ao norte de Carajás, não tinha mais nada, não tinha cobertura nenhuma. Então, você não tinha mapa nenhum, era tudo... esse mapa da Usaf que a gente usava. Você pegava as drenagens, aqui tem uma serra aqui no meio, vamos lá fazer um trabalho, assim, era coisa desse tipo. Muito rudimentar, em termos de orientação. Então, depois eu entro em detalhe como é que a gente fazia esse trabalho, tá? Mas a região do... eu estava falando sobre o fortalecimento da Igreja, né, que... no meu entendimento, principalmente que eu vivi lá, vi o que estava acontecendo. Então, o Bradesco, Bamerindus, Volkswagen, eles requereram um número imenso, uma imensidão de áreas, né? E montaram a fazenda deles, começaram a desmatar, e tinha o pessoal que morava lá, né? E esse pessoal foi transformado em posseiro, na época. Foram expulsos da terra deles, e os delegados, a polícia dos principais locais, por exemplo, Redenção... de Redenção não existia não, de Conceição do Araguaia, era paga por esse pessoal. Então eles não tinham guarita da polícia, então eles procuraram quem? A Igreja, eles iam para a Igreja. Então, a Igreja era cheia de pessoas que foram desalojadas das suas terras. Eu trabalhava nessa Serra de Quatipuru, e tinha uma fazenda Bradesco do outro lado. E um dia eu estava andando... eu contratei meus auxiliares de campo tudo na região, né? Eu estava andando com o Raimundo... eu me lembro dele, o nome dele era Raimundo. Aí ele olha lá, na picada, nós estávamos no meio do mato, assim, né, ele falou assim: “O senhor gosta de macaxeira?” Eu falei assim: “Gosto. Por que?” Ele falou assim: “Então espera aí.” Ele saiu, entrou dentro do mato, assim, e foi lá. Daí há pouco ele voltou com as macaxeiras. Eu falei: “Vem cá, como é que você sabia que tinha macaxeira?” “Não, eu nasci aqui.” “Você nasceu aí?” “É. O senhor quer dar uma olhada?” “Quero.” Cheguei lá, tinha uma... sabe aquelas clareiras de chão batido, só tinha toco de carvão, não tinha os pilares, tudo tinha sido colocado fogo. Eu falei: “Mas o que que é que aconteceu isso?” “Aconteceu que um dia à noite chegaram uns pistoleiros aí, falaram que a gente era posseiro, e bateram no meu pai, e falaram que a gente tinha até no outro dia para sair. Aí nós saímos, tivemos que sair. Agora, eu nasci aqui.” “Então é sua macaxeira aí?” “É, que a gente tinha plantado aí.” Tá? Tinha pouco tempo que eles tinham saído de lá, né? Aí eu fiquei... poxa, que coisa absurda. E que que vocês fizeram? “Não, nós fomos lá, a polícia, o delegado prendeu meu pai...”
P/1 - Prendeu o pai?
R - Prendeu o pai, “e minha mãe ficou com os meninos, eu e mais...”, ele era cara novo, né? “Então, ela pegou, levou a gente para a Igreja lá de Conceição”, e o bispo lá de Conceição deu guarita para eles. Aí eu comecei a entender como é que a Igreja lá no sul do Pará começou a pegar aquela força que de fato tinha, né, Dom Pedro Casaldáliga, e outros, né? Foi isso. E é uma coisa chocante, quando você vê um negócio assim, eu fiquei... um troço ruim, e você não pode fazer nada, né, naquela época então, nossa senhora!
P/1 - Ainda mais naquele momento, né?
R - É. Podia apoiar no que fosse possível, mas não tinha jeito. São coisas que marcam, né, um troço assim. Então, o entendimento da história do sul do Pará, isso aí está muito ligado a essas posses de terra, que posseiro na época... hoje não, hoje é diferente, posseiro é diferente. Hoje, de fato, eram antigos garimpeiros, que acabou o ouro e que agora estão procurando espaço para sobreviver, né?
P/1 - Nessa região senhor pegou alguma coisa em relação à guerrilha, não? Teve contato com isso?
R - Ah, na época, em Conceição do Araguaia, a gente era vistoriado, né, porque a gente andava de cabelo comprido naquela época, cabelo grande, bota de borracha, um dia eu fui levar um amigo meu no aeroporto lá de Conceição, que ele ia sair de folga, trabalhava comigo nessa... Tinha um avião lá, eu nem sabia da guerrilha, um avião lá com bomba debaixo da asa, coisa mais esquisita, eu até estava comentando assim: “Poxa, que coisa. Como é que sai com umas porcarias dessa aí, esse negócio pode cair na cabeça dos outros aí.” Ah, o senhor saiu lá, não teve dúvida, ele saiu... ele viu que eu estava conversando e apontando para o avião dele, ele saiu o avião, o avião... deixou o motor lá funcionando, saiu, veio, pediu documentos, eu tive de arranjar documentos. Aí tinha o prefeito de Conceição, o João Alberto, que estava lá, perto lá, que me conhecia, ele não ficou muito satisfeito com os documentos que eu tinha não. Então o prefeito: “Não, eu conheço ele, ele é... trabalha na Docegeo, tal, coisa aí, trabalha naquela serra lá.” Aí ele falou assim: “Ah, uma serra que tem umas trincheiras?” Aí eu ouvi aquilo lá: “Para que aquelas trincheiras ali, aquele negócio...?” Eu falei: “Pô, não, não é negócio de briga não, aquilo lá é só um projeto de cromita, né, que a gente tinha que fazer trincheira para ver a sequência do minério.” Eles tinham sobrevoado, eu nem sabia que eles tinham... Depois fiquei sabendo que um pouco mais ao norte, em Xambioá, tinha tido... estava em guerrilha. Não sabia disso, isso foi em 1973, por aí, sabe? Não sabia disso não. Aí, toda... era muito comum, carro sendo parado por polícia, pedindo documento, ver se tinha arma, essa coisa assim, sabe? Nessa fase, 1971... 1972, 1973 então, foi muito... esse sul do Pará. Redenção, que é uma grande cidade hoje, saiu em... foi iniciada o loteamento lá em 1972, Rio Maria foi em 1974. Mesma coisa: vem uma madeireira, aí faz um loteamento, chama gente para lá, põe um posto de gasolina, e pronto. E Rio Maria a mesma coisa. Madeireira Maginco fez o loteamento, posto de gasolina...
P/1 - Posto de gasolina?
R - E, tá?
P/2 - E isso faz o loteamento na terra requerida?
R - É, na terra deles lá, eles fazem aquilo, porque a estrada passou, a BR150 passou lá em 1974, aí já fez aquela vilazinha, né? 1976 eles foram tirar a estrada para o Xingu, a partir da BR150, uns 30 quilômetros a norte de Rio Maria. Ali ficou chamado Entroncamento no início, depois virou Xinguara. Devia ser Xinguaia, né? Xingu-Araguaia ali, mas não, ficou Xinguara. E hoje é uma cidade, uma das grandes cidades do sul do Pará. Saiu também em 1976. E, assim, criado como Madeireira.
P/1 - As cidades todas nascendo no momento...
R - É uma região... sempre foi uma região muito violenta. Por que? O garimpo, nós viemos... eu tinha uma sede de projeto, meu projeto... eu não trabalhava em Carajás, eu trabalhava no sul do Pará. Eu tinha uma sede há um quilômetro de Rio Maria, para norte do Rio Maria, tinha um acampamento lá, com isso eu trabalhava até no Mato Grosso, ia no Gradaús, até no contraforte aqui de Carajás, aqui ao norte, eu atuava por aí. E em 1980 começaram as grandes invasões garimpeiras da Docegeo. As áreas nossas lá de Andorinhas, você... não sei se você chegou a lembrar de Andorinhas, que ia pagar a dívida externa do Brasil, isso foi... nós descobrimos em julho de 1976, conseguimos manter aquilo em sigilo até final do ano. 1977 já tinha garimpo de ouro ao norte, nós conseguimos controlar. Mas aí começou... em 1980 foi descoberto Serra Pelada em consequência daquela descoberta de ouro nossa. Por que? Como a gente estava... não deixava os garimpeiros entrarem lá, então eles começaram e se espalhar, procurar outros lugares, aí descobriram, em 1980, início de 1980, Serra Pelada. Mas com a descoberta de Serra Pelada, e com o controle do governo em Serra Pelada, o governo, então, começou o que? A trazer aquelas propagandas todas na Globo, aquilo caindo... ouro caindo assim, Andorinhas... Que que aconteceu? Houve uma migração muito forte, de nordestinos principalmente, aqui para o sul do Pará, para ouro, para garimpo. Então, 1978, 1979, isso tudo era nordestino, não tem paraense aqui no sul do Pará. Não tem, tá? Então, eles vieram. Mas a coisa era previsível, as ocorrências de ouro eram pequenas, não eram ocorrências significativas, né? A previsão era aquilo: quando acabasse o ouro, aquelas famílias, o que que ia ser? Aquelas famílias que vieram do nordeste? Iam procurar espaço na terra. E é o que nós estamos tendo aí hoje, né, essas invasões que tem hoje, são pessoas que vieram, que não têm o que fazer, o ouro acabou, e vão procurar a subsistência, vão procurar terra. E a terra é toda ocupada por grandes fazendeiros, grandes latifundiários, e é mesmo, está lá, né? E eles vão invadindo. Mas são... é lógico, que tem outras coisas por trás disso aí, que a gente não entende ainda, mas a explicação para mim é lógica, depois do garimpo viria mesmo invasão de terra. Isso é lógico. Isso aí foi... os garimpos começaram em 1980, início de 1980 começaram as grandes invasões, não tinha acampamentos lá, nossos acampamentos foram uma coisa absurda, troço de… De um dia para a noite, assim, 10 mil pessoas entrarem e... sabe... com caminhão. É... nessa época não tinha uma máquina de filmar, né, eu falei assim: “Não, eu tenho de comprar a filmadora.” Porque não dava. Fotografia, você não vai conseguir registrar o absurdo. E a gente ficava demonstrando o nosso acampamento, no dia da invasão do Igarapé-goiaba, que era o dreno principal lá do babaçu, eu estava num outro acampamento em Lagoa Seca. O que nós fizemos lá para o nosso acampamento de babaçu, que é aonde tinha-se descoberto o ouro, nós jogamos, serramos árvore, jogamos na estrada, assim, porque o caminhão... o caminhão estava chegando, e lá no meio lá todo mundo pulava. No meio do acampamento. Aí tinha um engenheiro de minas recém-formado lá, despreparado, eu fui lá, para ajudar, eu falei assim: “Não, vamos jogar uns tocos aqui, fazer pelo menos uma...” Assim, assim, para o engenheiro passar também, mas nem o caminhão chegava... chegar lá... Aí ele chegava bem longe, e desovava os garimpeiros longe lá. Mas a coisa era absurda, era um caminhão atrás do outro. Caminhão de transporte de gado, de dois andares, nunca tinha visto, eles colocavam... colocaram a esteira, entrava gente por baixo e por cima. Coisa absurda, troço assim, chegava, pulava dentro do mato.
P/2 - Ia para o mato assim...?
R - Ia para o mato. Ia para onde tinha o ouro lá, no Igarapé.
P/2 - Pois é, e começavam lá...
R - Aí começava lá a limpar as catas deles lá, e não tinha como você tirar, absurdo. Foi tudo montado pelo pessoal do comércio de Rio Maria, porque aí eles iam comprar motor, iam comprar...
P/1 - Essa invasão era organizada...?
R - Ah, com certeza. Alguém pagou os caminhões, né?
P/2 - Claro, alguém conduziu...
R - Garimpeiro não tinha dinheiro para pagar caminhão. E eu recebia filas e filas de caminhão de madeireiras, e tudo transportando gente para despejar lá. E aí foi, da tarde toda, a noite toda, aquele absurdo de coisa. No outro dia, lá pelo meio dia, já acalmou, aí que eu fui ver. Aí você via aquelas coisas, pessoas lá com pá e picareta na mão, sem saber o que que eu estou fazendo aqui, né, nem sabe o que que é que tem que fazer, porque ele não sabe o que que é ouro, não sabia, né? Aquelas cenas patéticas, assim: “Não, gente, a gente tinha que ter uma máquina de filmar para registrar essas cenas.” Coisas absurdas. O cara... invadiu, pronto, e agora? O cara pensava que tinha ouro na superfície, que ele ia... era essa a imagem que eles venderam.
P/1 - A coisa antes de Andorinhas não tinha muito garimpeiro por lá, era mais...?
R - Não, o garimpo era na... em São Félix do Xingu, em cassiterita.
P/1 - Em cassiterita.
