Projeto Plastek
Entrevista de Josefa Maria da Conceição Santos
Entrevistada por Nataniel Torres
São Paulo / Rio de Janeiro, 28 de agosto de 2023
Código da entrevista: PLAS_HV001
P - Vou pedir para senhora falar o nome completo da senhora, o local que a senhora nasceu e a sua data de nascimento.
R - Meu nome é Josefa Maria da Conceição Santos, nasci em Pernambuco, 07/09/1954.
P - E qual o nome dos seus pais, dona Josefa?
R - José Fortunato de Santana, nome do meu pai. E o nome da minha mãe é Leda Maria da Conceição.
P - E o que seus pais fazem/faziam?
R - Meus pais eram na verdade agricultores.
P - Os seus pais ainda estão vivos, Dona Josefa?
R - Tão!
P - Aí a senhora tinha me contado que eles eram agricultores, mas isso lá em Pernambuco ou no Rio de Janeiro?
R - Em Pernambuco.
P - Aí eles trabalhavam em terra deles ou para outras pessoas?
R - Para outras pessoas.
P - Era roça do que que eles trabalhavam? Como era essa época?
R - Verdadeira diversidade, era milho, era feijão, era aipim. Eu nem lembro bem, porque na época eu era muito pequena, não lembro assim. E depois eu acho que eu tinha uns 6 anos de idade, houve um problema entre o meu pai e minha mãe e ela se separou. Um ano, dois anos, foi me buscar e eu passei a morar na cidade, depois voltei para o interior de novo. Não para o mesmo interior, para morar com outra família, fiquei morando em três casa, aí depois eu voltei para morar com a minha mãe.
P - Mas nessa época que a senhora morou na cidade, que cidade foi?
R - Recife!
P - A senhora morava no interior, aí teve problema vocês foram pra cidade, depois voltou para o interior?
R - Voltei para outro interior, não foi para o mesmo interior, foi para um outro.
P - E você passou sua infância lá, dona Josefa?
R - Não, eu passei alguns anos. Eu nasci no interior de Pernambuco, mas com 12 anos minha mãe foi me buscar e eu voltei para cidade. Para a cidade de Recife, eu tava no interior de Pernambuco, aí...
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Entrevista de Josefa Maria da Conceição Santos
Entrevistada por Nataniel Torres
São Paulo / Rio de Janeiro, 28 de agosto de 2023
Código da entrevista: PLAS_HV001
P - Vou pedir para senhora falar o nome completo da senhora, o local que a senhora nasceu e a sua data de nascimento.
R - Meu nome é Josefa Maria da Conceição Santos, nasci em Pernambuco, 07/09/1954.
P - E qual o nome dos seus pais, dona Josefa?
R - José Fortunato de Santana, nome do meu pai. E o nome da minha mãe é Leda Maria da Conceição.
P - E o que seus pais fazem/faziam?
R - Meus pais eram na verdade agricultores.
P - Os seus pais ainda estão vivos, Dona Josefa?
R - Tão!
P - Aí a senhora tinha me contado que eles eram agricultores, mas isso lá em Pernambuco ou no Rio de Janeiro?
R - Em Pernambuco.
P - Aí eles trabalhavam em terra deles ou para outras pessoas?
R - Para outras pessoas.
P - Era roça do que que eles trabalhavam? Como era essa época?
R - Verdadeira diversidade, era milho, era feijão, era aipim. Eu nem lembro bem, porque na época eu era muito pequena, não lembro assim. E depois eu acho que eu tinha uns 6 anos de idade, houve um problema entre o meu pai e minha mãe e ela se separou. Um ano, dois anos, foi me buscar e eu passei a morar na cidade, depois voltei para o interior de novo. Não para o mesmo interior, para morar com outra família, fiquei morando em três casa, aí depois eu voltei para morar com a minha mãe.
P - Mas nessa época que a senhora morou na cidade, que cidade foi?
R - Recife!
P - A senhora morava no interior, aí teve problema vocês foram pra cidade, depois voltou para o interior?
R - Voltei para outro interior, não foi para o mesmo interior, foi para um outro.
P - E você passou sua infância lá, dona Josefa?
R - Não, eu passei alguns anos. Eu nasci no interior de Pernambuco, mas com 12 anos minha mãe foi me buscar e eu voltei para cidade. Para a cidade de Recife, eu tava no interior de Pernambuco, aí eu voltei a morar na cidade de Recife.
P - E a senhora tem irmãos?
R - Tenho 7 irmãos, 8 comigo. Tenho 4 morando em São Paulo e tem 3 morando em Recife ainda. Recife, Olinda.
P - Vamos falar sobre a infância. Como é que foi sua infância, que lembranças a senhora tem dessa época, dona Josefa?
R - Bom, a maioria das lembranças são tristes, é muito triste.
P - Mas tem alguma que a senhora pode contar?
R - Rapaz, tem, na época eu trabalhava… eu morava numa casa, como eu passei a ter… numa casa passava um tempo, depois ia para casa… Eram 3 irmãs. E assim, eu passei a viver um período numa casa, depois ia para outra, outra família, foram 3 famílias no caso. Na última que eu morei, eu lembro que eu ia levar almoço para o rapaz que trabalhava com agricultura e eu plantava. Eu tinha uma horta, plantava pimentão, tomate, coentro, essa coisas. Plantava flores e colhia no final de semana e ia vender em porta, porta na cidade que eu morava, que era chamada Lagoa do Carmo, lá em Pernambuco.
P - E nessa época a senhora tinha quantos anos, dona Josefa?
R - Eu não me lembro, mas eu acho que eu tinha 9 para 10 anos. Eu tinha mais de 9 anos na época. Mas era uma época muito sofrida, sofri muito pela casa dos outros.
P - Dona Josefa, e sobre seus avós, você lembra alguma coisa de algum dos seus avós?
R - Bom, eu lembro do meu avô por parte de mãe, que ele plantava e na sexta-feira ele organizava os carros de boi, no nordeste chamava carro de boi, que era muito bom. Eu andava em carro de boi na época de criança. Aí eu ajuda muito o meu avô, aí ele perguntou para minha mãe: “você não deixar ela ir morar comigo?” Aí minha mãe não concordou, não deixou. Aí pronto, depois foi só umas férias que nós passamos lá e aí a gente voltou para Recife. E nesse período eu me casei. Não, antes de eu me casar eu voltei lá, só que meu avô já não existia mais, já tinha falecido. E minha vó que era ex esposa do meu avô, de parte de mãe. E aí ela ia muito lá em casa, na minha casa lá, ia nos visitar, passava dias.
P - E o nome dos seus avós, do seu avô, a senhora lembra?
R - Do meu avô Otaviano, da minha vó Emilia.
P - E na sua infância você tava contando que teve que trabalhar. Mas tinha tempo para brincar também, ou não teve dona Josefa?
R - Brincava um pouco. Na época que eu vivia com os meus avós, minha mãe, a gente ainda brincava um pouco, brincava com as minhas tias, meus tios. A gente brincava quando eu ia passar férias lá, a gente brincava, fazia brincadeira de cozinhar, brincadeira de festa, debaixo das árvores. Era muito boa, de vez em quando eu lembro dessa época.
P - E como eram essas casas que a senhora passou? Teve alguma que te marcou, que você lembra como ela era?
