P/1 – Monique Lordelo
P/2 – Consuelo Monteiro
R – Clemente Lippmann
P/1 – Para a gente deixar registrado Clemente, por favor, nome completo, local e data de nascimento?
R – Clemente Augusto Ribeiro Bessa Lippmann, nascido no Rio de Janeiro [em] 9 de agosto de 1958.
P/1 – Nome dos seus pais e avôs?
R – Meu pai é Arantes Ludvick Lippmann e [o] nome da minha mãe é Maria Lúcia Bessa Lippmann. Por parte de mãe, Francisco Palmeira Bessa e Maria Ribeiro Bessa; e por parte de pai, James Lippmann e Marta Curvan Lippmann.
P/1 – Qual a origem da sua família?
R – Alemã.
P/1 – Tanto de pai quanto de...
R – Só do lado paterno.
P/1 – E da sua mãe?
R – A da minha mãe é brasileira, natural de Fortaleza - família toda do Ceará.
P/1 – Você pode contar um pouco dessa trajetória ai da sua família para gente?
R – É muito interessante, meu pai veio para o Brasil com 15 anos antes do início da segunda guerra e ele trabalhou aqui como professor desde que chegou, fez formação tudo em São Paulo e conheceu a minha mãe aqui no Rio de Janeiro quando ele dava aula na Escola de Serviço Social da PUC (Pontifícia Universidade Católica), então eles se conheceram, namoraram e casaram e foi assim.
P/1 – A sua mãe era professora também?
R – Minha mãe é Assistente Social também formada em Biblioteconomia, mas ai quando ela a casou se afastou um pouco e depois voltou, quando os filhos cresceram, nós somos quatro irmãos, eu sou o segundo, tenho uma irmã mais velha e dois irmãos mais novos, são dois casais, o mais novo é o André, ai vem a Joana, em ordem crescente, eu e a Maria Cristina.
P/1 – E seu pai veio e seus avós estavam na Alemanha?
R – Não, na realidade vieram todos - eles vieram separados, mas na mesma época - e eles fixaram residência em São Paulo. O meu pai, depois de fazer toda a formação dele aqui em São Paulo, veio para o Rio...
Continuar leituraP/1 – Monique Lordelo
P/2 – Consuelo Monteiro
R – Clemente Lippmann
P/1 – Para a gente deixar registrado Clemente, por favor, nome completo, local e data de nascimento?
R – Clemente Augusto Ribeiro Bessa Lippmann, nascido no Rio de Janeiro [em] 9 de agosto de 1958.
P/1 – Nome dos seus pais e avôs?
R – Meu pai é Arantes Ludvick Lippmann e [o] nome da minha mãe é Maria Lúcia Bessa Lippmann. Por parte de mãe, Francisco Palmeira Bessa e Maria Ribeiro Bessa; e por parte de pai, James Lippmann e Marta Curvan Lippmann.
P/1 – Qual a origem da sua família?
R – Alemã.
P/1 – Tanto de pai quanto de...
R – Só do lado paterno.
P/1 – E da sua mãe?
R – A da minha mãe é brasileira, natural de Fortaleza - família toda do Ceará.
P/1 – Você pode contar um pouco dessa trajetória ai da sua família para gente?
R – É muito interessante, meu pai veio para o Brasil com 15 anos antes do início da segunda guerra e ele trabalhou aqui como professor desde que chegou, fez formação tudo em São Paulo e conheceu a minha mãe aqui no Rio de Janeiro quando ele dava aula na Escola de Serviço Social da PUC (Pontifícia Universidade Católica), então eles se conheceram, namoraram e casaram e foi assim.
P/1 – A sua mãe era professora também?
R – Minha mãe é Assistente Social também formada em Biblioteconomia, mas ai quando ela a casou se afastou um pouco e depois voltou, quando os filhos cresceram, nós somos quatro irmãos, eu sou o segundo, tenho uma irmã mais velha e dois irmãos mais novos, são dois casais, o mais novo é o André, ai vem a Joana, em ordem crescente, eu e a Maria Cristina.
P/1 – E seu pai veio e seus avós estavam na Alemanha?
R – Não, na realidade vieram todos - eles vieram separados, mas na mesma época - e eles fixaram residência em São Paulo. O meu pai, depois de fazer toda a formação dele aqui em São Paulo, veio para o Rio de Janeiro dar aula aqui.
P/1 – E você sabe por que eles vieram para o Brasil?
R – É, a época já diz tudo, né? 1936. A Segunda Guerra começou em 39, existia muita perseguição, aí eles tiveram que deixar tudo lá e vieram para o Brasil. Aí [meu pai] se naturalizou, fez vários concursos para professor universitário - toda a vida foi professor universitário -, se dedicou a isso: a direção de cursos e a lecionar na área de Filosofia, Pedagogia e Psicologia.
P/1 – Mas você sabe se ele foi perseguido por algum motivo religioso ou político, ou ele queria evitar qualquer dano?
R – É, na realidade, a perseguição era total nessa época; e eles fugiram de lá em 1936, ele tinha 15 anos - era filho único.
P/1 – E por que eles escolheram o Brasil?
R – É, o Brasil existiu uma espécie de programa que ele já conhecia no Paraná, de conhecimentos internos. Isso até foi feito pelo meu avô, mas ele não se fixou no Paraná; ele fez investimento, parece que a coisa não foi bem e ele ficou em São Paulo mesmo. Aí já existia um programa para atrair europeus, nessa época, para o norte do Paraná, mais ficou um negócio do investimento - não fixou residência no Paraná.
P/1 – A tua infância foi toda aqui no Rio então?
R – Sim, toda no Rio de Janeiro. Eu e meus irmãos [tivemos uma] infância normal de classe média. Todos estudaram, fizeram curso superior - cada um seguiu a sua carreira.
P/1 – Mas você lembra um pouco dessa infância, as brincadeiras, festas, casas, onde vocês moravam?
R – É, nós moramos sempre no Jardim Botânico; inicialmente, em uma área conhecida como horto, que é uma parte do Jardim Botânico, mais próxima a entrada industrial chinesa, que é uma área turística do Rio de Janeiro. E de lá, quando eu tinha cinco anos, a gente mudou do Jardim Botânico para onde minha mãe permaneceu até bem pouco tempo. A minha infância sempre foi uma infância privilegiada, no sentido que o Jardim Botânico sempre teve, e ainda tem, recantos que o tornam parecido com uma cidade pequena no interior. Você pode, até hoje, se quiser, pegar uma bicicleta ou fazer uma caminhada e parar em uma cachoeira; você é cercado de todas as árvores, não só do próprio Parque Jardim Botânico, mas em torno, nas ruas e tudo - e são ruas tranquilas. Naquela época, se fazia tudo que se faz na cidade do interior, as brincadeiras de rua, jogos, queimada, bola, vôlei etc. Então, eu tive uma infância bastante livre, é o que eu posso dizer - nós brincávamos muito.
P/1 – E ligado a natureza também. Vocês iam na cachoeira, dava para ir?
R – Com certeza.
P/1 – Ah legal, e você estudou onde?
R – Eu estudei no Colégio Santo Inácio, um colégio jesuíta. Estudei por 12 anos. A minha formação completa; na época, se chamava primário, ginásio - hoje [é] Ensino Fundamental, Ensino Médio. Eu fiz tudo lá, depois eu ingressei no curso de psicologia, mas eu não completei. Depois é que eu fiz arquitetura - sou arquiteto.
P/1 – E nessa escola jesuíta, você fez todo o primário lá?
R – Eu fiz não só o primário - o que se chamava ginásio -, e [também] científico. Depois passou a se chamar segundo grau; hoje é ensino médio. Quer dizer, eu estudei a partir da alfabetização, que foi em outra escola - uma escola menor. Eu fiz toda a minha formação que não era universitária lá nesse colégio [jesuíta].
P/1 – Você e seus irmãos?
R – Não, meus irmãos estudaram em escolas diferentes: minha irmã estudou no Colégio Sacramento - a mais velha - e Santa Úrsula; meus irmãos estudaram no Santa Úrsula e também passaram por uma escola menor.
P/1 – Por que só você?
R – Nessa época, como eu era o segundo irmão mais velho - só se admitia menino, hoje é um colégio misto. Desculpa, meu irmão também acabou estudando no colégio Santo Inácio [por] um pequeno período da vida; quando ele saiu da Santa Úrsula, foi para lá.
P/1 – E como que era estudar só com meninos?
R – Eu acho normal, muito bom. Têm colégios no Rio que ainda são assim - o Colégio São Bento ainda [é] assim -, é uma questão de definição pedagógica e tudo. Eu estudei no colégio em um período em que ele era só para meninos, aí depois ele se tornou misto, quando eu estava passando para o segundo grau, ensino médio. Então, tive as duas experiências, mas acho que não é uma coisa que mude muito não, porque acho que a vida lá fora... Eu já conhecia a vida lá dentro - é uma parte da sua vida.
P/1 – Você lembra de algum caso interessante nessa época? Castigo de algum professor, [algum] colega te marcou?
R – Nós éramos muito bagunceiros, a minha turma era a mais bagunceira, mas é aquela coisa de criança, de conversar mais em sala, de gostar de sentar mais atrás.
P/1 - Turma do fundão!
R – É, a turma do fundão, exatamente, mas não tinha nenhum relato específico não, nenhum momento marcante; só as coisas de sempre: repreensão por falar, por estar rindo, essas coisas.
P/1 – E foi sempre a mesma turma na sua adolescência?
R – Não, as turmas sempre mudaram. As turmas começaram no primário, pessoas entram e saem, e vão mudando.
P/1 – E seus colegas, quando você saía eram da escola - ou eram de fora?
R – Eu tive uma característica de não fixar amigos da escola não, tenho pouquíssimos amigos que eu mantenho dessa época. Então, eu não fixei, fiz mais amizades fora do colégio, que é os que eu mantenho, ou da faculdade ou de outros grupos - como eu falei, pelo fato de eu ter morado no Jardim Botânico. Nessa época em que era melhor você ter nascido em uma cidade do interior, possibilitava que você conversasse muito com as pessoas que moravam ali no bairro, ruas muito tranquilas, tinha ponto de reunião, esquinas para ficar conversando, pessoal sempre à noite, antes de voltar para casa, e aí surgiram várias amizades que frequentavam o mesmo clube. Então, eu tenho mais amizades dessa época, do que propriamente do colégio.
P/1 – Você fez a gente voltar para esse bairro. A sua família, eram só vocês da sua casa? Assim, não veio tios, primos, você não tinha?
R – Não, não, a gente tinha muito pouco contato com tios; embora a família da minha mãe fosse muito numerosa - minha avó teve 10 filhos, então, certamente, tios e primos nunca faltaram -, mas a gente nunca teve muito contato com eles. Era uma família voltada para ela mesma, meus pais e os quatro irmãos.
P/1 – E a proximidade dos irmãos, é longa [ou] curta?
R – Sim, a diferença de idade?
P/1- Isso.
R – Não, por exemplo, a minha irmã é dois anos mais velha do que eu; eu sou quatro anos mais velho que a segunda - terceira, na verdade -; e oito anos mais velho que o caçula. Então, não era tão diferente.
P/1 – Então dava para brincar junto?