R - A Docegeo descobriu uma reserva de cassiterita lá no granito Antônio Vicente, no início da década de 1970. Logo no início, quando nós começamos a trabalhar na Amazônia, trabalhamos no Xingu. E descobrimos lá uma equipe do Iratan... o Iratan descobriu a cassiterita, que é um minério de estanho, e bloqueamos a reserva, depois os garimpeiros invadiram lá. tomaram. A Vale montou um esquema de compra do produto do garimpeiro. Quer dizer, de 1977 até 1978, por aí, 1976 e 1978 ela fez a compra da cassiterita. Depois essa área foi negociada com a Paranapanema. E a Paranapanema fez a lavra lá, e abandonou depois. Acabou a cassiterita. Mas o garimpo era restrito lá a São Félix do Xingu, por causa da cassiterita. Então, malária você tinha na região de São Félix do Xingu, você não tinha malária, por exemplo, em Rio Maria, nessa parte aqui, nem... não tinha não. O garimpo, ele trouxe a malária. Trouxe a malária para dentro da cidade de Rio Maria, Redenção, morreu muita gente de malária, por causa do garimpo. Fora a contaminação das drenais com o mercúrio, aquelas drenais naquela região de Rio Maria principalmente, onde foi o foco da garimpagem ali, era tudo contaminado de mercúrio. Sem cuidado nenhum, sem... O garimpo serviu também como ponto de apoio de políticos. Curió, por exemplo, se elegeu deputado federal com o pessoal do garimpo. Então, tinha interesse, a Rádio Nacional de Brasília sempre falava: “Não, foi liberado, tal, para garimpo.” Essa área... a gente tinha no babaçu uma reserva muito pequena, mas que a Vale resolveu montar uma usinazinha para extrair um pouco de ouro lá. Essa usina foi inaugurada em final de 1980, e trabalhou pouco. Ela trabalhou pouco, produziu 106 quilos de ouro, foi a primeira produção de ouro da Vale essa usina de babaçu. Foi tudo produzido pela Docegeo: 106 quilos de ouro. Depois foi invadido, o garimpeiro invadiu. Invadiu, e tomou tudo. Ali virou garimpo também, não tinha garantia nenhuma, o governo não dava garantia nenhuma para ninguém.
P/1 - O garimpeiro não tinha...
R - É, chega a 5 mil pessoas lá, não tem jeito. Você vai fazer o que? Você tem de relaxar, né? (risos) Tem mais nada a fazer. É lógico que nós sempre continuamos dizendo que o negócio era nosso, registrando as queixas, os procedimentos legais. Depois, posteriormente o garimpo acabou, nós negociamos a área com uma empresa americana, a Golden Star, ela fez pesquisa lá, não encontrou mais nada, quer dizer, nós tentamos pelo menos negociar para ver se dava o negócio, mas a região está totalmente removida, e afetada pelo garimpo, né? Isso aí é perda mesmo.
P/1 - Como que um garimpeiro via a Vale, quer dizer, que a Vale era governo, era Brasil...?
R - Não, a Vale é o seguinte: é uma empresa que sempre teve ação no mercado, né? É uma empresa... era estatal, tinha controle do governo, o governo tinha 51%, em torno. Mas era uma estatal que tinha ação no mercado. Não era totalmente o governo. E era tratada como uma empresa qualquer. É lógico que se você perguntar isso para uma empresa estrangeira, ela fale: “Não, que a Vale tinha...” Eu acho que não. Eu acho que é muito pelo contrário, o DNPM sempre foi muito rigoroso com a gente. Engraçado, né? Você tinha muita conversa, tinha muito acesso ao DNPM, mas a gente sempre fez as coisas muito dentro da lei também. Isso aí nunca... “Ah, não, nós somos estatal, dá um jeitinho...” Não. Isso aí não. Foi com muita luta que a gente conseguiu manter esses direitos minerais aí, porque ajuda, mesmo, não teve não. Nós tivemos muito problema com o DNPM, muito rigor, as áreas nossas até hoje são muito vistoriadas, e as dos outros não são, mesmo... continua o rigor, não é problema do... “Ah, não, a privatização...” Não, já era também. A gente sempre foi muito vistoriado pelo DNPM. Eu achava até muito bom, porque quem não deve não teme, né? Tudo bem, é um aval que a gente vai ter, lógico, mas ajuda, assim, do governo por ser estatal, nesse caso específico de direitos minerais, eu não me lembro não. Teve alguma coisa lá em Andorinhas, mas é aquele procedimento que eu te falei: a gente requerer novamente. Se tivesse alguém na fila lá teria ganho. Isso é uma coisa que... era uma prática que eu acho que nós iniciamos. Mas dentro da lei.
[pausa]
R - Bom, eu sempre trabalhei no sul do Pará, desde de quando eu comecei. Comecei trabalhando para níquel, nessa Serra do Quatipuru, níquel e cromo, e a partir de 1977 fui chefe do projeto de Andorinhas, para a pesquisa de ouro. E ouro não era uma prioridade da Vale, nunca foi prioridade da Vale, desde o início, né, quando nós começamos a trabalhar, dizia-se sempre que era cobre, devido à ação do Allende no Chile, que era uma ameaça ao fornecimento de cobre ao país, então as empresas estavam pesquisando cobre, prioridade. E o ouro e cassiterita não eram... não estavam no escopo de pesquisa da Vale do Rio Doce. E a gente pesquisava assim mesmo, porque o ambiente geológico, às vezes ele... você pesquisa metais básicos, cobre, e acha ouro. Como aconteceu. Nós, pesquisando metais básicos, nós encontramos, em 1976, nós encontramos o ouro de Andorinhas. E era um teor, assim, muito interessante, uma amostra muito rica, é uma área que em princípio tinha um potencial muito grande, e isso sensibilizou a Vale do Rio Doce a colocar, dentro das nossas prioridades de pesquisa, o ouro como uma das prioridades. Então, a partir de 1977, o primeiro projeto ouro foi Andorinhas. Então, eu saí de pesquisa de níquel, e vim para Rio Maria para chefiar a pesquisa do ouro lá de Andorinhas. Andorinhas foi nessa época palco de... foi alvo de... ficou no holofote, né? A notícia deve ter sido vazada no meio de 1977, por aí, e a imprensa toda correu a Andorinhas. Ministro falando que tinha 90 mil toneladas de ouro lá, que ia pagar a dívida externa do Brasil, isso vocês... não sei se vocês... vocês são novos, talvez vocês não se lembrem, mas foi TV, televisão, tudo, veio a Globo aqui, entrevistou todo mundo, filmou. E a gente ficava sem jeito, porque sabia que o potencial da área poderia ser no máximo, no máximo, a gente pegar uma jazida de 100 toneladas de ouro. Mas 90 mil toneladas, e pagar a dívida do Brasil, o negócio já era muito pesado. (risos) Mas hoje a gente entende... eu entendo o seguinte: que aquilo fazia parte de um jogo de atrair o pessoal da cidade para cá. A Rádio Nacional de Brasília, a partir de 1978, no programa dela para a Amazônia, ela sempre falava que o babaçu e o mamão, que eram as nossas áreas principais de pesquisa aqui em Andorinhas, tinham sido liberadas para garimpo. Eu tinha essas fitas gravadas, eu gravava isso. E a gente fazia queixa contra isso, nunca deu, nunca deu retorno nenhum.
P/1 - Mas de fato elas estavam liberadas?
R - Não, não estavam não. Era o seguinte: aí vinham garimpeiros de longe para cá, para... eles não tinham culpa, eles vinham para fazer volume... O que é que eles queriam? Queriam que viesse um aglomerado de garimpeiros para que a evasão de fato fosse concretizada. Eu não sei se isso já era trama dos comerciantes daquela região, ou se era uma trama política por trás disso aí.
P/2 - Para ocupar...?
R - É, porque o que tinha na região, não tinha a tradição garimpeira. A região de Rio Maria era uma região de madeireiro, não tinha tradição garimpeira. Então, essas notícias começaram a trazer garimpeiros lá do Tapajós, que eram de tradição garimpeira. E muitos desses começaram a ficar por lá, chegava, constatava que era mentira, mas ficava lá, porque tinha ouro naquelas drenagens lá em volta de Andorinhas. Pouco, mas tinha. E com isso, foi criando então a cultura garimpeira na região. Com a gente fechando as áreas lá de Andorinhas, em 1979, por aí, eles começaram então a sair para a região. E chegaram à descoberta de Serra Pelada em 1980, no início de 1980.
P/1 - Como é que se fecha uma área para garimpo, quer dizer, como que isso era feito pela Vale...?
R - Não, a gente tinha um nível de segurança, o Venâncio aqui de Carajás, ele era o chefe nosso do setor de segurança. E esse pessoal, eles andavam em todas as grotas na região, e onde era encontrado garimpeiro, eles pediam ao cara para sair. Se tivesse um grupo maior, a gente pegava a polícia militar, eles iam junto com a polícia, e tirava, apreendia o equipamento, às vezes com a participação do DNPM, o DNPM tinha de dar esse apoio. Às vezes o DNPM colocava a polícia federal junto com... um representante da polícia federal junto, para poder... A nossa preocupação era o seguinte: para o garimpeiro não ser agredido. Chegamos inclusive a mudar a polícia, influir para a mudança de polícia de Rio Maria, porque tinham pessoas antagônicas que eram perigosas, machucavam garimpeiro, essas coisas todas eram... a Vale sempre teve cuidado. Que a gente entendia o seguinte: que o dia que um garimpeiro fosse morto, a gente perderia a razão. Então, a gente tinha esse cuidado, de na hora de entrar, olhar: “Bom...” Geralmente vinha um comando novo de Belém para cá, a gente tinha condições de conseguir isso aí. O Breno conseguia conversar, conhecia muita gente em Belém. Então, com isso ele influenciava também de... nesse... quer dizer, o cuidado ia até nesse ponto. Que se na hora que a gente fosse tirar um garimpeiro, com aquela pressão que tinha para invadir, a gente achava que a morte de um garimpeiro ali poderia servir aos anseios daqueles que estavam querendo tomar. Porque a opinião pública poderia ir contra. E com certeza seria explorado. Muito bem, agora o garimpeiro, quando houve as invasões, aquilo que eu te falei, que... caminhões e caminhões, eles viam a gente, assim, como uma ameaça. Eu fui ameaçado de morte, porque eu não ia deixar de trabalhar lá. Mas com o tempo, eles viram o seguinte: que a gente não ia retirá-los de lá. A gente passou a requerer dos órgãos legais, o DNPM, anunciar e pedir ação do DNPM, junto com a polícia federal para que se retirasse. A gente ficou de vítima, né? Não tinha sentido a gente peitar aquele número grande de pessoas. E a gente até orientava, via um cara falando bobagem lá, falava: “Você vai perder dinheiro aí. Isso aí não é por aí não. Presta atenção.” Então, ficou assim, no final eu tinha um relacionamento muito bom lá naquela região de Rio Maria. Mas que eles viam sempre a Vale como ameaça, né, sempre. Por que? “Hoje eles estão aqui, amanhã a empresa pode me tirar daqui”. Eles sabiam que eles eram ilegais. Em Serra Pelada não, em Serra Pelada foi o contrário. Eles se... eles descobriram Serra Pelada. Eles descobriram Serra Pelada, e a Vale ali era um invasor, na ótica deles, e é assim até hoje. A Vale tem direitos legais. Tem, mas quem descobriu a mineralização, que já foi lavrada, foi o garimpeiro. É o tipo da coisa que... lá eles tinham toda liberdade, eles... tranquilo, eles eram os donos, né, então a relação de garimpeiro com a gente lá era o contrário. Eles estavam com a segurança de que a área é deles. E a gente era o que? Um intruso, né? Mas mesmo assim, não teve nunca, assim, direto com a gente, uma ação belicosa, muito pelo contrário, algumas coisas, assim, de discussão, mas a gente sempre evitava.
P/1 - Essa sua ameaça de morte como é que foi?
R - Em Rio Maria?
P/1 - É.
R - Ah, foi porque... foi até um caso engraçado. Foi... eles estavam usando dinamite, e eu fiz uma correspondência para o oitavo região militar de Marabá, para o DNPM ir para o oitavo região militar de Marabá, que estavam usando dinamite. Pedia uma... garimpo, mas eles estavam usando dinamite, quer dizer, dinamite é totalmente ilegal. Aí me mandaram lá um capitãozinho, muito novinho, cabelinho todo cortadinho, todo à paisana. Aí ia lá para Lagoa Seca. Eu falei assim: “Olha, vem cá.” Acho que é Roberto o nome dele. “Vamos combinar uma coisa aqui. Lá... Eu vou levar você na Lagoa Seca, você vai olhar lá, você pode tirar fotografia do que você quiser, mas não tira fotografia de garimpeiro.” “Ah, por que?” “Porque você vai embora, eu fico. Porque ele não gosta, eles acham que você está tirando fotografia para depois expulsá-lo de lá, a gente catalogar.” “Não, mas eu estou à paisana.” “Sim, mas você está à paisana, mas você é do exército, todo mundo sabe que você é do exército.” (risos) Cabelinho todo... parece Dalila, aquele negócio todo rapadinho aqui, não tinha nem jeito, ninguém usava aquilo na região. Aí, tudo bem, quer dizer... “É?” “É.” Aí, eu cheguei lá, tinha... um dos garimpeiros era advogado, Fagundes, estava lá com um pistoleiro lá, cara, pelo que eu sabia, que era pistoleiro dele. Estava lá, tal, estava olhando. “Que que está acontecendo?” “Não, está... o pessoal aí está olhando aí...” Não falei que o cara era da... Ele já sabia, né? E a caixa de dinamite lá, então o cara tirou... eu voltava conversando com o cara ali, e olhando, né, o cara tirou fotografia de tudo que ele queria, martelete, o negócio tudo... martelete, o cara enfiando a dinamite lá dentro. “Ah, vai ter fogo!” Aí todo mundo saía. Deu aquele fogo. Ele tirou a fotografia do fogo também. A documentação… Aí no final, ele já não tinha mais nada para falar, ele falou assim: “Agora, gente, junta todo mundo aqui para eu tirar uma foto.” Aí eu pensei: “Pronto.” Aí o Fagundes virou para mim e falou assim: “Armando, vou tirar foto não. Vou te contar um negócio. Eu tinha uma vaca de minha estimação, você precisava de ver, aquela vaca era uma vaquinha que eu adorava. Um dia, ela amanheceu degolada.” Eu falei assim: “Mas e quê que tem isso, Fagundes, o que que foi que houve?” “Ah, os garimpeiros mataram, a gente nem sempre tem controle sobre aquilo que a gente pensa que tem.” Eu falei assim: “Escuta aqui, você está fazendo ameaça?” Ela falou assim: “Não, não é não.” Eu falei assim: “É. É uma ameaça.” Aí eu peguei e chutei para ele, falei assim: “Ô, Fagundes, o negócio é o seguinte: vamos ver as coisas do seguinte modo: eu morro, você me mata. O lado legal é o seguinte: a empresa vai colocar a polícia federal, ninguém vai saber de nada, e no final vem um outro geólogo no meu lugar e, apesar de todo esforço que a empresa vai fazer, ninguém vai ser preso, ninguém vai saber de nada. Mas eu acho que você devia pensar o seguinte: que eu não sou filho de chocadeira não. Tem o outro lado também, pensa nisso.” Aí passou o tempo, um dia ele chegou para mim e falou assim: “Esquece aquilo que eu falei, tá?” Eu falei: “Está bom.” (risos) Né? O que eu podia falar para ele? Nada, né? Eu tive um... (risos), né?
