Projeto História das Profissões em Extinção
Depoimento de Jorvalina Maria dos Santos Monroe
Entrevistada por Cláudia Leonor Santos e Priscila Perazzo
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 9 de outubro de 1996
Realização Museu da Pessoa
Entrevista nº 08
Transcrita por Márcia Maria Guedes de Azevedo Oliveira
P - Bom, para começar a entrevista diga seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R - Jorvalina Maria dos Santos Monroe, Vila Ré, Penha. A data de nascimento, 29, 20 de setembro de 1924, eu sou assim, 29 de agosto, mas não havia escrivão, meu pai registrou um ano depois, então tenho 73 anos, mas na idade, registrado um ano depois, estou com 72. P/ 1 -Por que ele fez isso?
R - Não havia escrivão naquela cidade, era muito longe para levar, então quando tinha dois filho, três, ele saiu tudo junto. (riso) Eles pagavam uma multa e registrava quando ia na cidade.
P - Como se chamava seu pai ?
R - João Martins dos Santos.
P - E sua mãe...
R - Rosália Maria de Jesus.
P - Em que cidade a senhora nasceu?
R - É Bom Repouso.
P - Onde fica?
R - Minas Gerais.
P - Sabe o nome dos seus avós?
R - Sei, Firmino, Alemão Firmino Teodoro, não sei se Ferreira, sobrenome bem assim não lembro, né, eu lembro que era o avô Firmino Teodoro Ferreira, é Ferreira mesmo. E a minha avó era Maria de Jesus, italiana, muito bonita minha avó. (riso) Aí, eu não sei, a gente quer bem, agente acha bonito, né, chamava Maria, Maria Teresa de Jesus.
P - Era por parte de mãe?
R - É da minha mãe, é.
P - E por parte de pai?
R - Parte do pai, era o meu avô Firmino. Pai e mãe da minha mãe era Firmino e Maria Teresa, agora, do meu pai era Martins, espanhol, Martins Pedro dos Santos e a avó chamava Vitalina Maria dos Santos.
P - Como era o lugar aonde a senhora nasceu?
R - Ah, o lugarejo lá era, é uma vila assim, no começo tinha 70 casa, uma rua comprida, outra rua assim, só tinha uma rua de comprido,...
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Depoimento de Jorvalina Maria dos Santos Monroe
Entrevistada por Cláudia Leonor Santos e Priscila Perazzo
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 9 de outubro de 1996
Realização Museu da Pessoa
Entrevista nº 08
Transcrita por Márcia Maria Guedes de Azevedo Oliveira
P - Bom, para começar a entrevista diga seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R - Jorvalina Maria dos Santos Monroe, Vila Ré, Penha. A data de nascimento, 29, 20 de setembro de 1924, eu sou assim, 29 de agosto, mas não havia escrivão, meu pai registrou um ano depois, então tenho 73 anos, mas na idade, registrado um ano depois, estou com 72. P/ 1 -Por que ele fez isso?
R - Não havia escrivão naquela cidade, era muito longe para levar, então quando tinha dois filho, três, ele saiu tudo junto. (riso) Eles pagavam uma multa e registrava quando ia na cidade.
P - Como se chamava seu pai ?
R - João Martins dos Santos.
P - E sua mãe...
R - Rosália Maria de Jesus.
P - Em que cidade a senhora nasceu?
R - É Bom Repouso.
P - Onde fica?
R - Minas Gerais.
P - Sabe o nome dos seus avós?
R - Sei, Firmino, Alemão Firmino Teodoro, não sei se Ferreira, sobrenome bem assim não lembro, né, eu lembro que era o avô Firmino Teodoro Ferreira, é Ferreira mesmo. E a minha avó era Maria de Jesus, italiana, muito bonita minha avó. (riso) Aí, eu não sei, a gente quer bem, agente acha bonito, né, chamava Maria, Maria Teresa de Jesus.
P - Era por parte de mãe?
R - É da minha mãe, é.
P - E por parte de pai?
R - Parte do pai, era o meu avô Firmino. Pai e mãe da minha mãe era Firmino e Maria Teresa, agora, do meu pai era Martins, espanhol, Martins Pedro dos Santos e a avó chamava Vitalina Maria dos Santos.
P - Como era o lugar aonde a senhora nasceu?
R - Ah, o lugarejo lá era, é uma vila assim, no começo tinha 70 casa, uma rua comprida, outra rua assim, só tinha uma rua de comprido, que ia até uma igreja, Nossa Senhora do Rosário e depois voltava até a igreja São Sebastião, uma rua assim, outra que vinha assim. Então, mas era gostoso, tudo ali era fazenda, tudo mundo era fazendeiro. Meu tinha um comércio 9 porta, tinha de tudo era, como que fala, quando tem tudo tem açougue, tem fazenda, tem sapato, tem ferreiro, é uma loja assim, mercearia, mas no Interior eles falavam armazém, tinha de tudo. E tinha fazenda, a gente fazia queijo, fazia, torrar café né, fazia tudo na roça socar arroz é aquela vidinha de roça, passava o dia você não via, só que o dia era uma semana, uma semana era um mês, quando chegava domingo, que delícia, o domingo era tão longo, hoje não, hoje, você começa a semana hoje, amanhã já é domingo.
P - Durante a semana, o que fazia no dia - a - dia?
R - Eram em 18 irmãos, era 14 irmão, tinha um que a minha mãe criava, meu pai e minha mãe em 18, era o dia todo lavando roupa e levar comida na roça. Deixava quarando e ia na roça, o dia inteiro, jogava água e ia embora, fazia isso, depois apanhar couve, batata ajudar meu pai estalagem de fumo, tinha mutirão de estalagem de fumo, estalar fumo é que nem couve põe uma folha em cima da outra, em cima da outra, depois põe no poleiro, daí passa uma semana já está sequinha, vai para o cilindro, que nem cilindro de poço, conhece e ali vai enrolando o fio, daí enrola, toda semana enrola e põe açúcar preto. Daí enrola põe na lata e o fumo fica, chama fumo especial, o macaio não vai na lata, se não o fumo macaia é ruim para chuchu. (riso). É gostoso, daí o mutirão era uma turma de gente, muitas pessoas conhecidas e quando eles também iam fazer o fumo, a gente ia para a casa deles também. A noite inteira o assunto é casa de assombração, para ir na dispensa pegar açúcar fazer café, ia em quatro, cinco, ninguém queria ir na beira, todo mundo queria ficar no meio. Assombração era direto, se a gente não estava falando de assombração, estava ouvindo o barulho, era demais, o assunto era assombração direto. Quando você saía na rua aquela luz fraquinha, a gente só queria ficar no meio, via uma barulhinho, se um gato passasse, já quase desmaiava, assombração era demais. O assunto era só isso, era assombração, não havia outro, (riso) mula - sem - cabeça, tanta coisa. (riso)
P - E tinha histórias assim de ...
R - Histórias, assim de fazendeiro mesmo, de boi, assim que nem O Rei do Gado, um tem tantas cabeças de gado, o outro tem, meu pai tinha muitos porcos, as criação da casa do meu pai era tudo de raça. A vaca dava 20 litros de leite, a pessoa não acreditava, ia lá falava: "Não, vocês enchem de lata dágua os litro de leite. (riso) Depois minha mãe chamava a pessoa para vim ver, tirava sem (porjar?) o bezerro, tem que por o bezerro para mamar uma vez, chama (porjar?) então daí tirava o leite enchia, quando enchia a lata até na boca de 20 litros, daí minha mãe punha o bezerro para mamar, daí tirava uns cinco litro ainda. E daí aquelas vaca lá ela vendia por 500 cruzeiro, era um dinheirão 500 cruzeiro, era uma notona assim de 500 cruzeiro, era 500 mil-réis, né, que falava, 500 mil-réis. E dinheiro para a gente fazer compra, era uma placa de vintém igual de jogar ______, era uma chamava vintém, a gente ia comprar assim, em vez de falar assim um quilo de arroz, a gente falava que era uma arroba, uma arroba era um, vinha no caixão, não havia papel, saquinho, nem nada. Então, existia aquele caixão de quatro, a sacola era o picuá de pano, era diferente, hoje é tudo sacola, papel, era um picuá que a gente fazia, tirar o leite era tão gostoso aquele leite tirado naquelas garrafas branca, uma delícia aquele leite, comer com farinha. Gostoso.
P - Dona Jorvalina, como era a sua casa?
R - Era 21 cômodos, a casa da minha mãe, né, era 21 cômodos, era enorme porque eram muitos filhos, cada um tinha um quarto e a cama era tudo cama assim, cama - patente, que caiu da moda, agora voltou de novo. Era tudo cama - patente. Catre, você não conheceu catre, né?
P - Já ouvi falar.
R - Era, do nosso quarto era tudo catre, do quarto das meninos, que dia de festa dava pensão, era cama - patente e as outra cama tudo era catre. O da minha mãe era uma cabeceira quase da altura dessa parede, antiquíssima, os guarda-roupa tudo antigo, era cidadezinha.
P - Quantas irmãs e irmãos a senhora tinha?