R – É, o irmão mais novo que tinha diferença maior não foi tanto. Não foi comigo, mas com a irmã mais nova do que eu, porque a diferença se tornava pequena para ele então equilibrava no final das contas. E depois, quando você se torna adulto, essa diferença não fica valendo mais - você não fica mais achando que tem alguma diferença.
P/1 – E aí você passou para adolescência e juventude; você se lembra de como era essa época, o que vocês faziam? Já não era mais brincar de correr. Como é que era?
R – É, a gente teve a adolescência, juventude, típica das pessoas da minha idade na Zona Sul. Então, eles gostavam muito de praia - na época, o surf estava começando no Rio de Janeiro; então tinha todo um grupo que gostava disso -, festa no clube, festa no sábado. Sempre tinham alguns clubes do Rio de Janeiro que tinham essas festas de Sábado na Zona Sul, tinha na Gávea, no Leblon, no Clube Federal Campestre, tinha clube naval, que fica na lagoa. Então, existia essa vida muito em torno da Zona Sul. A gente sempre teve esse grupo, digamos assim, que circulava nesses mesmos ambientes. Antes disso teve também Petrópolis; meu pai dava aula no Rio, mas dava aula em Petrópolis também - dividia. Ele ficava parte da semana no Rio de Janeiro e parte em Petrópolis. Mas essa parte mais voltada para infância e que eu resgatei quando eu fui estudar lá, porque antes de eu me formar em arquitetura, eu fiz dois anos de psicologia muito por influência dele. Porque, como eu disse antes, ele era professor e abriu vários cursos nessa área - inclusive, de psicologia. E aí eu fui fazer psicologia. Quando eu saí do colégio, fiz vestibular e fiquei dois anos lá; travei contato com outras pessoas, outras cidades, outra época, mas com o mesmo nível de diversão, vida noturna, clube e tal. Acabei também tendo amizades, dessa época, que mantenho até hoje. Então, ficou assim uma divisão de Rio de Janeiro e Petrópolis para mim, porque estudei lá.
P/1 – E você falou dos clubes, como que eram? Conta para gente, assim, o cotidiano desse clube - como que eram as festas?
R – Na realidade, embora eu sendo sócio até hoje do Clube Naval, Militar e tudo; embora nós não fossemos militares, até hoje esse clube permite se tiver alguma indicação militar, então era um clube extremamente rígido e nós éramos jovens, soltos e contrários a muita disciplina. Então, isso sempre dava alguma confusão, diversão muito controlada não dá certo, fica sem graça e tal, mas as lembranças eram sempre engraçadas - de controle, as pessoas de disciplina do clube atrás da gente o tempo todo. A gente usava cabelo muito comprido e militar tem certo preconceito com relação a isso. Então, tem essas histórias engraçadas. Se você tem cabelo comprido, você não serve, não devia estar ali. Então era uma coisa engraçada, porque eu era sócio do clube, e esse grupo que eu falei não era sócio, a maior parte das pessoas frequentava porque era uma festa conhecida da Zona Sul, então iam para lá - era um ponto conhecido. Como conseguiam entrar, ninguém sabe, mas sempre as mesmas pessoas, nos mesmos lugares, acabavam conseguindo entrar e isso se repetia.
P/1 – Você tem algum caso interessante aí que você lembre?
R – Eu sinto um pouco de pena, com a falta de piedade que a gente tinha com essas pessoas que estavam trabalhando e ficavam tomando conta da gente. Porque achavam que era um bando de baderneiros, quando na realidade não era nada disso, pessoas jovens, e nesse momento se fixavam muito essas questões de aparência. E como eu falei, militar tem uma vida totalmente diferente, então acho que eles viram chegar uma mudança ali dentro no próprio lugar que era uma festa que eles promoviam que certamente era para os sócios, mas os filhos e filhas dos militares andavam com as mesmas pessoas e, obviamente, elas faziam pressão para que aquilo não acabasse porque, provavelmente, eles pensaram em acabar com aquilo tudo: “Vamos moralizar esse negócio!”, tem que ser tudo certinho e isso acabou nunca acontecendo - e o que você viu foi o tempo passando, pessoas amadurecem, envelhecem os modismos, mudam. Aquilo se mostra uma coisa que não tem muita importância, que só tinha na cabeça deles. Também viviam uma época diferente do Brasil, eles viviam uma época de fechamento político total. Quem era um pouco mais esclarecido ou politizado sofria muita perseguição, as pessoas tinham verdadeiro terror em comentar qualquer coisa a respeito de política, mesmo que não estivesse manifestando nada sobre o regime da época e tudo, mas só de falar em política, fazia uma censura em cima disso de receio de qualquer retaliação. Então, era um tempo, assim, meio sufocante para quem estivesse engajado em alguma coisa. Eu nunca estive engajado em nada disso, eu era muito [para um] lado mais poético, gostava muito de praia, da noite, do envolvimento com as pessoas, boêmia - esse tipo de coisa -, e não me preocupava com esse lado - embora eu estava plenamente ciente do que acontecia e todo mundo nessa época vivia sabendo disso. Então, as pessoas tem que manter os pés no chão, os pés na terra e saber o que podiam ou não falar - isso tudo mudou. Eu continuo frequentando o mesmo clube, tive filhos, cresceram, são adultos - tenho as lembranças dos meus filhos lá -, e hoje isso não tem a menor importância. Você pegar um jovem e comparar com um jovem da minha época fisicamente, ele é totalmente diferente, mas em termos de comportamento é extremamente semelhante, até porque isso não muda: as gerações passam e acho que as pessoas mantém esse sentimento enquanto têm essa idade, sentimento de contrapor ideias, de ter opinião própria, de seguir uma coisa simplesmente porque está determinada e de inexperiência, por conta disso tudo, daquele vigor juvenil, aquela coisa, assim, de rompante, isso se manifesta até hoje. Óbvio, isso vai acontecer sempre, não vai mudar o que muda; é o que eu disse: é a aparência, os modismos, tecnologia de informação, não existia nada disso, não tinha nenhum cadastro de mídia social, não tinha nada disso, todo contato no máximo era telefone, tinha muito encontro mesmo, encontrar na rua, encontrar na praia, encontrar no clube - isso que fazia todas essas ligações, isso que mudou. Isso é um pouco diferente, tem até grupos que privilegiam muito mais o encontro virtual que o presencial, tem gente que consegue se comunicar muito bem virtualmente [e] que quando encontra o seu parceiro que é virtual, não consegue falar: “Não, não quero nem falar” - já vi muito isso -, “Eu não consigo nem conversar”, “Eé, mas você não fala há séculos com essa pessoa no chat?”. Mas não é para falar pessoalmente... Quer dizer, são mudanças diferentes. Mas o que eu acho é que o Brasil mudou, todo o processo de abertura aconteceu, a democracia vem se consolidando e isso tudo passou também pelos militares, então, eles mesmos devem perceber que eles se preocupavam com coisas fúteis, bobas: ninguém era inferior porque tinha cabelo grande...
P/1 – Clemente, você era surfista?
R – É, eu tentei. Não chegava a ser muito extraordinário, mas é uma coisa muito boa, muito agradável e engraçada. Minha filha me admira por isso, aí toda hora eu tenho que corrigir porque a filha começa a achar que o pai é herói e começa a aumentar as coisas. Aí eu falei: “Pelo amor de Deus, não fica inventando! Eu nunca falei que fazia isso ou fazia aquilo, que era isso ou aquilo”. Era de medíocre para muito ruim. E eu sempre gostei muito de esportes, sempre; umas coisas, assim, diferentes para época: fiz canoagem também, de rio, que é um esporte que você faz de barco descendo o rio com corredeira; isso eu já fiz mais recentemente - recentemente que eu digo, depois de me formar como adulto e tudo. Essa época de surfista era época de adolescente mesmo, entre 16 e 17 anos.
P/1 – E você já pensava em alguma coisa profissional ou tava muito ainda no abstrato?
R – Olha, eu era muito era muito do abstrato, porque eu queria muita coisa. Eu adorava cinema e adoro até hoje, mas nunca pensei nisso seriamente como profissão. Ao mesmo tempo que eu tinha todo esse lado voltado para o subjetivo abstrato, eu tinha os pés muito grudados no chão, reprimia muito qualquer rompante meu, no sentido das preocupações da época que as preocupações da época era [de] você ter um curso superior. Hoje em dia você ter um curso superior é o básico do básico, a partir daí você poderá enriquecer isso o mais rápido possível, dentro do que for a necessidade do mundo em constante mudança. O mundo na época em que eu me formei não era em constante mudança, ele mudava, vamos dizer assim, a cada cinco anos e diziam muito o seguinte: que se você entrasse na faculdade no final, você ia começar a se desatualizar - hoje isso é muito mais rápido. Hoje, você escolhe um curso e quando você vê aquele curso ali, não é o que você quer, porque você é imaturo para escolher o curso também. Acho que as pessoas têm que escolher isso muito jovem com 16 para 17 anos para fazer o vestibular, mas porque o mundo está mudando muito rapidamente - as profissões tradicionais e antigas, elas estão todas fadadas, assim, a um grupo muito especializado e uma dificuldade muito grande de você se inserir no mercado de trabalho. Só por isso, na minha época, ainda era isso [de] você pode ser: médico, advogado, engenheiro, fazer comunicação, jornalismo. E você pensar em uma profissão só porque você fez um curso superior hoje em dia, isso é impensável. Não é porque você fez um curso superior que você vai conseguir a posição que você quer, então as pessoas começam muito mais cedo. Também acho que a velocidade é muito maior, eu noto com as pessoas na empresa que estagiam comigo - todos que passaram comigo como estagiários, tinham essas características - e cada vez mais ela existe, que - e de ser multiprocessador, faz uma, duas, três coisas ao mesmo tempo, que é a natureza de quem nasceu nesse mundo. Eu ainda sou daquela geração voltada para curso superior: “Ah, vou fazer essa profissão, vou estudar isso. Vou fazer uma especialização. Eu vou ter uma determinada chance no mercado de trabalho, eu vou seguir...”, e você planejava dessa maneira. Eu acho que hoje em dia é muito difícil você planejar dessa maneira ou você pensa em uma área de uma forma mais solta, mais livre, e você tem um, ou dois ou três cursos que você pode fazer. Mas claro que você tem que se preparar, como eu falei: curso superior é uma coisa básica, mas não tá nem perto daquilo que era no passado, como uma chave de porta de entrada no mercado de trabalho; você vai precisar de especialização, de toda uma outra formação que, às vezes, nem é formação mais - não é formal, é uma formação informal da sua atitude, de como você consegue ligar os pontos, de você juntar necessidades, de você ter essa atitude em relação a isso. Tem várias profissões que estão surgindo, e as pessoas não sabem nem o que é para fazer. Eu assisti uma formatura em que recentemente o orador era muito sincero, ele falou: “Nós somos a turma de Relações Internacionais da PUC (Pontifícia Universidade Católica). Olha, eu não sei nem direito o que a gente faz, muita gente confunde Relações Internacionais com Relações Públicas...”. E falou que não era isso, começou a brincar em relação a isso. Claro que tinha toda uma brincadeira de festa, comemoração pela formatura, mas ele tá sendo bem sincero com relação ao caso de que para ele, que fez o curso, certamente existe: “Para que serve?”. Mas a gente não sabe o alcance todo dessa formação no mercado, no mundo que está mudando, que tem essas necessidades cada vez mais diferentes. Então, eu comecei querendo fazer medicina, mas eu desisti de fazer medicina e fiz psicologia por influência do meu pai. Nos dois primeiros anos, eu já não queria mais fazer, aí eu fui me soltar mais e ir para o meu lado artístico de sempre: desenhar. Sempre gostei de pintar e tudo, então eu falei: “Vou fazer Arquitetura”, que mesmo que seja uma área técnica, é uma área técnica associada àquilo que eu acho interessante, que eu gosto. Aí fiz arquitetura e trabalhei com arquitetura, mas não trabalhei com esse lado, trabalhei com o lado mais formal mesmo, com obra, reforma, construção, projetos e dali que eu fui para a White Martins.
