P/1 – Eu queria começar pelo seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Meu nome é Heiguiberto ‘Guiba’ Della Bella Navarro. O Guiba eu coloquei recentemente, [há] uns cinco anos. Sou da cidade de Coroados, de São Paulo, e nasci em 1945.
P/1 - Em que dia e em que mês?
R – 20/12/1945.
P/1 – Guiba, qual o nome dos seus pais?
R – O nome do meu pai é Marco Della Bella. O nome da minha mãe é Ana Della Bella Navarro. Tenho cinco irmãos.
P/1 – Sua família é de onde?
R – Bom, toda a minha família é do Estado de São Paulo. Meus irmãos... Minha mãe é de origem espanhola, meus avós por parte de mãe são espanhóis, e por parte de pai são italianos. Eu tenho uma origem do Vêneto por parte de pai, uma cidade da Itália. Galícia por parte de mãe, da Espanha.
P/1 – Você chegou a conhecer os seus avós?
R – Conheci o meu avô por parte de pai e conheci meus dois avós por parte de mãe, quer dizer, meu avô e minha avó, que eram espanhóis.
P/1 – Como era o convívio com eles? Conta um pouco para gente. Por que eles vieram para o Brasil?
R – Na verdade, a origem dos italianos era de um período muito difícil na Itália, principalmente dessa região do Vêneto, que era uma região mais pobre da Itália, pelo menos é isso que eu estou descobrindo agora. Então eles fugiram ou saíram da Itália para ter uma perspectiva melhor de vida. Vieram para São Paulo, fizeram um sitiozinho, uma fazenda e viviam disso.
Por parte de mãe, os espanhóis também, foi mais ou menos assim, só que aqui já existia família espanhola. Então eles vieram para cá e constituíram a sua família. Meus avós por parte espanhola tiveram quatorze filhos, portanto uma família muito grande aqui. Meu pai e minha mãe se conheceram exatamente aí, próximo dessas cidades, entre Coroados e Birigui, que foi onde eu nasci. São duas famílias de origem estrangeira, de origem europeia que se...
Continuar leituraP/1 – Eu queria começar pelo seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Meu nome é Heiguiberto ‘Guiba’ Della Bella Navarro. O Guiba eu coloquei recentemente, [há] uns cinco anos. Sou da cidade de Coroados, de São Paulo, e nasci em 1945.
P/1 - Em que dia e em que mês?
R – 20/12/1945.
P/1 – Guiba, qual o nome dos seus pais?
R – O nome do meu pai é Marco Della Bella. O nome da minha mãe é Ana Della Bella Navarro. Tenho cinco irmãos.
P/1 – Sua família é de onde?
R – Bom, toda a minha família é do Estado de São Paulo. Meus irmãos... Minha mãe é de origem espanhola, meus avós por parte de mãe são espanhóis, e por parte de pai são italianos. Eu tenho uma origem do Vêneto por parte de pai, uma cidade da Itália. Galícia por parte de mãe, da Espanha.
P/1 – Você chegou a conhecer os seus avós?
R – Conheci o meu avô por parte de pai e conheci meus dois avós por parte de mãe, quer dizer, meu avô e minha avó, que eram espanhóis.
P/1 – Como era o convívio com eles? Conta um pouco para gente. Por que eles vieram para o Brasil?
R – Na verdade, a origem dos italianos era de um período muito difícil na Itália, principalmente dessa região do Vêneto, que era uma região mais pobre da Itália, pelo menos é isso que eu estou descobrindo agora. Então eles fugiram ou saíram da Itália para ter uma perspectiva melhor de vida. Vieram para São Paulo, fizeram um sitiozinho, uma fazenda e viviam disso.
Por parte de mãe, os espanhóis também, foi mais ou menos assim, só que aqui já existia família espanhola. Então eles vieram para cá e constituíram a sua família. Meus avós por parte espanhola tiveram quatorze filhos, portanto uma família muito grande aqui. Meu pai e minha mãe se conheceram exatamente aí, próximo dessas cidades, entre Coroados e Birigui, que foi onde eu nasci. São duas famílias de origem estrangeira, de origem europeia que se encontraram, basicamente, no Brasil.
Recentemente, estou fazendo uma pesquisa para ver toda a minha árvore genealógica. Principalmente [para] saber a minha origem, de onde é, a origem da minha família. Estamos descobrindo que é essa região de Veneto, e estou ainda fazendo essa pesquisa mais profunda para descobrir todos os meus parentes na Itália.
P/1 – E você sabe como seu pai e sua mãe se conheceram?
R – Eles se conheceram, na verdade, trabalhando. Trabalhavam na fazenda, um trabalhava na do pai do outro. Meu avô por parte de pai dele, por parte do meu pai e outro por parte dos pais dela e aí se encontraram. Essa cidade do interior é muito pequena - aliás, a minha cidade de Coroados continua sendo muito pequena, não desenvolveu (risos) - e eles se encontravam em algumas festinhas. Eu não sei bem se foi numa festa, mas se encontravam na cidade no período noturno.
P/1 – Você nasceu em Coroado em quê? Era uma fazenda, era cidade?
R – Olha, eu nasci numa fazenda e nesse período eu vim muito cedo pra São Paulo. Eu vim mais ou menos pra São Paulo porque eu tinha uma desinteria muito forte, não era curada naquela parte do interior, ou pelo menos não se achava e eu vim pra São Paulo. Acabei ficando em São Paulo em diversos lugares, morei em diversos lugares de São Paulo.
P/2 – Você tinha quantos anos quando veio?
R – Eu vim com sete meses pra São Paulo. Eu praticamente não conheço minha cidade natal. Vim pra cá e aqui constituí a minha vida, em São Paulo.
P/1 – Quer dizer, você veio com sua família?
R – Vim com toda minha família: meu pai, minha mãe, meus irmãos. Todos eles vieram pra São Paulo.
P/2 – Você não é o mais velho?
R – Eu sou o mais novo, eu sou o xodó da família, né? Eu tenho um irmão que é o mais velho de casa, o Gumercindo. Abaixo dele tem mais três irmãs: a Rosinha, a Magdalena e a Nadir e eu sou o quinto da família.
P/2 – O mais velho tem quantos anos hoje?
R – O mais velho hoje está com 64 anos e eu sou o mais novo, com 53 anos.
P/1 – Guiba, a família veio pra cá e foi morar em que lugar de São Paulo?
R – Olha, nós moramos em diversos lugares. Inicialmente nós fomos morar no bairro do Ipiranga, ali no Alto do Ipiranga, próximo ao museu. Nós moramos muito tempo ali. Depois eu fui a São João Clímaco. Voltei pro Ipiranga de novo, pra uma outra região do Ipiranga, depois fui morar em São Caetano do Sul e agora estou em São Bernardo.
P/2 – Quando seu pai chegou aqui trabalhou em quê?
R – Meu pai foi trabalhar em têxtil. Meu pai era… Na verdade, não tinha profissão, nenhuma profissão além de lavrador. Pra São Paulo veio tentar a vida, inicialmente foi carroceiro. Passou muito tempo com isso, inclusive eu, quando garoto, ficava muito tempo com ele buscando alimento pra vender, enfim, como carroceiro na rua. Depois ele arrumou um emprego, foi trabalhar como têxtil na tecelagem ali no Ipiranga, a Tecelagem Têxtil do Ipiranga. Depois foi trabalhar num banco, mas fazendo faxina em banco, [no período] noturno, pra ter mais dinheiro pra sustentar a família. Então meu pai não tinha nenhum tipo de profissão e fazia tudo que era possível naquele período.
P/2 – Sua mãe trabalhava também, não?
R – Minha mãe trabalhava. Minha mãe também trabalhou muito tempo numa tecelagem chamada Haddad, inclusive incendiou duas vezes essa empresa, pegou fogo por duas vezes. Minha mãe sempre trabalhou, até a idade de falecimento dela. Quer dizer, sempre ajudou meu pai, os dois trabalhavam muito. Em empresas diferente, ramos diferentes, mas ela sempre trabalhou também.
P/2 – Quem cuidava de vocês?
R – Minha irmã mais velha. Depois minha irmã mais velha também começou a trabalhar, aí passava de uma irmã pra outra irmã. Como nós tínhamos três irmãs… Eu tive sorte também, porque a minha irmã casou e foi morar conosco; a minha irmã do meio, a Magdalena, casou e veio morar conosco, então também facilitava um pouco a cuidar do irmão mais novo - que era eu, no caso. Comecei a trabalhar muito cedo, com nove anos de idade, numa lojinha, depois eu fui pra uma oficina de pintura, de funilaria. Depois fui trabalhar numa gráfica e depois fui trabalhar de metalúrgico. Aí é que eu entrei na minha vida de metalúrgico.
P/2 – Na lojinha você fazia o quê?
R – Bom, na loja eu era um vendedor. Eu arrumava as prateleiras, ia buscar mercadoria e também era o vendedor da loja, ajudava. Na verdade, um senhor japonês é que me pôs lá pra poder ajudá-lo nesse período. Mas eu não gostava muito, tanto é verdade que fiquei um ano ou dois, saí dali. Fui trabalhar nessa oficina mecânica de funilaria, pintura, e ali eu fiquei mais tempo. E aos quatorze, quinze anos eu entrei na primeira indústria metalúrgica, chamada Fadspel, que era ali também, no Alto do Ipiranga.
P/2 – Esse foi seu primeiro registro em carteira?
R – Foi meu primeiro registro de carteira profissional, aos quatorze anos. Naquele tempo, você registrava entre quatorze e quinze anos. Foi o primeiro registro da minha carteira profissional, e ali eu fiquei um bom período.
P/1 – Guiba, antes da gente entrar mais nesse aspecto profissional, eu queria saber das suas recordações de infância, das brincadeiras. Conte um pouco pra gente como era essa infância, antes de você começar a trabalhar nesses trabalhos que você fez.
R – Bom, primeiro eu fui muito brigão quando era… Eu era um cara muito, arrumava muita briga. Eu fui morar, num período, próximo a uma favela que hoje é uma região muito… Que não tem mais favela, que é a região do Klabin. Chamam [de] Favela do Vergueiro, que era a região do Klabin ali no Ipiranga. Não morava na favela, morava próximo à favela, uma casa inclusive boa, e ali é que eu comecei a aprender um pouco a malandragem, enfrentar as pessoas da favela que queriam bater nas pessoas que não eram da favela. Todas as vezes a gente se pegava com alguns deles que passavam próximo da minha casa.
Tinha um campo de futebol próximo à minha casa, um campo de futebol que era de um time de um período que era razoavelmente bom, Democrático do Ipiranga, depois o Gama Lobo. Passei um pouco da minha vida ali, aprendendo um pouco; não da malandragem, mas ficando um pouco revoltado com aquilo que a gente… Os brancos apanhavam dos negros, ou os pobres batiam naquele que se achava mais metidinho porque não morava na favela, então nesse período...
Eu considero minha infância muito boa. Eu jogava muito futebol, jogava bolinha de gude, fazia brincadeira – apesar do pouco período que eu tinha pra brincar, mas eu fazia isso, como toda criança que... E a minha vida inteira eu fui apaixonado por futebol, então eu jogava muita bola; era de dia, de manhã, à tarde, onde eu tinha oportunidade jogava.
Fiz muita brincadeira, muita briga, mas eu estudei muito pouco. Nesse período, eu não ia à escola. Minha mãe insistia, empurrava, batia e eu não ia à escola. Saía pelo outro portão, não entrava, às vezes, na escola. Tinha dificuldade, então eu passei a maior parte da minha vida sem ter o diploma. Fui ter o diploma depois de começar a ter mais consciência, entrar no serviço; já verificava que precisava estudar, então eu tive uma influência… Como diria, eu acho uma influência legal, aproveitei bastante dela.
Não era um cara namorador. Hoje eu vejo a molecada namorando mais, mas naquele período não era namorador, não. Naquele período, acho que nem se cuidava muito de namorar, era mais brincadeira mesmo, futebol. Fiz muito aquela brincadeira com estilingue. Nós tínhamos... (risos) Essa é uma passagem gostosa, porque nós morávamos num alto e no lado de baixo aqui tinha uma fábrica que era toda de vidro. Nós íamos à noite com um estilingue só pra ouvir o vidro quebrar lá embaixo: báá. Puxava o estilingue e ficava: pláá. “Acertei!”
P/2 – E qual era a fábrica, você se lembra?
R – Não, não me lembro o nome da fábrica. Uma é essa da Haddad que eu te falei, que era a tecelagem, e existia uma outra também, que era mais envidraçada, que eu não me lembro quem era. Mas era uma brincadeira gostosa, porque era só pra ouvir o vidro quebrar. Mas nesse período mesmo da favela nós tínhamos um... Caçava passarinho, porque uma parte era favela, uma parte não era; depois é que começou a favela se expandir muito nessa região, chamada região do Klabin.
O que ficou da minha infância foi isso: muito mais futebol, muito mais brincadeira de rua. Tá certo, arrumava muita encrenca, apanhava muito, mas não chorava em casa, tinha aprendido em não chorar em casa. Meu pai falava: “Quer brigar, vocês brigam, mas se vier chorar em casa vai apanhar mais uma vez.”
P/2 – Como era sua casa, essa casa que você morava? Como ela era?
R – Bom, a primeira casa que eu lembro era uma casa muito pobre, uma casa muito pequena. Nós morávamos em cinco nessa casa, mais o meu pai e minha mãe, portanto dava sete. Tinha só um quarto, uma cozinha muito pequenininha e não tinha quintal.
Depois não, fomos morar numa casa grande. Eu não sei até hoje como meu pai pagava o aluguel, mas era uma casa bastante grande e foi nesse período também em que a minha irmã casou, então precisava de mais um quarto porque ela morava conosco. A casa era grande: uma sala boa, tinha dois quartos, então nós já morávamos mais ou menos bem. E foi ali no Alto do Ipiranga, foi na Rua Salvador Simões, essa casa, essa era uma casa boa.
Daí pra frente eu nunca passei fome, nunca tive muita dificuldade de moradia. Nunca precisamos pedir por mais. O pai tinha dificuldades, sempre trabalhou, arrumou emprego, foi trabalhando dessa forma que já contamos, de carroceiro, de não sei quê, mas nós nunca tivemos necessidade. E por isso também comecei a trabalhar muito cedo, a trazer um pouco do dinheiro pra poder ajudar a família toda. Minhas irmãs começaram cedo, todo mundo em casa começou a trabalhar cedo.
P/2 – Aos domingos, o que fazia?
R – Olha, Bargas, eu sempre joguei muito futebol desde criança. Eu me lembro que no sábado de manhã, sábado à tarde, domingo de manhã e domingo à tarde era jogar futebol. Eu tinha uma quadra de futebol de salão perto da minha casa e todas vezes que eu ia nessa quadra eu jogava por algum time. Modéstia à parte, eu era razoável, então eu jogava por algum time. E se quisesse jogar todos os dias à noite, eu jogava todos os dias à noite, era só isso nessa quadra.
Meu esporte, a minha vida nos domingos era jogar futebol. E de vez em quando eu ia numa matinê. Tinha dois cinemas aqui no Sacomã, chamavam Cine Anchieta e Cine Samaroni. De vez em quando, nós íamos assistir um filmezinho ali, num Domingo.
P/2 – Você gostava?
R – Eu gostava, porque aquele era um período do Tarzan, do Zorro, da... Aqueles filmes que ainda hoje passam. Tenho muita saudade de ir ver aqueles filmes. Claro que tá mudado, modernizado, mas era um pouco de você ver o Zorro chegando, “Alôô, Silver!” (risos) Aí chamava lá o Sargento Garcia, não sei quê… [Era] um período gostoso da gente assistir aquilo. E [havia] mais aquele filme que passava, que era um filme brasileiro. Era um filme rodoviário, um rodoviário que tinha um cachorro; aquilo lá, toda a molecada do meu período gostava de ver aquele filme. Acho que os mais que eu assistia era esses três filmes.
P/1 – Você chegava, já chegou a ir a estádio pra ver grandes times?