P/2 - Foi uma boa saída.
R - É, o técnico que estava comigo, era o Silvestre, ele virou para mim, falou assim: “Mas você é doido?” Eu falei assim: “Não, não sou doido não.” “Não sou doido não, você queria o que? Que eu saísse correndo lá? Eu nunca mais eu podia voltar a trabalhar aqui na região.” Não vejo... e estava na garganta também, eu estava com raiva, e tal. Mas, olha, eu peguei esse capitão, dei... ele virou para mim, e o capitão lá, ele foi testemunha disso. Ele entrou dentro do carro comigo, falou assim: “O senhor é doido, o senhor tem que ter uma segurança.” Eu falei assim: “Olha, se eu tivesse segurança igual ao senhor, eu já estaria morto há muito tempo.” (risos) Olha, então, a relação de garimpeiro, assim, com a Vale, voltando àquela sua pergunta, sempre foi na média muito amistosa. Pelo seguinte: Serra Pelada eles tinham certeza que era deles, então ali é intruso, tudo bem, ninguém ia ameaçar... eles não sentiam a gente como ameaça. Tanto é que a parte da geologia, quando nós voltamos a trabalhar lá em 1994, que a gente viu que podia ter um controle de mineração, uma coisa mais profunda, nós colocamos uma sonda lá, não teve problema nenhum, absolutamente. Eles... só teve problema quando eles sentiram que a empresa estava lá para ficar. Que a empresa poderia... já era considerado como ameaça para eles, né? Mas, agora, no sul do Pará, problema que eu tive, fora esse contratempo, eu diria assim, eu tive com proprietário. Por que? Onde a Docegeo ia, geralmente garimpeiro ia atrás. A metodologia de pesquisa nós tivemos de mudá-la no sul do Pará. Quando você faz uma pesquisa para ouro, você faz o sedimento de corrente, localiza... o sedimento de corrente é coletagem de amostras das drenagens. Aí você vê: tem valor aqui, aqui, aqui, então você tem uma área anômala, que a gente chama. Faz uma malha, abre as picadas, que você achou graça o termo picada, né? Abre as picadas. A gente faz o mapeamento dessas picadas, você faz um mapa, e coleta amostra de solo a intervalos regulares. Ou 20 metros, ou 40 metros, geralmente é 40 metros, de 40 em 40, vai... E manda analisar. Aí você tem os valores anômalos para ouro, aquilo ali, que você está, o elemento, ou ouro, ou cobre, o que você está procurando. A metodologia é a mesma, tanto para cobre, zinco, é a mesma coisa. Aí você pode usar métodos de ofício, mas um dos métodos que a gente usa, uma sequência, um procedimento que é muito normal e é muito importante em pesquisa, principalmente de ouro, é abrir trincheira. Que que é abrir trincheira? Você furar um buraco, mais ou menos de 3 metros de profundidade, uma cava, né, de um metro de largura, uma vala, é uma trincheira. Aí você vai, atravessa o solo, você tem o que? Exposto, uma rocha intemperizada, que você vai, mapeia aquilo, faz amostragem de canal, quer dizer, você tem o minério exposto. Nós tínhamos... isso aí é muito importante, essa etapa, você elimina as etapas futuras ou não. Você pode... se der negativo isso aqui, o valor foi muito baixo, não foi interessante, aí você não entra na etapa posterior que é de sondagem. No sul do Pará, quando eu abri uma trincheira, no outro dia tinha um punhado de garimpeiro lá dentro. Por que? A trincheira, você alocando onde tem anomalia de ouro, onde tem mais possibilidade de ter ouro. E eles ficavam lá. Abria uma trincheira, no outro dia tinha 20 homens lá dentro. E não saía de jeito nenhum. Então, falamos: “Não, nós não vamos mais usar trincheira.” E esse fato de onde a gente ir o garimpeiro ir atrás começou a dar problema para os proprietários, porque a gente que está fazendo uma pesquisa geológica, a gente precisa de assinar um termo de acordo, né, e mostrar para o DNPM que a gente já fez um termo de acordo com o proprietário. O proprietário era superficiário. E tinha superficiário que dizia assim: “Não, não quero a Docegeo dentro das minhas terras, porque vai entrar garimpeiro.” E teve até uma família que fez uma proposta para a Docegeo, que o seguinte: “Muito bem, podia entrar. Até nove, até dez garimpeiros ele matava. Acima de dez garimpeiros, a Docegeo tinha de mandar matar.” (risos) Eu não posso falar o nome da família aqui, mas o fato... teve advogados da Docegeo, que estavam presentes, uma coisa assim... E falou sério. E eu não tive dúvida nenhuma que...
P/2 - Que era aquilo, né?
R - E na fazenda dele não tinha nenhum garimpo, na fazenda... na região toda tinha garimpo, naquela fazenda não tinha, está certo? Então, (risos) a proposta dele para o... até foi o Pedro Salomé o advogado, o advogado Pedro Salomé, e eu lá. E falou o seguinte: “Olha, o negócio é o seguinte: pode entrar. Ah, não, mas qual o procedimento se entrar garimpeiro?” Eu falei: “Olha, a gente vai, faz o ofício do DNPM, o DNPM aciona a polícia federal, a polícia federal chega aqui, pega a polícia militar, e vai lá e tira o garimpeiro.” Ele falou assim: “Isso aí significa quanto tempo, doutor?” “Ah, a gente faz isso... depende da burocracia...” Ele falou assim: “É, o senhor não sabe quanto, né? Pois é, o dia que eu permitir que um garimpeiro entre na minha terra e fique lá dentro mais do que uma hora, (risos) eu vou perder o respeito na região, e aí vai entrar os sem-terra na minha região, e vão invadir minha fazenda. O dia que eu permitir um garimpeiro ficar lá uma hora, eu vou perder a minha fazenda, porque os sem-terra vão tomar conta dela para falar que eu sou frouxo. Então, é o seguinte, a minha proposta é o seguinte: até dez eu mato, acima de dez vocês mandam matar. E o senhor... esse negócio de empresa é responsável, não, o senhor é o reponsável, eu estou conversando é com o senhor.” Eu falei assim: “Não, está certo. Então, aí não vai ter acordo não.” Porque a gente... Mais na frente ele deixou a gente fazer um trabalho muito rápido, sabe? Nós fizemos o mais rápido possível, tiramos lá, mas não teve problema nenhum, mas que deu a prensa.
P/1 - Ele não matou os dez garimpeiros. (risos)
R - Não, não matou. Mas ele fez sério mesmo. Ele tinha advogado, tinha pai dele na frente dele, ele falou isso, falou: “Olha, a proposta que eu tenho é essa aqui.” Eu falei: “Mas por que isso?” “Porque o dia que eu perder o respeito aqui, eu vou perder minhas terras.” Falei: “Ah é? Está bom.”
P/1 - E enquanto estava acontecendo o garimpo você continuavam também com esse trabalho de pesquisa, com o acampamento e tal, o garimpeiros tinham vontade de se engajar nos projetos, fazer parte da equipe da Docegeo, quer dizer, havia... essa equipe de apoio que vocês utilizavam era...?
R - Muitos garimpeiros foram antigos empregados nossos, infelizmente foi. Eu encontrei muitas pessoas que trabalharam comigo no garimpo do Goiaba, em áreas que eles sabiam onde é que tinha, que eles trabalharam, né? E vem cá, você vai... até é justificável, né, uma miséria danada daquela lá, o cara está sem emprego. Porque ele saiu, o único emprego que tinha na região era nosso. Então, era justificável, o cara... eles iam atrás, às vezes iam ex-funcionários nossos, que eram os cabeças, para poder saber onde é que tinha os minérios locais. Isso aí aconteceu.
P/1 - E a comunidade, seu Armando, com as cidades, as pessoas da própria região... como é que era essa relação?
R - Muito boa.
P/1 - Muito boa?
R - Muito boa. Porque quando a gente estava numa área ínvia, assim, você estava assim, às vezes você chegava num lugar, armava um barraco, você nem sabia quem era o proprietário. Mais na frente, com o avançar, às vezes aparecia alguma pessoa meio desconfiada, isso naquela época, hoje é impossível você fazer isso. Você tem primeiro tentar localizar o dono do terreno para depois se implantar lá, senão você pode estar correndo o risco de ser confundido com o invasor e ser morto, né? Nessa região aqui é assim, você tem que tomar um cuidado muito grande. Não entrar na área de jeito nenhum sem autorização. Mas antigamente essa relação, assim, era uma relação de... virava uma forte amizade. Porque a gente tinha sempre um enfermeiro, e esse pessoal não tinha meios nenhum de tratamento, e a gente acabava fornecendo, ajudando nesse sentido. Então, tinha a parte comunitária, vamos dizer assim, de cada projeto. Estava no meio do mato lá, a gente chamava de beiroza, aqueles que moram na beira do rio. Você sempre procurava ajudar no que era possível, dar carona, o cara mora perto: “Ah, estou indo para a cidade. Você está querendo?” Então eu oferecia carona para eles, essa coisa... Então, o relacionamento era muito bom. Você sempre procurava alertar que... e fizeram um estrago, e a gente vai indenizar, e a gente fazia questão de indenizar mesmo para poder... Não tinha porque você estragar o cara, e eles estão sentindo uma confiança muito grande, tá? Então, nesse ponto aí o papel... a própria Vale do Rio Doce aqui no sul Pará, ela é muito respeitada pela comunidade, né? Isso aí é. É uma empresa que... muito séria, e sempre procurou cumprir as coisas, e a Docegeo a mesma coisa, né? A Docegeo sempre... e veio antes que a Vale para cá, em termos de região, próximo à região. E a filosofia era uma só. Podendo ajudar, vamos ajudar. Por que não? Que é interesse para a gente também ter o apoio deles. Está no meio do mato ali, eles conhecem muito mais, e... Hoje as ações de sem-terra na região, a gente tem que tomar mais cuidado. Todo mundo tem de usar uniforme, você tem de... sabe, isso é regra geral, não pode, empregado nosso tem de ser uniforme, empregado de contratado tem de ser uniformizado, porque já... o proprietário já vê, já distingue. É uma medida que a gente está adotando e eu acho que está correto.
P/1 - E em relação aos índios, encontraram índios nesse período...?
R - Olha, eu vou ser franco, eu nunca vi um índio no mato. Eu tenho certeza que o índio já me viu, agora eu nunca vi. (risos) No mato, assim, não. Já vi em Carajás, aqui, tal, já andei no Xingu, já andei na Transamazônica, na época da abertura da transamazônica, uma loucura.
P/1 - Cê tava ali?
R - Estava, estava lá ainda. Foi final de 1971, eu fui contratado e fui para Altamira, uma confusão danada. Mas estava abrindo estrada para Marabá, e abrindo também para o lado de Itaituba, e a gente estava lá, eu ia para o lado de Itaituba mapeando, e o Régis, que é o outro geólogo, ia para o lado de Marabá. Era uma coisa louca. Então, peguei uma carona com o pessoal do Incra, aí a gente ia assim: cada 25 quilômetros... a média era assim: 25 quilômetros. Se tivesse um Igarapé, a gente descia com nossa... eu tinha três auxiliares, e meu material. Então, a gente acampava, e fazia uma sessão, uma picada, e ia fazendo picada para um lado, cinco quilômetros para um lado, mapeando, coletando amostra de sedimento de corrente, essa coisa de rocha, tal, voltava, aí fazia cinco quilômetros para o outro lado. Aí depois você desarmava aquele negócio todo, porque você não tinha, naquela época, apoio nenhum, a empresa estava se formando ainda na Amazônia. E não tinha carro em Altamira para você alugar também não, tinha um carro. Altamira tinha um carro, que era uma Rural Willys, e o Régis sempre pegava para ele, e eu falei: “Não, pode deixar que eu vou me virando para cá, sem carro.” Aí me arrependi, porque às vezes terminava o trabalho, colocava meu acampamentozinho na beira da estrada e nada de carona, né? Chegava aqueles caminhão lá, nada. E fiz esse trabalho, fiz até 150 quilômetros, devo ter feito uns sete acampamentos, mais ou menos, até 200 e poucos quilômetros lá. Mas foi interessante, sabe, meu primeiro trabalho, assim, naquela... poxa, tudo é novidade, né, faz qualquer coisa. Mas não tinha nenhum apoio em Altamira, ia despejando colonos ao longo daquelas agrovilas, que não tinha nenhum posto de saúde, não tinha nada. Nada... Malária, tinha malária.