P/1 – Mas primeiro você fez qual faculdade, de psicologia?
R – Universidade Católica de Petrópolis (UCP).
P/1 – E seu pai trabalhava lá?
R – É, meu pai trabalhava lá. Então, tinha aberto o vestibular para aquele curso que começava naquela época, 1977 - eu cursei em 1977, 78.
P/1 – E sua mãe aqui com seus irmãos?
R – Isso, e como meu pai já passava metade da semana lá eu fui morar esse período de aula lá, então eu ficava os dias de semana com ele e os fins de semana no Rio. Então aquilo que eu falei anteriormente, em relação aos grupos, foram começando nessa época - eu já tinha esse grupo do Rio em termos de amizades e fui criando o grupo de lá.
P/1 – Mas o que é que foi o estopim, assim, para você deixar a Psicologia e entrar na Arquitetura?
R – Olha, na verdade, acho que nenhum jovem gosta de seguir exatamente aquilo que o pai abriu caminho, ou que já tenha um nome, que já tenha uma possibilidade de você seguir. Então, você quer descobrir o seu próprio caminho, e eu queria descobrir o meu próprio caminho. Não que eu desgostasse daquilo, mas eu achava que não era... Eu queria procurar alguma outra coisa que eu ainda não sabia, então eu mudei para arquitetura - baseado nisso que eu falei já, que eu me dava bem com essa parte artística. Eu gostava muito de pintura [e] desenho. E desenhava, desenho até hoje; e fui fazer arquitetura.
P/1 – O que é que você gostava de desenhar?
R – Eu gostava muito de desenhar figura humana, eu gostava, sempre gostei de pegar um poema ou pegar uma música e colocar aquilo como uma forma de ilustração; gostava de fazer aquarela. Fiz arquitetura, mas, como eu disse, fui trabalhar em uma área mais formal da arquitetura - não foi nem projeto e nem criação, foi mais a parte execução.
P/1 – Onde foi que você fez arquitetura?
R – Na Santa Úrsula, Universidade Santa Úrsula.
P/1 – Aqui no Rio?
R – Aqui no Rio, em, [de] 1979 a 1983.
P/1 – E daí o seu primeiro estágio, como você começou a trabalhar?
R - Eu comecei a estagiar em escritório de arquitetura, mas aí era o padrão. Na época, não se usava computador: eram sistemas CAD e CAM - era tudo em prancheta. Então, você tinha desenhos, tinha nanquim, tinha que fazer as plantas, desenvolver aquilo que você tinha levantado para o chefe do escritório - você saía com ele para verificar qual seria o trabalho que você ia desenvolver. Então, você tinha medições de campo, de alguma reforma, alguma coisa que você ia fazer. Se você quisesse fazer algum trabalho, voltava para o escritório com isso; aí eu não queria aquilo também não, e falava: “Não, isso não”, e não pensava, nunca pensei, nunca me coloquei como criador de projetos. Eu queria saber como é que aquilo ficava de pé, dominar todas as técnicas de construção, queria ver sair do papel e virar uma coisa real. E eu gostava dessa coisa de campo, porque eu sempre tive essa coisa de campo - então eu sempre tive essa coisa de ficar perto da natureza: ficar trancado não era muito a minha praia, eu queria ficar onde estivesse o canteiro de obras, no meio do mato. “Ah, uma casa vai começar...” E eu consegui trabalhar justamente com obra de residência, nunca trabalhei com obra de prédio. Eu fui para uma firma pequena em São Conrado e todas as obras que estavam sendo executadas eram lá. Era um local maravilhoso, naquelas ruas do Joá, com a vista de São Conrado. Naquela época, não tinha nada, não tinha prédio, dava vontade de não trabalhar, ficar sentado na pedra olhando tudo, mas eu trabalhava muito, sempre muito sério, muito compenetrado, metódico e muito disciplinado. Isso, desde cedo. Então, eram dois estagiários; o outro estagiário já era diferente, era aquele cara mais solto sabe? “Ah, hoje eu não estou afim”, aí se desligava daquilo e ia fazer outra coisa, tal, e eu já todo preocupado com prazo e cronograma. Tinham umas atividades assim: - em firma pequena, você faz do início ao fim - então, ao mesmo tempo que eu tinha os projetos, que eu tinha o prazo para ser executado, eu tinha que fazer subcontratos com terceiros para a parte de instalações. A parte de concreto, tinha que vistoriar se todos estavam executando as tarefas para moldar as formas, para levantar a estrutura para a casa seguir etc. Lidava com tudo, desde compra de material até pagamento de funcionários - eu tinha moto e saía com a moto para comprar, porque operário adora fazer essas coisas: você planeja, planeja e a diversão deles é não avisar que falta alguma coisa e falar em cima da hora que [coisa] tal tá faltando, para você sair correndo e comprar. Parece que é uma diversão, uma aposta que eles fazem, e eu vivia fazendo isso - odiava, porque é claro que mesmo sendo uma firma pequena, tinha uma estrutura, você vai sair comprando tudo na hora? Não! Você comprava todos os suprimentos cimento, areia, pedra, tudo, até madeira, para você executar uma grande tarefa, só que existia sempre alguma coisa, uns detalhes que faltavam e aquilo nunca era dito para você antecipadamente. Então, tinha esse lado de lidar com operário, de ter que resolver disputas, um ficava implicando com outro igual criança; e, às vezes, eu penso assim: “Olha só, eu queria ir para o campo para ver tudo isso acontecer. Agora eu não to aguentando, estou tendo que lidar com esses caras que parecem crianças, tenho que ficar separando um do outro porque um tá vaidoso achando que outro tem que servi-lo, que eles são ajudantes e o outro é um senhor - e tá tratando mal aquele senhor. Tá falando algumas coisas que ofendem aquele cara e que se eu deixar acontecer, isso vira uma bagunça. E no final, o engenheiro que era dono da empresa, vinha atrás de mim - ele só queria o resultado, ele não queria saber. Se eu viesse com algum problema desse, era detalhe, não interessava a ele; eu tinha que administrar tudo. Então, eu ganhei uma experiência muito grande de vida por causa disso, muito cedo, porque você acaba enxergando o lado duro da vida deles. Eu me lembrava que eu tinha que controlar o ponto - que era uma anotação da hora que eles chegavam - porque eles ganhavam por semana, mas tinha frequência, a hora, e tudo. Com uma firma grande, um estagiário de arquitetura, de engenharia, jamais se mete com isso; isso aí é uma coisa que alguém vai fazer - ele nem sabe, só chega para ver. Mas lá é uma firma pequena, eu tinha que fazer inclusive isso, de ficar com aperto no coração de cortar, sei lá, três reais - não sei qual era a moeda na época - do salário daquele cara, porque ele tá chegando atrasado de um local distante demais. Às vezes, ele vinha de outro município, de Nova Iguaçu, Duque de Caxias, para chegar na Zona Sul, São Conrado, subir tudo a pé, uma ladeira enorme - eu vinha de moto tranquilo, eu sempre fui consciente disso -, e eu falava: “Vou cortar”, eu cortava. Porque aí o meu dilema era o seguinte: se eu receber confiança daquela pessoa que me contratou para eu estar ali, eu tinha que cumprir com aquilo era o meu valor, então eu cortava o ponto; só que eu pagava do meu bolso, todos os cortes - e eu sabia que ninguém ali estava de brincadeiras, ninguém ficava dormindo e chegava mais tarde, então era todo mundo naquela agonia de poder, na realidade do Brasil, um operário chegar para trabalhar para ganhar o dele, entendeu? Então, eu vivia sempre com conflitos e dilemas, porque, ao mesmo tempo, eu não achava isso justo. Eu me colocava nessa situação, porque eu me obrigava a isso, e tinha que tomar conta - como eu falei - de pagamento, tinha que sair e ir para o escritório, para ir ao banco, sacar dinheiro e fazer envelopinho, colocar o dinheiro de todo mundo em envelope separadinho. Aí vinham aquelas discussões que eu achava absurdas, mas para eles uma moedinha era um valor enorme, aí eu, e, completava, porque tinha errado e não sei o que no banco não tinha trocado, e ficava cuidando disso tudo - ainda cuidava da execução e das compras. Enfim, a casa tinha que subir, a reforma tinha que acabar. Conheci pessoas maravilhosas, pessoas de muita idade e pouca educação, mas com a sabedoria muito grande; e falavam sempre para mim: “Vai mais devagar porque se você continuar assim, vai ficar velho rapidinho”, eles falavam muito isso para mim, os mais idosos e tudo - os mais experientes -; e foi assim. Aí eu fui fazendo essas obras, tocando reforma, tal e aquilo eu não aguentava mais, chegou em um tempo que: “Nossa, eu preciso trabalhar em uma empresa”, era o meu novo objetivo.
P/1 – Você não dava conta de tudo, né?
R – Não, porque eu achava tudo aquilo muito frustrante. Eu achava que entrar em contato com todos esses conflitos, todos esses dilemas, era muito frustrante. Então eu tinha certa inveja daqueles que tinham estagiado em empresas grandes, e que focam em assuntos que eram da vida deles - que era a arquitetura -, entendeu? Eu tinha que focar nos aspectos humanos, mas aquilo era exatamente uma coisa que eu levei para minha vida profissional, para o resto da vida. Eu não sabia ainda, porque eu tinha desejo de trabalhar em uma empresa grande, ia ter conforto em relação a esses assuntos e, realmente, você fica mais especializado - não vai tomar conta de tudo, só que fica guardado em você o seguinte: que as coisas davam certo porque você tinha que se envolver com tudo, e o envolver com tudo, naquela época, era fazer tudo - não necessariamente fazer tudo -; hoje, você tem que entender que se algo nesse processo tiver com ruído, não estiver pegando, não estiver funcionando bem, o resultado não vai ser o resultado esperado. Então você começa a entender que todas partes tem que estar contribuindo, você começa a agir como coordenador; mas com essa experiência, você não fecha os olhos, porque sabe que lá na frente não vai dar certo. Então você tem uma visão do processo, você ganha com a visão do processo, e isso, acho que levei para o resto da vida. E eu tentei sair de lá de tudo quanto era jeito, consegui contato que me levou a White Martins. Tinha uma vaga para a Área de Instalações, minha primeira experiência na White Martins; era um setor que controlava a parte de instalações e de equipamentos, que contêm o gás dos tubos, que levam o produto desses equipamentos até os pontos de consumo nas indústrias e nos hospitais - e isso tinha afinidade com o que eu já tinha exercido até então, que era uma atividade de coordenação, atividade de campo, totalmente diferente. A White Martins é totalmente organizada, com uma estrutura, para mim enorme e eu vejo reclamações, na época, [do] pessoal falando e tal, não sei o que - eu achei, assim, que foi uma mudança na minha vida.
