P/1 - Boa tarde Marineide. Eu queria, por favor, que você dissesse seu nome completo, a data e o local do seu nascimento.
R - Marineide da Silva Peres, nasci a 8 de julho em Uberlândia, Minas Gerais.
P/1 - O nome do seu pai e da sua mãe.
R - Meu pai, falecido, se chamava Mário Ferreira da Silva, minha mãe, Neusa Lélis Ferreira.
P/1 - Seus avós, você chegou a conhecer?
R - Sim, todos eles, meus dois avós faleceram, eu era criança ainda, mas eu tenho boas recordações deles.
P/1 - Como era o nome deles?
R - Meu avô paterno Antônio e meu avô materno Antônio também, José Antônio, desculpe.
P/1 - As avós?
R - A minha avó, Antônia e minha outra avó, Ermelinda.
P/1 - Materna ou paterna?
R - Avó paterna, Antônia, a materna Ermelinda.
P/1 - Você sabe da origem deles, de onde eles vieram, eles são daqui da região mesmo?
R - Eles são da região, Uberlândia, a família do meu pai tem origem também em Ituiutaba, mas tudo da região aqui mesmo, trabalhava em fazenda, morava em fazenda naquela época, então são da região mesmo.
P/1 - Proprietários?
R - Proprietários. Meu avô, da parte paterna, ele foi proprietário de fazenda em Ituiutaba, embora eles não tenham, os filhos não nasceram lá, e meu avô paterno era fazendeiro aqui no município de Uberlândia.
P/1 - Chegou a conhecer essas fazendas?
R - Cheguei, porque ele teve dez filhos e, depois de certa idade, ele veio para Uberlândia, trouxe os filhos para estudarem e alguns continuaram, dividiu de uma certa forma as fazendas entre os filhos, e eles continuaram morando lá. Então na minha época de infância o passeio de domingo era ir para a fazenda visitar todos os tios que moravam lá, a maioria morava ainda, ainda continuou ficando.
P/1 - E qual era a atividade principal dessas fazendas?
R - Era mais gado e o plantio de subsistência mesmo, era muito mais subsistência, naquela época ainda não existia muito essa questão de produção...
Continuar leituraP/1 - Boa tarde Marineide. Eu queria, por favor, que você dissesse seu nome completo, a data e o local do seu nascimento.
R - Marineide da Silva Peres, nasci a 8 de julho em Uberlândia, Minas Gerais.
P/1 - O nome do seu pai e da sua mãe.
R - Meu pai, falecido, se chamava Mário Ferreira da Silva, minha mãe, Neusa Lélis Ferreira.
P/1 - Seus avós, você chegou a conhecer?
R - Sim, todos eles, meus dois avós faleceram, eu era criança ainda, mas eu tenho boas recordações deles.
P/1 - Como era o nome deles?
R - Meu avô paterno Antônio e meu avô materno Antônio também, José Antônio, desculpe.
P/1 - As avós?
R - A minha avó, Antônia e minha outra avó, Ermelinda.
P/1 - Materna ou paterna?
R - Avó paterna, Antônia, a materna Ermelinda.
P/1 - Você sabe da origem deles, de onde eles vieram, eles são daqui da região mesmo?
R - Eles são da região, Uberlândia, a família do meu pai tem origem também em Ituiutaba, mas tudo da região aqui mesmo, trabalhava em fazenda, morava em fazenda naquela época, então são da região mesmo.
P/1 - Proprietários?
R - Proprietários. Meu avô, da parte paterna, ele foi proprietário de fazenda em Ituiutaba, embora eles não tenham, os filhos não nasceram lá, e meu avô paterno era fazendeiro aqui no município de Uberlândia.
P/1 - Chegou a conhecer essas fazendas?
R - Cheguei, porque ele teve dez filhos e, depois de certa idade, ele veio para Uberlândia, trouxe os filhos para estudarem e alguns continuaram, dividiu de uma certa forma as fazendas entre os filhos, e eles continuaram morando lá. Então na minha época de infância o passeio de domingo era ir para a fazenda visitar todos os tios que moravam lá, a maioria morava ainda, ainda continuou ficando.
P/1 - E qual era a atividade principal dessas fazendas?
R - Era mais gado e o plantio de subsistência mesmo, era muito mais subsistência, naquela época ainda não existia muito essa questão de produção para a venda, era mais de consumo direto mesmo, subsistência mesmo.
P/1 - E o seu pai, a atividade dele também era ligada à agropecuária?
R - Não, meu pai, embora a origem dele tenha sido em fazenda, desde criança eles mudaram também para Uberlândia, foram estudar, e ele começou a trabalhar no ramo de construção civil e, inclusive, foi o motivo da morte dele, ele era construtor e faleceu em um acidente na construção que ele estava realizando.
P/1 - A senhora tinha que idade nessa época?
R - Treze anos.
P/1 - Como é que era a sua casa, a casa da sua infância, a primeira lembrança que você tem da casa da sua infância?
R - A casa da minha infância? Bom, eu tenho várias lembranças de casa de infância, não é, porque tem a lembrança de quando eu era bem pequena, eu imagino uns três, quatro anos, que todos os irmãos eram bastante pequenos, depois meu pai construiu uma casa maior, de uma casa pequena que a gente morava, ela tinha apenas quatro cômodos, ele ampliou essa casa, e foi nessa casa que nós vivemos até ele falecer.
P/1 - Onde é que ficava essa casa?
R - No Bairro Bom Jesus aqui em Uberlândia.
P/1 - Como é que era ela, dá para descrevê-la?
R - Dá. Ela tinha uma escada na frente, tinha uma varanda, você acessava essa varanda primeiro, aí depois disso tinha a sala, tinha uma copa – uma sala de jantar – e dessa sala de jantar você saía para os quartos, tinha o quarto de minha mãe, tinha o quarto dos irmãos, que eu tenho dois irmãos, o quarto dos dois irmãos, e nós somos cinco mulheres, então tinha um quarto enorme para cinco mulheres (riso). Realmente o quarto era muito grande, então as cinco mulheres dormiam no mesmo quarto.
P/1 - Então na verdade eram sete irmãos, contando com você, é isso?
R - Sim, sete irmãos.
P/1 - Em que ordem isso?
R - Ah, o primeiro irmão, o Mário Humberto, ele trabalha no grupo Algar também, e depois a Marileuza, minha irmã que mora em Goiânia, depois sou eu, Marineide, aí vem a Vânia, ela trabalha com o marido, tem uma atividade de alimentação, a Elaine, que também trabalha com o marido, tem atividade de alimentação, o Paulo Roberto, que mora em Brasília, ele já trabalhou no Grupo Algar também, na área financeira, ele trabalha em hotéis hoje, e tem a Eleni, que é minha irmã caçula que também trabalha na CTBC já há um bom tempo.
P/1 - E como é que era esse quartão coletivo das irmãs?
R - (riso) Era maravilha, porque era ali que a gente brigava, era ali que a gente brincava, agora o que eu mais lembro desse quarto é que a minha mãe e o meu pai eram muito assíduos na igreja, eles eram também católicos, e tinham muitas reuniões de casais, e como nós éramos muitos filhos e tinha o mais velho que cuidava dos mais novos, não é, então minha mãe ia para essa reunião à noite e nós ficávamos, a gente comemorava quando minha mãe e meu pai ia para as reuniões, porque a gente ia para esse quarto e fazia barraca e brincava nesse quarto que era uma maravilha. Eu tenho boas lembranças desse quarto. Você fez uma pergunta (riso) que é realmente muito boa.
P/1 - Essa casa está lá ainda, no mesmo lugar?
R - Tem. Minha mãe ainda tem ela, ela aluga, essa casa ainda existe, passo de vez em quando lá na porta.
P/1 - E que tipo de brincadeiras vocês tinham nessa época da infância?
R - A gente brincava muito, embora, trabalhava muito também, que eu acho que as crianças da época, pelo menos da minha época, as que eu tinha maior conhecimento, elas trabalhavam muito mais do que as crianças hoje, no aspecto de atividades domésticas mesmo. Então minha mãe trabalhava, ela era costureira, e os filhos é que ajudavam e mantinham todo o trabalho doméstico, mas o horário de brincar era a noite, então à noite a gente se reunia com toda a vizinhança, os amigos, vizinhos, brincava na rua mesmo, brincava de pique-esconde, queimada, jogo de bola, futebol, tudo que tinha direito, bicicleta, tudo, era ótimo.
P/1 - E a sua escola Marineide, a sua primeira escola, a lembrança que você tem da primeira escola?
R - A lembrança da primeira escola não é muito boa não, porque eu quis estudar muito nova, eu tinha apenas cinco anos, a minha irmã mais velha que tinha sete já estava na idade de estudar, só que, como a gente era muito próxima uma da outra, minha mãe tinha a mania de fazer roupa igual, cortar cabelo igual, então todo mundo perguntava se nós éramos gêmeas, porque éramos muito parecidas, tínhamos mais ou menos o mesmo tamanho, e vestíamos também da mesma forma. E aí eu quis também ir para a escola, puxa vida, “minha irmã gêmea vai para a escola e eu não vou”? E eu quis ir para a escola. Só que era uma escola, por incrível que pareça, era muito raro, mas era uma escola que tinha até palmatória, a professora chegava na frente e pedia para você, fazia algumas perguntas para você, passava alguns assuntos para você estudar em casa e se você não soubesse era palmatória na mão, era uma coisa horrorosa. Então, eu fiquei nessa escola acho que uns dois anos, três anos, não sei, era uma escola particular, mas aprendi muito lá também, eu não posso negar. Mas depois, mudando de escola é que eu fui perceber que coisa mais estranha, você apanhar porque não sabe, não é? E no meu caso, eu não dei muito mal nessa questão porque era assim, se você acertava, você é que batia nos outros amigos, então eu quase não apanhava de ninguém, porque eu era, eu sempre fui muito estudiosa, gostava muito de pegar, então realmente eu mais batia que apanhava, mas aquilo para mim era um horror e aí depois eu mudei de escola, muito mais em função de que minha irmã não se adaptou também, e aí minha mãe mudou a gente de escola.
P/1 - Que coisa horrorosa!
R - Mas é, é uma lembrança horrível.
P/1 - E aí, depois mudando de escola, esse ambiente se desanuviou na sua cabeça?