R - Ah, muito, muito, me marcaram muito. A primeira não. Porque assim, quando a minha mãe separou do meu pai, ela foi morar na casa das minhas tias, e aí sempre tem problema morando na casa dos outros. Minha mãe dizia: “morar na casa dos outros nem para comer doce.” E aí voltei a estudar, fui estudar, na época, antes não tinha estudado. E aí a professora perguntou para minha mãe, porque você não deixar… Na verdade eu era conhecida por Josina. Minha mãe colocou esse nome Josina, porque ela disse_________. Aí ele botou Josefa, mas achou muito esquisisto, trocou para Josina. E eu na verdade não gostava do nome de Josefa, fui aprender a gostar do nome de Josefa aqui. Porque aí eu disse: não, já que eu vou morar no Rio, então… Ninguém me conhecia por Josefa, só por Josina. Josefa era só no documento. Aí quando eu cheguei aqui no Rio, não, vai ser Josefa. Só que lá no Facebook, o pessoal lá no Nordeste só me conhece por Josina. Aí os meus netos criou o Instagram, criou o Facebook, e aí é Josina. Agora o último é Josefa, mudei agora, o último Instagram. Então é isso! Aí o que que acontece, aí minha mão botou Josina, aí eu fui morar com essa pessoa, pessoa pediu, aí minha mãe disse tudo bem, porque minha mãe viu a situação difícil na casa… Aí fui morar. Quando eu cheguei na casa desse pessoal, dessa família, eles nunca me bateram, só que aconteceu um acidente, eu tomava conta de um bebê, eu era pequena, tomava conta de um bebezinho, derrubei essa criança e eles aí me mandaram, aí invés de me mandar para a casa da minha mãe, me mandou para a casa de uma das irmãs. E aí eu fui morar na casa de uma das irmãs dessa pessoa. Eu nem lembro o nome de nenhuma, praticamente. E aí eu passei a viver na segunda casa. E na segunda casa era sofrimento, era sofrimento mesmo. Sabe a história da Gata Borralheira? E quando alguém contava a história da Gata Borralheira, eu vivia nessa história. Essa história da Gata Borralheira, era a mesma história minha, porque.. Aí depois aconteceu um problema, que eles… a mulher me batia muito, me maltratava muito. E aí um dia eu fugi… Se eu for contar toda essa história vai demorar muito. E aí eu fui para a casa do vizinho, o vizinho, todo o pessoal ali no entorno sabia da minha história, o morador lá disse não… Ele começou a chamar pelo nome os filhos… Porque eu me escondi de trás do portão lá, que não se chama portão, lá se chama porteira, lá no interior. Aí ninguém aparece, aí eu saí lá de trás, “sou eu moço.” Aí ele, “ah, você está por aqui!” Começou a fazer pergunta e nesse intervalo chegou a moça que tomava conta de mim. Aí pegou, “não, mas ela está sob os meus cuidados.” Ai moço falou: “não, eu ia levar ela amanhã na delegacia.” E não deu para contar toda a história porque eles me levaram, aí quando chegou lá, a mulher, o esposo dessa pessoa, foi e bateu nela, porque ela me maltratava tanto e eu fui e ela foi me buscar. E aí quando ele bateu nela, eu estava atrás dela, ela caiu, bateu em mim, eu caí também. E nessa noite a gente passou num frio, dormindo numa outra casa e no outro dia me levaram para outra casa. Então eu fui morar nessa outra casa, que eu levava o almoço, eu não tinha direito o que os outros tinham. Então ai eu ia até passando por um cena difícil, o cidadão lá quase que abusava de mim, mas graças a Deus não aconteceu, mas foram duas situações muito difíceis, Deus não deixou acontecer, porque… Aí pronto, depois com pouco tempo minha mãe apareceu e marcou, “tal dia eu vou buscar a minha filha.” E daí ela disse: “não, você não vai levar!” Aí minha mãe: “não, eu vou levar sim, porque eu não dei minha filha para vocês.” E marcou a data. Então ela só vai chegar quando dona … chegar aqui para junto com você. E assim, quando a minha mãe chegou lá para conversar com a gente, eu não podia me aproximar da minha mãe, tinha que ficar bem distante, é complicado, eu não podia chegar perto da minha mãe. “Eu quero ir embora.” E aí eles prometeram céu e terra. “Agora eu vou embora.” E aí minha mãe naquele dia não pode me levar, mas marcou um outro dia. No outro mês minha mãe foi me buscar. Aí eles começaram a fazer minha cabeça, tentar fazer minha cabeça, não vai embora porque isso, porque aquilo. Eu disse: “não, eu vou embora!” Aí vim embora. Minha mãe morava lá em Recife, a gente foi. Aí depois jovem, passei também por muitas coisas, aí casei, graças a Deus construí a minha família. É isso! E vim parar no Rio de Janeiro, não era projeto, trabalhei de doméstica muitos anos, de faxineira, dona de casa. E hoje sou aposentada, graça a Deus, to aqui Rio de Janeiro.
P - A gente vai falar sobre esse período da sua vida, mas só para a gente voltar um pouquinho. Lá na infância, a senhora contou esse período difícil, mas teve tempo de estudar pelo menos um pouquinho?
R - Não, lá, enquanto eu estava com essas famílias, eu não cheguei a estudar, não tinha direito. Mas aí quando minha mãe foi me buscar, eu voltei a estudar, mas aí eu joguei o meu futuro lá atrás. Às vezes eu digo para as crianças que eu poderia ter estudado, eu tive oportunidade, mas aí eu tinha a cabeça doida. E aí até falei: “Marcelo, poxa, eu fico no meio dos doutores conversando com eles, fico até sem jeito.” “Não, dona Josefa, não se preocupe, eles tem a teórica e a senhora tem a prática.” Eles falam de agroecologia, mas eu planto. Mas eu voltei a estudar depois que cheguei aqui no Rio e aí chegou o período que a a minha filha adoeceu e ela tinha uma criança pequena e eu fui tomar conta dos netos. E a minha filha chegou a falecer, eu parei tudo, quase oito anos atrás_________ E é isso!
P - Nessa época lá das antigas, o povo já falava alguma coisa de meio ambiente, de reciclagem? Você lembra alguma coisa? Como era?
R - Bom, na minha infância não, nem se dava conta. Mas assim, quando eu morava em Recife, na UR4, num bairro chamado UR4. A gente viveu uma época igual a essa, melhorou um pouco de emprego. Aí a gente, eu e as mulheres, “vamos montar uma cooperativa!” A gente fez reunião com algumas mulheres, para a gente montar uma cooperativa de reciclagem. Eu vejo o dinheiro pelas ruas, a gente pisa no dinheiro, joga o dinheiro fora. E aí a gente fez reunião e todas… só ficou duas pessoas reunidas, juntar o material, eu e minha vizinha, uma colada na outra. E aí eu comecei buscando esse material e colocando atrás da minha casa, só que lá tinha acesso ao transporte na minha rua, eu juntava e o moço que ia comprar o material, ele ia buscar na minha porta, eu não tinha que me preocupar em sair e vender no ferro velho, não, ele ia buscar. Uma vez eu estava sem dinheiro e faltou o meu gás, “e agora, como é que eu vou comprar no meu gás?” Aí eu combinei com o moço, ele veio, aí foi o dinheiro certinho de comprar o meu botijão de gás. Uma coisa que eu estava lá juntando e às vezes… hoje eu fico pensando, as pessoas descriminalizam o resíduo, o plástico, chama de catador, às vezes, eu penso, é uma descriminalização, discrimina também catador, chama tudo de lixo, na verdade a gente dá o nome errado para o material, não é lixo, é resíduos, claro que existe vários resíduos plásticos, papelão, etc.
P - Nessa época lá em Recife, quais materiais que vocês reciclavam? Quais materiais vocês pegavam para reciclar?
R - Eu preferia mais o plástico, uma porque eu trazia tudo na mão, e aí eu pensei uma forma melhor ainda, porque só a maneira do catador, na verdade, o catador passa uma situação muito humilhante, só em meter a mão nos baldes, nos sacos de lixos, rasgar e tirar tudo, aquilo é uma situação humilhante. Aí eu bolei uma maneira, eu não vou tirar do lixo, não vou tirar dos sacos, eu vou visitar porta a porta, vou fazer um trabalho de conscientização porta a porta. E eu pedi a cada morador, cada pessoa, cada pessoa conhecida minha, eu dizia: “tal dia eu venho buscar o seu material, o material que você vai ajeitar pra mim, você vai botar tudo num saco, numa sacola e tal dia eu passo para recolher esse material.” E aí eu fiquei fazendo. Então como eu fazia na parte de baixo, mas eu subia com várias sacolas, um monte de sacola, subia e colocava lá atrás da minha casa, então eu carregava tudo isso. E uma certa vez eu precisei abrir uma, que eu, “puxa, eu vou deixar essa garrafa aí?” Peguei a sacola, abri e tirei a garrafa. Mas o homem veio, mas o moço me disse tanta coisa, que eu só faltei chorar. Poxa, como é humilhante a situação do catador, muito humilhante. Então, é isso! Ai como eu vim morar aqui no Rio, eu parei um tempo, fui trabalhar e deixei de catar, de juntar o material. Mas a minha colega continua fazendo, ela deu uma parada agora que ela não precisa tanto do dinheiro, agora. A gente só dá mais valor a essas coisas quando a gente tá sem dinheiro.
