IDENTIFICAÇÃO
Nelson Pereira dos Santos, eu nasci em São Paulo, em 22 de outubro de 1928.
FAMÍLIA
Meu pai era Antonio Pereira dos Santos. Meus avós paternos eu não conheci, mas sei que um deles, o meu avô paterno, era José Pereira dos Santos. Os avós maternos eu conheci: o meu avô era José também, Pançoldo Binari, era italiano do Veneto, e minha avó, Rosa Tosetto Binari. Meu pai era alfaiate e minha mãe era a companheira do alfaiate. A profissão dela, como se dizia, era ser mãe. Meu avô materno, o italiano, também era alfaiate. Os avós paternos eu não conheci. O meu pai ficou órfão com 12 anos de idade, órfão de pai e mãe. Então, provavelmente esse lado da família é completamente desconhecido. Tenho três irmãos, o mais velho já falecido.
INFÂNCIA
Bairro
Eu nasci no Brás. Eu sou o caçula. Dessa parte do Brás eu lembro muito vagamente. Logo em seguida, quando eu tinha dois ou três anos, mudamos para o Bexiga, onde passei a minha infância e o começo da adolescência. O Bexiga daquela época era como o Brás também, tinha uma presença italiana muito forte. No Brás tinha os italianos do Norte, que eram do Veneto. E no Bexiga eram os italianos do Sul: napolitanos, calabreses, sicilianos etc. E, como no Brasil, há uma relação muito parecida com a de nordestino versus sulista. Tinha muita afinidade e muita rivalidade.
Futebol
[A rivalidade era vista] no dia-a-dia, na relação de futebol principalmente. Futebol e política – em segundo lugar política, primeiro vinha o futebol. Então, em São Paulo, por exemplo, os times de futebol eram mais ligados à origem étnica de cada um. O Palmeiras era o time dos italianos, chamava Palestra-Itália. O Corinthians era o time dos espanhóis e afins. O São Paulo Futebol Clube era o time que tinha se originado do time paulistano, que era o time da elite, mas que ficou sendo o time mais popular e, portanto, o que tinha mais torcida. Mas com o tempo...
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Nelson Pereira dos Santos, eu nasci em São Paulo, em 22 de outubro de 1928.
FAMÍLIA
Meu pai era Antonio Pereira dos Santos. Meus avós paternos eu não conheci, mas sei que um deles, o meu avô paterno, era José Pereira dos Santos. Os avós maternos eu conheci: o meu avô era José também, Pançoldo Binari, era italiano do Veneto, e minha avó, Rosa Tosetto Binari. Meu pai era alfaiate e minha mãe era a companheira do alfaiate. A profissão dela, como se dizia, era ser mãe. Meu avô materno, o italiano, também era alfaiate. Os avós paternos eu não conheci. O meu pai ficou órfão com 12 anos de idade, órfão de pai e mãe. Então, provavelmente esse lado da família é completamente desconhecido. Tenho três irmãos, o mais velho já falecido.
INFÂNCIA
Bairro
Eu nasci no Brás. Eu sou o caçula. Dessa parte do Brás eu lembro muito vagamente. Logo em seguida, quando eu tinha dois ou três anos, mudamos para o Bexiga, onde passei a minha infância e o começo da adolescência. O Bexiga daquela época era como o Brás também, tinha uma presença italiana muito forte. No Brás tinha os italianos do Norte, que eram do Veneto. E no Bexiga eram os italianos do Sul: napolitanos, calabreses, sicilianos etc. E, como no Brasil, há uma relação muito parecida com a de nordestino versus sulista. Tinha muita afinidade e muita rivalidade.
Futebol
[A rivalidade era vista] no dia-a-dia, na relação de futebol principalmente. Futebol e política – em segundo lugar política, primeiro vinha o futebol. Então, em São Paulo, por exemplo, os times de futebol eram mais ligados à origem étnica de cada um. O Palmeiras era o time dos italianos, chamava Palestra-Itália. O Corinthians era o time dos espanhóis e afins. O São Paulo Futebol Clube era o time que tinha se originado do time paulistano, que era o time da elite, mas que ficou sendo o time mais popular e, portanto, o que tinha mais torcida. Mas com o tempo isso tudo mudou! Eu estou falando do começo dos anos 30.
Mistura de nacionalidades
O tempo todo [brincava-se na rua]. Os italianos, os filhos dos italianos eram em maior número – eram meninos, filhos de italianos, com a criação italiana. Inclusive, em São Paulo tinha colégio italiano, que era o Dante Alighieri e outros. A criançada aprendia o italiano, escrevia em italiano etc, como havia também escola alemã, como havia escola japonesa. Havia também o cortiço dos pobres, a presença do negro. Só que o cortiço é a favela paulista, não é? É até horizontal, você não vê direito. Parece tudo bonitinho, mas é realmente um ambiente de favela. Então, havia o convívio entre os meninos pobres do cortiço, os meninos italianos, os brasileiros misturados e os que se “abrasileiraram” também. No meu bairro não havia japoneses, os japoneses são de outro setor da cidade, eu fui encontrá-los depois, mais tarde, no colégio do Estado. Lá eu tive muitos colegas japoneses. No grupo escolar também tinha um pouco, mas mais no colégio.
BRINCADEIRAS
Enfim, era uma vida de rua. O que se fazia na rua? Futebol. Em tempo de festa junina, fazíamos fogueira na calçada e soltávamos balão. Fora disso, eram agressões aos estrangeiros, aos forasteiros, aos que não pertenciam ao bairro. Por exemplo, colocávamos um fio preto de noite para derrubar o chapéu – naquele tempo os adultos usavam o chapéu. Então derrubávamos o chapéu, a gente sabia que isso dava mil confusões. Outra coisa também era fazer um pouco de esporte, eu ia procurar um lugar para nadar que era longe, o Rio Tietê. Depois meu pai me botou num clube que se chamava Clube Tietê, aprendi a nadar etc.
ENSINO FUNDAMENTAL
A vida era essa: ir para a escola, voltar da escola. [Ingressei no colégio] muito cedo. A casa da escola no Bexiga, aliás, ainda existe lá até hoje. Acho que é a única coisa que sobrou daquele tempo. Chamava-se Primeira Escola Mista da Bela Vista, um lugar bonitinho. Eu me lembro que no pátio da escola tinha dois cágados. Então, a gente fazia grandes maldades com os cágados. Eu acho que eles já tinham mais de 100 anos. Talvez tenham sobrevivido. De vez em quando eu passo lá e me pergunto: “Será que eles ainda estão aí?” Eu fui para a escola com essa idade, mais ou menos entre quatro ou cinco anos. Eu aprendi mais com a minha irmã, em casa, porque minha irmã gostava de brincar de professora. Ela alfabetizou os dois irmãos mais novos.
Na escola era separado, tinha classe para as meninas e classe para os meninos. Essa escola não tinha o primário completo, eu acho que era um jardim de infância adiantado, uma coisa assim. Eu acho que era equivalente ao primeiro e segundo ano. Depois eu passei para o grupo escolar, no mesmo bairro, o Grupo Escolar Júlio Ribeiro. Foi aí que eu terminei o curso primário.