R - É, mas era uma escola assim, tinha esse castigo, mas tinha um conteúdo muito bom, e ela era assim muito rígida, não é, e realmente eu passei para a outra escola, era uma escola estadual e era muito mais fraca, não é, então eu cheguei lá, dominava tudo, era até sem graça estudar nessa escola, porque a outra era muito, o regime era muito mais apertado, mas foi...
P/1 - Só para o registro, o nome dessas escolas.
R - A primeira escola, eu não lembro o nome dela, inclusive, a dona dela não é viva mais, era aqui de Uberlândia, era dona Maria do Abrão, o nome dela era Maria do Abrão, não lembro mais o nome, ela morava na João Pinheiro ali pertinho da CTBC, ela tinha uma irmã também que era proprietária da escola, chamava Sara, e a outra escola que eu fui, que existe até hoje, que chama Escola 13 de Maio, escola estadual. Na 13 de Maio eu estudei um ano, depois eu fui para o ginásio, que é a professor José Inácio, e lá eu estudei até o terceiro colegial, na escola Professor José Inácio.
P/1 - E como é que foi esse período a partir do momento da perda do seu pai, quer dizer, o que isso significou na unidade familiar, na cabeça daquelas jovenzinhas que estavam começando a vida?
R - É, isso foi realmente um baque muito grande, não é, a minha mãe, ela era muito nova, tinha trinta e seis anos apenas e tinha sete filhos, o mais velho tinha, acho que quinze anos, dezesseis anos, uma coisa assim, e a Eleni, que era caçula, tinha seis anos. Então a gente, ele se precaveu de uma certa forma, porque ele era construtor, tinha algumas casas, que ele construiu, alugava, não é? Então, ele estava começando a construir uma outra casa para a gente morar, então depois que ele faleceu a minha mãe se empenhou muito em construir essa casa, porque ela não gostava do lugar mais, não quis morar lá mais. E a gente continuou. Eu logo... quando ele faleceu, eu tinha treze anos, com quinze anos eu comecei a trabalhar, e aí foi, os filhos foram começando a trabalhar à medida que tivessem idade, não é, e a gente conseguiu superar isso, não do lado pessoal, mas o lado material a gente conseguiu, todo mundo trabalhando.
P/1 - Você se referiu a esses trabalhos, ao fato de a criança trabalhar mais naquele tempo do que agora, que tipo de atividade ali você precisava desenvolver dentro de casa para ajudar a sua mãe, para cuidar, enfim, da casa?
R - É, porque minha mãe ela trabalhava o tempo todo, não é, você levantava, via minha mãe sentada na máquina de costura, você ia dormir, via minha mãe sentada na máquina de costura, então eram os trabalhos domésticos, lavar, passar, cozinhar.
P/1 - Todo o grupo de crianças...
R - Os mais velhos, não é, porque tinha o meu irmão, ele ia muito trabalhar com meu pai, a minha irmã mais velha e eu, mais os mais velhos, e à medida que a gente começou a trabalhar, as outras crianças foram também crescendo e todos ajudavam, não é, à medida que eles tinham idade para ajudar, aprendia o trabalho e ajudava, mas isso foi bom, isso é muito bom.
P/1 - E aos quinze anos você teve o que a gente poderia chamar a grosso modo de seu primeiro emprego formal, é isso, seu primeiro trabalho formal?
R - É, foi interessante porque eu não estava procurando emprego, não é, eu tinha uma prima que trabalhava em uma loja, era uma loja de calçados e confecções, e eles estavam precisando de uma vendedora, e então ela me indicou, falou para a dona da loja que me conhecia e que talvez eu poderia servir, era uma época de... naquela época era muito, as vendas do período de Natal começavam... por volta de setembro já começavam aquecer as vendas. Então ela precisava de uma vendedora para aquele período até passar o Natal, não é? Então eu comecei a trabalhar nessa loja e lá fiquei, não foi só para o período de Natal, eu trabalhei lá eu acho que quase quatro anos.
P/1 - Concomitante à escola?
R - Sim, porque quando eu fui trabalhar, eu fazia colegial, depois eu prestei vestibular, entrei na faculdade, e embora eu fosse naquele momento gerente da loja, mas pelo curso que eu estava fazendo, eu vi que naquela loja não teria muito o que fazer mais, o que eu teria que aprender eu já tinha aprendido, e pelo curso que eu comecei a fazer, eu percebi que precisaria trabalhar em uma empresa maior, só que eu não tinha dezoito anos, e a CTBC, naquela época, era o sonho de todo mundo de Uberlândia, trabalhar na CTBC, continua sendo ainda, não é? Então eu fiquei esperando, eu lembro direitinho que foi a Noêmia. A Noêmia, ela comprava lá na loja onde eu trabalhava, e foi através da Noêmia, eu tenho uma grata satisfação de reconhecer isso, porque foi ela que levou meu currículo e me ajudou a fazer a ficha lá na CTBC na época, depois que eu atingi os dezoito anos, que eu não podia entrar antes disso. Então fiz a ficha e alguns meses depois disso eu já fui convidada a trabalhar.
P/1 - Ainda nesse período escolar, digamos assim, no científico, como é que foi, como é que despertou a vocação, como é que você escolheu o rumo da sua formação profissional?
R - Da minha profissão?
P/1 - É.
R - Olha, eu sempre tive mais facilidade na parte de exatas, como estudante tinha algumas matérias que me chamava mais atenção, gostava muito de Geografia, História, mas todas as matérias que eram ligadas a cálculo, raciocínio, eu sempre tive mais facilidade e, para te ser franca, a minha vontade naquela época, quer dizer, o curso de Economia, na verdade você não entrava no curso de Administração, era chamado de, era um curso único praticamente, depois que você optava, que era para Economia, Administração e Contábeis. Mas quando eu fazia o colegial, a minha vontade era de fazer Matemática, a graduação em Matemática, pela facilidade que eu tinha com Matemática, aí foi até... tem certas pessoas que passam na vida da gente que a gente não pode esquecer, não é? Eu tenho uma prima que me visitou um dia, eu estava assim prestes a fazer a inscrição para o vestibular, então ela falou: “Para que você vai fazer Matemática, porque Matemática, eu sou professora, você vai sofrer, muito, embora é uma coisa que você goste, mas não é uma profissão de futuro”. Aí fiquei, pensei aquilo que ela me falou, fiquei pensando aquilo: “Realmente, quer dizer, eu não posso fazer só porque eu gosto, também tem que pensar um pouco na minha profissão, não é?”. E aí eu fiquei pensando: “Mas o quê, se não for Matemática...” Porque não tinha muita opção também naquele momento. Engenharia era muito complicado, naquele momento eram pouquíssimas as mulheres que entravam para o ramo de Engenharia, então eu imaginei: “Eu acho que Administração ou Economia seria uma coisa que seria mais próxima do que eu gostaria de fazer, não é?”. Então resolvi fazer, era Ciências Contábeis, Econômicas e Administração o nome do curso, então eu resolvi fazer para isso, foi uma questão de mudança assim, questão de uma semana antes de fazer inscrição para o vestibular eu resolvi, e foi ótimo, acho que tem certas pessoas que te passam, que te dão algum insight assim que vale para o resto da vida, não é?
P/1 - Na [Universidade] Federal de Uberlândia?
R - Na Federal de Uberlândia.
P/1 - Nesse período de estudo, como é que foi a sua vida profissional fora da universidade, conseguiu...
R - Antes de entrar na universidade? É, eu trabalhava o dia todo e à noite eu estudava. Era bastante corrido, porque eu não tinha muito tempo, eu tinha vinte minutos para tomar banho, jantar e sair. Eu trabalhava até às seis horas e sete horas eu tinha aula, ia de ônibus, vinha de ônibus, usava o ônibus para tudo. Então era bastante corrido, era tudo assim muito cronometrado para dar tempo de tudo, não é, e escola era muito rígida, você não podia chegar mais que cinco minutos atrasado, então tinha que correr mesmo.
P/1 - Nesse momento você ainda não estava na CTBC?
R - Eu entrei na CTBC, eu já estava na faculdade, na universidade, um ano já.
P/1 - Conta novamente esse processo com a Noêmia, ele era freguesa da sua loja?
R - É, a Noêmia era freguesa da loja e eu sempre comentei com ela, eu sabia que ela trabalhava na CTBC e que eu gostaria de, eu estava fazendo já Administração, não é, e que eu tinha vontade de ampliar horizontes tal, então ela falou: “Não, vou mandar para você lá, faz a ficha”. Então eu fiz a ficha lá na CTBC, e naquela época era uma batalha de testes, que era uma coisa horrorosa, era sessenta minutos para fazer não sei o quê, mais uma hora para fazer não sei o quê, teste de datilografia, e bastante rígido para a seleção.
P/1 - Quando foi isso mesmo?
R - 1978, eu sei que eu fiz, eu entrei na universidade no início de 1978 e meados de 1978, depois que eu fiz dezoito anos, que eu te falei, que eu sou de julho, meados de 1978 eu fiz o teste, só que eu fui trabalhar na CTBC apenas um ano depois, então eu fiz a ficha, mas ninguém me chamou. Então ficou por isso mesmo, e não estava nem lembrando daquilo mais, de repente me chamam: “Você está convocada para começar a trabalhar segunda-feira”. Não sabia com quem, nem para fazer o quê direito, nada. “Você vai começar segunda-feira, se apresente no escritório às sete e meia para você trabalhar.” Então foi bastante corrido, porque eu tinha que acertar com o trabalho que eu tinha, não é?
P/1 - Bom, e aí, chegando lá na CTBC para fazer o quê?