R - Era oito irmãs e quatro irmãos, lá em casa eu ia na escola, eu ia por exemplo, na segunda, na terça ia minha irmã, na quarta ia outro, ia outro, que todo mundo tinha que ajudar no armazém e ajudar na roça, então quando a gente chegava no fim do ano, você não estudou um mês. Então a gente estudava à noite, meu irmão que estudou em Pouso Alegre, o mais velho, então, ele ensinava a gente a noite, até o dia que a gente ia na escola e sabia da lição, a lição que a gente aprendeu. A gente sabia só assim, meu pai falava: "Aprendeu ler, escrever o nome já pode tirar o título de eleitor e casar." Daí, a gente tinha que sair da escola, fez segundo ano, primeiro, leu o ABC inteiro, leu o primeiro ano sai da escola, para ajudar na lavoura. É, só meu irmão que estudou na cidade, ficava no armazém, e a minha irmã que era doceira, ajudava no armazém, nós era tudo serviço pesado. Por isso que a gente essas pessoas que trabalham muito serviço pesado, chega a idade que eu estou, 73 anos com saúde, porque trabalhou desde criança no serviço pesado. Hoje a gente vê a criançada aí novinho não faz nada só assiste televisão, tem 30 anos, já está calvo, já está preguiçoso, está com isso, está com aquilo, né?
P - Qual o seu serviço preferido?
R - Ai, eu gosto de todo serviço, eu gosto de lavar roupa, gosto de passar, gosto de cozinhar, gosto de fazer doce, gosto de criança, eu gosto de tudo, eu não sei o que os outros falam :"Ai eu não gosto de fazer isso.", eu gosto de tudo, tudo o que eu gosto de fazer, eu gosto de fazer em perfeição. Eu gosto de costurar, adoro costurar, adoro fazer flor, fazer desenho. Eu fiz de tudo, quando eu era fotógrafa eu fazia fotografia com o maior carinho, que nem ele falou, e tinha que tirar sem nenhuma sombra, a pessoa tinha que estar com um ar bem bonito, tirava várias chapa. Só que eu não aprendi a chapa de vidro, era ver o lado dela que ela sai a imagem, tinha que tirar duas vezes, uma vez do lado, do outro e o chassis era de madeira enfiava lá dentro, aquela máquina, acho que até em pouco tempo ainda tinha.
P - Como aprendeu a tirar fotografia?
R - Sozinha, todas as coisas aprendi sozinha, desenho, costurar, depois aperfeiçôo fazendo corte e costura, entrei na escola de pintura, mas tudo aprendi sozinha, lendo revista, tem bastante revista de flor que a minha filha manda, eu vou olhando e vou fazendo, mas eu fazia já com a minha mãe, aprendi com a minha mãe, costurar com a minha mãe, fazer flor com a minha mãe, bordar, fazer tricô, tudo com a minha mãe. Minha mãe era, não sei de onde naquele centro de mundo, que não tinha nada para aprender, ela sabia fazer tudo, desde solar sapato, bordar a máquina, fazer tudo, eu falo, minha mãe tinha uma mão de ouro. Também era tão brava, tão brava, que ela piscava os olhos, você já tinha medo, ela fechava os olhos você sabia que ela estava feroz , coitada.
P - Quais eram os costumes da sua casa, a senhora se lembra de algum?
R - O costume é que era em 14 irmão, ninguém podia falar um mais alto que o outro, aquele que falasse uma palavra meio assim estúpida, apanhava de sair sangue da boca, tudo tinha que ser unido, ninguém podia, na hora da mesa, tinha que almoçar tudo junto. Hoje não, uns, já vai almoçar já é aquela brigaiada, já discute tudo. Era tudo silêncio minha mãe ia, rezava muito católica, mas morreu muito crente, ela fazia primeiro a oração e nós acompanhava, depois a gente almoçava todo mundo em paz e agradecia, cada um para o serviço, ninguém descansava. Era meia-noite eu e minha mãe, eu tenho esse costume até hoje, 3 horas eu acordo, fico fazendo desenho, fazendo flor, porque eu acostumei ficar até meia-noite com a minha mãe, fazendo flor e o sono vai embora. Em casa também todos os meus filhos puxou eu, todos eles gosta de trabalhar até tarde aí, chega na minha idade já viu. Só o novo ainda já três horas da madrugada acorda, não dorme mais, fica trabalhando.
P - Quais eram as suas brincadeiras?
R - Ai, minha mãe não deixava brincar, sabe o que a gente fazia? Boneca, porque eu tinha uma boneca, quando era bem criança, o assunto era assombração e toda hora do dia ou da noite era assombração. Então, a gente estava sentado assim numa tarde muito fria, aquele frio mesmo de neve, a, eu tinha uma boneca de porcelana, que havia só de porcelana e estava perto do fogo ela, o fogo evaporou a boneca, chorei tanto, era bem pequena. Daí minha mãe, nunca mais ganhei boneca, ganhei da madrinha, porque naquela época os avós, não podia chamar vovó Maria, vovó Rosália, é madrinha, ninguém queria ser avó, o povo era vaidoso:"Não me chama de vó, eu sou madrinha.", então a gente chamava de madrinha, madrinha Maria, madrinha Rosália, madrinha Vitalina. Padrinho, os avós não chamava de avô, vô Martinho não, era padrinho Martinho, não tinha esse negócio de avó, hoje não, é vovó daqui, dali, né? Naquele tempo o povo era mais enjoado nessa parte, ninguém queria ser velho não, e a velha naquele tempo, elas eram velhas, mas eram jovens, porque é tudo puro, tudo alimentação pura. E eu gostava de ir na casa da minha avó, a gente chegava na casa da minha avó, a primeira coisa que ia fazer é fritar um panelão de pipoca, aquilo era uma delícia, nossa a gente nunca esquece. E no caminho, o lazer era pegar ingá, pegar fruta - do - conde, pegar fruta que dá no meio do mato assim, tudo quanto é tipo de amora do campo que é uma delícia, joá, gabiroba, era uma delícia passear, porque a gente ia no meio do campo pegando comida, pegando fruta, para comer. E o lazer lá era brincar de cirandinha a noite, cabra cega, ver a criançada brincar, até hoje eu brinco no meio, Faz aniversário das netaiada, eles estão pulando corda, eu vou lá e pulo corda junto com eles, eu pulei mais que a minha neta, pulei até 20. A minha netinha fica: "Ai vó" Eu entro na corda pulando sabe, e todas minha neta que vai casar, faz festa de casamento, muitas faz por farra, aquela lá prepara tudo dá o convite para você ir na, no casamento, leva isso, leva aquilo, não sei como é que chama esqueci.
P - Chá - de - cozinha?
R - Chá - de - cozinha, então eu, não tenho nada para (cumprimentar?) e eu jogo laranja, sei jogar laranja de três, de cinco, então vou jogar laranja... e todas elas que casam, chá -de - cozinha estou eu lá jogando as laranjas. Eu gosto de brincadeira, contar história, então. Eu sei de tudo eu sei fazer um pouco de mágica.
P - Com quem aprendeu essas coisas?
R - Ah, vendo no circo, eles jogar, né, pôr chapéu na cabeça, jogar laranja aprendi no circo. Então na hora de fazer o suco e a laranja está dura , para amaciar eu ficava jogando, daí a laranja cai, fica macia, (riso) fazia suco.
P - Mas, como aprendia no circo, o circo ia para a cidade...
R - É, eu gostava muito é de tourada, vou contar a história da tourada. Então, o meu pai tinha um boi muito bravo, ficava no retiro, o boi bravo mesmo, bem bravo não vinha, fica lá no retiro, para matadouro, então todo mundo: "Ai, só põe na tourada boi manso, quero ver um boi bravo na tourada, quero ver." Meu pai mandou buscar esse boi bravo mas, a correia que amarra o boi, que eu esqueci como chama, o laço, é enorme, tem mais de 50 metros aquilo ali é que nem de couro puro, então já trazia o boi bravo, pôs lá, naquela gaiola para o boi ficar, naquele cercado. E o circo, fizeram acho, a não sei porque me contaram, minha mãe não deixou nós ir, porque sabia que o boi ia derrubar todo aquele circo, a tourada. Quando o toureiro chegou e veio montar no touro, o touro saiu, derrubou todo o circo, arquibancada caiu tudo, no outro dia todo mundo contava até a cor das calcinhas que as pessoas tinham. (riso) O pessoal virou tudo de perna para o ar, caiu tudo lá, a arquibancada caiu inteira, o boi saiu pulando e vira daqui, dali, saiu. O mais engraçado foi a minha avó, minha vó era que nem eu sabe, eu corro e tudo, a minha vó, viu aquele boi correndo, tinha uma árvore assim, a minha vó correndo e o boi correndo atrás da multidão de gente, saiu tudo correndo quem não ficou machucado, minha vó subiu na árvore, ninguém acredita minha vó subiu. E se o touro fosse ali, meu Deus só foi risada, a história maior foi que a minha avó subiu na árvore, o medo, ela conseguiu subir, subiu e ficou sentada lá e aí vendo o touro correr para lá, para cá. Não machucou ninguém, mas machucou quem caiu lá de cima, né, aqueles picadeiro, muitos caíram em cima de prego, muitos machucaram, mas foi divertido. Minha mãe não deixou ninguém de casa ir, falou: "Não vai porque esse touro vai derrubar a tourada e derrubou mesmo. Mas outra vez a gente ia sempre, sabia que o boi era manso, (riso) não acontecia nada, até as mulheres ia atrás, chega no fim da história, as mulher também estava lá, aquelas mineira muito doida, entrava e ia tourear o boi também, não fazia nada, depois do boi estar mansinho de tanto você vir, né, ele fica manso. Eu sei que eu gostava muito era de tourada, eu não perdia uma, só perdi essa porque meu pai falou: "Esse boi vai derrubar, faz bem feito porque vai cair." E caiu, mesmo.