P/1 – Clemente, antes da gente entrar especificamente na White: como é que você conseguia lidar? Você conseguiu lidar com sua turma de faculdade mesmo trabalhando e fazendo esses estágios com tanta responsabilidade; você conseguia ainda curtir a turma? Você lembra de alguma coisa?
R – Eu adorava correr nessa época de trabalho em obra e faculdade de Arquitetura. Eu corri várias maratonas - me preparava, corria 16 quilômetros por dia -, isso ainda não era a moda que é hoje. Já era alguma coisa porque tinha até Ice Copper. Aquele médico sul-africano veio aqui e falou sobre o benefício de corrida, e não foi a primeira maratona que eu participei, foi a quarta ou quinta do Rio de Janeiro. Eu também não era nenhum velocista e nem nada demais, eu completei várias maratonas. E, nessa época que eu corria, me dedicava, assim, ao estágio - e a hora que sobrava eu tava correndo. Então, eu corria à noite, chegava da faculdade e corria - os horários da faculdade permitiam isso, você estar de manhã tendo aula e à tarde você estar trabalhando ou o inverso; e tinha esse negócio da corrida. E, da mesma forma, respondendo a sua pergunta, eu mantinha os encontros nos horários que davam, fim de semana também tinha essa vantagem, não existia trabalho de obra no sábado, raramente, porque a gente fazia compensação e esse tipo de obra permite, obra de prédio, geralmente, eu acho que não teria o horário de sete às dezoito. Então existia uma compensação e você ficava com o sábado e domingo livres, e você tinha à noite. E quando eu não estava correndo, eu estava encontrando os amigos da faculdade e os outros que eu falei, do grupo de infância, e do grupo de Petrópolis. Era uma coisa toda misturada. Nessa época, era a época que eu gostava de correr, então, às vezes, eu levava roupa: saía do trabalho com roupa no carro - eu tinha moto, como eu disse anteriormente, mas nesse período eu tinha um fusquinha -, eu colocava as roupas no carro e ia correr na floresta, tomava banho na cachoeira, me vestia e ia para faculdade; ia direto assim e tal. Era uma época muito boa, o trânsito não era como é hoje, eu ia correr à uma hora da manhã e não acontecia nada.
P/1 – Bacana. E como é que foi o seu primeiro dia na White, como é que foi a indicação? Quem foi que te indicou?
R – Foi muito engraçado - eu não me esqueço disso. Essa parte eu não me lembro muito bem, essa parte burocrática de entrevistador, eu me lembro do primeiro dia trabalhando na White, [que] falaram: “Você vai trabalhar na Avenida Brasil”. Aí eu falei: “Eu vou ir de moto para Avenida Brasil”, a moto era grande - tinha, na época, uma CB 400. Aí, ficava naquela fábrica que existe no trevo na Washington Luiz e aí me falaram caminho, para eu me apresentar, procurar um Supervisor do Setor White Martins - não usar abreviaturas -, Setor de Instalações e Serviços Técnicos (SIST). Fui lá, entrei com moto, capacete - cheguei lá, tinha um sujeito com dois telefones: falava um pouco em um falava um pouco no outro, gritava pra caramba; e eu achando que ele ia ser meu chefe, mas não era. Ele era assistente técnico, o chefe não estava lá - o Engenheiro, o meu colega, não estava lá; tava todo mundo fora. E aí eu fiquei lá meio perdidão e esse Assistente Técnico começou a conversar comigo e meio surpreso porque ele não sabia - o Supervisor não tinha falado com ele que eu ia trabalhar lá -, e aquela coisa muito confusa. E foi engraçado, porque e eu olhei aquele cara com aquela dinâmica toda, na atividade, como se ele fosse o meu chefe, mas não era, ele estava programando uma porção de atividade e ações em relação às instalações e respondendo algumas questões de clientes e tudo, e aquele foi o meu mundo.
P/1 – Você lembra quem que eram essas pessoas?
R – Lembro. Está na empresa ainda: José Carlos Bezerra - tá na empresa ainda. Ele lembra isso também. E é um setor também [que é] escola da White Martins - eu posso falar isso, porque nessa época você respondia sempre pela parte mais crítica. Se você não tiver uma instalação bem próxima - a minha experiência dentro na White com obra pronta -, você não vai conseguir trazer o resultado para a empresa, porque o resultado da empresa é o gás que você fornece. Você fornece via uma instalação; se essa instalação não estiver pronta, você não vai conseguir faturar, não vai trazer o resultado para a empresa - então era crítico. A manutenção também era crítica por razões óbvias: você tem que deixar o cliente satisfeito, você tem que ter qualidade, quantidade e também assegurar fornecimento. Então, esses pontos que eu falei, eram os pontos do dia a dia, então, um local de muito estresse e muita pressão, mas, como eu disse, pra mim aquilo ali era um mundo maravilhoso, tinha estrutura - antes era eu sozinho.
P/1 – Era um laboratório?
R – Não, era um setor de instalações, então você recebia as demandas das áreas comerciais, seja seguimento industrial ou hospitalar, para que fossem realizadas instalações que têm por objetivo fornecer gás; e as manutenções que você podia fazer ação preventiva ou corretiva - o objetivo geral daquilo ali era isso. Então tinha uma série de Assistentes Técnicos que iam com seus carros avaliar os problemas para reportar os assuntos e os Engenheiros tinham um plano para instalação e manutenção, e eu ia trabalhar ao lado de um Engenheiro que era responsável por essa Área de Manutenção e Instalação.
P/1 – Quais eram os seus desafios nessa época?
R – Nessa época, os meus desafios eram o seguintes: como eu tinha essa experiência de arquitetura em obra, a gente tinha ter uma série de hospitais e indústrias que a gente tem que, respeitando as normas da empresa, as normas de segurança, implantar a colocação de alguns tanques que são os recipientes onde têm os gases para que a gente possa concretizar o negócio. Então o pessoal da Área de Negócios vislumbrava um ou dois pontos possíveis e a gente tinha que viabilizar aquilo dentro das normas, você tinha que visualizar a possibilidade dentro da norma, e a possibilidade também no site, no campo do cliente, de forma que você não expusesse nada, porque o cliente não querendo que fosse ali, se fosse um jardim, se fosse a vaga do carro do presidente que ele não quer que tire dali etc. e tal, você não ia conseguir. Então você tinha que ter uma negociação. Não era comercial porque a negociação comercial já tinha vindo anteriormente, mas era uma negociação essencial porque senão você não conseguia concretizar aquilo tudo para a empresa. Então, eram esses os desafios iniciais: tinha todo um mapeamento, toda uma programação de clientes e você tinha que encontrar ali, seja no hospital ou na indústria, o melhor local para que instalação fosse implantada.
P/1 – E daí você não saiu mais de lá; como é que foi essa trajetória?
R – Eu mudei muito na empresa, eu tive uma média... Agora, na última função, totalmente diferente. Trabalho na Área de Home Care, é o marketing do Home Care, que é o atendimento em casa da White Martins. Ele fornece equipamentos, gases, para empresas que fazem o tratamento em casa, então eu passei por várias áreas na empresa. Eu passei por outra área de instalações que seria a Área de Instalação de Cilindros, porque a gente diferenciava o produto na forma líquida no tanque grande - esses que vocês devem ter visto nos hospitais, aquele tanque branco que também tem em indústria, mas também tem as indústrias menores, que são com aqueles cilindros de aço que as pessoas chamam de garrafa, que têm a mesma função. Mas o produto está em outro estado, gás comprimido, com a mesma coisa, fornecimento do cliente. Então, eu assumia uma função que era de não mais somente localização das instalações, mas também do zero até o final, a concretização de uma instalação. Então teria que ter todo o plano de material, contratação da empresa que monta aquela tubulação, da instalação do equipamento e a montagem toda para entregar aquilo pronto com os prazos. Aí depois eu saí dali e fui para a Área de Coordenação de Empreendimentos, aí já era uma época no Brasil de expansão muito grande, isso já era nos anos 90 e a White Martins estava acompanhando isso, tinha um sistema de entrega por rádio que, na época, era super moderno: um cliente, em qualquer lugar, ligava para uma central e essa central de rádio sabia que existiam - naquela área geográfica - alguns caminhões circulando e isso fazia com que a entrega fosse o mais rápida possível, porque sempre haveria um carro mais próximo daquele local onde foi feito o pedido. Para isso, você tinha que ter no Brasil as instalações de enchimento com sistema de rádio que chamavam "rádio gás". Eu viajei muito nessa época, conheci o país por causa da White Martins - e o Brasil é muito grande, é uma diversidade enorme, você tem culturas diferentes, as pessoas te recebem de forma diferente; e fiz grandes amizades também na empresa por conta disso.
P/1 – Clemente, mas esse rádio gás, você acha que foi um marco nesses anos 90 por conta da expansão no Brasil? Você acha que a White investiu nisso por conta dessa expansão?
R – É tudo um retrato, a White Martins está ligada ao desenvolvimento do Brasil. Se você pensa que a empresa vai fazer 100 anos e se você olhar para trás, pegar governo Getúlio Vargas e depois o Governo JK, toda aquela expansão, indústria automotiva, siderúrgica, estaleiros navais, petroquímica e também a área hospitalar, a White Martins está presente em tudo. Porque tanto gás industrial, como energia elétrica são insumos para qualquer país se desenvolver. Sem energia elétrica, você não faz nada nessa área industrial; e sem gás industrial, os gases que são usados para solda, para corte, você também não faz nada: é um indicador de desenvolvimento, crescimento industrial; o gás industrial é usado em macroeconomia para isso. Então a gente pode dizer o seguinte: se nos anos 90 estava tendo no Brasil um acréscimo, vamos dizer assim, de siderúrgica de plantas de indústria química, a White Martins estava acompanhando, por conta disso, um crescimento na área de serviços, ou seja, uma área menor no varejo também estava acontecendo e o rádio gás era para atender esse mercado menor, entendeu? Você tinha que mexer em todas as unidades, então você tinha que adequar uma unidade, toda arquitetura da unidade para isso, aí entrava um pouco dessa minha experiência. Mais uma vez, eu tinha que coordenar essa parte de obra com instalação voltada para atender esse mercado e esses clientes. Depois, eu fui para a Área Hospitalar, que foi uma coisa totalmente diferente: eu tive que conhecer todos os processos de gases que a gente usava nessa Área Hospitalar, muito mais para treinar a equipe de vendas e muito mais para dar o suporte na Área de Negociação, como uma pessoa que ficava para apoiar uma negociação de uma forma técnica, em um processo, um produto e um serviço - e foi aí que eu entrei na Área Medicinal.
P/ 1 – É, qual era a diferença na instalação? Conta para gente em detalhes como era instalar na indústria e em outros lugares; e no hospital, como que é isso?