R - Ah, mas foi uma coisa muito interessante que eu não esqueço disso nunca, não é, porque vendo como é hoje e vendo naquela época era uma coisa bastante interessante, porque eu fui, eu era para ser secretária de um chefe que não me entrevistou, não me conhecia e fui trabalhar com ele, então cheguei: “Não, você vai ser secretária do Tarcísio”. Que hoje trabalha na área de Engenharia na CTBC, ele trabalhava na área de Transmissão e Energia, e na área, o departamento do Tarcísio era eu e ele, então o chefe tinha que ter uma secretária, entendeu? Porque todo o departamento tinha uma secretária, então o departamento tinha que ter uma secretária e eu entrei como secretária. Mas aquilo foi uma coisa tão estranha, porque eu não tinha trabalho para fazer. Então, de vez em quando eu tinha... tinha a Ercília. A Ercília era estagiária lá, já falecida também, mas foi uma pessoa que me ajudou muito, porque ela era a única pessoa, o Tarcísio não parava lá, não é, então era eu e ela, ela, a estagiária de vez em quando ela aparecia, eu chegava lá: “Puxa vida! O Que eu tenho que fazer aqui, atender telefone, é um absurdo, do jeito que eu trabalhava no outro emprego, corria o dia inteiro, fazia mil e uma coisas ao mesmo tempo...”.E aquilo, eu começava até a cochilar às vezes, “...não tem lógica”. Aí eu ia lá para a área de Desenho: “Pelo amor de Deus, me ensina como é que vocês fazem essas plantas aqui”. Ia lá para, tinha um sótão lá assim, o Rosenvaldo trabalhava lá, fazia reprodução de plantas, aí eu era muito curiosa, queria saber tudo, então as áreas da Engenharia que eu via que tinha brechas, porque as pessoas também eram muito fechadas, então as pessoas que eram mais amigas assim... Tinha a área de Construção Civil do lado, a secretária lá, a Marluce, ela trabalhava para morrer, então eu ajudava ela demais, eu ia: “Não, pode me dar que eu te ajudo”. Tinha um pessoal da área de Transmissão também, que era muita gente em obra, fazendo viagens, muito relatório de viagem, era a Lucileine, na época, então eu também ajudava muito a área de Transmissão, o Walter Machado, que era o gerente lá, de vez em quando ele sabia que eu era mais... Eu achava ótimo, porque eu tinha serviço para fazer, porém aquilo não era ainda a minha praia, eu ficava assim meio que angustiada: “Puxa vida! Eu não faço Engenharia e estou aqui aprendendo coisa de engenheiro”. Porque eu queria saber o nome dos componentes eletrônicos, para que servia, então eu sempre fui muito curiosa e acabei: “Eu vou ter que largar meu curso e fazer uma Engenharia qualquer para aproveitar as duas coisas, ou então eu vou ter que sair daqui”. E aí eu pedi para o Tarcísio, falei: “Ô Tarcísio, sinto muito, mas gosto daqui, gosto de todo mundo, mas se surgir qualquer oportunidade na área financeira, eu acho que vou preferir mudar”. E ele me deu todo o apoio, e foi um incentivador, conversou com o senhor Wilson na época e acho que uns seis, oito meses depois que entrei na empresa, eu já estava lá na área financeira.
P/1 – E aí fazendo exatamente o quê? Qual foi o seu primeiro contato com a área financeira na CTBC?
R - Bom, aí eu fui para a área financeira, para fazer sabe o quê? Ser teletipista. Hoje em dia, não sei se ainda tem alguma empresa que tem, mas tinha um programa lá na área financeira que na época era ligado à dona Ilce, que era onde eles faziam os cheques, todos os cheques eram datilografados, e tinha também lá junto a teletipista, que fazia todas as mensagens da empresa, era essa pessoa que transmitia, então a menina que trabalhava nisso, ela saiu da empresa, casou, e naquela época, mulher casada não poderia continuar trabalhando na empresa, então ela casou e saiu, e ficou a vaga. E aí mais uma oportunidade que apareceu na minha vida, a Rita, ela não trabalha na empresa mais, mas a Rita era secretária do jurídico, e ela foi convidada para ir para essa função, que era muito mais considerada como que se fosse uma secretária do financeiro e ela sabia que lá tinha muito serviço. E realmente tinha muito serviço, a pessoa tinha que trabalhar muito corrido para conseguir fazer tudo que precisava, ela pensou: “O quê?! Eu não vou para esse cargo não, vou indicar a Marineide”. (riso) Ela depois comentou comigo, porque, eu lembro que depois que eu vim para o cargo que eu estou hoje, o setor financeiro, ela ainda trabalhava na empresa, e ela um dia me procurou: “Puxa vida! Que oportunidade que eu perdi na minha vida, não é, (riso) passei meu cargo para você, a possibilidade do meu cargo para você e você está aí onde está hoje”. (riso) Mas foi muito engraçado, e aí a Rita, depois ela comentou comigo: “Puxa, mas você, eu achei que você caberia melhor nesse cargo, o senhor Wilson me chamou para trabalhar, mas eu achei que você se adaptaria melhor, porque você está fazendo já na sua área, você já é secretária também”. Eu disse: “Tá bom, acho que é uma oportunidade que eu tenho, não é?”. E fui trabalhar lá, mas trabalhava para caramba, era muito corrido, mas valeu a pena, porque nesses momentos você começa a ter mais contato com pessoas. A dona Ilce é uma pessoa fantástica, as pessoas que trabalhavam lá também muito boas, o senhor Carlos, que também... A maioria das pessoas que a gente está falando aqui não estão mais na empresa, interessante, não é? E o senhor Carlos era, no momento, o meu chefe imediato e a dona Ilce era a chefe do senhor Carlos, mas lá também eu fiquei muito pouco tempo. E por uma curiosidade interessante, porque a Fátima era gerente da área do financeiro e ela trabalhava na parte de contratos, administração de contratos com fornecedores, e ela estava precisando de uma pessoa lá para trabalhar com isso, quando eu trabalhava na Engenharia, de vez em quando eu precisava atualizar alguns valores de fornecedores de equipamentos que a Engenharia adquiria, e eu ia lá na Fátima para ela calcular para mim, fazer atualização. Ela pegava aquela conjuntura econômica, aquele mundo de páginas ali, passa índice para cá, eu olhava aquele tanto de número lá naquelas páginas: “Gente, mas como é que ela consegue fazer isso, essa menina é inteligente demais”. Eu ficava assim, sabe, eu admirava a inteligência dela e, um dia, ela tinha uma cara muito fechada, muito séria, e um dia cheguei lá para pedir, assim, quase não a conhecia e parece que ela não estava com muito tempo, e achei que ela estava assim muito séria, eu falei: “Sabe de uma coisa, eu vou aprender a fazer esse negócio”. Fui lá e pedi para ela: “Me ensina como é que você faz isso, para eu não precisar te aborrecer mais”. E ela me ensinou e realmente a partir daí eu não a procurei mais, eu mesma lá na Engenharia, eu já fazia o cálculo e já atualizava os valores, não precisava pegar com ela, eu só pegava uma xerox das folhas da revista e eu mesma fazia os cálculos. Isso chamou a atenção dela, então quando ela precisou de alguém para fazer esse tipo de trabalho lá, e ela sabia que eu fazia Administração, ela falou: “Olha, isso me chamou a atenção, eu conversei com o Valmiro, eu acho que você teria condição de aprender esse serviço”. E aí o gerente da área era o Valmiro, o que faleceu um mês depois que eu fui para lá. Então eu fui para lá para fazer essa parte de gestão de contrato com fornecedores, gestão financeira de mútuo, que era débito de conta corrente entre as empresas do Grupo, e algumas coisas outras que eram...
P/1 - Essa área que você se refere é a área financeira especificamente?
R - Área financeira.
P/1 - Nesse período, digamos, de origem sua na Companhia, você chegou a conhecer ou conviver com o senhor Alexandrino, teve contato com ele?
R - Não, até esse momento não. Meu contato com o senhor Alexandrino foi bem mais para a frente, foi pouco antes de ele se afastar, porque depois que eu estive na área financeira, quer dizer, a Fátima era gerente da área, e era a pessoa que mais tinha contato com o senhor Alexandrino, com o senhor Wilson, o doutor Luiz nem tanto, porque ele quase não ficava lá, ele ficava mais fora da empresa, a presença do senhor Alexandrino e do senhor Wilson era maior. Eu só passei a ter contato com o senhor Alexandrino depois que eu assumi a gerência da área, só depois que eu tive contato com ele. Naquela época, foi um momento bastante crítico, porque o grupo passou por uma dificuldade financeira muito grande, e nós começamos a buscar muito empréstimo. Aquilo para o senhor Alexandrino era a morte, ele chorava, literalmente chorava a cada vez que eu entrava na sala dele e pedia assinatura dele em um contrato de banco. E aí ele falava: “Puxa vida! Como é que pode acontecer isso?”. E contava histórias, reclamava. Então, o meu contato com o senhor Alexandrino realmente foi muito pouco, mas bastante rico, porque o senhor Alexandrino era uma pessoa assim bastante ponderada, e tinha assim, muita... Ele era muito convicto daquilo que ele construiu, ele sabia quanto custou aquilo para ele. Então ele tinha muito receio realmente de que o fato de estar pedindo dinheiro emprestado pudesse estar significando... que o problema financeiro pudesse ter consequências piores. Então ele era muito preocupado com isso e ele demonstrava, às vezes ele desabafava um pouco com a gente quando a gente ia lá. Então foi um momento bastante delicado, porém, logo em seguida ele se afastou da empresa, ele não tinha mais condições físicas para continuar trabalhando, não é, e aí eu não tive mais contato com ele assim, a não ser algumas vezes que eu fui à casa dele, visitei e tal.
P/1 - Por favor. Eu queria que a senhora continuasse dessa conjuntura aí, desse momento que a companhia começa a passar por dificuldades, essas cenas do senhor Alexandrino...
R - Menino, mas eu vivi isso muito de perto.
P/1 - Marineide, eu queria retomar um pouco esse cenário, essa conjuntura à qual você se referiu da necessidade da companhia recorrer a bancos e como isso impactava o senhor Alexandrino.
R - É, foi um período, quer dizer, o grupo passou por um crescimento meio que desordenado, não é, então pela própria característica de empreendedorismo que sempre teve, quer dizer, qualquer oportunidade de negócio, surgiram muitas oportunidades de negócio e o grupo entrou, mas não teve sucesso em alguns deles. Então tudo isso trouxe para o próprio grupo uma dificuldade financeira momentânea, e a CTBC estava fazendo, ao mesmo tempo, ela fez o maior plano de expansão da sua época, que foi, se não me engano, oitenta e sete mil terminais, a empresa...
P/1 - Quando foi isso?
R - 1985, se não me engano, 85, 86, alguma coisa assim.
P/1 – O país saindo de uma recessão?
