P/1 – Vamos lá. Pra começar, eu queria que você se apresentasse, dizendo o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – João Paulo Mazzei Adolpho, nasci em Vinhedo, 14 de março de 1976. Trabalho aqui na Ecoway já tem vinte anos. Sou formado em Administração, Comércio Exterior, tenho uma pós. Acaba que não trabalho exatamente na área, mas Administração, ao mesmo tempo, se aplica a tudo na nossa vida. E eu vim parar na reciclagem e já tô aqui há vinte anos. Sobre o meu trabalho, ou sobre a vida desde que eu tô aqui na Ecoway… começo, ou então...
P/1 – Não, não. Eu vou indo, tá? Vou fazendo perguntas, aí você vai…
R – ... vou falando, por blocos. Tá bom.
P/1 – Quais os nomes dos seus pais?
R – Meu pai é Paulo Rodrigues Adolpho; minha mãe, Elza Marina Mazzei Adolpho.
P/1 – E o que eles fazem?
R – Meu pai é advogado, já não trabalha mais, está aposentado. E minha mãe é professora de Educação Física. Deu aula numa escola muitos anos, teve academia mais muitos anos e hoje ela tem um projeto, faz um trabalho voluntário na casa dela, que ela ensina crianças lá do condomínio que ela mora a nadar. Então, ela atende a molecadinha lá do condomínio, lá, filho de funcionário, ou crianças que não têm acesso a uma piscina, ela, por ser professora de Educação Física, já aposentada também, ensina essa criançada a nadar.
P/1 – E onde que eles nasceram?
R – Meu pai e minha mãe, os dois nasceram em Jundiaí. Isso. Meu pai tem 77 anos, minha mãe tem 75.
P/1 – Você sabe como eles se conheceram?
R – Ah, em Jundiaí. Eu não sei exatamente como. Mas Jundiaí é uma cidade hoje relativamente grande, mas naquela época lá era bem menor. E devem ter se conhecido, não sei, na praça ou em algum lugar assim.
P/1 – E como você os descreveria? O jeito deles, temperamento.
R – Ah, resumindo assim é...
Continuar leituraP/1 – Vamos lá. Pra começar, eu queria que você se apresentasse, dizendo o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – João Paulo Mazzei Adolpho, nasci em Vinhedo, 14 de março de 1976. Trabalho aqui na Ecoway já tem vinte anos. Sou formado em Administração, Comércio Exterior, tenho uma pós. Acaba que não trabalho exatamente na área, mas Administração, ao mesmo tempo, se aplica a tudo na nossa vida. E eu vim parar na reciclagem e já tô aqui há vinte anos. Sobre o meu trabalho, ou sobre a vida desde que eu tô aqui na Ecoway… começo, ou então...
P/1 – Não, não. Eu vou indo, tá? Vou fazendo perguntas, aí você vai…
R – ... vou falando, por blocos. Tá bom.
P/1 – Quais os nomes dos seus pais?
R – Meu pai é Paulo Rodrigues Adolpho; minha mãe, Elza Marina Mazzei Adolpho.
P/1 – E o que eles fazem?
R – Meu pai é advogado, já não trabalha mais, está aposentado. E minha mãe é professora de Educação Física. Deu aula numa escola muitos anos, teve academia mais muitos anos e hoje ela tem um projeto, faz um trabalho voluntário na casa dela, que ela ensina crianças lá do condomínio que ela mora a nadar. Então, ela atende a molecadinha lá do condomínio, lá, filho de funcionário, ou crianças que não têm acesso a uma piscina, ela, por ser professora de Educação Física, já aposentada também, ensina essa criançada a nadar.
P/1 – E onde que eles nasceram?
R – Meu pai e minha mãe, os dois nasceram em Jundiaí. Isso. Meu pai tem 77 anos, minha mãe tem 75.
P/1 – Você sabe como eles se conheceram?
R – Ah, em Jundiaí. Eu não sei exatamente como. Mas Jundiaí é uma cidade hoje relativamente grande, mas naquela época lá era bem menor. E devem ter se conhecido, não sei, na praça ou em algum lugar assim.
P/1 – E como você os descreveria? O jeito deles, temperamento.
R – Ah, resumindo assim é complicado, até porque a gente se vê um pouco. Quando a gente vai ficando mais velho, você começa a ver que tem um pouco de cada um. Meu pai é assim: um cara animado, um piadista, mas também, ao mesmo tempo, severo. Ele tem os momentos. Minha mãe é mais uma sonhadora. Um astral… ela é mais “paz e amor”. Ela é natureza, bicho. Se fica sabendo que tem um gato não sei lá onde, ela vai dirigir cem quilômetros atrás do gato, tadinho, cuida. Tanto que tem vinte gatos na casa dela, tudo “catado”. Ela é um astral mais tranquilo.
P/1 – E como era a sua relação com eles, na infância?
R – Ah, sempre foi muito boa, minha relação. Sempre me dei muito bem com os dois, mas eu tinha uma afinidade maior com a minha mãe, assim, no dia a dia. De passear, de fazer uma atividade. Minha mãe, por fazer muita atividade física, ela é nadadora até hoje, então a gente viajava junto. Até, às vezes, quando eu tinha vinte e poucos anos, ela tinha quarenta e pouco: “Ah, são um casal?” “Não, é minha mãe”. Então, a gente fazia muita atividade, eu viajava com prazer. Até hoje. Na semana passada, retrasada, a gente foi pra Ilhabela, pra nadar no mar. “Vamos nadar?” “Vamos”. Então, eu me dou muito bem com os dois. Com o meu pai, a gente sempre tratou mais de negócio, investir em alguma coisa, quando foi montar a empresa, a gente sempre também foi muito bem, mas com a minha mãe era mais um negócio… mais lazer. Eu sempre me dei bem com eles, até hoje me dou. Eles não moram juntos, mas convivem também. Almoçam e tal. E a gente se dá bem.
P/1 – Você tem irmãos?
R – Eu tenho um irmão, mais velho. Ele já é um pouco mais “desgarrado”, assim. Acho que era aquela coisa de irmão que competia e tal. Sempre teve uma disputinha, bobeira de irmão. E até hoje é meio assim, ele é um pouco mais distante. A gente se vê pouco, pra falar a verdade. Apesar da gente morar em Jundiaí, a gente mal se vê. Ele tem a vida dele, trabalho, tal e eu tenho as minhas atividades. Então, eu tenho só ele de irmão.
P/1 – E você conheceu os seus avós?
R – Conheci todos, as duas avós e os dois avôs. Convivi muito bem com eles, só tem vinte anos, aí, que eu perdi o último, mas conheci todos eles, sim. O meu avô, pai da minha mãe, é italiano, veio da Itália, mesmo, já era menino. A minha avó, casada com esse meu avô, da minha mãe, também é descendente de italiano, nadadora também. Os dois esportistas. Meu avô era um desbravador, mergulhava, na época do escafandro, ele ia catalogar naufrágios em Ilhabela, imagina só! Naquela época, né? Era um desbravador. E meu outro avô, pai do meu pai, também um cara nota mil. Ele também descendente de italiano, era brasileiro e minha avó, casada com ele, alemã, filha de alemães. E eles, mais tranquilos, assim. Uma vida mais caseira. Mas os dois nota mil, também. Esses avós, gostava muito. Convivi até mais com eles.
P/1 – Tinha alguma atividade que você gostava de fazer com eles, que você se lembra?
R – Olha, com o meu avô, pai da minha mãe, ele tinha um sítio, então pra gente aquilo era uma coisa infinita. Tinha lá um lago, tinha isso. A gente gostava de desbravar o sítio dele, quando pequeno. E com o meu avô, pai do meu pai, eu gostava da casa dele porque sempre tinha uma surpresinha. Era um avô que dava um chocolatinho, dava semanada pra gente, era um dinheirinho lá pra gente comprar um lanche. E ele gostava de ler notícias, ele falava inglês bem e a gente criança, ficava admirado, né: “Nossa, o meu vô…” Jogava damas. Ele fazia atividades, assim, intelectuais. Gostava demais. Sempre tinha alguma coisa a aprender com ele, lá.
P/1 – E costumes da sua família, assim? Tinha… você lembra de algum cheiro da infância, um sabor ou alguma receita de comida, datas comemorativas?
R – Você sabe que a gente, eu e meus pais, a gente sempre foi muito unido, mas ao mesmo tempo cada um tinha uma vida. Então, em especial assim, nada. Tinha muita coisa que a gente fazia, viajava muito junto, eu e minha mãe, então. Mas algo específico, atividade física, talvez, assim. Minha mãe é da água, esporte, nadar. É isso aí e eu também, como pratiquei a vida inteira esporte, natação, águas abertas, polo aquático, é o esporte que eu joguei a vida toda e jogo até hoje, obviamente num ritmo mais tranquilo, felizmente. Mas é isso aí, atividades ‘outdoor’, assim.
P/1 – E você sabe a história do seu nascimento? Como escolheram seu nome?
R – Não sei. Acho que gostaram do nome João Paulo. Meu irmão se chama Pedro, então acho que é nome bíblico. Acho que pode ser. O papa era o João Paulo quando eu nasci, em 1976. Não sei se foi por isso, mas deve ser.
P/1 – João, você lembra da casa onde você passou sua infância?
R – Lembro. Meu pai mora nela até hoje. Meu pai mora nela, em Jundiaí. E eu vou lá até hoje, pra mim é minha casa. Já tem mais de quinze anos que eu saí de lá. Vinte, há mais de vinte anos, mas a casa dos pais sempre é a casa dos pais, né? Então, eu lembro bem.
P/1 – Como que é?
R – Casa, rua. Uma casa grande, com quintal grande. É uma área urbana, mas um quintal assim… não tem mais, mas tinha pé de manga, pé disso, pé daquilo, na cidade. Então, era uma casa que sempre a molecada do bairro ia lá, porque tinha espaço. E pra mim sempre foi uma casa acolhedora. Era a casa que era dos meus avós, isso meu pai conta. Meu avô morava em outra casa, mas quando fizeram lá era a casa deles, depois meu avô saiu e meu pai ficou lá. Então, é no centro de Jundiaí, praticamente, mas ao mesmo tempo é meio um estilo… uma “chacrinha”, no centro de Jundiaí. É bem legal.
P/1 – E as brincadeiras favoritas de infância?
R – Olha, desafio. Bicicleta, eu gostava de empinar a bicicleta, quem empinava mais. Skate. Infância, assim, dez, doze anos, catorze. Até a pré-adolescência, adolescência. Tinha bastante moleque lá no bairro onde a gente morava, então assim, tinha uns terrenos baldios, era esconde-esconde à noite, polícia e ladrão, brincadeira de moleque de bairro. Fazia uns “aprontos”, entrava em obra, pulava na casa de um, pegar fruta no pé… coisas do tipo. É bem legal. Estava começando, eu tenho quarenta e cinco anos, então eu tinha dez, doze, estava começando a ter shopping em Jundiaí. Shoppings a gente queria ir, em São Paulo, no Ibirapuera, tinha lá o Morumbi, o Morumbi está bonitinho, ainda. Era o Ibirapuera, o Eldorado e lembro que estava abrindo o Center Norte, na época da década de 1990. Então, tinha pouca opção. Então, a gente ficava no bairro, mesmo, na rua, aqui em Jundiaí ou no Iguatemi em Campinas, que era passeiozinho: “Olha, no final de semana nós vamos no shopping” “Ai, que legal, vai comer no McDonald’s”. Era um luxo isso, na época.
P/1 – Na sua infância tem alguma história que você se lembre, assim, um dia marcante, algum momento?
R – Vários. Mas alguma coisa assim, em especial, da minha infância? Vários. Talvez agora não saberia pontuar algum. Mas, não sei, um presente ou alguma coisa assim que eu ganhei, uma bicicleta… olha, lembrei um: o condomínio da minha mãe tem um lago, lá onde ela mora. E eu tinha uns dez, onze anos. E o lago deve ter trezentos metros e o desafio era atravessar o lago a nado. Hoje, você vai lá, quem nada, aquece na travessia. Mas eu com dez, onze anos, dez anos, acho que atravessar aquele lago nadando foi uma coisa legal. O primeiro marco. Tanto que, depois de adulto, até hoje, eu vou pra alguns lugares e vejo uma ilha, falo: “Vou nadar” - vejo quanto tem, três quilômetros - “... até lá”. Eu gosto de fazer isso até hoje. De repente, por causa disso. Onde é o ponto que eu tenho que chegar? Lá. Então é lá que eu vou, eu me programo. Eu faço isso pelo desafio. Melhor se nadar, eu penso, três quilômetros e chegar em algum lugar, do que ficar nadando três quilômetros indo e voltando numa piscina, que nem um rato de laboratório na piscina.
P/1 – E, na infância, você pensava o que você queria fazer, quando crescesse? Você tinha… pensava nisso, sonhava com isso?