Eu fui expulso da escola. Eu não me lembro direito o porquê, mas eu sei que enfrentei a professora mais severa do colégio. E aí meu pai me colocou num colégio privado. Era no bairro da Liberdade e o colégio se chamava Independência, olha que bonito isso! E ainda queriam que eu fosse comportado! Independência, liberdade... Foi uma outra fase. O que eu lembro dessa escola? Trabalhei muito para poder recuperar o tempo perdido. Lembro que era uma escola bem vagabundinha, como todo ensino particular de classe média. O meu colégio, o Grupo Escolar, tinha uma professora que me botou para fora, mas essa era uma professora de alta competência.
Discriminação
Depois eu fui para um colégio do Estado. Era outro nível o colégio do Estado. Mas eu não me lembro direito desse colégio Independência. Sei que brigava muito, porque aí já tinha outra relação social dentro do colégio. No Grupo Escolar, éramos todos italianos, éramos todos brasileiros, éramos todos pobres. Nesse colégio havia uma diferença de uma classe média já com pretensão de ascensão social, então tinha discriminação. No meu grupo escolar eu tinha que ir de sapato. Mas eu vivia sem sapato, para que usar? E eu ia jogar bola de sapato, então ele ficava todo esfolado por causa do jogo. Nesse colégio todos tinham sapatinho novo, engraxado e tal, mas eu só tinha um par de sapatos. A partir daí, acontecia uma briga, eu revidava com agressões. E agressões sempre provocadas por essa comparação, por essa diferença. Ficavam todos eles notando a diferença. Então, eu imaginei o que acontecia para o menino negro dentro de uma escola que só tinha brancos. Seria pior a relação que se estabelece com aqueles que só apontam a diferença, não é? Em geral, quem aponta é porque conseguiu escapar disso. Então, ele dizia: “Você está atrasado, você tem que fazer como eu.”
ENSINO MÉDIO
Depois fui para outros colégios. Antes de ir para o colégio do Estado, eu fiz também um colégio privado. Depois eu terminei o ginásio e fui para o Colégio do Estado Presidente Roosevelt, ali no mesmo bairro da Liberdade. Foi nesse colégio que eu tive mesmo a minha formação, onde eu pude dizer “me encontrei” – será que a gente pode dizer isso algum dia? Mas, de qualquer forma, foi lá que eu comecei realmente a ver o grupo todo dia, a ver filmes interessantes, foi uma fase da vida também. Foi no final dos anos 40, meados dos anos 40. Era o fim da guerra. Quer dizer, isso tudo mexeu muito com a cabeça da gente.
Já no colégio privado, onde eu fiz o ginásio, a minha predileção era muito dirigida para literatura e história. Nesse colégio eu fiz o curso clássico. Naquele tempo era chamado de segundo ciclo – tinha curso clássico e o curso científico. Curso clássico era para aqueles que se destinavam a carreiras de humanidade, direito etc. E o outro para engenharia, medicina. Então, nesse ambiente, havia afinidades. Quer dizer, os outros colegas vindos de outras escolas logicamente também se interessavam por literatura e por história, história do Brasil. Na época, havia aquela coisa da guerra. E quando terminou a guerra, havia a presença do Movimento Comunista no Brasil, que foi muito forte e muito sedutor para todos os intelectuais e para todos os jovens. Uma vez, eu falei de brincadeira: “Quem não era do partido comunista, naquele tempo, era como o jovem hoje que não fuma maconha.” Ele é discriminado, ele não entra no time. É um pouco de exagero, apenas para dar uma idéia de como era.
POLÍTICA
Naquela época, tinha uma organização de células do partido, porque a juventude comunista é uma célula dentro do colégio. Tinha que participar da política do colégio, da política estadual, da política municipal, da política nacional, de todas as discussões a respeito do destino do país, do final da guerra, do fim do fascismo etc. Ao mesmo tempo, tínhamos toda uma relação com o pensamento, não digo nacionalista, mas era um pensamento típico daquele momento: acreditar que o Brasil ia dar certo. Tinha acabado a guerra, tinha acabado todo o movimento fascista, totalitário, horrível, tinha acabado a ditadura no Brasil, estávamos entrando numa fase de democracia e então havia uma grande onda de otimismo e de confiança no futuro. Vamos todos dar certo! Isso era a coisa mais importante do final da guerra, nos anos de 1945, 1946.
BOMBA ATÔMICA
E houve também uma coisa muito importante que mexeu com a cabeça de todo mundo, que foi a explosão atômica, a descoberta do átomo. Só contando uma anedota: o meu professor de química gostava de teatro, então ele só falava de teatro, não falava nada de química. Quando explodiu a primeira bomba atômica, ele saiu correndo para explicar o que era o átomo. Você pode calcular? E foi mais interessante do que qualquer aula de teatro, porque haviam descoberto, as revistas começaram a publicar informações sobre toda a linha de descobertas, de investigações da física. Isso também fez a cabeça mudar no outro sentido: descentralizou e relativizou todo o pensamento.
Eu estou dizendo com essas palavras agora, mas naquela época eu apenas praticava isso, era levado a praticar. Hoje eu sou capaz de conceituar mal e porcamente o que aconteceu, mas naquela época não tinha essa condição de conceituar do jeito que estou fazendo aqui. Mas foi importante. O mundo era outra coisa.
LITERATURA
Isso foi durante o colégio, tinha muitas campanhas políticas etc. Dentro do colégio, tinha a Academia de Letras e eu fiz uma tese sobre Castro Alves. Entrei na Academia Nativista de Letras [dentro do próprio colégio].
ENSINO SUPERIOR
Fui para a Escola de Direito em 1947. Não foi por pressão familiar, não. Até havia uma relação familiar muito próxima, muito boa. A minha casa, quando morei no Bexiga, era pertinho da Escola de Direito. E o meu padrinho de batismo era o porteiro da faculdade de Direito, o José Epaminondas. Então, eu costumava passar lá para ver, ele sempre tinha algum presente para mim e tal, ele era uma pessoa maravilhosa.
E eu não tinha para onde ir, já estava acabando o curso do colégio. Engenharia nem pensar, medicina também, eu não tinha a menor vocação para isso. O único lugar, a única escola onde eu podia continuar estudando, que não ia me dar muito trabalho, era a Escola de Direito. Era a faculdade para onde iam todos os que não tinham nenhuma decisão em relação ao futuro, que não sabiam o que queriam de profissão. Tanto era assim que a Escola de Direito tem lá até hoje homenagem a três poetas – não tem nenhum jurista, nenhum advogado: tem lá Álvares de Azevedo, Fagundes Varela e Castro Alves. Então, iam todos os que tinham vocação literária. Porque essa escola – a escola em si, o ambiente físico da escola – tinha aquela tradição de abrigar esses poetas malucos, revolucionários, transgressores, boêmios. Então, até aquele tempo, no meu tempo de escola, ainda existia um ou dois exemplares desse tipo de boêmio auto-destrutivo, aquele que era alcoólatra tuberculoso, que escrevia poemas de madrugada.
“O PETRÓLEO É NOSSO”
Em 1948, teve a grande campanha pelo “Petróleo é nosso”. Eu participei. Eu era um dos diretores do Centro Acadêmico da Escola de Direito, do Centro Acadêmico 11 de Agosto. Então, foi lá que nasceu, em São Paulo, no Centro Acadêmico 11 de Agosto, a campanha do “Petróleo é nosso”. Eu me lembro do General Espírito Santo Cardoso – pai do nosso ex-presidente. O General Felicíssimo é o tio, Espírito Santo é o pai. Eu o conheci, até porque conheci o Fernando Henrique Cardoso naquela época. Então, tinha os seminários, palestras.