R - Saindo de uma recessão, não é, e ela estava praticamente dobrando a sua capacidade existente até então. Então foi um plano bastante arrojado e o que aconteceu é que também os empresários em geral foram pegos de surpresa, porque entrou em 1986 um plano econômico, onde a inflação era muito alta e a gente vendia telefone e parcelava em até trinta e seis meses, com juros baixíssimos, para incentivar a venda, a gente cobrava um juro irrisório, não embutia juro praticamente no parcelamento, só que com o plano de 1986...
P/1 – Cruzado.
R – Foi o plano cruzado, o deflator aplicado, ele fez com que o valor que a empresa efetivamente recebesse daquelas vendas de terminais, era um terço, um quarto do que efetivamente ela gastou e investiu para fazer. Então os contratos dos fornecedores foram vencendo e a empresa começou a ter dificuldade para honrar os compromissos com os fornecedores, e aí nós começamos a recorrer a bancos e chegou num momento que a gente tinha assim: os bancos, naquela época também era uma recessão muito pesada no país, e os bancos não tinham empréstimo de longo prazo, nós entramos com um projeto no BNDES. Na época, esse projeto demorou três anos para ser aprovado, você imagina uma empresa com dificuldade financeira, com investimentos já realizados, demorar três anos para receber o recurso, não é? Então eu via o senhor Alexandrino muito sofrido cada vez que a gente ia lá para pegar a assinatura dele em empréstimo de financiamento. E não era um empréstimo razoável, os juros eram naquela época muito altos, pela própria recessão econômica, os juros subiram muito e pegou a empresa de contrapé, precisando de dinheiro num momento de recessão econômica, onde as entradas foram reduzidas sensivelmente e tinha que honrar seus compromissos. Um empreendedor igual a ele que sempre teve muito forte nisso, essa questão de honrar o compromisso assumido, isso foi horrível. Eu imagino que ele tenha sofrido muito, porque pelo pouco contato que eu tinha com ele, que era mais nesses momentos, ele desabafava muito e chorou muitas vezes antes de assinar o próprio contrato, mas ele nunca negou a fazer isso, ele fazia, mas com muita dor no coração.
P/1 - O que ele dizia nesses desabafos assim, contava histórias, o que ele fazia?
R - É, ele mais... quer dizer: “Puxa vida, não é, o que está acontecendo com a gente, nós sempre fomos trabalhadores, trabalhamos muito, construímos tudo que temos, não podemos entregar tudo que nós construímos até hoje para banco assim, com os bancos cobrando taxas desse nível, muito caro, e é muito ruim a gente dever para banco, a gente já passou por isso há muitos anos atrás”. Eu acredito que tenha algumas pessoas que possam estar contando isso, eu não tenho, é só de ouvir dizer que no início, quando ele comprou a CTBC, eles também tiveram muita dificuldade financeira, a própria, se não me engano, as empresas de veículo é que financiaram a CTBC. Então imagino que ele começou a recordar tudo isso, quer dizer: “Será que eu vou passar por tudo aquilo de novo?”. Com certeza, ele estava já... porque o senhor Alexandrino quando começou com a CTBC, ele já tinha mais de cinquenta anos, não é, e ele já tinha mais de oitenta. “Puxa vida, começar tudo de novo com a minha idade.” Eu imagino que isso para ele tenha sido muito difícil mesmo, não é?
P/1 - Esse momento era um momento em que a Companhia tinha muitos CGCs, não é, tinha muitas empresas.
R - É, tinha muitas empresas, o grupo, e era tudo junto, a administração era muito centralizada e muito junta e não tinha ainda um controle de gestão com uma administração profissional que fosse cobrado por isso. Então aquela gestão centralizada foi o que prejudicou um pouco o resultado individual de cada empresa, não é? Então não existe pessoa que é competente o suficiente para dar conta de tanta coisa, realmente era uma atribuição muito pesada para o senhor Wilson, inclusive, ele adoeceu logo em seguida, ele pegou uma estafa muito forte porque realmente é sobre-humano o que ele fazia, não é?
P/1 - De todo o modo você era um pouco partícipe disso aí, não é?
R - Era, porque na verdade tudo isso refletia no financeiro, depois o Geraldo Caetano entrou como diretor-financeiro e nós dois trabalhamos muito nessa fase de busca de recursos, chegou a um ponto que a gente só fazia empréstimo para um dia, um dia, você imagina, todo o dia você ter que ir a banco negociar taxa para o dia seguinte, não fazia mais nada, só isso, mais nada. Mas depois disso tudo resolveu, foi feito uma reestruturação muito grande no grupo e felizmente nós conseguimos sair dessa.
P/1 - Certo. Nesse momento, o doutor Luiz já estava na linha de frente dos negócios, com o impedimento do pai, não é, e tudo mais, ele tinha contato com você?
R - É, ele sempre esteve à frente também, mas ele olhava muito. É assim, o senhor Alexandrino, ele ficava mais na CTBC, que ele criou, então ele era mais arraigado à CTBC e o doutor Luiz é que foi para as outras empresas, então ele ficava mais envolvido com os novos negócios do que com a própria CTBC. Então tinha o senhor Wilson que tomava conta da CTBC e o senhor Alexandrino, e o doutor Luiz, ele ficava mais envolvido com as outras empresas do grupo. Porém, ele passou a participar mais depois da ausência do pai, mais na CTBC também.
P/1 - É um momento também, Marineide que, como fazer gestão financeira numa, quer dizer, num esquema desse de empréstimo diário, de inflação galopante, como negociar, como pensar no longo prazo?
R - Era muito complicado. Ali não tinha jeito de pensar a longo prazo. Alguém tinha que pensar, não é, mas não poderia ser quem estava ali no dia a dia, porque não dava tempo, você tinha que pensar no agora mesmo, não é? E o grupo estava começando a despertar para isso, não existia um planejamento estratégico, a única coisa que a gente fazia de planejamento, e ainda não era nem um orçamento, não existia um orçamento, eu fazia naquela época um orçamento de caixa, mas era um orçamento de caixa baseado em história, não era baseado em estratégia igual hoje as empresas têm. Então era muito complicado, a gente não tinha ainda recursos de informática suficientes para ajudar. Então a gente fazia o que podia, era na mão, mas a gente tinha um parco planejamento. Mas a gente procurava fazer, mas era puramente uma projeção de números. Isso também foi uma coisa que ajudou, porque pelo menos, tudo bem que você não está vendo a estratégia, o que vai acontecer, se vai melhorar aqui, mas você está vendo, pelo menos a partir da situação que está hoje, como é que fica para frente, não é, se for estabilizado o que está hoje, com a história que pode acontecer, o que fica para frente. Então isso também ajudou as pessoas a tomarem as decisões mais rápidas, porque você está numa situação de não ter recurso financeiro, está vendo que tem o endividamento só crescendo, e os bancos começam a nem ter mais alternativas para você buscar mais recursos e cada dia esse valor está aumentando, então, puxa vida, tem que chamar a atenção, e ainda bem que teve essa iniciativa, não é? E aí também saiu, a gente teve os recursos de longo prazo, que foi o que eu te falei. O projeto do BNDES demorou muito, mas aí com muito custo saiu e foi o que deu fôlego para trabalhar todo o grupo nessa melhoria de planejamento, e aí começou então a se profissionalizar e discutir mais essa questão de estratégia, planejamento, profissionalização. Eu acho que a gente precisou sofrer um pouco para sentir a importância que tem uma empresa.
P/1 - Você teve medo nessa época, nesse momento antes do...
R - Não, para te ser franca, eu não tive medo, a gente trabalhava muito, a gente tinha uma esperança, uma expectativa que isso se resolvesse. Existia, acho que é uma questão de feeling mesmo, a gente acreditava na empresa, era uma empresa saudável, era um momento que não era só a empresa que estava passando, assim como muitas empresas brasileiras estavam passando, e eu sempre fui uma pessoa muito otimista, e eu acredito que naquele momento eu acreditava em alguma coisa, era mais um feeling mesmo. Então todo o trabalho nosso foi em cima de ajudar, vestir a camisa mesmo e procurar sair daquela crise, não é? A gente aprende muito com crise, essa é uma coisa que é fantástica, como a gente aprende com uma crise.
P/1 – Qual é a melhor lição de uma crise?
R - É que você nunca é bom o suficiente, você não é o único a resolver a questão, precisa de equipe, não é, e às vezes a gente precisa de um pouco de calma. A gente tem que tomar muito cuidado na crise para a gente, primeiro, não generalizar o problema, porque às vezes ele é pontual, não é, e simplificar esse problema também para resolver. Então num momento de crise, se você não procurar deixar as coisas assentarem um pouco e aflorar aquilo que é mais importante para você trabalhar, você pode colocar tudo a perder. Então nesse momento, eu lembro até que, na época, a Idalma, que até hoje trabalha na Algar, ela falava para mim assim, ela me chamava de Margarida, (riso) ela falava assim: “Margarida, mas eu fico assim abismada, porque o negócio está pegando fogo e você nessa tranquilidade, essa calma assim, que quem olha, pensa que você está...”. Mas é uma coisa, e não adianta mesmo você desesperar e levar tudo isso assim como se fosse a pior coisa que estivesse te acontecendo. Eu acho que as pessoas que trabalhavam comigo, na época eu era gerente-financeira, elas tinham que ter uma sensação que aquilo era passageiro, quer dizer, a gente precisa preocupar? Sim. Mas não pode estar muito abalado com o problema, porque tem que ter solução, se não tivesse solução, solucionado estava, certo? Então eu sempre vi desse lado e as coisas foram melhorando, mas com certeza isso foi uma coisa que marcou muito os profissionais na época que estavam assim mais à frente dos negócios, com certeza isso marcou muito. E a gente viveu isso por muito tempo, principalmente o pessoal da CTBC da parte de engenharia, o pessoal da operação, porque em função disso, o nosso endividamento era muito alto, nós ficamos muitos anos seguidos investindo muito pouco, restringimos ao máximo mesmo os investimentos até a gente conseguir superar. Você não supera uma crise dessas assim muito rápido, quer dizer, a empresa mudou o perfil do endividamento, mas ela continua com a dívida, então ela tinha que gerar recursos para pagar essa dívida, então foi um... E depois vem outro plano, veio o plano em 1990, que aí aplicou no... veio a crise no ano de 1990 de novo e isso acabou interferindo no saldo dos endividamentos, foi outro baque, mas bem menor do que da época, porque pelo menos estava resolvido.