P/1 - O senhor teve malária?
R - Não, não tive malária não, não sei por quê. Fizeram um exame em mim, (risos) uma época, eu, o Kiyoshi, aquele que estava tomando café hoje de manhã comigo, eu e aquele japonês... ele é nissei... Eu, ele, o próprio Rigon também, não tivemos malária não. Não sei por que. O doutor Zé Maria, que era o especialista em malária lá da Sucam, lá da Sucam lá de Belém, o Evandro Chagas... tenho muito relacionamento com ele, que ele ia muito nas frentes, então uma vez no Rio Preto, lá no sul do Pará, muita malária, então ele ia para lá, e eles coletavam... queriam saber se o mosquito lá da região estavam mais resistentes ou não aos medicamentos da época. E aí... era uma loucura aquele negócio da Sucam. O Collor acabou com aquilo, achei aquilo uma coisa absurda, porque os caras trabalhavam mesmo, pela camisa mesmo. Você precisava ver o cara coletando mosquito! Ele chegava, seis horas da tarde, ia lá para a beira do Igarapé, sentava numa cadeira, fazia... todo de camisa de manga comprida, colocava a perna, assim, à mostra, tinha um equipamentozinho que era uma pipetazinha oca, e aqui tinha um arame, que pegava o tubinho de Erlenmeyer, aqui embaixo, fazia essa curva aqui, tá? E aquela coisa oca, e aqui fazia assim, e um tubinho embaixo, fechado. Aí ele ficava lá. Aí a hora que ele sentia o mosquito, ele acendia uma lanterna aqui, sabe? Aí o mosquito... o mosquito da malária, ele pousa assim, perpendicular. É uma espécie de muriçoca, mas só que ele pousa assim, tá? Aí aquele mosquito lá, então ele ia com aquela varetinha, e colocava... o mosquito está aqui, então ele colocava o tubo em cima, assim, e tinha uma volta de arame, e o tubo embaixo, o tubo oco por cima. Aí assoprava, o mosquito caía dentro do tubo, ele com o dedo: puf! Aí colocava uma rolha, colocava o rótulo escrito Rio Preto, tal, dia tal. Porque o mosquito tinha que ser coletado vivo, para fazer depois os testes nele de resistência. E era assim que a Sucam coletava mosquito, nas frentes de... coisa. Eu vi isso lá.
P/1 - Eles se faziam de iscas vivas.
R - É, isso mesmo, eu perguntei: “Doutor, o senhor teve quantas malárias?” “Ah, não sei, umas 30. Sei lá quantas.” (risos) Sabe? E ele fazia aquilo na maior naturalidade, eu falei assim: “Mas vem cá, como é que eu nunca tive malária?” Por exemplo, Rio Preto. Eu fechei o acampamento de Rio Preto três vezes. A última vez só eu que estava lá sem malária.
P/1 - Todo mundo teve malária...
R - É, o técnico que andava comigo lá, ele foi o primeiro a cair de malária. E eu pescava toda noite. A turma: “Não, vai pescar?” “Não, vou pescar. Já tem malária mesmo, então o negócio é... não vou deixar de pescar.”
P/2 - Pica à noite?
R - É à tardezinha e de manhã cedo, os horários de pico mesmo para o mosquito é seis horas, sete horas e... quando o sol está frio, né? Quando está escurecendo. E aí eu nunca tive, o Kiyoshi trabalhou comigo lá também, lá tinha muita... não teve também, o Rigon. Agora... ele falou assim: “Não, vamos fazer uma coleta de sangue seu para fazer.” Aí fez, coletou sangue, não sei que lá, e levou. Um dia eu estava em Belém, me ligou, falou assim: “Olha, já tem o resultado.” Que ele tinha falado que eu podia ser um resistente, que seria um transmissor, entendeu? Porque tinha pessoas que a malária não se manifestava, mas ela era um transmissor em potencial. Que que é um transmissor? O mosquito existe. Qualquer área aqui tem mosquito de malária. Se não tem alguém doente, não tem problema nenhum, você pode trabalhar lá, agora colocou um doente no meio contamina tudo. O ciclo de vida do mosquito são 15 dias. Só. Então, se você entra numa área sem ninguém com malária, faz exame, então se lá não tiver um garimpo, que tem lá a contaminação, você tem quase certeza que você pode fazer o trabalho sem problema nenhum. Aí ele me ligou, falou assim: “Olha, o problema seu é o seguinte: você é muito ruim mesmo. Deu nada não. (risos) Nem mosquito te quer.” A conclusão que ele chegou foi essa. (risos) Mas está bom. Mas pelo menos isso aí foi bom, nunca peguei malária não. Engraçado. Acho que sorte, né? Por que ele falou que não existe. Eu falei: “Eu como muito alho quando eu estou no mato.” “Não, isso é conversa fiada, isso não existe não. Isso é sorte mesmo. Isso é muita sorte. Compra uma sena, compra uma loteria, que você vai se dar muito bem.” (risos) Mas isso aí. Então, o garimpo, a fase de garimpo nossa aí, ela foi... traumática, pelo caso que eu te falei, né, eu não estou acostumado com essas coisas, pô, né, então, o cara te ameaçar, assim, isso é ruim, né? Mas a gente aprende muita coisa também. Teve um lance num garimpo lá de Pedra Preta. Pedra Preta é um garimpo de wolframita, é um minério de tungstênio. Era perto de Rio Maria e estava dentro de uma área nossa. Então cheguei, comecei a trabalhar lá dentro para poder ver, a área era nossa, então tinha um garimpo, não vou tirar garimpeiro, mas queria cubar uma reserva lá para fazer um relatório final, né? E no garimpo tinha uma vilazinha, pessoal chama de... como é que é... bochicho, não... ah, depois eu lembro. A vilazinha do garimpo tinha... todo dia eu passava para mapear as vilazinhas, e via lá, tinha uma professora, sentada nos bancos lá, e dando aula para os... tinha bem uns 20 meninos. Eu via aquilo, não tinha quadro negro, não tinha nada, então, falei: “Poxa.” Conversei com ela: “Escuta, que que a gente pode te ajudar aí?” Ela falou assim: “Não, nada. Eu dou aula aqui porque eu tenho primário, ninguém aqui sabe escrever, e essas menina eu tenho meu filho, né? Como eu vou ensinar para ele, meu marido está no garimpo, custa nada ensinar para os outros.” Eu falei: “Mas a senhora tem algum material?” Ela falou assim: “Não, não tenho não. Eu fico de cabeça, ensinando o a-e-i-o-u, essas coisas.” Eu falei: “Tá.” Aí cheguei lá em Belém, conversei com o Breno, eu falei: “Ô, Breno, podia ajudar lá, né?” “Uai, pode. O que você puder fazer.” Então nós demos um jeito lá de arranjar quadro negro, giz, fui na Secretaria lá de Educação do Pará, arranjamos livros, lá para ela lá, iniciantes, punhado de livro para todo mundo. Arranjamos caderno também lá, que foi cedido lá pela Secretaria, caderno para os menino, lápis, tudo isso a Secretaria arranjou para a gente. Aí, chegamos lá com aquele material, a menina... a mulher ficou espantada, alegre para burro com aquilo. Aí, eu peguei e falei: “Bom, então nós vamos pagar também um salário mínimo.” “Não, mas não é preciso.” “Não, vamos sim, nós damos um jeito aí de...” Arranjamos um jeito de pagar para ela um salário mínimo, para ela poder ficar dando aula lá. Aí, tudo bem. Passou, passou dois meses, aí um dia o técnico virou para mim, e falou assim: “Armando, a escola lá está com problema.” “O que que é?” “Está diminuindo o número de alunos.” Eu falei assim: “Não, é que o garimpo é assim mesmo, o pessoal fica... hoje está aqui, amanhã está ali.” Aí foi, que daí um dia, passei lá, ela tinha fechado. Só estava lá com a criança dela, filho dela. Eu falei assim: Olha, fulana, como é que é? O que foi que aconteceu?” Ela falou assim: “Não, as mães tiraram os filhos.” “Mas por que? Qual o motivo? Não estava pagando nada. Você estava cobrando alguma coisa?” “Não, de jeito nenhum. Ah, elas tiraram os filhos porque eu estava ganhando um salário mínimo. Aí eu fiquei muito importante. Então, elas entenderam que eu estava ganhando um salário mínimo graças aos filhos delas.” E o salário mínimo era um absurdo dentro do garimpo, era muito dinheiro. Quer dizer, um erro que a gente cometeu, né? Queria o que? Dar um salário mínimo para ela, para dar aula o dia inteiro. Aí as mães ficaram com inveja, tiraram os filhos, porque ela estava ganhando graças à ação dos menino lá. Entendeu? Coisa absurda. Sabe, essa coisa toda de garimpo aí que me chocou. Quer dizer, é a cultura do Brasil, isso é o Brasilzão, né?
P/1 - Tinha que aprender a se relacionar com uma cultura que era diferente, né?
R - É, e ela era da região também, ela veio o que? De uma região de garimpo do Rio Grande do Norte. O marido dela trabalhou lá em Currais Novos, com tungstênio, essa coisa, então ela veio... E como ela tinha uma instrução maior, e ficava à toa o dia inteiro, ela resolveu dar aula. Quando ela começou a ganhar... enquanto ela não ganhava nada, todo mundo queria que ela desse aula para os filhos. Agora, a hora que ela começou a ganhar, eles ficaram com inveja, não, então, vamos voltar à estaca zero. Um absurdo, né, um troço de... não dá para você entender, não tem lógica, para a gente não tem lógica. Mas isso é a lógica do garimpo, né?
P/1 - Em relação a isso, quando começou esse trabalho na Amazônia, e teve que se montar equipes, quer dizer, além do geólogo, ou de um outro técnico que vinha de fora, as pessoas que vocês usavam era de lá mesmo, como é que era isso?