P - E nessa época que a senhora tá contando, a senhora era adolescente ainda ou já era casada?
R - Já tinha filho, já tinha filho grande
P - O que aconteceu para a senhora ir para o Rio de Janeiro?
R - Bom, houve a separação, entre o meu esposo há alguns anos. E aí a minha filha estava desempregada, essa que veio a falecer, estava desempregada, e aí uma família convidou ela, para junto com essa família, que era vizinha, “vamos para o Rio?” E aí a minha filha, “mãe, eu vou para o Rio.” “Vai embora!” Aí juntou dinheiro, veio com a filha dela, a filha dela hoje tem 12 anos e na época tinha 4 anos. E aí ela veio para o Rio com essa família e eu fiquei, eu e o meu filho ficamos lá. Mas aí eu comecei a chorar, eu sentia muita saudade, a casa era grande. Aí eu digo: “Ah, não quero ficar aqui não, vou embora também!” Só que para mim vir para o Rio, eu não poderia ficar na mesma casa que ela ficou, porque era pequena, não tinha espaço para vim eu e meu filho de lá. Mas eu vou embora daqui, não quero ficar mais aqui não! Aí eu entrei em contato com uma colega em Goiás, “não, você pode vim pra cá!” Comprei a passagem para Goiás, passei 6 meses em Goiás. Foi assim que eu conheci Goiás, uma cidadezinha chamada Itapaci, 3 horas depois de Goiania. Aí passei 6 meses lá, levei o meu filho, na segunda-feira meu filho já começou a trabalhar numa usina de cana lá. E aí a gente passou seis meses. Depois minha filha saiu aqui do Rio, foi para lá, passou uns três meses, depois voltou. Aí eu fiquei lá um mês trabalhando para arrumar a passagem, o dinheiro da passagem. Aí vim aqui para o Rio. E aqui no Rio morando de aluguel, entendeu? Aí depois, arrumei um emprego, aí nesse mesmo emprego, meu chefe perguntou se eu não tinha uma pessoa para indicar para ele, para trabalhar lá na empresa, que era a construção civil. Eu digo: tem minha filha! Aí dei algumas informações, “mande ela ir lá no escritório amanhã.” Aí a minha filha foi, fez teste, passou, no mesmo dia assinou a carteira, ela passou cinco anos trabalhando nessa empresa, que é de construção civil. Até que então, graças a Deus. Veio a doença dela, ela veio a falecer. E aí a gente não tinha casa, eu não tinha casa e aí houve a pacificação aqui no Rio de Janeiro, 2010 mais ou menos, não é isso? E aí começou a desocupando algumas casas aqui, porque o governo tirou algumas casas, ia fazer uma obra aqui, aí houve o desabamento do Morro do Bumba. Aí as casas que era só para o pessoal daqui, terminou cedendo uma parte para aquele povo que houve aquele desastre, desabou o morro do Bumba. E aí algumas pessoas… todas as pessoas que estavam escritas não foram beneficiadas. Mas aí eu fiquei aqui, e aí as casas que as pessoas foram saindo, os prédios, os apartamentos, quando eles não tinham família para dar, eles davam para uma pessoa. E um dia eu ia subindo o morro, aí eu perguntei: “Moço, o senhor sabe aqui quem está doando uma casa?” Aí ele disse: “esse moço aí…” Aí ia descendo um moço. Doou uma casa aqui para mim aqui. Ele disse: “esse moço aí tá doando, tá saindo da casa.” “Moço, o senhor já tem a quem doar a sua casa?” Aí ele disse: “não!” “O senhor não podia doar para mim, que eu moro de aluguel.” Aí ele disse: “olha, no dia que eu for sair a senhora tem que estar aqui!” Aí demorou, porque ele tinha que trocar o piso do outro apartamento, do apartamento que ele ía. Aí eu fiquei sempre de olho nele, aí no dia que ele ia se mudar, eu peguei e levei minhas coisas, poucas coisas que eu tinha aqui, que as minhas coisas estavam lá em Santa Cruz. Aí levei, aí fiquei lá, dormi uma noite lá. Aí ganhei essa casa, só que eu tive que voltar para Santa Cruz. Santa Cruz é um bairro aqui no Rio. E aí eu voltei para lá, para Santa Cruz, e aí o pessoal queria invadir a casa, porque a casa tava aberta, só com cortina, a janela estava aberta. E aí eu voltei para casa, e aí eu disse: “eu não vou ficar nessa casa não!” Porque o meu medo era que o parque chegasse e me expulsasse da casa e eu não tivesse onde morar, era o meu medo. E aí doei essa casa para outra pessoa. E aí uma outra pessoa, que é nessa que eu estou, morava o neto dela e ela tinha ganhado apartamento, ela disse: “olha, chama dona Josefa que eu quero falar com ela.” Aí eu vim, que ela morava aqui embaixo, que ela já é falecida. Aí ela disse: “Ó dona Josefa, eu quero dar aquela casa para a senhora.” Que é a casa que eu estou morando agora. Eu já tinha doado a outra. “Tal dia a senhora venha que eu vou te dar a chave.” Então quando eu entrei aqui já tinha tudo, sofá, tinha televisão, tinha tudo que uma casa precisa. E aí e aí a minhas coisas que ficou lá com a minha filha, depois a gente desfez. Aí estou morando aqui. E tinha outras casas aqui, que tava vazia, e aí eu fazia, tinha aula de artesanato aqui, antes da Cufa. E aí eu comecei a ver o seguinte, que as crianças daqui ficavam sem fazer nada, e eu, não, eu tenho que puxar essas crianças para fazer alguma coisa. Então eu tive uma ideia. E aí eu limpei o espaço e comecei a falar com os moradores, com as mães das crianças, para fazer alguma atividade com as crianças. E como não tinha dinheiro, as mães sabiam que eu não tinha dinheiro. “Não, vocês juntam, coloca o material aqui na frente da minha casa aqui. E aí eu juntava esse material, se fosse latinha eu separava e levava lá para o ferro velho. E com esse dinheiro eu comprava material para dar aula de artesanato para as crianças. Eu peguei uma casa aqui, na época da pacificação, que tinha a casa vazia, limpamos, chamei as crianças, vamos lá, vamos limpar essa casa aqui! Nós entramos, limpamos, varremos e tiramos tudo, tinha até cachorro morto, limpamos lá o espaço. E eu comecei a dar aula para as crianças. Fiz aula inaugural, fiz o café da manhã. E aí eu comecei dando aula e colhendo esse material. No mesmo ponto ainda tem um ecoponto, que eu junto, o pessoal joga lá o material. E aí eu comecei a puxar e eu fiquei vendo tanto material que vai para o lixo, vai para o aterro sanitário. E eu ainda não consigo ver essas coisas e ficar parada sem fazer nada, preciso fazer alguma coisa.
P - Eu queria voltar só um pouquinho. A senhora falou sobre o divórcio. O que aconteceu nessa época do divórcio?
R - Na verdade o meu esposo arrumou outra pessoa, e aí foi embora. E aí eu ia fazer o quê? Eu já deu o divórcio depois que eu já estava aqui, ele deu entrada e aí eu fui lá e deu o divórcio para ele, numa boa. Entendeu?
P- E a senhora também falou sobre a sua filha, que foi até o motivo que a senhora foi para o Rio de Janeiro. A senhora falou que ela faleceu. O que aconteceu com ela, dona Josefa?
R - É o seguinte, ela começou com uma dor aqui no maxilar, começou a sair um tumor. E aí foi constatado câncer no maxilar, fez cirurgia mas não adiantou. Então dentro de oito meses ela foi embora.