P - Voltando um pouco ao armazém, conte como eram as prateleiras, o balcão.
R - Ai, as porta tudo de madeira, era tudo de madeira assim, meia porta, você abria a parte de cima, ficava janela, você ia almoçar, se ficasse aberta a janela de madeira, não havia ladrão e de baixo ficava fechado daí quando o meu pai ficava no armazém, meu irmão, que ele estudou em Pouso Alegre, fez faculdade, daí abria tudo as porta, era todas de fechar metade. Eu tinha um avô, ficou doente que ele servia todos, pessoa que era morfético também, é como chama leproso, então meu avô não tinha medo, ele tomava cerveja junto e meu avô montava naqueles cavalo lindos do leproso e minha avó falava: "Você vai ficar doente Firmino.", ele falava: "Você é boba, eu não tenho medo, fica quem tem medo." Então, meu avô montava naquele cavalo, os leprosos acabaram de descer daquele cavalo, estava quente, ele montava e ele pegou a doença. Daí um dia a minha mãe, meu avô já estava muito ruim para morrer, sabe, que caiu o nariz, horrível, cai o dedo, um dia minha mãe prometeu uma surra, quando a mãe batia, batia com a vara de marmelo, cortava todas a perna, depois dava banho de salmoura, daí ela ficava com dó, a gente ficava todinha roxa. Numa briga com o irmão que, ________: "Fulana brigou comigo, me bateu." Daí a gente apanhava, quando apanhava um, se começasse a chorar um apanhava todos. Daí a minha mãe falou: "Hoje eu vou te dar uma surra que vai ficar na história." Eu corri escondi no quarto que o meu avô tinha levantado e cobri com a coberta falei: "Aqui a minha mãe não entra." (riso) Daí o escrivão viu, que era parede dele com a minha casa, o escrivão falou: "Rosália sabe onde é que está a menina que tem medo de apanhar?" Sabia que a minha mãe dava para valer. "Está escondida na cama do teu pai." E a minha mãe me tirou e lavou, deu banho, lavou com álcool e passa álcool e passa álcool, minha mãe fez eu lamber até álcool, graças a Deus que não pegou, né. A gente era criança, faz tudo de medo da mãe.
P - Como era a vizinhança, os coleguinhas...
R - Ah, era tudo fofoqueiro, (riso) tudo criançada assim, a brincadeira tudo inocente, não havia como hoje a malícia de uma criança brincar com uma menina, tem malícia, era tudo assim gostoso, mas a maioria, andar a cavalo, passeio gostoso é andar a cavalo, de tarde jogar peteca, jogar bola, eu tenho esse dedinho quebrado de jogar bola, é bola, é que nem bola - ao - cesto, que nem voleibol, então a gente corria para cá vai pegar e corre para lá, a bola caiu aqui quebrou, minha mãe falou: "Não vou fazer nada, vai lavar roupa do mesmo jeito." Inchou tudo a minha mão, o dedo ficou quebrado, passei uma dor tremenda e se falasse que não ia, ia apanhar até dizer chega. "Está doendo a mão." "Não interessa, não foi na hora do recreio, brincou." Só na hora do recreio que brincava, então você brincou está com o dedo quebrado vai trabalhar, ô dor horrível que era dedo quebrado, inchou toda a mão ficou preta. Ih, naquele tempo nada acontecia de grave, parece que a água, era tudo pura, graças a Deus sarei e fiquei com o dedo quebrado, fiquei com a lembrança do dedinho quebrado.
P - Que outras lembranças a senhora tem da escola?
R - Eu tenho lembrança assim, quando eu namorei com o meu esposo e a minha mãe não queria o casamento, a minha mãe era rica e eles tinha fazenda e tinha que ser rico, tinha que ser muito rico, cada um ganhava um dote de 10 contos de réis, para não ir com a mão limpa, casou com rico, tem que levar dinheiro. E eu firmei o pé, queria casar com ele: "Não, vou casar com o Marciliano mesmo, gostei foi dele." E ela dizia que não e que não, que tinha que casar com homem rico, tinha uns muito rico que queria casar comigo e eu não quis, quis ele, gostei foi dele, sabia vestir muito bem, muito bonito sabe, precisa ver a foto dele. Daí minha mãe falou: "Você vai casar com ele, então não te dou nada." Daí ela não me dava mais nada, tinha armazém, tinha todo tipo de tecido, daí eu fui, tirei, daí tinha um festa ela falou: "Você não vai." Porque ela fez uns três vestidos diferente para a minha irmã mais velha. "Ela falou, você não vai, porque você não vai apresentar bem, você não vai na festa." É congada, festa de catira e eu gostava muito de dançar a catira, porque eles ficam com aquela espada, superlinda a dança de catira, da época, né? E dança de Nossa Senhora do Rosário, eu achava lindo ela falou: "Você não vai, você não tem nem sapato e nem vestido." Falei: "Mas sapato tem na loja, vestido está sobrando, a senhora sabe costurar." "Não, mas você não vai." Porque ela queria que a minha irmã arranjasse casamento, primeiro as mais velhas, depois a mais nova, então por isso que ela não queria que eu fosse. Daí a minha irmã, eu estava na janela muito triste, chorando, chorando mesmo de não poder ir nessa festa, que é tão linda essa festa de Nossa Senhora do Rosário, daí eu estou lá chorando, eu vi passar um cabritinho que passava voando, parecia que era um, tinha eletricidade no pé aquele cabrito de tanto que corria. Chamei meu irmão Valdomiro e falei: "Vardo, vai correndo lá no jogo de bicho, e joga para mim no veado." Eu tinha um, eu tinha mil e duzentos, mil e duzentos comigo de jogo de bicho que eu ganhava, guardado. Ele foi lá e falou: "Só se for em outro bicho, porque todos os bichos está carregado, só o veado que não tem, ninguém jogou." Eu falei: "É nele mesmo que é para pôr um conto e duzentos", não é um conto e duzentos, um e duzentos, mil, mil e duzentos réis. Daí meu irmão foi lá, meu irmão voltou com os dois bolsos todo cheio de dinheiro, eu ganhei 6 contos, 6 mil-réis e era dinheiro toda vida, foi 30 mil-réis, eu ganhei a milhar inteira, eu fiz a milhar e ganhei inteira a milhar, daí deu 6 contos de réis, era dinheiro para chuchu, 30 mil-réis deu. Daí, eu mandei a pessoa lá do escrivão, que gostava muito de mim, sabia que era um, não podia acontecer isso com a irmã, todo mundo que ia na festa ficava enrolando pastel o dia inteirinho, amanhecia a noite fazendo pastel e daí ficava o dia inteirinho fazendo pastel, para fritar durante, acabava a procissão todo mundo ficava para comer: Quer comprar para comer, né, levava para comer no caminho, a criançada, todo mundo vai nos armazém comer. Aí minha mãe falou: "Você vai ficar o dia inteirinho fazendo pastel e temperando carne." Aí a Nenê falou assim, minha amiga, vizinha minha, muito legal mesmo, ela falou: "Deixa que eu vou em Pouso Alegre, compro para você o pano que...", ela levou o figurino, "...você escolhe o modelo, eu compro tudo o que você quer." Então escolhi um par de meia fina, tem aquela risquinha preta atrás, meia bem fina, sapato de verniz que era da moda, estava na revista e eu falei: "Compra (romeni?) rosa e a combinação estampada e faz bem godê guarda - chuva.", ela trouxe o vestido, ficou oito dias (na porta do armário), trouxe o vestido do jeito que eu queria, mandei a medida certa e fiquei com um guarda - chuva de cabo alto com um babadinho na ponta, branco. Eu falei: "Eu vou desabusar", quando estava todo mundo pronto que eu enrolei muito, quando deu meio - dia eu me troquei, meu cabelo era bem preto, que até hoje é, nunca tingi, então meu cabelo bem preto, eu usava muito cachinho, essa Nenê encheu tanto de cachinho meu cabelo, me maquiou direitinho, gostava muito de brinco, me arrumou diretinho, tinha 15 anos, e pus o vestido, quando chegava perto da minha mãe, aquela turma tudo bem vestida, que minha mãe andava só no veludo, meus irmão só no, muito chique. Daí, eu passava perto da minha mãe, eu virava o guarda - chuva para trás, minha mãe ficava: "Quem será essa baixinha que tem o corpo da Jorvalina." Ela me chamava de Jorve. "Tem o corpo da Jorve." A minha irmã falava: "Ah mãe não sei, porque a senhora não fez nenhum vestido para ela, coitada está sozinha naquela casa assombrada." E eu ficava rezando o dia inteirinho, com o terço no pescoço rezando o dia inteiro, de medo de assombração, você ouvia um barulhinho assim, você já achava assombração. Daí a minha mãe falou: "Não é a tua irmã." Ela falou: "Mas mãe tem todo o jeito da Jorve, tem o jeito dela andar serelepe assim, é ela mesma." Minha mãe falou: "Não é, aonde ia comprar roupa? Não tinha dinheiro para comprar o que ela gastou ali." Daí a minha irmã falou: "Não, eu vou lá ver, quem é essa mineira que está aí." Foi lá ver, era eu. "Ai eu não acredito." Daí ela falou: "Vai lá a mãe quer conhecer.", fui lá: "Ah, sua bruaca (riso) como que você fez isso, sua bruaca, eu tenho loja, tem todo tipo de sapato, você vai mandar comprar fora." Eu falei: "Mas a senhora disse que não dava para mim, que não tinha que ir na festa, que era só para a minha irmã que a senhora fez vestido e se eu falasse eu ia apanhar muito, comprei tudo Borda da Mata pronto, na cidade grande, né?"