R – Hoje, mudou um pouco; o hospital está bem profissional, mas na época não era assim. Então quando você ia numa indústria, primeiro que quem te recebia sabia exatamente do que se tratava. Eles tinham planejado aquilo muito bem, eles conheciam os aspectos do processo que são aspectos técnicos, pressão, volume, vazão, sabia exatamente para que aquele tubo passava naquela posição. Então a coisa fluía muito facilmente. E o nível de exigência era muito maior, muito maior mesmo - você não podia chegar com dúvida, você não podia chegar demonstrando nenhuma insegurança. Bom, o valor que eu tinha sempre foi a sinceridade, sempre fui muito honesto comigo mesmo; eu jamais tentei colocar alguma coisa que eu não tinha certeza. Eu preferia, claramente, dizer: “Olha, pode ser isso, mas eu vou ter que ver se comporta e tal”, esse modo de ser nunca me atrapalhou, eu nunca tive um problema com isso - cliente nunca me queixou, nunca nem se queixou a mim ou fez queixa para superior meu por conta disso, entendeu? Mas a indústria era assim. O hospital, na época, não era tão profissional, eles não tinham tanto conhecimento, eles gostavam de entregar, mas a coisa que deixava mais preocupado era que ali você podia não ter só uma perda em um processo produtivo, podia ter alguma perda humana. Então você tinha uma responsabilidade muito maior, e a gente tinha operações de risco; a gente tinha que tomar muito mais cuidado e andar totalmente cercado de todas as regras, das normas, quando você faz, por exemplo, uma paralisação em um fornecimento em um hospital, colocando uma fonte secundária de fornecimento para que haja uma continuidade do serviço. Você tem que avisar e ter um cuidado extraordinário para que todos saibam que aquela área do hospital, aquele setor, vai passar por essa modificação, senão você vai encontrar alguém desconhecendo isso e alguma pessoa precisando de oxigênio, por exemplo, e não tem oxigênio. Então você tinha que ter um plano, tinha que seguir isso muito bem. A gente tinha um cuidado muito grande. Embora já tivéssemos todos os documentos que nos dessem toda a segurança para que o nosso trabalho fosse feito; a gente fazia revisão, entrava em todas as alas, entrava em todas as enfermarias para ver se não tinha ninguém em um leito, ali, realmente, em consumo, para poder realizar uma operação dessa ordem, entendeu? Então o hospital tinha essa característica, essa diferença.
P/1 – Vocês tinham concorrentes nesse segmento?
R – A gente sempre teve os concorrentes; eram três empresas: quatro empresas, a White Martins, uma empresa francesa, uma sueca e outra americana, mas a White sempre teve uma participação maior no mercado até então...
P/2 – Acho que você tinha que conhecer, de repente, desde quando funciona o berçário até o momento que tem uma pessoa precisando de você naquela hora. E essa dinâmica toda do hospital, você chegou a conhecer?
R – É, você tinha que conhecer a dinâmica do hospital, você tá certa. Você tinha que saber, por exemplo, quem são as pessoas certas no hospital e tal. [Por exemplo], uma chefe de enfermagem é uma pessoa chave, porque ela lidera uma área e ela tem uma responsabilidade sobre aquilo. Se você não conhece como se estrutura um hospital, você ia andar meio às cegas. Então você tem que saber quem está à frente de cada setor, e essa pessoa iria te indicar onde poderia ter esse risco que eu mencionei. Então você travava conhecimento e a gente fazia tudo de uma forma planejada com antecipação, a gente conhecia o local onde ia ter a intervenção, verificava no plantão quem ia estar à frente, confirmava quem era no ofício com documento para o Diretor do hospital. Aí você diz: “Mais que exagero mexer em um trecho do hospital, mandar um ofício para o diretor do hospital”, a gente fazia isso - e nessa época não tinha e-mail. Era tudo muito no papel, tinha que levar carta e tal, documentos - e com essa formalidade. Mas voltando ao que você falou, nada disso teria, é, garantia se você não conhecesse essa dinâmica, as pessoas que estão à frente disso tudo. E tem que lidar com isso e ter responsabilidade até o final quando você sabe que pode liberar tudo para uso geral, quando sabe que aquilo tudo já terminou. Nesses momentos não tinha hora do almoço, não tinha hora para sair, não tinha nada, tem que ficar comandando tudo.
P/2 – Tinha alguma demanda que te surpreendeu, algum pedido de algum hospital?
R – Sempre surpreendia.
P/2 – Que você dizia: "Nossa, tenho que pensar nisso; tenho que pensar naquilo"?
R – Sempre. A White Martins sempre teve muito cuidado com essa parte, os resíduos dentro da própria parte White Martins. Então eu acho também que por ser uma empresa grande, sempre foi muito visada em relação aos órgãos fiscalizadores - e isso acaba acarretando uma resposta nesse sentido. Mas com relação aos clientes que você me perguntou, algo que me surpreendeu e sempre surpreendia eram os prazos, porque às vezes eles tinham combinado tudo com a gente e tinha um prazo “x”; esse prazo “x” era cortado quando começava pela metade, e aí a gente ficava sobre pressão enorme, e a gente já trabalhava com terceiros, montadores que ligavam a tubulação - essa parte toda era terceirizada -; a gente tinha que estar ali mantendo aquele nível e contando com que não houvesse nenhum contratempo para que pudesse se executado dentro do tempo. Embora a gente se planejasse com folga e tudo, sempre vinham uns pedidos dessa ordem e as madres, as irmãs superiores - que chefiavam os hospitais, nessa época - eram terríveis, elas eram terríveis: tinha uma madre da Casa de Saúde São Jose que ela era rigorosíssima; no hospital São Vicente de Paula também. Geralmente, as madres superiores são rigorosíssimas. Agora elas já estão aposentadas.
P/1 – Ô Clemente, você estava falando das madres: como que era essa relação da White com essa exigência, com essa administração dos hospitais especificamente com essas mulheres à frente?
R – As madres me chamaram atenção por isso, pelo o seu rigor, mas sempre [com] uma justiça e de uma correção muito grande, e com essa visão à frente nessa época - a gente tá falando de quase 20 anos atrás, em que elas enxertavam que as mulheres tinham que assumir as oportunidades que os homens já assumiam há muito tempo, os postos de trabalho de chefia; e não só as funções menores. Então é muito comum você ver em hospitais que a direção nas áreas mais específicas, mais críticas, sejam dirigidas pelas mulheres em função disso; e é uma coisa que eu percebi naquela época. Hoje em dia, isso não faz diferença: a mulher já assumiu muita posição. Na nossa empresa mesmo - que é muito conservadora -, já tem várias diretoras e isso era uma demanda que falavam aqui no Brasil: “A White Martins não tem nenhuma diretora, só tem diretores”, e isso já é uma realidade. E cada dia mais você vê as mulheres nas posições de liderança, mas, naquela época, não era bem assim. Como eu estava falando, a indústria era predominantemente masculina e os hospitais começaram a ver isso - eu achava interessante que quem estava à frente, quando você começava a notar isso, na administração, à frente e na posição mais alta, era geralmente uma madre ou uma irmã superior da ordem que estava administrando aquilo; e eu acho que elas eram excelentes administradoras e existem escolas especificas de formação de administração hospitalar que são formadas por grupos religiosos. Então, a nossa relação, White Martins com elas, era como com qualquer cliente. A gente tinha todos os requisitos contratuais, a gente sempre visou a satisfação do cliente, mas me chamava a atenção o rigor, [que] era explicável, porque alguém que se dedica a religião, a uma ordem, ou vocação, tem uma visão do que é a disciplina de uma forma diferente do não religioso, dos leigos que vão ser um pouco mais tolerantes com alguma coisa que não esteja de acordo - porque também não se cobra tanto -; mas uma pessoa que se cobra uma dedicação de vida para uma causa religiosa ela vai ser também bastante rigorosa com relação aos outros, porque ela sabe o sacrifício que ela se impôs. Assim penso, eu acho que é por ai.
R/2 – Agora me ocorreu: havia a divisão de religião e ciência, havia um embate ou não?
R – É uma pergunta interessante. Eu não vou chegar a dizer que ali a gente discutiu alguma coisa nesse sentido porque, obviamente, a minha área de atuação não era de desenvolvimento de tecnologia, era de aplicação de tecnologia, mas o que eu acho interessante é que nos hospitais religiosos eu pude implantar as tecnologias mais modernas de tratamento, por exemplo, tratamento de água com ozônio em um hospital no Rio de Janeiro. Eu implantei, no Rio de Janeiro, o primeiro hospital que teve o processo da White Martins no tratamento de água com ozônio - em um poço que era do hospital. Então a visão da madre era totalmente de negócio econômico. Você vai fazer um modelo econômico comprovando que se eu não pagar a conta da CEDAE (Companhia Estadual de Águas e Esgotos), porque eu vou pedir para retirar a entrada d’água, que eu tenho um poço; ela só teria que pagar a conta de efluente, porque, obviamente, se você utiliza, mesmo que um poço particular seu de água, você tem efluente e quem trata efluente é a companhia de água e esgoto, então você teria que contribuir pagando. Mas ela sabia que haveria uma redução muito grande, e ela queria que eu demonstrasse isso. É um ponto de vista econômico. E o que chama atenção é que era arrojado - porque poderia ser o seguinte: “Ah, não acredito nisso! Isso aí deve ter alguma coisa errada, quem tem no Rio de Janeiro? Não, ninguém tem”. E vocês resolveriam isso como? A gente mostrava o embasamento, artigo científico: “Isso aqui vem da França”, a França tem, como todo mundo sabe, um problema severo de água, então eles desenvolveram a tecnologia de ozônio há muito tempo. Então ninguém vê como o brasileiro faz para lavar uma calçada, hoje até que está diminuindo, porteiro lá com a mangueira lavando a calçada, se você faz isso na Europa, faz isso na França, acho que você vai preso na mesma hora. Então lá a água é considerada, há muito tempo, mesmo antes dos ambientalistas apontarem que seria um recurso finito, escasso, já era uma coisa que todo mundo já tomava muito cuidado. Então é claro, quem tem necessidade de desenvolver uma tecnologia paralela - e eles desenvolveram uma tecnologia de tratamento de ozônio. O interessante disso tudo, da pergunta que você fez, é a madre que, por ser uma pessoa religiosa e tudo, poderia ser uma pessoa mais retrógrada, não esperar todo mundo implantar isso para depois ver como é que faz, porque o nosso grande receio... A gente queria implantar a tecnologia que a gente sabia que era reconhecida, mas não tinha o famoso atestado de suas referências técnicas: “Eu quero seus atestados de capacitação técnica, onde você instalou, o que o cliente falou, há quanto tempo ele tem e como ele aprova isso”. Ela sempre confiou na White Martins, a gente tem um "showroom" de instalações de tecnologia - e que ela sempre apostou na White. Sempre foi super rígida com valor, e com preço: “Só vou pagar tanto, então você vai ter que me comprovar que vou ter economia”, porque ela não queria colocar, obviamente, um processo em que ela pagasse para dizer que ela tinha uma agora tratada com ozônio, ela queria um benefício para instituição. Se a instituição estava gastando muito com água, se ela tivesse um outro sistema e ela tinha água no subsolo, mas ela não tinha condições de ser utilizada no hospital, porque não era uma água tratada - e ela queria essa água tratada, mas que ela tivesse um benefício. Não queria só pagar, ela queria um benefício sabendo que ia ter em função da água, que ela não pagaria mais a concessionária - o raciocínio dela é perfeito de um ponto de vista de um executivo. E ela não arredava pé disso, isso aí era a condição, e colocava a arquiteta, que era chefe do setor, que chefiava todos os engenheiros, para questionar a proposta. Você chegou com a proposta, depois suava porque ia ter que comprovar aquilo tudo - não tinha conversinha não -, tinham várias reuniões e eu sempre encarei isso de uma forma extremamente positiva, porque nada era por acaso, ninguém ia te deixar sentado esperando, você tinha que trazer seu dever de casa. Se você trouxesse o dever de casa, você ia andar mais um passo. Se você não tinha dado mais um passo a frente é porque você não tinha cumprido alguma coisa lógica que ela tinha pedido. Então é uma coisa muito fascinante, essa visão que ela teve: ela se deixou ser pioneira, está lá até hoje com as vantagens que nós prometemos e cumprimos - e foi um negócio muito bacana. Eu dou crédito a ela nesse aspecto da decisão, totalmente baseada nos princípios econômicos. Ela se deixou ser pioneira, não falou: “Mas peraí, vocês não têm em lugar nenhum”, ela sempre confiou na capacidade da White Martins de cumprir e implantar o novo, a novidade.