P - E ela tinha quantos anos dona Josefa?
R - 39 anos
P - E ela tinha filhos como a senhora falou, né?
R - Tinha três filhos. O mais novo tinha um ano e oito meses, que é o Marco Vinícius, que hoje tem nove anos. E o outro, tinha 15, tinha 7. E a outra ia fazer 15, que é a de 22, que é a Rebeca, que hoje está trabalhando de técnica de enfermagem. E o outro meu neto, Luan Arthur, ele faz, ele participa de um projeto lá na Fiocruz.
P - E além dessa sua filha que faleceu, a senhora contou que tem outro filho também, né?
R - Tenho um outro filho, ele veio comigo morar comigo aqui no Rio, e aí ele gostava muito de jiu-jitsu, ele estudava jiu-jitsu, tinha aula. Aí depois passou a ser professor. Aí o meu filho fazia jiu-jitsu, aí passou a ser professor e aí ele foi participar de um campeonato lá na Espanha, em Mallorca, aí ganhou, aí depois ele ficou com desejo de voltar para lá. Aí ele voltou, só que era clandestino, estava irregular lá. E aí ele pediu para ir, eu arrumei o dinheiro emprestado, ele foi morar lá em Mallorca, fez quatro anos. Mas aí ele tinha uma família aqui, tinha três filhos aqui, a família ficou aqui e ele foi. E lá ele passou muita dificuldade, foi até morador de rua, chegou até morar na rua, não tinha dinheiro. Ele me contou isso agora, não me contou quando estava lá, porque eu ia sofrer muito sabendo que ele estava nessa situação. E aí arrumou uma pessoa, uma companheira, chegou a casar, teve uma filha, aí ele já está todo regularizado. Esse ano ele veio me visitar e voltou para lá de novo.
P - E como é que estão os seus netos agora, os filhos do seu filho? O que eles têm feito agora?
R - Eles moram em São Paulo, em São José do Rio Preto, a mãe dos meninos foi morar lá. Mas a gente se comunica. Eles estavam sempre vindo passar as férias aqui, mas as coisas estão apertando, então não vieram esse ano. Mas eles estão bem, teve um que chegou a cair da laje, praticamente deu como morto, foi desenganado pelos médicos. Eu vi como se ele tivesse morto, que aqui a minha laje alta, aí ele caiu, mas hoje ele está bem. Os outros dois também, são três filhos, é o Bruninho, o Enzo e o Gael. Então eles estão bem. Entendeu?
P - A senhora começou a falar que juntou as crianças e limpou o local lá para poder fazer a coleta. Primeiro de tudo, por que crianças, por que a senhora olhou para as crianças e falou ‘preciso fazer alguma coisa’?
R - Porque assim, eu observei que as crianças da comunidade, da favela, no caso o meu é favela, é morro. E a gente vê que as crianças ficam aleatórias, muitas, a maioria fica brincando, procurando alguma coisa para brincar, para fazer. Ai como eu tenho afinidade com as crianças, elas sempre querem estar perto de mim. Aí eu comecei fazendo esse trabalho, que eu aprendi lá e dava para ensinar para elas. Eu ensinava para elas. E como não tinha dinheiro para comprar o material, eu juntava o material reciclável, vendia e aquele valor eu investia em material para dar aula de artesanato para as crianças aqui na minha comunidade. E aí na época da pacificação, teve a época da pacificação, e aí eu comecei me envolvendo com… Por exemplo, eu costurava na época, fazia alguma coisa e veio a economia solidária e começou a apoiar algumas pessoas que trabalhavam com alguma coisa, vendedor, fabricando alguma coisa, comerciante. E aí começou a atuar aqui no morro do Alemão. Aí eu comecei me envolvendo, porque eu gosto assim, de sempre estar no meio de muita gente. E aí a economia solidária estava atuando, dando uma ajuda para o pessoal que não tinha nada para fazer. E aí eu conheci esse moço chamado Poeta. Depois se vocês quiserem acessar a Verdeja Socioambiental, a página, aí vocês vão conhecer. Essa ONG foi montada pelo poeta, Luiz Poeta. E aí eu senti o desejo de participar, ser voluntária de uma ONG. E aí como a gente fazia parte da reunião, a gente foi separado para ser organizador das feiras que iam acontecer. E aí a gente chegou a ir para Santa Maria, viajamos para lá, participar da feira. E conheci o poeta, o poeta fundador do Verdejar, também já é falecido. E aí como eu morava em Santa Cruz, aí vim morar aqui, eu senti o desejo de ser voluntário do Verdejar, aí encontrei o colega, ele disse: “não, a gente tá atuando aqui.” Aí comecei a me envolver, aí comecei dando oficina, assim, primeiro, além da reciclagem, eu comecei a observar o seguinte, que os cariocas, eles gostam muito de fritura, todo mundo gosta de fritura. Mas eu observei que as pessoas aqui consumiam muito mais do que no meu estado, do que na minha cidade. E eu fiquei pensando, e o óleo, vai para onde? Para onde vai esse óleo que é descartado na boca de lobo? Eu já vi várias cenas, o moço abriu a boca de lobo, só que eu estava distante dele, se não eu tinha corrido para pegar, pedir a ele aquele óleo. Aí ele abriu lá e despejou um balde de óleo dentro da boca de lobo. E aí eu já estava atuando, dando oficina com óleo, porque eu aprendi a fazer sabão lá em Goiás. E aí eu disse, eu também posso fazer o sabão com o óleo. E aí comecei, como eu já atuava no Verdejar, no espaço, na filial que tinha aqui perto. E aí eu comecei pedindo aos moradores, as moradoras, pessoas que iam lá. “Vocês juntam o óleo para mim, e aí eu dou oficina.” Eu dei algumas oficinas lá no Verdejar. Aí comecei pedindo. Aí as pessoas às vezes trazem o óleo aqui, tô com muito óleo e sabão aqui. Aí eu comecei a dar oficina de sabão para as mulheres, lá no espaço, também dou oficina de sabão para as crianças. E fora as outras coisas, reciclagem, mas aí o que estava atuando mais era o sabão, porque a gente tinha que se preocupar em tirar o óleo do meio ambiente, então eu comecei a pedir às pessoas. Uma vez eu dei uma carreira atrás do caminhão do lixo, “eu quero esse óleo, não jogue esse óleo fora, pelo amor de Deus, quero esse óleo.” A maioria do pessoal que vem capinar aqui, que trabalha no lixo, já me conhece. Aí eu comecei a juntar e fazer esse trabalho. E aí eu disse, não, eu vou botar no ecoponto. Eu comecei a sentir que era possível a gente montar a ecoponto nas comunidades, poderia ser feito isso. Ao invés de pegar tudo e jogar para o aterro sanitário, a gente podia ter um espaço e conscientizar os moradores a colocar tudo ali. Aí no dia 6 de março de 2020, eu coloquei um ecoponto aqui no começo da minha rua, tem até no Facebook também. Só que a presidenta, eu pedi duas vezes a Presidenta da associação e ela simplesmente bota os pés na minha frente, não me deixa passar com as minhas ideias. E aí eu pedi para ela, duas vezes e ela, não, não. Aí eu tive que ir para uma outra pessoa, finalmente a gente mora em morro e a gente tem que obedecer a lei do povo, que você deve entender. E aí fui a pessoa, aí consegui fazer história. “A gente passa por esse problema aí, tá vendo o lixo descendo ladeira abaixo? Seria uma boa que tivesse uma alternativa. Então eu quero fazer! Você deixa eu botar o ecoponto?” E aí o que que eu fiz, eu comecei a articular com as ONGS que já me conheciam, o pessoal das ONGs. E aí eu disse vou pensar como é que eu vou fazer, aproveitar o espaço, que você olhando, você não diz que ali poderia ser feito alguma coisa. Aí eu articulei com o meu colega para pagar o transporte dos paletes, fui atrás de paletes, consegui 100 paletes. E aí no dia a gente fez café, fez almoço, colocamos lá embaixo no espaço. E aí os