R – Não. Eu pensava em fazer alguma coisa que me proporcionasse uma renda para eu fazer outras coisas. Eu admiro quem ama o trabalho que faz, sabe? Eu não sou fã do trabalho, não. Eu tô aqui, faço isso, acho legal e tal. Mas se amanhã você falar: “O trabalho agora, legal, é fazer guarda-chuva”, vamos ver, fazer guarda-chuva, tal. Se é fazer camisa, vamos fazer camisa. Eu não tenho apego a isso, ao tipo de atividade. Aliás, acho que quem trabalha com reciclagem, como eu te falei, a minha mãe é meio poeta, assim: “Ai, o meio ambiente” e tal. Já meu pai, não. É um advogado, ele já está ligado à coisa que tem que fazer e pela minha formação também: nada se sustenta, se não for o negócio se retroalimentar financeiramente e tal. Uma atividade, você não pode sobreviver de subsídio, seria uma “esmola”, dizendo assim. Vou dar uma conotação pejorativa, mas não nesse sentido. Então, tem que ser um negócio sustentável, você tem que comprar o negócio por um real, processar, vender por dois reais e a atividade assim se perpetua. E acho que esse negócio do meio de reciclagem vem da mistura do negócio lá do meu pai, como da poesia da minha mãe, do meio ambiente e tal. E eu vim parar aqui. Meu irmão é Engenheiro de Materiais, também, então tinha um processo a desenvolver e eu vim parar aqui. Acho que o meio me trouxe até aqui, a vida me trouxe até aqui. Mas o cara trabalha com o que gosta, tipo assim: se eu trabalhasse com, eu gosto de pilotar carrinho ‘off road’, eu tenho uma atividade UTV. Pô, o cara que consegue trabalhar com o que gosta, eu admiro, invejo até. Se bem que acho que quando vira trabalho, aí deixa de ser hobby, deixa de ser lazer. Então, tô aqui.
P/1 – Que lembranças você tem da escola?
R – (risos) Estudei em várias. Mas amigos e a chatice de acordar cedo. Eu nunca me dei bem em acordar cedo. Aquela coisa… se precisar de mim meia noite podem me ligar, se tiver que fazer alguma coisa e tal, não tem problema. Eu sou mais vespertino... notívago. Agora, de manhã, aquela coisa de acordar às cinco e meia da manhã pra ir pra escola sete horas, o cara falando: “Blá, blá, blá”. Eu me lembro, acho que era o professor do Charlie Brown, lá, do Snoopy: “Wah wah wah, wah wah wah”. Que desespero, acordar cedo pra escola. Mas eu gostava das amizades, relacionamento, Educação Física, amava jogar lá. Mas o lance de acordar cedo durante ginásio e colegial, era terrível.
P/1 – Teve alguma das suas escolas que mais te marcou, de alguma forma?
R – A que eu mais estudei se chama Colégio Divino Salvador, era o colégio que eu estudei um tempo no primário, saí, depois voltei pra lá, ginásio e colegial e muitos amigos que eu tenho hoje são de lá. Dois lugares que eu tenho os amigos que a gente traz, as amizades, acho que isso é normal, com todo o mundo: escola e do esporte, do polo aquático.
P/1 – Você começou a praticar esporte fora da escola, desde cedo?
R – Desde cedo. Então, eu tinha o esportezinho na escola, tal, mas eu fazia atividade fora. Então, jogava vôlei no Sesi, em Jundiaí tinha um Sesi que tinha um time de vôlei legal. Fiz karatê também, numa academia por um tempo, judô. Mas, isso quando era muito criança, o que eu levei bastante foi o vôlei, até um período e dos treze para os catorze anos em diante. O polo, que eu fazia no Clube Jundiaiense, que até hoje eu jogo lá com a turma, lá.
P/1 – E como foi se formar no colégio, esse período de final de ciclo e começar a pensar nos trabalhos?
R – É, eu comecei a trabalhar… assim, desde cedo tinha o lance de trabalhar, meu pai queria, né, desde que eu tinha treze anos, sétima série: “Vai trabalhar no escritório do seu avô!” Meu avô, pai da minha mãe, era auditor fiscal, auditor contábil. Então: “Vai trabalhar lá!” Treze anos, eu queria brincar, né, queria curtir. Eu ia lá e trabalhava meio período. Durante seis meses eu fiz isso. Aí, depois, minha mãe tinha uma academia: “Vai trabalhar na academia de sua mãe!” Aí eu ficava lá, ia duas horas por dia, três horas, ficava lá, marcando a fichinha, quem entrou, quem saiu, quem pagou, sei lá. Então, eu sempre trabalhei de uma forma meio tranquila, dos treze pra catorze anos, não é que tinha que bater cartão, mas tinha um “compromissinho”, aquela coisa. Isso foi ginásio. Aí, colegial também trabalhei um pouquinho na academia da minha mãe, meu pai me pôs no escritório dele uma época lá, ficar lá. Meu, imagina um escritório de advocacia! “Alô, pois não”. Que chatice! Aí eu trabalhei lá um tempo e eu comecei a trabalhar com compromisso de horário e tal quando eu estava na faculdade, que eu fazia Comércio Exterior lá em São Paulo, na Unip. Isso em 1996. E aí eu trabalhava lá no escritório, que era um amigo até do meu pai, me encaixou numa ‘trading’ e aí eu trabalhei um ano e meio, dois anos lá. No segundo ano de faculdade, parei no terceiro ano e voltei a trabalhar numa outra ‘trading’, aí já era um amigo meu, de classe, me encaixou nesse trabalho, estava precisando de alguém lá. E eu fiquei lá acho que mais dois anos, também, nessa ‘trading’ ali em São Paulo, na Vila Olímpia, lá. Aí, isso foi em 1999 para 2000, foi quando surgiu a possibilidade de abrir empresa aqui, porque eu conheci um cara que tinha uma patente e tal, meu irmão fazia Engenharia de Materiais e aí eu me desliguei lá do trabalho que eu tinha, com a expectativa de montar aqui. E aí essa transição foi acontecendo aos poucos. Não foi muito “De repente Marvin. Quando eu vi, minha barba estava desse tamanho”. A música lá. De repente, eu estava trabalhando já na empresa aqui, sim, mas eu era novo. Hoje eu vejo. Era 2000, eu tinha vinte e quatro anos. E estava com a empresa montada, funcionário e tal, de repente você se vê com um monte de obrigação, funcionário, fiscal, que você tem isso e no Brasil, é uma exigência que eu acho até que chega a ser desestimuladora e isso eu falo como empresário, assim: desencorajador. Se perguntar, minha filha vai montar um negócio, eu vou falar assim: “Pensa bem”. Porque parece que quem quer empreender no Brasil, às vezes, tem um caráter vingativo, algumas pessoas, de cobrar, exigir. Calma, está montando um negócio agora. O cara montou um carrinho de suco, de coco, sei lá, na praia, já vem exigência, PPRA, calma. Então, o Brasil tem um pouco disso. É até uma mágoa. Acho que o empresariado, não tô falando de empresário grande no Brasil, nem sei, nem imagino como funciona numa escala assim, mas o pequeno empresário brasileiro, que é o caso nosso aqui, que empreende - a gente tem aqui, até tem quarenta funcionários, depende da época do ano - desestimula. E é ruim isso. Aí eu vejo como brasileiro, falo: “Pô”. Para gerar um emprego, a gente fica meio numa incerteza, tem insegurança, cara. É essa a impressão que eu sinto, assim. Mas de repente você está dentro de um negócio. E é aquela coisa, um exemplo: se é um negócio em que você acredita, empreender, tal, tal, você chama mais gente e mais gente fica encorajada a fazer. E quem me pergunta, fala: “É legal ter empresa no Brasil?” Eu falo: Tem muita oportunidade, mas esteja preparado, porque você vai apanhar de todo lado. As variáveis do mundo, né, que hoje passamos por uma pandemia, o Covid, que são coisas que fogem do controle. As variáveis econômicas, também, o mundo passa por isso, normal. Variáveis da atividade: concorrente, uma tecnologia que muda. E variáveis do negócio em si, não sei, aquela força pra te puxar pra baixo, mesmo. Você tem que lutar contra tudo isso.
P/1 – João, vou voltar só um pouquinho, tá? Pro período da faculdade. Como foi esse período de juventude, de faculdade, como você se divertia?
R – Eu gostava muito de atividade física, então eu me divertia praticando lá o polo, que eu gostei muito, fiz. Eu trabalhava em São Paulo, saía bastante à noite lá. Eu trabalhava e estudava. Eu trabalhava de dia, estudava à noite e tinha disposição para sair à noite direto. E conciliava tudo com esporte, atividade, além disso academia, lazer. Tinha os amigos lá. Viajei, tive a felicidade de viajar bastante. Sempre meu… Sempre tive curiosidade de conhecer lugares diferentes. Diferente, assim: Groenlândia, Islândia. Então, minha mãe também curtia muito. Meu pai, a gente viajava, mas era uma viagem mais aos Estados Unidos, aquela coisa mais tranquila. Mais careta, vamos dizer. E com a minha mãe, eu fazia viagens: “Vamos pra Noruega?” “Vamos” “Vamos pra não sei onde… vamos pra Rússia?” “Vamos”. Então, deu pra curtir bastante coisa, sim. Ah, sempre falo, tive o tripé: você tem que ter saúde, tem que ter tempo e tem que ter um dinheiro pra gastar, porque a gente, se não tiver nenhum… principalmente a saúde, né, sem saúde, você não faz nada. E tem que também ter espírito aventureiro. Acho que é o quarto elemento nisso aí. Tem gente que tem tudo isso, mas não concilia com o espírito. Então, a gente conseguiu fazer bastante coisa, dentro das nossas possibilidades, mas deu pra aproveitar bastante. Até hoje eu levo isso e é uma coisa que eu tento pôr na minha filha - eu tenho uma filha de nove anos - aquele espírito aventureiro. A gente vai pra um lugar: “Ó, tem uma ilhazinha lá, vamos chegar lá, vamos ver o pôr do sol ali, subir naquela montanha”. Gosto disso.
P/1 – Você fez faculdade em São Paulo?
R – Fiz.
P/1 – Você mudou de cidade?
R – Sim. Eu fiquei sete anos em São Paulo. Fiz faculdade lá em quatro anos, eu trabalhei depois, mais. Eu fiquei em São Paulo de 1996 a 2000… 1996, 1997, 1998, 1999, 2001... 2000 a gente começou aqui, eu estava com apartamento lá, ainda. Seis ou sete anos, eu fiquei em São Paulo.
P/1 – Você foi pra lá pra morar sozinho?
R – É. Meu irmão morava lá também. Meu irmão fez Mackenzie, então ele morava em Higienópolis, ali, que era pertinho. Aí depois ele saiu da faculdade e eu continuei trabalhando, então eu morava com ele, depois eu fiquei sozinho, lá no apartamento.
P/1 – Como foi a experiência de mudar de cidade e começar a morar…
R – Ah, isso pra mim, como era muito próximo, então eu morava em São Paulo, mas assim, meu pai: “Vou jantar aí” e aparecia lá. Minha mãe: “Viu, não tô legal”, vinha ao médico. Então, a proximidade não dava essa impressão de estar morando em outra cidade, porque é muito próximo. Eu morei, antes, em 1995 eu morei nos Estados Unidos, um ano lá. Aí, sim, aquela sensação de estar num lugar diferente, longe de tudo e tal. Eu fui fazer um curso lá de inglês, numa faculdade, fazia curso de inglês para estrangeiros, para me formar em inglês. Então, aí sim, era divertido, porque tudo era novidade. E numa época em que as distâncias eram muito maiores. Se fosse hoje, você tem amigos no mundo inteiro, você está a uma ligação de distância. Naquela época, obviamente já tinha o telefone, mas pra você ligar pro Brasil era um dólar por minuto, não sei o que, era tudo meio programado. E estava começando o computador, ninguém tinha e-mail ainda, era 1995. Estava começando. Eu lembro que a internet estava, né, engatinhando. Então, tudo era diferente. Você via uma coisa diferente, uma tecnologia, pra você contar pra um cara no Brasil: “Meu, você não sabe, fui pra um lugar assim, assado” “Tem foto?” O máximo que você podia era mostrar uma foto pra pessoa. Então, a sensação de estar desbravando um mundo novo era muito maior. Aí quando foi em São Paulo, estava do lado. E tinha um monte de amigo que fazia faculdade lá, tinha os jundiaienses aqui e ali. Então: “Ah, vou almoçar na casa da minha mãe, não tô legal hoje, jantar”, voltava pra cá. Então, na verdade a faculdade não foi um período de morar sozinho com grandes descobertas. Morar fora, sim, foi.
P/1 – E como foi essa experiência?