R – Fui, mas quando era garoto não. Isso depois, já mais adulto, porque eu, como palmeirense, sempre gostei de ver os jogos do Palmeiras. Mas eu já fui assistir grandes jogos. Eu peguei uma… Eu tenho dito o seguinte: eu, nos meus 53 anos, vivi uma grande história nesse país, a grande história do mundo. Foi a era dos Beatles, foi a era do Pelé e foi a era da transformação política desse país, portanto eu vivi um grande período da história da humanidade. Porque quem viveu Beatles viveu uma grande época, quem viveu a história do futebol viveu a história com Pelé, _______ um pouco Pelé, Garrincha, aquele time maravilhoso que o Brasil tinha. E aí a transformação do país, da ditadura militar pra uma democracia e essa democracia progredindo. Portanto eu vivi um bom… Esse período que possivelmente essa nossa juventude não vai viver, mas um período fantástico.
P/2 – Porque palmeirense?
R – Eu acho que um pouco mais [por causa] da origem italiana, que é mais forte. Na verdade, eu vivi muito mais com os espanhóis, que era a família da minha mãe, porque o meu avô morreu muito cedo. O meu avô por parte de pai, o italiano, morreu quando eu tinha ainda uns dez anos, mais ou menos, portanto eu vivi muito mais com os meus tios do lado espanhol, que eram corintianos, não eram palmeirenses. Mas eu fiquei com a origem italiana, então me apeguei mais ao verde, mais _____ . Mesmo porque meu pai era palmeirense, então é uma coisa de: “Olha, se você torcer pra outro time, tudo bem.” É o que eu faço com o Marcos, meu filho: “Olha, você pode torcer pro Corinthians, pro São Paulo; a cada arte que você fizer você apanha duas vezes: uma pelo time, outra pela arte.” (risos)
P3 – E seus pais? Como é que era o seu pai, como era a sua mãe?
R – Meu pai era baixinho que nem eu. Era meio calmo, nunca foi muito nervoso não. Eu [era] mais nervoso que ele. Era muito calmo, muito tranquilo, não fumava, não tinha vício nenhum, a não ser de vez em quando tomar uma cachacinha. Não tinha vício, não podemos reclamar isso.
Minha mãe não, minha mãe sempre foi muito nervosa. A origem mais espanhola mesmo, sempre muito brava, mais nervosa. Cuidava muito da casa, era muito limpinha, muito enérgica com os filhos, com a família toda. Minha mãe era muito bonita, era mais alta, mais bonita, elegante. É essa a imagem que eu tenho.
P3 – Eles falavam em italiano e espanhol?
R – Não. Meus avós por parte de espanhóis sim. Era ir na casa deles, só falavam espanhol, né? Mas o italiano pouco se falava na minha casa. Acho que o meu pai não conseguia dominar o italiano, só o meu avô. Espanhol sim; a minha mãe, quando estava junto com a minha avó, com meu avô, era espanhol o tempo todo. Na casa deles, como eram muito filhos, quatorze filhos, quando se reuniam era uma ‘brigaiada’ danada falando em espanhol. E nós, as crianças, os netos, os sobrinhos, saía pra não ouvir aquela conversa toda porque ninguém entendia nada ali de espanhol.
Engraçado, porque sempre predominou o lado espanhol na minha vida. Fui muito mais próximo, ficava muito mais com a minha avó espanhola, mas o meu lado italiano é que acabou sobressaindo mais ______ .
P/2 – E a escola, como é que era?
R – Bom, Bargas, como na verdade fugi um pouco da escola, _______ eu fiz os primeiros anos ali no Alcântara Machado, que era ali na Avenida [do] Cursino, no Alto do Ipiranga. Fiz ali meus primeiros, primeiro, segundo ano. Sempre fui um bom aluno, dentro da classe um bom aluno. Não era aqueles que frequentava as primeiras cadeiras, [frequentava] as últimas, mas sempre fui um bom aluno. Nos recreios [é] que eu era meio terrível, mas dentro da aula eu era ______ . Depois eu vim me formar já adulto, continuei a estudar; uma das escolas que eu entrei foi no sindicato, que eu entrei junto com o Meneghelli, inclusive, pra fazer o supletivo.
P/2 – Você fez até o quarto ano?
R – Eu fiz até o quarto ano. Depois paramos, fomos fazer o chamado supletivo. Aí eu já estava adulto, já estava trabalhando na Ford. Foi o período que eu entrei mais na vida sindical, porque eu fiz o supletivo dentro do sindicato, junto com o Meneghelli. E depois aí continuamos estudando um pouco mais.
P/3 – Você entrou na escola com quantos anos?
R – Ah, foi como eu disse. Entrei na escola com sete anos e fiz o primeiro ano, mas já com oito não estava muito afim de ir pra escola mais. Minha coisa era mais brincar, era mais ir pra rua. Foi aí que a minha mãe começou a arrumar um emprego pra mim, pra ver se eu me segurava um pouco no emprego e na escola. Mas eu entrei no período que normalmente as crianças entram, que é... Como eu faço ano no dia vinte de dezembro, só pude entrar no outro ano, já com oito anos de idade, então perdi um ano nesse período aí, né?
P/1 – E a sua mãe é que arrumava seus empregos nessa época, quando você era menor?
R – Foi. O primeiro emprego, que foi nessa loja que eu estava dizendo. Ela acabou falando com esse senhor, com esse japonês e me levou lá meio forçado, meio na marra. Como a gente, naquele período, já sabia que precisava ganhar algum dinheirinho, pelo menos pra ajudar um pouco, então eu me aguentei um pouco nessa loja. Mas detestava essa loja, o momento de ir nessa loja eu detestava.
Era uma loja pequena [em] que eu ajudava mais o japonês. Eu nunca fui muito delicado pra fazer as coisas, andei quebrando uns pratos lá. O japonês reclamou com a minha mãe, aí eu já não queria ir mais, enfim. Mas era uma lojinha pequena. [Foi] nesse período que eu acho que comecei a gostar de trabalhar, e eu mesmo comecei a procurar os outros empregos.
P/2 – Na oficina, você fazia o quê lá?
R – Na oficina eu entrei porque eu fui, pedi emprego. Acabei conhecendo o rapaz de lá porque também jogava futebol com meus cunhados.
Eu entrei pra lixar carro. Antes da pintura ou na pintura você tem que dar uma lixada no carro, pra prepará-lo pra tinta. Eu fiquei um bom período fazendo isso. Se não me engano, fiquei uns três anos trabalhando como pintor - nunca fui pintor, mas trabalhando pra preparação do carro pra pintura. Desamassei alguns carros e tal.
Nessa entrei numa gráfica. Lembro que foi ali na Rua Tabatinguera, próximo à Praça da Sé. Uma gráfica chamada (Esfernandes?). Nessa gráfica eu fiz um pouco de tudo. Eu fui… Bom, eu acho que nesse período já começou a surgir uma coisa em mim que eu não sei explicar bem, mas era o seguinte: eu entrei pra fazer algum tipo de serviço como entrega de rua, empurrar carrinho. Ali é uma ladeira, um negócio meio complicado pra sair porque quando você voltava era ladeira, mas voltava com o carrinho vazio. Mas quando você saía da gráfica você tinha que subir toda aquela subidona pra entregar o material. Os primeiros dias que eu empurrei o carrinho eu já reclamei. Falei: “O carrinho é muito grande, tá muito pesado. Não dá pra ficar empurrando esse carrinho no meio da rua.” Tinha uma mulher lá que era muito ruim - aliás, todos os chefes naquele período eram muito ruins; depois é que nós viemos conhecer alguns chefes que tinham melhorado. Ela: “Não, você tem que empurrar porque é assim mesmo.” Eu falei que não iria empurrar mais, falei: “Hoje eu vou, mas amanhã eu não vou mais.”
Então começou a surgir já naquele tempo uma espécie de rebeldia, de não querer fazer acordo, de exigir um pouco mais. Bom, aí me arrumaram mais dois garotos pra empurrar o carrinho e o dono da gráfica – que não era uma gráfica muito grande, eram três donos – falou: “Olha, daqui pra frente você não empurra mais carrinho, você é o responsável pelo material. Eles dois empurram o carrinho, você só leva a nota.” Aí eu já comecei a sentir o chefezinho, né? Falei: “Pô, já estou mandando em alguém aqui.” (risos) Foi nesse período que eu só levava a nota. É claro que não levava a nota, era muito pesado e eu ajudava a empurrar.
P/2 – Você tinha quantos anos?
R – Eu já estava com dezesseis, dezessete anos. Já tinha passado pela tal da Fadspel, já tinha entrado ______ nas fábricas.
Então comecei a virar chefe desses meninos. Eu me lembro também [de] uma passagem, que aí era minha rebeldia. Um dia que não tinha que fazer entrega nessa fábrica, essa senhora, essa mulher que era a chefe mandou limpar o banheiro. “Você não tem nada pra fazer, vai limpar o banheiro.” Eu falei: “Eu não vou limpar banheiro, aqui não é minha profissão limpar o banheiro.” Ela falou: “E qual é a sua profissão?” Eu falei: “Pode até ser de empurrar carrinho, menos de limpar banheiro.” “Você não vai não? Então vou te mandar embora.” “Então manda.”
O chefe, o dono da fábrica não deixou mandar embora, aí eu sempre fui mais, achando que estava com mais poderio nessa gráfica. Eu acho que nesse período é que eu comecei a desenvolver a minha rebeldia, de não aceitar… Como é que fala? Uma imposição, uma colocação. Então é reclamar mais.
Desse período… Bom, em 1967 eu entrei na Ford.
P/2 – Mas antes ainda, fale um pouco da sua adolescência, como é que era.
R – Minha adolescência foi um pouco isso. Joguei, um pouco de esporte - eu joguei no Saad em Santo André, era pra ser profissional. Fui treinar no Palmeiras, fui treinar no Portuguesa, mas não ficava. Por que? Porque esses times não pagavam. Você tinha que ir, mas eles não pagavam. Como eu precisava do trabalho, eu precisava trazer dinheiro pra casa, também não fiquei.
Não fiquei só por causa disso não, não fiquei por diversos motivos. Primeiro, sempre fui baixinho, pequeno, e quando você ia fazer um teste eles já ficavam olhando. Como naquele período não tinha nenhum Romário (risos), nenhum desses caras que se destacaram com o tamanho também, eu não cheguei a ser profissional por diversos motivos. Mas a minha vida toda na adolescência foi isso aí, Bargas, é filme, é futebol; me arrependo um pouco, namorei muito tarde. Não me arrependo disso, mas acho que naquele período podia ter aproveitado melhor com as garotas.
P/2 – Qual era a posição que você jogava?
R – Eu sempre joguei de médio volante e lateral esquerda. Fui campeão varzeano e fui artilheiro no campeonato varzeano.
P/2 – E quais eram os seus ídolos no futebol na época?
R – Eu já disse alguns. Já disse do Pelé, do Garrincha... Agora teve jogadores que foram fantásticos, né? O Edu do Santos, por exemplo, era um jogador fantástico. Clodoaldo do Santos. Apesar de ser palmeirense, eu gostava muito dos jogadores do Santos. E nesse período, o Ademir da Guia, o Dudu do Palmeiras, que era ali um puta jogador. Eu conheci um cara também que fez com que eu jogasse mais na lateral esquerda: era o Geraldo Scotto, que jogou no Palmeiras. Era vizinho da minha casa. Então foi esse um pouco dos meus ídolos, mas naquele tempo tinha muita gente. Era aquele tempo do São Paulo que era um negócio fantástico, né?
P/2 – Qual era seu apelido? Tinha apelido?
R – Não, meu apelido sempre foi Guiba. Não sei de quem que veio, mas era Guiba, acho que foi diversão de... As minhas irmãs me chamam de Guiberto, então eu acho que a origem do Guiba veio um pouco desse Guiberto. As crianças, meus amigos me chamaram de Guiba. Guiba ou Berto, né, que era o final do Heiguiberto. E acabou ficando Guiba. __________ Não me lembro quem me deixou essa origem do Guiba não. (risos)
P3 – Guiba, você estava falando dos namoros. Como é que se namorava na época, onde?
R - Olha, eu tive duas namoradinhas que, nesse período, claro que marcam um pouco a gente. Uma menina que era próxima da minha casa, uma menina que nós namoramos muito tempo, mas era um namoro de vez em quando se olhar, de vez em quando dar um beijinho. Não era um namoro de todo dia. Que era essa a _______ que eu falo, hoje casada, tem quatro filhos.
Depois eu tive uma outra namorada, um pouco mais adolescente; acho que já tinha uns dezesseis, dezessete anos. Não era do meu bairro, uma outra namorada que acabou o namoro, mas eu não sei pra onde ela foi. Essa eu não sei se é casada ou não. Mas o que me marcou mesmo foi essa minha primeira namorada, acho que é um pouco do que sempre [se] diz: a primeira namorada marca mais. Ela continua viva, tem quatro filhos. Foi um namoro gostoso, isso de não se ver todo dia, de não se beijar. A gente se via todo dia, mas ela lá e eu aqui.
P/2 – E os amigos, quem eram os amigos?
R – Bom, os amigos eu tenho aí, inclusive na foto. Era o Resende, era o Carlito, esses eram os amigos mais próximos. Eu tinha outros que eram um pouco mais velhos, que era o João, tem um japonês que eu chamo de Jacaré. Tem o Duca, que era um negro, forte, aliás eu namorei com a irmã dele também um período. O pessoal da rua, o pessoal próximo de lá, que é esse pessoal que eu tive bastante amizade. Aliás, eu tenho até hoje, todos eles estão vivos. Apesar de morar em outros bairros, nós nos vemos de vez em quando.
P/2 – Você trabalhava na gráfica, aí você saiu da gráfica e foi pra metalúrgica? Como é que foi essa...?
R – Nesse período da gráfica que eu estava contando [aconteceu] o seguinte: quando nós íamos entregar material nos escritórios da cidade ninguém se conformava que eu era um carregador de carrinho. Então, naquele período, muitas das pessoas que eu ia nos escritórios me ofereciam: “Olha, fica aqui, trabalha conosco. Aqui você vai aprender, na rua você não aprende nada.” Mas eu acabei ficando nessa gráfica. Eu só saí da gráfica pra entrar na Ford - isso foi em 1967. Porque eu gostava daquilo que eu fazia na gráfica. Porque, como eu disse, eu era um pouco rebelde.
Um dos donos da gráfica, que chamava Sérgio - eram três irmãos, Henrique, Sérgio e o outro não me lembro. O Sérgio era o do meio. Ele também tinha uma criação de pássaros, bastante pássaros ele criava. E eu sempre ia cuidar dos pássaros dele, então eu tinha uma espécie de um trabalho forçado que era o carrinho, que depois virou leve só pra levar a nota, mas também era considerado por esse Sérgio, que era um dos donos. Ele fazia muita exposição, naquele tempo faziam muitas exposições no centro da cidade: exposição de pássaros, exposição no _________ exposição ali na Galeria Prestes Maia, diversas exposições. Eu cuidava desse espaço, alimentava os pássaros, limpava a gaiola, cobria os pássaros. Fiquei um tempão fazendo isso.
Depois eu achei que tinha que ter uma outra profissão, aí entrei na Ford, 1967.
P/2 – Na Ford ou na Willis?
R – Era um período que já estava saindo da Willis Overland para Ford Willis Brasil. [Era] Ford Willis Brasil quando eu entrei, depois é que saiu a denominação Willis e ficou só Ford. Mas nesse período era muito bom, porque nesse período ainda se fazia a Rural Willis. Eu lembro muito do pessoal do Norte e Nordeste que vinha, tinha o maior orgulho: “Onde você trabalha?” “Ah, eu trabalho na Jeep Willis.” O emblema da Willis era Jeep Willis. O maior orgulho do pessoal era trabalhar na Jeep Willis. E nesse período nós entramos na Ford, entrei como… Já entrei na ferramentaria.
P/2 – Como você entrou?
R – Eu entrei por causa de um amigo meu, esse tal de Resende que está numa das fotos. Estavam precisando de operador de máquina lá na ferramentaria e eu entrei como operador de máquina na ferramentaria. Engraçado, Bargas, eu entrei na fábrica, mas como a bola naquele tempo fazia muita influência… Tinha um treinador no time da Ford que se chamava Bahia, tinha quase dois metros de altura e me conhecia. Ele falou com o Resende se não tinha ninguém para jogar. Ele falou “Tá, estou trazendo um amigo meu aqui.” Aí acabei entrando no time da Ford também. Então todas as quartas-feiras eu não trabalhava pra ir jogar, pra ir treinar no time da Ford.
