Projeto Belo Horizonte Surpreendente
Depoimento de Rafael Conde de Resende
Entrevistado por Lucas Torigoe
Belo Horizonte, 27/09/2019
PCSH_HV828 _ rev.
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Ana Beatriz Cunha
Revisado por Paulo Rodrigues Ferreira
P/1 – Qual é o seu nome completo, em que data você nasceu e onde foi?
R – Rafael Conde de Resende, eu sou nascido aqui em Belo Horizonte mesmo, em quatro de abril de 1962.
P/1 – Você nasceu em hospital... Em casa... Como é que foi?
R – Nossa, eu acho que nasci em Maternidade, não lembro em qual Maternidade.
P/1 – E seus pais contaram para você como é que foi o seu nascimento?
R – Não, não me lembro de terem contado não. Eu lembro de ter sido logo depois de um irmão meu, que morreu depois de ter sido tirado a "fórceps”, não é? Eu lembro de depois... Deles terem me contado isso, de eu ter sido… Depois desse irmão, eu lembro bem… Do meu nascimento, é o que eu lembro.
P/1 – Mas depois como assim? Eram gêmeos?
R – Não, eu fui pouco tempo... Acho que um ano antes minha mãe perdeu o filho… Eu lembro que vim depois desse, lembro dessa história, de como morreu… No meu nascimento, acho que deu tudo certo.
P/1 – E como era o nome da sua mãe, inteiro?
R – Maria Cecília Conde de Resende e meu pai é Oto Coimbra de Resende.
P/1 – Como que é a família da sua mãe? Veio de onde?
R – A família da minha mãe… Minha mãe é filha de espanhol, não é? Com brasileira. Meu avô, Emílio Conde, espanhol, muito legal, fugindo la do Franco, não é? Foram dois irmãos que vieram para a América do Sul, o irmão dele foi para a Argentina, meu avô ficou aqui e começou a trabalhar… Foi uma onda mesmo de imigração da Espanha nessa época, tem até a famosa gripe espanhola. E ele veio e virou construtor, mestre de obras, não é? Então ele construiu o Grande Hotel de Araxá, e tal. Mas sempre trabalhando… É, mestre de obras mesmo, não é? E acho que minha mãe é de Carangola, interior de Minas, veio para cá e casou aqui com o meu pai, e sempre estabelecidos aqui.
P/1 – E a mãe da sua mãe? A sua avó?
R – Hila. Meu avô a conheceu em Manhuaçu, no interior, construindo uma ponte, que até a abertura da Hora Vagabunda são as fotos do meu avô. Conheceram-se lá e vieram para Belo Horizonte, não sei, provavelmente ele foi transferido para cá, por causa de alguma obra. Ah, não. Aliás, minha mãe nasceu em Carangola, depois vieram todos para cá.
P/1 – E você conheceu seus avós por parte de mãe?
R – Conheci, conheci. A gente morou até aqui em uma região central de Belo Horizonte, na Cristóvão Colombo, que é a rua principal da Savassi. A gente morava ali e meus pais casaram e moravam em uma casa de frente. E meus avós moravam em uma casa… Um puxado assim, que dava para a rua dos fundos. Então, eu morei um bom tempo com eles, vivos, e tal. Na infância, não é?
P/1 – Com os pais da sua mãe, não é?
R – É, com os pais da minha mãe. E os do meu pai são do interior, de Lagoa Dourada, que é ali próximo de Tiradentes, São João del Rei, não é? No caminho. E fazenda, havia assim... Famílias de… Não meu pai, não é? Não tinha fazenda, mas nascido em fazenda, aquelas fazendas antigas, não é? Que eu cheguei a frequentar muito, inclusive. Mas o meu pai fazia Direito e conheceu minha mãe já estudando em Belo Horizonte. Eles se casaram aqui e sempre viveram aqui.
P/1 – Entendi. Então seu pai era advogado?
R – É, advogado, depois foi Procurador do estado, não é? Os dois já são falecidos também, mas sempre foi advogado.
P/1 – E você falou do seu pai e da sua mãe. Eles se conheceram então aqui, ele estava estudando…
R – É, aqui tinha os bailes do Minas Tênis Clube, os bailes do DCE, os bailes antigos tradicionais, e o que eu sei deles é assim... Eles se conheceram ainda estudantes e casaram, não é?
P/1 – Sua mãe, ela estudou também?
R – Estudou, ela era professora de Educação Física, do Instituto de Educação, sempre foi ligada à Pedagogia, sempre deu aula ligada à Educação Física. Foi jogadora de vôlei do Minas Tênis Clube muito tempo, chegou a viajar. Ela é baixinha, não é? (Risos) Viajava. Chegou a viajar com a equipe do Minas Tênis Clube, de vôlei, e foi professora de Educação Física a vida inteira.
P/1 – Então, quando você nasceu, foi morar nessa casa na Savassi?
R – É, na Savassi, na Cristóvão Colombo. É muito curioso ali porque a Savassi é ponto… Imagina, cidade ainda pequena, não é? A gente… A cidade ficava praticamente dentro da Avenida do Contorno, não é? Não tinha extrapolado muito. Então era meio cidade do interior. Eu lembro assim de... Beirando a Savassi, eu lembro de festa de Bumba Meu Boi, aqueles carros do leite, entregando o leite de manhã. E o Pirulito, não é? Que aqui tem, na Praça Sete, ficava ali na Praça Savassi, lembro direitinho. Movimento hippie, anos 70, Copa de 70, eu lembro, menino, não é? Eu lembro da festa, ali na Praça Savassi, todo mundo festejando… E era bem interessante morar ali, eu achei… Morei até os 15 anos, ali, bem na Savassi, essa primeira casa.
P/1 – E tinha mais casa lá?
R – Eram casas, não é? Eram muito assim, eram… Casas classe média mesmo. Essa casa que a gente morou é na Cristóvão Colombo, 87, eles diziam que era casa do violeiro do JK. Era uma casa bonita, assim, Art- Décor, era uma casa assim, bem anos 40, uma casa interessante. E, claro - não é? - depois foi vendida nessa coisa imobiliária. E hoje já é um prédio no local.
P/1 – Por que era casa do violeiro do JK?
R – Não, falavam isso, não é? É, sei lá, agora, falando, que eu me lembrei. Mas a família mesmo contava que morou… Ele... Não sei o nome dele, mas falam: "Ah, era o seresteiro". Porque o JK era seresteiro. Então fazia seresta, eles falam… O cara que tocava com o Juscelino, assim, que era o violeiro dele, de seresta, provavelmente. E isso eu lembrei assim, falando da casa.
P/1 – E essa casa, como é que ela era? Assim... Como você consegue descrever?
R – Era… Eu lembro de ter um jardim a casinha, era mesmo Art-Décor, escadinha, quintal, era bem interessante assim... Tinha um muro baixo para a rua, não é? Coisa que hoje em dia é difícil de a gente ver, por causa de segurança. E ela se manteve assim por muito tempo. Acho assim, poucas reformas… E quando a gente saiu de lá, ainda estava bem preservada, assim... A gente ainda guarda alguns móveis - aqueles móveis pé palito - que eram dessa casa. Ainda tenho alguns objetos da casa, que foram ficando na família. Mas… É isso.
P/1 – É, como você cresceu nessa casa, pergunta meio difícil, às vezes… Quais são as primeiras memórias que você tem?
R – Dessa casa?
P/1 – Da sua vida, vamos dizer assim.
R – Nossa.
P/1 – O que você acha? Quais foram as primeiras coisas de que você lembrou?
R – Memórias… Engraçado, não é? Bom, puxando pela casa, eu lembro muito da rua, eu lembro muito… Criança, assim... Porque a Savassi era uma área bem comercial. Então eu lembro da Probel, uma loja de som, eu lembro de estar comprando o meu primeiro disco, que eu acho que era um disco dos Beatles, meu pai achou horrível. E eu lembro da casa, assim, lembro muito de quando começaram a surgir os primeiros jogos eletrônicos, sabe? Aqueles pinball também. Tinha uma casa ali, famosa, na Savassi, e ainda uma coisa de rua, também. De brincar ainda na rua, na Savassi, na Cristóvão Colombo, que era uma rua movimentadíssima. Eu lembro de jogar bola, de brincar na enxurrada, essas coisas de criança, eu acho que assim, de criança é mais… Meu avô, eu lembro muito que ele tinha uma oficina na casa de trás, que ficava em cima do telhado, a gente subia escondido para mexer nas ferramentas dele, ele era muito bravo, já tomamos uns tabefes dele (risos), espanhol bravo, isso também eu lembro, acho é mais… Falando dessa casa, eu lembro mais mesmo… Praia também, que a gente ia muito à praia. Santa Mônica tinha uma casa de praia, não é? Toda mineira. É, em Santa Mônica, que é no Espírito Santo, uma casa que a gente, praticamente, aprendia a andar lá, também uma casa que tinha desde criança, assim, uma praia também, que hoje está bem… A gente tem essa casa até hoje e a praia já está bem urbanizada, mas era praia sem luz, não é? Então, era muito interessante. Assim... Em cima da areia. E também eu lembro muito da infância, e tipo, de praia, de passar três meses. Meu pai deixava a gente lá com a minha mãe, porque ele trabalhava, e a gente ficava dezembro, janeiro, fevereiro, assim... Eu voltava preto de sol. Eu também lembro muito dessa… Da infância, também, nessa praia.
P/1 – Você tem irmão/irmã?
R – Tenho, tenho um irmão mais velho e uma irmã mais velha, e uma irmã mais nova - somos quatro.
P/1 – Como é o nome deles?
R – Oto, meu irmão mais velho, mesmo nome do meu pai; Maria Amélia, a irmã mais velha; eu; e a Maria Emília, a irmã mais nova.
P/1 – Então quando você fala isso, dessas lembranças suas, é junto deles?
R – Junto deles, com certeza, junto deles. É tudo uma escadinha assim... Éramos nós quatro. Viajávamos todos no fusquinha – lembro - minha irmã mais nova ia dormindo, e era assim... Para chegar ao Espírito Santo eram dois dias de viagem, passava por Porciúncula - lembro disso - lembro de carro ficando atolado na estrada, era muito difícil chegar lá, eram dois dias, tinha que dormir no meio da estrada para chegar ao Espírito Santo, do lado de Vitória. Hoje em dia vai em um minuto, não é? Mas era uma aventura ir para essa casa, a gente adorava. Quando a gente chegava - eu lembro - quando a gente chegava na praia a alegria que dava, assim, não é?
P/1 – Vocês faziam o quê lá?
R – Ia à praia, inventava não é? Prancha de surf, nem tinha. Depois começaram a chegar aquelas pranchas de isopor, pegava muito jacaré. Era isso, meninada, explorava, e andava, sumia, ia para as outras praias.
P/1 – Você ficava cantando? Tocando violão?
R – Eu nunca fui muito não, mas tinha sempre esse momento, acho que minha mãe tocava violão, mas eu não, não lembro. Eu lembro de Carnaval, os Carnavais lá eram muito legais, porque tinha os bloquinhos e ia de casa em casa. As poucas casas, os bloquinhos iam passando, de casa em casa, isso também eu lembro, assim, ligado à música, aquelas marchinhas de Carnaval. Mas eu nunca fui muito assim de… Nunca toquei instrumento, mas minha mãe sim, minha família tinha alguma coisa de musical.
P/1 – Você me falou de comprar um LP, vocês ouviam em casa? Ouviam rádio?