R – Foi ótima. Assim, você tem uma visão diferente do mundo. Apesar de não ter maturidade ainda pra absorver tudo aquilo. Hoje a gente vê com outros olhos, obviamente você passa por situações, mas foi ótimo. Você vê, ainda mais assim… eu morei nos Estados Unidos, na Califórnia. É um país que eu não sei, tem gente que não gosta, mas eu falo: “Não gosta porque não conhece” “Americano come mal”, que nem falar: “Brasileiro come mal”. Como brasileiro come mal? Você tem uma variedade gigantesca pra comer aqui, você pode comer tudo. Lá é isso e mais um pouco. O cara vai na Disneylândia, comeu no McDonald’s três dias, acha que americano vive de McDonald’s? Não é isso. Lógico que existe, como aqui existe. Mas é um lugar que tem tudo. Você descobre… tem tudo no mundo. A Califórnia é curiosa, porque tem o deserto lá, Mojave; você tem a montanha, o Big Bear, que dá pra esquiar; tem a praia, que dá pra surfar, então você tem todos os climas, ali, num raio de uns duzentos quilômetros. Eu morei em Los Angeles… Orange, que é dentro de Los Angeles, ali próximo, mas ele é grande… seria a Grande São Paulo, vamos dizer assim, Orange. Então, achei incrível a experiência lá, a vida dos caras, muito legal, porque era muito diferente aqui. Então, acho que essa distância diminuiu um pouco. Porque hoje o cara tem um produto lá, você tem um produto aqui, de tecnologia e tal. Mas naquela época era maior. Então, eu gostava muito. Voltei porque eu namorava… não só namorava. Eu tinha uma namorada aqui e tal, que ela foi lá me visitar, tal. Mas, assim, dezenove anos eu tinha, na época. Aí, assim, você tem… você acha que você tem milhões de opções. Você tem milhões de opções com dezenove anos: vou fazer um curso, vou viajar, vou morar não sei onde. Você tem tanta opção e você aproveita mal o tempo, né? Quando você tem muita escolha, você acaba não escolhendo nada. E, inclusive, eu recebi, na época, um convite, conheci uns brasileiros ali na praia: “Ô, você joga polo?” “Jogo”. Dezenove anos, estava bem. “Vamos fazer um teste? A gente joga lá numa faculdade, vamos lá”. E eu fui, continuava fazendo minha atividade física, que eu morava num condomínio que tinha piscina. Aí fomos lá na faculdade, eu caí na água e joguei bem pra caramba, o cara falou: “Viu?” E lá nos Estados Unidos é muito forte a questão de bolsa de estudos. E aí me convidou, falou: “Você quer vir fazer aqui o curso, teu? Você pode estudar aqui e tal, você vai jogar polo pela faculdade e você não precisa pagar”. E era muito cara a universidade lá. Na época, as coisas em dólar subiram bastante, daquela época pra hoje. Mas na época, lembro que era assim: vinte e cinco, trinta mil dólares/ano, na faculdade lá. Seria hoje, cinquenta mil dólares o ano, pelo menos aquela lá em Los Angeles. É um absurdo. E o cara me convidou. Aí você tem dezenove anos: “Ah, vou ver se eu volto… ah, meu amigo me chamou pra ir pro Havaí, vou pro Havaí, não sei o que… ah, vou passar o Natal no Brasil… ah, porque…”. Aí você volta, as coisas passam, as oportunidades, os contatos. De repente, passou, mas isso todo o mundo passa, sofre esses negócios na vida. Quando você tem dezenove, vinte anos, não sei o que lá, milhões de opções, você vai ter que escolher um caminho a seguir. Na verdade, eu não fui escolhendo, tomando decisões. Eu fui deixando a vida levar e também está acontecendo até hoje. Hoje, eu tô aqui. Amanhã, não sei. (risos)
P/1 – Você voltou, então, por causa da namorada, também?
R – Também, mas voltei pra passar o Natal. Eu lembro que foi outubro, no final do ano eu estava lá, eu estava sem fazer nada, que eu tinha me formado no curso, tinha me graduado. Não tinha dinheiro à vontade, obviamente, que meu pai trabalhava, a minha mãe trabalhava, não era uma fonte de recursos. E não ficava viajando todo dia, aquela coisa, gastando. E eu acabei que fui morar numa casa de uma americana, que era mãe de um amigo que eu conheci lá, ele era brasileiro, a mãe americana. Pagava lá o aluguel pra ela. Mas, assim, você está lá, segunda-feira, quarta-feira, já tinha acabado o curso, aí não trabalhava… foi falta de arrumar um trabalho lá, qualquer que fosse, pra ter atividade, pra dali... aí você fica entediado. Aí voltei. Aí tinha namorada, tinha comidinha aqui na mamãe. O papai, né? Aquela coisa. Tenho possibilidades de voltar, de voltar pra lá: “Ah, depois eu volto, não sei o quê”. Passou. Aí comecei a fazer faculdade, fiquei aqui. Não foi ruim, não. Mas se fosse voltar, é aquela história: se volta no tempo com a sua cabeça hoje, acho que seriam outros caminhos que você seguiria, acredito eu. Talvez não fossem os melhores também. O resultado, você só vê depois que acontece, né?
P/1 – João, conta pra gente como que você começou a pensar no seu negócio, como que foi chegar… como que a reciclagem chegou na sua vida?
R – Na minha vida. Um dia, fui fazer uma travessia, acompanhando a minha mãe, ela nadou lá em Avaré, era pra voltar a pé e ela queria voltar correndo, se dependesse dela, aí falei não, já tinha nadado cinco quilômetros. Aí falei: “Vou voltar de carona”. E subi na caçamba de um carro de um cara de Jundiaí, que estava lá. E vi um pedaço de madeira reciclada e falei: “O que é isso?” Aí na carona, estava voltando, ele falou: “Isso aqui é material da Tetra Pak, sabe aquelas caixinhas de leite longa vida, tal?” “Ah, eu sei”. O pai dele trabalhava na fábrica, eles geram, a fábrica gerava um resíduo e, na época, não tinha muito o que fazer com isso e o pai desse cara que estava lá desenvolveu esse processo, pra fazer uma madeira plástica aglomerada, um plástico aglomerado com esse material. E eu achei superinteressante. Estava com a minha mãe, ela falou: “Nossa, que legal! E onde aplica isso? Reciclado, e tal?” E ele falou: “Isso aí, fábrica de refrigerante usa pra separar a carga, entre outras aplicações”, mas na época, dava pra usar um volume industrial, substituindo a madeira. E aí ficou aquela coisa. Como era Tetra Pak, o vizinho da minha mãe, Paulo Nigro, era da Tetra Pak, a gente foi conhecer com ele, ele tinha um cargo, ele era vice-presidente, na época, da Tetra Pak. E: “Ô, Paulo…” - a gente o conhecia - “... conhece esse processo?” Ele: “É legal, realmente a gente tem esse resíduo, tal”. Ele encorajou a ideia e falou: “Legal, vocês vão fazer isso?” “Ah, tem expectativa”. E tinha um cara que fazia isso em Limeira, mas era uma papeleira. E ele fazia isso, mas o foco do cara era outro e a gente falou: “Será que cabe a gente nesse negócio?” “Ah, acho que dá”. E começamos a desenvolver com a Tetra. E, na outra ponta, o meu pai advogava para uma fábrica de cerveja e refrigerante, “Convenção”. E a gente foi falar com o amigo, era cliente, amigo do meu pai, né, o sr. Geraldo Guitti e ele falou: “Ô, Geraldo, vocês usam esse material?” “Usamos, né. A gente usa um volume lá, quarenta mil peças ao mês, no refrigerante e tal” “Ó, a gente está querendo fazer um material similar, que dá pra entrar no teu processo” “Ah, legal”. Também encorajou a gente. E meu irmão nessa época, já morava em São Paulo, fazia Engenharia de Materiais, que tem a ver, né? Plástico e tal. E ele falou: “Pô, se tem o cara da patente…”, porque o Fernando tinha patente, o pai dele. Fernando é o cara que estava no carro. Tinha o fornecedor, tinha o cliente, tinha meu irmão pra tocar isso aí e estava com uma disponibilidade, não muita, mas dava pra investir alguma coisa no negócio, aí falamos: “Vamos fazer isso”. Montamos a fábrica. Eis que a gente monta a fábrica, todas aquelas premissas que a gente tinha, os pilares, todos deram errado naquele momento. O Paulo estava na Tetra, mas ele mudou pra Itália, ele foi promovido, acho que ele foi ser presidente da Tetra na Itália. Então, quer dizer, aquele contato que tinha, a Tetra falou: “Ó, tá bom, vamos começar”, mas não tem facilidade nenhuma. É uma ilusão achar que vai ter facilidade porque conhece A ou B. A Tetra tinha lá: “O que vocês vão fazer” e tal, começamos do zero. E a matéria-prima, então, que teria um volume ‘x’, não tinha, porque já estava destinada pra aquele pessoal lá de Limeira e o material que viria pra gente era o material “pós-consumo”, que era um material difícil de trabalhar, molhado, tinha as peculiaridades. Então, mudou, a matéria-prima já… o cliente que ia comprar a chapa deixou de comprar, porque comercialmente ele comprava quarenta mil, mas valia tanto, ele queria pagar um valor menor, que ele tinha, comprava sucata desse material, então assim: “Ah, vou vender a, sei lá, dez reais”. Não. Vou pagar cinco. Então, “Puts, cinco não fecha a conta”, do que estava investido. O meu irmão também, no meio do caminho, se desentendeu com o negócio, estava desanimado, o resultado não veio imediato, então ele já azedou, saiu. E o Fernando, que era o dono da suposta patente, que não saiu a patente, outras entanto, tem um monte de empresa que faz isso, precisava trabalhar e falou: “Ó, não dá pra ficar também esperando a coisa acontecer”. E de repente eu me vi sozinho no negócio: sem fornecedor, sem cliente, sem processo, sem conhecer. Aí, aquele desespero, né, tem gente que sai correndo, tem gente que deita e chora. E acho que a única opção que eu tinha era fazer acontecer, se não der, não deu, fazer o quê? Então, fui parar na reciclagem assim. Era 2000, 2001, tinha vinte e quatro para vinte e cinco anos. Fui bater em um monte de porta, comecei pelo começo. Falei: “Bom, o material é esse material, que está contaminado, sujo, molhado, vamos ver como a gente o processa, para secar e descontaminar”. É isso que nós temos. Clientes, bati na porta de duzentos clientes. Preciso de volumes industriais, não adianta fazer uma chapa e vender pra Dona Maria, ali, que não sustenta fábrica. Aí fomos bater em fábricas, que tinham volume e consumo. Mas essas fábricas queriam saber assim: “Pra quem você vende? Você tem ISO, tem certificado? Você tem padronização?” E não tinha. Uma que o processo é artesanal até hoje, para algumas determinadas aplicações não serve, mas só que é um produto consagrado, já tem vinte anos que você vende. Então, hoje é fácil chegar, vender o negócio. Naquela época, ninguém conhecia, ninguém nunca tinha visto, ninguém nunca havia comprado. Aí vem um cara de vinte e poucos anos… já olhavam pra você: “Passa amanhã”. Até que um dia, era o último, falei: “Vamos na Minalba, lá”. A Minalba tinha marcado uma reunião em Campos do Jordão e falei: “Vamos lá, pelo menos, na pior das hipóteses, dar uma ‘passeadinha’ em Campos do Jordão”. E o pessoal lá, quem nos atendeu, o Paulo, chamava Paulo _____, um cara fantástico, atendeu a gente, gostou do material e falou: “Cara, acreditei nisso. Vou mandar um ‘pallet’ disso lá pro nordeste, porque eles têm a fábrica da Indaiá, são grandes lá, tem o grupo Edson Queiroz”. E mandamos uma parte, eles gostaram, mandamos um caminhão, mandamos outro e o negócio engrenou. Aí a gente começou a desenvolver mais técnicas para aprimorar a produção e dar menos problemas e tal. Isso em 2004, 2003, 2004. Tudo isso eu tô falando agora, mas são movimentos que demoram meses: traz aqui, testa, faz a prova e manda lá. Dois meses depois: “Ah, aprovou. Manda um caminhão”. Quer dizer, você tem que ter disposição, tem que ter fôlego financeiro e eu pagava aluguel na época. Acreditar no negócio e falar: “Puts, tô gastando dinheiro da reserva da vida num negócio que eu não sei se vai dar. Ai, ai. Acho que dei um passo maior”. E aí engrenou. Até que em 2010, tivemos um incêndio aqui. E aí a fábrica ficou dois dias queimando. Derreteu, tudo derreteu. E eu vendo aquilo… aí pegou fogo, tinha quarenta funcionários na época, rodava três turnos, tal. Foi uma bobeada do encarregado, começou como uma coisinha pequena, ele até faleceu depois, de outra coisa, acidente, nada a ver com isso. Mas depois, a gente fazendo aquela retrospectiva da vida, era um cara fantástico também, trabalhava como ninguém, só que ele tinha um problema com fogo. Ele via fogo, ele travava. Uma coisa que a gente tinha todos os sinais e a gente nunca se