P - Que cidade era?
R - Borda da Mata.
P - E a Nenê do Zé do Escrivão, que ainda é viva também, ela que fez, planejou tudo, daí eu subi ______ aquele guarda-chuva muito bonito de babadinho branco, alto, cabo grande... (riso) Daí a minha mãe falou assim: "Não ornou nada para você, porque você é morena." e era um rosa bem clarinho. "Não ornou nada para você, orna para tua irmã que é muito clara." Minha irmã puxou minha vó, bem branquinha sabe, eu puxei meu pai que era bem moreno. Daí no outro dia cedinho era missa de São Sebastião, isso foi no sábado, a festa de Nossa Senhora do Rosário e no domingo é a festa de São Sebastião. No outro dia eu estou toda feliz porque vou cedo para a missa, quando eu vou pegar o vestido, não estava no guarda - roupa. Minha irmã calçava 37, eu calçava 35. Daí, não está o vestido, daqui a pouco chega alguém: "Olha, a tua irmã estava na igreja com o teu vestido." Ela pesava 80 quilo, a minha mãe, era um vestido godê guarda - chuva, a minha mãe soltou todo o godê do guarda - chuva, soltou a manga que era bem franzida, (aquela argola?) bem franzida assim com um laço, minha mãe soltou tudo. Ficou ridículo, porque ela é gorda, alta e eu baixinha, feito na minha medida, né, só não pôs o sapato, porque não serviu, a meia ela pôs. Daí todo mundo: "Mas não é possível." Aquele dia ficou na história, aquele vestido ficou na história, eu nunca esqueci, Deus que perdoe minha mãe que está lá no céu, que ela fez uma coisa que eu senti, nunca esqueci. Porque desmanchar o único vestido, que eu fiz do meu gosto. Daí eu falei: "Mãe eu vou desmanchar, vou encurtar..." Ah, daí aconteceu outra, falei: "Tudo bem." Ia ter uma missa daí 15 dias, eu fui no armazém da Dona Norea, já falecida, eu falei para ela: "A senhora me faz um vestido verde que, meu velho gamou, apaixonou mais ainda, vestido verde de gorgurão, colete, estampado aqui na frente e meio godê falei para ela, mas a senhora não deixa, meio centímetro só, porque se tiver dois centímetros a minha mãe ainda vai emendar e vai aumentar para minha irmã, que tem mais de não sei quantos vestido de luxo." E a dona Nora fez. Eu estava lavando roupa na bica, ela mandou entregar, minha mãe foi lá: "Ah, mas com tanto tecido na loja, você foi mandar fazer o vestido." Custou 5 mil-réis o vestido, mas foi lindo mesmo. Daí a minha mãe foi brigar lá e ela revirou o vestido, virou, mediu tudo quanto é centímetro para ver se podia desmanchar e emendar para minha irmã, mas não deu jeito, eu fiz justinho, falei para ela: "De hoje em diante vai ser assim, eu compro de fora." Daí toda a minha roupa, mandava fazer fora e já só na minha medida, nem um centímetro a mais. E se eu for contar a história da minha vida mesmo dava um livro, dá um livro... Ah, e o dia do meu casamento, estava noiva do meu esposo, ele chegou, a minha mãe, ele mandava carta, um ano me mandando carta e minha mãe escondia a carta, eu não percebi, muito serviço, (carcar?) café e no forno, no alçapão e na roça e tanto serviço, não dá tempo de você lembrar de nada de namorado, né? Eu estava aí, falei: " Imagina eu caipira aqui no mato, pé - no - chão e na cidade com tanta moça linda, ele vai querer essa caipira aqui, São Paulo ainda que os outros falavam que tinha tanta manequim linda." Daí eu falei: "É mesmo é, elas também são criança, para quê pensar em casar, quero aprender fazer de tudo, muito bordado, crochê." Eu distraia muito também, nas horas vagas, fazendo crochê. Daí foi assim, a minha mãe, chegou um tal de José Rufino, Geraldo Rufino, muito rico, um dos mais ricos, chegou com dois cavalos, um dele e um para mim, cavalo cor - de - vinho assim, muito gordo, tudo arreado de (cião?) que é próprio para mulher, é (cião?) antigamente. Daí meu pai falou: " João Martins, o noivo da tua filha não aparece." E era para casar dentro 18 dias né, ele chegava para casamento. "Então, vim pedir ela em casamento e caso dentro de 18 dias, se ele chegar, nós estamos casados. "Meu pai já começou a festejar e já solta foguete e já depois champanhe e cerveja para todos que ia chegando no armazém, ficou assim, um contava para o outro: "Vai lá que a Jorva está noiva do mais rico." Daí a minha mãe toda contente já falou: "Já vou te dar os dez conto de, era o dote você vai comprar em Belo Horizonte o enxoval." Aí já mudou de figura, porque ia casar com homem rico. "Você vai para Belo Horizonte comprar enxoval em Belo Horizonte, vamos escolher o que você quiser e você vai casar com o homem mais rico." É aquele costume de gente antigo, querer escolher o casamento. E eu falei para o meu pai: "Eu aceito ficar noiva sim pai, fico noiva do Geraldo, porque meu noivo lá, está gostando de garota ali da cidade, nem lembra se existe eu aqui no mundo." Mal sabia eu que as carta estava tudo escondida, tudo rasgada. Daí quando a minha mãe está lá toda comentando, almoço, já naquela alegria da minha mãe, a minha mãe mudou de figura, daí era vestido, ela falava: "Você pode escolher o pano que você quiser no armazém e vamos fazer tanto vestido, você vai ter que cada dia que sair na rua com um vestido, porque tua irmã que tinha que casar primeiro, mas você vai casar com o Geraldo Rufino, o mais rico, vai ficar famosa. Daí bate palma lá: "Pá, pá, pá". Minha avó vai lá ver, era o Marciliano chegando com o cavalo cheinho de fôrma, com dois cargueiro, com dois jacá cheinho de mercadoria "Rosalinha adivinha quem está aí?" Minha mãe falou: "Ah, quem está aí, tem 24 irmão, vou saber qual deles." O destino ninguém muda, era meu esposo chegando. Daí a minha mãe, chegou ele, minha mãe pôs ele na sala, era hora de almoço, minha mãe falou: "Ó, olha, tua noiva acabou de ficar noiva agora, do homem mais rico daqui, de Bom Repouso." Ele falou: "Ah, a Jova que sabe, nós não estamos casado, não tem problema nenhum, eu volto para minha casa, volto para São Paulo e não tem problema, só que vocês vão assistir o enterro, no dia que ela casar daqui 18 dias, dia 19, vocês vão no meu enterro, porque eu gosto dela e fiz de tudo para chegar aqui." Daí a minha mãe falou: "Agora você escolhe, fica, você vai decidir isso aí." Eu falei: "Ó mãe, é isso mesmo, ele fez tudo para vencer, as carta ele disse que mandou, todo mês mandava carta, foi escondido, por isso eu vou ficar com ele, dinheiro mãe, a gente ganha trabalhando, eu não tenho preguiça a senhora sabe que eu não tenho preguiça para nada, vou casar com ele." Ela falou: " Não vai ter dote, você não vai ter nada, presente que você ganhar eu não vou deixar você levar um." Eu falei: "Então tem, bambu dessa grossura, tem faço caneca de bambu, faço caneca de coco, tem aquelas cabaça gigante, você faz, enche dágua, faz cuia, falei: "A gente se vira mãe, não precisa, porque no Interior tudo serve para alimento, então, não precisa mãe, não precisa me dar nada, eu vou para a fazenda na casa do pai dele, lá a minha sogra é muito legal, muito boazinha e eu vou, eu sei que eu posso morar no mato, eu me viro, eu gosto muito de fruta, eu vivo até de fruta." Daí foi, ela falou: "Então eu vou pôr o meu vestido aqui no forno, para pegar picumã e meu cabelo eu não vou pentear..." - porque ela tinha um cabelo muito comprido, meu pai não deixava nós cortar o cabelo também, né, já desde de criança - "...e o meu vestido vai ficar preto, eu não vou pentear o cabelo, no dia do teu casamento eu vou estar que nem uma bruxa." Falei: "Tudo bem mãe, eu vou casar com o Marciliano, meu pai deixar, eu vou." Daí eu obedecia meu pai, porque minha mãe era muito brava. Meu pai falou: "É um moço bom, trabalhador, não bebe, não fuma, e ela vai, eu vou consentir o casamento