Eu era da diretoria do 11 de Agosto, portanto estava ali na organização, no acompanhamento de todo o movimento. Aula que é bom ninguém assistia. Ia correndo para a escola, porque tinha tanta coisa boa na escola, menos aprender o Direito. Ficava lá, fazia política, fazia cineclube. Aí eu já estava mais para cinema.
HOMENAGEM
Há pouco tempo, no ano passado [2004], em 11 de agosto, no dia da Fundação dos Cursos Jurídicos, eu fui homenageado na Escola de Direito, entre oito ex-alunos que se destacaram fora da área jurídica. Eu tive a honra de estar ao lado do José Mindlin, por exemplo, da Lígia Fagundes Telles e do Embaixador Ricupero. Tinha mais gente importante: Juca de Oliveira, o ator Paulo Autran – Paulo Autran foi companheiro mesmo, dois anos à frente, mas fui contemporâneo dele na escola.
Então, nessa oportunidade, eu contei a história de como saí da universidade, porque eu terminei o meu curso. Em 1949, eu estava no terceiro ano e fui para a França. Ganhei uma bolsa de estudo e queria estudar cinema. Fui para França, fiquei lá alguns meses, mas não pude fazer o curso porque a gente tinha que esperar um ano, foi uma confusão lá qualquer. Voltei para o Brasil para terminar o serviço militar, terminar o curso de direito e casar com a minha noiva, a Laurita.
Então, eu fiz o final do curso de Direito. Eu nem ia mais na escola, nem o 11 de Agosto me atraía mais, eu estava fazendo cinema. Eu fui fazer um filme no interior de São Paulo, o Saci, como assistente de direção. Depois, o pessoal que trabalhava no filme – eram dois cariocas importantes – me convidaram para vir para o Rio. Eu vim para o Rio para fazer um filme e, nesse meio tempo, tinha que terminar o curso, mas fiquei pendurado numa matéria.
Voltei para São Paulo para fazer a prova final dessa matéria. Era uma prova escrita e uma oral. Fiz a prova escrita, depois a prova oral. Eu era o único aluno e a matéria era a mais complexa de todas, chamava-se Direito Processual Civil. Foram quatro anos, ia cinco vezes por semana, era matéria que não acaba mais, muito livro, muita apostila. Eu fui fazer a prova oral e o professor muito gentilmente disse: “Você escolhe o ponto.” Eu disse: “Não adianta, qualquer um. É melhor o senhor me perguntar.” Ele disse: “Vem cá, a sua prova escrita não é lá muito boa, mas deixa eu te perguntar uma coisa: o que você vai fazer na vida?” Eu disse: “Cinema.” E ele: “No Brasil? Cinema?” Ele riu porque, especialmente em São Paulo, o cinema era coisa impossível de ser feita, porque já tinha sido tentada, teve a experiência na Vera Cruz. Os empresários paulistas muito bem sucedidos tentaram fazer uma indústria de cinema, importaram equipamentos, construíram estúdios perfeitos, iguais aos estúdios americanos, e fracassaram. Fizeram 14 filmes e morreram na praia. Houve outras tentativas. Então, na cabeça do meu professor, tão bonzinho, ele não entendia: “Você é maluco, você tem o curso de Direito, vai ser advogado em vez de fazer cinema no Brasil, é impossível.” E eu reafirmei: ”Eu vou fazer cinema sim, já estou fazendo. Fiz um filme lá no interior, estou trabalhando no Rio.” Ele disse: “Está bom, vou acreditar em você, mas você vai me prometer uma coisa.” “O que é?” Ele disse: ”Você promete que não vai advogar, que não vai fazer concurso para juiz de Direito, não vai fazer concurso nem para Delegado de Polícia!”
Aí eu contei essa história lá para a Congregação. Foi um motivo de riso e eu disse: “Mas é por isso que eu estou contando, porque toda vez que eu passava apertado no cinema, eu dizia ‘bom, eu tenho uma outra profissão, posso ainda fazer direito... Mas eu prometi para o professor!’”
INFLUÊNCIAS PROFISSIONAIS
Vera Cruz
Eu ia muito ao cinema, sempre fui de freqüentar cinema, depois com a participação em cineclubes, vislumbrando a possibilidade de passar para o outro lado. Às vezes, ficava olhando para dentro da tela e pensava em passar para fazer o filme. Outra coisa importante foi essa tentativa da Vera Cruz. O [Alberto] Cavalcanti chegou no Brasil, fez várias conferências, então eu disse: ”Poxa, um brasileiro que fez cinema tão bem na Europa é um vitorioso. É até possível que outros brasileiros encontrem um caminho parecido.” E começou a ter produção de cinema em São Paulo. Havia mais no Rio, a diferença era muito grande, no Rio a tradição de fazer cinema já era bem arraigada. Em São Paulo houve muitas tentativas de fazer cinema.
Pai
Eu lembro que meu pai sempre foi muito de arriscar tudo, acreditava sempre no futuro. Ele comprou ações de uma empresa de produção de cinema, chamava-se Companhia Americana de Filmes. Meu pai também comprou terrenos da futura Capital Federal. Comprou quatro terrenos perto de onde se chama hoje Planaltina. Ele comprou isso em 1928, quando eu nasci. Imagina!
Mas, então, ele acreditou na produção de cinema no Brasil, em São Paulo. E essa Companhia Americana construiu um estúdio que não tinha nenhuma defesa sonora, mas parecia um estúdio e tal, sabe onde? Ali no Aeroporto Santos Dumont, na entrada e saída dos aviões. Quer dizer, era impossível pensar em fazer um filme sonoro naquele lugar. E essa companhia não produziu nada, ela fez o estúdio e faliu.
Então, essa idéia da possibilidade de realizar cinema não era uma coisa tão distante, tão mítica, havia uma certa proximidade. E meu pai contribuiu muito para isso. Era um cinéfilo! Naquele tempo, essa palavra não existia, mas ele e minha mãe freqüentavam cinema, conheciam todos os filmes, tinham o hábito de freqüentar cinema.
O próprio cinema
O que mais me seduziu foi o próprio cinema, quer dizer, a idéia do filme e a possibilidade também de fazer filme. Quando apareceu a Vera Cruz, eu já estava bem seduzido pelo cinema. A Vera Cruz começou em 1947, por aí, 1948, no tempo da escola. Em 1949, eu fui para a França estudar cinema.
Neo-realismo italiano
Uma outra coisa importante no plano cultural, intelectual, foi a presença do cinema italiano, porque o cinema italiano, o neo-realismo, virou tudo de cabeça para baixo. O cinema era igual a grandes capitais – no sentido de dinheiro –, grandes estrelas, tecnologia avançada, a tecnologia que só gente do primeiro mundo poderia dominar e controlar. Então, nesse sentido, o cinema era realmente uma arte do outro lado, uma arte eqüidistante. E o neo-realismo fez o quê? Era um cinema com o equipamento mínimo possível, feito na rua, com o dinheirinho do estúdio e com o próprio povo como ator. Essa que foi a virada. E o neo-realismo mexeu com o mundo inteiro, porque influenciou o cinema indiano, na Grécia também apareceu o neo-realismo, no cinema francês, a nouvelle vague não seria a nouvelle vague se não tivesse existido o neo-realismo. O próprio cinema americano foi chacoalhado por aquilo, muitos atores americanos foram para a Itália. Uma estrela-mor do cinema americano, a Ingrid Bergman, foi fazer filmes na Itália, apaixonada pelo [Roberto] Rossellini. E outros atores, como o Anthony Quinn, foram filmar na Itália para descobrir aquele cinema que revelava o cotidiano, a vida comum.