R – Ouvia, tinha vitrola, tinha rádio. E o que a gente ouvia? Tinha televisão, eu lembro do começo da televisão, eu lembro de algumas novelas, eu lembro daquela brincadeira de ver as pessoas passarem pelo fio para chegar na televisão, sabe aquela brincadeira? Como é que as pessoas chegam na televisão? Alguém falava assim: "Não, passa pelo fio". Ai, se olhava assim, não acreditava mas olhava para o fio (risos). E eu lembro, TV preto e branco, tipo, quando chegou luz na praia, eu lembro… Qual novela que passava? E aquelas coisas assim, só tinha TV numa casa e ia todo mundo para a casa ver. Sheik de Agadir? Sei lá, muito antiga. Assim... Flávio Cavalcante, eu lembro, aquela coisa de quebrar o disco. Olha o que está me vindo assim, não é? Cenas que estão me vindo. De televisão, mais do que de rádio. Eu lembro da televisão passando para colorida, sabe? Quando comprou a primeira televisão colorida, lembro também. Lembro que meu tio tinha câmera de… Câmera de oito milímetros. Inclusive, é um material que eu restaurei agora, a gente pequenininho, em oito milímetros, telecine, consegui um bom estado, telecine, então, muita imagem dessa praia de Santa Mônica ainda toda deserta, muita imagem de pescador, tinha essa coisa também de arrastão, não é? Assim... "Ah, está tendo arrastão!" E a meninada toda correndo para a praia para pegar os peixes que eles deixavam, pegar os peixes menores. Pegavam o baldinho lá e os peixes - e tem isso filmado, achei bem interessante rever essas imagens.
P/1 – Vocês ouviam o quê?
R – É, tinha muito… O meu tio… Minha mãe só tinha um irmão, e meu tio era mais ligado a jazz, assim. Então, na casa da minha avó… Nós moramos lá, meu tio não... Casou e minha mãe é que ficou morando. Tinha aqueles móveis e tinha muito disco 45 rotações. Então tinha muito jazz, muita música clássica, agora você fala, me lembrei também, mais na infância, daqueles discos coloridos, daquela coleção… Eu ainda os tenho, estão guardados com as minhas irmãs, na verdade. Coleção com o Braguinha, não é? Macaco Tião, Sapatinho Vermelho, aquelas coisas. O Gato de Botas. Lembrei que a gente ouvia na eletrolinha. Punha, a gente ouvia. Foi uma coisa que me marcou
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R – É, eu acho que já era aquela coisa meio adolescente, aquela coisa meio hippie na rua, e eu não lembro outro disco. Foram dois que a gente comprou, todo alegre não é? E meu pai era assim… Beatles, mas assim... O outro era mais rock, esqueci o nome do grupo, mas compramos e ouvimos, e não parou mais. A gente comprava sempre discos assim.
P/1 – E você também ia na fazenda do seu outro avô, não é?
R – É. Ele tinha a Fazenda da Boa Esperança. A gente ficava na cidade. Minha madrinha é de lá, tia Selma, irmã do meu pai, e sempre ficou morando lá. Meus padrinhos são eles: meu tio Eduardo… Esse meu tio Eduardo até foi… É boi na frente que chama? Foi para a guerra. Tinha até um tic nervoso, que eles falavam que foi uma bomba que caiu - isso meus primos contando. Ele tinha um tic na boca assim, eu lembro disso. Lembro também que eu ganhei um porco de verdade, de presente, deles. O porco cresceu, eles venderam e fizeram uma poupança para mim. Presente dos meus padrinhos. Isso eu lembro sempre também. Lá, a fazenda era dos tios mais velhos, era uma fazenda antiga, mineira. Você chegava, da portinha saíam as tias e todo mundo sentava em volta da mesa. Era ótimo, a gente adorava ir para lá também. Geralmente lá, a gente ia na Semana Santa, feriados pequenos durante o semestre. Final do ano e julho, a gente ia para a praia. Eu lembro de muitas semanas lá, aquela coisa de todo mundo fazendo enfeite na rua, Sexta-Feira da Paixão, ir para as fazendas também. Eu lembro bastante dessa coisa de infância também. Depois, a gente vai dispersando, não é?
P/1 – Esse negócio do porco, você deu para ele?
R – Não, eu era neném mesmo. Foi presente de nascimento e meus pais que contavam: "Olha, quando você nasceu, você ganhou um porco, cresceu, eles venderam e fizeram uma poupança". Isso me marcou muito também (risos), esse presente inusitado dos meus padrinhos. Eles tinham fazenda. Esse meu tio Eduardo tinha uma outra fazenda, que chamava Ponte Nova. Minha tia Selma… Eles casaram lá. Era uma outra fazenda também, gigantesca, antigona, da qual eu tenho boas lembranças. Aqueles casarões com uma escadinha. Lembro de um calhambeque também, já estragado, que ficava parado nessa fazenda. Interessante. Pomar… Muito bom.
P/1 – Você gostava mais de ir para a praia ou para a fazenda?
R – Ah, os dois. Os dois eram festa. Na praia, a gente praticamente morava mesmo, era mudança mesmo. E Lagoa Dourada ia de vez em quando. Lagoa Dourada era muito assim, polícia e bandido à noite. A gente brincava na cidade inteira. Duas turmas: uma era polícia e a outra era bandido. Lembro disso também. Era a maior farra, cidade de interior, tinha uma liberdade para fazer o que quisesse.
P/1 – Você tinha muito primo? Tem muito primo ou prima?
R – É, tinha. Tenho, não é? Eram cinco primos dessa minha tia Selma e todos mais ou menos da mesma idade, então, era aquela farra. Todos da mesma idade e era sempre turma… Mesmo na praia, às vezes iam primos também junto, ficava todo mundo meio que acampado em casa, era sempre uma turma. Era muito bacana mesmo.
P/1 – E você com seus irmãos, como era? Vocês se davam bem?
R – Sim. É… Acho que a gente se dava bem sempre. Até hoje (risos), nunca teve grandes atritos entre irmãos. Meu irmão mais velho hoje mora lá em São José dos Campos, lá na Embraer, ele projeta avião. Então, ele saiu muito cedo de casa para estudar no ITA, essas coisas. Virou engenheiro aeronáutico e é o contato mais afastado. Porém, as minhas irmãs moram aqui até hoje e a gente é bem próximo. Sempre foi um relacionamento legal.
P/1 – Você foi estudar onde, em primeiro lugar?
R – Eu sempre estudei aqui, em… Primeiro, Jardim de Infância, não é? Tudo no Instituto de Educação, onde minha mãe dava aula - era professora de Educação Física. No Instituto de Educação fiquei até formar no...
P/1 – Científico?
R – Não, no científico eu já passei para o Dom Silvério, que é pertinho ali da Savassi. Que era desses colégios maristas. Até Grupo escolar foi no Instituto de Educação. A quinta série até o científico já foi no Marista - Silvério. Daí, já fui para a Universidade.
P/1 – Do que você se lembra do Instituto de Educação?
R – Ah, muita coisa também. Assim, recreio, claro. Esse prédio do Instituto de Educação, eu até vi agora que está bem decadente. Eles estão procurando até dinheiro para restaurar o prédio, mas eu lembro que… Hoje deve ser uma coisa pequenininha, mas eu lembro que ele tinha uns subterrâneos, uns corredores, que a gente adorava entrar, adorava ficar, brincar, não é? Lembro também do Museu de História Natural, que ficava fechado, que tinha esqueleto, tinha uns potes de éter com bicho conservado. A gente adorava e não podia ir. A gente dava um jeito de fugir, de entrar… Isso criança. Até o Grupo foi assim. Lembro de muita gincana, de queimada, futebol, essas coisas. Futebol eu nunca fui muito, mas… Lembro mais da parte boa, que é a parte do recreio (risos).
P/1 – Um professor, professora ou alguma matéria te marcou?
R – Algumas. Dona Elza, eu lembro. Quem mais? Essa dona Elza eu lembro bastante. Dona Lurdinha… Do Jardim de Infância eu não me lembro muito. Do Jardim de Infância eu lembro que minha mãe dava aula. Então, às vezes, eu fugia da aula para encontrá-la em algum lugar: "Volta para a aula" (risos). Não lembro muito de professores, mas eu lembro assim… Bacana. Lembro de alguns… Belo Horizonte tem isso, até hoje me encontro com os colegas. Nessa coisa também de Facebook, a gente volta a encontrar algumas pessoas. Gente que era do Grupo e até mesmo do Jardim de Infância, eu já reencontrei. Acho que é por isso que eu lembro.
P/1 – E depois, você foi para outra escola na Savassi?
R – É, na Savassi, que era o colégio Dom Silvério, um colégio grande aqui de BH. Era pertinho dessa casa da Cristóvão Colombo, então eu ia a pé e voltava a pé. Lembro das Olimpíadas- que todo ano tinha as Olimpíadas de Dom Silvério -, que era por turmas. Foi uma época muito boa, eu gostei muito. Tinha essa coisa ainda da Savassi, não é? Virando adolescente e indo para a Savassi, que era onde tinha os barezinhos, podia ficar na rua…
P/1 – Em que ano foi isso, quando você estava na adolescência? Final dos anos 70?
R – Nossa, é… Eu sou de 1962. 1970… É, final dos anos 70. Eu lembro muito dos anos 70 por causa da Copa do Mundo, ali na Praça da Savassi.
P/1 – A Copa de 1970?
R – É, no México.
P/1 – Você viu os jogos?
R – É, vi, com certeza. Eu acho que… A TV colorida era aquela coisa... Meu pai comprou uma TV colorida para a Copa de 70. Então, vimos e festejamos na rua, que era o ponto… Um dos pontos, sei lá, ali na Savassi mesmo. Isso me marcou muito. Depois… Você está perguntando de adolescência, não é? Eu lembro da década de 70 toda, da escola Dom Silvério, até entrar na Universidade - que foi já em 80 e tantos.
P/1 – Você e sua família sempre tiveram time? Você acompanhava futebol?
R – Eu sou Galo, sou atleticano (risos). Eu lembro do meu pai me levando para o campo. Eu ia para comer pipoca, essas coisas, nem ia pelo jogo (risos), mas ia. Eu ia ao Mineirão ver o Galo, mas nunca fui muito ligado a futebol, meu pai era mais.
P/1 – Você estava no Dom Silvério então, e falou que já saía na Savassi, ia nos bares e tal. Como é que começou essa…?
R – Bares assim. Não eram bares como hoje (risos). Era rua mesmo, ficar em porta de sorveteria, ter uma turminha de rua, digamos assim, esse convívio de rua. Tinha também… Ah, uma coisa interessante, que é o Cine Pathé, que ficava na própria Cristóvão Colombo e eu frequentava muito. Tinha também… Meu pai era advogado do Banco Nacional e a sede do Banco Nacional, que era no Centro, na Espírito Santo, tinha uma sala de cinema. No domingo, tinha meio que um Cine Clube para funcionários e eram sessões mais infantis, porque eram domingo de manhã. Meu pai sempre levava. Eu lembro muito assim Jerry Lewis, tinha muito essas comédias assim. E no Pathé, depois que… Roberto Carlos em Ritmo de Aventura, aquelas coisas… A babá levava. Então, eu lembro muito do cinema, que era uma coisa presente. O Cine Pathé, na Savassi, sempre que podia, a gente ia também.
P/1 – Foram assim, os primeiros filmes que você viu no cinema?
R – Sim, foi, com certeza. Me marcou muito essa coisa do Banco Nacional (o Cine Clube) aos domingos de manhã e o Cine Pathé, ali na Savassi. Eu frequentei muito, criança ainda, e até adolescente. Era ao lado de casa, então eu ia muito mesmo.
P/1 – Como é a sala do Cine Pathé, é grande?