sim e vai casar, já ficou noiva vai casar." Deu 18 dia, foi o casamento, já correu os papéis, escrivão ali mesmo, cartório. No dia do casamento, eu lavei roupa até meio-dia, fui no cartório, assinar os papéis, com o vestido molhado daqui até os pés, que lavava dentro do rio a roupa. No dia do casamento batia o sino 7 horas, 8, 6 horas, 7 horas, minha mãe mandando mais roupa para lavar, porque tinha muito pensionista, para mim, para o padre ir embora, porque o padre morava em (Cambuí?), três horas a cavalo. E a minha mãe ia pondo mais roupa e mandando mais, e o padre batia o sino, batia o sino que ele ia embora, que ele não ia esperar mais e o pessoal na igreja, minha mãe não convidou uma viva alma, ela só disse: "Se alguém pedir um copo dágua, vai ficar com sede, porque nem um copo dágua eu não vou dar." E de tanto sentimento que a minha mãe estava, de casar com um moço, que não era rico. Depois aconteceu que, eu mandava a minha, essa Nenê, convidar todo mundo, "Você convida tudo o que você encontrar, fale que é o casamento, que eu não tive tempo, que eu trabalho muito, que esse é o meu maior prazer, que todas as minhas tias, primo e todos os conhecido vai assistir o casamento que a minha mãe não quer." A história já estava feita, todo mundo sabia que não ia ter nenhum copo dágua. Mas a igreja é grande, ficou lotada, mas tão lotada. O meu vestido a minha mãe mandou fazer, fez um vestido curtinho, com a manguinha aqui, o vestido mais feio do mundo, daí eu aluguei o véu, paguei 2 mil-réis no véu. O véu era o meu vestido, aí eu enrolei toda nele, a minha professora, que a minha professora me vestiu, a grinalda foi linda, eu que comprei e penteado era assim mesmo sabe, que usava na época, bem alto aqui assim e ela pôs a grinalda e pedi benção para todas as minhas tias que vieram de longe, a cavalo e para a minha mãe, ela ficou escondida, coitadinha, porque ela não queria, com o Zé Rufino ela ia estar no maior vestido de luxo. Daí, quando foi na igreja, o véu era muito comprido, ia tudo criançada segurando no véu, uma noite mais linda, daí, todo mundo segurando no véu e a igreja era pertinho da minha casa, entrei na igreja tremia assim, que nem uma vara verde, puxa vida nunca pegou na mão do namorado, agora você vai lá, né? Eu tremia também de vergonha, de fome também o dia inteirinho lavando roupa sem comer nada, só lavando roupa, lavando roupa. Daí a Nenê ia lá: "Senhor João, padre João, espera a mãe dela está fazendo isso porque é para não sair o casamento, porque não saindo agora, só daí um ano ia ter festa de novo, espera." Daí, ele esperou, daí ele fez, esperou até 8 horas, daí foi um (pegueio?), minha mãe não ia dar nenhum copo dágua, aí nós ficamos na festa, tinha leilão, um leiloava, rematava uma rosca a outra matava um tatu assado, frango assado e ia pondo perto da gente e depois fomos na casa do festeiro comendo doce, ficamos passeando de noivo pelo meio da praça, todo mundo para lá e para cá e a gente passeando, né? Daí, chegou lá as comadre da minha mãe e falou: "Ô Rosália, primeira filha que vai casar, você tinha que dar a festa da história, coitada." E por castigo, ninguém comprou nada, tudo sobrou naquele armazém, que nunca sobrou uma rosca, ficou tudo por castigo. Daí meu pai falou: "É mesmo Rosalinha, vai perder tudo a mercadoria que foi feita, nunca aconteceu isso." Então daí mandaram chamar o tocador de sanfona, o Zé Adão, outro meu padrinho de casamento _______ convidei quatro padrinho na época, parar ficar bonito sem a minha mãe querer e daí outro Zé Celeiro, fazia arreio, então, tudo era da orquestra, daí eles foram tocar lá em casa e mandaram me chamar, não queria ir não, falei: "Não, não vou. Daí mandaram buscar, minha irmã falou: "Não você tem que ir porque a minha mãe resolveu, minha mãe se tocou de tanto as comadre falar, minha mãe compadeceu, você vai." Daí eu fui, né? Chego lá aquela festa, a minha irmã já namorando uns do ricaço lá e dançando, a valsa do Danúbio, amanheceu. Daí minha mãe pôs toda a mercadoria, lata de café com 20 litros, muita bebida, café e tudo a mercadoria da loja, foi posto na mesa, foi um casamentão que nunca estava esperado. Daí quando casou-se minha irmã com um milionário, a minha mãe fez, o dono, padrinho ia dar um boi do mais gordo, padrinho da minha irmã. Não me convidaram, porque para mim não tinha feito nada, eu morava em Camanducaia, então, não podia convidar eu, porque para mim foi feito porque sobrou, ia perder tudo, que passou a festa acabou, só aquele povinho, todo mundo faz pão em casa. Daí minha irmã foi, no casamento da minha irmã, foi convidado um padrinho muito rico, ia dar um boi muito bonito e os padrinho tudo milionário, a festa fizeram umas 20 lata de doce, de cada qualidade e era para matar não sei quantos, era um boi matado também em casa, esse outro o padrinho ia dar, tinham convidado aquela Minas Gerais quase que inteira, da cidade próxima, ia ser a maior festa do ano, fogos e fogos de cor, contratou o moço, que fazia fogos para soltar fogos de cor ia ser uma festa e eu não sabia de nada. Mas Deus foi tão bom, que choveu a semana inteira do casamento e veio a doença de varicela em Minas, na casa da minha mãe, tudo meus irmãozinho pegou varicela, o povo mudou da rua, ficou só minha irmã e os irmão do noivo na igreja, não tinha uma viva alma, todo mundo de medo de pegar a doença, todo mundo sumiu. Eu só fiquei sabendo depois, lá em Camanducaia, daí fui correndo para casa passear lá, para saber a história de perto, falei: "Aí o castigo veio mesmo, veio montado, né?"
P - Dona Jorvalina, quando se casou com o senhor Marciliano, ele já era chapeleiro?
R - Ah, já.
P - E a senhora aprendeu a fazer chapéu. Fale um pouco sobre isso.
R - Quando eu estava em Camanducaia, que a gente lá, minha mãe logo falou assim: "Aqui não tem lugar para vocês." Daí nós ficamos três meses na casa da minha mãe, aí trabalhando, tinha muito, todo mundo usava chapéu, então o serviço era demais, eu lavava o chapéu, ele ensinou, eu lavava, daí ele ensinou costurar a fita e carneira, tudo manual. Depois a minha mãe falou, aqui não tem lugar, ela ficou com ciúme, que a gente estava ganhando bem, ela ficou com ciúme e falou: "Aqui não tem lugar." E tinha não sei quantos quartos sobrando. "Não tem lugar para vocês aqui, a casa está pequena." Daí nós procuramos casa para comprar lá e não achava, todo mundo era dono da sua casa, não havia casa para vender e ninguém queria vender, todo mundo estava bem e por isso fui para Camanducaia. Chegou em Camanducaia, o serviço era a mesma coisa, todo mundo usava chapéu e ele saia, vinha para São Paulo, fazer compra e eu atendia o freguês, eu fazia o chapéu, eu aprendi logo. Eu via o que ele fazia, já ele, ele não precisava nem ensinar, toda a vida eu gostei de aprender as coisas sem ninguém me ensinar, eu vendo ele fazer eu fazia até acertar, falta assim, eu já corrigia, pregar fita. Mas primeiro, quando eu cheguei em São Paulo, para aperfeiçoar mais, trabalhei na Chapelaria Imperial na Avenida São João, daí ali, eu pratiquei muito, na Chapelaria Imperial, dali que ele aperfeiçoou muito os laços moderno, tudo diferente.
P - Que tipo de chapéu faziam na Imperial?
R - Ah, lá na Imperial é chapéu de lá, eu era muito caipira, não sabia falar. (riso)
P - Como a senhora falava?
R - Ah, falava do jeito de mineiro né?
P - Como é?
R - Não tinha ninguém civilizado na cidade, todo mundo é peão. Então falei assim para a Dona Geralda, a Dona Esmeralda.
P - Quer tomar uma água, dona Jorvalina?
R - Não, não. Daí a dona Geralda falou assim, é o calor, né, que deixa a gente rouca.