R - É, a gente... os geólogos, a gente contratava da escola do Pará, que era uma escola nova ainda, mas a maioria dos geólogos nós contratamos no sul. Por que? A idéia que se tinha de você mesclar todas as escolas, tinha escola do Rio Grande do Sul, tinha escola de Salvador, de Ouro Preto, de Recife. Então, mesclar, para ter uma equipe o mais heterogênea possível em termos de... cada escola era forte numa coisa. A Bahia era geoquímica, e assim por diante. para você ter uma cultura, montar uma cultura, né? E uma coisa importante que a Docegeo adotou na época foi o seguinte: trazer consultores internacionais. Isso aí foi mal visto pela comunidade. A Vale foi criticada por isso, tá? Por que? “Ah, não, porque está dando emprego para gringo, em detrimento de pessoas aqui, que são capacitadas também.” São capacitadas, mas não sabiam fazer pesquisa geológica. No Brasil, pesquisa geológica era coisa nova, pesquisa mesmo, de descobrir novas jazidas. Você tinha pesquisa do minério de ferro, que era a cultura do minério de ferro. Que era... está lá o minério de ferro, você vai e fura, e pronto, não tem problema nenhum, né? Agora para você descobrir um depósito de cobre, descobrir um depósito de ouro, você tem que saber fazer, e a gente não tinha essa cultura no Brasil. E o que que fizeram? Trouxemos um especialista em geoquímica, que era um peruano, o (Paul Aine?), também, que era de mina, McAnders, Garret McAnders, que era americano, que tinha um conhecimento todo da Austrália, muito bom em mapeamento geológico, em pesquisa geológica. E outros, muitos outros. Em geofísica também, foram trazidos bons profissionais em geofísica, para a gente criar a nossa cultura, né? E a gente aprendeu muito com esse pessoal. É lógico que muitos... alguns chegaram e não deram contribuição nenhuma. Mas outros foram marcantes, Rúbio, Alberto Rúbio, por exemplo, peruano, a geoquímica toda que nós fizemos foi tudo baseado nele. E outra coisa que a empresa sempre adotou é investir em treinamento na equipe. Treinamento não tem aqui, manda visitar mina no exterior, então a gente... muita gente viajou, eu viajei, trouxemos consultores internacionais: “Ah, tem um cara que é muito bom de...” “Traz lá.” Aí o cara vinha, vinha aqui, dava curso para a gente. Quer dizer, isso a Vale sempre fez. Eu acho que é um dos motivos de sucesso da Docegeo, foi ter... ser... primeiro, essa mescla de geólogos na Amazônia... principalmente para a Amazônia, que era o ilustre desconhecido, ninguém sabia nada na Amazônia, tinha da Universidade de São Paulo também, muitos de São Paulo. E com esses consultores internacionais, quer dizer, o cara que já tinha experiência de fora para trazer para a gente aqui, que a maioria era recém-formado. Eu era recém-formado naquela época, né? O Décio nem tanto, já tinha alguma experiência. Mas experiência aqui dentro do Brasil, quer dizer, não tinha experiência do que a gente ia fazer. Nós estávamos todo mundo junto, mas cada um com... os mais velhos, com essa experiência de Amazônia já, mas na pesquisa que a gente ia iniciar, todo mundo era virgem ainda, nós estava aprendendo todo mundo junto. Isso, no caso do distrito da Amazônia, trouxe uma união muito grande, era um distrito muito unido, muito unido mesmo, a gente tinha uma amizade tremenda, a equipe técnica era muito unida. Um procurava ajudar o outro: “Ah, você vai para o trabalho assim assim.” Então, isso aí tinha uma... que eu, depois quando eu andei nos outros distritos, eu não sentia isso, parecia que tinha empresas diferentes. Quer dizer, o que foi montado na Amazônia foi uma empresa, uma Docegeo à parte. Eu não sei se a gente estava exposto naquela época a maiores riscos, e isso fazia que a união fosse maior, que surgiu uma amizade muito profunda, sabe, daquelas pessoas que participaram daquilo lá. E eu tenho hoje um orgulho muito grande de ter participado disso. Era difícil? Era. O Radan, por exemplo, essa imagem de radar, né, foi divulgada somente em 1974. E como é que a gente trabalhava? Trabalhamos, por exemplo, o Décio trabalhou na Asa Norte. Asa Norte que a gente fala é a margem esquerda do Amazonas, sabe, aquela parte do Pará e Amapá. Entre o rio Parú e o Jarí, ele trabalhou naquela área lá em 1971, 1972, 1973. E como é que ele fazia? Ele tinha... que mapa que ele tinha? Tinha da Usaf. Então, um dia eu fiz um sobrevôo com ele, eu, ele e o Assad, para negócio de bauxita, platôs dos bauxita, lá em Almeirim. Mas você fazia o seguinte: você tinha... tinha as drenagens lá no mapa, o mapa era... um mapa bom para a época, mas era um mapa... uma cartografia, né, tinha o rio, tal, mas não tinha aqueles detalhes que a gente precisa, de relevo, nem nada. Você tinha as drenagens aqui: “Espera, então aqui tem uma serra”, né, sabia: “Aqui tem uma serra. Então, vamos ver que diabo que é isso aqui. Vamos fazer sobrevôo.” Então a gente fazia assim: a partir do rio lá, no ponto do rio, que era conhecido, fácil de identificar no avião, você tirava um rumo, tantos quilômetros, você sabia a velocidade do avião, tá? Vamos supor: três minutos para tantos graus noroeste, tanto... a partir daí vamos fazer linhas norte-sul, de cinco minutos de vôo. Porque... cinco minutos são tantos quilômetros, para sul, depois você voava para oeste, depois você voava para... aliás, para norte, para oeste, para sul, e assim você cobria aquele espaço que... e aí o geólogo tinha o papel branco, lançada essa grade de vôo, com a prancheta. Eu falei: “Bom, estou aqui. Estou aqui? Estou.” Aí o piloto ia falar assim: “Está marcando. Um minuto!” Aí eu falava assim: “O rio aí, está caindo para que lado? Está caindo do lado de cá.” Então colocava na minha pranchetinha aqui. Eu sabia que um minuto significava tantos quilômetros, né? Mas como... na hora lá, a gente escrevia assim: um minuto, rio, para tanto. Você colocava o riozinho lá. “Tem aqui um afloramento. Tem uma... parece que é crista de quartzito, aqui, tantos minutos de vôo, tal, nessa linha.” “Ah, aqui tem um riozinho que desce aqui, e tal.” E com isso você tinha um conhecimento da área, para você entrar depois. Então você... aí virava assim: “Tem alguma vila perto?” “Ah, tem a vila ali.” “Então vamos lá.” Sobrevoa. “Agora, vamos ver, é Almeirim a cidade mais próxima? É. Vamos ver quantos quilômetros que tem de Almeirim. Que a partir daqui, se eu subir esse rio aqui, eu vou estar na estrutura, então eu vou...”, certo? Com isso, eu montava como é que eu ia entrar na área. Depois eu voltava com a minha equipe, já com rancho, para tanto, para um mês, vinha com os barcos, tá, vinha com os barcos, subia aquele rio até onde desse, depois o resto era tudo nas costas. E, num determinado ponto, você abria uma clareira grande, não tinha rádio ainda de comunicação, nós começamos a ter rádio a partir de 1973, não tinha rádio de comunicação em 1971, 1972, não tinha, nós não tínhamos isso.
P/1 - Não se comunicava?
R - Era o seguinte: era na valentona. Você falava assim: “Olha, meu rancho dá para... tal dia, assim, assim, vai fazer lançamento de rancho nessa clareira, que eu vou abrir uma clareira aqui, olha.” Tá? Tal dia, assim, assim, o... tinha um cara, que a especialidade dele era pegar... comprar rancho, fazer pára-quedas de pano, enrolava aquele negócio todo, e voava num avião bimotor de asa baixa sem uma portinha traseira, que ele ali, ele passou... o piloto falou assim: “Olha, tem a clareira lá. A clareira está ali.” “Tudo bem, então vamos ver. Qual a tua altura, que dava para o pára-quedas...?” Aí ele passava, ele ia jogando os volumes, né, passava tantas vezes que fosse necessário. Aí os pára-queda abriam, e ia... os caras... às vezes caía em cima de castanheira, tinha empregado que sabia subir em castanheira para tirar a coisa lá, porque tinha de aproveitar tudo, né? E com isso, ele fez o trabalho dele lá, assim, com essas aberturas de coisa, com esses lançamentos. Isso foi antes de ter o helicóptero, o helicóptero foi somente a partir de julho de 1973, que nós começamos a operar com helicóptero. Então, esse trabalho era feito assim, né, na Amazônia. Onde tinha fotografia aérea, por exemplo, como era o meu caso aqui no sul do Pará, aí tinha o projeto Araguaia, eu era um privilegiado. “Nossa, tem fotografia aérea. Então, tem fotografia aérea. Beleza.” (risos) Eu era o filho do rei, né? (risos) Agora depois veio, então, o Radan. Quando o Radan divulgou aquelas imagens, tudo, meu Deus do céu, você precisava de ver que avanço, que beleza. Você já tinha, estava... sabia que tem um rio aqui, aí não precisava fazer mais esses sobrevoos, né? Você podia fazer a sua (programação?) baseada na imagem do radar, está certo? Beleza. Então, melhorou demais. Quer dizer, no caso nosso daqui da Amazônia, a Docegeo, eu diria que teve esse ciclo antes do Radan, esse pequeno... que não se avançou muito, em termos de conhecimento da geologia, porque era muito difícil, e quando veio o Radan, a gente já tinha helicóptero. O helicóptero foi de fundamental importância, porque ele, a gente chegava mais rápido nos locais. Então nós passamos em frente das... porque na Amazônia todo mundo estava atuando naquilo naquela época, as grandes empresas: Inco, Rtz, posteriormente, depois de 1980, a BP. E a gente tinha helicóptero, então a gente tinha um ponto a mais, a gente... a nossa mobilidade era muito maior. A gente era muito ágil, para chegar nos pontos. O helicóptero ajudou muito, principalmente na pesquisa de Carajás. Eu diria que a Docegeo, ela teve esse ciclo, teve o Radan, e a Docegeo teve o outro marco principal, foi a partir de 1990, 1991, com a abertura do mercado da informática. A quebra da reserva de mercado, e nós pudemos importar equipamentos e nos atualizar, porque a gente estava atrasado em relação às outras empresas. A gente ia para o Canadá, por exemplo, você via lá: “Pô, os caras estão tirando mapa no computador! Que que é isso, rapaz? A gente faz no dedo.” Para você ter uma idéia, até 1989 sabe como é que a gente mapeava estrada, 1989, 1990? Mapear estrada, sabe como é que é? Pegava o hodômetro, né, você chegou: “Olha, a estrada está aqui, então vamos mapear. Então, ponto tal, cidade tal. Hodômetro tal, tanto. Rumo da estrada aqui: rumo tal. Esse rumo aqui.” Então você vai. “Tantos quilômetros. Tem lá um afloramento.” Aí você ia fazendo, ia fazendo anotação na caderneta, né? “A partir daqui? Tem uma curva? Tem. Ah, vai rumo tal. A partir do hodômetro, quilometragem tal, você vai rumo tal.” E com isso você ia fazendo o mapeamento da estrada. Chegava à noite, você ia para o seu acampamento, pegava um papel milimetrado, e vai: “Bom, aqui é o ponto tal.” Aí a partir daquilo eu ia fazer a minha estrada, né? Começando na escala que eu queria. É 1 para 100 mil, então está lá, está certinho a estrada. E ia fazendo o mapa geológico daquilo lá. Hoje não, você acopla um GPS, coloca no computador, já sai tudo direitinho, quer dizer, já não tem mais graça. (risos) Eu falo com os geólogos: “Agora não tem mais graça não. Que que é isso? Isso é brincadeira, ué! Você vai lá, o afloramento lá, olha o ponto, eles lançam tudo aquilo no computador, você tem um... “Está bom.” É muita agilidade, né? Eu diria que a partir de 1990 houve outra mudança. Nós começamos a fazer o levantamentos aéreos geofísicos em Carajás, a gente não tinha feito ainda por que? Os levantamentos que tinham, os equipamentos que tinham, que eram conhecidos aqui no Brasil, eram muito obsoletos, e Carajás tem uma particularidade: tem uma parte de cobertura, de árvores de 60 metros, e depois o solo é intemperizado, a rocha é podre, vamos dizer assim, a rocha ela racha... então, qualquer método aéreo, naquela época, não penetrava. Não tinha penetração. Então, não adiantava. Aí nós começamos depois com a importação de novos equipamentos, novas tecnologias, e treinamento, mudando o treinamento do pessoal nisso aí, comprando software para a interpretação dos dados, essas coisas todas, aí foi outra... outra visão, outra coisa. Então, eu diria que a Docegeo, a partir de 1991, é outra totalmente diferente do que era antes, mais pela abertura do mercado também. Porque a mentalidade de dar treinamento era o mesmo anterior. E ela mesmo sofreu muita alteração na sua estrutura. Aquilo que eu falei no início, ela tinha uma base... a administração central no Rio, tinha distritos em Belo Horizonte, Salvador, Belém, Goiânia, teve até em São Paulo, houve uma época que tinha distrito também. E a partir de 1991 continuou. Não tinha mais distrito de Goiânia, mas tinha Belém, Salvador, Belo Horizonte e Rio, em 1991. Em 1991, a empresa, que tinha 650, quase... entre 650 e 700 empregados, ela passou para 350, na primeira reformulação dela. De 350, já em 1992 ela estava com 270. Então, na época da privatização, ela estava com 270 empregados. E trabalhando na mesma coisa. Ela passou o que? Em vez de executar trabalho, ela passou a contratar o serviço. Ela tinha uma empresa... praticamente uma empresa de sondagem dentro dela, ela possuía sondas, tal, né? Então, a gente passou a contratar mais sondagem, abertura de picadas, a gente tinha empregados para fazer isso, então... o pessoal saiu. Passamos a usar serviço contratado de abertura de picadas. Então ficou somente o que? Centralizado na parte técnica, equipe técnica, e o apoio administrativo. Com a privatização, aí fecharam-se os distritos, e nós estamos trabalhando hoje... é um modo mais flexível, a base nossa é Santa Luzia, e os projetos. Onde tem um projeto tem um acampamento. E nós estamos agora... o problema nosso era comunicação, nós estamos comprando agora torres de comunicação direta e transmissão de dados via satélite, quer dizer, você está aqui no nosso acampamento de cristalino, lá no meio do mato, por exemplo, você vai ter condições de mandar dados, mapas, meio magnético, para a nossa base lá de Belo Horizonte. Quer dizer, está sendo investido muito nesse sentido. E apoio administrativo, a gente tem o apoio da Vale, quer dizer, a empresa, que tinha um diretor administrativo, não tem mais. Ela tem um diretor técnico e um diretor presidente. E falando diretamente com os projetos, quer dizer, hoje houve uma simplificação da estrutura, né, e temos 105 pessoas hoje.
P/1 - 105 pessoas?
R - É, 105 pessoas, geólogos deve estar na casa de 50, 51, 52, porque foi contratado mais agora, por aí.
P/1 - E nessa questão das mudanças que o senhor está contando, e em relação ao homem ali no mato, isso mudou muito, quer dizer, em relação ao dia a dia dele, ao conforto aí nesse trabalho...?