P/1 - Você está se referindo ao confisco do Plano Collor no ano?
R - É.
P/1 - Como é que isso impactou, portanto, eu queria apenas repetir esse raciocínio que é importante.
R – É, no período do Plano Collor também teve o confisco, aquela faixa de inflação que na verdade houve, que ele não repassou isso para a economia, porém no financiamento que a gente tinha na época, ele foi aplicado. Então virou um desbalanceamento, porque se por um lado a empresa não recuperou aquela inflação, seja em receita, seja em tarifa ou qualquer coisa, ela teve que pagar isso no financiamento que ela tinha, que não era baixo, então, quer dizer, foi um outro impacto muito forte por causa dos planos econômicos, não é? Qualquer empresa que estivesse endividada naquele momento, ela teve muito problema, nós tentamos de todas as formas negociar isso e não tivemos sucesso, não conseguimos negociar e realmente tivemos que arcar com essa variação da inflação aplicada no contrato de financiamento com o banco.
P/1 - Que teria sido, digamos, a volta por cima com o empréstimo do BNDES acabou virando mais um problema?
R - Mais um problema, quer dizer, a gente alongou a dívida, porém a gente teve um impacto muito forte que o financiamento simplesmente quase dobrou de um dia para o outro em valor.
P/1 - Nesse cenário escabroso, como é que se gera receita para poder cumprir esses compromissos?
R - Com certeza você não gera receitas, quer dizer, você diminui muito a lucratividade e foram duas coisas antagônicas porque ao mesmo tempo que esse financiamento foi aumentado, a gente viu as tarifas também sendo cortadas. O governo queria de toda a forma controlar a inflação, e como a tarifa era um índice, era um fator de cálculo de inflação, o governo procurou segurar a tarifa para não gerar impacto na inflação. Então, por muitos anos, houve aí uma boa segurada do governo nos reajustes de tarifa, então a empresa foi penalizada de duas formas, nos seus custos, através dos custos financeiros, e, por outro lado, a redução muito drástica da receita, em função de que a inflação continuou e a gente não tinha reposição na tarifa, não é?
P/1 - Certo. E qual foi o segredo para sobreviver nesse contexto?
R - Redução de custos, não tinha outra alternativa, não é? É interessante que quando eu entrei na CTBC, a empresa tinha, na época, dois mil e quinhentos funcionários, e hoje tem mil e cem, mil e duzentos, com quatro vezes mais o número de terminais, então ela teve que sobreviver, muitas ações. Por isso que foi importante essa fase de crise, que a gente começou a se preparar para ela, não é, e começamos a trabalhar custos, redução de custos, terceirização. Aí depois entrou aquela época da moda da terceirização, fizemos muitas terceirizações, que por sinal foram muito boas, muito bem sucedidas, e também buscamos alternativa, porque tinha terminal, tínhamos comprado terminal e tinha que vender. Então ficamos muito ativos, nós éramos das poucas, senão a única empresa de telefonia no Brasil que tinha telefone na prateleira, a gente era muito conhecido no Brasil inteiro por isso, quer dizer, qualquer empresa do setor de telecomunicações no Brasil, você esperava seis anos, oito anos para ter um telefone, a CTBC era a venda ativa, a gente viveu isso por um bom tempo.
P/1 - A venda ativa representava...
R - Você tinha disponibilidade de terminais, o investimento nosso foi muito alto, a nossa oferta de terminais foi muito maior que a demanda, então a gente ficou com disponibilidade de terminais por um bom tempo, uns três anos mais ou menos, a gente...
P/1 – De instalação imediata?
R – Isso.
P/1 - Voltando um pouquinho, nesse pré-cenário, nesse final dos 1980, a administração da empresa muda de configuração, digamos assim, deixa de ser aquela coisa centralizada e passa a ser mais profissional. Como é que foi essa transição do ponto de vista da tua área financeira?
R - Bom, a nossa área, ela foi bastante envolvida nessa fase e foi muito importante para os profissionais da área, eu vejo assim, porque é aquilo que eu te falei, a gente aprende com a crise, não é? E foi nesse momento de crise que as pessoas tinham que se profissionalizar, elas tinham que aprender a fazer diferente, era uma questão de sobrevivência da empresa. E a nova administração procurou implementar planejamento, orçamento, controle de custos, programa de qualidade, gestão, acompanhamento, tudo, objetivos, remuneração por objetivo, assim por diante. Então, quer dizer, todo um conjunto de coisas que foram implementadas ao mesmo tempo que fizeram com que os profissionais tivessem que mudar, que tivesse que ser diferente. E como essa crise afetou a empresa inteira, não só a área financeira, mas afetou a empresa inteira, como eu te disse, a gente ficou sem investir por muito tempo, aí passou um momento que você não tinha nem terminais para entregar e não tinha recursos ainda para colocar mais terminais que o cliente queria, aí passou a ser o inverso, mas em função de todo esse problema que a gente passou.
P/1 - Agora, você diria que essa situação de crise acabou forçando uma mudança cultural de fato mesmo nas pessoas?
R - Com certeza, quer dizer, foi um dos grandes fatores, como se fosse, foi o grande motivador para a mudança, porque a gente acaba, muitas vezes a gente muda muito mais pela dor do que pela consciência de ter que mudar, então a própria necessidade fez com que as pessoas falassem: “Não tem alternativa, tem que mudar mesmo”. E foi muito bom, a gente valorizou muito o profissional interno, houve um enfoque muito grande para treinamento para as pessoas aprenderem coisas novas, a fazerem de forma diferente, a questionar a forma como fazia antes, e a questionar valores que existiam até então e que não valiam mais. Então até o estilo de administração foi muito mudado, isso fez com que as pessoas realmente se sentissem mais engajadas, porque o estilo de administração era muito centralizado e as pessoas eram muito individualistas. Então essa crise foi também importante para que fortalecesse um novo estilo de administração, onde as pessoas pudessem participar mais, realmente sentir que a empresa era também delas, que ela fazia também parte da solução, isso foi realmente muito enriquecedor. Então não foi só o pessoal da área financeira, eu imagino que todos os profissionais da empresa sentiram isso e aquelas pessoas que realmente sentiam parte, elas ficaram, as que não, foram embora logo. Isso foi bom, porque foi uma peneirada, quem a gente achava que deveria pegar o barco e o remo e tocar, realmente pegou e fez acontecer.
P/1 - Não foi um processo indolor, não é?
R - Não, não foi, com certeza não foi, mas foi assim, eu não sei, eu não diria que foi doloroso, mas ele foi muito intenso, isso foi, muito intenso, mas hoje a gente analisando tudo isso que passou, a gente imagina assim que você aprende muito dessa forma, é mais difícil você aprender numa situação normal, então a gente aprendeu. É claro que a gente aprendeu muito mais pela necessidade, mas pelo menos você reconhece isso muito mais rápido, não é?
P/1 - Que imagem você tem, que lembrança você guarda do senhor Mário Grossi nesse processo, pilotando esse processo todo?
R - Bom, o Mário, eu vejo que ele foi uma pessoa, que foi um grande mentor da mudança também, ele era um profissional bastante experiente, tinha vivido em outras empresas, com outra cultura, ele veio, trabalhou na Itália, trabalhou na França, trabalhou em São Paulo, na Bull, então ele tinha muita experiência com empresas totalmente diferentes e tinha formação em Engenharia também e ao mesmo tempo com experiência em Administração. Então, toda a experiência que ele teve de profissional mesmo, ele trouxe para o grupo, mas tinha uma coisa muito mais forte que o próprio conhecimento, era a garra dele, isso que chamava muita atenção, porque ele sentia a empresa muito mais dele do que qualquer pessoa, até às vezes o próprio acionista, eu sentia ele muito, vestia muito, ele não tinha, não tinha hora, era sábado, era domingo, era exagerado até nesse aspecto, mas você percebia que ele era muito perseverante naquilo e acreditava que com todo o trabalho, todo o esforço, de todas as pessoas isso pudesse ser revertido, e ele conseguiu realmente, foi um trabalho de todas as pessoas, mas ele ensinou muito para a gente.
P/1 - Nesse momento você continuava, malgrado as transformações de administração e tudo mais, você continuava no olho do furacão, não é, porque o país vivia também um período muito instável do ponto de vista econômico e você era obrigada a administrar com taxa de inflação absolutamente pornográficas, não é? Como é que era o dia a dia nesse...
R - O dia a dia da área financeira é um dia a dia... realmente é aquele negócio que você tem que fechar no dia, não é? O doutor Luiz, eu já ouvi ele falar várias vezes isso: “O caixa, você não pode deixar para fechar no outro dia, você tem que fechar no dia”. Então a área financeira é assim, você tem que amanhecer, você já sabe o que pode acontecer e tem mais as coisas que você não sabe que podem acontecer e que acontecem, mas você não pode deixar para resolver no dia seguinte, você tem que resolver naquele momento. Então eu acho que a própria característica da área, que a gente já estava acostumado com isso. É claro que com toda essa mudança, a gente até brincava que sempre que tinha plano econômico, ou que tivesse qualquer coisa que mudasse, é banco quebrando, cada vez que um banco quebrava era um tormento, revirava tudo de novo, então, as pessoas da área até acostumaram com isso. A gente brincou, quando a gente entrou no Plano Real de estabilização: “Puxa vida! Agora acabou, não tem mais serviço”. (riso) Mas eu estava vendo a visão das pessoas: “Puxa, agora vai melhorar, porque aí não vai ter mais essas tormentas, tal”. Mas aí muda, porque aí você realmente vai fazer o que você precisa fazer, porque tudo aquilo que a gente fazia, muito era para apagar incêndio mesmo, quer dizer, vinha uma tormenta dessa, você tinha que sobreviver, mas isso consome energia e tempo, muito tempo. Mas a gente ainda está sobre essas influências, não é? O ano passado teve outra crise cambial, então a gente está sempre sobre essas influências. Eu falo que as pessoas que trabalham numa área financeira e numa empresa no Brasil, podem trabalhar em qualquer empresa do mundo sem problemas, sem problemas.
P/1 - Pelo menos o nível de adrenalina...