R/2 – Você lembra o ano?
R – Isso aí foi em 1999.
R/2 – Em qual hospital?
R – Hospital São Vicente de Paula.
R/1 – E como é que foi, "Home Care"?
R – Bom, aí eu estou falando sempre dessa parte medicinal. Antes disso, eu fui trabalhar em uma parte de "marketing". A companhia estava olhando para dentro, dizendo que ela tinha segmentado os mercados de uma forma... Como eu falei, até agora, inclusive, você tem o produto distribuído na forma líquida no grande tanque, tem o produto na forma do gás, que é distribuído em cilindros; tudo isso é uma visão para dentro, uma visão de como você distribui e a gente não tinha uma visão muito clara de mercado, ou seja, como é que é o mercado de bebidas? Quais são as oportunidades do mercado de bebidas? Como a White Martins se insere nele? A White está capacitada a pegar todos os negócios no mercado de bebidas, no de alimentos, no de siderurgia e no hospitalar. Então, pela minha experiência na área hospitalar, eu fui trabalhar em um grupo em que olhar o mercado hospitalar ia produzir um grande plano para a gente ter o segmento hospitalar dividido, que era o mais fácil, vamos dizer isso, porque a gente sempre teve o produto em forma líquida, mas todo mundo entendia muito bem que o hospitalar é diferente da indústria - que foi até uma pergunta colocada aqui, qual a diferença, como é que ele usava, porque talvez seja único segmento voltado para fora. Porque ele olhava a característica de um mercado, além de olhar a forma de distribuição - e o resto era tudo meio misturado, não tinha uma separação da química, petroquímica, siderurgia, alimento, bebida. Enfim, não tinha divisão de entrega de produtos.
R/2 – Em função do processo de industrialização, a empresa vai mais para frente, requer mais demanda. Quer dizer, a White podia ficar olhando a partir do que estava acontecendo no desenvolvimento?
R – Na realidade, você tem toda razão. Foi assim mesmo que a White caminhou. Chega um determinado momento em que você tem que olhar além, porque você não está mais explorando só as novas oportunidades, elas começam a diminuir na medida em que o país todo se industrializou. O país todo já tem, vamos dizer assim, espaços todos tomados - até pela White Martins, que já tinha 17 grandes unidades produtoras de gás - e a estratégia da White, com relação a industrialização, foram os grandes contratos com indústria petroquímicas e siderúrgicas de forma que o mercado em torno fosse fornecido por ela. Então, ela tinha um grande contrato de fornecimento e produzia naquelas fábricas o excedente para poder atender ao mercado do entorno, que poderia ser hospitalar, alimentos, bebidas, metal mecânica que são as calderarias, pequenas indústrias vizinhas etc. e cem números de indústrias e serviços associados que existem naquela região geográfica. Porque você implantou uma grande usina, grande fábrica de oxigênios ou de gases, nitrogênio e tal. Então a gente já tinha, nessa época, 17 grandes unidades; tudo que aconteceu a partir daí já foi dentro de oportunidades e segmentos. A gente estava olhando muito pouco para fora, olhava, como você falou, mais para uma indústria ali que pede aquilo e demanda, e cresce mais do que a outra, mas a gente estava, como você falou, olhando opções interessantes em que a gente pudesse atuar e, principalmente, planejar a forma como a gente ia conquistar oportunidades. E ai foi esse grande trabalho que chamou Planejamento de Marketing Estratégico (PME), na empresa. E como eu falei, eu já estava no mercado hospitalar há algum tempo e fui designado para ser um dos participantes responsáveis por química, siderurgia, metal mecânica. Porque alimento e bebidas nós conhecíamos obviamente nossos processos, nossas ofertas no mercado, mas a gente ia conhecer como esse mercado atuava, se dividia, para saber se a gente poderia ter uma visão um pouco mais voltada para fora do que; e nossa visão voltada para forma de entregar suprimento. Aí teve esse trabalho grande, esse trabalho de dois anos. E a partir dali, eu fui trabalhar em uma área, novamente, totalmente diferente. Eu fui trabalhar em vendas em uma unidade de vendas, saindo do "Staff" de Área de Marketing, porque quando você está fazendo planejamento de "marketing", está no escritório, trabalha na matriz - você trabalha não em uma unidade da White Martins. Eu tinha trabalhado em uma unidade da White Martins na época de instalações e eu fui passando para essa área - que eu cheguei da hospitalar para "marketing". Eu estava distante da operação do campo, aí eu voltei para uma unidade do Rio de Janeiro, para ser um Gerente de Desenvolvimento de Vendas de Negócios - o nome correto é Gerente de Desenvolvimento de Venda de Negócios de Gases Especiais. Era trabalho de novo no campo, mas era um trabalho em áreas altamente especializadas, universidade - eu adoro universidade, porque você entra sem crachá, entra por qualquer lugar e sai por qualquer lugar e ninguém está te controlando; mesmo porque não dá para controlar estudante: um está fazendo curso em um período, outro em outro e outro tá no curso do outro. Então, aquelas universidades, uma Federal do Rio de Janeiro e a PUC, eu ia em todos os laboratórios, eu conversava com todos os pesquisadores e sabia quais seriam as necessidades; e fazia uma programação de pedido com relação aqueles gases, que eram gases específicos da White. Tem isso até hoje, uma unidade única de produção separada de distribuição de gases puros e misturas que servem para pesquisa, servem para aplicações na indústria também. Mas estava, nessa época, nas áreas do centro de pesquisa, como, Embrapa e universidades. Aí, nessa época, eu trabalhei no Rio de Janeiro em uma unidade e depois é que eu fui para o mercado "Home Care": o apoio respiratório domiciliar, que era uma coisa que estava começando, foi, em 2002, e eu estou lá até hoje - já são quase dez anos. O que é que foi o "Home Care"? A gente vende oxigênio para hospital, mas a gente enxergou o crescimento no Brasil de um movimento em que o paciente tratado em casa evolui melhor sobre os olhos da família e pelo lado de custo de quem patrocina isso, seja o plano de saúde, seja o hospital, que é liberar um leito, que é ter um paciente que pode ser tratado em casa fora daquele ambiente de forma que possa dar vez a um mais crítico. Todo esse contexto propiciou que, no Brasil, a partir dessa época, 1998, 2000, começasse esse atendimento domiciliar; e a White enxergou o seguinte: “Olha, a gente já entrega gás, por que a gente não começa a botar na nossa linha para entrar nesse atendimento?”. Porque as empresas que vão tratar o paciente - a White Martins não vai fazer medicina, obviamente, ela não vai contratar médico para ficar de plantão e cuidar dos pacientes; ela vai se inserir nessa cadeia como um fornecedor do que ela sabe fazer. Ela não tem logística de distribuição, não tem os dados, ela poderia montar um centro de distribuição para entrega e tratamento desses equipamentos, e fornecer para as empresas que tratam os pacientes em casa. E aí tudo começou. A gente cresceu muito nesse ramo, chegamos a ter crescimento de 35% ao ano e hoje estamos crescendo 20%. Com toda essa crise que existe, essa área continua e tendo uma grande demanda. É um trabalho muito bacana: você tem o lado do resultado da empresa, o lado econômico, mas você tem também o lado humano. As pessoas ligam quando elas veem seus entes queridos, parentes, com o equipamento que a White Martins conseguiu viabilizar e eles conseguindo fazer atividades que eles nunca conseguiram fazer na vida: tem gente que nunca conseguiu ir à praia porque aquele equipamento só tinha no hospital. Aí quando a White começa a criar toda uma estrutura de apoio e as empresas podem contar com isso, com segurança, as empresas começam também a ter maior oportunidade, mais clientes. E essas necessidades, antes impossíveis de serem atendidas, começam a existir. Essa pessoa com cadeira de rodas, com um equipamento que dá suporte à vida, consegue respirar com aquele equipamento que é um “notebook” - tem o tamanho de um notebook, pode ficar atrás da cadeira de rodas, pode ir para qualquer lugar. Então existe um agradecimento para [a] White, por causa disso, pelo trabalho realizado. E a estratégia foi muito bonita também, porque a gente saiu na frente em relação a essas coisas. A pessoa que desenvolveu mais essas coisas já faleceu, faleceu muito novo - foi um problema ano passado, no natal - e ele foi o, digamos assim, criador disso tudo dentro da empresa, ele foi o cara que lutava: o nome dele é Gustavo Pinto. Pelas ideias inovadoras, então, ele conseguiu comprovar para o "staff" da empresa que a gente deveria ter vendedores fisioterapeutas. Por quê? Todo mundo começou a rir achando que era algo que não tinha nada a ver com o perfil da empresa, começaram a fazer brincadeiras associando com massagem etc. E ele falou o seguinte: “A gente vai lidar com médicos donos dessas empresas e vamos poder falar a linguagem do médico”, e precisava conhecer muito o equipamento; um fisioterapeuta da área respiratória conhece mais do que o médico por natureza, ele se envolve em geral com o contexto, ele conhece muita doença, lida no dia a dia com o paciente fazendo o que a gente chama de interface, conhece da medicina porque lida com médicos e farmacêuticos, e conhece do equipamento a fundo como um técnico de engenharia - e são equipamentos muito complexos em respeito à utilização, modo ventilatório. Existe uma ciência, um conhecimento muito aprofundado em relação a esses aspectos de equipamentos para fisiologia respiratória. Aí conseguiu comprovar. No início, foi pequeno, começaram a contratar os fisioterapeutas. Hoje, esses fisioterapeutas estão saindo tão bem, tão sendo capacitados pela experiência a outros produtos da White e estão alcançando outras oportunidades fora do "Home Care", estão indo para Área Hospitalar. E nesse cargo de Gerência de Vendas, que é o cargo em que eles atuam, uma parte são mulheres, a maior parte do ramo são mulheres e fisioterapeutas que fazem justamente isso, venda de nossos serviços e produtos, conhecem essa parte e conhecem essa parte da saúde.