R - Sim, mudou pelo seguinte: nós estamos fazendo acampamentos melhores. Antigamente... se você for hoje no... 118 tem um acampamento de alvenaria, aqueles acampamentos, aqueles alvos já estão mais avançados, a gente sabe que vai ter chance de transformar em mina, é feito um acampamento melhor. Alvenaria, o cara tem telefone, via satélite. Nesse ponto aí, a tecnologia permite que o cara tenha uma vida melhor do que antigamente. Qualquer acampamento nosso de frente... de frente que eu estou falando, quer dizer, a gente continua indo dormir em rede, não tem problema nenhum, porque você está na frente, você vai para lá. Tem antena parabólica, o cara tem televisão. Tem a mesma assistência médica, que tinha antes. Hoje a sistemática que nós adotamos... por exemplo, antigamente, tem algum distrito, o cara tem que morar no distrito. Hoje não, o cara continua, quem morava em Belém continua morando em Belém. A família dele não foi agredida, vamos dizer assim, com uma mudança, continuou lá. Quem morava em Salvador continuou morando em Salvador. Eu acho que é melhor assim, tá, você tem... porque eu fiz muitas mudanças na minha vida, eu fui para... casei em Belém, depois eu fui para Belo Horizonte, depois eu fui para o Rio, depois voltei para Belo Horizonte novamente. Sozinho não tem problema, o problema é a família, né? Adaptação, né? Isso aí é complicado. Você, tirando esse problema do empregado, acho que ele fica com a cabeça melhor, porque a família está lá, a mulher já vai ficar lá, já tem familiares, já tem... então isso aí eu acho que ajuda muito, ajudou muito também essa sistemática, sabe? Eu acho que hoje o cara está mais próximo da família pela comunicação também, né? Tem mais recurso, antigamente só tinha rádio, você não tinha telefone, tinha nada. Hoje você tem esses telefones via satélite, hoje você tem... em todos os acampamentos a gente tem aí. Facilita, né, a comunicação.
P/1 - E essa experiência do senhor em acampamento, como é que... o senhor quer contar...?
R - Eu ainda sou daquele tempo antigo, eu gosto muito de uma rede, sabe? (risos) Eu gosto de acampamento de rede, eu acho que acampamento de alvenaria é muito quente, no meio do mato é quente demais, é muito abafado. Quando você tem ar condicionado, tudo bem. Mas eu gosto muito, eu acho que é um estilo de vida que... é uma época também, né, que já está passando. O geólogo novo agora, ele já não tem mais esse... eu sinto isso, né? Não é mais... “Isso é do seu mundo lá. O meu mundo é diferente.” Mas ele acampa também, normalmente. Porque o geólogo é aquilo, o cara nasce para geólogo, não tem condição, não tem, a vida é dura mesmo, não é fácil não. Se o cara não tiver jeito para a coisa tem de desistir, tem de mudar outra profissão. Porque exige muito da pessoa, é muito sacrifício, se afastar da família, dos filhos, ficar no meio do mato, dormindo lá, e tudo bem, quando é novo é tudo aventura, mas depois chega numa época que você sente, sente isso. Os acampamentos nossos, eles sempre foram, tirando as tecnologias de hoje, pensando no passado, a gente procurava fazer o melhor possível. Por exemplo, o que que é que poderia fazer melhor possível no acampamento? Tinha que ter um bom cozinheiro, porque você ficar no meio do mato com um cozinheiro ruim, pelo amor de Deus, né? Então, a gente sempre selecionava: “Olha, vamos ficar lá, mas fulano que...” Porque a comida nunca foi problema, você sempre teve... ninguém nunca economizou em comida, de jeito nenhum, segurança e comida. A Docegeo na Amazônia, também isso aí é implantado pelo Breno, ela... a gente era proibido de voar de avião monomotor. Sobe o motor, nós nunca... de jeito nenhum, era proibido. Então, helicóptero, quando foi comprado, foi biturbina. Porque ele, no passado, na época dele, das quedas de helicóptero que ele já deve ter falado, morreram amigos dele, que ele via que se tivesse um pouco mais de cuidado com a segurança não teria acontecido. Então, quando ele assumiu a Docegeo, a condição dele foi essa: de helicóptero biturbina, né, e o avião só biturbina, não teve problema nenhum, a Vale concordou, é lógico... E nós atuamos lá na Amazônia desde 1973, nunca tivemos um acidente com helicóptero. Nossa equipe de helicóptero recebeu prêmios, de... prêmio de... porque a turma toda tinha uma dúvida sobre utilização de helicóptero num clima tropical. Mas a manutenção é tão rigorosa, que nunca teve problema. Quer dizer, seguindo o manual certinho: tem que trocar essa peça aqui, tem que ser trocada, era trocada mesmo, não tem conversa não. Era muito rigoroso. E, felizmente, não tivemos nenhum acidente. Isso aí é uma vitória, né, porque perder uma vida não tem jeito, depois que perdeu não tem jeito, você tem de prevenir, né, deixar que isso aconteça, impedir que isso aconteça.
P/2 - Armando, você sempre trabalhou no campo, sempre nesse esquema de acampamento. E trabalhos mais administrativos?
R - Sim, eu era... eu trabalhei no campo a partir de 1971, a partir de 1974 eu passei a ser chefe de projeto. Quer dizer, trabalhava como geólogo normal do projeto, mas com uma responsabilidade administrativa em cima do projeto, condução da pesquisa, tal. E assim eu fiquei, até quando eu fui para Belo Horizonte, em 1991, eu fui transferido, a minha primeira transferência para Belo Horizonte, como gerente do distrito de lá, em 1991. Aí de fato começou a minha atividade administrativa, como gerente. Então, fui gerente do distrito de Belo Horizonte, de 1991... início de 1991, até maio de 1994, quando eu fui convidado para ser diretor da Docegeo. Aí fui para o Rio. Aí, como diretor, veio a privatização, o Viveiros, que é o... foi indicado como o novo diretor-presidente da Docegeo, me convidou para continuar, aí nós retornamos para Belo Horizonte, e continuo ainda como diretor técnico. Hoje a Docegeo, ela tem... área de atuação aqui principalmente é Carajás, onde ela tem... com a privatização, não sei se... eu esqueci de falar, mas foi assinado um contrato de risco com o BNDES, que as áreas de pesquisa ficariam 50% com o governo, representado pelo BNDES, e 50% seria da Vale. E esse contrato de pesquisa está em andamento, nós estamos executando aí. Então já temos duas descobertas significativas, que é o cristalino e o alvo 118, e tem muitos outros alvos promissores ainda, que esse ano com certeza vão aparecer. Agora, eu diria que só esses dois alvos já paga totalmente o contrato de risco. O cristalino vai ser uma jazida de cobre e ouro muito grande, e o 118 também uma jazida de minério oxidado, de cobre e ouro também, mas menor expressão, mas muito significativo, porque ela vai ser de fácil extração, de baixo custo. A Vale, antes da privatização, fez associação... aqui tem dois blocos de área dentro de Carajás, com a (Felpsdogilo?), uma empresa americana, uma das grandes produtoras de ouro... de cobre, do mundo, a (Felpsdógilo?), no alvo Sossego, e no Liberdade, que é aqui na parte oeste de Carajás. No Sossego... Liberdade, os resultados lá não foram muito bons, tem reservas pequenas. Mas os resultados do Sossego são muito significativos, e vai se tornar uma jazida mesmo. A Vale tem 50%, e a (Felpsdogilo?) 50%. Então, o cobre com certeza... você já tem salobo, que foi feito a associação com a Anglo American, você tem o corpo alemão, que foi a descoberta da época um pouco antes da privatização. Tem outros alvos aí, e os alvos já conhecidos, Sossego, o Cristalino e o 118. Isso tudo aí com certeza a Vale vai entrar no... o cobre vai ser o novo negócio da Vale a curto prazo.
[troca de fita]
R - Bom, você falou sobre a relação entre geólogo e engenheiro de minas, né? Tem uma diferença muito grande, a cabeça de engenheiro de minas é cabeça de engenheiro, daquela de: tantas toneladas aqui para produzir tanto aqui, aquela coisa bem... E o geólogo, ele trabalha com o imponderável, ele... a meta dele é transformar um sonho em realidade. E me lembro até lá na escola a relação entre as turmas, apesar da amizade muito forte entre geologia e... tenho grandes amigos engenheiros de minas, da minha época inclusive. Mas eles a gente achava muito bobo, falava: “Gente, vocês são bobos demais.” Porque o Joaquim Maia era o cacicão lá da engenharia de minas, e era muito radical, você não podia fazer pergunta durante a aula, que paralisava, esculhambava os alunos, então ele é um cara todo... E usava um cachimbo, sabe? E às vezes a gente tinha aula junto com o pessoal da... por exemplo, Noções de Método de Lavra. Então, a gente tinha junto com engenharia de minas. E eles todos usavam cachimbo, todos os alunos engenheiro de minas usava cachimbo. A gente falava: “Gente, mas não é possível. Só pode ser um engenheiro de minas.” (risos) Quer dizer, engenheiro de minas eu diria que é um mal necessário. (risos) Mas sempre vai ter problema com a cabeça dele, porque a cabeça é totalmente diferente de um geólogo e engenheiro de minas, isso é uma coisa patente. Na pesquisa geológica eles ganhavam vantagem, porque quando a gente descobre uma mina, quer dizer, passou aquele sufoco todo, passou aquela privação, quando começa... descobre a mina, aí vem o acampamento bonito, vem... tal, não sei o que, geladeira, cerveja, e a gente sai e eles ficam, e a gente vai para outro lugar procurar outra mina. Então é essa relação aí. Mas é um mal necessário sim, eles são importantes sim. (risos) Dá para conviver. Mas sim, então, agora, sobre a Docegeo, na vida... eu entrei na Docegeo como recém-formado, e estou agora como diretor, entrei em 1971, tenho 29 anos, praticamente, vou fazer agora em agosto, 29 anos, ela sofreu muitas ameaças durante a sua vida, ameaças de fechamento. Mais problemas internos, de Vale do Rio Doce, de governo inclusive. Agora, a principal, que eu me lembre, foi na época de 1979, que o governo federal na época era o ministro, era o César Cals, se não me engano, queria que a Vale ficasse só no ferro, e queria dar o manganês do Azul para o Antunes. Isso tudo foi verdade. Venderam a mina de Fazenda Brasileira, que era a única mina grande que a gente tinha descoberto de ouro, que era principalmente uma... é onde a Vale ia entrar no ouro. A Fazenda Brasileira chegou a ser visitada pela DP, pelas outras empresas interessadas em comprar...
P/1 - Chegou a ser visitada?
R - Chegou a ser visitada sim. Agora, o motivo... e geólogos da Docegeo foram muito... muitos foram demitidos, nessa fase de 1978, assim. Agora o salobo já tinha sido descoberto em 1977, e em 1978 já despontava como um grande depósito, depósito de um bilhão de toneladas que se falava naquela época. E eu tenho a sensação de que esse resultado, que nós tínhamos alcançado através da pesquisa de descoberta do salobo é que manteve a Docegeo viva. Que era um resultado muito forte. Então ninguém teve peito mesmo de fechar uma empresa com um resultado daquele. E isso aí é o que a gente sempre diz para os nossos geólogos novos, falamos: “Olha, precisa sempre ter resultado, a gente só sobrevive com resultado.” A Docegeo, se ela não tivesse resultados, ela não existiria hoje. Foi assim também na época da privatização. Nessa época nós fizemos algumas reuniões, inclusive lá em Vassouras. Vassouras? Não, ali perto de Petrópolis, não é Vassouras, é... poxa, gente!
P/1 - ____
R - Não, é uma... na descida da Serra tem uma... até foi filmada a novela lá, a novela da Globo, há pouco tempo. Araras! É, em Araras. Tem um hotelzinho lá, nós fizemos uma reunião lá, antes da privatização, para avaliar... Participou desta reunião a diretoria da Docegeo, os gerentes dos distritos na época, e pessoas de peso, que não era gerentes, mas que tinham peso, para dar opinião. E a análise nossa é que de fato a Docegeo não tinha naquele momento um resultado, ia acontecer uma privatização da Vale do Rio Doce, e a empresa, a Docegeo, ela tinha o que? Tinha um custo fixo em torno de 17 milhões de dólares, quer dizer, o novo comprador já era uma ameaça, né? Uma empresa de pesquisa, que é risco, né, já com um custo fixo de 17 milhões de dólares. E não tinha um resultado, não tinha um resultado que saltasse aos olhos para poder sacudir, a exemplo do salobo, que tinha acontecido em 1979, né? Aí nós analisamos o que que era, priorizamos Carajás, o que que tem em Carajás? Aí tinha anomalia aqui, a magnética profunda, perto do Igarapé-Bahia, da mina do Igarapé-Bahia, profunda, e a gente tinha trabalhado em cima até 70 metros, não deu nada, deu alguma coisa de ouro em cima, e anomalia, os geofísicos: “Não, essa anomalia aqui é mais profunda.” E ela foi detectada no levantamento com os geofísicos que nós fizemos nessa década, em 1994. Então, tinha de furar. Poderia ser alguma coisa interessante, como não poderia. O resto, tinha alvos que demoraria muito tempo, para poder até chegar nesses alvos, para chegar nas reservas, mas o tempo que seria possível seria muito grande, e aí teria passado a privatização. Quer dizer, você tinha de ter uma notícia de impacto, e o único alvo que a gente via, e era muito... era tratar com o imponderável, né, que poderia ser só magnetita, que é um minério de ferro que não tem valor econômico nenhum. E naquela profundidade de 300 metros que a anomalia estava, né? Mas poderia ser também cobre, tá? Ou outro sulfeto. Aí nós apostamos. “Então, vamos apostar nessa aqui.” Deve ter sido em julho, nós colocamos o que? Cinco sondas para furar. Por que cinco sondas? Eu até fui criticado nessa época, porque tinha julgado muito pesado um alvo. Falei: “Gente, cinco sondas! Eu tenho na realidade três trabalhando, porque duas com certeza pode quebrar. Nessa época as empresas de sondagem não tinham mais... não tinham a eficiência que tem hoje. Depois eles compraram equipamento, aproveitaram também da abertura, e compraram equipamentos fora, mais modernos. Mas naquela época tinha equipamento antigo. Então a gente tinha sempre de contar... você tem três sondas, na realidade você tem uma. Se você tem cinco, na realidade você tem três. Tinha de ser, essa matemática não fugia de jeito nenhum. Resultado: conseguimos fazer três furos. Duas quebraram mesmo. E os três furos pegaram a mineralização de cobre, de alto teor, quer dizer, foi aquele...