FILMES MARCANTES
Muitas produções me marcaram. É sempre bom lembrar dos grandes clássicos desse neo-realismo, que são os filmes do Rossellini, o “Paisà”, o “Roma Cidade Aberta”. Depois, mais tarde, esse movimento neo-realista prosseguiu, enriqueceu-se muito com outros autores, como o Visconti, que juntou a história com o cinema, combinou as duas coisas. Esse filme do Visconti foi uma grande revolução cultural – essa expressão é feia demais, revolução cultural! Mas mexeu com a cabeça de quem estava nadando, boiando na área da literatura da história das artes. De repente, deu assim: é possível.
PRIMEIRO FILME
Antes do Saci, eu fiz um documentário comigo mesmo, em 16 milímetros, “A tarefa do partido”. Foi no final dos anos 40. Todos os anos havia um famoso Festival da Juventude, que acontecia sempre num país do lado socialista. Em 1950, se eu me lembro bem, foi em Berlim o Grande Festival da Juventude. Eu fui encarregado de fazer um filme sobre a juventude paulista, sobre como vivia a juventude paulista no campo, na escola, no exército, na fábrica etc. Então eu fiz um documentário assim. Eles perderam o filme, foi e não voltou, era uma cópia única. Essa juventude vivia igual hoje, não é? Acho que hoje até um pouco pior. Essa foi a primeira experiência mesmo.
O trabalho era difícil. Era um documentário bem naturalista: o que era o trabalho de um jovem na fábrica. Era o lugar mais difícil de filmar. Com manobra do Exército não tive problema, filmei tiro de canhão, soldadinhos marchando. Mas para entrar na fábrica com uma câmera, era lugar muito feio, não podia filmar, sei lá o que os escondiam lá dentro. Mas, de qualquer forma, eu consegui fazer algumas cenas.
CINEMA BRASILEIRO
Naquela época, o cinema brasileiro ainda era uma atividade privada, não havia participação do Estado. A única participação do Estado, que agora se transferiu para outro setor, era a censura. Era a única coisa que o Estado fazia pelo cinema: proibir ou deixar passar, proibir parcialmente, proibir inteiramente. Era isso. E era constitucional, você vê que “paísinho” a gente virou. Isso acabou em 1988. “É proibido para menores de 18 anos.” Ainda existe isso de outra forma, um pouco mais sofisticado, principalmente na televisão.
São Paulo
De qualquer forma, era de iniciativa privada, era dinheiro do bolso do produtor e do próprio mercado. Como, por exemplo, o caso da Vera Cruz, que foi um investimento maciço, pesado, de um grupo de capitalistas. Eles não pensaram em pedir dinheiro ao Governo, em obrigar o Governo a dar dinheiro para o cinema. Eles fizeram um investimento, só que não foram muito bons na gestão da produção e muito menos na questão de mercado. Eles achavam que o mercado estava pronto. Inclusive, tinham uma ilusão tão grande que ousavam colocar no letreiro do filme, na primeira coisa que se lia, assim: “Do planalto paulista para as telas do mundo”. Então, olha que ilusão! As telas do mundo pertenciam ao cinema hegemônico de Hollywood. Nem as telas do Brasil, nem as telas da cidade de São Paulo eles poderiam ter, quanto mais as telas do mundo. Era uma ilusão incrível. Então, aquele investimento todo não voltou, mergulhou, acabou o fôlego e a Vera Cruz ficou pendurada, fechou.
Rio de Janeiro
No Rio de Janeiro, havia uma produção mais antiga, portanto mais sábia, que já tinha mais continuidade, porque se situava muito bem no mercado, porque também estava aliada a sabe o quê? Ao rádio. A produção do cinema no Rio de Janeiro, até a invenção e instalação da televisão, era ligada a todas as rádios que divulgavam música, que tinham um elenco de artistas, cantores e compositores. Então, o cinema, o filme, fazia o papel que a televisão faz hoje, quer dizer, levava a imagem do cantor lá no Ceará, no Mato Grosso. Lá o consumidor ouvia a voz do Orlando Silva, a voz da Linda Batista, mas também queria ver. Tinha a fotografia do lado, mas o cinema levava um show, levava o artista cantando. Então, os filmes tinham o maior sucesso por isso, ele tinha essa relação. A linguagem de um filme da época era isso: uma historinha, de preferência com um cômico, no caso foram o Oscarito e o Grande Otelo – que foram maravilhosos, fizeram filmes importantíssimos – e tudo isso entremeado com show. Então, tem o show da Linda Batista e tal. A construção era essa, havia procura para aquele cinema. O cinema da Vera Cruz era um cinema que se organizou para ser um cinema de mercado internacional, tinha a história, a construção muito bem feita, a fotografia ótima.
Filmes da Vera Cruz
O primeiro filme foi “Caiçara” e nessa época eu era crítico de cinema, da revista do Partido Comunista, chamado “Fundamentos”. Aí eu malhei o filme, disse que o filme não tinha nada a ver com o povo brasileiro etc. Não mudei de opinião em relação a esse filme, porque era assim: um ator de teatro lá dos Jardins, nascido em berço de ouro, fazendo um papel de um caboclo caiçara. Está na cara, cinema não é teatro, cinema tem que ter essa verdade. Cinema é burro demais, tem que ser concreto, o personagem tem que ter o chamado physique du role inteiro, principalmente no Brasil, etnicamente.
Mas a Vera Cruz obedecia aos cânones do cinema industrial americano e eram histórias, na maioria, de autores italianos que nunca tinham conhecido o Brasil. Fizeram filmes bem feitos e tal. Tem um filme feito por um italiano muito bom, da Vera Cruz, uma comédia deliciosa, chama-se “Uma pulga na balança”. Como é o nome do diretor? Eu vou lembrar daqui a pouco. Tem um filme da Vera Cruz que é um clássico, que rompeu com tudo isso que a Vera Cruz fazia, foi um filme feito pelo Lima Barreto, chamado “Cangaceiro”. Esse filme foi o primeiro filme que lidou com o mito brasileiro, tinha uma coisa do cangaço etc. É verdade que era o caminho, fazia alguma coisa parecida com o gênero western de filme americano, com um conteúdo brasileiro, a idéia foi essa. Aí deu certo, o filme vendeu no mundo inteiro. Dizem até que esse foi o último filme da Vera Cruz e que deu certo, que ganhou mesmo as telas do mundo. Mas a Vera Cruz já estava devendo tanto à Columbia Distribuidora, que ficou por isso mesmo.
CINEMA NOVO
Com a televisão, a chanchada, essa fórmula de cinema-rádio, acabou, entrou em decadência. Nesse momento é que aparece o Cinema Novo com outro tipo de cinema, o cinema cult, o cinema que tem reconhecimento internacional, mas não tem bilheteria – reconhecimento internacional na crítica, na repercussão que deu.
PARTICIPAÇÃO DO ESTADO NO CINEMA
Essa fase do cinema de iniciativa privada se encerra também com os congressos de cinema. Teve dois congressos de cinema. Eu participei desses dois congressos, o congresso em São Paulo e depois no Rio, que marcavam o fim da iniciativa privada. Então, nesse congresso é que se propõe a participação do Estado. Tudo se pedia ao Estado: “Papai, estamos aqui.” Não tinha condição de sobreviver, podia fazer o melhor filme que fosse, mas ia para os cinemas, o exibidor colocava uma semana e deixava para lá, porque a oferta do cinema americano era muito maior e garantida. O cinema brasileiro não podia oferecer com tanta precisão os filmes para o ano todo, com uma temporada inteira.