atentou a isso. Depois eu falei: “Puts, é verdade”. O cara estava soldando umas coisas, caía um fogo, ele travava: “Viu, está pegando fogo”. Daí a gente lembrou disso depois. E aí ele ficava travado. E aí você pisava, numa solda, qualquer coisa. E continuava o trabalho dele. E isso aconteceu uma vez, outra, outra, um dia eu não estava aqui, num sábado, num sábado véspera de feriado, de setembro e começou um foguinho… Tinha seiscentas toneladas no pátio, de plástico. Era material Tetra, material poliéster aqui, com PE. Embalagens diversas, aí. Falaram que o caminhão estava ali fora, o caminhão estava carregando, falou: “Ó, está pegando fogo ali”. Era uma fagulha, sei lá, um balão, caiu alguma coisa. Diz que ele travou. “Ah, tá, tá” e o material, porque esse material é inflamável, mas ele demora pra queimar, que nem pneu. Mas você vai lá, joga um balde de água, extintor, hidrante e você apaga o negócio. E ele travou. E aí eu lembro que me ligou: “Viu, fogo, não sei o quê”. Moro em Jundiaí: “Quê?” O cara não estava falando muito coisa com coisa. Eu olhei da janela que eu morava, no prédio, num andar alto lá, olhei, um vulcão lá de onde eu via, uma fumaça preta. Falei: “Meu, não é lá”. Eu saí correndo de bermuda, estava de bermuda em casa, vim descalço pra cá. Tenho queimadura até hoje no meu pé, cicatriz. Vim olhando, de Jundiaí até aqui dá uns vinte quilômetros. E eu olhando aquela coluna de fogo, de fumaça, na direção, a estrada lá, eu falei: “É lá, é lá”. Quando chegou, falei: “Puta, é aqui mesmo”. A estrada já estava fechada, tinha caminhão. Aí, aquela revelação. Chama bombeiro, o bombeiro demora pra vir, tal. Sim, tem uns caras que são, também, cem por cento. Vieram uns caras pra combater, lembro que chamei um vizinho, esse cara tem que ser citado. Tava pegando fogo, e aí, primeiro tem essa questão de segurança, do bombeiro dizer: “Afasta um, afasta, afasta”. Não era nada explosivo. Eu o lembro afastando todo o mundo, eu falei: “Vamos apagar o fogo”. Estava só no pátio. “Não, calma, o seguro paga”. Eu falei: “Que seguro, cara? É reciclagem, não tem seguro, não!” “Não, calma aí. Fica calmo”. Eu: “Calmo, não! Está queimando!” O negócio subindo, aquela bola de fogo. Pegou dentro da fábrica, caiu o prédio. Aí na frente da fábrica, entre a estrada e a fábrica, tinha esse corredor aqui, estava lotado de material queimando. Aí eu fui correndo chamar o vizinho, que tem terraplanagem. Aí eu liguei pro cara, fui lá, falei: “Meu, pelo amor de Deus, me ajuda”. O cara pegou um trator, um operador, falou: “Vamos lá!”, subiu, o cara entrou com um trator no meio de seiscentas toneladas de plástico, era muito plástico. Uma carreta, pra te dar uma ideia, carrega vinte toneladas desses fardos, então são trinta carretas. Na verdade, tinha mais de mil. Seiscentas, a gente jogou no aterro. Tinha mais de mil toneladas aqui. Aí o cara com o trator, empurrando, eu lembro da cena, parecia coisa de filme: o cara empurrando o material, bombeiro jogando água nele, pra esfriar o trator e o cara separando. O fogo, depois, não apaga. Chega num volume que não tem como apagar, você vai com uma mangueirinha, é um vulcão. Aí o cara separava o material no meio para não queimar, para fazer um “aceiro”, que chama. E o cara com o trator lá no meio. Veio a Rede Globo: “O que está acontecendo?” Fogo, pista fechada. E a gente ficou lutando com o fogo, apagou. Eu saí daqui assim, umas três da manhã. E o plástico quente. Fui pra casa, cinco da manhã me ligaram: “Ó, o fogo voltou”. Porque o plástico fica por dentro. Você apaga, ele derrete e o calor está dentro. De repente, aquele calor vai secando, “puf”. E eu lembro que eu liguei pro bombeiro, cinco da manhã, vindo pra cá, tinha dormido uma hora, nem dormi. Vim pra cá, liguei pro bombeiro, falei: “Pelo amor de Deus, o fogo voltou lá”. Existe algo divino neste mundo, eu espero que exista, porque tem coisa que não tem explicação. Vieram vinte, trinta bombeiros que lutaram, apagaram. No dia seguinte voltou, eu liguei pro bombeiro, falei: “Pelo amor de Deus, o fogo...”. O cara que atendeu: “Ah, é aquela empresa de Itupeva?” Falei: “É, manda lá, pelo amor de Deus, vai começar tudo de novo” “Veja bem, o senhor tem AVCB?” AVCB é o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros. Aí eu, assim, saindo fumaça da minha cabeça, meu pé estava em carne viva, porque à noite pegou fogo no mato e eu entrei lá pra apagar, mato você pisa e afunda, eu falei: “Meu caro, eu tenho AVCB, mas se eu não tiver, vocês vão mandar o caminhão pra apagar lá ou não?” “É, vamos ver isso bem…”. Um nojento, sabe? Você está naquela situação, debilitado, arrasado, o cara falando de documento. Depois a gente vê isso. O cara está morrendo na tua frente, você vai perguntar se ele tem AVCB? Vamos acudir, depois a gente vê. É lógico que não vamos, por causa de um cara, manchar uma instituição onde os caras são lutadores. Os caras brigaram aí, eles e os operadores e a gente não tinha opção. Aí, resumindo, apagou o fogo, queimou o dia inteiro de novo. No outro dia, foram apagar o fogo e aí a fábrica foi aberta, eles derrubaram a cerca para entrar a máquina, derrubaram, o prédio caiu. E aí é aquela sensação de você estar com as vísceras expostas. Eu lembro que era uma sensação muito estranha. Eu fui almoçar, sempre almoço no restaurante aqui em cima e eu estava com a sensação de estar exposto. Obviamente, todo o mundo passa aqui e vê, mas ninguém sabe se é meu, ninguém sabia. Mas sabe quando você está envergonhado, você está se sentindo alvo de alguma coisa? É uma sensação estranha que eu tive durante semanas. Eu almoçava meio envergonhado, assim, a sensação era que as vísceras estavam expostas e eu não sabia o que fazer da vida. Falei: “E agora? Não vou retomar… voltar pra fábrica”. Já tinha tantos problemas ao longo do caminho. Nisso, um amigo meu que era sócio e tinha uma construtora, falou: “Viu, vamos tocar o negócio, a construtora não está muito legal, eu me disponho a trabalhar com você”. Aí, sabe quando você precisa de algum apoio? Eu falei: “Então, vamos embora, vamos tocar o negócio”. E tinha o Lauro da Kapersul, também, um cara fantástico, ele é um gerenciador de plástico muito grande, papel. E parte do que ele gerenciava, ele mandava pra gente. E ele falou: “João, não desanima, não”, porque ele tinha interesse em continuar mandando esse material pra gente e o negócio dele, que era muito maior que isso, ia continuar rodando. E ele entrou aqui um tempo de sócio, ele pôs o sobrinho dele aqui, foi sócio meu, falou: “Vamos fazer”. Aí o negócio ergueu, tal, passou um ou dois anos, ele até falou: “Pronto, está funcionando normal”, o sobrinho dele saiu da sociedade, a gente é amigo até hoje, o filho dele também, são pessoas fantásticas, mas eles deram uma força pra gente, não financeira. Aquele apoio que você precisa, moral, né, numa hora que você está debilitado, você fica perdido, você não sabe o que fazer, passando por coisas que a vida traz, às vezes, pra gente. Você fica perdido, você não tem norte. Você perde o norte. E aí a gente reergueu aqui. E esse sócio meu também voltou para atividade dele, ele tem construtora, ele está fazendo as obras dele. O Lauro continuou com a atividade dele, que é gerenciamento de resíduos, ele tem em São Paulo, mas ele é forte lá no sul. E, nesse meio tempo, o Ícaro, que é meu sócio hoje, também trabalhava com plásticos e eu o convidei: “Vamos trabalhar juntos, para somar forças? A sinergia” e ele está aí, tem cinco anos aí, que a gente está nessa parceria. Ele já é fornecedor nosso há mais de dez anos, mas ele está na Ecoway, aqui, há cinco, como parceiro nosso, aqui.
P/1 – Você pensou em desistir?
R – Várias vezes. Assim, várias vezes… Quer dizer, colocando melhor: não é uma coisa permanente. Quando aconteceu isso, estava praticamente decidido. Então, durante semanas: “Meu, o que eu faço, o que eu faço?” Até procurei um parceiro nosso, falei: “Você quer comprar aqui?” Estava desanimado com o negócio. Essa foi uma situação que foi bem marcante, do incêndio. E no começo, que a gente fica naquela dúvida, mas eu não desisti no começo e acho que isso tem a ver com o esporte, sabe? Aquela coisa da pegada. O polo é um negócio que te ensina muito na vida, porque você apanha, você joga, você está tomando caldo, você está dando caldo, você tem que nadar pra pegar a bola, você tem que fazer o gol, o cara está marcando você pendurado e você tem que lutar pra defender e lutar pra atacar, é luta, luta, luta. E eu acho que isso me ensinou pra vida, sabe? Vale o mesmo no trabalho. Vale o mesmo pra saúde. O cara, sei lá, eu já tenho lesão. Quem faz esporte, fazendo em intensidade até maior, tem lesão, todo o mundo. Se parar: “Eu tô com dor”, você não vai fazer mais nada na tua vida. Se parar no seu trabalho: “Ai, estou com um problema aqui”, você vai arrumar um emprego em algum lugar e que não quer dizer que você não vai ter problema também, porque daqui a pouco você trabalha num lugar, mas amanhã a empresa que você trabalha fecha, você pode ter problema. Então, o esporte é legal pra isso, te dá aquela determinação. Eu tinha um técnico que morreu recentemente, um cara muito marcante na minha vida, o Ernesto, também, cara amigão, meu técnico trinta anos. E um cara determinado, sabe? Um cara de garra, assim, sempre ensinou: “Você é frouxo, está com medo?” Técnico raiz. “Vai aí, seus moleques!” E a gente jogava. E Jundiaí é uma referência, falando de polo, assim. Jogador olímpico, Rudá, amigo nosso, aprendeu a jogar com a gente, o moleque tem dez anos a menos, chegou criancinha e participou de olimpíadas, o moleque é uma fera. Falo moleque, mas ele tem trinta anos, é uma fera. Determinação, exemplo. O esporte, acho que, na vida das pessoas, é uma coisa… mas o esporte jogado, não dá bola para todo o mundo e todo o mundo é campeão. Isso não existe. A vida cobra da gente. Cada um na sua área, mas tem que ter garra, fazer a coisa com determinação. A sensação que eu tenho hoje: “Todo o mundo é bom, todo o mundo é igual, todo o mundo é isso…”, mas isso é no discurso. Alguém vai correr mais que você, alguém vai nadar mais que você, alguém vai ser mais no seu trabalho, a pessoa se dedica, fala lá três línguas, se o cara estuda inglês, espanhol e alemão e você não, não adianta você falar que você é tão bom quanto. Não é. O esporte ensina isso, o resultado. Você treinou, não treinou? Foi bem. Não quer dizer que essa derrota, você tem que usar para crescer na vida em outra coisa, mesmo que não seja no esporte: no trabalho, na saúde, na garra ali de lutar, de conquista, de alguma coisa. É importante e isso. E eu tive pessoas na minha vida que me inspiraram nesse sentido. Pai, mãe. Meus pais, meus avós. O pai do meu pai tinha uma vida simples, meu avô trabalhava na ferrovia aqui em Jundiaí, tinha um entroncamento bem grande. Uma vida muito digna, tal, mas limitada nos recursos dele. E conseguiu se formar. Acho que também isso tem a ver com o Brasil: nossos avós não tinham um estudo tão grande, formaram os pais, pagaram uma faculdade, que era muito difícil naquela época, os pais deram uma vida melhor pra gente e é obrigação nossa dar uma vida melhor pros filhos. Então, esse exemplo, sabe: trabalhar o dia inteiro, à noite estudar, se formar, conseguir uma coisa. Meu pai. Minha mãe também. Minha mãe é professora do estado. Tinha academia, depois montou uma academia e tal. Mas a vida inteira trabalhou em colégio do estado, também na faculdade de Educação Física de Jundiaí, deu aula lá, mas determinada, também: “Está com dor...” – eu lembro – “no pé? Nada com o outro. Tá com dor no ombro?” - meu ombro tem prótese já, de lesão - “Nada com o outro”. Então, assim, isso é bom, porque você vai terminar a vida, o ciclo, não vai ser fácil pra ninguém. Uma hora a conta chega, por mais que a gente ilustre e pinte o arco-íris, lá. Vai ser difícil, então esteja preparado. No meu trabalho, obviamente eu acho que eu tenho carvão, ainda, pra queimar. Mas até o momento é assim que eu me sinto.