R - Adrenalina, qualquer empresa no mundo que ela for trabalhar é capaz que ela vai ser mais tranquila que aqui. (riso)
P/1 - Mas de todo modo, a empresa cresceu nessa conjuntura, quer dizer, a empresa foi se expandindo, mesmo dentro de uma área de atuação restrita pela própria política governamental de concessões, mas também diversificando negócios em áreas mais afins, digamos assim, à sua atividade. E essa capacidade de crescimento ela foi gerida como, de que maneira?
R - Bom, eu acredito que a forma como a gente recuperou, a empresa... então isso deu uma base, uma sustentação para o crescimento, então é mais ou menos assim: vamos limpar a casa, preparar tudo, depois a gente vem, coloca os móveis, faz uma pintura aqui, faz outra, e coloca os móveis e vamos habitar essa casa. Então eu vejo assim, tudo isso aconteceu poderia ter sido evitado? Talvez algumas coisas poderiam ter sido evitadas sim, mas a gente preparou muito bem com esse aprendizado, a gente passou a ser mais imune a futuras crises, com certeza, então, isso faz com que um verdadeiro planejamento, discutimos sempre estratégias, a mudança no cenário, principalmente de telecomunicações, não é, isso fez com que o grupo focasse mais, quer dizer, qual que é o core business do grupo, e aí se enfocou mais e aí fomos buscar qual a tendência desse mercado e vamos atrás desse mercado. Então, eu vejo que nesse sentido proporcionou um crescimento mais sustentado, porque você conhece. Não que você conhece, mas você está sempre acompanhando e a gente passou a ser uma empresa referencial nesse sentido, não só nós, mas tenho certeza que o grupo Algar passou a ser uma referência no mercado de telecomunicações a partir de então. É uma empresa que atua nos setores que nós atuamos, com a criação das novas empresas, a ATL, no Rio de Janeiro, que foi a empresa de maior sucesso em telefonia de banda B, o lançamento da Tess também. Então, isso prova a capacidade que teve, que adquiriu, para crescer, e também, aliado a isso, todo o aprendizado que foi adquirido em relação à gestão, isso tem que ser muito bem utilizado e continuar, a gente tem que zelar por isso. A gente tem que preocupar com o crescimento? Sim. Mas tem que se preocupar também com a manutenção da empresa, isso só se tem através do resultado, do lucro, para dar à empresa a capacidade de reinvestimento.
P/1 - Perfeito! Mesmo que isso tenha sido forjado na adversidade, não é?
R - Sim.
P/1 - Talvez principalmente?
R - Sim. Porque aí você vê, quando você vê toda essa adversidade acontecendo, você acaba sustentando em alguns pontos principais e amadurece muito também, então, é como se diz, o gato que é escaldado tem medo até de água fria. Então você acaba tomando mais cuidado em alguns determinados itens e eu acredito que a gente tenha muito mais maturidade hoje para crescer do que tínhamos há dez, quinze anos atrás.
P/1 - Mas esses momentos que você está relatando são momentos pelos quais você, pela tua própria área de atuação, estava no meio do tiroteio, são momentos que acabam forjando valores que, conforme você mesma acentuou, acabam meio que se perpetuando no processo de sobrevivência e crescimento de uma companhia como essa. Isso dói ou não dói, ou esses valores são forjados?
R - Eles não, não doem, eu acredito que você acaba sedimentando alguns valores que você tem, eu não acredito que os valores do grupo mudaram, eles fortaleceram, tá, ou acabou despertando para algum valor que talvez estivesse um pouco esquecido, mas não que mudaram os valores. Porque quando eu entrei na empresa, quer dizer, eu vivi com ela, já tem vinte anos que eu estou na empresa, mas eu convivi antes dessa crise quase dez anos, então se fossem valores que não batessem com os meus, com certeza eu não estaria mais nela, e essa mudança aconteceu depois de quase dez anos que eu estava lá, não é? Então, eu percebo assim, que foi muito mais um fortalecimento desses valores, do que uma mudança mesmo. Quando eu te disse que houve um amadurecimento das pessoas, algumas pessoas deixaram o barco, porque talvez os valores que elas tinham não eram os da empresa, e quando eles foram fortalecidos, que uma vez que eles estavam adormecidos, eles acabavam... não tem problema, a pessoa convive com aquilo, não é? Mas uma vez que você fortalece aquilo, aí de repente as pessoas às vezes não ficam.
P/1 - Qual o papel do líder em uma situação crítica como essa, como é que o líder se comporta?
R - A primeira coisa, eu acho que o líder tem que ser a primeira pessoa que acredita, porque se ele não acreditar, mesmo que tenha pessoas com ele que acreditem, vai ser muito complicado acontecer, então o líder tem que acreditar. E segundo, ele tem que ser uma pessoa que passa essa certeza para as pessoas, ele tem que dar a certeza que ele acredita e que vai ser resolvido. Ele não pode ser um salvador da pátria, não, isso nunca, porque ele não faz isso sozinho, ele tem que contar realmente com as pessoas, então quando ele, o líder conduz o grupo pelo próprio grupo é que tem sucesso. Ele tem que fazer, levantar em cada pessoa a certeza que ela é capaz de junto com outras pessoas ultrapassar aquilo. Ninguém falou que era impossível, e as pessoas conseguiram fazer, mudar todo um patamar desses com as mesmas pessoas da empresa, porque, você perguntou pelo Mário, o Mário chegou aqui, era um profissional do mundo, ele poderia muito bem ter trazido N pessoas de outras empresas para fazer mudanças. Por que ele não fez isso? Então aí você percebe a liderança, porque ele conseguiu fazer toda a mudança com as próprias pessoas da empresa, ele mostrou para as próprias pessoas que elas conseguiriam fazer a diferença. E fizeram.
P/1 - Certo. Você sempre foi muito assim de escritório ou você saía para fora da empresa, uma pessoa de gabinete, como é que era?
R - Eu fui muito de gabinete, mas eu descobri que não é bom ser de gabinete depois dessa vinda do Mário, assim, porque com isso tudo a gente, eu passei a assumir, na época eu era gerente-financeira e o diretor-financeiro da CTBC, o Geraldo Caetano, ele também era diretor-financeiro das empresas do grupo Algar. Então virou aquele negócio, foi criada uma nova diretoria para a CTBC, independente da diretoria que estava na Algar, que era por profissionais da própria empresa, na época era o Virmondes, o Nelson, o Dílson, o José Cândido, que assumiram a direção da empresa. Aí o que eles avaliaram é o seguinte: “Como é que a gente vai criar uma empresa, começar a criar essa empresa novamente, reestruturar e fazer acontecer, dar resultado sem o financeiro estar junto?”. E o Geraldo não tinha condição de estar junto. Então a forma que foi encontrada era de que ele tivesse um diretor-adjunto, então foi aí que surgiu a minha presença, como eu já era uma pessoa que teria condição de estar mais acompanhando a empresa do que ele, ele criou um cargo de diretor-adjunto. Então foi a benção que ele me deu, porque aí eu saí do gabinete. Ele ficou lá trabalhando no gabinete e eu fui com a diretoria para o campo, e aí, para te dizer a verdade, eu trabalhei dez anos nessa empresa, eu não conheci uma localidade, imagina você ser financeiro de uma empresa e não andar na empresa, não é? Então aí a gente começou a andar na empresa, conhecer as pessoas, ter contato com as pessoas. Eu trabalhava no prédio em Uberlândia e não conhecia as pessoas, às vezes, do próprio prédio. Não saía dali, muita gente, eu não conhecia. E aí foi muito interessante, porque é um fato até engraçado, porque quando eu comecei a andar, as pessoas me imaginavam velha, porque pessoa financeira, diretora, na CTBC, devia ser muito velha (riso). Aí eu chegava nas localidades e todo mundo assustava muito quando me via: “Puxa vida! Imaginava você alta, velha, magra”. Então era uma surpresa até gratificante, a gente ver as pessoas falando assim com aquela surpresa, não é? E foi muito legal, porque eu passei a viver, assim, eu sou uma pessoa que gosta muito de relacionamentos com pessoas também, e eu passei a exercer isso na empresa, que foi muito bom, e aí você exerce empatia, uma pessoa que é da área financeira é muito importante, porque, todas as questões, elas caem na área financeira um dia, elas vão acabar aparecendo lá. Mas não adianta ela cair lá depois de tudo acontecido, não é, então o fato de a gente estar participando da empresa andando e se envolvendo nos outros casos ameniza também tudo que vai acontecer na área financeira. Então eu passei a ver a área financeira como uma área que tinha que estar focada lá na frente, no negócio, no cliente, então eu fui começar a me envolver muito nisso e virou totalmente a forma de atuar, que não era a que eu aprendi, porque, na verdade, eu nasci na CTBC dentro da área e cresci junto com a área, aprendendo o que era a área financeira na época e de repente eu experimentei uma outra alternativa, e foi muito gratificante, porque você vê o outro lado, como é que você pode estar contribuindo com a empresa, não para fechar a contabilidade todo o final do mês, mas de fazer esse número ser diferente quando você fechar, não é?
P/1 - Interessante isso, porque, na verdade, essa área, ela é uma coisa meio que segredo, não é?
R - Ah, mas você precisa de ver. (riso)
P/1 - Era um cofre na verdade, não é, que não se podia falar muito. E nesse sentido, quer dizer, com essa sua redescoberta dessas novas possibilidades que essa área oferecia, como é que você começou a enxergar esse fulano que estava lá na ponta, o cliente que é a pessoa que sempre esteve na cabeça do senhor Alexandrino lá atrás, como é que você...?
R - É por isso que eu te falei que o valor passou a ser mais formalizado, que eu tenho certeza que o senhor Alexandrino fazia isso. Porque, imagina uma empresa pequena que começa, o senhor Alexandrino ia na rua instalar telefone, ele ia junto com o pessoal nos caminhões, nas cidadezinhas aqui para instalar telefone, com certeza ele atendia muito cliente, então a gente começou a ver: “p
Puxa, a empresa cresceu tanto e a gente ficou no gabinete mesmo”. Então, para nós, o cliente era um chato, certo, então, quer dizer, a partir do momento que você muda, passa para o lado de lá, números têm toda a razão, a gente falava de números assim, olha, com a boca fechadinha, certo, quatro chaves, não é? Ninguém da empresa sabia o endividamento da empresa, não sabia o que estava acontecendo, certo, era tudo guardado em segredo. E aí sabe o que a gente teve, com tudo isso, sabe o que aconteceu? A gente teve uma greve de funcionários.