Então, eles [os exibidores] têm realmente uma relação com o cinema americano. Uma relação umbilical. Isso é instrumento de tese hoje. Porque a economia do cinema no Brasil, do mercado de cinema, é a economia do cinema americano, é dependente da economia do cinema americano. É preciso que esses filmes tenham renda aqui, só para poder ter mais filmes. É uma trajetória de dependência histórica que vai dizer porque a política é essa. Isso vinha acontecendo desde os anos 20, desde que começou o mercado cinematográfico no Brasil. Então, essa fase da tentativa de fazer cinema com recursos próprios acaba nesse momento. Outros exemplos: aqui no Rio tinha a Cinédia, do Ademar Gonzaga, que tinha estúdio, ele produziu muitos filmes. Depois a Atlântida, que foi iniciativa dos irmãos Burle. Depois o exibidor Ribeiro comprou e começou a produzir. Ele, como exibidor, tinha condições de dar saída para os filmes que produzia. Era esse o panorama do cinema brasileiro até esse momento.
Então, quando começa a intervenção do Estado, ela vem palidamente. Primeiro com o Getúlio, que obriga a passar filmes nacionais. Para cada oito filmes importados, tinha que passar um brasileiro. Isso foi o começo da participação do Estado. Mas era preciso mais do que isso, para facilitar importação de equipamentos e matéria-prima, filme virgem, essas coisas assim. Todo o esquema do Estado foi montado para proteger o cinema importado. Vou dar um exemplo: na época, todo dólar que o Brasil produzia era controlado pelo Banco do Brasil. Então, tudo que a gente produzia em dólar ficava para o Brasil. Aí o Banco do Brasil vendia dólar para quem precisava e havia várias categorias de dólar, três, quatro ou cinco, uma coisa assim. Então, o cinema, para exportar as vendas obtidas daqui, era em dólar, dólar comprado o mais barato possível. Da outra ponta, era dólar mais caro para comprar filme virgem. O dólar custava cinco ou 10 vezes mais do que aquele que exportava o lucro. Eles dão um exemplo de uma rede de medidas que favoreciam a exploração do cinema importado no Brasil. Estou dando uma só, eram muitas. E não existia nada para o cinema brasileiro.
Eu vou dar outro exemplo: estou com um problema de importação do meu primeiro filme que foi para Praga – foi para a Tchecoslováquia, na época se chamava Tchecoslováquia –, a gente exportou o master. O negativo original perdeu-se, não quero contar essa história, mas, enfim, eu preciso daquele que foi para lá para fazer um novo negativo. Lá me informaram que o master que eles compraram em 1956, 1957, foi para a China. Aí eu me lembrei da história da China: por que aquele master foi para a China? Porque a China comprou o filme e queria que a gente fizesse uma banda internacional, algo assim. Aí a gente fez e o valor da compra que a China mandou para o Brasil foi de cinco mil dólares. O funcionário da Cacex simplesmente proibiu. Eu disse: “Mas como?” E explicaram: “Vocês estão fazendo uma fraude, vocês devem estar ganhando por fora, porque só cinco mil dólares! Olha aqui quanto eu exporto só do filme da Fox que passou no mês passado aqui. E a China tem muito mais gente que o Brasil, tem muito mais cinemas.” Então impediu. E aqueles cinco mil dólares iam resolver muitos problemas da nossa pequena produção. Mas, então, veja a diferença de tratamento.
EMBRAFILME
Há sempre essa demanda da participação do Estado, mas um Estado que fosse a favor, não que fosse contra. Nós tivemos um período em que a participação do Estado era quase 100%, no tempo da Embrafilme. A Embrafilme co-produzia o filme, distribuía, financiava roteiros, fazia tudo, era praticamente tudo feito pela empresa do Estado. E depois, quando chegou em 90, com o Collor, acabou tudo, o cinema brasileiro ficou no meio da rua, porque perdeu tudo o que tinha de apoio. Era paternalismo quase 100%, depois zero. Aí depois voltou a participação do Estado, mas uma participação indireta, através das leis de incentivo. E agora, desde o final do governo do Fernando Henrique, foi criada a Agência Nacional do Cinema, quando voltou a ter uma presença do Estado, uma presença regulatória.
Divulgação do cinema brasileiro
A primeira Embrafilme nasceu em 1968, 1969, por aí. Ela nasceu para fazer o quê? A única finalidade da Embrafilme naquele tempo, quando nasceu, em plena ditadura militar, foi a de divulgar o cinema brasileiro no exterior, era essa a sua finalidade. Veja só a ironia: naquele momento, o cinema brasileiro era mais do que divulgado no exterior por conta própria, porque eram os filmes do cinema novo. A partir de 1964, no festival de Cannes, depois em 1965 no festival de Berlim, três filmes ficaram muito conhecidos: “Deus e o Diabo [na Terra do Sol]”, do Glauber, “Vidas Secas”, e “Os Fuzis”, do Rui Guerra. Junto com esses, também outros filmes do Glauber, do Cacá Diegues. Os filmes do cinema novo começaram a ser vendidos, divulgados fora do Brasil. E o que mostrava o cinema novo? Era tudo o que a ditadura dizia que não existia no Brasil, porque para a propaganda oficial estava tudo resolvido, estava tudo bem, era o milagre, a economia maravilhosa e tal. Mas como o país tem uma economia tão boa e tem miserável na favela? Como isso se explica? Então, essa Embrafilme, a primeira Embrafilme, nasceu para exportar os filmes de propaganda mesmo, de propaganda turística, os filmes anódinos. Os filmes tinham só uma historiazinha que podia combinar com a propaganda oficial da ditadura. Essa foi a primeira Embrafilme.
Governo Geisel
No começo do Governo Geisel, havia uma promessa de redemocratização. Uma promessa de fazer uma coisa diferente. Procurou-se um contato com o mundo intelectual, o mundo da cultura, houve uma tentativa de reaproximação ou uma aproximação com o mundo da cultura. E o cinema respondeu positivamente, com uma condição. Eu fiz parte logo no começo e disse: “Está bem. É preciso, então, alguma coisa que defenda o cinema brasileiro do ponto de vista econômico e político.” Havia o Ministro Ney Braga, da Educação e Cultura, e havia também o Ministro Reis Velloso, do Planejamento, um homem muito ligado ao cinema, gostava muito de cinema. E quando estudava em Harvard, ele viu filmes brasileiros, tipo “Vidas Secas”, sendo apreciados pelos colegas americanos. Tanto que ele teve uma grande satisfação, que ele conta na vida dele, de assistir a isso: o cinema brasileiro, que no conceito dominante era alguma coisa desprezível, que não tinha status cultural, de repente está lá presente numa universidade da importância de Harvard. Isso ajudou muito. “Então, vamos negociar!” E foi esse o ponto de partida para se chegar à nova Embrafilme.