P/1 – Como funciona a Ecoway?
R – O processo nosso, resumidamente, é receber a apara industrial de pós-consumo da Tetra Pak, é a apara que sobra do refil ali da Tetra, é a outra fábrica lá de embalagem, não sei o que, então gera lá trinta toneladas um, vinte outro. Nós recebemos essas cargas, as misturamos numa trituração que a gente faz, forma uma massa plástica e essa massa a gente prensa. Numa determinada medida, dependendo da aplicação, numa prensa quente, termo hidráulica, que chama. Essa prensa derrete o material, aglutina com o plástico, a gente põe lá uma misturinha, pra fazer acontecer a liga. E prensa, derrete, sai uma chapa, forma uma chapa. E essa chapa a gente tira, leva pra uma serra, corta na medida que a gente quer, está pronto para o uso do cliente. E a rebarba que sobra, volta para o processo, então a gente não gera resíduo aqui. É um material reciclado, é um material que iria para aterro e prolonga a vida dele, usando numa outra aplicação e ainda, de quebra, você substitui a madeira. Normalmente ela substitui essas chapas de madeira que tem no mercado aí, para tapume, para fazer separador aí, de carga. Então, você estica a vida do plástico, prolonga e deixa de cortar uma árvore para fazer madeira. É um processo legal. Assim, economicamente, ele não é melhor que o plástico, porque você não agrega tanto valor. Então, você vende o quilo do plástico aqui, hoje, a um real e cinquenta, dois reais. É barato. Mas - economicamente, sim - como processo, em termos de sustentabilidade, equilíbrio, eu acho muito interessante. O conceito do reciclado, hoje, é bem difundido, apesar de que eu não acho que ninguém paga por isso. O pessoal aceita bem, recebe isso bem, mas quanto custa? “Ah, custa vinte reais a placa” “Ah, a de madeira é dezenove”. Então, você tem que vender a dezenove. Ninguém vai pagar a mais por ser reciclado. Mas recebe isso como um bônus, coisa que há alguns anos aí: “Ah, reciclado não presta”. Isso, felizmente, mudou um pouco. “Reciclado? Interessante, tal. Mas quanto custa?” Talvez em algum momento a sociedade vai ter a maturidade… nem só isso, vai ter a disponibilidade, porque também, se não tem dinheiro, não adianta, de pagar um pouco mais por ser reciclado, o material: “Ô, vou usar esse aqui”. Porque isso já acontece. Tem supermercado vendendo verduras sem agrotóxico, tal. Custa. Obviamente, a humanidade jamais viveria hoje, alimentaria, se não fosse agrotóxico, fertilizante. É uma poesia linda, mas tem oito bilhões de bocas para serem alimentadas diariamente. Mas já existe um nicho que paga por isso. Talvez exista um nicho que amanhã esteja pagando para ter o material ecológico.
P/1 – No começo, você usava o material pós-consumo?
R – Até hoje a gente usa um pouco. O pós-consumo que a gente fala é o material da Tetra Pak que vai pro Hidrapulper, a papeleira, vocês devem ter visitado lá. Ele bate, tira a celulose, aí sobra o alumínio plástico e mais o que tiver, se tiver um contaminante, um ferro, alguma coisa, também. Isso a gente tem um processinho aqui que a Tetra, a gente desenvolveu em parceria, para separar, segregar esse material, essa impureza. Mas esse é o material pós-consumo da Tetra. Agora, esse material é o pós-consumo da Tetra. Só que outro, tipo um saco aqui, pós-consumo lixão, ainda pra esse tipo é difícil, porque você tem que lavar, custa muito caro, o processo ainda não se equilibra financeiramente. Esse pós-consumo de aterro mesmo. Pra esse, a aplicação nossa, por enquanto, não dá.
P/1 – E vocês que desenvolveram essas máquinas e pensaram em todo esse processo?
R – Em partes. Essas máquinas foram todas adaptadas. A máquina, normalmente, é máquina de madeira. Prensa, da indústria moveleira. Então, a gente pegou essas máquinas da madeira e trouxe pra cá. Serra. Moinhos, são moinhos de plástico, já pra moer, só que moinhos de plástico virgens, material puro, virgem, como eu tô dizendo, puro, é uma coisa. Agora, você pega o material sujeito a ter ferro, madeira, tal, você pega o moinho, nada mais é do que um sistema de facas rotativas, uma máquina grande, que as facas passam que nem uma tesoura, bem perto. Você imagina você jogar um ferro lá dentro. Você estoura tudo, é caríssimo. Isso aconteceu aqui inúmeras vezes. Então, você acaba desenvolvendo uma técnica que põe um ímã embaixo. Mas aí você tem problema de pedra, o ímã não pega. Aí você põe uma ventoinha para a pedra vir por baixo e puxar. Aí você tem que segregar o material, debulhá-lo, para ventoinha puxar e a pedra ficar por baixo. Aí você tem material leve… então, assim, tem as peculiaridades do processo. Ainda existem problemas, mas a gente convive com isso aí. Faz parte do processo da reciclagem. Tem que amargar, às vezes, um prejuízo, aí, de máquinas, tempo. Às vezes, o medo, a insegurança, de se acontecer alguma coisa e sair voando, aí. Graças a Deus nunca aconteceu, a gente toma todos os cuidados, mas são as variáveis da vida.
P/1 – João, você lembra de alguma história, de algum caso que, depois de muito teste, deu certo, ou algum problema que teve, como vocês resolveram, algum caso marcante?
R – É, vários também. Mas eu lembro, parece bobeira, né, quando a gente foi montar a fábrica, tinha todos os problemas: “Tá bom, vamos colocar agora, você precisa de uma bandeja para colocar o material na prensa”. Quando a gente comprou os alumínios, tem que ser alumínio, senão é muito pesado, o cara não consegue carregar. Quando compramos, fizemos uma plaquinha, quando foi para colocar o alumínio na prensa: “Ah, a placa tem três metros”. O alumínio fez assim: “Ieaugh”. Lógico, curvou. Hoje, é muito simples. Na hora a gente resolveu, também. “Puts, vamos fazer uma maca embaixo do alumínio”. Mas sabe aquelas coisas que foram acontecendo? Meu, assim, nada vai dar certo? O material está molhado, o alumínio dobra, aí você prensa, está úmido, não derrete, porque tem que secar o material… Então, foram várias coisas que a gente teve que ir driblando. E quando você superava uma coisa, vinha outra e mais outra. Isso eu lembro, foi uma coisa até pequena que aconteceu, mas eu lembro porque eu pensei: “Nossa! Nada vai dar certo aqui, meu Deus do céu?” Mas teve coisas muito piores que isso, eu tô deletando coisas assim do meu ‘HD’, pra não ficar amargurado.
P/1 – E quais são os materiais que vocês trabalham? No começo e hoje em dia são os mesmos, ou foram apresentando novos?
R – Na linha da Ecoway, a gente começou exclusivamente com o Tetra Pak e aí, até em conversa com eles, a gente sabia, a Tetra Pak tem uma geração ‘x’ lá, de material. Não adianta você ter a fábrica voltada naquilo exclusivamente porque, se você pretende aumentar sua produção, você vai precisar de mais materiais. Então, a gente trabalha com embalagens, essas em geral aí do mercado. Essas embalagens “pouch”, sabe, chama aqueles saquinhos que param de pé? Saquinho de xampu, que são laminados, assim. Café. Essas embalagens, a gente trabalha com isso, então tem diversos fabricantes. O Tetra, em si. E embalagens mais nobres, quando a gente fala “nobre”, a Tetra Pak é uma embalagem muito nobre, só que, por ela ser multicamadas - o ‘pouch’ também é multicamadas, tem polietileno, tem alumínio, têm poliéster, o Tetra tem o papel kraft - uma contamina a outra, então você acaba não agregando valor na apara, no resíduo. Quando a gente tem um material nobre que é puro, ou ele é polietileno ou ele é polipropileno, a gente faz grãos. Mesmo que ele esteja contaminado com um pouco de tinta, tal, então a gente faz um grãozinho, para usar como carga. A gente faz na fábrica do Ícaro, aí é um processo que ele terceirizou lá, deles, mas é uma parceria que a gente tem, então a gente consegue hoje usar o material nobre e o material contaminado, que esse que a gente fala aí, o multicamadas.
(01:03:51) P/1 – Quais são os produtos finais?
R – Na Ecoway, o material contaminado são chapas e telhas. Hoje a gente não está fazendo telha, porque a telha exige uma qualidade muito maior. Não adianta fazer uma telha para durar cinco anos, não seria correto isso. A não ser que essa telha fosse usada como tapume. Mas então a gente priorizou fazer placas. As telhas, com essa falta de matéria-prima que a gente está vivendo, pandemia, esse mundo meio esquisito, essa transição que a gente está passando, a gente está optando por fazer somente placas, porque a placa, em relação à madeira, é uma placa que dura muitas e muitas vezes mais. Então, o cara faz um tapume numa obra, de madeira, dura lá seis meses, um ano. A madeira, com chuva e sol, deteriora. A placa, cinco anos depois, está lá de pé, direitinho. Então, a placa é muito superior à madeira, a gente vende com tranquilidade. Já a telha, se fizer com esse mesmo material, vai durar os mesmos cinco anos, mas aí o material da telha tem que ser uma de vinte anos, pelo menos, porque quando ela é feita com o material adequado, que é o Tetra Pak pós consumo, dura vinte anos pra mais, tem laudos de IPT. É uma telha excepcional. Então, voltando a ter essa matéria-prima, a gente volta pra telha também. Por enquanto estamos só fazendo placa, nesse material misto. E no material nobre, aí, que a gente fala, o grão, aí tem aplicações diversas. Você usa para injetar, fazer plástico, sacolinha, filme plástico. É um material mais nobre.
P/1 – Vocês vendem o grão?
R – O grão.
P/1 – E quais foram os maiores desafios, assim, pensando na sua trajetória aqui?
R – Olha, vários, também. O primeiro foi conseguir consagrar o produto, que era novo. Produzir o produto, porque tinha diversas adversidades em termos de processo, em termos de captação de matéria-prima. Conseguir vender o produto, uma coisa de uma novidade. E lidar com questões cotidianas, mas que também cansam. Agora que Itupeva se desenvolveu, é uma cidade que está bacana, mas quando a gente veio pra cá, há vinte anos, a área industrial aqui estava começando a se desenvolver. Então, pra você comprar um parafuso, era difícil. Para uma empilhadeira. Tudo era difícil aqui. A mão de obra também é uma coisa que até hoje é difícil pra gente. O Brasil tem aí três milhões, hoje, os índices de desempregados. Isso é um problema que tem até hoje. E é engraçado, eu desafio qualquer pessoa, hoje, ó, outubro de 2021, a sair daqui, se você andar na Fazgran, ali, tem um monte de indústria, aqui, dá pra olhar na janela. Se você não conseguir cinco empregos num dia, eu pago um almoço pra você. Cinco. Todas as fábricas aqui: “Estamos contratando, estamos contratando, estamos contratando”. Tem desemprego no Brasil. O problema que a gente tem é estrutural. Mas também tem um monte de fábrica contratando. Aqui a gente contrata também. Felizmente, a gente tem uma equipe boa. Às vezes, o cara que mora aqui, tem um primo no Alagoas lá, tal, que está procurando, emprego lá está ruim, aí: “Manda teu primo vir aí”, então a gente consegue trabalhar. Mas é uma dificuldade conseguir mão de obra aqui. É engraçado, um contrassenso, num país que tem tanta gente desempregada. E isso eu falo não é aqui na Ecoway, é aqui nesta região. É curioso, parece que, assim, tem muita gente que quer emprego, não quer trabalho. Às vezes, dá uma impressão de ser isso aí, também.
P/1 – Pensando na questão da sustentabilidade, mesmo, qual é a importância do seu trabalho para preservação do meio ambiente, do planeta? Como você enxerga isso?
R – Olha, acho que a gente dá continuidade na vida de um produto, de um resíduo. Então, esse material que teria um destino como um aterro, vai ter uma vida prolongada em uma outra aplicação e, mesmo assim, depois de usado numa obra, se a pessoa quiser, se o cliente quiser mandar de volta pra gente, a gente pode usá-lo de novo, reprocessar. Usa como carga. Você tem lá dez toneladas de placas já utilizadas, você pode picá-la e misturar com outras quantidades ‘x’ de material nosso e usar. Então, você consegue, além de ser reciclado, reciclar novamente e, ao mesmo tempo, como disse lá, poupar o corte de árvores. “Ah, mas é madeira de reflorestamento”. Ótimo. Mas se é madeira de reflorestamento, não precisa cortar, porque essa madeira de reflorestamento ocupa uma área que poderia ser área de mata nativa. Apesar do reflorestamento ser bacana, você está usando um espaço nobre para cortar a madeira, tal. Então, acho que o nosso processo ganha nas duas pontas: tanto a vida útil do produto plástico, quanto poupar uma árvore de ser cortada.