E a ferramentaria foi… Desde 67 até hoje eu continuo na ferramentaria da Ford. Na verdade, desde 1983 eu estou licenciado pro mandato sindical. Mas entrei num período importantíssimo lá. Nesse período, começou uma transição de muita ferramental na fábrica…
Aliás, deixa eu voltar um pouquinho. A minha primeira greve, não participação, mas o primeiro movimento que aconteceu - e eu esqueci uma parte aqui - foi em 1964, 65, foi uma greve que aconteceu no Brasil, e essa experiência eu tive nessa fábrica chamado Fadspel, que falavam em greve. Nós ______ ali na porta, falaram: “Se é greve, é greve, e nós não vamos entrar.” Era uma fábrica pequena, não ia nem... Naquele período não sabia nem o que era piquete. Na verdade, nós não trabalhamos, nós mesmos ali resolvemos não trabalhar porque era uma greve, então foi a minha primeira experiência.
Nesse período também eu quero contar uma passagem pra vocês que eu estava aqui esquecendo. [Foi] o seguinte: eu fui muito próximo à igreja. Não que eu fui… Eu cheguei a ser coroinha. Coroinha, naquele período, tinha muito, o cara que tocava o badalo da igreja, aquele negócio de tocar a missa do padre. E nós conhecemos um padre da cidade ali na Igreja do Sião, na [Rua] Salvador Simões, e que era um padre muito maravilhoso, o Padre Carlos. Nós participávamos da missa junto com ele, ele pedia pra gente participar da missa.
Eu tive um período muito próximo à igreja. Estudava ali junto com… Não estudava, mas na verdade a gente lia a Bíblia junto com o padre. De vez em quando ele pegava a molecada jogando bola, fazia sentar e fazia com que a gente participasse um pouquinho. Foi nesse período que eu tive um pouco na participação da igreja e nesse período que foi essa primeira greve.
Quando eu entrei na Ford em 67, 68 teve uma outra greve. Não sei se era pelo sindicato do ABC já naquele período, não me lembro, mas foi uma greve localizada da própria fábrica, em que… Terminou logo, foram dois, no máximo dois três dias de greve, que nós também… A minha participação era aquela de vir ficar e de ver, não era uma participação ativa.
P3 – Guiba, eu queria voltar um pouquinho. Queria que você falasse pra gente um pouco como é que foi… Você entrou no SENAI. Como é que foi sua entrada no SENAI?
R – Olha, o negócio é o seguinte. Eu acho que todos nós temos que passar por uma profissão, então eu comecei a fazer, nesse período que eu estava na Fadspel, eu fui fazer SENAI no período noturno. Eu nunca fiz SENAI durante o dia.
Fiz torneiro mecânico. Eu lembro que eu fiz ali no museu… Se eu não me engano, [foi] na Rua Ribeiro de Amaral, que é onde tem um SENAI, uma travessa da Avenida Nazaré. Fiz ali o meu período de torneiro mecânico, depois eu fui… Fiz fresador. Antes do SENAI eu também fiz uma escola profissionalizante chamada Continental, não sei nem se tem hoje mais. Tinha aqui no centro da cidade. Fiz oito meses na Continental e fiz SENAI.
P/2 – Você fez o quê na Continental?
R – Na Continental era mais teórico. Na verdade...
P/2 – _______ Desenho?
R – É, na Continental fazia mais matemática, desenho, matemática industrial, eletricista básica e desenho. No SENAI eu fiz torneiro mecânico e fresador. E também era o período que eu precisava, porque tinha que fazer teste, tinha que fazer uma série de coisas e que a gente só vai acordando na hora da necessidade. Foi aí esse período que eu fiz SENAI e pra mim foi muito bom.
P/2 – Quando você entrou na Ford você não tinha experiência? Aí você fez um teste...
R – Não, não tinha experiência. Nenhuma experiência. Na verdade, eu entrei na Ford… Já disse, meu amigo me chamou: “Olha, tem uma vaga.” Tive facilidade porque jogava futebol e comecei a trabalhar numa furadeira, aquelas furadeiras grandes que se chamavam radial. Depois eu fui pras máquinas copiadoras e aí, como tem muito tempo, nós fomos progredindo lá e acabei saindo profissional. É claro que eu tive também que me especializar, comecei a estudar. Foi esse período que nós entramos no sindicato pra fazer supletivo, aí tinha que… Não podia voltar mais pra trás, tinha que ter uma profissão.
P/2 – E como você conciliava futebol de quarta-feira, o trabalho? Como era essa coisa?
R – Era legal porque naquele período, Bargas, era fantástico aquilo lá em São Bernardo do Campo. Porque você tinha um grande time da Volkswagen, você tinha um time na Ford, mas um time considerado profissional na época - não profissionais como os grandes time de futebol, mas numa intermediária. Se eu não me engano, a terceira, quarta divisão; eu não me lembro muito bem que divisão era, mas era um time muito bom, e o time da Volkswagen era um time excelente, naquele período.
As empresas faziam muito time de futebol. Eu estou falando de duas; eu não me lembro da Mercedes, mas da Ford e da Volkswagen eram dois times extraordinários, fora outros na nossa categoria que também eram times de empresa. Eu me lembro que outros de outras empresas - Aracata, por exemplo, tinha um bom time, ou outras empresas da região tinha. Então, nesse período, me facilitou também entrar na Ford.
Nas quarta-feiras era o treinamento da Ford, então eu só ia, marcava o meu cartão e ia pra treinar. Ia treinar no clube da Ford. Passava o dia inteiro treinando, voltava à tarde, e todas as vezes que tinha um jogo à noite também era dispensado do serviço, pra ir jogar futebol.
Naquele período, o futebol fazia muita… Não diria regalia, mas é verdade. Você não tinha concentração, não tinha absolutamente nada. Você passava um período, então você tinha facilidade com o chefe ou do cara ligar lá pro seu chefe e falar: “Libera aí o fulano pra jogar bola.” E quando as viagens eram longas… Não fizemos viagem muito longa, não, mas a viagem que eu falo [é] pro interior de São Paulo, às vezes Campinas, Sorocaba, Araraquara, Piracicaba; você também era dispensado do serviço. Dependendo da hora do jogo você era dispensado no dia e no outro dia, porque chegava muito tarde se o jogo fosse à noite.
Esse período foi gostoso, eu trabalhava pouco. (risos) Aliás, também nesse período eu conheci algumas pessoas fantásticas do sindicato: o Ratinho, o Venâncio, que foi um dos primeiros...
P/2 – Mas como é que terminou o jogo? Como é que terminou essa vida boa?
R – A Ford foi parando com o futebol. A Volkswagen também parou, então os times foram... Não eram mais, não tinham mais investimento da empresa. A empresa já não reconhecia tanto, o time foi parando, foram saindo os melhores jogadores. Eu acho que isso durou uns três anos, esse negócio de futebol, depois parou. A Volkswagen acabou com o time dela, acabou com o estádio que ela tinha - estádio não, o campo de futebol da Volkswagen. A Ford veio em seguida e foram acabando todos os times de empresa da região. E hoje eu não me lembro que tenha um grande time da região de empresa.
Naquele período tinha uns oito, muitos times. E quando era confronto de empresa com empresa aí você enchia um estádio, era um negócio fantástico. Muitos jogadores profissionais, depois que ficavam numa idade de trinta anos, passavam a jogar nessas empresas. A Volkswagen tinha diversos jogadores que tinham sido profissionais.
P/2 – Nessa época, o que você pensava do Brasil? Que imagem você tinha da situação do Brasil?
R – Olha, Bargas, eu sempre fui um… Na verdade, eu nunca fui militante, né? Nunca li Marx, li Lênin, ou li “O Capital”, mas era um período que já nascia na gente uma revolta, porque a diferenciação de classe é muito grande. Você não precisa ler Marx, Lênin, ler “O Capital” pra saber da diferenciação de classe, da mais-valia, da diferenciação de uma sociedade que a gente tem, então era um período que eu já questionava: “pô, por que se trabalha tanto, se ganha pouco? Por que as sociedades são diferentes? Por que as pessoas vivem diferentemente?”
Isso veio desde criança; veio um negócio, veio crescendo, desenvolvendo. Meu lado questionador sempre foi muito forte, meu lado de querer as coisas, de batalhar pelas coisas; não querer que venham de graça, mas discutir com as pessoas por que são assim, por que eu tenho que fazer e não posso receber, por que... Então acho que isso foi trazendo, me aproximando de uma realidade diferente daquilo que na minha cabeça foi sempre questionado.
Nesse período também foi… Existia muito - antes de eu entrar na Ford, inclusive -, o negócio do chamado comunismo no Brasil, que era o questionamento do comunismo no Brasil. Numa dessas entregas que eu tinha eu não entendi direito, só mais tarde que eu vim entender. Eu estava na Lapa, próximo à Rua Tito, quando saiu um tiroteio, um negócio todo. No outro dia eu fui saber, falaram ali que tinham “prendido comunista”. Mais tarde é que fui entender que ali é que tinha sido preso o Marighella, não é isso? Naquele período lá. Eu estava num ônibus ali na Lapa, perto da Rua Tito, aquelas ruas próximas onde que o Marighella foi preso, e eu não entendia; possivelmente, se eu entendesse teria tido mais problema, então pra mim passou despercebido.
P/2 – Quando você via no jornal assim: “Terrorista”, “mataram”, “guerra no Vietnã”, como é que você...?
R – Sempre quando a gente via terrorista, falava terrorista, na minha opinião, na verdade, eram as pessoas que estavam lutando por algum ideal. E eu ainda não entendia muito bem qual era o ideal, mas dava pra entender o seguinte: aquilo que estava acontecendo naquele momento, aquela luta que as pessoas estavam vivendo não era uma luta pra que pudessem ficar mais ricas, pra que pudessem financeiramente ser melhores. Nós já entendíamos, eu já entendia naquele período: olha, é uma guerra do governo, o governo que tem diferenciação de classe. Então esse pessoal eu já olhava com bastante admiração, porque achava que era uma luta pela igualdade da sociedade.
Apesar dos meios de comunicação, naquele período... Possivelmente eram piores que hoje, do que a Rede Globo, do que o SBT. Naquele período era um [canal de] televisão só - se eu não me engano, a TV Tupi, que fazia muito sucesso no Brasil. TV Tupi e Rádio Nacional, que era aqui de São Paulo; não me lembro de outros [canais de] televisão. A Record apareceu depois, com os festivais, mas eu acho que nesse período era o canal de televisão Tupi que massacrava a cabeça, _______ terrorista, como bandido, que assaltaram banco, que assassinaram, que não sei o quê, então você demora pra começar a ter conscientização, demora pra... Como nós já tínhamos naquele período um pouco da origem da igreja, de estar participando, eu começava a distinguir as coisas muito claramente: não pode, deve ser uma coisa só de barbárie, como passava nos meios de comunicação.
P/2 – Você estava na Ford. Você lia o quê, que jornal você lia, você comprava?
R – Olha, sempre na Ford eu comprei… Nunca comprei jornal sangrento, não, sempre comprava bom jornal, que era possível de ler. Num período da Ford sempre compramos a Folha de São Paulo, um jornal bastante lido. Naquele período, tinha um outro jornal que eu não me lembro. Não era a Folha, mas era um jornal que também tinha uma leitura mais politizada, não era muito de crime. É claro que, naquele período, o que eu comprava bastante era a Gazeta Esportiva, pra ler futebol, mas comprava também a Folha de São Paulo. Depois nós começamos dentro da ferramentaria a fazer uma vaquinha, então eram três jornais que a gente comprava de São Paulo: a Gazeta Esportiva, claro, pra ler esporte, e um outro jornal, que era uma espécie de Diário Popular de hoje. Era mais ou menos isso, não me lembro se era Jornal da Tarde, Folha da Tarde, mas eram três jornais. Isso se comprava com vaquinha: a gente se reunia quatro, cinco pessoas por mês, você dava uma cota e compravam jornal pra todos nós.
P3 – Guiba, como era a ferramentaria? Você falou da ferramentaria, que fazia _______. Como era o convívio, as discussões?
R – A ferramentaria, nesse período que eu entrei… A ferramentaria sempre foi muito forte dentro das empresas. Ela sempre foi muito mais organizada, sempre foi muito mais questionadora. O pessoal se colocava como um profissional, mas que exigia mais. Na ferramentaria eu aprendi bastante, aprendi inclusive a ler mais, a conviver melhor com as pessoas, a questionar. E ferramenteiro sempre foi muito vaidoso, se achava muito melhor profissional do que qualquer outro da fábrica.
Nós, no período que entramos, tinha umas pessoas mais questionadoras, querendo valorizar a sua profissão de ferramenteiro, mas [que] também achavam que não devia ser só com eles: a fábrica toda, os setores todos, a linha de montagem, a estamparia. Foi um período legal. Eu acho que ferramentaria, hoje, lamentavelmente acabou nas empresas; se extinguiram todas essas profissões, como inspetor de qualidade, como inspetor de traçagem, conferente, ferramenteiro. Foram extintas nas empresas. Mas as ferramentarias das montadoras, na minha opinião, era coisa que mais… Apesar de ser uma categoria achando: “Eu sou profissional, eu estudei”, era também uma questionadora porque… Eu não sei se era só pra ganhar mais, um período foi um pouco isso. “Pô, vamos parar aqui porque...” Se nós pegássemos o Brasil todo o salário de ferramenteiro sempre foi razoavelmente bem, então alguns brigavam pra melhorar o salário, outros melhoravam mesmo, brigavam mesmo pra ter melhores condições. E naquele período era bom, porque você não brigava somente pelo salário: era [pelo] plano médico, mudança pro plano médico que fizeram mobilizações, era uma participação - não do lucro, do resultado, que isso... Mas era participação de alguma coisa na ferramentaria de dar opiniões. Eu me lembro muito bem que isso não foi muito bom, porque depois começou a surgir a tal da caixa de sugestões, começou a surgir disputa de sugestões que você pudesse dar pra ganhar da melhoria da ferramenta. Enfim, ela surgia naturalmente e foi aproveitada pelas pessoas pra… Pelos administradores das empresas pra fazerem isso.
P/2 – A grana, o que você fazia com o salário?
R – Bom, Bargas, eu sempre tive sorte na vida. Primeiro tive sorte, já disse, da minha família. Mas quando entrei na Ford em 1967, em 68 eu ganhei na Loteria Federal. Eu trabalhava à noite na Ford e meu pai vendia bilhete na rua, e eu comprei o bilhete do meu pai.
Eu ganhei na loteria nesse período, logo depois de ter entrado na Ford. Fui conferir o bilhete: o número era igual, mas a letra era diferente, porque tem a letra b, c, não sei que, - depois eu fui entender que é por estados, isso. Eu falava: “Pô, eu ganhei ou não ganhei? Porque o número bate, mas a letra não bate.” Aí o pai desse meu amigo, do Resende, falou: “É claro que você ganhou. O bilhete é o mesmo, o número é o mesmo.”
Bom, eu ganhei e foi a primeira casa que eu comprei. Eu comprei uma casa em São João Clímaco. Levei todo mundo que morava nessa casa no Ipiranga; minha irmã, meus pais foram morar com a gente. Eu era solteiro. E eu sempre economizei muito o dinheiro, não esbanjava não, então [com] o dinheiro que eu ganhava eu comprei um carro, meu primeiro Fusca.
P/2 – Ainda solteiro?
R – Solteiro. Comprei um Fusca. O Meneghelli reclama até hoje que eu vendi o Fusca pra ele com o assoalho rachado, furado, entrando água, mas eu comprei um Fusca. Bom, tinha a casa e depois eu comprei um apartamento, mas aí eu já comprei um apartamento em Santos, quando fui entrar pro sindicato.
P/2 – Como era essa época de solteiro?
R – Não comprei o apartamento, só comprei a casa e comprei esse Fusca. E guardava o dinheiro. Na verdade, o meu pai já não trabalhava mais nesse período, nem minha mãe, então eu era o cara que mantinha a casa. A minhas irmãs todas estavam casadas. Como eu lhe falei eu tenho um irmão que tem um defeito físico; ele tem um defeito de nascença, que é de nervo repuxado, portanto sempre teve muita dificuldade de andar, de falar. A cabeça é boa, mas o nervo acaba tendo problema, portanto eu era o cara que mantinha a família. Não dava pra guardar dinheiro e não dava pra esbanjar, portanto era o cara que estava ali, que segurava aquela barra toda. Era solteiro.