R – É grande, grande. Aqueles cinemões de rua mesmo. Eu lembro ainda, porque recentemente… O cinema está fechado até hoje, ainda está numa… Não sei se é uma disputa jurídica, mas parece que o imóvel ainda é da Prefeitura e existe este projeto de recuperar a sala, para virar… Não sei se multi salas, mas de voltar a ser cinema. Há anos aqui em BH que tem essa luta para tentar resgatar o cinema. Eu lembro muito da entrada, ele era imenso. Era um cinema um pouco barulhento, porque você ouvia muito o barulho da rua e incomodava mesmo. Filmes de época e passando sirene na rua. Me lembro bastante.
P/1 – E você começou… Vamos dizer assim, você entrou no científico, no Dom Silvério?
R – É, no Dom Silvério, foi. Fiz todo o primeiro, segundo e terceiro lá.
P/1 – Nesse período, você começou a, sei lá, namorar, a sair mais?
R – É, acho que sim. Turma. A fazer festinha em casa, levava a turma toda, dançava música lenta (risos). Coisa de adolescente mesmo.
P/1 – Você falou dos hippies. Era uma pegada que tinha na época assim?
R – É, eu me lembro muito de hippies, porque meus pais falavam assim: "Olha os hippies". Tinha aquela coisa. Depois, eu comecei a gostar muito de rock, a gente recebia aquelas notícias, tinha o Festival de Inverno da UFMG. Eu nem sabia que viria até a trabalhar na UFMG, mas tinha muito essa coisa ligada ao hippie e eu gostava muito. Janis Joplin, Jimi Hendrix… Já depois até, eu acho, deles terem passado, porque nessa época eu era criança. Era ali em 1960, 1963. Então, um pouco depois, mas eu acompanhei muito talvez esse movimento hippie tardio. Eu acho que o que ficou foi isso mesmo: "Cuidado com os hippies". Menino, aquela coisa adolescente rebelde já tem… Foi uma época bacana.
P/1 – Você tinha uma turminha já?
R – Sim, mas mais de rua mesmo, de… Depois, já mais independente, de ir ao cinema, ir ao Centro da cidade, aí já frequentar outras salas. Deixa eu ver esses primeiros filmes quais seriam… É, não sei. Estou tentando lembrar, mas… Muito esses filmes de Oscar assim, eram esses filmes mais… Não tinha muito essa noção de um Cinema de Arte, era muito inacessível esse interesse assim… Essa vontade de fazer cinema veio, talvez, antes de conhecer um outro cinema. Então, era cinema mais comercial mesmo, cinemas que passavam em sala comercial mesmo.
P/1 – Então, seu interesse veio antes de ir ao Cinema de Artes? Veio nessa época mais ou menos?
R – É, eu sempre quis… Eu sempre fazia filme. Eu lembro de muito novo, tipo uns 15 anos, ter ganhado do meu pai a Câmera super 8. Eu fazia ficção também. Lembro de uma ficção que a gente fez, que chamava Os cães nazistas, que eram os cachorros lá de casa. Eles ficavam na mesa assim com a suástica em volta da mesa. Esse meu irmão, que veio a ser engenheiro da Aeronáutica, já fazia aviãozinho da Revel, aquelas coisas. Então, a gente fazia efeito especial, pendurava o aviãozinho em uma linha, punha talco na pista e soprava. Assim... Fizemos vários filmes engraçadinhos e filmes sérios. Eu tenho alguns deles ainda, mas… Eu lembro disso, que eu já nessa adolescência - como você começou a pergunta - me relacionar um pouquinho com isso. Com música, ir a show de rua… Eu lembro do Projeto Pixinguinha, que é um projeto famoso no Brasil inteiro. Lembro de ter visto os Novos Baianos, isso nos anos 70, e de ir menino mesmo. Era aqui no Francisco Nunes, um parque municipal. Ver Rita Lee… Vários shows. E menino assim, nem sei se tinha censura naquela época brava. Com 15 anos, no máximo, eu já ia muito a show, filme… Gostava um pouco disso, dessas opções.
P/1 – Esse filme, quem fazia? Você e seus irmãos?
R – Era mais eu, eu era o oficial que filmava, de registrar mesmo as coisas cotidianas da família. Eu lembro que fazia historinhas mesmo, fazia roteiros e tal. Palhaçada assim, não é? Mas eu lembro de já ter essa coisa de querer trabalhar com o cinema mesmo. Talvez tenha sido nessa época que eu comecei a me interessar por alguns filmes mais… Não tinha acesso, não é? A gente tinha, em Belo Horizonte, dez salas de cinema. E televisão. Televisão com, sei lá, quatro ou cinco canais, então, não tinha muita opção. Das dez salas de cinema, cinco eram pornochanchada, uma coisa assim. Então, quando entravam os filmes bons, era uma coisa mais difícil. Eu lembro de bem depois, quando começou a surgir vídeo, vídeo cassete… Eu tenho até um filme que fala disso, mas… Peguei essas passagens todas de tecnologia, quando surgem os vídeos, acompanhei tudo isso. Fui do Super 8 ao… Acompanhando, sempre mexendo. Isso também foi muito presente, a coisa do surgimento dos vídeos, de começar a ter os filmes, as primeiras vídeo locadoras, muito aquela coisa da cópia pirata… Também, aí já começa a entrar na Universidade. Eu já entro para o movimento do cineclubista, aí já tem um outro tipo de acesso aos filmes.
P/1 – Voltando ali ainda, naquela época do Super 8, você tinha uma ideia assim, de tipo: "Isso que eu estou fazendo é um trabalho de diretor e de roteirista"? Você tinha essa…?
R – Não sei, eu queria fazer filme. Acho que era fazer filme. Ator, com certeza não, porque tipo, não me pegou. Era mais fazer filme mesmo, eu queria fazer filme, gostava disso. Era isso mesmo, de inventar histórias…
P/1 – Você lia muito?
R – É, eu lia mais ou menos, não muito. Acho que leitura mesmo, de pegar mesmo, foi uma coisa aos poucos; de Universidade, de cinema, de entrar para uma área assim, foi aos poucos. Na infância, eu não lembro de ser muito de livro. Acho que era mais de rua mesmo, de bagunça. Eu sempre fui muito agregador. Estava sempre em turma, estava sempre… Lia alguma coisa, mas coisa de Literatura Infantil. Eu era mais de filme, de televisão e não lembro de ser esses meninos que gostavam de ler. Eu lia coisa de escola, esses livros talvez infantojuvenis, mas não era… Depois, eu fui gostar muito de Literatura, mas já mais… Da Universidade em diante.
P/1 – Que canais que tinha na época, na TV?
R – Ah, eu lembro da Tupi. Não sei qual é a mais antiga que eu lembro. Eu não lembro de Record, por exemplo, essa coisa de Festivais, não me lembro. Lembro da Tupi, Globo, não é? Logo quando começou a Globo, ainda naquelas primeiras novelas, isso eu me lembro. Depois dessas… Não sei se já existia, na época, aquelas outras, como Bandeirantes. Eu lembro de começar a ver TV muito cedo mesmo. TV preto e branco, até de ter lá em casa. Pena que, em algum momento, a minha mãe deu aquilo. Hoje, se eu tivesse aquelas televisões antigas… TVs velhas mesmo, preto e branco, logo no comecinho da TV. Quer dizer, no comecinho não, já era nos anos 60.
P/1 – E você estava no científico, como é que foi você lapidando uma escolha para curso?
R – É… Agora, não é? Você me perguntando isso, eu já trabalhava, gostava de cinema e tal, mas nunca… Acho que não tinha a coisa do cinema, apesar de querer fazer. Então, eu fiz Economia. Entrei em Economia por causa da minha irmã, ela fez também (minha irmã um ano mais velha). Eu estava indeciso entre fazer Comunicação ou Economia e optei por fazer Economia. Na Economia, tinha um Cine Clube, um dos mais ativos assim, da Federal - Cineclube Face. Foi muito legal, porque dessa turma do Cine Clube, todo mundo foi fazer cinema. Tinha a Érica Bauer, que está em Brasília; Patrícia, que estava na USP… Muita gente assim, que era do Cine Clube, foi trabalhar com cinema e fazendo Economia. Era muito legal, a gente fazia Mostra… Falo assim: tiramos o atraso, não é? Porque a Escola de Economia era um prédio antigo, no Centro da cidade, tinha um auditório e tinha um projetor 35 milímetros. Isso era muito difícil numa sala. O projetor funcionava, então a gente alugava filmes mesmo nas distribuidoras. Aquelas latas mesmo, custava a conseguir uma cópia boa, então, tinha Goett, Institute, Godard. Era difícil conseguir os filmes nessa época mesmo, porque não tinha vídeo, não tinha nada, era cinema mesmo. Foi, na verdade, quando surgiu essa passagem. Eu lembro também que, no Cine Clube, a gente começou a fazer a primeira sala de vídeo, que era uma arquibancadazinha… Lembro direitinho. Do lado da sala 35, tinha a sala de vídeo, que era o máximo, super moderna essa coisa de vídeo. Dava festa e chamava Vídeo Bar, que era o máximo aquela festa colocando uns monitores de vídeo passando algum clipe. Era o máximo da modernidade. É isso, acho que a… Quando eu entrei para a Universidade... Não sei se minha irmã, talvez, tenha falado alguma coisa do Cine Clube… Agora eu tenho essa dúvida. Talvez por isso eu tenha me interessado pela Economia, mas… Eu tinha esse interesse. Acho que um pouquinho da formação dos meus pais, de ser funcionário público, sabe? Uma coisa mais assim, essa coisa de estabilidade. Eu lembro de ter feito concurso para a Caixa Econômica Federal. Minhas irmãs passaram e eu não passei. Acho que eu não passava - olha eu, metido -, mas já sabendo que eu não queria. Imagina, eu, funcionário da Caixa. Acho que foi por isso que eu fiz Economia também. Não é como hoje que você tem essa… Eu ainda sou de uma época em que você era ou médico, ou advogado, blá blá blá. Não tinha essa possibilidade de você trabalhar cinema e viver disso, não é?
P/1 – Você entrou em Economia, foi cursando…
R – É, fui cursando e empurrando (risos) o curso.
P/1 – Você não gostava muito?
R – Gostava, não tinha problema. Assim... Acho que fora a parte Matemática, Econometria, essas coisas… A parte de Sociologia e História eu gostava muito, lia e me interessava. Só que era mais o corredor ali, movimento estudantil, era o que me interessava. Daí, eu já fui para a USP. Já formei… Falei: "Será que passo para Comunicação? Já vou formar logo". E aí, eu já tinha notícia do curso de Cinema da USP, já estava meio que pensando, mas optei por me formar e já fazer mestrado, não fazer uma nova graduação. Falei: "Vou me formar e já faço o mestrado". Porque já no Cine Clube, a gente fez uns filminhos, porque a escola já tinha umas câmeras Bolex 16mm. Então, esse grupo do Cine Clube, a gente fez uns filminhos, a gente fazia essas festas para levantar dinheiro para comprar película e para poder pagar produção. A gente chegou a fazer algumas produções em 16 mm, chegamos a finalizar um curso - que nem sei mais onde está esse filme. A partir daí, eu já saí para ir para a USP.
P/1 – Esse curta era sobre o quê?