P - Vamos tomar uma água. (PAUSA)
R - O freguês trazia muito sujo, porque trabalha na roça, a gente lava muito bem lavado com amoníaco, bastante amoníaco e... Hoje é mais prático aqui em São Paulo, aqui chapéu não suja muito, aquele tempo sujava, vinha sujo mesmo. A gente lavava com bastante amoníaco, sabão, bastante amoníaco para ficar limpo. O que mais que a gente punha? Acho que é só amoníaco mesmo, muito amoníaco. Daí, batia o chapéu lá na tábua (riso) de bater roupa, aonde lavava roupa, era um tábua, você batia, batia, batia o chapéu assim, para soltar bem aquela poeira, né, que todo mundo era da estrada de terra, até hoje é de terra, até hoje não tem asfalto lá. E daí, a gente pendura tudo, seca daí a gente vai para a estufa, tem uma vasilha grande assim de cobre, de água, a gente põe dentro da forma de chapéu e amarra bem ele assim, põe lá dentro, o vapor sobe e ele esquenta. Daí, você estica e começa a passar com ferro quente, quando ele está pronto, que já esticou no tamanho certo do número, você aperta bem a cordinha com balaustre próprio e você vai passando com pano, aperta bem o pano, vai passando, passando e daí, quando ele já esta pronto, você pega um pano úmido, encosta no ferro bem quente e vai virando na forma giratória, o pêlo vai voltando tudo como era, fica novinho como comprou, fica supernovo, fazia a mesma coisa. Chapéu de lã, a gente pega a lã, assim na fábrica, bate que nem pão, pega aquele monte de, que nem um pano de cobertor, pega assim, daí vai batendo, batendo. Ele estica, daí eles põe em uma máquina lá, a máquina vai girando assim, vai saindo que nem um cobertor, vai para uma forma, tudo no vapor e vai fazendo a espessura, até a espessura certa e corta. Vou filmar lá em Campinas, o dia que eu vir aqui, eu vou trazer para você, filmado, como é o pêlo, né. O pêlo, eles põe uma goma no chapéu, na fôrma e liga a máquina, os pêlo voa de todo o lado e gruda, vai grudando, grudando, daqui a pouco já está o chapéu feito. Aí pensa que é difícil, é a coisa mais fácil de fazer. E aprender aprendi assim, muito rápido aprendi a fazer chapéu, atender o freguês, tomar o nome, endereço, telefone, aquele tempo ninguém tinha telefone, só endereço. (riso) A gente não ia entregar, eles tinham que vim, pegava o endereço por pegar eles vinham buscar em casa, porque todo lugar que você tinha que ir a cavalo, não havia condução, de jeito nenhum. E quando eu era criança, que eu nasci, né, tinha uns três anos, acho que eu chorava muito, não lembro, minha mãe não agüentava mais eu sei como é que é, porque eu parecia muito com uma tia que tinha os olho verde, então, não sei o que aconteceu, minha mãe tinha uma terra lá, que chamava Chapéu de Couro, que faz chá mate _____, minha mãe foi lá, fez um buraco e eu chorando, não sabia para quê e ela com a enchada, falando, falando, daí, meu tio falou assim: "Essa Rosalinha é muito brava, ela vai enterrar essa menina." Quando a minha mãe fez aquele, é assim, você faz um buraco que nem um barril, no outro dia está cheinho dágua, ele falou: "A minha irmã vai enterrar ela aí, ela vai jogar ela aí dentro." Enquanto a minha mãe está cavoucando lá, fazendo um, afundando um barril lá dentro, meu tio pegou eu escondeu no meio do mato num pé de árvore _________, falou para mim ;"Você vai ficar aqui, eu vou embora correndo para tua casa, vamos ver o que vai dar, né." Daí o meu tio ficou lá: "Você não chora, você vai ver muito barulho de sapo, de grilo, mas você não chora, fica quietinha, para ninguém escutar." Era mato mesmo, passava a rua da casa, era só matagal: "Você fica aqui nesse pé de ______________, que é perto da casa da minha avó, você vai ficar sentadinha aqui e não chora, para ninguém, que vão procurar e não ouvir teu choro." Escuridão, né, lá tudo, não tinha luz nesse mato, não tinha luz, não tinha nada "...e eles não vão achar, se você chorar vão achar." Eu fiquei quietinha, "Eles iam enterrar você aí." Daí, meu pai chegou na hora da janta, falou: "Cadê a menina, para dar a comida dela." Minha mãe falou: "Não sei." O Tião falou: "Como que não sabe Rosária, você estava com ela." E a minha mãe: "Eu não sei da menina." E filhinha vai procurar a Jorva, aonde que está." E vão embaixo da cama e vai lá para o quintal e vão para a horta inteira e nada e aquele desespero entrou no meu pai, na minhas irmã. Minha mãe estava tremendo, meu pai falava: "Não podia sumir, vai ver que uma cobra picou." E conta aquela história lá e meu tio lá nada de... Daí meu tio apareceu, comecei a chorar sozinha naquele mato, uma escuridão, barulho de sapo, de grilo, daí meu tio foi lá, ele mesmo não achava eu, porque de noite ele fez um, não pode marcar nada, ele falou: "Está todo mundo te procurando, eu vou levar você para a casa da mãe." Ele levou para casa da vó e eu fiquei na casa da vó. Daí a tarde, mais para meia - noite, meu pai bate: "Dona Maria, a senhora não viu a minha menina, minha filha?" A minha vó falou: "Não, eu não vi ela não, como é que eu ia ver, estou aqui trabalhando vou ver aonde que está a tua menina, tua filha." Daí, chamou meu pai lá no fundo do quarto, falou: "A Jorva está dormindo aqui." Mas não contou quem trouxe, se não meu pai, ele era um santo, mas nessa hora, não ia agüentar. Daí meu pai me leva para casa, falou: "Outra vez que você sumir, todo mundo vai apanhar aqui nessa casa." Foi o maior susto para minha mãe, mas ela ia me enterrar, eu devo a minha vida ao meu tio.
P - Quando trabalhava com o senhor Carlos, como eram os clientes,. por quanto vendiam o chapéu, quantos faziam?
R - Era 2 reais, era 2 reais, era 2 mil-réis a reforma, depois foi para 3, conforme a gente ia vir buscar em São Paulo a mercadoria, ficava cara a despesa, de Camanducaia a São Paulo, é ônibus, o ácido, tudo caro para pôr, para tingir o chapéu, fazer tingimento tinha que pôr ácido e daí tinha a despesa dele ficar aqui em São Paulo, tudo, daí a gente começou a cobrar 4, 5, foi subindo, hoje a gente cobra 25, hoje cobra 25 ainda e a pessoa acha caro, eles acham muito caro, 25 eles acham caro.
P - E na época?
R - Mas quem conhece o serviço, nem pergunta, a gente dá o talãozinho e pronto, mas quem chega novo: "Ai é muito caro, eu compro chapéu por 10. "Então compra." Compra de palha vestido com veludo, com camurça, não compra o chapéu de pêlo, de feltro assim, de camurça do bom, né, chapéu nosso, você pode usar 80 anos, tem chapéu que freguês falou que já tem mais, já era do pai dele está velhinho e o chapéu nunca acaba, chapéu bom nunca tem fim, você lavou, pôs na estufa, ele fica novo, fica novinho, põe tudo novo, né, fita, carneira, tudo novo. E é feito tudo manual, então muitos não gostam de comprar chapéu pronto, tira a medida da cabeça e daí você faz tudo manual, o laço do jeito que ele quer, né, português gosta do laço atrás, então a gente faz do jeito que o freguês escolhe, né? E tem a revista lá de chapéu, Rio Grande do Sul, chapéu de todos os modos, modelo, eu quero assim, eu quero assim, a gente faz e na fábrica não, é tudo igual, é tudo feito na máquina, aquelas costuras é tudo da máquina, escapa um ponto, desmancha inteirinha a fita, escapa um ponto, desmancha todinho e fura o chapéu porque as máquina são agulha grossa, para costurar. Em casa a gente costura com uma agulha deste tamainho, fininha, não fura o chapéu de jeito nenhum, nem percebe o ponto de jeito nenhum.
P - A senhora trabalhou na fábrica Imperial?
R - É, na fábrica Imperial também, é só costura, lá eu aperfeiçoei a costura.
P - Quando foi isso?
R - Era laço diferente, foi no ano 1944.
P - A fábrica é aqui em São Paulo?
R - É em São Paulo, na, não tem ali a avenida Celso Garcia, tem uma igreja, chama Igreja São João, padroeiro São João, a fábrica Imperial é do lado, eu trabalhava lá para aperfeiçoar, meu esposo trabalhava na Ramenzoni, eu trabalhava lá. Ganhava 16 reais, 16 mil-réis por mês.
P - E ele?
R - Ah, ele ganhava bem mais, ele tinha, meu velho é um santo, mas tinha porque nunca dava dinheiro para mim guardar, ele que guardava, então nunca sabia quanto ele ganhava. naquele tempo vinha assim, não vinha envelope, nem nada fazia o pagamento assim, nem sei mais como que era, a gente punha na bolsa e pronto, não tinha envelope pagamento, que nem hoje, faz envelope, entrega fechado, né?
P - Enquanto a senhora trabalhou lá houve alguma greve?
R - Não, naquele tempo não havia greve, nunca houve greve naquela época, até o ano de 60 nunca teve, não, de 60 para cá já teve, mas 40, 50 não. Houve Revolução de 64, mas chapéu, graças a Deus tinha muita freguesia, agora que nós mudamos, que fracassou, porque ficou muito longe, quem mora em Parelheiros, mora no Interior, eu mandei muito Sedex, quando a gente foi no Jô, Sedex para Maceió, Pantanal..., para tudo quanto foi lugar, Brasília, tudo por Sedex. A gente estava até enjoado de ir no correio, que tanta que tinha que esperar quase umas duas horas para ser servido, por causa da Telesena, então tem que esperar a vez, fila única, para tudo.
P - Por que a senhora mandou o Sedex?
R - Mandei para Maceió, Brasília, tantos lugares, Goiás, Goiânia, chapéu para tudo quanto é lugar, quando a gente foi no Jô.
P - E o pessoal fez encomenda?
R - É, eles viram o Jô falar o telefone é 84-5301 e o Jô repetiu umas quatro vez, daí as pessoas já gravaram e telefonou outro dia, olha menina, você não podia parar, o dia inteirinho o telefone tocou, foi um mês, maravilha, depois acho que a gente não deu conta de atender todos, agora o Jô vai passar de novo nas férias dele, vai repetir, daí vai voltar de novo o serviço e só chapéu novo, só fazer novo.
P - Vocês tiveram seis filhos, a vida inteira criaram os filhos a partir do salário que ganhavam fazendo...