P/1 - Os três furos?
R - É. E as informações vazaram, (risos) e a imprensa fez aquele escarcéu danado, que Carajás ia ser... a Vale ia ser privatizada, e Carajás não tinha sido valorado, quer dizer, o preço da ação de mercado, poderia vir novas recusas, quer dizer, estava entregando uma riqueza para o estrangeiro, que ia se falar que era estrangeiro, tal. Que naquela época quem estava mesmo para comprar a Vale era o grupo da Anglo American. Você se lembra que houve uma reviravolta no último... Anglo American no dia do leilão. Então, todo mundo pensava que de fato era ou Votorantim, doutor Ermírio, né doutor Antônio Ermírio. Ou Anglo American. Então, isso aí... Então o que que aconteceu? Para se poder viabilizar a privatização, foi feito um acordo, um contrato de risco, assinaram um contrato de risco com o governo, através do BNDES, o BNDES representando o governo, que garantia ao governo 50% das áreas ainda a pesquisar de Carajás, quer dizer, o resultado da pesquisa dessas áreas era do governo, 50%, do BNDES, e 50% da Vale do Rio Doce, quer dizer, aquelas áreas que já tinham sido cubadas reservas, por exemplo, minério de ferro, o níquel do vermelho, o manganês do azul, isso aí não, já era conhecido, já tinha sido valorado na própria ação de mercado, valor de mercado da empresa. E essas novas, que poderiam surgir, então foi feito assim, quer dizer, se surgir, o governo tem 50%.
P/2 - Sempre ou tem um prazo?
R - O contrato está previsto por cinco anos, mas ele pode ser prorrogado por dois anos. Eu acho que esse contrato é o seguinte: na realidade, esse negócio de prorrogação não vai... a tendência é você acertar uma associação aí, direta, porque saindo uma jazida, como vai sair essas duas, que já estão praticamente identificadas, a 118 e a Cristalino. O tempo até a avaliação vai ultrapassar o prazo inicial do contrato, que vence o ano que vem. É, aí já pode ser prorrogado por dois anos. Está certo? Está previsto no contrato. Então, eu acredito que ele vai ser prorrogado, porque interessa às duas partes. Agora, voltando ao negócio da Docegeo, quer dizer, o contrato de risco, ele foi o melhor negócio para a Docegeo. Quer dizer, o resultado do Alemão, mais um resultado da empresa, garantiu praticamente o futuro da empresa, né? Porque com o contrato de risco a empresa de pesquisa da Vale é a Docegeo. Então, nisso aí eu acho que... duas vezes resultados que nós conseguimos garantiram a sobrevivência da empresa.
P/1 - A sobrevivência futura?
R - É, a sorte foi que o alemão era de fato magnetita com calcopirita, e serviu naquele momento ali de que fosse possível a assinatura de um acordo desse tipo, que esse acordo é de fato... foi muito importante para a empresa.
P/1 - Uma coisa: qual que é a... essa relação da Docegeo com a Vale, como ela foi ao longo dos anos, como ela se deu? Quer dizer, tinha alguns momentos que a Docegeo se sentia separada da Vale, uma empresa... como é que essa relação se deu?
R - Olha, a Docegeo sempre teve uma vida própria, mas assim, vida própria entre aspas, porque ela é uma empresa controlada, da Docegeo, a diretoria administrativa da Docegeo sempre foi diretor da Vale do Rio Doce, nunca foi, a exemplo da diretoria técnica, saiu do corpo. A diretoria administrativa sempre foi da Vale do Rio Doce, ela nunca abriu mão disso, quer dizer, tinha a parte administrativa, e a gente sempre seguiu as orientações, as normas, tudo, interna, na Vale do Rio Doce, é a mesma nossa. Então, existia uma simbiose, apesar de ser empresa separada, controlada, mas tinha uma proximidade muito grande, principalmente com a diretoria de desenvolvimento. Superintendência de desenvolvimento, a antiga SUDES, sempre trabalhava muito em contato, mesmo o próprio quilômetro 14, tecnologia, a gente sempre tinha um contato com o pessoal, eles participavam dos nossos projetos, quer dizer, existia. Agora, sempre teve um atrito aqui, outro ali, com área de produção, isso eu acho que é uma coisa normal, né, isso não tem... não teve, assim, maior significado, no meu ponto de vista, eu acho que não chegou não. Agora, uma coisa é certa: se a Docegeo não tivesse apresentava resultado, ela não existiria mais. E ela apresentou bastante resultado. Eu acho que foi um bom negócio para a Vale.
P/1 - Eu esqueci de perguntar uma coisa, em relação a isso: no comecinho você falou da formação dessa cultura da Docegeo. Você poderia contar um pouquinho mais sobre isso, que cultura, como o senhor identifica essa cultura da Docegeo?
R - É de conhecimento, né? Como eu falei, nós treinamos, trouxemos consultores, criamos uma cultura própria, né? Que a Docegeo, hoje, ela não deve nada a essas outras empresas aí estrangeiras, por mais importantes que sejam, a Docegeo, em termos de pesquisa geológica, ela tem todos... ela domina todos softwares, toda a metodologia. Então, ela é respeitada no mundo geológico, internacional. Então, isso aí foi criado com o treinamento, aquilo que eu te falei no início, e o pessoal, o empregado, apesar do salário ter sido sempre aquele salário de estatal, aquela coisa toda, achatado, mas a satisfação era muito grande, porque a gente via que a diretoria estava investindo na pessoa, em termos de treinamento. Isso não tinha problema nenhum, visita a minas para você atender, aprender, trazer novas tecnologias para dentro. Isso sempre foi uma coisa muito forte na Docegeo. E com isso ela adquiriu uma cultura própria diferente das outras empresas brasileiras. Nós introduzimos aqui no Brasil a geoquímica de solo, geoquímica de sedimento de corrente, principalmente a de sedimento de corrente, não era conhecido aqui. Nós introduzimos isso aqui. E hoje a gente está a par e passo com as outras empresas, em termos de conhecimento, em termos de domínio da tecnologia de pesquisa, softwares de alta resolução, levantamentos aéreos geofísicos de alta resolução, nó estamos usando os mesmos que todo mundo usa. Isso aí criou, interno, aquele negócio do amor à camisa, né? Isso é muito forte dentro da equipe técnica da Docegeo. Porque o cara, ele está vendo que ele está sendo treinado, sendo preparado, e se por um caso um sai da empresa, eu tenho certeza que ele não teria problema de arranjar uma colocação fora, porque ele vai sair um geólogo muito bem treinado. E a gente não tem... dificilmente a gente tem, assim, por iniciativa própria o cara sair da empresa, um geólogo sair da empresa, ir para o mercado, não tem. Sai quando de fato você tem uma redução qualquer de quadro, como aconteceu no passado. Isso acontece. Agora, o cara da empresa sair... somente alguns saíram para ir para a Universidade, para fazer pós-graduação, como aconteceu recentemente com o Luís, que pediu para sair para isso, a Maria do Carmo também. Mas sai mais para... aquele negócio: “Eu quero fazer um doutorado.” Aí, bom, aí tudo bem, aí é opção. Mas sair para ir para outra empresa, não temos isso, né?
P/2 - Você pode sair, conseguir uma licença, alguma coisa, para fazer um doutorado...?
R - Olha, no passado sim. Hoje, a gente não está usando mais. Porque não tem sentido, o cara precisa sair para um doutorado, sai muito tempo. O cara vai sair dois, três anos. Então, ele sai fora, ele se afasta da cultura da empresa, quando ele chega de volta, ele encontra totalmente diferente, e a contribuição dele... a gente prefere ou contratar o cara já doutor, ou então ir no mercado, numa consultoria, especialistas, e... Então, investimos mais em cursos de pequena duração. Visitas técnicas, cursos de pequena duração, que são também muito importantes para geólogos. E dar todo apoio para o cara que quer sair, que quer ir para a Universidade, para fazer um mestrado, um doutorado, tudo bem. Quando voltar, se tiver um espaço no quadro, tiver uma vaga, ele entra, ele é convidado, se ele for de fato um profissional que a gente... Que às vezes o cara sai, e não é aquilo que a gente está querendo. Existe isso na empresa, eu acho que está correto, tem uma reação muito boa do quadro. A empresa dá todo apoio que é possível hoje em dia, em termos de segurança de trabalho, a gente está sempre atento, e dando todo... O cara vê que a empresa está preocupada com ele no mato, né? Comunicação, estamos investindo muito em comunicação. Isso aí, essa cultura, mais no investimento da pessoa, que faz com que? Que é o amor à camisa, né? A pessoa passa a gostar.
P/1 - Como é o seu cotidiano de trabalho hoje, seu dia a dia?
R - Meu dia a dia... eu tenho a base, o meu escritório é lá em Santa Luzia, no quilômetro 14. Vamos dizer que eu fique uns 15 dias por mês e 15 fora.
P/1 - 15 dias?
R - É, pelo menos é a minha meta, eu quero é atingir essa meta. Ainda não estou nela não, mas agora com o... aqui em Carajás parou de chover, quer dizer, o pico de chuva vai ser... o pico de trabalho vai começar agora. E requer uma presença maior nas frentes. Eu quero manter isso aí. Se for possível fazer o... porque é bom estar acompanhando. E a gente também tem outras áreas de atuação fora de Carajás. Tem no rio Capim, pesquisa de caulim, tem lá em Alagoas, em Arapiraca, pesquisa para cobre e ouro. Nós temos ali na região de Riacho, Baixada do Norte de Minas, Porteirinha, ali, nós temos um projeto bom para zinco. Nós estamos desenvolvendo um trabalho lá também, quer dizer, o negócio é muito abrangente. E para estar presente a gente precisa de ir, né? Então, eu acho que até a média vai ser maior, porque tem muita coisa, né? Se eu conseguir essa média de 15 para 15 não é ruim não. Porque você não pode também sair fora, que você tem muito documento para assinar, que depende da sua assinatura, da sua presença lá. Reuniões com pessoal de Vale, de DNPM em Brasília, está sempre se movimentando, é a parte legal, que você tem também de ir olhar.
P/1 - O senhor ainda vai para acampamento?
R - Vou. Eu gosto muito disso. É a hora... eu acho que é o prêmio.
P/1 - É o prêmio!
R - (risos)
P/2 - Vai para acompanhar, para verificar o andamento dos negócios...?
R - Ah, sim, e também fazer algumas correções que tiverem, você tem de olhar como é que está o cronograma de trabalho, tem de acelerar aqui, tem de olhar... chamar a atenção para essas coisas, porque a gente tem que trabalhar com... final do ano a gente tem... não pode perder isso de vista, no resultado que tem de apresentar, né? Tem que estar sempre ligando, porque o pessoal... o trabalho é muito intenso, e é bom que tem esse tipo de conversa para fazer algumas correções: “Olha, abandona isso aqui, que não está dando, vamos priorizar aqui, tal.” Isso eu, os gerentes, tem três gerentes, tem o Claudio Magalhães, que é o gerente de reconhecimento e prospecção, que é a fase inicial da pesquisa, né? Tem o Gilberto Mansur, que é pesquisa de avaliação, que é a fase final que pega para poder avaliar o depósito. E tem também o Lineu, que é a parte de geologia, quer dizer, ele é um cara... é um expert em geologia, então ele ajuda, principalmente o Cláudio Magalhães nessa parte de desenvolvimento, treinamento, olha os projetos, olha como é que estão os mapeamentos, quer dizer, ele ajuda muito nessa parte aí, tá? Então, estamos com três gerentes, e eu, e a gente vai para o campo mesmo.
P/2 - Qual que é o quadro? Quantos geólogos, tem geofísicos...?
R - Olha, nós temos um especialista, tem um geólogo que é geoestatístico, o Edson. Nós temos o Ricardo, que é o meu irmão, que é engenheiro de minas. Nós temos o Florivaldo, que é... Florivaldo e Célio Barreira, que são geofísicos, geólogos, com especialidade em geofísica. O Monte Lopes, que é geoquímico, ele é um geólogo com especialidade em geoquímica, aliás um dos melhores do Brasil. Célio Barreira e Monte Lopes com certeza teriam colocação em qualquer empresa internacional, pelo conhecimento, pelas pessoas que são, compreende? E... temos os gerentes que eu te falei, esses três, que são também, cada um na sua especialidade, na avaliação, o outro é na fase inicial, tal, e o outro é de geologia. Temos os chefes de projetos, que são os geólogos que vão comandar aquela... nós chamamos de projeto, determinada região, e vai cobrir aquilo lá, vários alvos, tem alguns geólogos trabalhando com ele, ele é o chefe imediato dessa turma aqui. São os chefes de projeto.