P/1 – Guiba, esse dinheiro que você ganhou na loteria é equivalente a quanto, mais ou menos, hoje? Era muito dinheiro?
R – Não, não era muito dinheiro. Naquele período, foi um bom dinheiro pra comprar uma casa humilde. Uma casa, eu diria hoje, de trinta, quarenta mil reais. Então eu achei que foi um bom dinheiro, [com] todo o dinheiro eu comprei essa casa - aliás, não só a casa, comprei um sofá também pra essa casa.
É isso, nunca esbanjei. Tinha esse fusquinha branco, que era o fusquinha que eu ia trabalhar, e vivia com ele aí, paquerando...
P/2 – E a Edna, como entrou na sua vida?
R – Edna não, pô, Edna era a mulher do Meneghelli. A Bete. Entrou na minha vida depois da minha mulher, da minha mãe falecer. Minha mãe morreu.
P/2 – Isso em que ano?
R – Foi em setenta... 68, 69, depois de um período comecei a namorar e vim a casar com a Bete em 73.
P/2 – Se conheceram onde?
R – Eu a conheci em São João Clímaco mesmo. Eu namorava com uma outra, com uma moça ali, e elas trabalhavam próximo, tanto a minha atual mulher como essa outra moça que eu namorava. Como eu ia buscar uma na fábrica, eu já via a outra. (risos) Então foi terminar com uma e começar com a outra que virou minha mulher. É a Bete, sou casado até hoje.
P3 – Ela trabalhava...
R – Também trabalhava em têxtil, numa empresa no Sacomã.
P/2 – Como foi a aproximação?
R – Rapaz, eu nunca fui muito de… Como é que fala? De galanteio, né? Eu fui sempre muito prático. Eu lembro que nesse período as duas trabalhavam próximas. Eu, de vez em quando, ia buscar essa namorada que eu tinha e via a Bete saindo. Depois eu falei: “Pô, essa moça deve morar perto da minha casa”, e por coincidência a vi mesmo pro lado da minha casa. Aí nós fomos… Eu fui frequentar um baile e a vi nessa baile. Ainda estava namorando com a outra, mas fui lá, conversei com ela, e começou nosso namoro ali.
Bom, era difícil no começo porque o pai dela acha… Achava que ia ficar com ela a vida inteira, não queria deixar. Foi namoro gostoso, namoro de jovem, que naquele período fica achando com quem você vai casar, com quem você vai ficar. Eu achava que não casava tão cedo. Eu casei já com 28 anos; fiz a opção de não casar cedo, então eu casei já sabendo o que eu queria. Estou casado até hoje.
P/2 – Você namorou por quanto tempo?
R – Namorei [por] quatro anos. Namorei, noivei, casei. Quatro anos de namoro. Hoje se namora dez anos. Aliás, meu cunhado namorou [durante] quinze anos minha irmã. Hoje o namoro não fica muito tempo, não; [fica por uns] seis meses, oito meses.
P/3 – Nesse período você estava na Ford?
R – Nesse período eu estava na Ford.
P3 – Você lembra de uma situação, a primeira situação de conflito com a qual você lidou na Ford? A primeira situação de briga, disputa com a direção da empresa ou qualquer coisa assim?
R – Não. Eu digo o seguinte: em 68 houve essa paralisação, que nós ficamos lá um _________ , o pessoal que comandava lá, e não houve nenhum tipo de problema. Mas aí a grande paralisação mesmo veio depois, quando saíram as grandes mobilizações aqui da nossa região, do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Naquele período era só ________ .
P/2 – Mas vamos ficar ainda um pouco antes ainda. Você se casou, foi morar onde?
R – Eu casei e fui morar nessa mesma casa que eu tinha comprado com o dinheiro da...
P/2 – Morava lá com todos os seus irmãos?
R – Todo mundo. Tinha uma casinha no fundo; o meu pai foi morar no fundo, um quarto e cozinha no fundo. Eu morava nessa casa junto com o meu irmão, esse meu irmão mais velho; e as minhas irmãs já eram casadas, todas elas já tinham ido pra casa, tinham alugado outras casas. Então eu morei ali com meu pai e meu irmão, que moravam no fundo e morei nessa casa sozinho com a minha mulher. Foi ali que eu tive minha primeira filha, que é a Soraia; ela nasceu inclusive nessa casa. Passei bom tempo nessa casa, depois é que eu fui pra outro lugar.
P/2 – Quantos anos?
R – Eu passei ali uns dez, doze anos. Passei muito tempo, nasceram meus dois filhos nessa casa, a Soraia e o Márcio. Depois meu pai foi morar com a minha irmã, no fundo veio morar um cunhado meu por parte da minha mulher, nessa mesma casa, então eu servia como um paizão, de vez em quando ajudava alguém na família lá que estava com dificuldade. Eu passei um bom período nessa casa, tenho uma boa recordação. Era em São João Clímaco.
P/2 – E por que se mudou dali?
R – Olha, Bargas, eu mudei dali porque achava… A casa que eu morava era razoável, mas era uma casa que tinha escadaria, aquelas casas antigas. Eu, como sempre, fiz duas reformas naquela casa, aliás eu sou um pioneiro em reforma. Aí eu encontrei uma casa em São Caetano do Sul, que era uma região melhor. Saí de São João Clímaco e fui pra essa casa em São Caetano do Sul, onde eu fiz mais duas reformas morando depois.
P/2 – Levou quem?
R – Aí eu só fui com a minha família, minha mulher e meus dois filhos. Eu já não morava mais com as minhas irmãs, nem com meus irmãos, nem com meu cunhado por parte da minha mulher.
P/2 – Você vendeu essa casa?
R – Vendi aquela casa e comprei em São Caetano do Sul. Eu vendi a casa em São João Clímaco, com o dinheiro que arrecadei eu comprei a casa de São Caetano e dei mais alguma coisinha em cima, mas muito pouco. Fiquei com uma casa melhor em São Caetano do Sul, uma região melhor. As condições que nós tínhamos era para melhorar um pouquinho. O salário era melhor, a vida era um pouquinho melhor, então já dava pra comprar uma casa melhor. O local de São Caetano do Sul era muito bom, por isso que nós mudamos.
P/2 – Isso já era em ano de...?
R – Rapaz, isso aí já era _______ . Eu só fui mudar de São Caetano no ano de 1999. Eu vivi quinze anos em São Caetano, o período de 80 eu passei em São Caetano do Sul.
P/2 – Você estava na Ford. Começou a ir pro sindicato em função do quê? De voltar a estudar, isso foi o que lhe motivou?
R – Não, no sindicato o seguinte… [Era] engraçado, porque dentro da fábrica nós conhecíamos alguns que foram diretores do sindicato e alguns que tiveram uma passagem muito… Olha, o cara era pelego. Era o Galina - não sei se era Osvaldo Galina, não-sei-o-quê Galina. Mas foi o cara que mais sindicalizou dentro da empresa. Ele não era o autêntico pregador, mas esse cara me sindicalizou já em 1967 quando eu entrei na fábrica; foi lá no meu setor e me sindicalizou. Orlando Galina, agora eu lembro dele.
Depois tinha outros diretores. O Janjão, que era diretor do sindicato, sempre foi muito pacato, conversava muito pouco. Nesse período, nós conhecemos também duas pessoas que, no meu modo de ver, fizeram um sindicalismo mais autêntico: o Ratinho era um que não pensava muito, agitava muito mais do que pensava, e o Venâncio pensava mais do que agitava, portanto era uma dupla que acabava dando resultado. Tinha outros diretores que eu acho que ajudaram, construíram, mas não se destacaram tanto.
Eu faço desses quatro diretores um período que nos aproximou do sindicato. Primeiro foi o Orlando Galina, depois o Janjão, que nesse período trabalhava num outro setor, e o Ratinho, que surgiu exatamente no grande período das mobilizações na região nossa do ABC.
P/2 – Antes da mobilização, das grandes mobilizações, você frequentava o sindicato, assembleias, essas coisas?
R – Como nós começamos a participar com esses companheiros dentro da fábrica, nós começamos a ir ao sindicato por algumas reuniões. Naquele tempo não se fazia muita assembleia no sindicato, se fazia reuniões.
Eu me lembro inclusive [que] tinha uma sala próximo ali ao Jurídico no primeiro andar, uma sala grande e que nós fazíamos alguma reunião ali. Eu lembro que discuti o problema do convênio médico, discuti a relação da empresa; eu lembro que fui umas três ou quatro vezes pra essas reuniões, sem ir a grandes assembleias. Grandes assembleias mesmo aconteceram no período dessa mobilização, antes era tudo reunião: reunião pra campanha, reunião de mobilizar, reunião de não sei quê. Eu não sei se eram fechadas, mas era um tipo de uma reunião que você não fazia muito aberta, não, e fazia reunião por empresa. Era o pessoal da Ford, era da Volkswagen, era da Mercedes Benz. Nesse período, eu fui umas quatro, cinco vezes, antes de estourar as grandes mobilizações na região.
P/2 – O Lula fala de uma reunião do pessoal da ferramentaria com o Paulo Vidal. O pessoal queria fazer um ______ , você estava nessa?
R – Estava. Acontece o seguinte: nós queríamos fazer um… Abrir um processo e o Orlando Galina nos levou nessa reunião. Era o pessoal da feramentaria e o Orlando Galina nos levou àa reunião, mas ele também era um cara que não abria muito a boca, não falava quase nada. Foi nesse período que nós conhecemos mais o Paulo Vidal. O Lula, muito pouco. Eu conhecei o Lula – depois eu conto essa história – eu conheci o Lula numa outra região de futebol da Vila Carioca, mas não sabia que o Lula era do sindicato.
Nós fizemos essa reunião com o Paulo Vidal, mas o Paulo Vidal também nunca encaminhou muito, viu, Bargas? Se nós perguntarmos pro pessoal da ferramentaria daquele período, [o pessoal] vai lembrar muito pouco do Paulo Vidal. Porque ele era um cara que participava da reunião, mas ele mandava outros encaminhar essas decisões. Ou era advogado, ou era diretor na época que estava encaminhando, e deixava pro Orlando Galina. Como nós não confiávamos no Orlando Galina já naquele período… Não era confiar. Eu acho que até confiávamos no Orlando Galina, mas achávamos que era muito devagar, não ia.
Nós ficávamos um pouco desacreditados desse período do sindicato. Só viemos a acreditar mesmo depois dessa grande mobilização. Por que? Porque surgiu um movimento lá, como não se ______. Aí já veio o período que o Lula assumiu o sindicato, nós fizemos uma mobilização lá pelo convênio médico.
Você viu que estou contando do tal do convênio médico um período de tempo. Esse mexia muito com o pessoal das fábricas, o convênio médico. Aí nós fomos reivindicar, paramos a ferramentaria - paramos não, tiramos lá duas, três pessoas da ferramentaria e fomos conversar com o gerente da área. “Precisamos melhorar o nosso salário e precisamos melhorar o convênio médico. O salário, nós precisamos de aumento.” O cara falou: “Olha, isso não é comigo. Vou passar vocês para a gerência da fábrica.” Aí se tirou uma comissão nesse período: eu, o Meneghelli e mais duas pessoas. Uma era um alemão - alemão não, nós o tratávamos de Alemão, e outro era o Josino, um cara forte... E fomos conversar com a gerência da fábrica.
O Ratinho, muito esperto, muito vivo e muito agitador, disse que a ferramentaria estava de greve e que tinha ido conversar com o pessoal da fábrica lá em cima. E era pra pedir aumento e um convênio médico. Quando nós voltamos lá de cima… Não era uma greve, era uma reivindicação. Podia até surgir a greve, mas por enquanto não era greve. Quando nós voltamos de lá de cima, o pessoal da inspeção de qualidade: “Pô, como é que vocês foram lá?” “Nós fizemos isso e isso.” “Pô, então nós vamos lá.” Aí fizeram um outro grupo e foram lá.
Como surgiu isso? O Ratinho espalhou na fábrica que tinha que fazer comissões em todos os lugares, porque a ferramentaria estava de greve e o pessoal estava... Então o Ratinho foi um cara [que] sacou rápido ou agitou muito rápido. Bom, isso acabou trazendo frutos.
Foi aí que o Lula entra na história. Chamamos o sindicato pra fábrica, aí o Lula foi com o Dr. Maurício para dentro da ferramentaria. Quando o Lula entra no sindicato, eu tinha visto de longe, eu falei: “pô, esse é o baianinho que jogava futebol lá na Vila Carioca.” Nem imaginava que ele era o presidente do sindicato.
P/2 – O Lula nessa época não era ainda o Lula, né...
R – Pois é. Aí entrou: “Pô, você não é o...” “Sou, e você?” Tinha jogado não junto, mas um time contra o outro, ainda lembrava dele. “O que é que nós viemos fazer aqui?”, perguntaram. “Nós estamos aqui por duas reivindicações: plano médico e não sei que.” “Então vamos fazer uma reunião com a ferramentaria.” A ferramentaria estava parada. “Vamos.”
Subiu na máquina o Lula e o Dr. Maurício e pediu pra ver quem de nós que não subia na máquina. Aí eu subiu na máquina junto com eles e fizemos a primeira assembleia que eu fiz na minha vida, ali, como _______, tal. Aí o Lula falou “Bom, então nós vamos resolver isso com a direção da empresa.” Mas já estava preparando a tal da grande greve que ia surgir em 79, 80.
P/3 – Em que ano era isso?
R – 79. Na verdade, era 78.
(pausa)
P/1 – Guiba, nós paramos na época que você estava explicando a questão das comissões dentro da Ford. Isso foi em 78, né?
R – Na verdade, não foi a criação de comissão oficial. Foram comissões de reivindicação, de discutir com a gerência da fábrica. Foi coisa espontânea, que foi surgindo de alguns setores; foi pra uma discussão interna, problema interno, que era salário, e também o problema do plano médico, alimentação. Enfim, foram surgindo essas ideias de ter as comissões. Eu achei, no período, muito bom porque ela organizava por setores, você não podia sair muito. Foi nesse período que nós conhecemos o Dr. Maurício e o Lula, que fez a assembleia ali conosco.
P/2 – Nessa época, você já está fazendo o curso de madureza lá no sindicato.
R – Nessa época, já estava lá no sindicato.
P/2 – E como é que você… Você ia lá, entrava na sala de aula, dava onze horas e ia embora?
R – Rapaz, depois é que eu comecei a perceber que tinha uma - que é um pouco da sua pergunta - tinha uma lacuna muito grande entre os alunos e o sindicato. Porque é exatamente isso: eu entrava, fazia minha aula e ia embora pra casa. Não tinha nenhum contato com a direção do sindicato, nenhum contato com alguma liderança. É claro que na sala de aula tem umas pessoas que conseguiam transportar alguma coisa do que pensava o sindicato - não como hoje, que tem OSPB [Organização Social e Política do Brasil], como algumas aulas que a gente faz, mas naquele período eu achava que… Depois eu fui entender que havia aí uma lacuna muito grande, porque só você fazia a aula, que era uma aula que você podia fazer em qualquer escola, não precisava ser a escola do sindicato. Fazia lá porque a do sindicato era gratuita, mas não tinha esse contato com a direção do sindicato. Eu só vim a conhecer o Lula depois, nessa manifestação na fábrica.
P/2 – Você ia junto com o Meneghelli?
R – Olha, essa história do Meneghelli é um pouco engraçada. Nós trabalhávamos no mesmo setor, na ferramentaria. Eu disse que nós fomos as primeiras vezes pro sindicato pra fazer processo, pra discutir os processos, as primeira reuniões. Depois é que nós começamos a fazer o curso no sindicato.
Eu fui uma das pessoas a incentivar as pessoas a abrir processo. “Pô, vamos abrir processo, nós temos direito.” E eu lembro que o companheiro Meneghelli ainda vacilou um pouco de ir pro sindicato. Falamos: “Então vamos juntos” e incentivei o Meneghelli ir pro sindicato já pra abrir processo. E depois nós começamos a estudar, eu e o Meneghelli.
Nós éramos do mesmo setor, da mesma ferramentaria. Nós vivemos um bom período juntos, eu e o Meneghelli, com uma boa amizade.