R – Dormem Ainda os Homens, olha que coisa. Sobre descrição de montanha, uma coisa meio metafórica, meio experimental. Que eu lembre, tem até Inezinha Peixoto, do Galpão, novinha ainda, mas… Nossa, eu não lembro muito do filme, mas eu lembro que chegamos a ir em mineradora filmar explosão. Fomos filmar… Tem mistura, dessa coisa de mineiridade, de montanha. Nós filmamos a procissão em Lagoa Dourada, que eu conhecia. Inclusive foi um choque, o pessoal de cinema lá. A gente ficava num quarto de hotel, cidade pequena e: "Olha, pessoal do cinema aí". A gente menino ainda, 17, 18 anos. Foi interessante. Finalizamos o filme, mas não tinha pretensão, porque eu não lembro de, por exemplo, a gente mandar para Festival, não tinha essa pretensão. A gente fez e fez.
P/1 – Foi o quê? No começo dos anos 80 isso?
R – É, foi mais ou menos em 1981, 1984… É, foi de 1981 a 1984 que eu fiquei na Universidade, e aí já fui para São Paulo.
P/1 – E nesse período, no Cine Clube, você começou a assistir a outros filmes, não é?
R – É, isso.
P/1 – O que vocês assistiam? O que interessava a vocês na época?
R – Era muito…
P/1 – O que chegava também para vocês, não é?
R – É, o que tinha acesso. Às vezes, tinha aquelas Mostras prontas, então, eu lembro… A gente fez Mostra Truffaut, Godard, Cinema Novo brasileiro, Cinema marginal… Foi uma Mostra muito legal, que a gente não conhecia. Bressane… Eu lembro que a gente lançou lá no Cine Clube o Eles Não Usam Black-tie . A gente até chegou a fazer umas imagens dele, assim com 16mm lá no Cine Clube. Então, era isso. Aí que teve essa possibilidade de eu conhecer cinema brasileiro, me interessar, achar que era possível fazer cinema. Até então, era só contato com o cinemão mesmo, porque não tinha disponibilidade, era raro ver um filme mais autoral.
P/1 – E já tinha essa questão, para você e para o pessoal do Cine Clube, de um cinema mais autoral? Um cinema de mercado?
R – Eu acho que no Cineclube, sim. Já tinha essa questão mesmo de ter um senso crítico, um olhar crítico, essa questão do cinema hollywoodiano, mesmo porque era Economia, você tem aquela coisa de conhecer aqueles textos. A Trajetória do Subdesenvolvimento, do Paulo Emílio. A gente começou a ter contato com a literatura crítica de cinema mesmo. Começar a ler esses caras… O Ismail Xavier. Então, a gente… Aquele cinema marginal lá de São Paulo… Bom, a gente começa também a… Até de promover cursos, recebia alguns realizadores, às vezes. Eu lembro muito do Leo Richman, mas talvez tenham ido outras pessoas lá no Cineclube comentar filme. Dentro do cineclube, tinha já a Escola de Belas Artes - da qual eu vim a ser professor -, que tinha um embrião de um curso de cinema. Então, eu lembro que muita gente promoveu oficinas de cinema no Cineclube, e é isso. A gente começou, de alguma forma, a movimentar o cinema, uma coisa que era muito embrionária, não tinha muita gente que fazia cinema.
P/1 – Em Belo Horizonte?
R – É, tinha essa geração um pouco acima de mim que é, _________[49:53], essa tradição do CEC (Centro de Estudos Cinematográficos), que tinha uma tradição de escrita muito forte. É isso. Ah, eu lembro também de uma coisa interessante, que com 15 anos, quando a gente saiu, a gente foi para outra casa, na Germano Torres, que é ali perto da Savassi também, só que eu era vizinho de muro do Herbert Fanton (??). Então, já tinha isso: "Nossa, o cara ao lado ali trabalha com cinema". Eu lembro, na Economia, de pegar essa Bolex, levar para casa e mostrar para ele: "Olha, eu tenho uma câmera e tal", todo empolgado. Era isso, era muito incipiente e embrionário, como era naquela época em todo lugar. Logo depois que fui para São Paulo, ia na Boca do Lixo, conheci a Vila Madalena. A Vila Madalena era um bairrozinho... Logo no começo. Você vê que mesmo em São Paulo, essa coisa do cinema ainda era… Quer dizer, tinha lá a Boca do Lixo, tinha São Paulo, mas ainda era uma coisa muito caseira e embrionária.
P/1 – Você foi fazer mestrado lá?
R – Eu fui fazer mestrado na USP, na ECA mesmo, em Cinema.
P/1 – Quem que te orientou?
R – Foi o Eduardo Leone, que era o montador. Inclusive, ele montou o meu primeiro filme e ganhou melhor montagem, em Gramado. Foi um período bom, eu fiquei quatro anos no mestrado. Hoje em dia, tem essa limitação de tempo, mas eu fiquei quatro anos e foi uma época muito bacana. São Paulo, naquela época, estava muito efervescente.
P/1 – 1984, 1988…
R – É, foi a partir de 1984. Então assim... Estava no auge da paulistana, aquelas coisas. Titãs tocando no clube da USP - CRUSP… CRUSP não, é o projeto residencial. Tinha um nome de um clube lá da USP. Domingo tinha show assim ao vivo, então era muito bacana o convívio…
P/1 – … Teatro Grego ali na...
R – É, tinha sim e era uma coisa meio domingo de manhã, sabe? Tinha uns shows. Eu lembro de ter visto o Titãs e já foi uma época bacana. Tinha essa questão do Cineclube mesmo, começam os primeiros Festivais, a Mostra de São Paulo começa. Eu lembro bem da Mostra, de frequentar muito. O Vídeo Brasil, eu lembro de estar lá, de frequentar. Então, foi uma época muito rica. Você vê que tem uma… Você não está sozinho no mundo, tem mais gente interessado na questão do Cinema, de trabalhar e de…
P/1 – Você morava onde em São Paulo?
R – Eu morei no CRUSP, o conjunto residencial. Era muito bacana porque… Era aquele movimento punk ainda, então, tinha ocupação. Começaram alguns prédios abandonados a serem ocupados. Eu morava ali, dentro da USP. Foi muito legal, moradia estudantil. Depois eu passei, saí e fui morar em Pinheiros.
P/1 – Você morava no CRUSP, então?
R – Isso. Foi logo… Quando cheguei no CRUSP, não conhecia muita gente em São Paulo e fui morar no CRUSP… Eu me lembrei ...Assim... O bloco que já era da pós- graduação e de fazer mestrado era melhoradinho, mas tinha muito contato com outros blocos que tinham movimentos de ocupação, concerto punk e… Foi muito legal, porque eu morava ali dentro da Universidade e aí, sim, eu pude me dedicar muito a essa coisa de leitura, de estudar. E de - não sei se já falei gravando - começar a conhecer esse movimento de São Paulo, das produtoras, Vila Madalena, de ir na Boca do Lixo, que eu achava o máximo conhecer lá…
P/1 – Como é que é para quem não conhece? A Boca do Lixo é o quê? É um conjunto de produtoras? É uma região de São Paulo?
R – É, mais por causa do cinema. O cinema da Boca do Lixo, não é? O cinema marginal paulista, esse pessoal assim da…Mojica, Plínio Carbonari, que fez aqueles documentários toscos, então… Ali da rua mesmo, onde tinha as produtoras, onde se instalou a Embrafilme… Eu cheguei a montar o meu primeiro filme lá na Embrafilme, na Boca do Lixo. Então assim... Frequentar ali pelo cinema. E ali, um novo cinema na Vila Madalena. De ir lá em algumas produtoras… Não lembro o porquê, talvez por alguns colegas de mestrado serem de lá e trabalharem lá. O Museu da Imagem e do Som…
P/1 – O que estava na Vila Madalena?
R – A Vila era… Que eu lembre, a 14 Super filmes, nessa época… Eu lembro muito da Zita nessa época, do… Logo na mesma época, ela foi coordenar o MIS – Arte e Cinema, do MIS. Eu acho que ali surgiu, inclusive, o Festival de Curtas em São Paulo. Talvez eu tenha pego as primeiras edições também do Festival de Curtas. O Nossa São Paulo também acompanhei. E essa efervescência dos anos 80, em São Paulo, que era muito viva. Essa coisa do Lira Paulistana, Barnabé, Itamar Assumpção… Então... Foi uma época muito interessante e viva, culturalmente, em São Paulo. E eu menino, com, sei lá, 20 anos, 20 e poucos… 24 anos já talvez, então foi muito interessante.
P/1 – Você lembra de ouvir essas pessoas tocando?
R – Eu lembro da Lira Paulistana, lembro de ter ido. Eliete Negreiros… Lembro muito do Cineclube Bixiga também, era muito ativo, muito bacana assim ir ao Cineclube Bixiga ver tal filme. Era uma sala muito ativa e… Então, o Bixiga é 23 de maio, não é? Era um local em que a gente ia muito, que tinha muitos bares. Teatro também, eu comecei a me interessar como espectador e ia muito. Tanto que um dos meus primeiros filmes foi em função de Gerald Thomas, aquelas coisas. Tinha também um teatro moderno surgindo, não é? Fiz alguns cursos na EAD. Fiz algumas disciplinas… Renata Pallottini, Celso Nunes, até como diretores importantes de teatro, na época, eu tive a oportunidade de conhecer também e frequentar sem interesse. Nunca como ator, mas sempre gostei muito dessa coisa. Eu trabalho até hoje um pouquinho com essa coisa de teatro e cinema, que começou ali. Eu achei que se tinha essa oportunidade de estar em São Paulo e essas pessoas circulavam…
P/1 – Você achava muito diferente de São Paulo para Belo Horizonte?
R – Sim… Eu falo dessa diferença de São Paulo daquela época para São Paulo hoje, é a mesma coisa de Belo Horizonte. Só que, com certeza, São Paulo era cosmopolita, não é? A gente aqui para Minas… Eu acho que o Rio é muito forte, culturalmente. Só que acho que São Paulo, nessa época, no cenário até brasileiro, ganhou. São Paulo ficava um pouco… Cidade grande já, mas ficava um pouco abafada pelo Rio. Hoje, eu acho que São Paulo talvez irradie mais… Apesar do Rio ainda ter muito essa tradição ligada à televisão e de ter esse resquício de Capital, de ter a sede, inclusive, de alguma coisa pública, São Paulo ganhou muita força, muita autonomia e conhecimento. Para essa nossa área então… Muito por causa do mercado publicitário, talvez coisa de emprego… Muita gente que fui conhecendo do Cinema nesses anos, quer ir para São Paulo. Inclusive os técnicos de direção. Todo mundo vai para São Paulo, principalmente.
P/1 – E você estava fazendo uma dissertação sobre o quê no seu mestrado?
R – Eu fiz sobre curta-metragem, porque quando eu entrei, logo no primeiro ano, ganhei um concurso na Embrafilme para fazer um curta. Foi meu primeiro curta, fiz, deu certo, ganhou o Gramado, um documentário sobre o Uakti. Naquela época, tinha… Você fazia o filme e vendia para passar… Cine comprava para passar antes dos longa-metragem - e dava uma grana. Eu ganhei essa grana e fiz outro filme, fiz esses dois curtas. De repente, esses dois curtas viraram o tema sobre… Juntou Economia com o curta, sobre o mercado de curta-metragem no Brasil, naquela época, sobre essas leis de reserva de mercado e as possibilidades de produção, em cima desses dois exemplos.
P/1 – Como é que você ganhou esse concurso? Você tinha se candidatado, feito um roteiro e…?
R – É, era tipo a Embrafilme. Era concurso para curta-metragem. Tinha um pouco dessa coisa de regionalização, tipo assim, um terço São Paulo, um terço Rio e um terço Minas. Primeiro, eu inscrevi por Minas, porque o Uakti era daqui, e eu ganhei. Ganhou grande curta-metragem. Fiz e foi o meu primeiro curta profissional mesmo, foi esse.