Eu participei da comissão que reestruturou os órgãos de cinema. Os órgãos que existiam eram: o Instituto Nacional de Cinema, que tinha sido feito anteriormente durante o começo da ditadura, havia o antigo Instituto Nacional de Cinema Educativo, que foi feito por Roquette Pinto e a seguir pelo Humberto Mauro, e a Embrafilme, que foi criada depois. A idéia era: o que fazer com esses órgãos? E a proposta que eu apresentei foi uma imitação do que tinha acontecido na Fundação da Petrobras: era um triângulo ou um tripé, não sei como se chama. É uma empresa dentro do mercado, atuando com todas as atribuições possíveis. Produção direta não, porque aí interferiria no pensamento, na criatividade. Qualquer projeto sempre tem que nascer com o produtor, diretor. A Embrafilme participaria – participou depois efetivamente – da produção, com 40% do valor do orçamento. A Embrafilme também distribuiria os filmes. Isso foi feito adiante. A Embrafilme Distribuidora adiantaria sobre a renda mais 40% do orçamento. A Embrafilme Exibidora – essa nunca aconteceu. A Embrafilme Importadora de Filmes – também nunca aconteceu e o projeto ficou pela metade.
A coisa mais greve é que a Embrafilme não foi organizada para ser uma empresa, o que aconteceu com a Petrobras. Uma empresa mesmo, competitiva, com organização empresarial, essas coisas todas. Ficou um misto de repartição pública e empresa. Tudo era permitido a Embrafilme, menos ganhar dinheiro, menos uma atividade lucrativa. De vez em quando até parecia o INPS: “Se ele está desempregado, dá um financiamento de um roteiro para escrever.” Não foi uma empresa mesmo para competir, para entrar no mercado e competir e estabelecer um espaço para o cinema brasileiro, dentro do mercado brasileiro. Ela ficou pela metade. Mas a Embrafilme, o que ela viveu já foi o suficiente para mostrar que é possível ter, no próprio mercado, condições para dar auto-suficiência à produção do cinema no Brasil.
“RIO 40 GRAUS”
Eu estou comemorando 50 anos de “Rio 40 Graus”, então estamos levantando toda essa história. Do ponto de vista financeiro, administrativo e de produção, como que o filme foi feito? Foi assim: eu tinha o roteiro, já tinha trabalhado em outros dois filmes aqui, conheci alguns produtores e pensava em vender o roteiro. Mas não consegui. Aí encontrei um antigo ex-colega do mesmo colégio, o famoso Colégio Presidente Roosevelt, lá do bairro da Liberdade, o Ciro Freyre Cury, que era funcionário da Cacex, alto funcionário da Cacex, um economista brilhante. Então, ele bolou um programa de produção com base cooperativista. Na realidade – era alguma coisa que já se fazia e que ainda hoje se faz em teatro – era o seguinte: uma parte é captar o dinheiro e outra parte é captar o trabalho. Então, a equipe, o diretor, cada um recebia uma participação na futura renda do filme. Ao mesmo tempo, a gente podia vender cotas para quem quisesse investir no filme. Evidentemente, quem investia eram os amigos muito próximos, os parentes. Porque não tinha nenhuma perspectiva de ser um bom negócio fazer um filme tipo “Rio 40 Graus”.
Enfim, o filme foi feito assim, com ajuda, com colaboração. O Humberto Mauro era diretor do Instituto Nacional do Cinema Educativo e emprestou uma câmara adaptada, uma câmara de cinema mudo que foi adaptada, então a gente tinha câmara de graça. O dono do laboratório deu um financiamento para revelação e copiamos tudo isso, até a primeira cópia. Havia sempre uma possibilidade de colaborações, apoios. E o filme foi feito dessa forma. No final, quando o filme ficou pronto, o dono do laboratório levou o gerente da Columbia para ver o filme e a Columbia comprou o filme. Então, começamos lá em cima, acabou tendo a mesma distribuição que a Vera Cruz tinha na época dela.
“RIO ZONA NORTE”
Eu fiz o “Rio Zona Norte”, mas do “Rio Zona Sul” eu desisti, porque o “Rio Zona Norte” foi um fracasso. Eu tinha produzido também um filme em São Paulo, no grande momento do Roberto Santos, e os dois filmes não foram bem na bilheteria e não tinha nem uma Embrafilme para pagar a conta. Então, parei com a produção de cinema, voltei, fui trabalhar em jornal, trabalhei no Diário Carioca e depois no Jornal do Brasil. Aí tentei fazer o “Vidas Secas”, mas choveu. Fiz um outro filme. A história aí vai indo, vai indo.
PREFERÊNCIAS
Eu gosto de todos [os meus filmes]. Mas tem um que não chegou a ser um filme, quer dizer, eu o considero um rascunho, que é o “Mandacaru Vermelho”. É o tal filme de quando eu deveria ter feito “Vidas Secas”, mas mudou tudo porque choveu na caatinga e eu inventei essa história do “Mandacaru Vermelho”. Fiz um filme em que os atores eram todos da equipe, lá só tinha um ator profissional – não, dois atores profissionais –, o resto era assistente de direção e tal. Uma brincadeira! Cada filme é uma experiência diferente. Isso já foi até bem caracterizado pela crítica, que sempre muda um pouco, um filme é um filme, o outro filme é outro. Acho que isso é também o espírito de jornalista. Se eu cobrir uma matéria, vou fazer de novo o mesmo assunto? Aí se pensa em outro. É sempre assim: uma mudança de filme para filme.
Aqueles que mais ficaram, que são mais lembrados, acho que são o “Rio 40 Graus” – eu gosto muito dele porque é o primeiro, o primeiro é sempre importante –, o “Vidas Secas”, “Fome de Amor”, um filme especial, “O Francês” – vou acabar falando todos –, “O Amuleto de Ogum”, do qual eu gosto muito, “Memórias do Cárcere”. O “Memórias do Cárcere” não é biográfico, mas tem muita relação com a minha passagem pelo Partido Comunista, a vivência é muito semelhante a do personagem.
CINEMA NO BRASIL
Cinema Novo
No cinema novo eu vi aquele grupo aguerrido num momento de transformação, ele tinha uma disposição de lutar. Duas coisas provocavam isso, não só no cinema, mas na pintura, na literatura, na música: era a questão social, que é um discurso antigo, da literatura dos anos 30, da Semana de Arte Moderna, portanto de modernizar o Brasil, de acabar com esse atraso, essa coisa que nos conduz, ter essa ilusão. A segunda coisa, como tinha uma ditadura militar, era lutar pelas liberdades democráticas, ser contra a ditadura, contra qualquer tipo de opressão, qualquer tipo de autoritarismo. Então, eram essas duas coisas. E tem uma terceira coisa que eu acho que foi o grande legado do cinema novo: o domínio da linguagem universal do cinema e, ao mesmo tempo, juntando isso com a nossa herança cultural. O cinema é uma linguagem universal, então ainda é possível ela ter esse trânsito rápido, o cinema vai a qualquer lugar, vence a barreira da língua. Até então, com raríssimas exceções, o cinema brasileiro fazia essa tentativa de linguagem, mas achava que o conteúdo tinha que ser aquele que aquela tal linguagem carregava com ela, segundo ele havia aprendido.
O cinema novo e outros antes se voltaram para a nossa tradição, para a nossa cultura, para a nossa história. Então, por exemplo, um “Deus e o Diabo na Terra do Sol” é um brilhante filme, em qualquer lugar do mundo, para qualquer um que o tenha assistido em festivais, quantos livros ele produziu fora do Brasil em estudos sobre o cinema – porque é uma linguagem para eles completamente nova e para nós também, isso foi um grande momento do cinema.