Tem umas histórias engraçadas do Meneghelli, que ele não deve ter contado aqui porque ele não gosta que eu conte. É o seguinte: dentro das fábricas e às vezes até mesmo lá no sindicato nasce um filho e a gente entrega ou um bombom ou um charuto. Quando é homem é charuto, quando é mulher é um bombom. Eu trabalhava numa máquina do lado da máquina do Meneghelli. Ele chegou de manhã, tinha nascido a filha dele; ele pegou essa caixa de bombom e pôs dentro da gaveta. Qual era a primeira coisa que o Meneghelli fazia quando tocava o sinal pra trabalhar? Era correr pro banheiro pra ler o jornal. Quando ele foi pro banheiro ler o jornal eu peguei a caixa de bombom e distribui na ferramentaria inteira dizendo: “Olha, esse aqui é a minha filha com a mulher do Meneghelli.” Distribuí essa caixa de bombom inteira.
Quando o Meneghelli veio do banheiro, todo mundo comendo bombom e rindo do Meneghelli. E ele: “Ah, foi aquele filha da puta!” (risos) Quando ele chegou na gaveta, abriu e não viu o bombom, ele olhou pra mim e nós saímos correndo dentro da ferramentaria. (risos) Só paramos do lado do supervisor, que estava lá e não dava pra fazer mais. (riso) Essa história ele não conta. (risos) Mas foi muito engraçado porque o pessoal lembra até hoje, o pessoal daquele período. E ele ficou muito bravo comigo, realmente ficou muito bravo. Mas era amizade, era uma coisa legal. (risos)
Como nós vivíamos muito... Aliás, naquele período também fazíamos hora extra; ele deve não ter contado aqui, Bargas. Nós íamos fazer hora extra aos domingos e ele é que levava a marmita pra mim. Ele comprava aquelas quentinhas, comprava feita a comida ou a Edna, a mulher dele, fazia e levava pra gente comer no domingo. Eu e ele fizemos um bocado de hora extra aos domingos e sábados também na ferramentaria. (risos)
Voltamos nesse período de 78, quando nós conhecemos nessa manifestação-relâmpago dentro da ferramentaria, [em] que foi o Lula, Dr. Maurício, que nós fizemos. Sabiamente, o Lula incentivou que isso acontece em outros lugares e que nós voltássemos a falar com a direção da empresa. Como eu disse, já estava planejando uma movimentação, uma manifestação das paralisações de 78, daquela grande greve de 78, portanto ali surgiu uma coisa espontânea, que já era pioneira dentro da ferramentaria. Aliás, se alastrou por toda a fábrica, aproveitada muito bem pelos dois companheiros da direção do sindicato, pelo Ratinho e pelo Venâncio.
P/2 – A campanha da reposição salarial de 77 você não participou, aquele de 64,5%?
R – Claro que participamos.
P/2 – A Nilza chegou a ir pro sindicato, alguma coisa?
R – Bom, todos nós fomos para o sindicato, mas não houve uma grande paralisação. O que eu lembro bastante é dessa de 78, em que nós já frequentávamos ali. Sempre tenho dito, Bargas, que a grande greve do ABC… Eu vou deixar aqui depois a história, nós vamos verificar o seguinte: ela nasceu com um blefe do Ratinho, a grande greve de 78 que foi a greve da Scania. Por que “grande greve”? Porque nós paramos os setores. O Ratinho ligou pro Gilson e disse pro Gilson na Scania que a Ford estava parada. E o Gilson parou a Scania, essa história parou a Scania. O Ratinho nos contou depois, quando a diretoria foi se reunir no sindicato o Ratinho falou “Não, a Ford não está parada.” Gilson queria bater no Ratinho e foi uma corrida dentro da... “Então você me enganou!” No outro dia a Scania voltou a trabalhar, a Ford parou e aí, sucessivamente, foram as grandes greves.
Na verdade foi um blefe do Ratinho, dizendo que a fábrica estava parada e o Gilson parou a Scania, que não estava parada. Estava parada por setor, fazendo reunião, uma série de coisas que o Ratinho se aproveitou de novo (risos) muito bem na agitação que ele fazia, ele e o Venâncio.
P/2 – E essa paralisação começou na ferramentaria? Como começou?
R – Começou na ferramentaria. Começou por aumento, por descontentamento, inclusive da...
P/2 – A paralisação, como é que vocês pararam?
R – A paralisação, naquele período, acontecia muito fácil. A gente já estava com uma certa referência com os companheiros da ferramentaria; nos reunimos de novo, numa hora de almoço, um dia antes. O Eunico falou: “Vamos ter que fazer uma parada aqui. Vamos ter que fazer uma mobilização, uma reunião e parar a fábrica, porque se não vier um aumento, que está sendo uma reivindicação da própria categoria, não vierem as melhorias aqui, nós vamos parar a fábrica.” Aí a ferramentaria… Não me lembro nem de ter feito votação, só [com] o burburinho das pessoas a gente já sentia que era uma paralisação, então não havia dificuldade de fazer paralisação. E depois, quando soubemos que a Scania estava parada, o negócio foi... “Não, a Scania tá de greve, greve!” Não se sabia se a Scania tinha votado ou não, aí era greve, parar uma fábrica toda. Nós ajudamos inclusive a fazer piquete, o pessoal da ferramentaria. Não piquete, porque naquele período se exigia muito pouco piquete, mas ir aos outros setores dizer que estava paralisada a categoria por causa de aumento. E saiu um grande número de pessoas da ferramentaria pra fazer isso dentro da fábrica. Essa foi a primeira grande paralisação da nossa categoria, que foi em 78.
P/1 – E a partir daí como foi seu envolvimento com o sindicato e com esses movimentos?
R – Nossa proximidade foi muito forte. Ela foi dentro da fábrica, foi praticamente virando liderança. A gente, acho que não falava como liderança naquele período, falava como uma referência. O pessoal acreditava mais na gente, achava que a gente tinha muito mais proximidade com o sindicato, então quando falava parecia que falava pelo sindicato. [Isso] me facilitava muito, porque eu trabalhava numa máquina naquele período, uma plaina de mesa que tinha dois metros e meio de comprimento, então era colocar o ferramental lá e ‘shshshsh’. Eu saía na fábrica pra ir conversar com as pessoas, então era um negócio que facilitava muito. Então nós ajudamos, acho que nesse período ajudamos legal, ajudamos bastante. Foi uma coisa que também foi me cativando, foi me levando cada vez mais à participação, pra discutir com outros companheiros, conhecer outras fábricas.
Nesse período também nós fizemos um congresso em Poços de Caldas, que foi em 79. Foi o primeiro congresso que eu participei através do sindicato. Fui a esse congresso em Poços de Caldas convidado por esses dois companheiros da direção do sindicato. Foi lá que eu conheci a maior parte da diretoria do sindicato, conheci alguns que já se perderam no caminho, outros que não estão mais no sindicato e outros que fizeram a história, como Djalma, Devanir Ribeiro, como o próprio Lula; o Severino, que depois não ficou, o Expedito Soares, que era... O Mané Anísio, que era dessa geração de 79 da diretoria do sindicato.
Eu me lembro que em 79 eu estava falando mal de um cara numa das… Nesse congresso em Poços de Caldas nós estávamos dentro de uma sala, porque era dividido em grupo, e eu estava falando mal de um cara que eu não conhecia. Estava numa eloquência, um negócio de inflamar, né, falando mal de um cara chamado Jorge Norma, que era representante da relação internacional e que naquele período - não sei nem as centrais não existiam - era do sindicato de Belo Horizonte, de Contagem, da Federação de Minas Gerais. Nós estamos falando mal lá mais pela relação que o cara tinha, porque o cara distribuiu brinde nesse congresso; eu estou falando mal do cara e o cara estava do meu lado, quando me apresentaram depois (risos) o tal do Jorge Norma. Mas foi engraçado, pra mim foi engraçado porque eu estava falando mal. Se você fala mal de uma pessoa sabendo que ela está ali você faz um outro tipo de intervenção, se você fala mal sabendo que ela não está lá... Não sabia, ______ .
Foi aí que nós... O grande debate em 79, que era a anistia ampla e irrestrita, lembra disso? Esse foi o grande debate naquele congresso de Poços de Caldas. E ali também marcou uma posição do sindicato de São Bernardo, que era o Alemão, o Osmarzinho, e que era o pessoal [do] Lula. Ali se definiu nas argumentações, nas posições políticas. Eu, que estava chegando, me lembro que o Lula me chamou pra tomar um café da manhã muito cedo com ele. O congresso começava às oito, oito e meia, e ele me fez levantar às seis horas da manhã pra tomar um café com ele e me contar um pouco da história do sindicato. E eu perguntava pra ele: “Pô, mas você confia no Alemão, confia no...” – o Osmarzinho. Até que a gente não tinha muita divergência com o Osmarzinho e nem muita desconfiança. E eu perguntava pro Lula: “Pô, mas você confia no Alemão?” E ele falou assim: “Olha, não se trata de confiar. Você vai aprender isso na sua vida. Trata-se de conviver e eu sei quem são, eu sei o que é...” Foi ali, nesse debate, que a gente aprendeu um pouquinho também. Ficamos um bom período lá, houve divergências com a nossa diretoria, mas ela estava coesa na chamada anistia ampla e irrestrita, porque outras queriam anistia, mas não ampla e irrestrita. Esse foi o grande debate do congresso. E eleger a nova direção da Federação Nacional - se eu não me engano na Federação Nacional. Houve um rompimento do pessoal de São Bernardo do Campo e nós saímos da federação nesse período. Foi meu primeiro congresso, em 79, Poços de Caldas.
P/2 – Do congresso do sindicato em 78 você não participou?
R – Não participei do congresso em 78. Daí pra frente eu participei em todos os congressos, mas até ali não, não tinha participado. Fui participar desse congresso em Poços de Caldas, que era um congresso de todo mundo. Congresso daquele tempo que não tinha central sindical, mas tinha os sindicatos.
Lembro que o João Lins estava conosco. Naquele período, fazia parte do grupo do ABC o João Lins, o Expedito, de Santo André - desculpe: era Lula, de São Bernardo, e Benedito Marcílio, de Santo André, e João Lins de São Caetano, que era o trio do ABC que se posicionava com _______ de uma posição unitária contra os outros do Brasil inteiro. E ali eu conheci o que era pelego, o que era autêntico, o que era... E _____ viveu aqueles três, quatro dias em Poços de Caldas que pra mim foi muito bom, foi um grande aprendizado na minha vida.
P/2 – E a greve de 79, como é que você a viu?
R – Olha, eu vi uma coisa que era assustadora no início. Porque a coisa acontecia só na organização, porque era: “Olha, vamos fazer.” E a coisa acontecia. Eu lembro que nós saímos pra fazer piquete, alguns companheiros da ferramentaria de noite. Você não precisava fazer piquete, você parava alguns ônibus e o pessoal já descia, já ajudava a fazer piquete. Já empurrava – não empurrar pessoa, não, mas empurrava o movimento pra frente. Na minha opinião foi a coisa mais fantástica que aconteceu, porque foi espontânea. E ela foi demorando, foi indo. 78, 79.
[Em] 79 então a coisa foi fantástica, porque nós fazíamos reunião na igreja. Fazíamos reunião eu e o Natal, que naquele período ainda trabalhava na Volks. Convocávamos o pessoal da Vila das Mercedes pra igreja lá da vila. Fazíamos reunião lá, fazíamos reunião ali no Alto do Ipiranga, no Sião, quer dizer, em todas as igrejas a gente ia fazer reunião e ia conversar com o pessoal pra dar continuidade ao movimento. E sem ter… Como é que fala? Sem ter diretor do sindicato presente.
Não me lembro de diretor do sindicato presente nessas reuniões. Depois sim, quando viemos aqui pra Santo André já tinha alguns diretores da safra nova, que já estavam entrando no sindicato, já estavam mais próximos do sindicato. Mas nesse período quem faz as reuniões eram os militantes. “E agora vamos dar continuidade. O cara do sindicato diz isso, a informação do sindicato dá isso.”
E as greves do… E as assembleias da Vila Euclides, que eram o grande termômetro - na verdade, eram a grande orientação. Eu me lembro que numa das greves de 80 na Vila Euclides eu fui um dos oradores. A comissão de mobilização sempre tirava um pra falar. A comissão - aliás, não chamavam de comissão de mobilização, chamavam de comissão de salário - sempre tirava um pra falar e eu fui um dos oradores naquela na Vila Euclides. Não sei nem o que falei, nem me lembro bem o que ou como falei. Sei que fui um dos oradores, onde as manifestações aconteciam muito fortes.
P/2 – Lá de 79, teve aquela trégua e depois ________ .
R – É isso que eu ia dizer. Na trégua que aconteceu em 79 houve algumas pessoas na ferramentaria que não concordavam com a trégua e se revoltaram. Acharam que o sindicato tinha se vendido, que a diretoria do sindicato não devia ter dado a trégua, que devia ter continuado. Mas isso era muito pouco, foram uns três ou quatro. Lembro [que há] pouco tempo conheci esses companheiros e que houve alguma resistência. E não só lá, na assembleia mesmo do sindicato houve bastante gente resistente à trégua do sindicato, inclusive com crítica muito forte à diretoria do sindicato. Então o início da greve de 79 foi um negócio marcante; o término, a parada da greve de 79 também foi marcante. Por que? Porque ela iniciou forte, muito mobilizada, muito organizada, sem ter essa organização do sindicato, mas era a organização dos próprios trabalhadores e, de repente, na parada, na trégua, ela teve uma reação também forte de parte da categoria contra a trégua e contra a diretoria do sindicato. A volta foi mais difícil, _______, a continuidade da greve.
Ela foi difícil no começo, mas foi num crescente que virou um sucesso total. Ela foi num crescente que ninguém queria voltar mais a trabalhar, a não ser com salário, com a porcentagem que nós estávamos reivindicando nesse período. Eu acho que pra mim foi a melhor coisa que aconteceu foi 78, 79.
Depois veio a greve de 80. Foi outra coisa fantástica. A Vila Euclides era pequena pra todos nós. Veio o 1o de maio de 80 - se eu não me engano, foi no 1o de maio de 80 a grande manifestação, na minha opinião. [Para] quem estava em São Paulo era difícil chegar na região do ABC porque a Via Anchieta estava bloqueada pela Polícia Rodoviária pra não deixar chegar. Quem sabia as outras ruas pra chegar no ABC, vinha pela [Rua] Vergueiro, por São Caetano, por Santo André. Mesmo assim, não conseguiram evitar que o povo chegasse ao ABC, na igreja Matriz.
Inicialmente, nos concentramos na igreja Matriz, depois fomos pro estádio. Não tenho certeza, mas eu acho que é isso. Foi isso mesmo, os helicópteros em cima... Isso foi um negócio marcante pra mim. Foi em 79, 80, né? Acho que foi em 80 que foi um negócio...
Aliás, Bargas, eu vi um negócio recentemente - não tão recentemente assim. Eu fui à Coreia. Rapaz, eu vi exatamente o período de 80 na Coreia. A manifestação dos coreanos na fábrica da Hyundai e na outra fábrica de veículos que tinham lá, o helicóptero em cima, a porrada cantando embaixo. Eu me via; lá na Coreia [foi] a mesma reação que estava em 1980 em São Bernardo. Impressionante. Se nós pudéssemos pegar o filme da Coreia e comparar com o filme de São Bernardo de 80 você vai ver que são culturas diferentes, realidades diferentes, mas as mobilizações muito semelhantes, na mesma forma que aconteceram. Diretores presos, helicópteros em cima, pressionando, os militares na rua. Enfim, eu acho que [teve] muita semelhança [de] um lugar pro outro.
P/2 – Depois da greve de 80, pela sua intervenção, como é que… Tem uma história que você foi convidado pra participar do Grupo 16 e não pôde participar....
R – Não, eu participei do Grupo 16, fui chamado pra participar do Grupo 16. Era um negócio fantástico. Mas eu fui convidado; depois da intervenção, eu fui convidado pra ir pra diretoria do sindicato por algumas pessoas que me conheciam, indicado pelo Ratinho, pelo Venâncio, pelo Djalma, por outros companheiros. Eu não me lembro se também pelo Bargas, mas eu fui indicado pra assumir a presidência do sindicato. Mas eu não fui, foi o Meneghelli que foi presidente do sindicato.