P/1 - Quando?
R – Ai, não lembro o ano certo, depois é bom checar com... não lembro, mas por volta de 1990, alguma coisa por volta desses anos aí, não lembro mais não. Mas com certeza essa foi a única greve que eu vivi na CTBC, com certeza o pessoal vai ter esse registro, foi por volta do ano de 1990, não lembro mais se foi 1989, alguma coisa assim. Mas aí a gente ficava indignado, eu fiquei, nós ficamos indignados: “Puxa vida! Nós vivendo essa crise aqui, nos matando para sobreviver, as pessoas ainda fazem greve, dá vontade de mandar todo mundo embora...”. É assim que a gente reage, não é? E depois nós fomos pensar, falei: “Gente, como mandar todo mundo embora, eles não têm culpa de estar agindo desse jeito, eles não sabem o que está acontecendo, eles não têm a mínima ideia, quer dizer, o que está em risco aqui é o emprego deles, independente da greve ou não, está em risco o emprego deles, não é?”. Então, a gente começou a falar: “Puxa vida! Nós temos que chegar lá e mostrar tudo mesmo, eles têm que conhecer a realidade. Ou fica, ajuda a gente a resolver, ou vai embora de uma vez”. Então foi essa a postura, e aí foi que eu saí do meu gabinete e ia cidade por cidade, região por região discutir, apresentar balanço da empresa, mostrar o resultado, mostrar o orçamento, discutir a importância de orçamento, discutir a importância de lucro, foi uma sabatina. Fizemos isso, andamos, e por incrível que pareça, a adesão foi muito maior, porque aí as pessoas reconheciam: “Puxa vida! Nós estamos no mesmo barco, ou eu fico aqui e agarro isso com todo mundo ou eu saio, abandono”. Mas foram poucos os que abandonaram, a maioria pegou para valer.
P/1 - E, pessoalmente, para você como é que foi essa mudança radical de hábitos?
R - Ai, foi ótima, era uma coisa que eu gostava e não sabia, interessante não é? Porque eu sempre fui assim, gostei muito de amizade, conversar, relacionamento e tal, então foi uma oportunidade e tanto de conhecer mais pessoas da empresa e exercer realmente a empatia com eles. É pena que não dá para fazer isso com tanta frequência, mas é uma coisa que realmente eu gosto muito, de estar com as pessoas, de estar discutindo o dia a dia delas, de estar discutindo as formas junto, discutir as formas de fazer e tudo. Então isso é uma forma de exercer, por outro lado, a administração que a gente chamava de participativa e ao mesmo tempo também crescer, porque pessoalmente você cresce muito, como gente você cresce muito. Porque você tem que avaliar, você está ali dois terços do seu tempo em uma empresa, está quase dois terços do seu tempo em uma empresa, se você não puder viver isso com prazer é uma pena. Então não dá para sofrer só, a gente tem que viver com prazer, e aí que a gente começou a despertar de como poderia ser prazeroso trabalhar.
P/2 - Nesse momento você teve um relacionamento muito forte com o comitê de associados, não é, também, essa questão de conhecer os números, a negociação, isso aí você estava perto?
R - É, eu participei muito, principalmente, o comitê de associados foi criado a partir de então e, eu e o Virmondes, nós estivemos muito presentes junto com o comitê, porque foi criado esse comitê para a gente estar discutindo realmente a realidade da empresa. Então tinha representantes de cada área, a gente sentava, discutia os problemas, discutia o que era possível, o que não era possível, então a gente decidia, não decidia, a gente propunha alternativas em conjunto. Porque, na verdade, a decisão era sempre da diretoria colegiada, mas eu não lembro de nenhuma proposta que nós fizemos em conjunto que fosse negada, porque quando a gente fazia aquela análise, ela já estava sedimentada. Não tinha aquele negócio de levar vantagem, então, quando a gente chegava em uma análise, era aquilo que realmente era factível e era muito madura, as pessoas que passavam pelo comitê, revezavam ali, aprendiam muito também sobre empresa, do que é gestão, o que é importante você conhecer, fazer o seu planejamento, e as pessoas participarem e conhecerem isso. Então foi uma oportunidade muito rara que poucas pessoas, não sei se poucas, mas algumas pessoas tiveram de participar também do comitê porque aprenderam muito sobre gestão empresarial e de trabalho em equipe também.
P/1 - Certo. Eu queria te fazer uma pergunta bem pessoal, quer dizer, a empresa sempre teve uma relação muito distante com as mulheres, não é? Telefonista era a única grande massa feminina na companhia, telefonista não podia casar, telefonista se ficasse grávida era despedida.
R - Não era só telefonista não, era qualquer mulher. (riso)
P/1 - Qualquer mulher. Mas então aí tem uma jovem administradora que começa a assumir esse tipo de responsabilidade em uma companhia majoritariamente composta por homens, quer dizer, em um país que não preza exatamente os valores feministas, os bons valores feministas. Como é que isso foi para você pessoalmente, isso te criou embaraços, como é que você toureou essa situação complicada, digamos assim?
R - É engraçado que essa pergunta, quando eu comecei a andar na empresa, essa pergunta sempre aparecia. Primeiro, porque eles imaginavam eu bem mais velha e outra, porque era uma mulher nesse cargo. E eu sempre respondia assim, eu não senti diferença, eu não sofri por isso, eu acho que eu não trabalhei mais por isso, talvez fosse pelo fato de que isso não me atrapalhava, o aspecto de ser mulher ou não, quer dizer, eu acho que muitas das vezes esse preconceito está dentro da própria mulher, então se para mim isso não fazia nenhuma diferença, então eu não percebi que alguém estivesse é... não boicotando, mas evitando que eu assumisse qualquer papel por ser mulher, eu nunca percebi isso, sinceramente eu nunca percebi em nenhuma pessoa. Porque eu sempre procurei, primeiro que o fato de ser mulher nunca foi para mim problema, muito pelo contrário, o fato de ser mulher eu poderia fazer, eu era capaz de fazer, não melhor, mas igual a qualquer homem e eu sempre me vi nessa condição. Então eu acho que se você começa a comparar, você compara não é o sexo, é a capacitação de cada um ou a competência de cada um, não significa que é homem ou mulher. Agora existe essa história? Existe, eu tenho certeza que existe, infelizmente ela ainda existe na cabeça de algumas pessoas, mas felizmente tem mudado muito, e isso só tem mudado para melhor, e as empresas estão descobrindo isso e os próprios homens estão trabalhando muito nisso também. Eu acho que a gente deve ao próprio homem que evoluiu muito nesse sentido, não é, isso ajudou...
P/1 – Certamente. Já não era sem tempo.
R – Já não era sem tempo. Mas ainda existem pessoas que ainda pensam diferente, mas eu acho que são uma minoria e isso é questão de tempo.
P/1 - Perfeito. Nesse quadro que você evoluiu, digamos, com esse comitê de associados, essa abertura de informação, ficou mais fácil administrar?
R - Muito mais, é muito melhor você dividir, do que você carregar o peso sozinho, para quê? Então é como você estar dividindo uma responsabilidade também, e ao mesmo tempo fica mais fácil, porque a hora que você toma uma decisão, você já sabe qual é o reflexo dela. Então, muitas vezes, a gente tomava uma decisão, a gente tem a certeza na confiança das pessoas, porque a administração participativa não é consultar todo mundo e decidir todo mundo em conjunto, não é isso. Mas você ter a certeza que quando você decide uma coisa, você decidiu pelo melhor que você tinha, da melhor forma e você comunicou às pessoas e as pessoas aderem aquilo também, elas são comunicadas e aderem, mas elas aderem porque elas têm confiança em você e sabem que você decidiu da melhor forma.
P/1 - Certo. No sentido de que a administração participativa não se confunde com assembleísmo?
R - Não, de forma nenhuma pode ser confundida com isso, não é, e a gente nunca pregou isso, embora muitas pessoas façam às vezes essa confusão, não é: “Ah, puxa vida, o fulano decidiu e não consultou a gente?”. A gente tem que sempre, dentro do possível, discutir para errar menos, mas tem determinados momentos que você tem que tomar uma decisão e não dá tempo de consultar, e aí que tem que ter a confiança nas pessoas que trabalham, porque se você tiver sempre discutindo valores, conceitos, é fácil decidir. Se todo mundo está nivelado naquele conceito, você sabe, a hora que você for decidir, o que é que cada um pensa: “Olha, se eu decidir por aqui, eu tenho certeza que vai ter adesão”. E é fácil, mas você tem que comunicar também. Tem momentos que dá tempo para você fazer isso, discutir para errar menos, mas tem momentos que não, e a empresa não pode esperar a assembleia para tomar decisão, muitas vezes tem que tomar decisão ali e não pode passar.
P/1 - Quer dizer, o valor da confiança acaba sendo o fator preponderante de todo esse tipo de relação, não é?
R - Com certeza.
P/1 - Entre líder e liderado, isso é uma coisa que a companhia descobriu por si só, ou foi exatamente guindada a ter essa percepção a partir dessa situação calamitosa que viveu? Porque líder existia, que era o senhor Alexandrino, mas a conjuntura mudou, não é?
R - É, talvez a situação até foi propícia para que fosse desenvolvido esse tipo de relacionamento e de liderança diferente, não é, porque a gente percebeu que a centralização trouxe também muitos problemas, quer dizer, não existe uma pessoa que é capaz de resolver todos os problemas do mundo, não dá. Ele tem que adoecer mesmo. Então a nova filosofia empresarial foi mais desenvolvida no sentido de que cada um era responsável, no seu nível de responsabilidade cada um era responsável.
P/1 - E o resultado apareceu?
R - E o resultado apareceu.
P/1 - Perfeito. No momento, passando esse mar proceloso dos planos econômicos e com a chegada do URV, Plano Real a seguir, você começou a poder pensar no longo prazo, o que isso significou, o que isso mudou? Certamente mudou muito, mas o que isso significou na cabeça da profissional que nunca tinha tido a oportunidade de provar desse mel?