P/1 – Como você acha que pode aumentar a conscientização das pessoas com relação à reciclagem, à questão ambiental?
R – Ó, você sabe que ontem, eu estava indo embora aqui… a gente sabe que o mundo em que a gente vive é violento e a gente não deve se meter em confusão. A gente acha que o mundo está andando em uma direção... nunca o mundo teve tanta informação, tão rápido. Isso é legal, mas se souber usar a informação. E, ao mesmo tempo, como tem gente alienada. Ontem, estava indo embora, trânsito aqui na frente e um carro com cinco caras, deve ser cara que estava saindo de obra ou alguma coisa, pô, o cara abriu a janela, jogou um salgadinho - estava chovendo - na minha frente. Largou na pista. Estava trânsito. Então, acho que a primeira coisa pra gente conscientizar as pessoas, é dar educação mínima, porque uma vez que a pessoa tenha educação, escola, boas práticas, convivência, ambiente, tudo, questão social, aí ela vai poder ver o mundo. De repente o cara mora num lugar que só tem lixo na rua, então ele acha que é normal aquilo. E aí é aquela história: não é porque você está num chiqueiro, que você tem que ser um porco. Então, dá pro cara enfiar na cabeça, conhecimento e educação. E eu não aguentei, parei do lado do carro do cara, tinha cinco, falei: “Olha, amigão. Pô, você joga lixo na rua, amanhã vai entupir um bueiro”. Meio que quebrei a perna do cara, não cheguei: “Ó, seu animal”, porque, né? Aí o cara: “Mas não fui eu!” Aí eu fui embora também, já estava dado o recado. Então, assim, acho que são exemplos. Hoje a mídia fala bastante em sustentabilidade, tal. E é bacana isso. A mensagem é positiva. É que nem a gente fala da igreja. O cara da religião A, B, C. Acho que todas as religiões são boas, porque a mensagem que passa é sempre positiva. Então, sustentabilidade. Se a empresa faz o marketing lá e não pratica, ou se pratica, o importante é: a mensagem é positiva, as pessoas têm conhecimento, você mostra uma possibilidade de um mundo melhor, porque tem oito bilhões de pessoas do mundo. Outro dia tinha seis. Eu lembro que quando eu estava no primário eram seis e faz uns cinco, dez anos, eram sete. Oito. É muita gente para consumir. E todo o mundo fala em sustentabilidade, tal. A Greta Thunberg e os discípulos, somos totalmente favoráveis. Claro que somos. Quem não é. Quem é a favor de matar um animal, uma baleia, derrubar uma árvore? Ninguém é. Mas é aquela coisa: a pessoa tem que ter consciência. O iPhone que ela tem na mão, ou pra não falar “iPhone”, o smartphone que ela tem na mão, isso aí causa impacto. Tem minério, tem ouro ali no meio, tem plástico, tem vidro. Você quer sustentabilidade, mas não quer abrir mão do seu conforto, do teu ar-condicionado? Então, saiba, você causa impacto. Tenha consciência disso, porque também só ficar propagando ideias, mas também é aquela história: e não praticar isso, não por má fé, mas por desconhecimento, não adianta nada. Não adianta nada. Então, eu acho que o mundo precisa, assim: informação nunca tivemos tanta, mas precisa saber usar, é uma novidade pra gente, como lidar com tudo isso que está acontecendo. É uma mudança muito rápida. Mas a gente precisa, agora, ajustar, afinar a informação com a realidade.
P/1 – João, antes de você começar a trabalhar com esse meio, com reciclagem, como você enxergava… se mudou, a partir do momento em que você começou a trabalhar, o modo como você vê isso, a reciclagem.
R – A reciclagem? Mudou. Eu acho que a reciclagem hoje tem uma aceitação grande, apesar de, como eu disse, não remunerar por isso, mas tem uma aceitação grande e muita gente vê nisso uma oportunidade de negócio, coisa que antes, não valorizava tanto. Então, o nome aqui é Ecoway. Foi uma criação do meu irmão, essa ideia foi muito boa dele, achei: “Ecoway”. E esse nome… espera aí, que eu me perdi agora. Nossa, tô falando demais, né?
P/1 – Imagina, está ótimo!
R – Então espera aí, reformula a pergunta, que agora deu até um branquinho.
P/1 – Se mudou o seu modo…
R – Ah, se a reciclagem mudou. Acho que mudou. Então, as pessoas estão vendo a reciclagem hoje como uma oportunidade de negócio, apesar de, como eu disse, ainda não agregar um valor nisso, um valor financeiro, mas agrega um valor à marca. “A empresa tal recicla, a empresa tal…” Então, tem muita gente que vê como negócio e isso acaba atraindo também muita gente que se aventura no negócio, uma tentativa. E, às vezes, como toda aventura, nem sempre tem um final feliz, porque, lógico, tem todas as variáveis também, de atividade, você tem que ter um equilíbrio financeiro, você tem que ter funcionário, você tem que ter uma estrutura. É uma atividade como outra qualquer. E visa, no final, pra se manter de pé, você tem que trazer resultado, para poder reinvestir no negócio e viver disso. Então, a aceitação é legal, quando você fala em trabalhar com reciclagem, todo mundo gosta, hoje. Tem mais gente trabalhando, você observa essas caçambas, hoje, caminhão de reciclagem, aquele simbolozinho, as setinhas. Muita gente. As empresas, por uma questão também de responsabilidade social e equilíbrio financeiro, que antigamente jogavam, todo mundo quer dar um destino no resíduo. Tem uma pressão governamental, a Lei de Resíduos Sólidos entrou em vigor e tal. Com todas as adversidades, aí, que vêm acontecendo, a exigência governamental em cima de quem gera o resíduo vem acontecendo, os fabricantes de pneus… os caras, antigamente, não tinham que reciclar, depois tinham que reciclar dez por cento, vinte, trinta, chegou até a ter que reciclar cento e cinquenta por cento do que produziam, porque existia um passivo de décadas. Então, existe essa pressão, mas eu insisto: o negócio vai funcionar e funciona enquanto conseguir manter o equilíbrio financeiro, porque senão nasce morto. O mercado… o nome “Eco”, né, como eu disse, “Ecoway”, que veio do meu irmão esse nome, ele que criou, eu achei bem legal. E hoje tem “eco não sei o que”, “eco comércio”, “eco embalagem”, “eco”... tudo é “eco”. “Eco carvão”. Até achei: “Eco carvão”? Né? (risos) Meio um paradoxo, ali. Daqui a pouco vai ter “Eco mico leão dourado morto”. Mas, enfim, a mensagem é boa. Isso vai trazer a ecologia para as pessoas. Eu acho que a gente tem que buscar isso. No final das contas, você mora em São Paulo, você vê, eu morava lá e sentia falta de pisar na terra, na grama. Acho que os nossos instintos primitivos nos remetem às coisas mais básicas da vida: uma terra, uma areia, uma árvore. Precisa respirar o ar puro. Acho que temos que buscar isso.
P/1 – Falando dos desafios, queria saber dos aprendizados que você teve e que você consegue enxergar, pensando na sua trajetória profissional.
R – Os aprendizados que eu tive na minha atividade, por ser na reciclagem ou pela atividade, em si? Na atividade? Eu acho que a atividade e, ao mesmo tempo, a sua idade vão te trazendo maturidade e você vai enxergando aquelas coisas diferentes. Então, assim, por estar mais velho hoje, quando eu comecei aqui e por ter uma bagagem da atividade, você acaba vendo as coisas de uma maneira um pouco diferente. A velocidade com que você gostaria que as coisas acontecessem, você tem mais parcimônia nas suas decisões, temperança. Aqueles ímpetos que a gente tem de querer resolver e tal: “Faz isso!” Até estava comentando com você sobre fábrica, assim, a gente ficava, às vezes, naquela decepção, você precisava de uma peça ‘x’ e você tinha a peça e antes eu ficava arrasado: “Pô, o pessoal quebrou a peça, o cara não está nem aí, não é possível”. Hoje você lida com essas coisas, você dribla de uma forma melhor, você lida. Isso eu acho que é pela atividade e pela convivência e o tempo vai trazendo pra gente. Então, você vai ficando menos acelerado. É bom de um lado, porque você acalma um pouco, mas é ruim também, que você não pode desacelerar muito, a ponto de você acomodar, ficar derretido e também não se mexer. Tem que achar o meio do caminho. Conviver com o seu negócio, conviver com a sua atividade e ter prazer nisso. Encontrar o prazer no seu negócio, pra viver bem com isso.
P/1 – O mais marcante da sua trajetória profissional?
R – O mais marcante da minha vida? Olha, profissionalmente falando, é a soma. Não tem algo específico. É a soma das coisas. Quando você olha pra trás e você vê como você estava, quando você começou e como você está hoje. É, mais ou menos, você se olhar no espelho, de hoje pra amanhã você não vai ver diferença, mas se olhar hoje comparado com uma foto de vinte anos... então, acho que especificamente nada, mas ao mesmo tempo tudo. Somou, tudo marcou. Teve bastante coisa bacana que aconteceu, bastante surpresa na vida, assim, pessoas que apareceram, pessoas boas que você não esperava, que aparecem em um momento difícil. No momento do incêndio, esse pessoal aí que veio com o trator e depois mandaram máquinas, depois mandaram retro. E eram pessoas que não me conheciam e aí pegou fogo, ele viu o negócio… eu estava arrasado. E uma semana depois… as máquinas ficaram uma semana pra carregar o aterro, a Tetra Pak ajudou, assumiu a despesa do aterro deles lá, falou: “Ó, tinha aqui cem toneladas nossas, a gente banca isso”. Eles não tinham obrigação nenhuma disso. Empresas que foram parceiras. Outras não. Esse cara que depois eu falei: “Viu, eu preciso te pagar, né? Você usou a máquina aí…”. Seria uma nota hoje, uma semana de quatro máquinas aí, algumas dezenas de mil reais. E aí o cara olhou pra mim, um cara de igreja, por isso que a religião, eu falo assim, tem que respeitar todas. A mensagem é sempre positiva. Ele olhou pra mim e falou: “Viu, você está numa situação em que você não está legal, passou tudo isso aí, não precisa me pagar nada, não”. O cara não tinha obrigação nenhuma de fazer isso comigo. É um cara fantástico. Então, são surpresas boas que a gente trouxe na vida. Ao mesmo tempo, outras máscaras caem. Tinha lá um ex familiar, para não falar assim, nome. Veio, quis ficar meu sócio. O cara era muito rico, tinha quatro mil funcionários na empresa dele. O cara era muito bem de vida. Tinha a vida dele. “Ex” parente, você já deduz. E ele, quando pegou fogo aqui, veio ver. “Ô, aqui que você trabalha?” Eu estava já naquela situação, há quinze anos convivia com ele. “Ah, aqui que você trabalha e tal?” Como era um cara, empresário grande, falei: “É, aqui”. Nunca teve tempo de se dedicar, nunca. “Legal, legal, legal”. E aí ele viu uma chance de fazer negócio aqui. Ele viu que eu estava arrasado e, quando o pessoal do Kapersul, o Lauro de Curitiba quis ficar, se associar a mim, pra destinar o material, deu uma força absurda e, assim, fez porque era uma atividade boa para eles, mas não quis se aproveitar da situação, de forma alguma. O pessoal do sul me deu uma força absurda, também é uma surpresa positiva. Essa pessoa quis se aproveitar, quis entrar de sócio aqui. E eu falei: “Por quê? É uma empresa tão pequena, é um negócio tão minúsculo, perto do que você tinha, né?” “Não, quero, quero. Vamos entrar, vamos entrar, vamos entrar”. E depois de alguns anos acabou que, óbvio, não deu certo o negócio, talvez, ele tentou, mas não vingou e não deu liga. Isso trouxe transtornos pra dentro de casa, pro relacionamento, envolveu família e aí, depois de cinco, seis anos, quando as coisas foram apartando, esse assunto veio à tona e eu falei: “Viu, lembra, você quis entrar lá na empresa. Que besteira, a gente estava brigando por isso na minha casa, porque você queria entrar lá”. E, assim, a frase que foi célebre, marcou: “É, tinha pegado fogo lá, que era o meu ‘pobrema’”. O cara falava “bicicreta”. Sem preconceito, mas era simplão. Aquele cara que melhora, mas não melhora. O cara faz questão de bater no peito e ser ignorante e falou assim: “É, eu queria ‘sarvar’ algum pra mim”. ” “É, porque pegou fogo e eu tinha que aproveitar”. Eu falei: Meu Deus do céu!” Aí me veio, o cara que, vizinho, não tinha relação comigo, me apoiou, me deu a máquina, o outro, o outro, cada um, a Tetra fez uma força, a Kapersul, o Lauro. Vários amigos meus vieram aqui e o cara estava do meu lado e quis salvar “argum” que, pra ele, vou falar pra você: era moeda pra encher o tanque dos brinquedos que ele tinha lá. Nossa, falei: “Que coisa deplorável!” Até hoje eu lembro disso aí, é um ser deplorável, abjeto. Então, a gente tenta olhar as coisas boas, pra não ficar com essas ruins e a gente lembrar assim: “Que coisa asquerosa!” E é o que a gente estava falando antes: o mundo é composto por isso. E, às vezes, é a pessoa que está do teu lado. Então, essas experiências, a vida trouxe. As máscaras caíram. Muito bom, por sinal. Melhor cair a máscara do que você viver numa farsa e depois se iludir, achar que alguém era bom e era ruim. As coisas são como elas são e tem que dar nome pras coisas. Essas experiências que o negócio me trouxe, assim. As máscaras caíram.