homens que estavam lá me ajudando, “dona Josefa, como é que a gente vai fazer o ecoponto aqui?” Aí eu disse: “olha meu filho, eu vou entrar aqui na vala e você vai me dar os paletes.” Ai entrei lá, dentro da vala, que tinha espaço aqui que a gente poderia colocar o pé e não cair. “Aí agora vocês vão passando os paletes para mim.” Eles me dando os paletes e eu dentro da vala. Aí comecei colocando os paletes, aí eles começaram entender, porque até eles não entendiam como iam aproveitar aqueles paletes. E aí depois os homens foram lá me ajudar, eu disse: “não, além do ecoponto, eu também poderia aproveitar, fazer dois em um.” Aí eu disse, vou fazer uma composteira, não pode ficar… E os resíduos? Eu vou colocar onde? Casca de legumes, frutas, restos de alimentos, eu vou fazer o que? Antes não tinha muro, não tinha divisão nas lixeiras. Mesmo assim eu fiz a composteira, as pessoas não entendiam, não sabia o que era, “o que que é isso?” “Uma composteira, esse material gera adubo, já era composto.” Até o pessoal da Colombo não entendia, “dona Josefa, o que que é isso aí?” “Uma composteira.” Só que o vizinho, o ecoponto era num muro, tinha outro espaço e eu tinha que aproveitar aquele espaço. E aí eu já tinha falado para ele. Depois ele começou a ir contra a mim, começou a impedir o meu trabalho, ficou implicando, pedindo para tirar todo o material, falou com uma pessoa que impediu o meu projeto, aí a pessoa foi a favor dele e contra mim. E aí destruiu todo o meu trabalho lá. Se vocês entrarem lá na página do Verdejar vocês vão ver. E aí o que que acontece? Tá bom! Deixa ele levar, eu vou fazer o quê? Aí eu continuei com o meu espaço aqui, que era um espaço que ninguém usava ele para nada. E aí comecei a juntar, só que o Verdejar nesse espaço de tempo, a pessoa que assumiu a direção da associação, começou a implicar com o Verdejar para sair, pediu para se retirar do espaço. Aí resultado, foi expulso! Eu tinha gastado dinheiro com a casa, que eles que pagaram tudo para reformar o espaço lá do Verdejar, e aí teve que se retirar, mas por conta da implicância da pessoa. E aí foi embora e eu fiquei aqui na comunidade atuando como Verdejante, entendeu? Eu não vou deixar de atuar, continuava chamando as pessoas, dando oficina dentro do meu limite, eu comecei a fazer esse trabalho. E aí em 2021, 2020 começou a pandemia, né? 2020. E aí a gente atuamos, veio ajuda de cesta básica, algumas ONGS doavam cesta básica para eu doar, Agilando, tem uma associação, uma ONG chamada Agilano e eles doavam 50 cestas para mim todo mês. Aí eu comecei a pensar, não, tenho que dar alguma coisa para esse povo fazer para mim. Eles não vão receber a cesta básica? Então ele vai ter que me dar dois sacos de material reciclável. Isso eu pensei da sexta até terça, porque as cestas é na terça-feira. No final de semana tem que bolar isso. Aí a pessoa, “dona Josefa, a senhora tá dando cesta? A senhora pode por o meu nome?” “Vou dar sim, mas só vai ganhar se me trazer 2 sacos de material reciclável.” E aí teve 2 pessoas que ficaram dizendo coisas contra mim. “Minha gente, vocês não precisam catar no lixo, eu não tô mandando vocês catar no lixo, você podem pedir ao vizinho, o parente, junta, não joga fora, me dá aqui!” Aí eu ficava pedindo, aí ele… Muitos começaram aderir. Aí quem morava aqui em cima, descia com os sacos e colocava no meu ecoponto aqui e quem morava lá embaixo, me entregava lá e eu subia, entendeu? Eu subia com o material e colocava aqui. E aí comecei fazendo esse trabalho. Só que deu uma pausa, o pessoal não está mais dando cesta básica. Mas as pessoas que moram aqui, começaram a colocar o material aqui e lá embaixo, as pessoas começaram a ter outra visão do meu ecoponto que tinha lá embaixo, as pessoas começaram a levar, levavam televisão, levavam ventilador, colocavam lá. Tinha televisão até que o moço pegava e levava para consertar. Aí o pessoal começou a ter outra visão com relação ao material reciclável que antes era jogado na lixeira para levar para onde? Para o aterro sanitário. Então as pessoas começaram a ver diferente. Só que lá embaixo eu não atuo mais, não tem onde colocar, só lixeira. E a lixeira, como não tinha muro para fazer distribuição, para receber o lixo, o que que acontece…. Eu vou ter que fazer alguma coisa.. Aí eu recebi uma encomenda de 700 e pouco de sabão, por uma ONG, para ser incluído os sabões na cesta básica. E aí eu vendi 700 e pouco. Vou pegar esse dinheiro, aí sabe o que eu fiz, comprei tijolo, cimento, paguei o moço, fui e levantei o muro da lixeira. Que dizer, não era trabalho meu, era trabalho de quem? Da prefeitura, ou da associação. Às vezes eu digo para as pessoas, gente, a gente não pode esperar que A ou B faça, se eu posso fazer alguma coisa, eu vou fazer! Entendeu? Até recebi um título do favela sustentável, lixo zero, cidadão, não sei o que, não lembro! Atitude, cidadã de atitude. Então às vezes eu fico pensando, às vezes a pessoa deixa de fazer alguma coisa, ou melhora a sua rua, ou limpa a sua rua, tá me taxando de dona da rua. Gente, eu só quero melhorar a nossa rua, afinal de contas a gente… tem alguém porco aqui? Não tem! Mora alguém porco aqui? A gente que tem que melhorar, não vamos esperar a presidenta, afinal foi eles que jogaram lixo na rua. Fomos nós! E hoje eu tenho que passar isso para as crianças, falar para as crianças. Sabe? Quero fazer uma atividade melhor. Eu dei oficina de pão, eu dei uma outra oficina e sempre falando para as crianças, “vamos melhorar nossa comunidade, deixar de jogar lixo.” Eu tava comentando hoje, eu subi, tinha um monte de lixo na vala. Eu tenho que pensar, dá uma solução, botar uma sacola aqui para as pessoas. Mas eu já tentei. Fala, vamos insistir. Aí eu fui um dia desses ali no lugar que vende. Eu levei as sacolas e tirei o lixo todinho lá de dentro, botei na sacolinha, disse: “gente, aqui não é o lugar de botar o lixo, isso vai para os oceanos, a gente vai comer peixe com plástico, porque não botam na sacolinha. Aí eu passei sem voltar lá uns dias, quando eu voltei lá tinha aquelas coisas quadradas de botar o lixo, que bota no lugar grudada. Eles arrumaram e colocaram lá, tava tudo bonitinho. “Parabéns! Gostei de ver!” Organizadinho lá. Parabéns! Não tinha mais lixo, varrendo lá e colocando o lixo lá naquele espaço. Sabe! Eu queria ver a comunidade assim, bem organizada. Tinha um lugar que jogava bastante lixo ali, eu fui, não vamos jogar o lixo, por que vocês jogam o lixo lá, cai na frente da minha casa e vai para os oceanos”. E aí eles já não botam mais lixo tanto quanto antes, diminuíram 90% o lixo, não estão mais jogando lixo nesse espaço. Então a gente pode. Ai o moço, “dona Josefa, mas a gente mora na favela”. Gente, porque a gente mora na favela a gente não pode ter uma favela mais organizada, limpa, afinal de contas tá morando gente aqui e não porco. Então essas coisas que às vezes… Sabe, eu não consigo ver lixo na vala, eu não consigo ver lixo fora do lugar, a gente poderia manter a nossa rua organizada. Tem tantas cidades aí limpas, organizadas, às vezes, se você for lá para o centro do Rio, sua mãe vai ser multada, alguém vai ser multado, vai jogar o lixo lá para ver se não vai ser multado. Agora,_______.
P - Dona Josefa, explica o que é o Verdejar para quem não conhece. O que ele faz? O que é essa associação?