P/1 – Qual é o nome e quanto tempo dura?
R – Chama Uakti - Oficina Instrumental e tem doze minutos, eu acho, 35mm, naquela época ainda… Eu montei lá em São Paulo, na Boca do Lixo, na Embrafilme, fechadinho lá. No porãozinho, ficava uma viola. Com o Eduardo Leone, que era o meu orientador e era montador também. Esse Eduardo Leone também estava na Universidade, mas ele tinha sido montador. Os filmes do Roberto Santos, não é? Ele montou O país de São Saruê, do Vladimir Carvalho, então era um montador até conhecido. Ele montou esse meu primeiro filme, lá na Embrafilme. O filme ficou pronto, foi para Gramado, ganhou melhor filme em Gramado e o Eduardo Leone ganhou melhor montagem. Esse filme foi legal, meu primeiro filme. Ele inaugurou a sala de Cinemateca brasileira lá em São Paulo e foi um filme que circulou bastante na época.
P/1 – Como que foi filmar? Você foi diretor já?
R – É, diretor. Foi aqui, tudo foi filmado… Eu aluguei um teatro. Aluguei não, não tinha essa coisa de alugar, não é? As pessoas emprestavam, porque não existia, não é? Filmamos a parte do _______[01:03:40] toda num… Improvisamos um fundo infinito, filmamos e tinha uma parte na floresta. Tinha uma lenda indígena e a gente fez aqui no Horto Florestal. Foi todo filmado aqui. Aquela coisa que tinha que trazer o equipamento de São Paulo. Eu lembro de uma coisa engraçada também e tenho até essa foto. A Patrícia Moran, que veio a ser minha colega aqui no Cine Clube e se tornou professora lá da USP depois, em Cinema, ela foi fazer produção e o equipamento era de São Paulo - da Embrafilme em São Paulo. Eu já morava lá, mas tinha voltado para filmar em BH. A gente pegou meu Passatinho branco, com o equipamento, para devolver; viajamos o dia inteiro e chegamos em São Paulo para entregar o equipamento na Boca do Lixo. A gente vai tomar um café e quem está? O Mojica e o Satã, e essa foto é muito boa, porque o Satã tinha meia barba, a Patrícia Moran tinha meio cabelo (risos), e o Mojica lá, não é? Eu tenho foto engraçadíssima desse balcão e da gente chegando para devolver o equipamento. Esse caso é muito engraçado e ficou registrado. Muito interessante. Foi isso, já lá, montando lá na Embrafilme e aí… Foi um momento rico, porque ali eu senti que dava para profissionalizar e para trabalhar com cinema mesmo - que era o que eu queria. Apesar de eu ter encaminhado… Bom, eu ainda não tinha essa ideia da Academia, de que eu viraria professor e tal. Só que, pelo menos, de trabalhar com cinema, sim, porque o mestrado talvez não tivesse um sentido de Academia. Para mim, era mais estudar Cinema. É meio engraçado eu virar pesquisador ou professor. Foi uma época rica para mim mesmo, essa época de São Paulo. Depois, eu voltei para cá, voltei porque era final dos anos 80 e uma crise econômica muito grande. Não tinha nada, naquela época de inflação, sabe? Eu voltei, porque eles me chamaram para trabalhar aqui na TV Minas, na TV Educativa daqui.
P/1 – Agora, lá em São Paulo ainda, se uma pessoa quisesse se divertir, ia para onde? O que vocês tinham para fazer?
R – Ah, tinha essa coisa do Bixiga, tinha… Como é que chamava? Madame Satã. Era aquela época dos darks, não é? Todo mundo de preto. Era uma turma assim... Eu não sei o porquê, eu sou assim um pouquinho com os primeiros videomakers; me atraía. Então, tinha a turma daqui, o Jeder Santos, Lucas Bambozzi, que eram colegas da turma de cinema da minha geração. Caio Guimarães… Era essa turma. Eduardo Jesus… A gente frequentava lá o Vídeo Brasil. A nossa diversão era isso, era essa coisa. Eu lembro de Madame Satã e Carbona 14, que eram umas casas noturnas bacanas, que tinham essa coisa dark. Acho que era muito centralizado ali no Bixiga. Tinha ali na Panamericana… Era uma coisa ali Benedito Calixto, mas era um pouquinho essa época assim, a música e a noite eram essa coisa da noite dos darks pós-punk. Talvez a new wave, não é? Aquela coisa por ali. Para mim, o que marcou mais foi o começo do cinema, não é? Quando surge o Vídeo Brasil, o Festival de Curtas em São Paulo, a Mostra de cinema… Eu ia a todos, estava em todos.
P/1 – Teve algum curta ou algum filme que te marcou mais nessa época?
R – Nessa época, por exemplo, na Mostra eu lembro de ter visto Strange in Paradise, os filmes do Wim Wenders, a sessão do Sobre o Céu de Berlim… Nossa, uma sessão histórica e foi na Mostra de São Paulo. Uma coisa demais ver o filme, acho que tinha uma expectativa, não é? E, no Festival de Curtas, muita coisa. Ali, já era nossa turma da Associação de Curtas, de documentaristas, que era essa turma de São Paulo também. Tato Amaral, o Chico, o Chiquinho, o Andrei Sturmer… Tinha a turma do soul. Da casa de cinema… Era uma turminha que se encontrava muito. Em festival, a gente estava sempre nos mesmos. Então, para mim, o que marca mais é esse ingresso no cinema mesmo.
P/1 – O que foi esse caso do _______[01:09:24] que você falou?
R – Ah, é. Eu, se não me engano - não lembro o ano exato -, tinha saído do Cine Clube. Acho que eu tinha acabado de ir para São Paulo e a gente tinha o Cine Clube aqui. Tinha essa coisa da proibição e circulava - não sei em que meio - uma cópia pirata do filme em VHS. A gente tinha inaugurado essa sala de vídeo e passou lá. Eu não estava aqui em Belo Horizonte, mas eram os meus colegas, que era o pessoal que tinha ficado. Eles exibiram, alguém dedurou e chegou a polícia. Eles apreenderam o vídeo cassete, o pessoal teve que ir para a Delegacia dar depoimento, um absurdo, não é? Foi um caso engraçado. Já em São Paulo estava tendo essa repercussão e eu lembro do Cruz pedir ao pessoal para sair pelado lá no meio da… No CRUSP tinha uns prédios baixos, que eram sala de aula. Eu lembro do pessoal entrando pelado nas salas de aula em protesto, aquela coisa de menino e de Universidade mesmo, protestando. Foi uma história bem engraçada, a gente ficou sem o vídeocassete, que tínhamos feito festa para levantar o dinheiro, que era caro. Era um vídeocassete desse tamanhão aqui, de mesa. Custamos a comprar e a polícia tomou (risos).
P/1 – E tem uma coisa que me chama atenção aqui: é que esse é o período das Diretas Já.
R – Sim, acompanhei isso tudo.
P/1 – Como é que foi isso?
R – Na Economia ainda. É outra coisa da qual me lembro muito bem, das Diretas Já, de ir para rua, de ir para a Praça da Estação. O primeiro comício das Diretas aqui, foi na Praça da Estação. Aliás, na Praça da Estação não, foi em frente à Rodoviária, na Afonso Pena. Eu lembro. Outro dia, postaram no facebook também uma foto da multidão, que era a foto do pessoal da Economia. E você ficar tentando se achar lá. Eu lembro disso também, foi um momento muito bacana político e de começar a ter uma forma de divisão política, além do movimento cineclubista. Quando começa o movimento cineclubista na Economia, era literalmente abertura mesmo, da gente quebrar parede entre prédio e o DA. Na época da repressão, eles tinham fechado o DA com tijolo mesmo, e a gente participou dessa cerimônia de pegar a marreta e quebrar a ligação da escola com. O Cineclube tinha muito isso ainda, os resquícios de grupos políticos. Tinha centelhas… Grupos ainda ligados ao movimento estudantil, que tinham começado a sair da clandestinidade. Então, eu convivi também com essas pessoas e o cineclubismo era muito forte politicamente. O Circuito Brasileiro Cineclube, que era uma coisa não subversiva, mas a gente passava isso, _______ [01:12:52] que era proibido. Então, o seu Lezer, que era um velhinho e morava no prédio, era projecionista. Ele conta muito caso de estar projetando sessão de filme proibido, catar as latas e correr para a casa dele para esconder os filmes, porque tinha chegado a polícia. Isso já antes de eu chegar porque quando eu entrei, o Cineclube já tinha 25 anos. Então, era um Cineclube muito tradicional e que foi muito combativo na época da ditadura, de passar muito filme proibido mesmo pela censura. A gente pegou nessa esteira, mas já na abertura. Foi uma época muito boa. E esse Je Vous Salous Marie foi assim, fechou com chave de ouro, digamos, esse meu período do Cineclube.
P/1 ‐ Como é que foi… Vocês se lembra do dia... De quando foi ver a votação, que a Emenda…
R – É, eu lembro de ter acompanhado isso tudo. Eu não cheguei a ir a Brasília, mas teve Comissão de Economia que foi. Aquela coisa de fretar ônibus. Aquela tristeza… Ah, é. Quando eu fui para São Paulo… Foi justamente o Tancredo, aquela coisa do Tancredo ficar no hospital. Eu lembro que morava no CRUSP, tinha aquela coisa de ir ao Centro e de fazer aquela romaria, a Rebouças quase fechada, aquela comoção. É outra coisa que lembro em São Paulo e foi logo quando cheguei. Foi a época da internação do Tancredo e tal, isso eu já acompanhei ali em São Paulo. E aí foi, aos poucos, essa coisa da abertura, das Diretas…
P/1 – E como é que foi a transição tecnológica? Qual foi a primeira vez que você teve contato com vídeo?
R – Foi aqui ainda. Umas poucas pessoas tinham videocassete em casa. O videocassete tinha muito essa coisa de gravar a TV, pegar para gravar o programa de TV. Depois disso, surgiram os primeiros filmes: a gente ia na casa das pessoas e elas tinham determinado filme. Logo depois, a locadora. E depois, as câmeras, que aí começa a coisa do vídeo. Então, você pegava a coisa que pendurava assim do lado e a câmera ficava ligada no videocassete, no VT. Eu lembro muito disso, das primeiras câmeras, quer dizer, que os amigos tinham, era uma coisa muito cara. A gente fazia primeiro os vídeos independentes, começamos a fazer coisa em vídeo e fizemos muita coisa. Gravamos ondas polifônicas, que é um movimento que teve aqui no DCE, Itamar Assumpção, uma série de shows… Eu lembro direitinho disso, porque a gente já mexia com cinema, então a gente foi chamado para registrar Itamar, aí tem essas imagens. É VHS que a cor fica fugindo (risos), mas aí já comecei a trabalhar com vídeo. Só que eu sempre mantive mais o cinema, tinha até essa rixa: "Ah, faz cinema, mexe com vídeo". Mas começou aqui em Minas a surgir um movimento forte de vídeo. O fórum BHZ Vídeo, que foi um paralelo com o Vídeo Brasil. Um Festival aqui, que era meio correspondente ao Vídeo Brasil. Eu acompanhei isso tudo, de começar a produzir vídeo e também de trabalhar nele, essas mudanças, as bitolas que vão surgindo depois.
P/1 – Você achava que tinha mais vantagem filmar em vídeo ou não?