R - Chapéu, só de chapéu, muitos anos só de chapéu. Graças a Deus, também eu fazia costura para fora, meu velho e meu filho ficavam fazendo chapéu e eu costurava também. Então, a gente sempre defendeu o pão, criou seis filhos, educou e quase ninguém quis estudar, falar a verdade, porque eles falou assim: "Pai, o senhor é comerciante e sustenta tudo nós, não falta nada, por que eu vou estudar, formar, vê gente formada e não ganha o pão, está desempregado, eu quero ser comerciante." E todos ficaram comerciante. Um é vidraceiro, outro trabalha com móveis, faz feira de móveis, tem uma loja enorme que é na minha casa e ele está com uma loja de móveis, está lotado de móveis tem galeria, está tudo lotado de móveis e tem uns móveis antigo no outro escritório, no outro depósito, só antigüidade. E aonde é minha casa, ele só tem móveis de escritório, tudo quanto é tipo de mesa, computador, tudo tipo de mesa, máquina de escrever antiga, muita peça antiga. O outro trabalha com foto, sustenta a casa, anda bem vestido, com seu carrinho do ano e tem a Isabel aqui na Sete de Abril, comprou um ponto por 30 mil reais, na Sete de Abril, pegado à Telesp, trabalha com telefone, celular, bip e tem uma freguesia enorme, graças a Deus, todos, só a Miraci casou com ricaço, a mais velha, casou com ricaço, então ela não, ele não deixa ela, ela sabe fazer tudo, mas ele não deixa ela ganhar um tostão, se ela tiver que fazer alguma coisa para ganhar, ele briga.
P - A senhora aprendeu a tirar fotografias, como foi isso?
R - Ah, então, a fotografia meu esposo também era fotógrafo, ele aprendeu, aprendeu na Penha, no Foto Penha, foto moderno e daí eu falei para ele: "Eu também gostaria...", tira foto das minha criança, ele dizia: "Não, tem que tirar...", foto de vidro vem, vinha por navio, então ele falou: "Não vai estragar a foto...", vinha filme também, vinha filme assim 18 x 24, vinha tudo no envelope. "Não vai estragar não." Eu falei: "Tira das crianças." Ele não queria tirar, quando ele saía, para ir comprar material em São Paulo, lá no Foto Léo, na, ai não lembro mais a casa, é um prédio muito antigo que tem no centro ali no Pacaembu, não, Cambuci, depois do metrô Praça da Sé, Anhangabaú, então ele ia ali comprar material, prédio Martinelli, Avenida São João, quer dizer, ele ia comprar material, lá no prédio Martinelli. Daí, ele virava as costas, eu ligava a máquina e punha a chapa de vidro, tirava do um jeito, falei: "Agora vou tirar do outro, porque não sei qual lado que está a película. "Daí, eu tirava, da Miraci e do Rubinho, que eram meus dois filhos mais velho, daí eu fui lá, no revelador e falei: "E agora, no quarto escuro, só uma luzinha verde e uma vermelha e agora? Eu punha no revelador, não saía nada, no fixador, não saía nada, "Então deve ser nesse líquido aqui.", ficava separado em uma bandeja daqui, dali. Daí punha o fixador, olhei na luzinha tinha a fotografia..., já via o rosto, estava muito preta, tinha revelado demais. Daí eu tirei outra chapa, eu contei menos segundos, que eu escutava ele contar: "Um, dois, três.", ou cinco, se estava fraco o revelador, achava que estava fraco, daí eu contava, um, dois, três, olhava e estava nítida, estava limpa a chapa, estava linda, né? Daí, eu ia vim no fixador, daí fixava uns cinco minutos, tirava, lavava, punha na água com a, para lavar a chapa de vidro, lavava e punha para secar, fazia assim. Continuei. Daí, casamento, chegava de sábado, fazia fila, todos queria tirar comigo, porque eu tinha paciência de focalizar, ficar dentro daquela máquina coberta com um pano, focalizando, até ver que a pessoa estava linda, quando ela estava com um ar bonito, daí eu tirava três, quatro chapa, mas eu mentia para ela: "Se der defeito, é por causa essa chapa, por causa da guerra, ficou no navio parado muito tempo, então se der defeito, você volta, traz o vestido, eu tiro de novo." Mas não acontecia porque eu tirava quatro, cinco chapa, porque, às vezes, vinha com defeito mesmo, por causa da guerra e daí eu tirava uma de um lado, outra do outro, de um lado e do outro, eu não aprendi dividir a chapa, tinha que tirar de um lado e do outro, de um lado e do outro, tirava cinco, seis chapas. Vinha gente de circo tirar, todo mundo: "Ah, quero tirar com a Jorvalina, quero tirar com a Jorvalina." e meu velho continuava no chapéu, daí meu velho ficou só com chapéu e me deixou foto para mim, na Freguesia do Ó. Daí a gente vendeu por 21 conto, comprou o cinema, meu irmão falou: "O que vocês ganham aqui em um mês, vocês ganham em uma matinê." Comprou cinema e põe na Freguesia do Ó, Sansão e Dalila e outros filmes da época, aqueles filmes muito bonito, que eu não lembro muito não, porque eu nunca fui a cinema, São Paulo, fiquei crente logo com 25 anos, eu fiquei crente, então, nunca fui nesses lugar, também com tanto filho, tanto serviço, nunca tinha tempo de ir, não interessava ir não. Então ele falou assim, eu fui para a igreja, quando eu voltei da igreja, na matinê, o culto começava às duas horas, (o professor Machado?), quando cheguei eu falei: "Nossa a gente deve ter ganhado uma grana, agora não tem mais foto para mim tirar e eu vou fazer flor e deve ter ganhado muita grana podemos viajar." Olhei lá no cinema, não tinha uma viva alma, tinha uma polícia e um fiscal, não tinha uma viva alma lá dentro e o filme o aluguel do filme era caro, que era duas horas de projeção. Depois foi para, ficou ali um mês, cartaz, meu irmão escreveu muito bonito, cartaz em todas rua, aqueles cartaz lindo sabe, muito bem feito, não precisava, todo mundo tinha impressão daqueles filme, cinema de luxo, cinema da Freguesia do Ó, era tudo bonito, cortina de veludo, carpete, tudo de veludo, era lindo mas, não ia, porque se alugaram, vendeu o ponto, porque não estava bom, falei para eles, se estivesse bom, não ia vender. Daí fomos para Ouro Fino não Socorro, chegou em Socorro, eu comprei tudo mobília de luxo, fui morar na casa de um Juiz de direito e mobiliei a casa tudo com móveis de luxo e lá pôs o cinema de luxo mesmo, alugou o salão, o cinema era a coisa mais linda, cartaz em toda esquina, cidade do Socorro. Não foi vindo da igreja, cheguei da igreja olhei lá, não tinha uma viva alma, só o fiscal e a polícia, esposa da polícia, não tinha uma viva alma. Eu devolvi os móveis na casa, a mulher me devolveu o dinheiro, pedi 500 réis, porque ela aceitou, porque um mês, em um mês não foi ninguém, não ia mais. Fomos para o Interior, para Lins, Lá em Lins, em cada fazenda que alugava, onde era tulha de cafezal, era salão de festa, quando terminava de colher todo café virava salão, para casamento. Cada lugar que chegava ali, Deus punha a mão, era aquele temporal que não ia uma viva alma "e agora nós vamos para aquela fazenda", chegava lá, a chuva estava lá, falei: "Agora você aprende." Daí, eu fiquei, estava grávida, perdi o filho de tanto nervoso, perder 21 conto de réis, que custou o maquinário, 27 reais, eu tinha 7 guardado e dei 20, daí ficamos com um reais, com mil reais para, para aluguel de filme, acabou tudo e aluga filme, Sansão e Dalila e Paixão de Cristo, aluga só filme caro, duas três horas de projeção e não ia uma viva alma, você pagava aluguel, alugava outra fita e aquilo nada, vai no correio, vai para o Sedex. Depois eu fiquei, perdi o nenê, fiquei no hospital, entre a vida e a morte, daí eu falei para o meu esposo: "Agora tem que vender as máquinas, quem é que vai comprar." Não aparecia uma viva alma, punha no jornalzinho de lá, punha no... Quando eu fico melhor, vou na igreja o senhor falou: "Hoje irmã, até agora a irmã está em apuro, irmã, mas hoje não vai só um comprador, vai três na tua porta, porque quando a irmã chegar, vai ter três na tua porta esperando." Eu falei: "Ô meu Deus do céu, é comigo mesmo, porque eu estou no desespero. Daí eu cheguei em casa, era bem longe a igreja de minha casa, vinha de charrete, cheguei em casa, tinha três pessoas lá daí a gente ligou a máquina, era uma casa muito antiga, grande, alugamos a fita, passou Sansão e Dalila, ah, o japonês ofereceu 14, o dono da fazenda ofereceu 16, outro dono da fazenda falou: "Dou 18." Falei: "Quem dá mais, vai levar." E quando deu 18 falei: "Está fechado." Daí eu vendi e vim embora para São Paulo, falei: "Nunca mais." E a máquina eu vendi, daí nós compramos outra, compramos outra para ficar de lembrança para (saber?) dos filhos, tenho lá sonora, colorida, muito bonita, um som, ela é enorme, ela é assim grande, um peso tremendo.
P - E nessa época vocês continuavam a confeccionar os chapéus?