P/2 - Quantos?
R - Hoje nós temos Caulim, Arapiraca, Zinco, Parauapebas, Itacaiúnas, Serra do Rabo, Aquiri, Cristalino, 118. Nove. Nove chefes de projeto. O número de geólogos hoje... 52, 51, 52, francamente eu estou ainda em dúvida se já foi efetivada a última contratação. Técnico de mineração a gente tem também em torno de 50. Que técnico de mineração é um ajudante especial do geólogo. É fundamental. Técnico de geologia ou técnico. Nível médio, né? Tem uma importância capital na pesquisa, tá?
P/1 - Chico Luz?
R - É o Chico Luz. Dos mais antigos aqui de Carajás, né? Então, isso aí gente, eu não sei se... acho que eu não sei se ficou bom não.
P/2 - Está ótimo. Mas espera aí, vamos perguntar mais uma coisa.
R - Tá. (risos) Está ok. A noite é criança. (risos)
P/1 - Não, a gente queria voltar um pouquinho para a vida mais pessoal, o seu cotidiano de lazer, o que que o senhor faz...?
P/2 - Sua família...?
R - Olha, eu... hoje, em termos de lazer, em termos de exercício, eu estou muito... sou um irresponsável, tá? Eu estou vivendo para o trabalho, né? Na realidade, eu não estou tendo... não estou dando minhas caminhadas, parei de dar as caminhadas, não sei por que, acho que porque esfriou em Belo Horizonte, eu parei. Não posso, estou começando a engordar. Você vê, o meu apelido em Ouro Preto era Sansão. Eu era magrinho! (risos) E hoje eu estou gordo, você imagina como é que eu estou... estou me sentindo gordo! É, isso mesmo. Então, tenho de andar. Agora, diversão minha: cinema, gosto muito de teatro, gosto muito de shows, principalmente de violão, uma coisa mais... não aquelas... (risos) aquelas loucuras não, uma coisa mais...
P/1 - Tranquila.
R - Tranquilo. Gosto... Sou antes de tudo atleticano, é a minha religião, Atlético Mineiro. Hora que tem jogo eu estou lá, não perco. Se eu estiver em Belo Horizonte eu vou.
P/1- Vai ao estádio e tudo?
R - Se eu falar que eu estou sofrendo muito ultimamente, né? (risos) Não pode falar Corínthians comigo não, que eu já fico meio arrepiado. E aquilo que eu te falei, gosto de pescar, mas não tenho pescado, eu acho que está faltando isso para mim, eu acho que, assim, a água, ela me dá uma tranquilidade muito grande, sabe? Engraçado, eu gosto muito disso. Não gosto de nadar, tudo quanto é médico manda eu nadar, eu detesto nadar. Sou indisciplinado em termos de alimentação, como qualquer coisa, qualquer hora, adoro um chocolate...
P/2 - E a família, os filhos...?
R - A família... Sou casado, eu casei em 1974, lá em Belém. Foi até interessante o meu casamento, foi o seguinte: o primeiro... quando eu encontrei a Angélica, eu tinha chegado do mato, e o Décio, era o meu amigo, ele estava lá, então ele... nós estava bebendo na casa dele lá, ele falou assim: “Olha...” Estava eu e o Roberto Gomes, ele falou assim: “Olha, hoje eu vou levar minha namorada no baile lá do Iate.” Eu morri de rir, né, porque o Décio ter uma namorada, ele não era de namorar. Ele falou assim: “Não, mas é sério.” E eu estou precisando de dois amigos aí, porque vão duas amigas com ela. Eu falei: “Ah, amigo é para essas coisas, né?” E aí foi, eu fui, e uma das amigas era a Angélica, né? Aí eu conheci a Angélica... O Décio, engraçado, ele conheceu a Sandra no reveillón, e casou em julho.
P/1 - Casou em julho?
R - É. Ele é elétrico. Casou em julho, pronto. Deu muito bem, tem uma filha maravilhosa. Ele morreu, morreu tem pouco tempo, cinco anos atrás. Ele era alemão, esse corpo alemão, eu batizei o corpo alemão em homenagem a ele.
P/1 - Ele era alemão!
R - Ele descobriu o salobo, trabalhou também... o resultado dele deu... o Igarapé-Bahia, a anomalia de ouro que ele encontrou, mais tarde foi desenvolvida a mina de Igarapé-Bahia, quer dizer, era um cara que tem uma participação na pesquisa de Carajás muito grande. Então, o... aí fomos! Aí pronto! Dois anos depois eu casei também. E ele foi meu padrinho, ele e a Sandra foram meus padrinhos. Em 1974. Então, eu tive três homens lá em Belém, três filhos homens: o Bruno, que nasceu em 1975, está fazendo engenharia civil, lá em Belo Horizonte. O Thiago, que nasceu em 1978, está fazendo publicidade e propaganda. Eu quase caí duro quando ele falou para mim que ia fazer publicidade e propaganda. (risos) Eu falei: “Eu sei que você é criativo, mas vai ser criativo assim! Você está exagerando na criação, né?” (risos) “Não, não, eu quero é isso.” Está lá. E tem o Pedro, que tem 13 anos, que está ainda no secundário agora, né? São todos eles paraenses...
P/2 - E moram com você?
R - Ah, é uma família... eu sou apaixonado por eles, né? São sensacionais, para mim é... grupo muito bom. Agora, lazer mesmo é isso que te falei, eu gosto muito de viajar, gosto de dirigir, pé fundo, compreende? Agora eles criaram uns radares aí que estão me deixando muito contrariado. (risos)
P/1 - Queimar o carvão no motor?
R - Quando eu morava em Belém, eu saía de Belém e ia para Belo Horizonte de carro! De carro. Os meninos eram pequenininho, né, e a gente ia de carro. Mas não parava para almoçar não. Então, a gente fazia... saía de Belém cinco e meia da manhã, por exemplo. Aí a gente ia dormir em Gurupi do Goiás, são 1.500, quase 1.600 quilômetros. A gente fazia o seguinte: levava lanche, banana, esse negócio todo. E para distrair os menino eu ia brincando com eles: “Ah, vamos apostar caminhão. O caminhão meu é azul.” O outro escolhia. Então, na época, tinha um punhado de caminhão azul, né? E o Bruno pegava o azul. Ele é mais velhinho, então falava: “Não! Azul.” “Então o azul é seu.” Então ganhava de goleada da gente, contando caminhão. E ia naquilo contando caminhão, ele dormia, voltava: “Vamos contar...” “Vamos. Agora vamos contar volkswagen. Quantos volkswagen vão passar?” Tanto, tanto, tanto. Só podia... só valia de lá para cá. E com isso a gente ia... só dormia em Gurupi, chegava à noitezinha em Gurupi de Goiás, e no outro dia ia para Brasília. A minha cunhada mora lá, a gente passava uma semana com ela, depois ia para Minas Gerais. Então eu gosto muito de dirigir, sabe? 200 quilômetros é ficha para mim, é ali mesmo. (risos) 3 mil quilômetros de Belém a Belo Horizonte. Ia para Fortaleza de carro também e voltava, passava as férias, às vezes eu ia de férias para Fortaleza. Porque Belém você tem as praias lá, mas às vezes é muito caro. Às vezes valia mais a pena você alugar um apartamento montado lá em Fortaleza, do que passar as férias em Salinas, por exemplo, que é a 200 quilômetros de Belém, uma cidadezinha muito pequena. Que é muito caro o aluguel de casa, né? A gente ia para Fortaleza. E é muito bom, me apaixonei também por Fortaleza, sempre que eu posso eu vou para Fortaleza, sabe, eu gosto demais de lá. Praia do Nordeste é outra coisa, né? É uma beleza. Natal também é muito bonito. É isso aí, eu gosto de andar, gosto de estar aí. E nas horas vagas festejar a vitória do Galo. (risos)
P/1 - Armando, nessa sua trajetória de vida, sua história, se o senhor pudesse começar de novo e pudesse mudar alguma coisa, o senhor mudaria?
R - Não, não posso me queixar de nada. Eu acho que eu fui... aquilo que eu falei no início, que eu me considero uma pessoa de sorte. Primeiro que a vida profissional, né, eu comecei como recém-formado e cheguei a diretor, numa empresa sensacional. Só tive coisa boa lá, amizade, não tem nada que... no meu relacionamento dentro da Vale do Rio Doce, só tenho amigos. Quer dizer, na vida profissional eu estou mais do que realizado. E na vida afetiva também, estou casado já há 26 anos, tenho três filhos que são... não têm vícios, são responsáveis, eu acho que isso aí é o que... E o principal, né? Eu tenho pai e mãe vivo até hoje. Com 91 anos meu pai, minha mãe com 84, e lá na labuta lá, dando, e um com ciúme do outro até hoje. É, impressionante isso aí. Quer dizer, eu não posso me queixar. Eu, lógico, se pudesse começar tudo de novo, eu ia começar a mesma coisa, não ia mudar nada não. Se me desse a opção de escolher, porque eu me considero uma pessoa de sorte.
P/1 - E daqui para a frente? Sonhos, futuro, projeto...
R - Olha, daqui para a frente a preocupação são os filhos, segurança... segurança de... não financeira, financeira tem também, mas isso aí a gente sempre dá um jeito, né, está certo? Está vivo, tendo saúde. Mas a gente se preocupa mais... passa a ser a sua preocupação, não é sua, essa preocupação passa a ser de filho, né? Como imponderar... aí entra o imponderável, né? Você liga a televisão, ela vai celebrar o que estão fazendo com as crianças hoje, falando que não existe emprego, que não sei o que, eu acho isso uma grande sacanagem. Vem cá, existe sim. Se o cara é bom, ele arranja emprego. Pode ser que eu esteja errado, pode ser que eu esteja ofendendo alguém aí. Mas eu tenho a impressão se... aquele que... quando a pessoa lutar por aquilo que quer, ele chega. Agora não pode é incutir na juventude... é tirar a esperança das pessoas, pô, não pode ser isso. Você tem uma juventude aí, tem meninos que eu conheço que são totalmente desnorteados, não sabem... “Não, não vai ter não.” Mas como não vai ter? Tem, o Brasil é muito grande. Tem de ter. Eles estão tirando a esperança da juventude, isso não pode, tem de dar injeção disso. Eu procuro fazer isso nos meus filhos, falar: “Olha, não, te prepara que você vai conseguir alguma coisa sim.” O que que é isso? As pessoas que estão morrendo vão ser substituídas. Que que é isso? E o país vai crescer, né? Vai crescer, vai ter mais... tem de ter. Isso é fase que a gente está trabalhando. Quando liga a televisão, está lá: “Ah, não tem emprego.” Ah, eu acho uma... E o jovem está indo nisso! Está indo nisso. Estão tirando a esperança. Tem de dar a perspectiva de uma esperança. Eu tinha, quando eu era estudante, a gente sabia que a gente ia ter emprego, a gente ia lutando: “Não, se eu fou procurar eu acho.” Não tinha toda hora eu falando lá comigo lá: “Ah, porque não tem emprego...” Não tinha ninguém disso não. Falava: “Não, fulano está...” Você ficava surpreso quando o cara estava desempregado, né? É lógico que é outra situação econômica, eu não quero... lógico, seria muita infantilidade minha querer fazer uma comparação das etapas. Mas a gente tinha esperança. Eu tinha esperança de vencer na vida, a gente queria... que você trabalhasse. Estão tirando isso da juventude. Você lê qualquer artigo: “Não, porque não tem, não tem, não tem... É o homem virtual, não sei o que, a máquina vai ocupar...” Gente, o que que é isso? Parar com isso, né? Vamos falar, não vamos esconder nada não, mas também não pode ser terrorismo como está sendo feito, eu acho. Eu acho que está sendo feito terrorismo. Nossa juventude aí está totalmente... se não tem um pai lá para chegar e começar a conversar, entra para a droga, entra para qualquer coisa, perde a esperança. E uma pessoa sem esperança não... né?
P/1 - Vou fazer uma última pergunta para o senhor: o que o senhor achou de participar desse projeto de memória da Companhia, e dar o seu depoimento?
R - Olha, ao mesmo tempo que a gente se sente velho, aquilo que eu falei com você antes lá no café, (risos) quando você está sendo um arquivo vivo é preocupante, né? (risos) Vi entrevista com o Cartola, depois o Cartola pifou, entrevista não sei com quem, Noel Rosa, e... (risos), não é? Mas tirando isso tudo, essa brincadeira, eu me sinto é lisonjeado de ter participado, gostei muito. Espero poder ter contribuído, porque eu sei que isso aí vai ser feito triagem, e eu sei que tem outras pessoas que poderiam dizer muito mais do que eu, com mais autoridade inclusive. Mas eu gostei de participar, porque sentado aqui eu revi, revivi tempos que às vezes até já estava apagado na memória, né? Mas que fizeram parte da minha vida. É isso aí.
P/2 - Muito obrigada.
R - E eu que agradeço a vocês, né?
P/1 - Muito obrigado.
P/2 - Bacana.
Fim da Entrevista
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