R - Essa ONG, na verdade, ela trabalha mais com educação, ela é ambiental e também com agroecologia, dá cursos também, são várias coisas. Agora está sem sede, a gente não tem sede, a gente se reúne dentro do mato, que não está mais aqui, está na Telles Silva. Então, é isso! E para mais é educação. Eu tinha… Recebi cursos de hortas, recebi curso de captação de água de chuva, um projeto de captação de água de chuva e também deu vários cursos aqui para a comunidade. Eu fiz cinema e fotografia, outras pessoas também fizeram, entendeu? Trazia benefícios para comunidade, cursos para mulheres, para jovens, para crianças também, entendeu? Não era bem voltado às crianças, as crianças eram mais eu, mas tinha atividades, as crianças estavam sempre lá.
P - E a senhora tinha falado do curso de artesanato, era que tipo de artesanato? A senhora chegou a falar de fazer pão, que artesanato mais a senhora chegou a fazer?
R - Bom, a gente pegava uma garrafa PET e transformava em alguma coisa, fazia flores de EVA, muitas coisas, mudava uma garrafa, botava um objeto e fazia uma outra coisa com aquele objeto. Só que para mim não interessa mais transformar esse objeto, na verdade hoje em dia eu tô vendo uma coisa aqui que eu até trouxe aqui para te mostrar. Eu comprei uma máquina para cortar esses vidros, fazer copinho. Tem a política regressiva, eu esqueci esse nome. Porque quem fabrica e quem usa, tem um meio de como isso retornar para a mão dele, eu acho que tinha que ter mais cobrança, entendeu? Tanto com plástico, eu até trouxe umas coisas aqui para mostrar, depois a gente vai procurar essas coisas. E com relação a esse, eu acho que tinha que ter, sabe…. Ninguém se interessa, ninguém recicla isso aqui, ninguém recicla. Eu faço parte da favela sustentável, eu comecei a perguntar, gente como que a gente faz para cobrar de quem fabrica, ou quem usa, para eles darem um retorno para isso aqui, tirar do meio ambiente, entendeu? Essa é a minha preocupação. Eu vou juntar para levar para quem, para vender para quem? Não é todo mundo que recicla isso daqui, não é todo mundo. Em 2020 eu comecei a juntar uns 10, cheio disso daqui, eu tive que jogar no lixo. Gente, pelo amor de Deus, eu acho que tinha que ter mais uma cobrança, a quem eu não sei. O meu colega fez. uma… tá até no Instagram dele, porque as políticas públicas paga mais para aterrar, do que para reciclar. E ele estava lá quebrando as garrafas, tá no Instagram, quebrando. E eu fico, meu Deus, eu podia fazer alguma coisa com isso aqui. Aí estou tentando, fazendo uma pesquisa, comprei uma maquininha, ela chegou ontem. Antes tinha dois jovens aqui que estavam me ajudando, começou a se envolver, eu comecei falando para eles, aí montaram grupo de, pra fazer, como é um grupo? Chamar um grupo para reciclar? Esqueci, tá! Mas vamos lá! Aí eles começaram a se envolver e os jovens começaram a aderir, começou eles receber do povo______ Eles receberam três bags e eles começaram a juntar, era um grupo muito bom para juntar eles, eles faziam mutirão, primeiro eles vieram aqui me ajudar, aí eu tinha muita garrafa, plástico aqui na frente da minha casa, aí teve umas outras vezes que eu doei, eu não tinha necessidade do dinheiro, vou doar! Doei! O vizinho chegou aqui: “dona Josefa, a senhora pode me dar um pouco dessas garrafas, desse material?” “Não, pode pegar!” “Eu tô precisando disso para as minhas crianças.” “Pode pegar, leve tudo!” Aí levava, aí esvaziava o espaço. Aí teve um ano, o ano que esses dois jovens, era o Yuri e o Jackson, aí eles começaram a me ajudar, aí eles foram atrás de bag, foram… Eu fui atrás de transporte, aí eles agilizaram e desceram com os bags, enchiam vários bags e descia ladeira. Porque eu moro numa ladeira boa, eu moro mias aqui para baixo. Aí botaram em cima do caminhão, levaram inteiro, foram lá, venderam. E aí quando terminava de levar o carreto, aí dividia cada um X, X para cada um e me dava o que era necessário, entendeu? Só que aí depois eles arrumaram emprego, alguma coisa para trabalhar… Aí depois eu comecei… Não parei! O local tá ali, o pessoal chega e coloca o material lá. E aí sempre quando tá muito cheio, eu vou chamando os próprios colegas, aí vem e eu pago a pessoa, e o resto fica comigo. Mas aí em 2021, eu comecei a pesquisar no YouTube e achei um canal, chamado Uirapuru, que é um professor, o nome dele é Gleison, ele é brasileiro e ele fez concurso e foi morar na Alemanha e passou 23 anos na Alemanha e ele sabe tudo de reciclagem. Ele fala de tudo, como você reciclar, como você ganhar dinheiro com isso. E aí eu fiz um workshop de uma semana, raspei minha poupança, foi R$480,00, ai minha neta e meu neto, “mas vó, a senhora vai gastar o seu dinheiro para fazer isso?” “Eu vou!” Aí paguei, foi só uma semana de orientação, essas coisas. E o curso na verdade, sabe quanto era o curso para fazer R$ 5.000,00, fazer o curso completo. Onde eu vou arrumar esse dinheiro, meu Deus? Eu não tenho! Mas fiz, já tinha pago o workshop, participei! Só que dentro desse workshop, ele dava várias coisas, e aí ele falou do biodigestor. O que é biodigestor? Aí fui lá pesquisar o que era biodigestor. Eu fiquei maluca! O que é biodigestor? O que é biodigestor para você?
P - Não, conta a senhora, o que é o biodigestor?
R - Eu fiz a pergunta do que é o biodigestor e se é possível você gerar seu próprio gás de cozinha? Você acha que é possível a gente gerar o nosso próprio gás de cozinha?
P - Eu acho que sim! Mas eu quero que a senhora conte. Como é que a gente faz isso daí?