Eu acho que o motivo principal era o motivo familiar, a minha mulher me pressionou muito. Eu acho que nesse período eu vacilei, também o vacilo foi mais meu, mas eu fui muito pressionado pela minha mulher dizendo que não aceitava ir pro sindicato, que ia se suicidar, uma série de coisas, aí eu fraquejei e acabei não indo pro sindicato. Mas eu estava sendo indicado pra ser presidente do sindicato, pra assumir o lugar do Lula - não do Lula, mas era intervenção, precisava de mudança. Eu não fui pro sindicato, aí nós acabamos indicando o companheiro Meneghelli pra ser presidente do sindicato. Acho que foi um grande vacilo, [de] nesse período eu não ter ido pro sindicato. Só fui depois de 1983, pra diretoria do sindicato.
P/3 – Mas aquele processo da comissão de fábrica da Ford, como é que você atuou nesse processo, na conquista da comissão e da própria comissão? Você participou dela?
R – A comissão de fábrica da Ford foi conquistada numa greve, numa luta. Nós fomos… Foram demitidos, se eu não me engano, onze trabalhadores, onze ou treze. Foram demitidos e nós paralisamos a fábrica pra discutir isso com a companhia. Nesse período é que nós conquistamos a comissão de fábrica, foi [em] 1980 que nós conquistamos a comissão de fábrica da Ford. Primeiro provisoriamente, entraram alguns companheiros provisórios, e depois definitivamente, que foi numa luta. Não voltaram os onze companheiros, voltou uma parte dos onze, mas uma das grandes conquistas foi a organização dos trabalhadores no local de fábrica. Na nossa opinião, já existia aí um outro tipo de incentivo, já havia perspectiva de uma nova organização, que eram os companheiros, porque o sindicato, nesse período, era um sindicato de agitação, de mobilização, mas não era muito de organização. Então nesse período, já começa a [se] pensar nas organizações dentro da fábrica, de uma outra forma de organização, uma outra forma de sindicato, e que vai surgir das comissões de fábrica nesse período.
Já tínhamos a comissão de fábrica da Volkswagen, mas era implantada pela própria Volkswagen. Se eu não me engano, tinha da Scania também, implantada pela Scania, mas a primeira mesmo, que surge de fato na luta pela organização e pela própria organização do sindicato é a comissão de fábrica da Ford.
P/2 – Você participou dessa comissão provisória?
R – Eu participei na organização, não na direção da comissão provisória. Da comissão provisória participaram dois companheiros que depois viraram gerentes da fábrica. (risos) O Ermelindo e o Rondini, que viraram gerentes da fábrica depois, também eram da ferramentaria, e nós, que éramos mais, vamos dizer, agitadores, achávamos que nós não devíamos estar naquela, na comissão provisória. Porque a comissão provisória, se eu não me engano, eram quatro ou cinco, era uma comissão menor e foram esses companheiros que participaram.
Eu só entrei na comissão definida mesmo, na definitiva, que foi [na] eleição logo após a comissão provisória. Mas no estatuto da comissão - eu discuti o estatuto, nós discutimos a implantação da comissão provisória, o primeiro estatuto de fábrica nós discutimos. Já tinha aí uma, vamos dizer, bagagem de experiência, que [se] podia fazer essas discussões com a fábrica.
Na nossa primeira comissão de fábrica também entraram companheiros que num período… Eu não sei eu sou muito fordiano, mas a Ford sempre teve bons quadros. Eu citei alguns antes de eu entrar lá, diversos outros companheiros que passaram pela fábrica antes de 1967. Na nossa entrada eu citei alguns mais organizados, outros que sindicalizavam mais, e depois desse período de 67 ela teve grandes quadros lá. Podemos contar aqui, vamos encher as duas mãos pra dizer quem eram [os] quadros de primeira linha no sindicato. Januário, Feijó, Zé Preto, que organizava, o Betão, enfim, tinha uma infinidade. Fora esses, que foram da comissão, que chegaram ao sindicato, você tinha uma imensidade de companheiros que você podia escolher pra vir pro sindicato do ABC naquele período, pro sindicato de São Bernardo. Então a Ford sempre teve uma grande militância, uma grande atuação, uma grande mobilização e organização interna. Nessa comissão de fábrica, na verdade, ficaram alguns companheiros organizados; esses dois que eu citei que ficaram, que era da comissão provisória, não estiveram na comissão definitiva. Aliás, nenhum - só um deles esteve na comissão definitiva, todos os outros só estiveram na comissão provisória. Na comissão definitiva entraram essas pessoas que eu fiz o comentário, inclusive eu; já passei a ser parte, coordenador da comissão de fábrica, como secretário geral da comissão e fazendo parte da coordenação da comissão. E uma comissão muito forte.
Eu lembro que um período, Bargas, a gente organizava tanto, discutia tanto e mobilizava tanto que nós marcamos uma reunião com o Lula. Aí o nosso companheiro Betão, nessa reunião com o Lula: “Não dá mais, pô, não temos mais nada que organizar, não temos mais nada que reivindicar.” Aí o Lula falou: “Ah, não tem?” “Não.” “Já reivindicaram papel higiênico, já reivindicaram papel toalha, já reivindicaram pãozinho?” “Já.” “E a organização dos trabalhadores, como é que está? E o salário?” Aí que nós fomos perceber que o que nós estávamos fazendo era um negócio de agitação demais, de organização. Porque nós tínhamos que saber qual era a produção da linha, qual era o material, quais eram as empresas que podiam, que eram os fornecedores da companhia; tinha tanta coisa pra fazer que a gente achava que estava com o domínio da fábrica total. E com essa conversa com o Lula: “Ah, vocês só estão reivindicando bobagem. Vocês só estão reivindicando papel higiênico, pãozinho e guardanapo, rapaz. Na hora que vocês tiverem a fábrica na mão quero saber qual é a produção, qual é a linha, qual é o fornecedor, qual é a velocidade da linha. Vocês sabem tudo isso?”
O Betão, que tinha uma mania (risos) de passar o dedo no bigode, falou: “Pô, acho que a gente não fez nada disso.” Aí voltamos pra fazer outros tipos. E aí nós começamos realmente a saber qual era a velocidade da linha, qual era o tipo de produção, quais eram os fornecedores. Era o papel da comissão, que é o sindicato dentro da empresa pré-informal, o sindicato da sua organização local. Então a comissão nesse período já tinha uma outra intervenção. Tinha o Bargas que orientava mais, o Paulo Okamotto nesse período. Tinha uma período que [a gente] pensava mais no que era organização no local de fábrica. Nesse período, Bargas, você lembra que nós estávamos na greve dentro da fábrica e em piquete, fechando os portões. (risos) Isso é engraçado.
P/2 – A greve foi em 82, não foi?
R – 82. Porque o último ano que nós não fizemos greve foi em 81. Aliás, da categoria dá pra contar no dedo quais foram as fábricas que fizeram greve em 81. E em 82 o Bargas, o Meneghelli, esse povo todo tinha entrado recentemente na diretoria do sindicato e nós estamos num piquete violento - não violento, eu digo organizado em todos os setores da fábrica. A polícia dizendo que vai entrar, que não sei quê...
P/2 – Não, diziam pro pessoal não sair, não é?
R – É, e nós tomamos todos os portões pra que ninguém saísse. Ninguém entrava, entrava quem a gente queria, mas quem entrava não saía mais. Então era diretor da companhia, era o presidente da companhia que estava lá dentro, não saíam, ninguém saía.
Nós estávamos nos portões, tomando conta. E o Bargas com um fusquinha que conseguiu entrar dentro da fábrica, um Fusca branco. Naquele tempo o sindicato tinha aqueles Fuscas brancos, rodando dentro da fábrica. “E como está lá a portaria tal?”, organizando. E falei “Olha, deixa”...
A portaria central da fábrica era a portaria do Taboão, hoje mudou. E nós estávamos numa outra portaria, que era a da Via Anchieta. Por quê? Nós estávamos preocupados em reforçar aquela porque era ali que poderia chegar o Batalhão de Choque pra entrar. Nós reforçamos duas portarias porque todo o povo se concentrava mais nessa portaria do Taboão, então nós reforçamos com militantes duas saídas, a saída da Via Anchieta e uma saída numa chácara, que era numa outra parte da Ford.
Bom, qual foi a nossa surpresa? É que fizeram uma assembleia lá em cima. Fomos lá porque essa parte que vai pra Via Anchieta é uma parte de baixo da fábrica; na parte de cima, no lado Taboão, estava se fazendo uma assembleia pra acabar a greve. Ora, nós ficamos muito putos, muito raivosos lá na… “Pô, nós estamos aqui, sem sermos ouvidos, e o Meneghelli vai acabar com a greve?! A diretoria...” Foi a primeira discussão que nós tivemos. Eu peguei o Bargas, quase engoli o Bargas, xinguei pra caramba: “Pô, nós estamos aqui, os portões fechados, com pedras, com tudo!” Imagina lá, com pedras, os caras chegavam de bomba, com gás. Era brincadeira? Mas nós estávamos ali, achando que íamos enfrentar os caras. Quando nós subimos pra essa parte, o Meneghelli estava fazendo uma assembleia em cima do Fusquinha, e aquele povo todo ali pra acabar com a coisa. (risos) Um cara da fábrica chamado Ademar Feiteiro, que era do departamento pessoal da fábrica, da relação trabalhista, grita lá do vitrô: “Ô Meneghelli! Propõe isso!” Eu não me lembro nem bem o que ele estava propondo, não sei se o Bargas lembra. “Olha, propõe isso porque vai ajudar!” (risos) Poxa, foi uma vaia! Porque não era o cara da empresa que tem que orientar o cara do sindicato a fazer assembleia! (risos)
Bom, eu sei que essa greve acabou dando problema pra nós também, pra depois acertar. Saímos dali depois dessa greve [e] fomos entregar o mandato da nossa comissão de fábrica. E o Bargas é que foi o mediador dessa reunião. (risos) O diretor que estava lá pra atender a comissão de fábrica. Chegamos lá muito putos: Januário, eu, Feijó, Bagaço, Betão, os mais malucos que tinha lá na fábrica, vamos dizer assim, e mais um grupo muito forte. “Nós viemos entregar a carteirinha de comissão de fábrica aqui. Não queremos mais ser comissão de fábrica, porque não fomos ouvidos pelo sindicato.” E mais uma vez o Bargas tomou todos os zingos lá na... Mas com habilidade falou: “Mas isso sempre acontece, pô, não é sempre assim? O povo estava lá em cima, nós tivemos que fazer assembleia.” Eu lembro até hoje que o Bargas disse “Quer saber mais? O mandato não é de vocês, o mandato é da peãozada. Se vocês quiserem entregar não é pro sindicato que vai ter que entregar, é pra peãozada na assembleia.”
Bom, saímos dali. O Bar da Rosa sempre foi um bom local de reflexão; passamos no Bar da Rosa, tomamos umas cachaças e umas cervejinhas. No outro dia, nós não queríamos sair mais da comissão, ficamos na comissão.
Foram dois períodos, Bargas, que nós nos ferramos. Um foi com greve, o outro foi com a Copa do Mundo, também em 80. Copa do Mundo em 80, 82, né? Desculpe, 82. Eu, como achava que jogava bola, que entendia tudo - tinha outros que também jogavam bola e entendia tudo, o Paulo Futema, japonês - bom, todos nós achamos que fizemos o melhor pra fábrica, que era: “Vamos assistir os jogos e os dias de compensar nós acertamos com a fábrica.” Esquecemos de um detalhe: tinha que consultar os trabalhadores, pô. Podia ser o melhor pra nós, mas a gente tinha que consultá-los. Quando nós fomos falar na fábrica que nós tínhamos feito já um acerto com a fábrica de assistir os jogos pra compensar depois, aquilo foi um perereco pra nós. Nego xingou a gente, achava que nós não éramos donos do entender da peãozada.
Putz, foi o pior momento que nós passamos, porque o outro foi de greve, de mobilização, de organização, de conscientização. O outro não, o outro era esporte e a gente achava que estava fazendo o maior bem pra todos os trabalhadores. Não consultamos e aí a peãozada não concordava, mesmo pra pior. Mudaram todos os dias e nós, de novo, baqueamos como comissão de fábrica. “Pô, será que a gente não acerta mais? Na hora da greve o sindicato, a gente discute, agora...” Esse foi um aprendizado fantástico, porque eu tinha certeza que aquilo que nós estávamos fazendo pra peãozada ver e jogo e pra compensar depois era o melhor. Só que nós tínhamos que falar pra eles, pô, que era o melhor. Tinha que consultá-los, [a gente] não era o dono da verdade, o dono da situação.
Foi [um] período gostoso, [um] período [em] que a gente foi aprendendo, tanto na organização como sindicato como na organização dos próprios trabalhadores.
P/2 – Aí veio a intervenção de 83.
R – É, depois veio a intervenção do sindicato mais uma vez, mais uma intervenção. Essa intervenção foi um negócio... (risos) Entrou um cara chamado Osvaldo, que era interventor do sindicato; nós combinamos na categoria de cada semana ir uma comissão de fábrica ao sindicato e levar alguns militantes pra encher o saco desse interventor. Esse interventor, ele era um baixinho, magrinho, branquinho, meio vermelhinho; toda vez que nós íamos conversar ele ficava muito nervoso, muito transfigurado. Ele ficava tão vermelho que não segurava. Por quê? Porque ele era um interventor, mas não tinha experiência de diálogo com ninguém.
Bom, eu lembro que uma vez nós fomos lá, parte da comissão e parte de alguns militantes, e entramos na sala dele. Estava fechada; a sala continua sendo a mesma porque é da presidência até hoje - passou pelo Lula, Vicentinho, por mim, pelo Meneghelli e agora pelo Marinho, a sala da presidência sempre foi ali. Nós subimos ao primeiro andar; tinha uma espécie de segurança, mas não tanta, acho que eles não previam isso. Nós entramos pra sala desse tal de Osvaldinho interventor, batemos e entramos já. E ele estava lá. “Nós viemos falar com você porque nós queremos o fim dessa intervenção. Nós somos da categoria, somos trabalhadores da Ford.”
Era um negócio combinado, cada dia alguém ir lá fazer isso. Esse Osvaldinho, depois de um certo tempo, abaixou a cabeça e ficou assinando uns cheques do sindicato, aí não sei quem de nós chutou a mesa e falou: “Você vai prestar atenção em nós ou vai continuar assinando cheque aí?” “Não, mas o cheque é dos trabalhadores”, “Não interessa, você tem que prestar atenção na gente!” Ele tremia, mas tremia assim: “Não, eu vou ficar aqui um período, isso aqui é de vocês.” “Bom, se é nosso então você entrega, para, vai embora.” Todo dia a gente cismava de fazer isso. E ele mesmo falava: “Olha, eu não aguento mais, eu quero ir embora daqui”, até que acabou indo embora do sindicato, por causa da intervenção.
Eu acho que essa é a intervenção que nós participamos mais, porque [em] todas elas nós tínhamos ali o chamado “Olha nós aqui outra vez”, que era a sala em frente. E que participavam muito. Eu lembro de uma reunião - tem inclusive uma foto no sindicato, e ali também foi o fundo de greve, ali nasceu a...
Nós estávamos numa reunião, e naquele tempo [era] o seguinte: antes da reunião nós passávamos na Rosa e depois da reunião nós passávamos na Rosa ou no bar do Gordo, tomava algumas. Tinha um companheiro chamado Pedrão, que trabalhava na Mercedes Benz; [ele] apareceu com uma tartaruguinha bem pequenininha… Foi também o período depois da gente fazer a greve da tartaruga. Apareceu [com] uma tartaruguinha, pôs no chão e deitou; aquela tartaruga entrou na boca dele. (risos) Tiraram uma foto com meia tartaruga meia dentro da boca e meia fora, um barato mesmo. (risos)
Ali a gente programava os atos que a gente ia fazer contra a intervenção - não só contra, mas pela mobilização de continuar organizada a categoria. Mas foi um período legal.
É claro que eu não contei aí porque acho que o Lula deve ter contado, outros companheiros contaram o início do fundo de greve, que foi o período de 78 e 79. Eu também fui um dos primeiros diretores do fundo de greve. A solidariedade era muito grande naquele período, as pessoas mandavam a sacolinha de alimento. A primeira reunião nós fizemos na torre da igreja. Essa reunião na torre da igreja, dos 16, o pessoal [estava] preso. A polícia, procurando todo mundo que dava continuidade [à] greve. Nós estamos na torre da igreja, quando o Alemão disse: “Bom, se a polícia fechar embaixo, acabou a greve.” Estávamos na torre da igreja, era prender todo mundo na maior facilidade. Depois fizemos esse recolhimento, distribuição de alimento no salão da igreja.