P/1 – E, João, como é seu dia a dia hoje?
R – Ó, minha rotina é trabalhar aqui. Eu também faço algumas coisinhas, às vezes, eu construo uma casa, um imóvel, reformo para alugar ou para vender, assim, é um negócio secundário que eu tenho. A Ecoway ocupa a maior parte do meu tempo. Eu tenho a minha filha num outro casamento. Eu tenho a Andreia, convivo com ela, a gente mora junto já há cinco anos. Então, a minha filha transita entre a minha casa com a Andreia e a casa da minha ex-esposa. Então, eu a pego na escola diariamente… diariamente, não. Pego três vezes por semana na escola. Eu treino, faço uma atividade, um pouquinho de polo uma vez por semana, já não dá pra ir sempre. Vou à academia duas vezes por semana e uma coisa: eu sempre que posso, eu viajo. Sempre. Final de semana, vou pra praia, vou com a minha mãe, a gente vai nadar. “Vamos nadar?” Ela fica feliz, adora. “Vamos nadar lá?” “Vamos”. A gente vai pra lá. Visito meu pai, meu pai já está acamado, já está bem velho. Não está com tanta idade, mas ele está debilitado. Ele teve um probleminha de saúde, neuropatia e tal, que ele fica na cama. Ele está lá, eu vou lá dia sim, dia não. Tento ir lá, fico uma horinha, bate um papo, faz uma visita, dá uma animada nele. Então, eu vou na casa dele. Minha mãe já está bem, tem a mesma idade, quase, mas ela vem aqui, não sei o quê. Então, com a Andreia, a gente está sempre junto, que é a esposa atual. Minha filha, a gente também faz bastante coisas juntos, vai no parque, vai no clube. Sempre arruma alguma coisa. Ela gosta de andar de bicicleta, ela tem nove anos. Ela gosta dos desafios, das aventurinhas e é esse espírito que eu gosto de pôr nela, né, de desbravar. E também tenho uma atividade, que eu gosto de andar de UTV, aqueles carrinhos, quadriciclo. Tanto UTV, quanto quadriciclo. Então, a gente tem um grupo que se reúne e dá uns perdidos aí, mesmo durante a semana, à noite, tem um lugar aqui perto que dá pra fazer umas trilhas e a gente faz, mais pela reunião. Também a novidade da trilha já passou e tal. A gente gosta de se encontrar aí, pra ter os amigos e sai, vai jantar, fazer alguma coisa. É essa a rotina.
P/1 – Como foi se tornar pai?
R – Uma experiência incrível. Eu sempre quis. Na verdade, eu tive duas filhas. A segunda filha, a gente perdeu. A minha ex-esposa teve essa gravidez, que eu sou o pai da Beatriz e depois de um ano e meio, ela teve uma segunda gravidez, mas ela nasceu e tinha um probleminha de saúde e, nossa, ficou quarenta dias no hospital lá e a gente a perdeu. Porque foi maravilhoso me tornar pai e a segunda vez, naquela expectativa novamente e aí, aconteceu tudo aquilo. Foi uma coisa, assim, até hoje, não sei se é por ser homem ou se sou eu, sou melhor resolvido com isso. Já sofri, aquela coisa, coitada da criança e passou. E a mãe, acho que por carregar o filho, deve ter uma coisa, uma ferida aberta, aí, varrida pra debaixo do tapete, mas que deve ser uma coisa dura. Então, a experiência de ter sido pai pela primeira vez foi maravilhosa. A segunda também foi, mas o caminho da forma que foi, só foram quarenta dias de paternidade, a segunda paternidade. Mas é muito bom você ter uma criança, você poder ter um filho. Acho que o sentido da vida, a gente descobre isso depois da paternidade, é você dar continuidade nela. É aquele instinto primitivo nosso, está no DNA de muita gente aí, não sei de todo o mundo, mas é você perpetuar sua espécie. É legal, eu gosto. Dá trabalho no começo, um pouquinho, a criança dá uma pentelhada no começo, aquela coisa de “Ahh”, chora, no começo. Mas a gente já foi assim também. Mas é maravilhoso, eu gosto demais, eu gosto da… é o sentido da vida hoje, pra mim.
P/1 – E hoje você está com a Andreia?
R – Hoje eu tô com a Andreia.
P/1 – Como vocês se conheceram?
R – A Andreia foi uma história engraçada, que ela morava na rua de baixo da minha casa a vida toda e eu não a conhecia. E aí, depois eu estava casado, a conheci uma vez com uns amigos em comum, mas aí, quando eu me separei, eu a conheci assim: a vida inteira foi vizinha, não conhecia. Aí, depois, já tinha meus trinta e tantos anos, eu conheci: “Ah, eu moro na rua de baixo da sua casa e tal”. Coincidência. Até um gato que fugiu de casa uma vez e foi morar na casa dela e eu não sabia disso. A gente se conheceu ali e tal, mas eu era casado, ela era casada, então não tinha… aí, quando eu me separei, ela treina na academia que eu treino, lá no clube. Aí falei: “Separei” – ela era casada também – “você separou também, faz uns meses…” Ela: “Ah, não deu certo e tal”. Aí eu falei: “Puts, eu também separei agora”. E aí a gente começou, assim, logo na sequência, um mês depois, dois meses depois de separado, começou a se relacionar e isso já tem cinco anos, estamos juntos até hoje.
P/1 – João, como que a pandemia impactou a sua vida, enfim, pensando nos aspectos pessoais mesmo e também na empresa, aqui?
R – Na empresa, no primeiro momento, a gente ficou totalmente inseguro, os clientes travaram pedidos, ninguém sabia o que ia acontecer. A gente não sabia se ia ficar uma semana, um mês, um ano parado. Um ano, ninguém pensava, né, parado. Então, os clientes travaram e passou dois meses, a construção civil aqueceu, não sei se essa questão do governo soltar um dinheirinho pra turma, o cara reforma a casa. Não sei se foi isso o que impulsionou, ou se o cara não tinha o que fazer, ficou em casa, sem atividade, não podia sair, então o cara tinha um dinheiro guardado, resolveu reformar a casa, o banheiro. E a gente vende pra embalagem ligado à construção civil, tanto tapumes, proteção de piso, embalagem de fábricas da construção civil. Então, aí aqueceu. E aí começou, o negócio inverteu. Começou a vender muito e aí, por outro lado, a matéria-prima começou a faltar, porque muita gente que não usava determinado material, a gente usa aqui reciclado, tem fábrica que tem um padrão ‘A’ de qualidade, que não pode usar material reciclado. Com a falta de matéria-prima pela pandemia, as fábricas parando no mundo e tal, retomando o negócio, não tinha matéria-prima e os custos, com a falta de matéria-prima no mundo e as fábricas retomando atividade, então muita gente que tinha um padrão de exigência de qualidade ‘x’ começou a aceitar o material de mais baixa qualidade, que seria o reciclado. Então, eles começaram a competir com a gente na captação da matéria-prima. E isso foi um problemaço pra gente, porque o nosso produto, a gente vende lá, é barato. Agora, um cara que faz uma embalagem, um produto nobre, que consegue usar um reciclado, vamos dizer, ele paga lá dez reais o material dele e ele vai usar um material de cinco, pra ele está ótimo, na falta ele usa um de cinco. Mas o cinco, pra gente, é fora do nosso mercado. Então, a gente passou a competir com gente que era outra escala, outro tipo de processo. Foi péssimo, a matéria-prima subiu demais pra gente. Então, impactou, a gente repassou alguns custos, outros não conseguiu, a gente até hoje está driblando isso aí, essa situação. O mercado está aquecido, hoje falta produto, então a gente até tem que tomar cuidado pra não ficar mal-acostumado e achar que está vendendo, porque está vendendo porque não tem produto. Ao mesmo tempo, está difícil a matéria-prima. Mas é um mundo ainda incerto que a gente está vivendo. A questão China, a desaceleração lá impacta aqui na gente. O Brasil, ainda, como ‘player’ global, é muito pequenininho ainda. A gente acha que tem uma importância que não condiz com a realidade nossa, aqui. Então, na verdade, a gente é coadjuvante de um cenário muito maior, mundial e a gente fica sujeito a essas variáveis. Você vê o combustível, né, o que está acontecendo. Aí fala que é culpa do prefeito, do governador, do presidente. O mundo está assim, com esse problema. Tem gente que explora isso muito, politicamente. É ruim esse mundo. A gente vê, a gente consegue ter acesso um pouquinho mais à uma informação, a fazer uma análise crítica. “Ai, o prefeito, o governador”. Meu, é uma situação global que a gente está passando, ruim. E as pessoas tão sofrendo, porque falta na casa de todo mundo. Mas culpar ‘A’ ou ‘B’? Vamos resolver a questão. Vamos tentar resolver. Então, aqui, numa escala nossa aqui, a gente driblou. Tanto que no primeiro mês de pandemia a gente cortou, estava três turnos, dois, um. Aí, no segundo mês, voltamos pra segundo turno e agora estamos oscilando entre dois e três, porque não consegue montar, por falta de mão de obra não consegue montar o terceiro turno. Mas…
P/2 – João, você tem - eu queria colocar você um pouco pro futuro, assim - um material que é muito interessante, ele salta aos olhos, ele é inovador. Como que você… eu acho que todas essas tendências também estão confluindo para que esse material seja mais valorizado. Como que você vê o futuro do seu material? É na construção? É na fabricação de… enfim, fala pra gente onde esse material…
R – Eu vou te falar que eu não vejo futuro pra ele. Mas eu te explico porquê. Eu continuo à tua pergunta ou não? Então, assim: o impacto da pandemia na empresa foi esse e na minha vida pessoal foi aquela insegurança de ficar em casa: “Vai viajar, não vai, pode sair, não pode”, tal. Então, acho que a vida está voltando ao normal, já. A gente viu muita coisa aí que aconteceu, mas que loucura, né? Quem diria que a gente ia viver isso, assim, mas acho que está normalizando. Agora, com relação ao material, assim, o futuro da chapa, do produto nosso, eu acho que a médio, longo prazo, é uma tendência que esse tipo de atividade, nesses moldes, não vá mais existir. É uma aposta contra. É um palpite contra, até, assim, mas até fica confortável fazer esse palpite. Tomara que eu esteja errado, né, mas no seguinte sentido: as matérias-primas estão mais caras e cada vez os processos são mais caros, mão de obra, ainda mais nesse pós-pandemia. Aí você tem uma embalagem multicamadas, que ela, ecologicamente, no pós-consumo, não é viável, porque vai pro aterro. A não ser que você a tire do aterro, a lave, processe aquilo tudo, que gera um custo e faça um produto final. E a esse produto final, tem que agregar valor, porque o custo pra processar, pra logística reversa e tal, é enorme. Agora, com essa tendência de materiais reciclados, o mundo pressionando… na Europa, estavam falando… quer dizer, isso eu já presenciei lá, você vai no supermercado, a sacolinha, dez centavos, vinte centavos, pra você não comprar sacolinha de supermercado, pra você levar a tua de casa. Isso agora eu não presenciei, mas dizem que tem um monte de supermercado que já está adotando a sacola de papel. Quer dizer, eu acho que essas embalagens que são bonitas, são agradáveis pra você pegar, tal, eu acho que a tendência delas é voltar a ser uma embalagem monocamada, ou duas camadas, ou três, mas um material da mesma família: um polietileno com EVOH, um polietileno com PP. “Ah, mas ela não vai ter o alumínio no meio”. Sim, mas é o preço do equilíbrio mundial. E a partir do momento em que você tem uma embalagem de polietileno puro, ou de polipropileno, você consegue agregar valor nessa sucata. E essa sucata com valor agregado, você não vai transformar numa chapa dessa, porque senão essa chapa vai custar muito caro, pra você processar. Então, acho que a longo prazo, o que é bom pro negócio, as embalagens vão ser mais recicladas, mas com valores diferentes, porque são produtos com destinos diferentes e a gente, na nossa empresa, tem que se moldar e adequar esses novos processos. Tanto que essa questão do grão que a gente já faz já é uma linha voltada a um processo que tenta agregar um valor melhor numa embalagem mais nobre. Talvez a chapa seja isso, talvez não. Se é no curto ou longo prazo, ah, vamos saber. Daqui a alguns anos, a gente vai ver.