R - Aí eu descobri, comecei a pesquisar, pesquisando. Como é que pode, a gente joga tudo fora, né? Quando a gente pode estar gerando o nosso próprio gás de cozinha. Comecei a pesquisar. E aí eu entrei em contato com a ONG, a ONG SPPA, que nos apoia na agroecologia, eles reconhecem. Que a pessoa do Verdejar deu uma pausa, todo mundo distante um do outro. Aí eu disse: “não, se você tem que ir no dono dos porcos, não fala com o secretário não, vai logo falar com o dono dos porcos. E aí eu falei com a pessoa, “eu tenho interesse em colocar um biodigestor na minha casa, queria saber se vocês podiam financiar isso para mim.” E aí eles financiaram. Aí colocaram biodigestor, teve oficina no dia 31 de agosto de 2022. E aí foi instalado aqui na minha casa, tem na página, também tá lá no Verdejar. E aí esses dois jovens que me ajudaram na reciclagem, também participaram dessa oficina do biodigestor, com o apoio da SPPA. E aí teve essa oficina, foi instalado aqui na minha laje. Só que aqui é uma área de risco, a qualquer momento pode estar dando tiro, aí eu botei aqui do lado da minha casa. Só que aqui do lado da minha casa, o sol começa a bater de 11:30, 2:30 o sol vai embora, porque quanto mais calor, mais ele produz gás. E aí eu esvaziei, fiz teste, só que eu não consegui ver, não liga, como meu celular foi roubado, eu não acho esse vídeo. E eu fiz teste e realmente saia gás e a gente cozinhava, cheguei a botar o gás num saco aqui e trouxe para mostrar para os meus netos, “isso aí! tá vendo que é verdade.” Fritei até um ovo na hora, com gás no saco. E aí lá também fiz o teste, saiu fogo, porque tem um lugar que a gente abre e toca fogo, não tem perigo de explodir, de haver explosão como tem o gás da Petrobras, etc. E aí? Disse, meu Deus, como é que pode, a gente pode…. Sim, aí nesse período, antes de ser instalado esse biodigestor aqui, pela SPPA, aí eu comecei vendo no YouTube, montei o biodigestor sozinha. Aí a minha colega, que é do Verdejar, a Célia, me colocou num grupo que é de energia, para produzir energia, essas coisas, me colocou lá. Um dia era a aula com o professor, que é do Paraná, parece, professor Arthur. Aí eu quando terminou a aula, “professor, posso mostrar um negócio para o senhor?” “Pode dona Josefa.” Aí eu levei o celular lá, disse: “olha aqui professor!” Ele: “dona Josefa, a senhora é professora! Aí a senhora montou isso aí?” “Fui eu que montei, montei até com filtro.” Porque colocando com filtro, o gás já sai lavado, não sai com aquele cheiro, entendeu? E aí hoje, em dia eu fico pensando…. Aí to vendo aqui, junto com… Participei de uma mentoria no Lavic, que é da URFJ, aqui no Rio de Janeiro, a gente passa três meses estudando, que dá apoio a pequenos projetos, aí ele nos dá mentoria. Aí eu falei do biodigestor, e aí o Subprefeito, Pedro Vaz, que é aqui do Rio de Janeiro, da Subprefeitura da zona norte, ele ouviu alguma coisa. E ele tinha ido para Portugal aprender alguma coisa sobre energia, alguma coisa que aproveita o material orgânico e gera energia. Aí ele queria até falar comigo, mas até então não falou. Ne inscrevi lá e ele já mandou um áudio para mim, dizendo: “dona Josefa, quando quiser me procurar_________. As pecinhas estão começando a se encaixar, montar o quebra-cabeça. E aí ele disse que queria falar comigo, mas até então não falamos, mas aí eu creio que um dia. Mas a minha ideia, não é só ficar para mim, isso pode ser incluído…. Já participei de várias, fui chamada para falar não sei aonde, não sei aonde, falar sobre o meio ambiente. E aí isso aí podia ser incluído por políticas públicas, a gente cobrar mais de quem pode. Aqui na minha comunidade eu fico olhando para os esgotos quando a gente poderia estar produzindo gás com aquele esgosto, pessoas que vem na minha porta pedir dinheiro emprestado para comprar o gás, porque as condições estão difíceis, então eles vem aqui me pedir. Meu Deus, tanta coisa que a gente joga fora poderia estar produzindo. Claro que depende de espaço, quem mora em casa alugada não vai poder fazer, pode ser coletivo, pode ser individual. Já o coletivo corre o risco de alguém colocar material químico e estragar, porque mata as bactérias. Então tanta coisa, tanta riqueza que a gente… “Ah não, vamos descartar isso daí que não gera nada!” Além da reciclagem, outro dia estava vendo um vídeo, eu descobri um vídeo que tem um moço que tem um projeto que ele faz lera, lera, ele sai catando nas escolas e no espaço lá e ele produz o orgânico, o composto, com o material que vai para o aterro sanitário. A gente pode fazer o projeto dos baldinhos também, nas casas e colocar esse material. Só que eu sozinha eu não tenho perna para tanta coisa. Mas eu desejo ver aqui na minha comunidade, acho que até morrer eu ainda vou pedir ajuda, vamos fazer, chamar a prefeitura, fazer uma rede, a Columb, fazer uma rede para ajudar, para a gente colocar esse projeto aqui. Também eu vi um vídeo que a universidade rural pode chamar os estudantes e ajudar nesses projetos também, que é uma boa também. Eu sozinha não posso, mas tem um monte de conhecido, mas um dia eu vou chegar lá. E também trazer esse projeto para minha comunidade.
P - E você tava comentando sobre a coleta e falou sobre poder público e tal. Como é que essa questão da coleta aí no morro, a coleta pública mesmo, como é que a prefeitura realiza isso aí no morro?
R - Nós moradores, como não tem acesso, o carro não sobe aqui, nada, a gente tem que descer de escadaria, mas cada um desse com o seu lixo, seu resíduo, coloca lá embaixo. Só que as pessoas colocam tudo misturado. E na pandemia, como não tinha nada para a gente fazer, aí comecei falando com a pessoa que tem cooperativa e ele me cedeu um monte de sacos, e eu comecei a fazer um trabalho. Além de pedir as pessoas que ganhavam cesta básica e faziam a troca, tinha um moço que juntava lá em cima os sacos e mandava os jovens descer para mim e subia com as cestas básicas dele. E aí esse senhor veio a falecer. Aí eu disse, não, vou fazer um outro trabalho. Aí comecei a andar de porta em porta, na minha rua, na outra rua, em cima no morro e comecei fazendo um trabalho, falando com os moradores e dando um saco para eles, levava um saco, “você bote todo seu material reciclável aqui nesse saco”. Como eu fazia lá em Recife, “tal dia eu venho buscar!” E os moradores começaram a aderir, só que eu não tinha… to me sentindo cansada, não é mais para mim esse trabalho, depois que os jovens pararam. Puxa, tanta coisa vai para o lixo. Aí comecei fazendo esse trabalho, mas aí dei uma parada. Mas agora eu estou pensando em novamente voltar a fazer esse trabalho, estou pedindo ajuda as pessoas que faz parte da secretaria de reciclagem, essas coisas, para a gente fazer um trabalho aqui. Tem criança que vem aqui, ele traz… Ontem veio uma criança, fora as outras vezes. Com três sacos de garrafa pet, “tia, olha aqui para você!” Aí eu compro bala e deixo bala aqui, aí quando eles vem eu dou uma bala a eles, aí eles vai e pega mais e traz, para ganhar bala, para ganhar pirulito. Aí eu até falei com o meu colega, olha, eu faço um trabalho assim, mas eu quero apoio, eu não tenho apoio financeiro de ninguém. Eu comprei três ecobags ali, para fazer esse trabalho, eu comprei com meu dinheiro, não tenho ajuda financeira de ninguém, até a horta ali, comprei semente, tudo com meu dinheiro. Um rapaz me deu R$ 100,00________ Então, é isso! Que dizer, eu não fico só na reciclagem, fico na reciclagem, plantando e fazendo essas coisas tudo, então… E aí ainda dando oficina, aí como a gente tava parado aqui com relação ao Verdejar, aí eu falei para a moça, a colega que iniciou comigo ali na horta, “olha, vamos fazer uma atividade aqui com as crianças, com as mulheres.” Aqui não tem nada, poder público não entra aqui, o estado não atua aqui na comunidade, muito pelo contrário, tem coisa que acontece aqui que você fica, assim, sabe! Assim, coisa que envolve criança, como não pode ser envolvido, que eles acham que é normal, sabe! Eu não consigo ver essas coisas e ficar calada. E aí eu disse: “não, vamos fazer alguma coisa, aí eu comecei, tinha parado, aí eu comecei de novo, dar oficina de pão, aí eles, quarta-feira, “tia, a senhora vai fazer alguma coisa quarta-feira?” “Não meu filho, vou não!” Porque eu fiz uma cirurgia na boca, tô com dificuldade ainda de falar, aí dei uma pausa. Aí a outra quarta-feira passada eu fiz uma oficina______ Aí o meu colega que tá fazendo trabalho de postagem, essas coisas. E agora eu estou pensando em fazer outras atividades, sempre no dia que eu puder, numa quarta-feira, eu ter um horário com as crianças, com as mulheres, entendeu? Para dar alguma coisa, uma oficina de alguma coisa para as mulheres, para as crianças, para os jovens. Tô puxando os jovens também! Só que as pessoas que passam o seu tempo fazendo alguma coisa, eles querem ganhar, eu não tenho nada para eles. E os jovens ficam se envolvendo com coisas que não precisa eu falar, tá envolvido, quando você pensa que não. Criança que eu vi, hoje tá envolvido com essas coisas que sabe, muito difícil! Aí eu queria trazer mais atividades, trazer outros tipos de oficinas, arte, teatro, aqui para minha comunidade_______ Aí o meu colega, se você tivesse benefício para pagar um professor para dar um atividade, diga-se de passagem. Claro que todo trabalhador é digno do seu salário. E aí também em 2022, porque aí como eu participei do Labic, eu ganhei R$ 1.000,00, aí eu paguei um professor e ele deu aula aqui na minha laje. Também tá na página do Facebook, com material reciclável, aula de música com material reciclável. Aí você vai olhar e vai ver lá na página do Facebook. Então as crianças fizeram instrumentos e as crianças amaram, aproveitando o material reciclável.