R - Fazia chapéu, a gente morava na pensão, ele alugou um quarto na pensão, pensão chega viajante de todos lado, que vem de todo lado do Brasil e na pensão a pessoa chega de chapéu, leva o terno e passa o chapéu e limpava o chapéu. Então ficava na pensão, ele tinha foto, no chapéu, fazia chapéu fora sábado e domingo, só sábado e domingo, passava cinema, mas ele não ganhou nada de cinema, o que ele ganhou não deu para pagar as fita, porque os dono da fazenda ia, então não dava para pagar aluguel, o dinheiro foi tudo, meu irmão falou: "É de sociedade, quando acabar seu dinheiro...", o meu irmão é muito rico, "...quando acabar o dinheiro, eu ponho o meu." Quando ele viu que o nosso acabou, ele foi embora para São Paulo, deixou nós na mão não deu nenhum tostão. Tinha relojoaria na Rua João Teodoro no Brás, os bandido mataram ele agora, faz em 82, mataram para roubar, tadinho. Eu falei, Deus que me perdoe, porque ele tirou tudo da gente, a gente com tantos filhos, perdemos tudo, mas a gente ganhou tudo de novo com chapéu, graças a Deus. A gente abriu ponto na Senador Feijó, ali foi a nossa vitória, a gente comprou, ih, eu tenho a minha casa, que Deus me deu também.
P - Retomando, quando vocês começaram a fazer o chapéu lá em Minas, como a senhora aprendeu?
R - É, o chapéu a gente pegava, o freguês ia até a minha casa, que Deus me deu, a casa que eu ganhei, a casa que eu tenho foi dado no sonho, eu sonhei com a casa, fui até a casa, aluguei cinco anos depois, eu vendi o ponto, que era casa de móveis, já fui muito comércio na minha vida, era para mim estar milionária.
P - E lá na Senador Feijó, como faziam para arrumar fregueses?
R - Ah, lá a gente já era, já tinha uma freguesia antiga do senhor, não lembro mais o nome do velhinho que tinha lá, ele tinha chapelaria ali pegada a casa lotérica, na Senador Feijó, ele já tinha muitos anos, daí ele faleceu, teve derrame. Daí, o senhor Oscar comprou e só que não podia ficar mais naquele ponto que tinha uma sapataria junto e alugou na Senador Feijó um ponto, 183 e ele também, esse senhor teve derrame, o senhor Oscar, daí pôs para vender, mas Deus preparou tudo. Meu velho um dia falou assim: "Ai, eu vou comprar fita para reformar meu chapéu." Parecia sonho guardado dessa época, precisava de um ponto bom, porque não tinha ponto bom, tinha que pegar na Pirani, a Pirani foi comprando os pontos, comprando, comprou nosso ponto também e foi ampliando a Pirani na Celso Garcia, daí nós ficamos sem ponto. Tinha que ter ponto, porque já estava em extinção já, daí nós compramos desse senhor, do senhor Oscar, compramos o chapeleiro, já tinha a freguesia feita e todo sinal que pegava, deixava dentro da carneira do chapéu, então quando a gente comprou o chapéu, que a gente ia lavar, já estava o sinal dentro do chapéu, ele falou: "O sinal já está aí, é de vocês." Compramos por 70 mil-réis, 70 cruzeiro, a oficina de chapéu, tem tanta... de todos que ia morrendo, eles ia oferecer para nós, ia comprando, tem tanta fôrma, tanta fôrma, você precisa ver. Até falei, se vocês quisessem para um museu, pensei que era museu, meu velho falou que era um museu falei: "Vamos levar essas fôrmas antigas, ferro tudo quanto é ferro antigo, que não usa mais, vamos levar e deixar no museu." Ele falou: "Não, não, não é." Daí, ligaram de novo, não era museu, queria deixar tudo em um museu, as fôrma antiga, que a gente não usa, só usa as fôrmas moderninha, de aba estreitinha, aquelas abas larga, aba 10, agora é tudo aba 5, aba 4, então essas formas caíram tudo de moda.
P - Quando começou a cair de moda?
R - Ai, começou, em 40 todo mundo usava, bom, quando eu casei todos, a mulher e o homem e criança né, agora quem usa chapéu, é rabino, rabino crianças, pequenininhos usa chapéu. Então, eles são padre e aí tem uma freguesia boa de padre, que mora na Rua Augusta, Angélica, os rabino, eles vão lá para o_________ e traz as carapuça de luxo de lá, porque aqui no Brasil, as carapuça não são boas, eles traz e a gente faz os chapéu deles, já faz para as crianças. Uma freguesia muito boa os rabinos e lá na Senador Feijó, é como eu falei, já tinha a freguesia feita, desde o tempo do senhor Oscar, já era antiga, já tinha 50 anos lá, chapéu começou a cair nos anos 60 daí, foi caindo e agora está pior, cada dia, morre um velhinho: "Ai, eu vim buscar o chapéu, vender para o senhor que meu pai morreu." Vem outro: "Ai, vim vender o chapéu, que meu pai morreu." Uns quer guardar de lembrança, outros não quer guardar de lembrança, deixa lá para a gente vender é, agora está acabando, cada dia mais, até que chapeleiro também, não sei até quando Deus, todos chega lá e fala: "Senhor Carlos, o senhor tem que viver 100 anos, mais 100 anos para não deixar faltar chapéu para nós." De tanto eles falar assim, que a gente está vivo ainda, né, tanto que deseja a vida para a gente: "O senhor tem que viver senhor Carlos, se o senhor morrer, acabou o chapéu, nós não..." E chapéu novo está muito caro e reforma fica mais bonito que novo. "E o senhor não pode ficar doente senhor Carlos, o senhor tem que estar sempre vivo, com saúde para não parar o serviço do chapéu."
P - Por que começou a diminuir o uso do chapéu, o que aconteceu?
R - Ah, é que São Paulo, era São Paulo da garoa, né, era o dia inteirinho fazia frio e garoa, então, era uma calamidade, todo mundo usava chapéu, depois, o tempo virou, diz que vai virar de novo, de 40 em 40 anos volta, que você viu que já está, esse ano já está frio o ano inteiro, esse ano que teve frio tem bastante chapéu, porque fez frio o ano inteiro. Então, virou, acabou São Paulo da garoa, tem até aquela música: "Ê São Paulo da garoa." Acabou a garoa, começaram todo mundo a não usar mais chapéu, daí foi caindo, os moços não usavam mais, as mulher não usavam, só mesmo aqueles velhinhos, que já nasceu desde pequeno com o chapéu na cabeça, já nascia com o chapéu já, com bonezinho, era novinho, quando você nascia já estava de bonezinho. Então, foi acabando mesmo, fracassou, olha tinha em cada esquina, era que nem jogo de bicho, em cada esquina tinha um chapeleiro, daí foi fechando, fechando, só tem nós dois, só tem nós, todo mundo fala, mas não existe nem no Interior nada, a gente pergunta: "Não, não existe." No Rio de Janeiro tem um que ensinou meu esposo, está com 90 e poucos anos, está no Rio, no Rio tem um, bem velhinho, mostrou em uma reportagem da Globo, está bem velhinho.
P - Quais as qualidades de um bom chapeleiro?
R - Ah, o chapéu tem que ser de feltro do bom, de primeira, tem de lebre, tem de lontra, tem que ser a qualidade do pêlo, para ter um bom chapéu, porque chapéu de lã, não vale nada, chapéu de lã é assim, ele é mais barato, ela dura muito, mais cada vez que chove, ele encolhe, daí ele encolhe, fica pequenino, você tem que levar lá para por na estufa e esticar de novo. Tomou chuva, ele encolhe, então de pêlo nunca encolhe, chapéu de pêlo, tem de lontra, tem de lebre, nunca encolhe, camurça nunca encolhe.
P - Para confeccionar o chapéu, que habilidade tem que ter?
R - Ah, a gente já está tão acostumado que você nem sente, pega naquilo lá, põe na fôrma, põe na estufa, a estufa esquenta, às vezes, você está conversando, esquece dele ele cai lá dentro (riso), porque você esquece do chapéu lá na estufa, não pode conversar, tem que estar ali, contando os minutos. Daí quando a água começa a ferver, a gente tira o chapéu e ele está quente, você põe na fôrma e vai virando a fôrma assim, ela vira sozinha, ela vai virando você vai só apertando, puxando, puxa, puxa, puxa até onde dá a altura do chapéu, quando dá altura, você amarra uma corda e vai com um boleador quando ele está bem acinturado, você só estica a aba, para ficar bem redondinho. Daí, você põe na forma própria e passa, não tem, a gente não tem segredo não, é tudo fácil, é como a gente pensa: "Fazer flor dá um trabalho." Não dá nada, em um minuto aprende fazer.
P - A entrevista está no fim, mas antes diga rapidamente o que gostaria de mudar na sua vida
R - Olha, o que eu mais queria na minha vida, ter um sorriso bonito igual o seus, (riso) só isso, porque o resto eu tenho cabelo, tenho saúde, acho que eu estou bem baixinha não posso crescer mesmo, mas eu queria ter um sorriso bonito, é o único que falta para mim eu acho, porque o resto eu estou contente com tudo né, tenho saúde, tenho meus olhos, enxergo bem né, não preciso usar óculos, é só um sorriso bonito, é só isso.(riso)
P - O.k. A gente agradece a sua entrevista, a colaboração, muito obrigada.
R - É, me faz um livro desse, pode vender o livro, eu tinha, meu sonho era contar a minha história, agora já contei, eu vou morrer feliz. Sempre sonhei, um dia eu vou contar essa história, um dia eu vou mandar um livro, fazer um livro, escrever, mas agora já contei, estou feliz, me realizei.
P - Então está bom, obrigada.
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