R – Isso é até engraçado porque hoje em dia é tudo a mesma coisa, mas, na época, havia essa separação. Também porque você ter aquelas produtoras de garagem era tão caro quanto fazer filme, porque os equipamentos eram caríssimos. Surgiu o ‘Studiomatick’ então era muito caro. Você tem o VT. Sei lá quanto era o negócio. Um absurdo. Acho que era por isso, e eu fui criado nessa coisa, num fetiche, vamos dizer assim, pelo cinema da película. Então, eu sempre fui mais do… Tem até um caso assim, que o Heber Santos, que é um videoartista aqui bem conhecido, no mesmo ano em que ganhei Gramado com o Uakti, ele ganhou tipo assim, o Vídeo Brasil ou alguma coisa com o clipe do Uakti em vídeo. Então, às vezes, eu recebia os parabéns por ele e ele recebia por mim. Eu continuei mais nessa coisa de Embrafilmes, Cineclubismo, de cinema mesmo. Essas outras pessoas, claro, a gente se cruzava, mais nessa coisa de vídeoarte. Tem uma cena importante de vídeoarte, mais do que de cinema, nessa época. A cena de vídeoarte, em Minas, era bem conhecida.
P/1 – A pergunta que eu ia fazer é a seguinte: quando você fala que tinha essa disputa entre filmar em vídeo e filmar em película, você diz que… Se você filmava em vídeo, você não conseguia projetar no cinema ou já tinha o ______[01:19:25]? Como era isso?
R – É, eu acho que essa coisa da película é uma questão estética também. Acho que era mais… Pensando agora na pergunta, de onde vinha essa… Tinha a coisa do conseguir fazer. Vídeo era fácil e acessível- apesar de não ser tão acessível assim. O vídeo era independente e o cinema era uma coisa… Não em termos profissionais, mas eu acho que por ser mais inacessível, você fazer cinema era uma coisa mais… Acho que tinha essa coisa estética também. Essa coisa do cinema encontrar o vídeo agora, o digital, é muito recente. Hoje, a película, algumas pessoas usam por uma questão puramente estética, porque agora a qualidade desses novos arquivos já está pau a pau em termos de possibilidade de, sei lá, textura. Acho que surge daí, mas tinha na época mesmo… Quando surge o vídeo, tinha a turma do cinema e a turma da vídeoarte. Isso era bem separado. Conversava assim, mas era separado.
P/1 – E circulava em circuitos diferentes?
R – Circuitos diferentes. Tinha lá a Mostra de São Paulo, Festival de Curta de Cinema, Vídeo Brasil, só para dar o exemplo. Uma coisa bem separada. MTV… Então assim... Teve muito essa coisa da TV independente. A conversa do cinema com a televisão ainda é muito problemática e, eu acho, até hoje. Isso era muito acirrado, porque o vídeo independente buscava muito a questão da TV independente. O cinema continuava lá, um pouco separado. Isso vai se juntar depois e virar uma coisa só - mas eu acho que muito recentemente.
P/1 – Você voltou então para Belo Horizonte no fim dos anos 80, foi isso?
R – É, em 1990… Eu ainda fiquei em São Paulo um tempo. Terminei o mestrado e fiquei um tempo lá. Tipo, 1990, 1992 eu fui chamado aqui. Eu fui chamado porque eu já tinha esses prêmios, com esses dois filmes, então me chamaram aqui para fazer publicidade. Era muito engraçado assim, eu fiz película e era difícil fazer comercial em película. Eu lembro disso direitinho, numa agência grande aqui que chama DNA, e eu… Eles projetando meu filme. É engraçado, eu fiz um filme depois, que se chama Samba Canção e tem essas cenas todas. Hoje pensando, Nossa, está tudo no roteiro do filme. Isso numa mesa com publicitários e eu menino assim. Eu não gostei mesmo de publicidade. Cheguei, trabalhei… A TV Bandeirantes aqui tinha uma faixa à tarde, em que eles vendiam o espaço para o varejo, lojas e dava o VT de graça. Quem fazia o VT era eu - um VT por dia - sem grana, pauleira, ganhava pouco. Eu achei isso tudo muito chato, muito corrido. E aí, acho que… Eu lembro disso. Me chamaram para a TV e foi legal. A TV Minas foi legal, era uma TV sem recurso, mas eu aprendi muito. Gravei, dirigi e montei vários programas. Fiquei cinco anos lá. Justamente nessa época foi de muita crise mesmo, ficou um bom tempo sem fazer filme. Tanto que meu terceiro filme… Entre meu segundo filme e o meu terceiro, deve ter tido oito anos. Aliás, eu costumo brincar, a minha filmografia… Meus alunos, em um ano, têm a filmografia maior do que a minha (risos), porque os meninos hoje produzem tudo digital. Eu aprendi isso com o tempo, de controlar a minha ansiedade de ariano, curtindo o roteiro e também ajudando outras pessoas a fazer filme. Sempre envolvido com cinema, e agora a coisa da Universidade, que eu coloco meus meninos para filmar e tal, tem o grupo de pesquisa. Só que desde vir para TV… E na TV foi legal, mas muito programa de TV, documentário…
P/1 – O que você gravou neste período de cinco anos?
R – Em cinema? Não, na TV. Na TV, Programa Entrevista, que era um programa que recebia as pessoas quando começou esse dispositivo de entrevista. Era entrevistador e entrevistado. Então, teve muita gente bacana nessa época. Assim, Chico Science & Nação Zumbi, sabe, eles não eram ninguém. A gente recebeu Cássia Eller. Era todo político… Todo mundo, programa de entrevista. Foi muito bom. Depois, Agenda, que era um programa ligado à cultura, de que eu também participei. Isso foram quatro ou cinco anos. Alguns documentários, mas quase que institucionais. Nesse período, eu fiz um curta - quando eu voltei - que é um média, O Ex-Mágico. Foi aquela época de Collor, Embrafilme e tal. Esse filme, eu demorei uns seis ou sete anos para terminar, que era o meu terceiro. Só daí que eu voltei, quando o cinema voltou. Fiquei muito envolvido com a televisão, ainda não tinha Universidade e… Logo depois da TV, eu fui para o Palácio das Artes. Aqui tem um setor, uma sala importante, Cine Humberto Mauro, e eu fui para lá coordenar um setor de cinema. Não é o mesmo, é tipo um espaço cultural. Palácio das Artes e tem um setor de cinema. Eu fiquei um ano só porque eu entrei, pegou fogo o grande teatro e aí eu já fui para a Universidade, já fiz o concurso. Primeiro, fui professor substituto por dois ou três anos. Então, todos os meus filmes… O Hora Vagabunda, talvez tenha sido logo depois desse, quando eu voltei. Tanto que tem uma cena que tem o teatro incendiado. Só que aí, eu já entrei na Universidade e, a partir daí, todos os meus filmes foram associados a projetos de pesquisa da Universidade. E mais lentamente, mais… Fiz vários curtas, fiz dois longas, mas já sempre… O forte era o meu envolvimento com a Universidade mesmo.
P/1 – Vamos voltar um pouco? Queria que você falasse um pouco desses dois curtas. Do segundo e do terceiro.
R – O segundo foi o Musika, que foi esse que eu falei que ganhei o prêmio. Esse eu fiz completamente sem grana. Nessa época que não tinha nada em São Paulo. Essa crise era de produção mesmo. O filme é todo em preto e branco, então, toda película 35 foi cedida por… Eu fui nas produtoras de cinema de comercial e consegui um monte de película virgem, pontas. Ele é todo filmado com pontas. Nessa época, eu conheci a Bete Coelho e... ela e o Abujamra. Esse foi o primeiro filme que o Abujamra fez. Inclusive, eu fiz até um post recente, de 30 anos do filme. Foi o meu segundo e foi bem legal o filme. Foi muito legal que eu montei o filme na produtora do Babenco e quem montou foi o Mauralice. Será que o Mauralice é vivo? Ele era já velho e era o montador da Vera Cruz. Então, ele montou Noite Vazia… Era um cara assim… Ficava... Falava de cinema, contando casos de cinema. Eu lembro disso muito bem, de estar montando o filme e o cara era fera mesmo, de contar casos de bastidor. Não só Noite Vazia, ele montou vários filmes. Montou com Mazzaropi, acho. Uma escola. O cara era uma escola de cinema. Então, foi legal que eu conheci bastante o pessoal do cinema de São Paulo. Esse é o Musika, foi um filme legal também, que circulou muito e ganhou prêmio, mas aí já era esse momento difícil mesmo. Eu fiz esse O Ex-Mágico também, que é uma adaptação do Murilo Rubião, e também sem nada, num esquema meio de cooperativa, mas é um filme em que eu fali, vamos dizer assim. Não é que eu fali, mas não tinha como ir para frente. Ele ficou parado muito tempo, mas depois consegui finalizar e já começaram a surgir alguns, que foi esse A Hora Vagabunda - também muito premiado. Depois, fiz uns também premiados, que era o Françoise, com a Débora Falabella. Assim... O primeiro filme dela, que ela era meio conhecida daqui. E aí foi, depois fiz meu Longa, Samba Canção, que é engraçado, porque é um cineasta que quer fazer um filme e não consegue dinheiro. O dinheiro vai acabando e a bitola diminuindo. Então, têm essas passagens. Ele começa em 35, mas acaba o dinheiro e a projeção vai mudando, fica preto e branco, passa para 16 e termina em vídeo. O fundo do poço, não é?
P/1 – Eu queria entrar com mais afinco nele depois, mas me fala um pouco do A Hora Vagabunda. Ele é de 1999, é isso?
R – É, ele foi filmado em 1997, mais ou menos. Teve um edital que era para falar do centenário de Belo Horizonte, eram quatro curtas e eu ganhei um deles. Érica Bauer, João Vagas e a Tânia Maia. O filme é uma colagem, já tem essa referência até literária que passou a ter nos meus filmes. Era sobre as pessoas que vinham em Belo Horizonte, mas não ficavam, iam embora, porque Belo Horizonte tinha essa coisa de cidade de passagem, tem até esse texto lá. Essa coisa, tem muita fotografia desse meu avô espanhol, o Grande hotel de Araxá, as pontes… Tinha o casamento de uma tia minha, em 1916, que acho que era do Bonfigliolo, um precursor daqui. Tem as imagens de São Paulo, do Musika, eu uso para essa introdução. A história é um pouco também… É autobiográfica, mas é a biografia de todo jovem de querer fazer Arte e ter que sair da cidade. Então, foi muito legal porque eu já estava na Universidade. Porque em 1997, eu já era professor substituto. Já trabalhei muito com aluno, mas foi um filme feito com edital. Então assim... Foi equipamento alugado. Eu lembro que era o começo do celular, aqueles tijolões assim. A gente usava de walk talk ali no Centro da cidade para filmá-los lá, em cima da ponte. Ficava conversando no celular com eles… Foi uma… Poxa, foi muito legal e o filme, realmente, foi sucesso na época.
P/1 – Você filmou muito o espaço de Belo Horizonte, _________[01:33:00]?
R – Porque era falar disso, falar da cidade, falar de três artistas: uma atriz, um diretor de cinema e um músico, que se encontram e tem aquela coisa da rádio bip, que era uma coisa interessante. Hoje, sei lá, essa juventude nem sabe o que é rádio bip, mas lembro que tinha Chico Science, uma cerveja antes do almoço. Então, acho que foi bem representativo do que era a cidade naquele momento. Ele é todo filmado na rua, quando explode o viaduto… Então, é tudo BH mesmo.
P/1 – Qual era a ideia de explodir o viaduto?