P - Você estava contando sobre as crianças, mas aí você falou sobre as mulheres também. E aí tem uma questão de acessibilidade e de dignidade para elas também terem sustento econômico. Como é que acontece isso daí na comunidade?
R - Bom, como eu não tenho espaço, a minha laje não é coberta, eu tenho problema aqui que a minha laje não é coberta. E eu falei com um moço ali, que tem um espaço bom, uma laje, aí eu falei com ele, aí ele disse: aqui só não pode trazer problema político, negócio de fazer politicagem. Eu disse: não, tudo bem, eu queria dar aula para as mulheres, para as crianças. Ele disse: as crianças vão mexer! Não, eu vou marcar para tal idade, já digo para eles não estar mexendo nas coisas aqui no espaço. Aí ele disse: não, tudo bem! Aí a primeira oficina a gente deu oficina de sabão, eu comprei a soda cáustica, o óleo eu já tenho de reserva e aí eu dei oficina para as mulheres. Cada uma levou um pote de sabão para casa, entendeu? Aí deu uma oficina também de pão, eu que comprei o material e dei oficina de pão para as mulheres. E aí a gente deu uma pausa, mas nessa pausa, eu vou dar alguma coisa para as crianças, aí foi quando eu marquei a oficina de pão para as crianças, aí eles estão esperando, “ah tia, a gente quer uma oficina de fazer bolo.” Aí eu já quero ensinar eles a fazerem bolo para eles aprenderem e comer também. Aí quando eu termino a oficina, cada um leva o pão, ganha um pãozinho assim e leva para casa, bolo vai ser da mesma forma, entendeu? A minha colega também deu aula de bijuteria. E a gente vai trazer alguma coisa que possa trazer para as crianças, outras atividades.
P - A gente tá se encaminhando para as perguntas finais já, dona Josefa. Mas eu tô gostando bastante de ouvir. Como é que a senhora vê o morro e os projetos todos daqui 5, 10 anos, quais são as suas previsões para o futuro, o que você gostaria?
R - Bom, o que eu gostaria é de todo espaço ter horta. Espaço improdutivo, que a gente vê muitos espaços aqui improdutivos. Quando eu vejo um espaço que só tem mato e aquele mato não tem nenhum valor, capim. Se bem que tem capim que tem valor. Então eu fico namorando aquele espaço. Eu desci aqui, comecei ajeitar a minha rua, já plantei feijão, plantei soja, plantei amendoim, sai plantando, hoje eu vi que o bicho tava bem grande, tá chovendo aqui. E comecei lá na horta também, como eu tinha dado uma parada, as pessoas, e aí, a senhora abandonou a horta? Eu disse: não! O pessoal tá vindo me apoiar, vamos ver! Claro que as coisas não acontecem de repente, eu sempre dizia para os meninos, para o Yuri e para o Jackson, a gente tá plantando uma semente, a gente planta hoje para colher daqui uns meses, uns anos. Não é assim que a gente consegue as coisas, dinheiro também não está fácil para a gente ganhar, claro que cada um quer ter uma ajuda. Então eu tô plantando uma semente, tem o espaço ali da horta, tô plantando, já plantei coentro, já vendi coentro. Agora plantei nas bandejas, alface, couve, tô pensando em espalhar lá. Já ganhei…. falei com o moço, moço aquele espaço ali tá improdutivo, me empresta lá, quando você for construir alguma coisa eu te devolvo o espaço. Ele: não, dona Josefa, pode ir! Eu: ta bom! Já tô pensando em chegar lá, meter a enxada e começar a plantar. Além da horta, a reciclagem e fazer uma comunidade limpa, organizada, educando as crianças, educando os adultos, trazendo… fazendo uma estrutura bonita, chamar a prefeitura para nos apoiar. E eu estou pensando em fazer outro mutirão. Comecei a fazer mutirão de novo com a reciclagem, falando com os moradores, até pedi ajuda ao meu colega, ele disse: eu vou tentar lhe ajudar. Então eu vou ter que articular com várias pessoas e a gente fazer um mutirão. E chamar a imprensa também_____ Outro dia a gente participou de um mutirão em Copacabana, Leme, para retirar todo o material das praias, a gente participou lá. Eu quero um evento bem bonita aqui para comunidade, para chamar atenção. Bem organizado, sem lixo na rua.
P - Esse material que a senhora está contando que foi lá em Copacabana tirar, vocês fazem o quê com esse material depois?
R - Como foi o Edson Freire, que tem uma cooperativa, que organizou, ele levou para a cooperativa dele, entendeu? O processo eu não sei como eles fizeram, ele que estava responsável e a gente foi, ele pagou o transporte para mim, foi eu e alguns jovens aqui da comunidade, fizemos o trabalho lá. O meu neto também de 9 anos também foi participar desse mutirão lá nas praias.
P - E me conta dona Josefa, falando de todos esses projetos, essas questões todas, o que que a senhora gostaria de deixar como legado?
R - Deixar como legado? São tantas coisas, são tantas coisas que eu penso em deixar como legado. Só em manter uma comunidade organizada, as ruas organizadas. E além disso ainda ter um outro projeto, eu ficava olhando para o morro e o morro é cinza, as escadarias são cinzas. Aí eu pensei com o colega, eu queria botar um festival de grafitagem, de pintura para pintar essas escadas. E fiz! Como lá no workshop eu aprendi que tem sobras de tintas nos materiais de construção são jogadas no lixo. Eu disse: vamos fazer um ofício! O meu colega elaborou o ofício e eu fui em cada material de construção aqui perto do meu território, saí pedindo. E eles começaram a doar para mim. E eu pintei as escadas, tem algumas fotos em alguns grupos e tem também lá no Verdejar, na página deles. Eu comecei a pintar as escadarias. Não atingi ainda todas as escadas. Mas meu sonho é olhar e ver tudo pintado. Claro que eu pintei com a tinta que chegou na minha mão, quando seria só tinta óleo, porque tinta óleo demora para sair, não sai com facilidade, com a chuva. E os muros que estão feios, fazer grafitagem, só que no dia só vieram três grafiteiros, aí fizeram o meu muro, fizeram outro muro. Mas eu não queria aqueles desenhos muito… queria flores, crianças, aquelas coisas bem mais alegres. Então ainda não terminei esse projeto, fazer uma comunidade bem diferente e tudo organizado, com horta, com o lixo no seu devido lugar, tudo limpinho, organizado, pintado também, florido também .
P - Dona Josefa e tem alguma coisa que a senhora gostaria de contar, alguma coisa que a senhora gostaria de falar que eu não perguntei?
R - Não!
P - Eu queria fazer uma comparação daquele seu começo de vida que a senhora falou que foi bem sofrido lá em Pernambuco e de agora, esse momento da sua vida, como é que a senhora faz um balanço daquele momento lá de Pernambuco e agora aí no Rio de Janeiro?
R - Hoje graças a Deus não tenho sofrimento não, só tenho alegrias e desejo de realizar as coisas para ajudar o próximo, porque eu penso em ajudar o próximo estou ajudando a mim mesmo.
P - E o que que a senhora achou de ter dado uma entrevista e saber que agora sua história vai fazer parte de um museu?
R - E menino, isso daí… ainda não caiu a ficha não!
P - Mas o que a senhora acha sobre isso, que agora sua história vai ficar para posteridade. Um dia eu, a senhora, o Alisson, todo mundo vai embora e essa história vai continuar, o que que você sente com essa notícia?
R - Me sinto alegre, feliz, de poder estar participando, fazer parte de um museu, muito chique isso! Mas aí eu pensava assim, que a gente ia mostrar alguma coisa, mas não, é só mais falando, né!
P - É porque aí a gente quer conhecer a sua história de vida, então essa parte da história, do que a senhora contou, foi muito bom, eu agradeço muito pela sua disponibilidade, por ter contado a sua história, dona Josefa. Muito obrigado!
R - De nada! Obrigada eu, por ter me aturado esse tempo todo.
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