P/2 – Clemente, me deixa te fazer uma pergunta: você, como arquiteto, durante a graduação, provavelmente, estudou função, estudou estéticos, desenho. E como é que você e tudo que você está contando, deu a impressão que o arquiteto tem ficado longe dos conceitos que a gente tem de arquitetura? A função, tudo bem, ainda é dentro do currículo de arquiteto. E como é que você sugeriria a estéticos, por exemplo, o logotipo da White Martins: isso era preocupação que você tinha que ter também, ou não?
R – Não. É, realmente, eu fui me distanciando. Não resta dúvida, acho que ficou claro que - até aqui, o que a gente conversou - a trajetória foi mudando, fui me distanciando. No início, eu ainda tinha um ponto comum, principalmente com aquela parte que eu falei que eu tinha mais experiência pela execução das obras, mas quando eu entrei no ramo - eu me considero uma pessoa que se formou no que a White Martins faz com o tempo e com as oportunidades que a empresa me deu para atuar, eu descrevi algumas funções que eu tive e que hoje eu estou muito distante, totalmente, da arquitetura.
P/2 – E você imagina que aquilo tudo que foi feito para o descarregamento das efluentes, é só função que entra no projeto como um todo - de desenho?
R – É a parte de comunicação institucional; ela tem uma área na empresa que cuida essencialmente disso. Então você tem, por exemplo, tudo que você usa de comunicação de "marketing" em termos de cor, ou em termos de logo, ou apresentação - você já tem padronizações. Claro que para mim é uma coisa gostosa, é gratificante conversar, porque tenho afinidade com isso, mas dada a empresa, como eu falei, uma empresa grande, na estrutura tem gente especializada para fazer isso - e eu acho que a trajetória acaba levando a isso, para esse lado. Então hoje é como você falou, a função... Eu estou muito preocupado com a função e o que eu carrego, talvez, da parte da escola; e tudo seria uma parte muito subjetiva, muito voltada, justamente, para valores e os valores acabam sendo reflexo do que você faz, mas não com o sentido de avaliar esteticamente ou poder participar com essa parte, mais também a parte funcional é muito grande da arquitetura Quando se fala em arquiteto, pensam muito mais na parte de estética - na parte mais decorativa - e, na realidade, a parte funcional do arquiteto, o planejamento do espaço e da organização do espaço é vital, é muito forte. O arquiteto é bem treinado, recebe muito conhecimento disso; e isso, acho que eu mantenho até hoje. Eu sou uma pessoa de métodos, uma pessoa que gosta de entender as necessidades, sejam quais forem as situações. Se você está em um negócio, tem que entender a necessidade; senão você começa a querer fornecer a coisa pronta e não se adéqua a quem tá pedindo. Então você acaba agindo como arquiteto nesse sentido, porque se você me pede para fazer um projeto para sua casa, eu vou perguntar para você: “Como é que é a sua vida? Você gosta de receber ou vai querer ter um espaço de convivência pequeno e um espaço íntimo maior? Você gosta de estar da cozinha, de fazer comida ou não gosta disso? Você curte essa parte externa da casa? Como é que é o local?”. Então, você acaba verificando quais são as necessidades para depois você pensar o que vem depois, e acaba levando isso para os negócios, porque isso é um método de pensar - você gera menos ruído, acho que ficar antecipando e talvez errando; aí fica aquela discussão, o cliente quer uma coisa e você disse outra. Acho que é por aí.
R/1 – Clemente, voltando ao "Home Care": eu acho que também as histórias, os casos dos clientes é uma coisa interessante. Você já citou alguns, pode citar mais algum (cartas?) que a White recebeu?
R – Tem essa questão de agradecimento pela forma como a White atua, e têm várias histórias. As pessoas entram muito em contato com a central de relacionamento - a gente tem uma central de relacionamento e essa central tem uma parte que recebe a massa de pedidos. Depois tem uma área mais seletiva, pelo próprio sistema que você liga, e que você pode teclar, por exemplo, seis, para falar com alguém do ramo externo, aí vai ter uma célula com pessoas mais treinadas e pessoas mais específicas para isso. E as pessoas acabam sendo conhecidas pelo nome - não é que seja o desejo da White Martins, porque, infelizmente, tem que ter padronização. Qualquer coisa que fuja da padronização pode ser boa por um lado, pelo lado humano, mas pode ser ruim por perder qualidade de serviço; o que vem do cliente é sempre no sentido de querer conhecer, querer agradecer, que acham que o serviço foi muito bem feito, entendeu? Tem alguns casos; na verdade, têm vários. Eu estou me lembrando de um agora que, inclusive, não está ligado ao paciente, a família do paciente, mas sim ao médico. Volta e meia a gente já teve até pessoal nosso no apoio de área de comunicação de suporte que identifica para gente se vai ter, por exemplo, uma matéria, uma reportagem, sobre algum assunto que afeta a atividade da White... Uma vez me perguntaram, me pediram para contar, já que eu estou trabalhando nisso, como é o processo e como é o processo de relacionamento, aí perguntaram: “Mas vocês só atendem a alguém que tem uma prescrição médica, com uma receita?”. E eu falei: “É, faz o seguinte: não fala mais nada comigo a partir de agora, pega o número da central e liga para lá para você testar, não quero saber nem o dia que você vai ligar”. Falei com a jornalista que trabalhava com a gente, a assessoria de imprensa, então, a assessora de imprensa falou: “Claro”, não falei isso com qualquer pessoa, foi apresentado pela Área de Comunicação. Quando ligaram, falaram: “Nossa, que pessoal treinado”; foi muito bacana, porque eu não avisei ninguém mesmo - eu falei: “Olha, cuidado, eu não sei quem vai ser e nem quando vai ser”, eu queria que a pessoa tivesse uma impressão boa ou ruim, a pessoa está do nosso lado, ela está a serviço da White, então se ela identifica no teste dela: “Olha, não foi nada disso que você falou, lá aconteceu assim...”. Pois é, isso é uma das coisas que a gente tem que mudar e tal, e ia por aí. A gente está falando de uma pessoa que está fazendo um trabalho conosco, tem que ter confiança; você não tem que ficar querendo mostrar resultado para quem está ali para te auxiliar na construção ou na manutenção da tua imagem perante a comunidade, não tem que esconder nada. Então, era a minha visão, eu falei “liga lá”, ligaram e falaram: “Foi ótimo, falaram exatamente o que você falou. Pediu uma prescrição, falou que não podia vender sem prescrição”, perguntaram como é que era esse equipamento tal e ela tinha todas as informações etc. e tal. Então essa questão de história de caso, teve um médico que ligou - tem isso tudo gravado, chega isso tudo depois para gente em forma de gravação, elogios de trabalho. Eu não tenho nada a ver com a central, o elogio não era para mim, era para central mesmo, mas eu sempre soube do que se tratava: era o médico pedindo uma porção de coisas sem se identificar que era médico. No final da gravação, ele se identifica e fala: “Olha, eu tô fazendo um teste [e] eu acho que você foi muito bem, você cumpriu o que eu esperava em termos de um atendimento”. Então, tudo isso é muito gratificante. É claro que existem os erros, isso é óbvio, até porque eu considero que o nosso produto ou serviço é uma coisa muito complexa, porque você tem que lidar não somente com o equipamento, mas como a gente falou com um processo, uma prescrição. Então, na prescrição, você precisa de um terapeuta para que dentro do que está dito ali, há um suporte para quem está na linha telefônica, o equipamento é esse, esse e esse, então já tem uma conexão; faz o primeiro atendimento para quem vai dar sequência. Você tem os problemas que tem em qualquer fornecimento: tem estoque, prazo, vai poder entregar, o preço condiz, o preço não condiz; em cada ponto desse você pode ter um erro de comunicação, são todos humanos - e é claro que os erros existem e a gente vai poder sempre melhorar.
P/1 – E o que você faz hoje, no seu cotidiano de hoje?
R – O meu cotidiano hoje é o seguinte - eu estou quase há dez anos nessa função -: eu sou responsável pela parte de suporte de marketing. É muito igual aos segmentos todos, eu tenho que fazer um planejamento dos equipamentos que na maioria são importados, ou seja, para revenda ou para locação, e aí eles passam a fazer parte da nossa ativa. Eu tenho que submeter aos Gerentes Regionais, os responsáveis pelas vendas, os preços e os cálculos dos preços e produção de novos produtos na linha, e dar suporte ao desenvolvimento de negócios. Quando há necessidade, você viaja, dá suporte em uma determinada área, é envolvido em treinamento também; porque a White Martins está mudando a central de relacionamento dela, está passando para uma nova empresa - já era terceirizada, mas mudou de fornecedor. Então eu fui fazer treinamento na parte de produto, de processo, e coordenei mais o treinamento porque a gente tem os fornecedores. Eu chamei os fornecedores, cada um, para falar do seu produto, da sua linha, e coordenar esse treinamento de quatro dias que foi feito com a central, uma célula, da mesma forma que eu falei vai ficar lá em uma área recebendo as ligações especializadas com o serviço que a gente chama de “BackOffice”, que é onde eles detalham mais a necessidade de um problema a ser resolvido para tomar outras ações em paralelo. A pessoa que está ao telefone no atendimento, obviamente, vai ter problemas que ela não vai conseguir resolver na hora, então você tem que ter um fluxo rápido de resposta depois, com retorno da solução. Então treinei esse grupo aí. É que eu tenho essa percepção, agora, mais recente, ressaltada, de que o nosso produto, o nosso trabalho é uma coisa muito complexa e tem uma série de interferências. Atendentes, futuros atendentes de central, a maioria está no seu primeiro emprego, teve muita gente que se apavorou assim e saiu no meio do treinamento no outro dia, não apareceu mais, aí a supervisora - a gente não é responsável pela contratação, são terceiros - falou: “Essa eu acho que não vai aparecer mais não, porque ela ficou apavorada”. Na realidade, tudo é uma parte de um quebra-cabeça - a pessoa está recebendo muita informação. Eu ficava sempre ressaltando: “Pessoal, é da minha natureza falar mais detalhadamente, mas vocês não vão atacar com tudo isso que está aqui, isso é uma bagagem que se vocês quiserem se aprofundar, é uma decisão de cada um para consulta”. O procedimento, a padronização, existe, como eu disse, para as pessoas saberem exatamente quais são os passos naquele atendimento e até aonde vai, e receber uma massa de informação muito grande em um tempo muito pequeno; e eu ressaltava: “Não fica preocupado com isso”, mas teve gente que não resistiu e saiu fora. O que eu queria ressaltar é que diferente de um produto pronto, um produto que não tenha relacionamento com a vida humana, porque você fica com os limites mais definidos; e quando trata com vidas humanas, os limites se confundem um pouco. E acho que a maior parte das respostas de como a gente vem atuando são positivas. Nós erramos, mas a maior parte das respostas são positivas.
R/1 – E na sua vida pessoal, como que é seu cotidiano? Você se levanta, vai para o trabalho, é casado, tem filhos?