R – Que tinha um ato de protesto e o Drummond falou muito disso: subir o viaduto. Em vez de passar pela rua, subir pelos arcos. Ali, tem um poeta de BH - Rômulo Paz - que usa: subir Bahia e descer Floresta, que é aquele circuito da rua da Bahia - e passa pelo viaduto. Então, tinha essa ideia de explodir o viaduto para as pessoas não irem embora, digamos assim, para não ter a passagem. Então, era isso, um ato… Naquela época, a gente podia falar "terrorismo". Era o ato de explodir o viaduto para as pessoas deixarem de sair da cidade, poderem ficar aqui e fazer cinema e Arte aqui. Uma metáfora do filme.
P/1 – Por que o nome é A Hora Vagabunda?
R – Porque é um verso do Drummond - A hora vagabunda é a hora do cinema. Fala: A hora do cinema, hora vagabunda, que se esquece do amor. Uma coisa assim. É um verso de um poema dele. É legal, falei: "A hora vagabunda, pô, a hora do cinema". Acho que talvez tenha começado até pelo nome o filme, porque achei tão legal. Eu acho o nome muito bonito. Acho que foi a partir daí que foi feito o filme inclusive, a partir do nome (risos).
P/1 – E você então entrou na UFMG?
R – É, na UFMG.
P/1 – E dava aula de quê?
R – Eu estudei lá, só que foi Economia, mas eu tinha muito contato com o cinema, que era da Belas Artes. Então, eu já tinha essa história do cinema e fui… Me falaram: "Abriu lá professor substituto". Eu entrei para disciplina de roteiro e de produção. Desculpa, Cinema brasileiro e roteiro. Fiquei lá como substituto e depois entrei. Eu gostei muito da Universidade e, de alguma forma, me permitiu não estar na publicidade. Apesar do fato de que a Universidade absorve muito. Talvez se eu não tivesse entrado para a Universidade, estivesse trabalhando na televisão. Eu tive essa oportunidade talvez de ir para o Rio, trabalhar na televisão, sei lá, Rede Globo, porque eu circulava muito em festival, então conhecia essas pessoas. Depois, inclusive, que eu retomei o A Hora Vagabunda e Françoise, eu fui muito… Não é sondado. Eu tive um contato e alguns amigos foram para a televisão. Publicidade já não, mas televisão talvez. Só que, como eu entrei para a Universidade, eu gostei. Achei que poderia estar ali na minha área (cinema). E aí, começo muito a estudar e retomo não só a literatura sobre cinema, mas a literatura ficcional mesmo. Foi muito legal, porque dentro da Universidade você tem os grupos de pesquisa, você acompanha os projetos dos meninos, e era um curso mais voltado para animação. Hoje, chama Cinema de Animação e Artes Digitais. Eu não sou animador, não tenho nada com animação, então eu dou muito essa coisa da adaptação direta. Eu tenho uma disciplina que se chama Ator e Jogo de Câmera, que metade da turma é teatro e metade cinema, justamente para falar desse encontro entre o ator e a câmera – que, inclusive, é fruto do meu doutorado - que fiz na UniRio - em artes cênicas e em Nova York.
P/1 – E é o seu livro desse…
R – Ah, é. Eu lancei o livro, que é minha tese de doutorado. Dei uma adaptadinha e lancei agora, em 2019, que se chama Ator e Jogo de Câmera, que é justamente investigando essa questão do set, do ator ou da não presença do ator. É o objeto da minha pesquisa.
P/1 – Como é que é dar aula para o pessoal, que você chegou… Você nunca tinha dado aula na vida, não é?
R – Não, não e tem até isso, que, às vezes, a gente é chamado sem ter feito, por exemplo, Pedagogia. Em alguns cursos você faz... Teatro, por exemplo, tem uma carga horária… Foi muito bom porque… O meu teatro foi a sala de aula. Aquela coisa do Paulo Freire também. A coisa de Pedagogia, eu falei: "Não, vou ler Paulo Freire". E fiquei apaixonado. É a coisa do jogo, ensinar aprendendo, aprender ensinando, e isso ajuda muito. Vira uma troca, quer dizer, não tem aquela posição professor e aluno. Foi muito bacana, porque eu estou sempre atualizado. Na sala de aula, eu falo: "Vou falar um pouquinho de cinema e vocês me ensinem um pouquinho de videogame". Então, é sempre uma troca. Eu gostei muito de aula e deu para eu ir nesse ritmo dos meus projetos e começar a transformá-los no que a gente chama de produção artística. Então, eu mantive minha produção artística como projeto de pesquisa e me permitiu estar no cinema ao mesmo tempo produzindo.
P/1 – Depois de A Hora Vagabunda, você fez mais curtas?
R – Eu acho que fiz mais… Foi meio misturado, porque eu acho que fiz o Françoise e já fiz o Samba Canção, meu primeiro longa. Daí, foi assim: meu segundo longa também, Fronteira, já foi bem misturado com os curtas. Eu sou muito desse movimento curta-metragista. Porém, fiz esses dois longas. E do meu último longa, tem dez anos que eu não filmo. Eu fiz mais uns dois ou três curtas, mas eu fiquei muito tempo… Quatro anos literalmente parado, por causa do doutorado. Nesses dez anos fiz mais uns dois ou três curtas, fiz teatro - fiz uma peça de teatro - mas… Mais nesse ritmo, como eu falei; filmo pouco assim.
P/1 – E como é que é o Samba Canção?
R – É, o Samba Canção é…
P/1 – Você pensou o quê, quando começou a escrever?
R – Foi um filme que mudou assim… É um filme que era sobre uma gafieira, e aí não consegui o dinheiro para fazer o filme. Então ele virou essa busca pelo dinheiro, sabe? Em vez de ser… O filme chamava "Flor do Tempo", que era o nome da gafieira, mas virou o filme da tentativa do cara, do Zé Rocha, como se chamava o personagem, de fazer o filme. É ele procurando… É o começo das leis de incentivo, não é? De ter que procurar empresário e convencer; então, é essa aventura. Ele e a produtora vão tentando… É aquilo que te falei, a grana vai acabando e o formato e a linguagem vão mudando porque 35, aquela coisa… E acaba virando um filme trash. Tem a cena do Mojica, em São Paulo, dele encontrando… Olha só, está tudo lá, esse percurso de cinema. Juntar o ator marginal, o cinema marginal, que era o Guará Rodrigues, com a estrela da novela das seis. Meu produtor falou:"Tem que pôr alguém para dar dinheiro, e tal". Então, é bem isso. Tem uma coisa metalinguística e a projeção ia diminuindo. Ficou uma comédia assim. Era um filme sério (risos), mas virou uma comédia. Esse foi meu primeiro longa, que foi legal, e, em função dele inclusive, eu ganhei um prêmio Rotterdam. Desenvolvi um outro projeto e já tem um outro longa, que é mais ligado à Literatura, mais filme sério (risos).
P/1 – Que é o…
R – Fronteira.
P/1 – A gente estava entrando no Fronteira, não é? Por que o nome foi Fronteira?
R – O Fronteira foi em… Nossa!
P/1 – 2008?
R – É, foi por aí… Tem uns dez anos, 2008 ou 2009. Foi editado aqui. Eu conheci esse escritor, Cornélio Penna, que tinha um livro lindo, que se chama Menina Morta. Um dos romances brasileiros de que talvez eu goste mais, assim. Ele tem essa história Fronteira, que é uma história bem mineira, que volta lá em Lagoa Dourada, fazendas… É a história de uma menina que fica presa num casarão, esperando um milagre. Vem uma tia beata administrar a espera de um milagre que ela está predestinada a fazer. É até um pouquinho sobre fanatismo religioso, Minas Gerais, loucura, uma coisa de delírio. É um filme muito bonito, plasticamente, e eu gostei. É um filme muito difícil, tanto que não circulou muito, mas… Foi muito legal. Uma produção em que a gente ocupou um casarão de uma fazenda, então foi… A experiência com os atores foi muito legal, o trabalho plástico mesmo… É um filme de que eu gosto muito, mas um filme difícil e, inclusive, pouco visto. Só que foi muito bacana, eu saí de uma comédia e caí num filme pesado. Essa coisa do filme é muito difícil, porque cada vez que você vai fazer um, sua cabeça está dez filmes à frente, porque você não consegue realizar aquilo tudo. É engraçado que esses dois longas são isso. Foram filmes que aconteceram um pouco não planejadamente. Os filmes que eu estava planejando foram ficando de lado e você tem que trabalhar um pouquinho com essa ansiedade. O longa leva cinco anos da sua vida. Você faz filme… Acho que assim... Todas as pessoas. Poucas pessoas são o Woody Allen, que faz um filme por ano. É muito complicado mesmo, um processo sempre muito grande, a escrita, o roteiro, a produção, consegue o dinheiro e aí tem casting, ator… Depois, ainda tem que lançar, o que é uma outra etapa muito complicada. Cinema é sempre… Eu já aprendi, já me acostumei com esse ritmo.
P/1 – Talvez por isso que você goste mais de… Goste bastante de curta também?
R – O curta é mais rápido, não é? E o curta, quando eu falo assim - "escola do curta" - é porque voltando lá nos anos 80, era o que tinha. Quando começa muito a Associação Brasileira de Documentaristas a defender o curta como… Porque o longa era muito… Indústria, mesmo aqui. Difícil! O curta era _______[01:46:27], era… Então, hoje o que seria o curta? Sei lá, você produz uma coisa e coloca no seu grupo do Facebook, que é o que os meninos fazem na animação. A demanda hoje de audiovisual é outra, não é? Agora, o cinema autoral - eu não sei por que - ainda está muito preso a curtas, quando, na verdade, isso é desnecessário. O curta, muito por essa circulação rápida, até nesses arquivos digitais… O curta-metragem é muito associado à televisão, tem essa coisa do negócio de série, essa segmentação toda que teve quando as TVs acabaramm com os canais e… O longa-metragem ainda é essa coisa, festival, sala de cinema e volta para a televisão. Agora, a diferença é essa: a demanda por audiovisual cresceu muito em relação àquela época em que você era o cara esquisito que fazia cinema. E, hoje em dia, muita escola de cinema, uma produção, realmente, muito maior e, realmente, ser cineasta não é ser o cara esquisito. Trabalhar com cinema é mercado, é um mercado de trabalho, de produção de multimídia, de website… Tudo demanda produção de conteúdo audiovisual, não é? Eu vejo assim: muito por causa desse contato com os alunos, a visão deles de fazer cinema é muito essa. Não é mais só: "Ah, vou ser cineasta". É trabalhar com cinema. E trabalhar com cinema é audiovisual, é trabalhar com a Internet, videogame… Eles trabalham muito, têm muito essa coisa do videogame, que é um mercado muito grande também, que tem tudo a ver com cinema e audiovisual.
P/1 – É, tem alguns jogos que parecem roteiro de filme até.
P – Sim, é. É tudo centrado no personagem, no objetivo, não é? O jogo em si é uma dramaturgia. Então, acho que está muito associado a… Quando a gente fala "game", não é game tabuleiro, não é aquele game de bolinha na… Quando eu falo em videogame, são personagens mesmo. É como eu falo, esses jogos… Não sei se poderia chamar de jogos narrativos… São interativos, mas são narrativos porque têm uma história, um personagem central e…
P/1 – Como é que você… Por que você pensou no seu doutorado dessa forma? Como é que foi, na prática, que veio esse problema na sua cabeça?