Cinema – Cursos e Profissionais
Hoje tem outra coisa também: naquele tempo éramos 15. Hoje, só lá na Universidade Federal Fluminense, onde tem o curso de cinema do qual eu fui professor e ainda sou, aposentado, saem uns 50 jovens por ano, com aquela vontade de fazer cinema, com a cabeça feita para o cinema. E cada um ao seu modo. Essa é a diferença, porque não há mais nenhuma ditadura nos oprimindo, a questão social é completamente aberta, é discutida em todos os níveis, em todos os lugares, quem quiser fazer cinema, que o faça, mas não é mais obrigado. Tem uma coisa que se dizia: “Hoje a juventude não é mais obrigada a salvar o mundo, ela tem que salvar a ela mesma, é só cada um fazer o que quer.” Então, daí vem a pluralidade do cinema brasileiro, a pluralidade temática, que é uma grande vantagem, uma riqueza. Porque são muitos criadores, são muitos talentos, muitas vidas dedicadas ao cinema e à criação cinematográfica.
FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM CINEMA
Autodidatismo
Outra coisa é a formação. Nós todos fomos autodidatas. Quando eu comecei, no meu tempo, tinha um livro de cinema em espanhol, que andava todo dia debaixo do meu braço: Tratado da la Realización Cinematografica, do Leon Kulechov. Aí apareceu um livro de um crítico de cinema em São Paulo, Carlos Ortiz, uma cartilhazinha, coisa muito simples. Era a única coisa em português que havia, já até se alimentava do que era importado mesmo. Havia algumas revistas de cinema no Brasil, mas eram mais de divulgação dos filmes, não havia uma revista de estudo, de crítica, de ensaios. Isso vai acontecer posteriormente, com o tempo.
Ensino Superior
Hoje há quantas escolas de cinema? Eu participei da fundação de duas: a de Brasília, que fechou seis meses depois – em 1965 os militares nos botaram para fora, lá estava o Paulo Emílio etc – e a Universidade Federal Fluminense teve um curso de cinema em 1968. Aqui em São Paulo, em 1966, 1967, com Paulo Emílio, e há outros cursos superiores de cinema em outras universidades privadas. Aqui no Rio nós temos a Gama Filho, a Estácio, fora cursos, digamos, independentes. Em São Paulo, a FAAP [Faculdade Armando Álvares Penteado] também tem um bom curso de cinema. Além disso, muitos jovens vão estudar nos Estados Unidos, na França, na Itália. Então, hoje, como se diz aí em linguagem mercadológica, o RH do brasileiro é muito bom, muito rico e é eficiente.
Modelos
Além do mais, há todas as facilidades das novas tecnologias – tecnologias que são proporcionadas para o aprendizado, para a realização, para a reprodução, para o conhecimento. Vou dar um exemplo de como o cinema brasileiro era desconhecido: o caso do “Limite”, de Mario Peixoto. “Limite” é um filme de 1930 e ficou famoso. Só que não era visto, não era conhecido, tinha uma cópia só que é guardada por um amigo do Mario Peixoto. E até o Glauber escreveu no primeiro livro dele que tinha que destruir esse filme, porque ele virou um mito. Então, para todo jovem que ia fazer um filme, que queria fazer cinema, diziam: “Não adianta! Você jamais fará um filme tão bom quanto ‘Limite’.” E cadê o “Limite”? Ninguém conhecia. O “Limite” estava na memória dos mais velhos, dos poucos que tiveram a oportunidade de ver o filme. Aí, falaram: “Vamos destruir esse filme.” Não havia cinemateca, então as cópias eram difíceis de ver.
Eu, por exemplo, conheci Humberto Mauro pessoalmente antes de conhecer a obra dele. Quando eu vim para o Rio, conheci Humberto Mauro. Eu vi o último filme que ele fez, que estava sendo lançado em 1952. Os filmes que ele fez depois, graças ao Davi Neves, ao próprio Glauber, foram recuperados, a memória crítica, os filmes do Humberto Mauro, toda obra dele. Era um desconhecido, porque não havia como. Na cinemateca, tem uma cópia de quando ele estava começando. Hoje é vídeo-cassete, DVD. Os jovens têm condições de fazer um bom estudo da história de cinema em geral e da história do cinema brasileiro, o porquê, o que aconteceu, o que não aconteceu, quais os caminhos. É uma grande diferença isso.
PATROCÍNIO PETROBRAS
Eu acho que a Petrobras é a empresa que mais patrocina. Eu acho que, no começo, a própria Empresa não sabia da importância disso. As estatais, em geral, aplicavam, faziam os investimentos na área do patrocínio através de recomendações políticas, era um pouco assim. Mas acho que não havia dentro da própria Petrobras essa consciência de como é importante essa área. Eu via que, desde o começo, tinha muitos projetos, eu me sinto acionista da Petrobras! Eu não tomei cadeia por causa do “Petróleo é nosso”, mas alguns colegas tomaram naquele tempo. Então, esses colegas poderiam até cobrar um quinhão do sucesso da Petrobras!
Porque as leis de incentivo – tanto a Rouanet, quanto a Lei do Áudio Visual – não são tão atrativas para o cinema na iniciativa privada. São poucas as empresas privadas, as indústrias [que utilizam as leis]. No começo houve, mas eu tenho impressão de que havia também um pouco de corrupção numa empresa privada – no momento de utilizar as leis de incentivo havia alguma combinação entre os intermediários dos produtores com os executivos das empresas privadas, na aplicação desses recursos nesse ou naquele projeto.
Mas, no decorrer do tempo, as estatais é que ficaram sustentando o grosso da produção de cinema, e a Petrobras é a maior de todas, eu acho. Acho essa união muito natural – na minha cabeça, pelo menos. É tão natural ter uma Empresa como a Petrobras – sólida, forte, vigorosa, lucrativa – reconhecendo outra atividade brasileira, econômica e cultural, que tem complicações muito graves, complicações que a própria Fundação da Petrobras teve que enfrentar. A história é muito mais pesada [no caso da Petrobras], é uma outra área [a de petróleo] que dá até guerras. É verdade que o cinema também é muito complicado. Tem um teórico do cinema que diz que “o país, antes de pretender ter um cinema independente, precisa ter uma bomba atômica, precisa ter o poder nuclear, porque sem o poder nuclear ninguém vai ter um cinema independente”. Eu acho um pouco exagerado, mas de vez em quando os exageros podem abrir uma luz em algum aspecto da nossa atividade, da nossa vida.
Mas é isso que eu acho: eu vejo que a presença da Petrobras na atividade cultural do cinema é vital e é alguma coisa que também contribui enormemente no plano político, econômico, na afirmação do pensamento brasileiro na área do áudio visual. Esse é o grande passo, a grande segurança que ela nos dá.
PRIMEIRO PATROCÍNIO DA PETROBRAS
Foi no final do Governo Fernando Henrique. Eu ganhei o patrocínio para a restauração dos meus filmes pela BR. E da Petrobras eu ganhei um brinde, fiz até um curta-metragem, homenageei o meu compadre Zé Kéti, compositor. Mas, antes disso, apesar de ter apresentado os meus projetos, eles não foram aceitos. Eu tinha um chamado “Guerra e Liberdade”, que era a história do Castro Alves em São Paulo e não consegui patrocínio. Eram tantos. E não havia também os critérios que foram estabelecidos. Não quero fazer nenhuma crítica, absolutamente, eu não estou me queixando, estou respondendo à pergunta.