Acho que foi um período do fundo de greve, [do] nascimento das comissões de fábrica que depois foram sendo criadas. Algumas empresas, hoje, destruíram totalmente as comissões de fábrica; a da Ford foi destruída parcialmente, sobrou dois… Depois recuperou e hoje tem de novo. Mas eu lembro da [MetaIúrgica] Injecta, acabou de uma… As comissões das empresas menores acabaram definitivamente, a repressão foi muito forte. Enfim, eu acho que foi uma parte gostosa da organização, dos trabalhadores.
Na minha opinião, era um período difícil de fazer movimento sindical. Hoje eu tenho feito crítica a alguns companheiros de outras regiões, que não conseguem distribuir o material do sindicato na porta da fábrica ou dentro da fábrica. Como se acha que no ABC foi tudo fácil. Não foi fácil. Nessa época da ditadura, antes dos anos 78 e 80, [a gente] entrava com material debaixo da roupa pra poder distribuir. Nesse período da ditadura foi difícil, porque você conquistou não só as comissões de fábrica, mas salário, organização, porrada. Então eu tenho dito assim, que nada foi de graça. E foi num período difícil, [um] período de transição que era aquilo que eu disse agora há pouco, um sindicato mais agitador, mais mobilizador do que um sindicato organizativo. Depois vem um período que continua, eu acho que hoje menos agitador, mais organizador e mobilizador e que vai mudando; a conjuntura muda e você vai mudando, pra cada vez mais organizar.
Nós enfrentamos um período difícil, um período da ditadura militar que foi de confronto, da nova realidade do sindicato. De o sindicato, depois de uma realidade de confronto com as empresas, de mais aceitação do lado das empresas, da entrega de material, das comissões de fábrica… Porque não ia viver constantemente no confronto, já sabiam disso, e hoje é mais relativo. Aí [falam]: “No ABC é mais fácil porque vocês tem as comissões de fábrica ____.” É claro, mas elas foram conquistadas, né? Elas foram...
(pausa)
P/2 – No final da intervenção de 83 pra 84 é constituída uma nova chapa e você vai fazer parte dessa chapa. Como é que você foi convidado?
R – Como eu disse, eu tinha sido convidado pra fazer parte da outra chapa, pra presidência. Não aceitei por vacilo, problema pessoal. Aí fui na outra gestão, a de 83-84, fui convidado também por outros companheiros, entre eles o Bargas, o (Paulo Okamotto, o próprio Meneghelli, que já estava no sindicato, Vicentinho. Fui pro sindicato, encarei aquilo que eu não tinha encarado antes também por problemas na família, uma série de coisas, e fui ser secretário geral do sindicato, na secretaria geral.
P/3 – O que você esperava realizar quando você entrou pra ser...?
R – Olha, vou te dizer uma coisa. Eu, quando fui pro sindicato, claro que eu já fui muito mais maduro. Eu já tinha vivido os grandes momentos do sindicato. É claro que você vai com esperança de poder dar de si tudo que é melhor, né?
Nós passamos um período de 84 tentando organizar mais o sindicato, [no] período [em] que começou a crescer o número de comissões de fábrica da organização dentro das fábricas. Fizemos um programa de conquistar cada vez mais comissões de fábrica, de fábricas de mil trabalhadores pra cima; de investir mais em fazer a organização; de investir numa coisa que os patrões começaram a chamar de perigosa naquele período, que era o CIPA, o cipeiro e o cipetista, porque os patrões começavam falar que quando o cara passava de CIPA pra cipista era perigoso e quando passava pra cipetista era mais perigoso ainda. Então começamos dentro do sindicato a fazer uma formação.
Eu tenho ainda crítica à formação do sindicato, acho que ela não é boa até hoje, mas ela é uma das melhores que tem. Começamos a jogar mais na organização, na formação das pessoas, fazer uma grade entre o DIEESE, entre a formação, os cipeiros, pra que você pudesse ter uma escola e isso tem uma contribuição muito grande.
Mas o sonho de ir pro sindicato é que você pensa que vai transformar tudo de uma vez: “Bom, agora...”, e não consegue. No sindicato você não é o dono, não é o patrão, entendeu? Lá você depende de assembleia, você depende de consulta, você tem uma diretoria toda, um coletivo pra decidir. Não é um cara que numa fábrica manda aquele embora, troca secretária, a produção. Não, o sindicato é coletivo, democracia, então você tem que discutir com as pessoas pra poder fazer isso, pra poder fazer aquilo.
Acho que nós discutimos na minha… Nesse período da secretaria eu lembro até hoje que com o Bargas e com o Rainho [aconteceu] o primeiro congresso diferente da nossa categoria. Era um congresso [em] que primeiro você distribuía as teses, ficava um período discutindo pra depois você fazer o congresso. Hoje está cada vez mais se aperfeiçoando isso; nesse período, nós começamos a implantar isso dentro do sindicato.
Eu acho que 1985 – e eu insisto nisso – é a grande história da organização dos trabalhadores na conquista da redução da jornada de trabalho. Em 85 nós fizemos mais de cinquenta dias de greve na região, mas nenhuma fábrica ficou tantos dias - a que mais foi a Forjaria São Bernardo, 32 dias de greve. E nós conquistamos a redução da jornada de trabalho, algumas pra 48, quarenta horas, outras pra 42, 44... Nós fizemos uma grande burrada, que temos que reconhecer, em 85: a Ford já trabalhava 45 horas, nós paramos a Ford pra conquistar 44. (risos) Depois de ter parado, depois de alguns dias de greve nós falamos: “Pô, aí era discutir com a empresa, não precisava ter feito greve.” Mas fizemos. A primeira fábrica a fazer acordo de quarenta horas semanais conosco foi uma fábrica chamado Sumitomo, de Diadema. Nós fomos ver a fábrica; tinha vinte trabalhadores, no entanto era capital internacional, [de] origem internacional, era americana. Fizemos outros acordos de quarenta horas semanais, como uma empresa próxima da Ford que tem ali - eu estava com o nome dela agora e acabei de esquecer. Enfim, nós fizemos grandes acordos naquele período.
Bom, tomamos porrada? Claro que tomamos porrada. Perdemos alguns militantes? Verdade que perdemos alguns militantes, mas quando nós não perdemos militantes nas conquistas? Assim foi em 79, foi [em] 80, 82. 81 nós não fizemos greve e perdemos quase todo mundo. [Na] Mercedes Benz foram mais de seis mil demitidos e nós não fizemos greve! Até eu acho que a grande história do sindicato que tem passado despercebida foi a de 1985, porque ali foi a redução da jornada de trabalho, pô! Depois só virou lei em 87, na Constituição, que foi a redução da jornada de trabalho pra 40 horas semanais de 44. Então a nossa categoria, nesse período, foi 44, 42 e 40. Ninguém trabalhava mais do que 44 horas; só virou lei depois.
Eu acho que esse período foi um período muito forte e de muita organização. Nós tínhamos bastante comissões de fábrica, fábricas que eu já citei aqui que paralisaram por um bom período e queriam continuar mais, mas a tática do sindicato não era ficar cinquenta dias [com] uma fábrica só parada, era ver até onde dava. Eu acho que 85 marcou uma boa história no sindicato e do país, porque foi a redução da jornada de trabalho de fato na luta, que só virou lei depois.
P/2 – Você ficou três anos como secretário geral, depois você foi reeleito numa nova...
R – É, eu fui secretário geral do sindicato, fui vice-presidente do sindicato...
P/2 – Um mandato?
R – Um mandato. E depois eu fui vice-presidente do sindicato. Na saída do Vicentinho, substituí o Vicentinho como presidente do sindicato por dois anos e alguma coisa.
P/2 – Essa primeira vice-presidência no seu segundo mandato, como é que foi, o que teve de importante aí?
R – Na verdade, eu tinha dito ali o seguinte, que era o peso que o sindicato estava jogando na organização interna das fábricas, que era as CIPAs, as comissões de fábrica e era descobrir militantes. Acho que continua o papel da vice-presidência e, na verdade, todo o coletivo da diretoria do sindicato, não era o papel ou do secretário geral ou da vice ou do presidente. Uma coisa que a gente jogou mais na organização nesse período também.
Foi um período difícil, porque foi um período em que nós já sofríamos uma queda bastante forte no emprego. Nesse período de 86, 88 nós já estávamos sofrendo, não havia [emprego]. Teve bons períodos na categoria que o ferramenteiro, o inspetor de qualidade ou o cara da manutenção, que tinha uma profissão, ele saía duma empresa e entrava na outra, porque a oferta era maior que a procura. E nós chegamos num período que a procura começou a ser muito maior do que a oferta, portanto as empresas estavam enxugando seu quadro, já estavam mudando as produções, uma série de coisas que começaram a diminuir. Esse efeito mesmo veio acontecer [em] 89, 90, que era o período [em] que eu já estava na vice-presidência. Com a entrada do Collor 90 foi um negócio desastroso, porque aí [houve] recessão profunda, a nossa categoria diminuiu bastante em número de trabalhadores, precisavam fazer outra coisa.
Nesse período que nós… Acho que foi um período um pouco fragilizado pro sindicato também. Por quê? Porque era uma mudança de produção, um novo _____ de produção, uma nova forma, entrando a tal da globalização devagar, os carros mundiais. A gente ficou um pouco – eu não diria desorganizado não, mas um pouco daquele: “Pô, o que é que nós vamos fazer nessa nova conjuntura, nessa nova forma de administração?”
Era um período também que eu também gosto de me referir quando eu vou argumentar com as pessoas, dizendo o seguinte: nós atravessamos três períodos, como nós estamos dizendo. O período da ditadura, o período depois da ditadura, [que] era um período [em que acontecia] o seguinte: “Bom, manda, intervém no sindicato.” Depois não, depois a intervenção não era no sindicato, a intervenção era “afastar pra apuração de falta grave.” E isso era muito difícil. Apuração de falta grave você não recebe, a carteira profissional está presa; é a mesma coisa de você ser preso e não estar sendo condenado. Pô, o pessoal todo da Ford sofreu muito com isso, e outros companheiros ______ da categoria; era afastado, era uma tal de intervenção.
Acho que [era] um pouco de orientação do Almir Pazzianoto, que já tinha ido pro governo - [foi] secretário aqui em São Paulo, depois no governo federal -, um pouco de orientação de dizer: “Olha, se intervier no sindicato os caras continuam fortes, os caras continuam organizados. Tem que intervir na organização que eles têm dentro da fábrica.” [Foi] um período difícil, terrível pra todos nós, porque você tinha muita gente afastada das empresas com a carteira profissional presa e afastada para apuração de falta grave, sem fazer a apuração que ia ser feita, como é que o cara fez a greve, como é que fez. E foi um período [em] que nós fizemos todos os tipos de greve: foi a “greve pipoca”, foi a “greve tartaruga”, foi a ‘greve vaca braba’, então você pegava...
P/2 – Teve uma greve que deu quebra-quebra na Ford, foi nesse segundo mandato?
R – Foi. Foi nesse mandato, que foi chamado “gola vermelha”. Essa história também é fantástica. Por quê?
Houve uma greve num setor localizado, que era dos especializados da fábrica, os profissionais: ferramentaria, manutenção, que eram chamados golas vermelhas. E a fábrica resolveu cortar o salário de todo mundo, não só dos golas vermelhas. Quando ela resolveu cortar o salário de todo mundo a gente falou: “Olha, o culpado de [não] pagar o salário de vocês é a fábrica, a fábrica que tem que pagar o salário. Vocês não estão trabalhando por um outro motivo, não é o motivo da greve. Quem está de greve aqui são só os golas vermelhas.”
Bom, fomos pro sindicato. Fizemos assembleia, uma assembleia muito dura, jogando todo o peso contra a fábrica, e fomos pro sindicato. Quando nós chegamos ao sindicato fomos procurados por um dos representantes da fábrica, porque naquele tempo já era AutoLatina, era a junção da Volkswagen na Ford. Nós fomos procurados pelo Domício, que era tipo um representante da Volkswagen e que depois dessa junção passou a ser o representante das duas empresas. Ele nos procurou para fazer um acordo.
Estamos fazendo esse acordo no Bar da Rosa quando toca o telefone. O Domício vai atender; diz o seguinte “Vem pra cá que tá pegando fogo.” Ele desliga o telefone e fala pra nós: “A fábrica tá pegando fogo.” “Pegando fogo nós sabemos, tá desde...” Mas aquele fogo a gente achava que era mobilização. Ele ficou completamente desfigurado, vermelho. Falou: “Não, tá pegando fogo mesmo, estão pondo fogo na fábrica, vocês são todos loucos!” e saiu. Nós fomos também, saímos dali pra ir pra fábrica.
O acordo estava praticamente pronto - aliás, estava pronto, era chegar lá e falar: “Temos acordo, está resolvido o problema.” Como isso aconteceu o acordo acabou ali, não existiu. Quando nós chegamos na fábrica, já tinha polícia pra todo lado, já tinha bombeiro, a fábrica estava cercada. Literalmente, ela tinha pegado fogo mesmo. (risos)
Agora o que o pessoal não conta: os trabalhadores são muito inteligentes. Eles tocaram fogo num pavilhão da fábrica que era de madeira, era um pavilhão velho, portanto tinha que ser. Hoje não tem mais esse pavilhão, virou ali um jardim. Porque era um negócio de madeira, um pavilhão velho que tinha ali na entrada do Taboão; a fábrica já queria tirar aquele negócio de lá, então [foi] somente aquilo. O patrimônio da fábrica não foi destruído, aquilo lá era um pavilhão de madeira, então foi destruído. E os carros que foram também destruídos não eram carros novos; eram carros de gerentes, de diretores da empresa, que foram destruídos. Essa história precisa contar direito, porque senão vão achar que destruíram todo o patrimônio da companhia, que tocaram fogo nos pavilhões; tocamos fogo nos pavilhões que já era pra tocar fogo mesmo, que estavam muito feios na fábrica e os carros de diretores da companhia. Mas [foi] engraçado, porque nós chegamos lá e o pessoal ainda estava encapuçado. A gente começou a esconder o pessoal: “Vai embora; você faz a barba, você corta o cabelo...” Começamos tirar todo mundo de dentro da fábrica, os companheiros que fizeram aquela mobilização. Mas o importante: a fábrica voltou a pagar os caras.
P/2 – Bom, Guiba, teve um conflito com a Ford. A Ford não queria negociar, fazia de conta que negociava, e teve um episódio de um gerente que baixou as calças. Como é que foi essa história?
R – Ah, rapaz, é verdade. Esse passagem é o seguinte: nós estávamos lá também de mobilização, também de greve. Foram procurar a gerente da fábrica e esse companheiro tem um trauma até hoje - [se] chama Paulo Futema, é um japonês, e o Laércio. O Paulo Futema era da comissão de fábrica e o Lárcio era da diretoria do sindicato. E foram procurar o chamado Admir Garcez, que hoje tem uma consultoria. O Admir Garcez, diz ele depois que quis dar um choque, de dizer pros dois companheiros que foram lá em cima: “Pô, o que vocês querem? Pô, vocês já pararam a fábrica, vocês querem a bunda também?” e abaixou a calça. E aquilo pro Paulo Futema foi um choque porque ele, [de] cultura japonesa, religioso, ficou com um ódio do tal de Garcez que até hoje não quer saber mais do cara. (risos) Mas foi uma abaixada de calça literalmente, o cara abaixou a calça: “Pô, o que eles querem mais?”
P/2 – Baixou e virou o bundão?
R – Virou o bundão pra todo mundo lá. Quando eles chegaram na fábrica pra contar isso pra nós, nós queríamos subir lá e… Deixa pra lá. Mas ali, eu acho que na fábrica já aconteceu de tudo, até abaixada de calça. (risos)
P/2 – Foi nesse mandato, nessa época que surgiu a ideia de criar um Departamento Nacional dos Metalúrgicos, como é que foi?
R – Na verdade [foi] o seguinte: a CUT, na sua fundação… Fundamos as centrais, mas não pensamos… Claro que isso também vem depois, nos âmbitos de atividades – metalúrgico, químico, bancário, não sei quê, e depois foram surgindo as organizações. Estatutariamente a CUT não previa de que forma os ramos iam se organizar.