R – Do ator, não é? Por isso, porque… Eu, nesse processo de fazer filme, comecei a lidar muito com ator e eu não tinha formação de teatro, ou mesmo experiência de teatro. Eu sempre trabalhei com muito ator. Engraçado, eu fiquei conhecido como um diretor de ator, surpreendentemente. Porque eu trabalhei muito com as pessoas, conheci muito o pessoal do teatro. Eu trabalhava muito com a ficção, meu único documentário foi o primeiro. Eu sempre tive a coisa com a ficção intermediado pela literatura, que eu acho que foi bem presente. E aí, eu falei: "Poxa, doutorado não tem outra, vou estudar ator". Para conhecer mais, me aproximar das teorias, de conhecer alguma coisa assim. Eu fui para a UniRio, que é uma escola de teatro e artes cênicas e foi muito legal. Fiquei três anos no Rio e conheci muito o pessoal de teatro de lá - mais da direção - e estudei essas teorias. Fui para Nova York fazer a bolsa sanduíche, lá na Performance Studies, muito ligado a ator, para pegar mais esse embasamento das teorias que vêm em torno do ator. Só que sempre falando do cinema, é uma perspectiva do cinema. Porque o set e a presença da câmera transformam esse ator. Então, vai muito a partir dessa comparação do cinema com o teatro, dessa possibilidade de trabalhar sem o ator, que o teatro não tem, e o cinema tem - essa questão do não ator… Aprende naquele momento da cena, então, você pode ter o ator que quiser. Pode ser um ator dito profissional e o porteiro do prédio… Falar: "Não, ele tem a cara do meu personagem". Então, o cinema permite isso. São vários tipos de ator e para cada ator um tipo de trabalho de câmera. Ou para cada tipo de filme e câmera, um tipo de ator. Eu vou estudando isso, não é? Passou a ser o meu estudo acadêmico, que é a direção, um trabalho ligado à direção do cinema, que é o que eu gosto, que é o que eu desenvolvi.
P/1 – Vai fazer… Você já está há mais de 20 anos então agora na…
R – Isso. Foi com 30 e tantos anos. Então, tem 30 anos que estou na área. Comecei com uns 20 e poucos - profissionalmente, isso sem contar o Super 8 e o Cineclube.
P/1 – Você tem algum diretor ou algum filme que lhe marcou mais? Alguma coisa?
R – É difícil, não é? Eu gosto muito de cinema, Nossa. Tem assim... Bressane. Que me ensinou que tudo é possível no cinema. Eu lembro de estar indo… Ainda em São Paulo, não sei se já estava morando… Eu lembro de ver o Matou a Família e Foi ao Cinema, do Bressane. Acho que era uma cópia já restaurada, porque já era anos 80 e aquilo me marcou muito. Nossa! É muita coisa, assim… Eu não tenho um diretor, porque eu sempre vi muito. Até como eu falei, começa com o cinema dito hollywoodiano comercial e passa para essa época de Cineclube, que eu pude ver tudo. Aí que eu conheci mesmo esse cinema que era o que eu queria mesmo fazer, um cinema mais autoral. Não tem um diretor assim… Tem vários.
P/1 – Você gosta de filmar a cidade de Belo Horizonte? Nos seus filmes, é uma coisa predominante, não é?
R – É, eu acho que sim. Eu acho que… Cinema e cidade talvez tenha muito a ver… Cinema e cidade, acho que tem muito a ver. Não sei porquê, em que momento, sei lá… Um contraponto entre um cinema de rua e um cinema interno, cinema interior, um cinema… Mas é porque é a minha cidade, e acho que Belo Horizonte, particularmente, tem sempre esse problema com a urbanidade. Esse problema de ser uma cidade grande, mas não é grande. É metrópole, mas é província. Essa questão é muito presente para o belo-horizontino, acho que muito também por essa proximidade de Rio e São Paulo. Então, as pessoas aqui vai embora, se formam e tal, nessa coisa profissional, mas Rio e São Paulo chamam muito. Então, acho que a minha relação com Belo Horizonte é isso: "Pô, voltei". "Vai ficar morando em Belo Horizonte". As pessoas têm muito isso. Todo mundo tem uma coisa com Belo Horizonte, tem aquela brincadeira, como é? "Rio para passear, São Paulo para trabalhar e Belo Horizonte para morar". Acho que é isso mesmo. É uma cidade tranquila, mas é uma cidade muito árdua profissionalmente, principalmente para essa nossa área, artes, audiovisual… Porque para se estabelecer você está muito à sombra de Rio e São Paulo. Em qualquer dificuldade, você vai embora. Eu acho que é um dado presente em várias áreas. Só que é uma cidade de que eu gosto muito, os amigos… Uma cidade que acho agradável. Falta o mar, não é? Mas é uma cidade muito agradável, eu gosto muito de Belo Horizonte.
P/1 – Você acha isso ainda hoje, não é? Porque o A Hora Vagabunda, era sobre o mesmo tema…
R – É, ir embora. Claro, claro. Eu sempre... Assim... Eu morei uns seis anos, ou um pouco mais, em São Paulo e morei um pouco no Rio. Nessa coisa de trabalho, você viaja muito, não é? Mas eu gosto muito de Belo Horizonte mesmo, é minha cidade e tal. Poder morar e trabalhar aqui é muito bacana, eu acho um privilégio.
P/1 – Agora, vou fazer uma pergunta um pouco geral: o que você acha que está rolando no cinema brasileiro hoje? Como você acha que está?
R – Está muito legal. Quer dizer, você vê aquela dificuldade dos anos 80. Claro que alguma coisa puxa a outra, está tudo interligado, mas tem a questão digital, onde surgem essas novas plataformas, o vídeo, a internet, os novos canais… Então, a demanda cresce muito e o audiovisual também. Eu acho que é resultado de uma luta de classe até política, de tentar fazer o Estado entender a importância do que hoje a gente chama de economia criativa e de entender o cinema mesmo como um potencial de gerar emprego, aquela coisa. Eu acho que o cinema brasileiro é um pouco isso, ele está muito democratizado e acessível. A gente tem a questão documental muito presente hoje. Acho que é uma coisa muito importante duvidar, já que é tudo imagem, a gente aprender a duvidar das imagens, aprender a duvidar dos discursos… Se é verdade ou mentira. Colocar essas fronteiras sempre problematizadas. Então, acho que o cinema brasileiro e essa nova geração que eu acompanho aqui… Esses meninos agora, do filme de plástico, é uma geração que testa muito novas narrativas, um Estado mais contemplativo, essa possibilidade desses olhares. Um cinema muito ligado a minorias: LGBT, cinema negro, cinema indígena… É uma coisa muito bacana, contemporânea e importante. O que eu vejo hoje, apesar dessa nova crise, é que essas demandas continuam surgindo. Elas existem e essa produção existe, porque é uma moçada… Hoje a gente tem, efetivamente, um mercado. Um mercado inclusive pessoal, de trabalhadores. São pessoas do audiovisual. Então é uma coisa irreversível. E a produção de cinema surge daí, dessa autoria, desses autores. O Kleber Mendonça, que é da minha época, da minha geração, e muitos autores novos surgindo. Eu acho que é um momento muito rico do cinema.
P/1 – Agora, uma coisa: você tem filhos? Você se casou?
R – Não, eu sou solteiro até hoje. Não tive filhos, não sou casado. Não sei quem vai ficar com os… Como… Os direitos autorais da minha grande obra (risos). É isso.
P/1 – Você ainda planeja isso?
R – Acho que não. Estou velho, não é? (Risos). Não, mas não é isso, não está muito nos meus planos. Eu acho que, de uma… Essa coisa de viajar muito, eu acho que… Eu julgo assim, que hoje... A diferença, talvez, da sua, que é uma ou duas gerações mais nova, para os seus pais, é diferente para os meus pais. Acho que hoje em dia… Quando eu falo isso de família, acho que é um pouco desse entendimento dessa necessidade de casar, ter filhos, estabilidade… Acho que é uma coisa jovem, uma coisa nossa, no meio do jovem. Essa necessidade dessa estabilidade. Agora, filhos mesmo é uma pergunta dura, porque… Mas eu não tenho vontade de ter filhos (risos).
P/1 – Hoje você tem algum plano na manga? Está pensando em algum filme?
R – É. Eu… Ainda no Samba Canção, eu ganhei um prêmio Rotterdam para desenvolver um projeto, que é o que estou fazendo agora. Uma história real sobre movimento estudantil, de que eu gosto muito porque pega essa coisa do movimento estudantil que eu acompanhei muito. Até a Belas Artes - onde eu dou aula - teve uma importância muito grande nesse momento de… Não foi 2013, não. Foi ano retrasado, não é? De ocupação. Eles ocuparam a escola, teve invasão policial e a gente lá, professor, segurando para os alunos não irem para a rua para… É isso, a história é um caso conhecido, que chama Zé Carlos da Mata Machado e ele foi morto na ditadura, aos 27 anos. Ele era da Ação Popular. O interessante é que ele é filho de um jurista conhecido aqui, então, eu tenho as cartas de pai e filho. Pai jurista e o filho na clandestinidade e o filme vai acompanhando essa tragédia, porque ele casa, tem dois filhos e o cunhado é informante da polícia. É uma história muito bacana, que agora eu estou tendo que… Vou pegá-lo para fazer. Já levantei parte dos recursos, mas eu tive que readaptar para… Ele vai para o Brasil inteiro. Eu tive que readaptar para fazer mais internas. Então, é um filme mais psicológico mesmo, de esconde-esconde. Eu pretendo filmar… Vou filmar, com certeza, ano que vem. É a data máxima que eu tenho para… A gente está naquela coisa, longa espera. Imagina, esse filme... Tem dez ou doze anos que eu ganhei o prêmio de desenvolvimento para desenvolver pesquisa ou roteiro. Então, cinema é uma longa espera. A gente espera, espera e, um dia, faz. Eu acho que ano que vem vou fazer. Na verdade, é isso. Eu fiquei muito parado e estou muito animado por voltar para filmar também.
P/1 – Como é que foi contar um pouco da sua história hoje?
R – É, interessante, passou rápido. Não achei que seria assim, mas… Foi bom. Eu não gosto muito de falar, não sou muito de falar, não gosto muito de falar de mim, mas foi bacana, foi tranquilo. É bom repassar isso. Quando você pergunta sobre infância, é engraçado tentar buscar alguma coisa, não é? Eu acho que a gente vai ficando mais velho e a velhice é isso. Ele falam: "Envelhecimento é isso, você começa a lembrar, começa a ter um passado". E isso é muito bom, é muito curioso. De algumas situações cotidianas. E quando você vê, está lembrando de alguma coisa: "Gente, como é que eu não lembrava disso?" Às vezes, quando alguém pergunta: "Você lembra daquilo?" E você não lembra… Essa coisa de cinema é muito louca, porque o Gustavo, __________ [02:04:20], caramba, é uma coisa muito intensa que acontece no set, só no set do filme. Só assim, de circular festivais, você conhece muita gente e a memória não dá conta disso tudo. Esse nosso processo de deletar algumas informações é muito impressionante. É engraçado como algumas deixas… A entrevista é isso, não é? É quando você busca uma coisa antiga. Você falou que está fazendo o do Coutinho, não é? Que é um cara muito interessante. Na entrevista, ele não está interessado na pessoa, está interessado em como a pessoa se transforma diante da câmera. Ele quer mais saber do personagem do que da pessoa… Então, estou aqui também, um personagem. Foi interessante isso. Você sente, você se arma um pouco e…
P/1 – Entrevistado como ator, não é?
R – O tempo todo. E olha que eu trabalho também assim e estudo isso. Ligou a câmera, não tem jeito, já ajeita o cabelo, ajeita a maquiagem… Não tem jeito, você está atuando. Você está construindo seu discurso, está selecionando e montando já o que você vai falar. A entrevista é isso.
P/1 – Obrigado, viu Rafael?
R – Obrigado a você.
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