DOCUMENTÁRIOS
“Casa Grande & Senzala”
Eu fui convidado para fazer o [documentário do] Gilberto Freire, para participar das comemorações do centenário do nascimento dele. Então, teve um trabalho de preparação muito grande, fiquei muito tempo trabalhando, trabalhei com muitos escritores para fazer a adaptação. A idéia era fazer 13 capítulos. Mas, depois de problemas com a produção, com o canal GNT, eles preferiram fazer uma série mais enxuta. Passei para quatro episódios. Tive a sorte maravilhosa de trabalhar com o Professor Edson Neri da Fonseca, que é o narrador do filme. A função do professor, designado pela Fundação Gilberto Freire, era a de colaborador nos roteiros. A função dele era ler os roteiros e corrigir aqui, melhorar as informações ali. Nessa relação, de repente, me dei conta de que era ele o objeto do documentário: o Professor Néri, que conviveu com Gilberto Freire por muitos e muitos anos, que conhece toda a obra de Gilberto Freire, que é o guardião da obra não publicada do Gilberto Freire – ele procura o que o Gilberto escreveu e que não foi publicado em livro. Até hoje ele trabalha nesse sentido, ele conhece tudo e ao mesmo tempo tem uma memória prodigiosa, uma cultura riquíssima, variada, de marchinha de carnaval à teologia – ele é professor de teologia no Mosteiro de São Bento, em Olinda. E, ao mesmo tempo, ele conhece as marchinhas mais picarescas do repertório brasileiro. Enfim, é uma pessoa riquíssima e é bonito, ele é um homem bonito, alto, simpático, fala que é uma beleza. E aí falei: “Pronto! O filme está pronto.” Esse filme é o “Professor”, a memória dele. Trabalhamos muito, foi bom.
“Raízes do Brasil”
A Petrobras também colaborou com o final do Sérgio Buarque de Holanda [no filme “Raízes do Brasil”]. Foi um grande prazer fazer o filme. “Raízes do Brasil” é uma outra experiência. Por causa do centenário do Gilberto Freire, uma das filhas do Sérgio Buarque, a Ana de Holanda, falou: “Nelson, faz o filme do meu pai, porque o centenário dele vai acontecer no ano que vem.” Isso era em 2001. Pensei: “A idéia é boa!” Eu fiz o roteiro, o canal GNT já tinha mudado de perfil, então não participou. Eu comecei a fazer uma produção independente junto com a Vídeo Filmes, do Walter Moreira Salles, que apoiou também “Casa Grande & Senzala”. Walter e o João, que foi um grande documentarista. Eu fiz o filme com a Miúcha e juntos também escrevemos o roteiro do filme, as idéias. Na realidade, era um filme só, com aquele texto que o Sérgio deixou, mais a memória da família. Mas ia ficar tão comprido, é complicado, porque tem tanta coisa que eles falam que eu não podia cortar. Então, eu tive a idéia de fazer dois filmes, separar um com o retrato afetivo dele, feito pela família, todos eles falando, os netos também.
Eu achei a experiência maravilhosa, foi muito divertido de fazer. E depois nós viajamos fazendo a contra-partida social, porque eu me comprometi a exibir o filme em quatro ou cinco universidades, acompanhando uma mesa redonda, um seminário sobre “Raízes do Brasil”, sobre Sérgio Buarque. Foi fantástico, já estivemos em várias universidades, em Campinas, na USP, em São Paulo, Bahia, Brasília, Porto Alegre, o que mais? Em todos os lugares, com o debate, com a juventude toda ali presente, descobriu-se uma personalidade, uma figura tão atual e que provoca muito interesse. Especialmente sobre essa obra fundamental, que é “Raízes do Brasil” – o problema da formação do chamado “homem cordial”, as relações afetivas, as relações privadas se sobrepõem às relações públicas, então é uma formação muito interessante. O filme e o livro dão uma mistura boa. E foi ótimo!
HUMOR
Eu acho o humor fundamental! Eu tento, muitas vezes não dá certo. Mas eu acho que é tradição, é uma coisa de família, teve a minha mãe, o jeito dela. Sempre há uma pitada de humor nos meus filmes. Eu acho que não dá para fazer de outra forma. Com o Sérgio Buarque de Holanda também, foi outra grande lição que ele deixou para todos os amigos, para a família: não se leve a sério, se começou a se levar a sério, fritou-se. Ele tinha a obrigação de estar sempre ironizando as coisas, inclusive a ele mesmo. Ele dizia isso para a gente. Porque é aquele comportamento do homem do modernismo, nunca acreditar porque aí vira “careta”, não vai ter mais condições de pensar, de trabalhar, de viver as coisas com mais precisão.
PROJETOS FUTUROS
Tenho dois projetos, o terceiro é a aposentadoria. Num deles eu já estou na fase de preparação, é um filme de ficção – vou fazer um original meu, a história é minha – e o título é: “Brasília 18%”. Quando se fala “Brasília 18%”, a idéia que surge é um pouco a de uma coisa suja, que tem a ver com corrupção, porcentagem e tal. As pessoas duvidam, muitos dizem assim: “Dezoito é muito pouco!” Eu digo: “Na verdade não é isso, 18% é a umidade relativa do ar.” Fiz “Rio 40 Graus”, que é a temperatura aqui na cidade. Em Brasília não é a temperatura, é a umidade relativa. Já passei em Brasília num dia que [a umidade] chegou a 7%. No último inverno chegou a 10% e é uma coisa que incomoda, é prejudicial, as crianças não vão para a escola. Então, 18% é um número quase no limite e é o que acontece nos três dias quando decorre a história. Por que 18? Podia ser 17 e meio, podia ser 19. Mas é porque vai ser o meu 18o filme de longa metragem de ficção. Como o Fellini fez “8 e meio”, eu vou fazer 18. Então é essa a idéia. Mas a história tem um pouco a ver com corrupção sim, uma pitadinha. Mas numa boa. É mais uma história de amor, uma história muito especial.
Hoje, para a Ancine, a gente é obrigado a fazer a sinopse de três linhas. Então, eu vou repetir aqui a sinopse que foi enviada para a Agência Nacional de Cinema: “Médico legista apaixona-se por mulher assassinada, cujo o corpo é o corpo de delito de um escandaloso caso de corrupção política e administrativa que acontece em Brasília, onde a umidade relativa do ar é de 18%.” Pronto. É isso aí.
Tom Jobim
E tem um outro projeto, que é o Tom Jobim. Eu já escrevi o roteiro com a Miúcha e estamos na fase de preparação, quer dizer, na fase de começar a parte burocrática de apresentação, aprovação na Ancine. Depois começa a capitação. É um filme para ser feito logo depois do “Brasília”, também com dois episódios, parecido com o Sérgio Buarque.
Outros projetos
Tem também a restauração dos filmes antigos, que está sendo patrocinada pela Petrobras-BR. Eu tenho agora esse ano muitos convites da comemoração dos 50 anos de “Rio 40 Graus” e tem o França-Brasil, tem alguma coisa que vai acontecer na França.
PROJETO MEMÓRIA PETROBRAS
Eu gostei muito de conversar aqui com vocês. Espero que façam proveito [desse projeto], já que a memória é algo tão indisciplinado. É fundamental toda e qualquer iniciativa de resguardar, de preservar a memória, de recuperá-la. Isso é muito importante para nós brasileiros, em qualquer setor. A dificuldade que a gente tem, de vez em quando precisa pesquisar, vai para o passado e não acha as coisas, não existe, existiu mas se perdeu. Eu dou parabéns a vocês e estou bem feliz de saber que estão fazendo esse trabalho. E é muito bom para mim estar participando. Obrigado.
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