P/2 – Ô João, fascinante isso que você falou. Você acha, então, que existe uma tendência real, mesmo, não tinha me ocorrido, de que os materiais multicamadas venham a ser substituídos e que a gente passe a ter ideias de produtos que tenham materiais que sejam mais fáceis de reciclar e aí a destinação do material reciclado em novos produtos vai ser diferente?
R – Se eu acho que vai acontecer isso? Sim. É o que eu falei. É isso aí. Você quer que eu complemente?
P/2 – Por favor.
R – Tá. Então, assim, eu acho que não só os materiais, mas os produtos que a gente consome em geral. Você pega um celular, tal, são vários materiais, vários porque, assim, fica agradável. É o que vende, hoje, é a embalagem. A gente compra muito a embalagem, o aspecto visual da coisa e tal. Você pega a funcionalidade visual do produto. A gente cresceu numa sociedade assim. Por que a pessoa que tem um telefone quer um outro, tem uma bicicleta quer uma outra e, às vezes, é a mesma coisa, né, só o aspecto visual. Porque é isso que move também a indústria, que move o mundo. A gente precisa produzir. Só que, ao mesmo tempo, isso está causando impacto. Então, eu acho que, assim: esse consumismo vai existir, porque a gente vive disso. Não podemos ser alienados e dizer que o mundo vai deixar de consumir pelo meio ambiente. Não, vai. Mas o meio termo entre o consumo e o equilíbrio do impacto que a gente vem causando é você ter esse consumo responsável. O produto, você não vai ter um produto tão legal visualmente, uma embalagem, não vai ser tão bonito, mas vai ter um destino melhor. A reciclagem. Então, esse saquinho de café que você compra na sua casa, ele não é tão bonito quanto aquele laminado, metalizado. Ele é “feinho”, vamos colocar assim, mas ele é reciclado integralmente pós consumo. E essa embalagem, tudo, do teu biscoito, que você usa, do teu iogurte, essas coisas, nesse sentido, o apelo visual talvez seja menor, mas o apelo ambiental, maior. E isso requer uma maturidade da sociedade, porque não adianta eu, como indústria, eu, hipoteticamente falando, eu sou um fabricante de determinado produto, vou ter essa responsabilidade numa sociedade que não é evoluída o suficiente e o meu concorrente não, ele vai fazer a embalagem bonita, mas ele não está nem aí, ele vai vender e eu vou quebrar. Então, isso requer a sociedade e aí vai pra educação, a gente tinha falado, né, exigir produtos que sejam responsáveis. Que ela esteja disposta a comprar um produto não tão bonito, ou não tão agradável aos olhos, mas que seja ecológico, porque a empresa vai investir naquilo, porque se a empresa não fizer, ou fizer e não tiver público, vai quebrar. É essa a ideia? É o que eu acho.
P/2 – Não, é super legal, é uma visão interessante.
R – Mas está tudo na educação. Você vê o cara jogando um negócio e fala: “Meu, cara, onde você vive, meu? Amigo, está tudo limpinho, você joga uma embalagem no chão!” E, assim, você tem que ter jeito para falar isso. Se eu estivesse com a minha filha, não falaria. Não vou expor a minha filha a um risco de um cara falar: “É, está louco?” Não. Mas eu acho que, como cidadão, a gente, sem ser também, se expor muito, você tem a obrigação de educar, com respeito. Fala: “Meu amigo…”. Se você faz isso, eu tenho certeza de que amanhã esse cara vai pensar, antes de jogar da janela, ele vai falar: “Pô, vai ter um cara olhando, vai ter um ‘mala’ olhando aí”. Mas tudo bem, se ele acha que é um ‘mala’, mas não jogou? Beleza, eu consegui fazer alguém, né, um a menos jogando lixo na rua, no mar, no lago, aí. Essa é a ideia.
P/1 – O que a reciclagem representa na sua vida?
R – Pra mim é uma atividade econômica. E, ao mesmo tempo, um ideal de vida. É congruente com o que eu acredito nessa história de equilíbrio, de impacto menor. A gente nasce já causando impacto no mundo. Nós somos o impacto, nós somos o cupim da terra. A verdade é essa. Nenhuma espécie sugou tanto o planeta quanto a gente faz. E suga o planeta de todas as formas. É território, explora a vida animal, a gente acha que tem, não sei se a gente, do ponto de vista filosófico, o direito de submeter uma outra espécie ao que a gente faz. A gente come, tem necessidade. Eu como carne, eu como frango, tudo. Não como caça, acho que nem pode isso, mas mesmo que pudesse eu não comeria, mas a gente é um impacto grande. Então, eu acho que a melhor forma da gente minimizar isso é reciclando. Não só reciclando, é reciclando, é poupando espaços, é preservando o ambiente, a Andreia, minha esposa, ela não come carne. Ela deixou de comer por causa do animal. Ela gosta muito de bicho e ela, faz uns meses aí, um ano, falou... ela até já comia pouco, falou: “Ah, não vou comer mais carne. Não tem cabimento um bicho ficar confinado, sofrendo, pra satisfazer o meu estômago, sendo que eu posso me alimentar de outras fontes”. Então, é bonito isso, é o ideal. Só que oito bilhões é gente. Então, a reciclagem, você precisa ter pelo menos, aí, alguns bilhões de pessoas com essa evolução… eu falo que é evolução, mas não é bem isso também, só, porque a gente sabe que você fazer escolhas, quando você tem escolhas, é fácil. Agora, uma pessoa que não tem acesso a nada, o que vier pela frente, ela vai ter que se alimentar, vai ter que… e essa é a realidade de muita e muita gente no mundo. Então, essa coisa de fazer discursinho pra história da “sacada gourmet”, né, isso aí fica… você fala pro vento ou você se passa por um idiota, acho. Porque nós somos afortunados por ter a vida que a gente tem. Você poder escolher o que você vai comer, você poder vestir uma roupa, você ter um teto na tua cabeça, mas que não é a realidade de milhões, bilhões de pessoas. Então, acho que a gente, como humanidade, tem que evoluir, primeiro suprir as necessidades e aí, sim, fazer as escolhas corretas, em equilíbrio ao ambiente. A gente faz a nossa parte: recicla. Eu falo: “Se fosse naquela pegada de carbono, eu tô concreto, eu acho, eu espero, porque eu acho que eu já reciclei… nós aqui na Ecoway já reciclamos mais do que a gente, na vida, produziu, gerou de resíduo”, mas ainda é pouco. O mundo precisa de mais isso.
P/1 – Quais são os seus sonhos?
R – Meus sonhos? Ah, eu acho que, assim, a gente vai ficando mais velho, as expectativas vão diminuindo. Acho que ter minha filha bem, conseguir manter a minha atividade por muitos anos. Eu gosto de empreender, eu gosto de ver as coisas acontecerem. Eu gosto, eu penso coletivamente, aquele pensamento, eu falo como país, né, a gente é brasileiro e eu gosto demais do Brasil. Eu acho que eu já morei fora, já tive oportunidade, foi muito bom, mas a nossa pátria é a nossa língua, sabe? Você morar fora é… sua casa é o Brasil. Sabe, eu penso, você pode ser quem for, você pode estar muito bem no exterior, mas a sua casa é o Brasil. Eu sempre faço aquele paralelo: todo o mundo conhece um alemão que mora no Brasil há quarenta anos, o cara mora no Brasil há mais tempo que você tem de vida, mas ele fala: “Eu gostar de comer não sei o quê”, você fala: “Esse cara não é brasileiro”, o cara é brasileiro, mas ele tem outra língua. Tua casa é aqui, porque as pessoas falam a mesma língua que você. Então… e aí tem gente que discrimina isso, isso é uma estupidez, né: “Ah, você nem é brasileiro, você não pode falar isso”. E isso vale o contrário também, você vai pra um país: “Ah, você nem é americano, você nem é…”. Então, a nossa casa é aqui. Acho que a gente devia cuidar melhor do nosso Brasil, as pessoas deviam fazer menos força contra o país. A gente, independente de coisa de partido, de política, a gente é brasileiro. E muita gente milita contra o nosso país, por interesses mesquinhos. Eu falo, você vê a situação aí, Banco, por exemplo, paga… “Ah, Banco pagar juros é bom, porque eu me rendi, eu tinha um dinheiro aplicado numa determinada época da vida lá, no governo tal pagou mais juros, menos juros”. Espera um pouquinho. Você pensa no país. Quanto menos o país pagar em juros - por exemplo, né, entrando nesse assunto de economia, porque eu também gosto muito disso, eu também tenho uma pós-graduação em Economia - é melhor, sobra mais dinheiro para investir no social, infraestrutura, estrada, tal. É bom. Então, não pensa em você, que você ganhou mais ou menos. Pense coletivamente. Eu penso assim, se eu tivesse que abrir mão de alguma coisa minha em prol da sociedade, de um Brasil melhor, que o potencial que a gente tem aqui é tão grande, né, o país é maravilhoso aqui. Mas falta muito e começa na educação do povo. Eu gosto de viajar pelo Brasil, ainda mais na pandemia, a gente ficou meio confinado e a gente… faz pouco tempo aí, eu fui pro nordeste, né, eu fui lá pro Maranhão, eu fui do Maranhão até o Ceará e a gente foi fazendo… pelas praias, fui andando. E a gente vai vendo um Brasil que a gente não está acostumado. Você vai pro nordeste, mas você vai pra Fortaleza, ver a cidade, vai pras capitais, não é bem aquilo. O Brasil é muito mais que isso. E você vê a falta de educação e respeito do povo. É um povo solidário, é um povo bom, é um povo acolhedor, bacana isso que a gente tem, característica nossa, mas ao mesmo tempo, é um povo, assim, com uma educação nível… não de má fé, mas é um povo que é imediatista, que pensa a curto prazo, não respeita o próximo. Então, isso dói um pouco na gente, você ver isso aí como país. Você fala: “Pô, não adianta”. O cara fala assim: “Eu vou resolver o meu”, mas o país está uma bagunça. Eu queria assim, ver um Brasil melhor, mas não pra mim, pra sociedade toda. Isso é uma coisa que eu sei, eu tenho um pouco... eu sou meio patriota. Essa bandeira aí, não sei se vai ficando mais velho, vai ficando mais as nossas raízes. A gente é daqui. Vamos cuidar da gente. E a gente cuidando da gente, você cuida da sua casa, o vizinho cuida da dele, os nossos… ‘véio’, o mundo fica melhor. Vamos fazer nossa parte aqui, cada um faz a sua e a gente vai ter um lugar melhor. Isso é bom.
P/1 – Últimas duas perguntas, tá? Pra gente encerrar. Gostaria de saber se você quer comentar alguma passagem que eu não tenha te perguntado da sua vida, contar alguma história que você não rolou, enfim, ou deixar alguma mensagem.
R – Ah, acho que eu falei bastante, sim. E da minha vida… é, olha, se eu fosse resumir, assim, o que eu pretendo ensinar pra minha filha? É isso que eu diria, assim. O que eu posso falar pros outros que eu quero bem é o que eu falaria pra minha filha. O que eu falo pra minha filha é: “Meu, primeira coisa: tenha a sua família em primeiro lugar. Não faça para os outros o que você não quer que façam pra você. Não faça nada nem pros outros, nem pra ninguém, não maltrate. Seja uma pessoa boa. Acho que você promovendo o bem, o bem acontece pra você naturalmente”. Empatia acho que é a palavra que a gente precisa ter. Precisa ter, não. Praticar. Empatia. A gente precisa pensar um pouco extra umbigo. O momento que a gente está vivendo, sabe, foi um momento de reflexão. A gente passou pela coisa que eu nunca achei que fosse acontecer, acho que ninguém… acho, não. Na nossa geração, ninguém passou por isso, uma pandemia. E acho que uma oportunidade foi de refletir, ver bastante coisa. A vida é efêmera, né, passa num sopro. Então, pratique o bem, que o bem vai acontecer pra você. Cedo ou tarde, vai. É isso aí, a mensagem que eu traria pras pessoas.
P/1 – E como foi, pra você, dividir um pouco da sua história com a gente, relembrar de coisas antigas, da infância?
R – Ah, foi ótimo, viu. Foi legal. Foi quase uma terapia, aqui. A gente lembra de coisa boa, coisa ruim, faz desabafos. Eu acho que lembra de pessoas que merecem ser lembradas. Talvez, se eu for lembrar, tem um monte de gente na minha vida que foi muito marcante em outras coisas, em outros aspectos, bom e ruim. Felizmente, mais gente boa do que ruim. Então, assim, coisas, passagens boas que aconteceram na minha vida. E acho que foi legal, eu tô até curioso pra ver como vai ficar isso aí. A gente fala e nunca se vê, nunca se ouve, então vai ser interessante, até. Mas o trabalho de vocês achei bacana. Eu conheci… você mostrou pra mim agora há pouco aí. Tô curioso até, pra ver.
P/1 – Eba. Muito obrigada. Muito obrigada, quando tudo estiver pronto, obviamente a gente vai te entregar, vai te disponibilizar link…
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