R/– Eu hoje - já falei de esportes - estou mais dedicado ao karate como esporte, eu estou indo ao karate todo dia. E eu tenho uma namorada que eu conheci na academia - eu sou divorciado há quatro anos e eu a conheci na academia -, então a vida social surgiu a partir daí; ela também é divorciada não tem filhos. Eu tenho dois filhos do primeiro casamento, tenho essa rotina de trabalho na White e treino à noite.
P/1 – E ainda desenha?
R – Desenho - eu gosto muito -, mas desenho pouco.
P/1 – Ainda na mesma linha antiga ou gosta de desenhar outras coisas hoje em dia?
R – Não, eu gosto de aquarela, mas [é] a mesma linha. Eu desenho na mesma linha, mas eu desenho muito menos; já desenhei bem mais.
P/1 – Legal. Consuelo, você quer fazer mais alguma pergunta específica? Então, a gente está encaminhando para o final; o que é o futuro da White, nessa sua área? O que você acha que ainda tem para contar aí nesses próximos anos, nessa área de “Home Care”?
R – Olha, a “Home Care” tá ligada à tecnologia de equipamento e eletromedicina. Tudo que acontecer nessa área - e vai acontecer muita coisa -, vai reverter por uma ação da White Martins. Por isso eu acho que a White Martins vai estar alerta e vai caminhar ao lado do que está acontecendo no mundo, como ela sempre fez na história dela toda. Então, por exemplo, existe uma área de “Home Care” que chama Distúrbios do Sono e que é uma área nova, mas que já até criou uma área nova na medicina, se descobriu que quem ronca não necessariamente tem um distúrbio do sono, mas tem grande possibilidade de ter. Existe um exame para identificar se a pessoa ronca ou dorme mal, “Olha, eu acabei de acordar, dormi quase oito horas, mas estou me sentindo cansado, tenho dor de cabeça, irritabilidade, já bati na direção, às vezes durmo no trabalho de cara no monitor”, essas histórias todas realmente indicam ao Clínico Geral para ela procurar o otorrino por causa do ronco, ou qualquer outro médico para fazer um exame que chama polissonografia, ele te monitora como se fosse um eletroencefalograma, mas também tem outros sensores, também indica durante o sono qual o teu comportamento e a natureza do problema; e isso aí pode detectar que você tem um problema na via aérea por questão mecânica, flacidez mecânica - é comum mais nas mulheres do que nos homens. A partir de uma certa idade, pode ser mais crítico para quem é obeso, tabagista ou uso do álcool, então existe tratamento para cuidar disso, isso é uma linha da White Martins: por quê que eu estou falando nisso e entrei nesse detalhe? Por que como que vai ser o futuro? O futuro é o seguinte: outras especialidades vão começar a descobrir que o sono, ou melhor, o distúrbio do sono, afeta e isso já está acontecendo através de estudos científicos diretamente. Um cardiologista já está começando a entender que algumas das patologias que ele trata podem ter origem no sono, então ele pode ter um trabalho preventivo em relação a isso: vai surgir uma técnica, vai surgir produto, isso vai demandar uma empresa como a White que já está inserida nesse contexto, é, está posicionando com relação ao serviço e produto para esse mercado. Então, acho que é um mercado em mudança, também em alteração, e com muita coisa acontecendo nessa área, eu falei só do sono, [mas] a gente [também] atua na área de ventilação mecânica em áreas em que as empresas de “Home Care” fazem a medicina domiciliar, e precisam. Eu acho que tudo que foi descoberto na medicina que puder ser tratado em casa... Vai começar a ser desenvolvido um processo ou uma aplicação que vai arredondar o número de serviços para o meu equipamento, vai depender de a gente estar antenado ali com isso tudo e crescendo junto.
P/1 – É sua função também estar antenado nesse sentido?
R/– É, também é.
P/1 – Qual seria o desafio no futuro na questão espacial de implantação de plantas pelo o que a gente conversou é um problema, a gente não vai mais ter lugar, então você diria que a White pode ir deslumbrado uma questão de desempenho que não necessariamente dependesse do espaço físico?
R – É, veja bem, se eu trouxer para o meu lado... Se eu entendi o que você perguntou: foi uma visão industrial, uma visão de maior espaço físico - e a gente está falando de produção grande, produção em larga escala dos gases. Eu estou falando da aplicação residencial, mas tem a ver com o espaço também. Na medida em que você vê que nem sempre você tem condição de recurso, ou para uma conversação dos recursos ou mesmo dificuldade de implantar projetos que são consumidores de recursos como hospitais grandes, e você implantar programas de atendimento domiciliar, me parece mais adequados a situações que a gente pode enfrentar no futuro de restrição econômica. Então, espaço também tem a ver. Pegando o gancho que você falou: isso aqui era uma outra razão. Como a gente falou, produção industrial em larga escala e essas questões todas, que hoje você já não tem mais o espaço, vamos dizer assim - já é tudo ocupado nesse sentido em termos de mercado -, também, o que eu vejo é que essa área hospitalar e domiciliar vai ter. Existe ainda uma falta de entendimento. Ao meu ver, os hospitais, no caso dos privados, e até no setor público - de quem dirige a saúde -, de que as empresas privadas que estão atuando no sindicato não necessariamente estão contra o hospital. Por quê? Porque se houver uma segregação de quem pode cuidar de um cliente em casa, quem pode e tem toda uma estrutura - que nem toda pessoa vai poder fazer isso -, você vai ter uma otimização do seu hospital e, além disso, a comunidade vai ser melhor atendida, porque tem muita gente na fila, tem muita gente que não vai conseguir alcançar, porque não tem vaga. Será que se todo mundo que está ocupando deveria estar ali realmente? Então, a questão do espaço que você falou, eu posso falar disso aí agora: acho que o desafio do futuro é o que estão descobrindo, são as soluções para doenças que até então as pessoas nem tratavam. Não vou falar nem do hospital porque essa questão de sono é muito nova; só falando mais um exemplo rápido: antigamente, mesmo nessa área de sono - “antigamente” eu estou dizendo de coisa de cinco anos atrás -, a pessoa chegava obesa e dizia: “Olha, eu fiz a polissonografia, eu tenho um problema de apneia que é a falta de oxigenação do sangue associada ou não ao ronco, eu quero saber o que eu devo fazer”. Aí o otorrino, que não conhecia, que estava começando a entrar no conhecimento dos distúrbios do sono, falava assim: “Não, primeiro você tem que emagrecer. Aí, depois que você emagrecer a, gente te coloca em um tratamento com o equipamento”, que é CEPAP (Continuous Positive Airway Pressure) - a gente vende. Hoje, um otorrino mais conhecedor e especializado, ele já descobriu também por conhecimento de estudo científico que, na realidade, existe um outro componente que quem não dorme, quem não oxigena bem, produz uma enzima que é função da obesidade, que é acarretadora da obesidade também, que contribuí. Então se você começa a dormir bem, você vai emagrecer - inverte totalmente a visão da coisa. Isso é um exemplo de como as coisas estão mudando em um período muito pequeno de tempo, que tem a ver com aquilo que a gente começou a falar da vida, da diferença de quando eu me formei e dos estagiários que passaram por mim agora, que são multiprocessador, que fazem duas ou três coisas ao mesmo tempo; e que o mundo está mudando muito mais rápido. Então acho que o desafio que você perguntou é a função sua de estar antenado. É, acho que quem virá para o meu lugar vai estar muito mais voltado para essas questões do que propriamente o operacional, eu ainda me acho muito no operacional por conta já [da] jovialidade do negócio, dentro de uma empresa secular de gases. Mas o tempo em que o “Home Care” existe na White Martins são apenas dez anos: “Ah, é muito”, depende, se você pensar em uma empresa de 100 anos em gases, não é nada e, ao mesmo tempo, as mudanças que ocorrem agora são cada vez mais rápidas.
P/1 – E que aprendizado você está trazendo com a White Martins? Poderia fazer uma avaliação?
R – É, a White Martins me deu muita oportunidade de adquirir conhecimento, porque todas as oportunidades que eu obtive, seja por uma coincidência de situação ou de um conhecimento que eu já tinha adquirido, me levaram a funções novas onde eu tinha que procurar mais conhecimento e a empresa nunca me faltou para eu conseguir esse conhecimento. Eu sempre tive da empresa o apoio para buscar esse conhecimento. A White Martins é conservadora, mas ela é extremamente arrojada em dimensões de como você dá dimensão ao seu cargo. Eu acho que, na White Martins, você dá o tamanho do seu cargo do tamanho que você quiser: ela sempre vai permitir que você amplie um limite dentro da sua atuação - obviamente, se for para o resultado da empresa. Mas ela não é conservadora no sentido de: “Não, peraí, você vai até aqui [e] o outro até ali”. Então eu mudei muito de função, me desviei bastante da minha formação inicial, mas eu ganhei uma quantidade de informações e conhecimentos nessa passagem, nesse tempo na empresa. Eu devo isso a ela, realmente.
P/1 – E o que significa os 100 anos da White Martins para você, assim, para o Brasil?
R/1 – São 100 anos do Brasil, é parte da história do Brasil que está ligada à White Martins, e a história da White Martins está ligada à história do Brasil. Se a gente pensar e quiser traçar uma linha do tempo da fundação da White até agora, e traçar outra linha paralela com as grandes mudanças do Brasil, elas vão estar todas associadas. Eu já falei algumas, do início da industrialização, da época do governo JK, criação de Brasília, da Petrobras, todas as indústrias petroquímicas e siderúrgicas que surgiram no país, a abertura de rodovias - tudo o que você pensar em termos de desenvolvimento, [como], a abertura de uma estrada, a White Martins vai estar ligada a isso. Então, a indústria de alimentos, bebidas, confecção, a área têxtil e em todas essas atividades, a White Martins entra em alguma coisa aqui. Tem até um vídeo nosso promocional sobre isso. Então, eu acho que mistura a história do desenvolvimento brasileiro, a história da industrialização do Brasil e uma história da White Martins.
P/1 – E o que você acha desse projeto de a gente falar da industrialização do Brasil, da história da White através de um projeto de memória?
R – Eu acho isso muito bacana, muito legal. Eu entendo que vocês queiram dar uma humanizada, justamente colocando histórias pessoais. Acho que a gente pode colocar histórias dessas pessoas que estiveram participando de uma parte dessa história da White, da relação da White com a indústria. Eu também acho a mesma coisa, só estou aqui repetindo o conceito do projeto de vocês. Eu acho maravilhoso e eu acho que vai ficar uma coisa muito interessante de ler, a história dessas pessoas que talvez eu conheça. Mas se eu não conhecer, vou ter oportunidade - que coisa interessante -; e que foge também um pouco do técnico. A nossa tendência ao entrar em uma indústria é puxar e falar umas coisas muito técnicas, ficar entusiasmado e falar dessa parte muito técnica. E aí esse tempero humano fica bem bacana, fica bem mais leve. Acho uma coisa interessante.
P/1 – E o que você acha dessa entrevista?
R – Achei legal, achei que vocês tiveram bastante paciência comigo. Muito obrigado.
P/1 – Obrigada você.
P/2 – Foi um prazer, nós gostamos muito.
R – Que bom que vocês gostaram.
[Fim do depoimento]
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