Nós criamos o Departamento Nacional dos Metalúrgicos, eu fui pra presidência desse departamento. Na verdade era mais um colegiado, não era presidência, mas eu fui pra ser um dos coordenadores desse Departamento Nacional dos Metalúrgicos. Em 86, no Rio de Janeiro, no 2o Congresso da CUT no Rio de Janeiro, se discutiu um pouco do que se discute hoje, da nova organização do sindicato; lá se defendia se nós deveríamos permanecer com departamento metalúrgico ou com Confederação Nacional de Metalúrgicos.
Eu lembro que essa discussão eu fiz com Bargas, que está aqui presente, que já tinha uma experiência internacional naquele período: o que nós criaríamos ali? E depois o departamento, como é que nós iríamos fazer, era federação ou confederação? Discutimos juntos o seguinte: federação já existe, as tais federações oficiais, as federações já pelegas, tradicionais. Quando nós criamos o departamento pensamos nisso também, porque ia confundir com as federações oficiais, e nós criamos o departamento. Na transformação também voltamos a discutir isso e achamos melhor criar uma Confederação Nacional dos Metalúrgicos; foi concretizado isso numa discussão num congresso no Rio de Janeiro em 86. Nós viemos depois concretizar isso também no congresso da confederação, do departamento que aí virou confederação também no Rio de Janeiro, lá na Universidade da Ilha do Fundão, em que nós transformamos ali de Departamento a Confederação Nacional dos Metalúrgicos.
Portanto foi essa a passagem, e eu tenho vivido no sindicato e na confederação desde esse período. Agora estamos discutindo o sindicato nacional, que é um pouco do mesmo modelo que a gente já discutia lá atrás: qual é a organização que nós queremos dentro da fábrica, se é organização do portão da fábrica pra fora ou se é organização também do portão da fábrica pra dentro. É essa organização que nós estamos percorrendo. Eu lembro que no Rio de Janeiro nós discutimos o seguinte: porque não transformar as CIPAs e comissões numa única organização? Como é em outros países, em outra organização? Nós só conseguimos numa empresa no ABC, que foi a Scania - também foi no meu período de vice-presidência. Agora estamos aí transformando outra, a Ford vai ser agora. No ano 2000 vai ser transformada também em SUR porque nós achamos que o Sistema Único de Representação é que pode representar tanto a segurança, higiene de trabalho, como a organização dos trabalhadores. Então foi nesse período, Bargas, eu também acho de 84 a 86 que nós discutimos - o período da organização, da confederação, do departamento. Aí foram surgindo outros; foi surgindo o departamento dos bancários, o departamento dos químicos… Depois se transformaram em federações, confederações, que era um pouco da organização que nós queríamos e um modelo que já existia.
P/2 – Bom, aí você foi pro terceiro mandato ainda como vice-presidente, mas você teve uma parte desse mandato como presidente. Como é que foi isso?
R – Eu fui, nós fomos para o terceiro mandato na vice-presidência do sindicato. Foi o período [em] que nós fizemos a unificação do sindicato, Santo André e São Bernardo que transformou no Sindicato Metalúrgico do ABC e tal; teve alguns problemas que aí nós podemos um outro momento dizer - da unificação, o que aconteceu.
Na minha opinião foi muito importante, foi muito marcante. Ela podia ter sido um pouco mais vagarosa, mais conscientizada, mas acho que foi importante. Os erros e os acertos que foram feitos, acho que contribuíram bastante para a organização, mesmo agora, com a separação.
Discutia-se então a saída do Vicentinho do sindicato pra assumir a presidência da CUT nacional no lugar do Meneghelli, e nós estávamos praticamente há um ano de mandato no sindicato. Havia três candidatos pra assumir essa vaga que era do Vicentinho: a minha, a do Marinho e a do Martinha, que era do sindicato de Santo André - na junção, ficamos juntos. Numa discussão que aconteceu em Cajamar eu reivindicava ser a continuidade da presidência no sindicato, o Marinho também reivindicava e o Martinha também. Eu reivindicava, porque achava que poderia ser presidente desse período, porque é um sonho de todo mundo ser presidente do sindicato e eu tinha perdido a oportunidade lá atrás, quando eu fui chamado… Então achava que era um período pra mim, quando sair do sindicato, [de] tomar uma outra direção, ser presidente, nesse período. Conversei isso com o Marinho, conversei isso com outros companheiros que concordaram e eu já me propunha a ser presidente naquele período e depois não disputar a presidência do sindicato.
Assim foi feito. Eu fui presidente naquele período, um mandato, substituindo o companheiro Vicentinho; na próxima eleição foi o companheiro Marinho, que continua agora na sua segunda gestão. Porque eu também fiz uma opção, achei que era a opção que alguém devia ter feito - não que alguém, mas que eu, que tinha mais experiência de estar no departamento, na federação e na confederação podia assumir, que era a prioridade de fazer com que a confederação fosse referência dos trabalhadores no Brasil - até então não era, né? A confederação era muito mais aquela que passava o chapéu [para] os sindicatos grandes pra poder viver. Então eu falei: “Bom, nós precisamos fazer de uma confederação a referência dos trabalhadores.”
Fiz essa opção e acho que fiz uma opção certa. Hoje a confederação é a referência dos trabalhadores, não passa mais chapéu nos sindicatos porque tem a sua própria estrutura e sua organização. É um pouco do que a gente sonhava pra central: a central tem que ser a referência pros sindicatos, não os sindicatos serem a referência pra central sindical. Fiz a opção certa e fui pra confederação.
Continuo sendo o diretor do sindicato dos metalúrgicos do ABC, hoje no conselho sindical de empresa, pela Ford. Quanto essa organização toda me deu, desde aquela origem da igreja, passando por algumas dificuldades nas empresas… Essa experiência da Ford me deixa muito orgulhoso de ser ainda diretor do sindicato dos metalúrgicos do ABC.
P/2 – Bom, você teve outra experiência também, que é a sua internacional, né? Como é que foi essa trajetória?
R – Bom, é verdade. Eu acho que a CUT, depois do seu segundo congresso, sempre foi olhada como uma grande referência - pelos europeus, pela própria América Latina. Deveria e estava assumindo um papel de organização e de uma lacuna que tinha na América Latina.
Acho que nós ainda temos que fazer muito, mas essa central começou a ter uma grande referência fora - e, modéstia à parte, os metalúrgicos, porque sempre foi uma categoria de ponta. Então eu lembro que no congresso do Pacaembu - em 1988, se eu não estou me enganando - nós fizemos o primeiro debate sobre filiação internacional. Até então a CUT não era filiada internacionalmente, e foram os metalúrgicos a primeira categoria a se filiar nacionalmente, foi a nossa confederação. Nós discutimos ali no Ginásio do Pacaembu, era um congresso para filiação internacional. Nos filiamos à FITIM [Federação Internacional dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas], então eu comecei a ter essa passagem na relação internacional. E fui eleito então, há mais ou menos quatro anos atrás, a vice-presidente pela América Latina e caribenha da FITIM.
Essa FITIM é uma Federação Internacional dos Trabalhadores na Indústria Metalúrgica, que acho que tem um papel razoável, inclusive de discutir o papel dessa relação internacional, a movimentação da relação América Latina e Europa. Mudamos o caráter de pedinte; os europeus não podem, não devem ficar vendo os latino-americanos como pedintes, mas como contribuintes de uma organização sindical.
Acho que nisso a gente tem cumprido um papel significativamente lá na FITIM. E mais: a CNM [Confederação Nacional dos Metalúrgicos] é muito respeitada internacionalmente, através da CUT, através da própria organização dos metalúrgicos. Recentemente, nós viemos de um congresso na França, em outros lugares em que a CNM tem assento quase principal nessa organização. Temos uma ótima relação com os africanos da NUMSA [National Union of Metalworkers of South Africa], do sindicato sul-africano dos metalúrgicos, com os sindicatos coreanos, pra não falar só dos europeus, estamos entrando em outra. Estamos [em] uma relação muito importante na América Latina, nós conseguimos mudar o escritório - que era em Caracas, que não representava nada da FITIM - pra trazer [para] um lugar mais central, que é no Chile. Mudamos um antigo coordenador que tinha na FITIM, que tinha lá [há] muitos anos e que na nossa forma administrava mal os recursos da FITIM. Nós fizemos com que isso mudasse, portanto acho que a nossa relação internacional… Eu tenho dito o seguinte: possivelmente eu tenho mais uma relação internacional que nacional e isso tem me deixado como uma certa referência internacionalmente.
P/2 – Bom, essa vida toda sua no sindicato, o que mudou na relação com a sua família? O que alterou...?
R – Bargas, eu tenho dito o seguinte: desde a época da nossa repressão eu digo que a maior repressão não é a polícia, é a família. Porque a polícia bate, a polícia prende e depois você tá solto. Quando bater você passa uns dias doendo, tem um ferimento e tal, mas a repressão da família é muito mais forte, porque essa é constante. Essa é na cabeça, fica malhando: “Porque o sindicato, porque aquilo, porque aquilo outro, porque lá o pessoal é agitador, é baderneiro...” Esse negócio da família é uma repressão, na minha opinião, mais forte do que o da polícia. Porque a polícia é aquilo que eu disse. Pô, é claro que muitos dos companheiros nossos foram assassinados pela polícia, pela ditadura, tiveram que ir embora do país pra depois voltar; é claro que essa é muito forte, eu não estou dizendo... Claro que essa é muito mais forte, mas aquela pressão da família, quando você não tem esse tipo de repressão de ter que se afastar do país, de ter fugir, ter que…
Eu, de uma certa forma, como todos nós, dirigentes sindicais, atuantes em partido, tivemos uma pressão muito forte da família. Mulher… Primeiro que você abandona os filhos, a parte que mais os filhos precisam de você, que é na parte de criança; depois vem um período [em] que começam a entender as coisas e você tá fora porque o sindicato te consome muito - é sábado, domingo, à noite, sai às seis horas da manhã, às vezes cinco horas da manhã de casa, volta às onze, meia-noite, não vê os filhos. O movimento sindical gosta muito de fazer reunião de sábado e domingo, portanto você fica fora da família; quem sofre muito é a família, então você é cobrado disso. Se não é a sua mulher, os filhos passam a cobrar. A família toda tá cobrando porque você tem aí pai, mãe, irmão, que cobra. Então eu tenho dito o seguinte: eu consegui viver esse período todo, acho que muitos de nós, do movimento sindical, conseguem viver razoavelmente bem com família, mas eu acho que essa pressão é forte porque é uma pressão psicológica constante na cabeça da gente. Tudo bem, eu acho que a minha família, apesar das críticas conviveu, aprendeu, e tem me apoiado naquilo que for e que foi necessário.
P/2 – Tem só você, a Bete?
R – Eu sou casado com a Bete, a Elizabete, tenho minha minha filha que tem 24 anos, que é a Soraia della Bella e tem o Márcio, que fez agora em março 22 anos. Foi funcionário da Scania, mas hoje não é mais funcionário, não é mais metalúrgico.
P3 – O que fazem seus filhos?
R – Bom, minha filha trabalha numa pesquisa num banco de dados, com parte de computação, de levantamento de dados. O Márcio, que trabalhava na Scania, tá tentando a vida: abriu uma lanchonete, um bar-restaurante, disse que trabalhar pros outros não dava muito futuro e tá tentando a vida. Como ele é jovem, eu acho que tá certo.
P/3 – Guiba, você percebeu que a gente está chegando já nos dias de hoje. O que você faz nas horas de lazer hoje? Você já disse que são poucas, mas...
R – Olha, nas horas de lazer eu tenho um apartamento em Santos, então de vez em quando eu vou pra Santos. Lá tomo a minha cervejinha, descanso, vou na praia. Gosto de ver um futebol no estádio. Vou muito pouco em cinema. Assisto a alguns shows de vez em quando, de alguns artistas importantes, mas eu acho que a minha diversão maior é ir à praia. E mais, não sei se é diversão ou sofrimento, porque cinco horas pra descer ou quatro horas pra descer e cinco pra subir já não é mais divertimento, né?
P/1 – Guiba, quais seriam as realizações mais importantes que você destacaria da sua vida sindical e mesmo na sua vida pessoal e profissional?
R – Acho que mais importante é que eu entrei no sindicato. Acho que era aquilo que nós queríamos fazer, acho que eu estava querendo sair daquele anonimato que a gente tinha, aquela coisa que você... Acho que aquilo de fazer parte de uma sociedade diferente, de tentar contribuir. Eu acho [que] isso foi legal, a parte que nós estamos no sindicato ainda e a confederação.
Penso que a melhor coisa que foi feita nesse período, da realização de todos nós foi a central. Foi a CUT, que nasceu em 80, numa puta duma discussão num congresso lá em Santos e que só foi concretizado no ano de 83, aqui em São Bernardo, no Vera Cruz. Acho que isso foi importante. A outra, que eu não posso me esquecer, é a fundação do partido também. Não sou um dos fundadores, mas sou um dos mais novos filiados do partido, desde quando o partido surgiu. Acho que essas duas realizações pra nós foram muito importantes.
P3 – E qual a importância do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo para a sua vida?
R – É um pouco do que eu disse, eu acho que é importantíssimo, porque é aquilo que me deu de organização, de entender o mundo diferente, de verificar que a organização dos trabalhadores tem que estar dentro da fábrica e fora da fábrica. Eu acho que o sindicato - quando é um sindicato autêntico, que muda, porque o sindicato porque não pode ser um lazer. Eu vejo muito dirigentes sindicais ainda hoje que acham que o sindicato é um clube de amigos; o cara tem horário pra sair, horário pra entrar, o cara tem almoço regularizado. E ali não é uma empresa, ali é uma organização e o nosso sindicato sempre foi isso: nunca teve hora para absolutamente nada, mas sempre tinha uma coisa em mente, que era organizar, tentar fazer. Acho que isso foi importante.
Essa passagem pelo sindicato foi muito importante. Aliás, não é uma passagem, eu ainda não saí do sindicato, né? (risos)
P/1 – E se você pudesse mudar alguma coisa na sua trajetória de vida, você mudaria? E o que seria?
R – Eu acho que aquele vacilo que eu tive eu não faria mais. O resto era tudo igual.
P/1 – E você tem algum projeto, algum sonho de futuro que você ainda quer concretizar?
R – Olha, eu acho que nós… Eu penso que a vida de cada um de nós é sempre pensar em futuro diferente. Sempre querer mais, organizar mais, pensar mais. Eu acho que nós temos muita coisa a fazer ainda.
Eu penso que a central sindical nossa deu uma caída, que precisa voltar aos seus patamares de organização. A confederação tem muita coisa pra fazer ainda numa nova organização, transformar isso em sindicato nacional - agora, Bargas, fomos elogiados lá fora por todo mundo, porque é uma nova referência de organização.
Eu percebi que já tinha um pouco dessa experiência; que os modelos da Alemanha, da França, da Bélgica são muito parecidos com o sindicato nacional que nós estamos querendo criar. Esse negócio de pensar nas comissões sindicais, de empresa, eu vi exatamente um modelo agora num congresso da CFDT [Confederação Francesa Democrática do Trabalho] francesa, então nós não estamos inventando a roda. Nós estamos fazendo com que a organização do Brasil e a organização do sindicato sejam mais fortes. E não só a organização burocrática, mas fazer com que essa organização - que alguns falam burocrática e que na minha opinião é necessária, porque ela muda seu estatuto, ela muda uma forma dela ______, passa a ser muito mais organizativa no chão da fábrica. Nós temos uma nova referência.
Acho que um pouco é isso e fazer com que o nosso país seja melhor do que ele é hoje. Vamos dizer que nós estamos no mês dos quinhentos anos do descobrimento do Brasil; os índios foram massacrados pelos portugueses há quinhentos anos atrás e agora [são] massacrados de novo. E não só os índios. A manifestação que deveria ser democrática, que deveria ser uma manifestação conscientizada, porque nós temos que ter gente favorável e contra, o governo reprime. Massacra os índios, massacrou os sem-terra e os dirigentes sindicais como há quinhentos anos atrás. E é isso que a gente quer mudar.
P/1 – Tá jóia então, a gente queria agradecer, muito obrigado.
R – Tá bom.
Recolher