R - Bom, acho que até antes disso a gente começou a ser envolvido, mesmo antes desses planos eu comecei, eu não te falei isso mas, teve um momento que eu saí da área financeira e fui para a área de planejamento estratégico, foi quando começou, até antes dessa crise a gente começou a desenvolver a necessidade desse planejamento, e era um grupo muito pequeno, éramos três pessoas apenas, discutindo isso, mas muito incipiente ainda, existia só um desejo de que isso fosse fortalecido dentro do grupo, então eu comecei a trabalhar nisso e eu via a importância disso. Eu chegava a ter nessa época até, assim, grandes preocupações, que você fica: “Puxa vida, a gente tem a impressão que o rumo da empresa está na mão da gente”. É uma coisa assim que ao mesmo tempo é até atemorizante: “Puxa vida, será que eu vou ter chão daqui para frente”. Uma coisa assim interessante, foi uma experiência bastante rica.
P/1 - Quem eram essas pessoas?
R - Éramos eu, o Dácio, Dácio não está mais no grupo também, e tinha um outro rapaz, o Paulo, que também não está mais no grupo, depois o Dácio saiu, entrou o Oswaldo, o Nilson, e aí eu tive que voltar para a área financeira, porque quando eu trabalhava na área financeira, a gerente lá era a Fátima e a Fátima teve que sair da empresa, então eu fui convidada a assumir a gerência financeira. Então foi aí que eu voltei da área de planejamento para... Foi mais assim, eu estava profissionalmente muito envolvida e para mim era um desafio muito grande estar nessa área de planejamento, mas naquele momento a empresa precisava de mim na área financeira. Foi esse momento do rojão aí, do grande problema que começou a surgir, de endividamento, de dificuldade de recurso, então eu voltei para a área financeira e aí de lá eu continuei só na área financeira. Mas o planejamento, voltando à tua pergunta, era uma preocupação, mas ele não era estruturado, então a partir do momento em que nós vivemos essa crise, a gente começou a se preocupar com o planejamento mais estruturado, onde a gente envolvia todas as pessoas da empresa, discutia estratégia, e projetava a empresa pelo menos cinco anos para a frente. E a gente começou a exercer isso muito mais e eu acredito que muita gente aprendeu isso. E isso tem que estar sempre aprimorando, nós estamos discutindo a empresa agora não é para cinco, é para dez anos, e a Algar está discutindo a Algar 2100. Cem anos para frente, então é uma coisa que a gente tem realmente que preocupar, precisa de garantir o hoje, mas o que garante a empresa realmente é pensar como ela vai ser no futuro e como é que a gente pode chegar lá, não é?
P/1 - E fundamentalmente o pressuposto desses valores que são uma espécie de alicerce para toda essa projeção, não é?
R - Com certeza, com certeza.
P/1 - O que me chama muitíssimo a atenção nesses relatos que a gente tem ouvido é o fato de que boa parte ou a maior parte de todas essas grandes iluminações estavam presentes lá nos anos 1950, na cabeça de um filho de imigrantes portugueses, ele próprio português, quer dizer, é uma constatação assim estranha, porque boa parte da genialidade que enriqueceu muito consultor nos anos 1980 e 1990 estava presente na cabeça de uma pessoa que sequer sabia que algum dia ia mexer com telecomunicações.
R - É verdade.
P/1 - De todo modo, as pessoas que estão aqui dentro, de um modo ou de outro, acabaram sendo introjetadas por essa energia. Como é que você, à que você debita isso, ao relacionamento, ao exemplo, à liderança, à que você atribui esse espírito de corpo, digamos assim?
R - Eu acho que a tudo isso que você falou tem que ter muito valor, tem que ter liderança, tem que ter pulso forte, perseverança, mas, sobretudo, tem que ser simples, isso que você falou, quer dizer, como é que um senhor lá nos anos 1950 estava falando de coisas que hoje são muito importantes, então muitas vezes a gente fala em uma empresa, não só a empresa, mas o ser humano em geral, ele tem que pegar naquilo que é mais simples, aquilo que é simples é rico e vai estar sempre sendo utilizado. Tecnologias chegam e passam, mas os conceitos, muitos deles, ficam, muitos mudam, mas muitos deles ficam, então se você for ver aquilo que é básico mesmo não muda. Então se você falar que a sobrevivência da empresa quem garante é o cliente, isso não mudou, é igual ao que era cinquenta anos, cem anos atrás, continua sendo e vai ser por um bom tempo. Então algumas coisas básicas e simples vão continuar, por mais que você estruture, sofistique muitos conceitos de gestão empresarial com todas as teorias que aparecem por aí, tem algumas coisas que são básicas e elas têm que perdurar. Elas perduram até hoje, não sabemos se vão continuar por muito tempo, mas, pelo menos, o que a gente percebe é que isso é cíclico e você acaba voltando em alguns conceitos básicos que não mudam. Então se você ouvir uma fita do senhor Alexandrino, que foi passada em um evento nosso há um ano atrás, você fala assim: “Puxa vida, esse homem vive hoje?”. Ele está falando de coisas que nós estamos vivendo hoje, como que esse homem ia adivinhar que isso ia acontecer, como é que ele ia ser tão sabido, sapiente desse jeito? E você pega os doutores aí de Administração, então eles estão de certa forma sempre voltando em alguns conceitos que são básicos mesmo. Então você falou de liderança, isso aí sempre foi o alicerce, tem sempre aquele exemplo, o dono é que puxa a carroça, tem que estar à frente e tal, e tem que estar mesmo, se não tiver liderança, você fica sem rumo.
P/1 - Como é que era a sua convivência, como é que foi e tem sido a sua convivência com o doutor Luiz nesse processo todo de transformação, porque ele também foi um partícipe disso tudo e...
R - Foi, eu acredito que ele também foi uma pessoa que sofreu muito, eu acredito que talvez, de nós, ele tenha sido a pessoa que mais sofreu a mudança. Porque o doutor Luiz é uma pessoa muito empreendedora, ele vê, assim, oportunidade de negócio, ele também herdou do senhor Alexandrino muito essa visão cliente, não é? E é muito importante a participação do doutor Luiz no grupo, porque ele exerce, de certa forma, aquela função de ombudsman, ele ainda tem esse carisma, por incrível que pareça, muitos clientes recorrem a ele, para resolver o problema, por essa afinidade que ele tem e também pelo reconhecimento que as pessoas têm, porque ele se preocupa com os clientes, o que é muito importante. Então ele tem ainda muito esse valor. Eu acho isso muito importante, porque ele acaba trazendo, e ele traz, de uma forma tão boa porque, ele poderia chegar e ficar superbravo e demitir gente por isso estar acontecendo e tal, mas não, ele chega com toda a humildade que ele tem e coloca, às vezes, a reclamação do cliente e passa para a gente resolver, então ele acaba sendo um canal de ajuda para a própria empresa, embora ele esteja lá em outra esfera de discussão, participando de várias coisas, de eventos políticos e representando a empresa em diversos momentos, mas ele se preocupa com isso, ele não esquece disso, ele sempre está atento aos mínimos detalhes, porque ele se preocupa realmente com a empresa. Mas ele, eu acredito que ele sofreu bastante com tudo isso, porque foi uma pessoa que sonhou muito e acreditou no crescimento do grupo, e ver que isso, tenha sido um pouco reduzido o ritmo, ou mesmo que em determinado momento o grupo até reduziu em relação ao que era; nós tínhamos muito mais empresas, muito mais funcionários , e de repente isso acontecer. Realmente não é fácil ver isso, mas com certeza ele também aprendeu muito em relação a isso, ele amadureceu muito junto com a gente e ele é um líder muito respeitado e muito querido pelas pessoas do grupo Algar, eu vejo isso.
P/1 - Me parece que, fundamentalmente, pelo tipo de relação que ele consegue estabelecer com as pessoas, a relação interpessoal é sempre muito...
R - É, ele é muito bom nisso, é uma pessoa muito simples, ele trata as pessoas com muita educação, respeito, e ele trata como se fosse irmão muitas vezes. Quando ele é mais íntimo da pessoa, ele trata como se fosse um irmão, amigo, o melhor amigo dele, sem aquela separação de dono da empresa e funcionário da empresa, associado qualquer, é muito bom a gente ter essa oportunidade de trabalhar com uma pessoa assim.
P/1 - Você trabalha diretamente com ele?
R - Não muito, porque o doutor Luiz não é executivo. O maior contato que às vezes a gente tem é nessas situações, onde ele chega, ele pergunta alguma coisa da empresa. Às vezes ele participa de algumas reuniões esporádicas nossas, mas ele trabalha mais, fica mais no conselho de administração, mas de vez em quando a gente tem contato, ele vai à empresa, leva algum assunto, e o importante do doutor Luiz é que ele é muito curioso e também ele... o que mais me admira nele é a vontade de aprender. Um dia eu disse a ele que eu ficava assim orgulhosa de trabalhar com uma pessoa que é tão interessada em estudar, porque ele está estudando sempre.
P/1 - Nós estávamos falando de toda essa questão da liderança e a presença do doutor Luiz, você dizendo da forma como ele tem de cobrar e de se aproximar, e de tomar conhecimento e fundamentalmente dessa essa ideia que é muito própria da organização do conhecimento, quer dizer, a CTBC foi pioneira em uma série de frentes porque investiu sempre no conhecimento e transformou o conhecimento em um valor.
R - É verdade.
P/1 - Está correto esse raciocínio?
R - Está muito correto, e o que eu estava te dizendo é que o próprio doutor Luiz é um exemplo disso para nós. Eu já falei isso para ele, que eu o admiro muito nesse sentido. Você imagina um empresário do nível dele, ele ficou dois anos fora estudando em uma universidade, fazendo curso de Administração, ele é engenheiro, mas você imagina, isso com certeza não é a facilidade que tem uma pessoa que está ingressando na universidade, não é? E depois disso ele fez diversos, e a última vez, o diploma que ele recebeu na Universidade de Harvard, eu falei isso para ele, eu falei: “Puxa vida! É um orgulho para nós”. Porque ele está ensinando para a gente que a gente tem que estar sempre buscando conhecimento. E ele não tem vergonha de perguntar, de procurar saber. Muitas vezes, por exemplo, o mercado de telecomunicações mudou muito, regulamentação, a forma como a gente trabalhava, por exemplo com serviços, na época que ele era mais ativo na CTBC, é totalmente diferente do que é hoje, e ele vai, procura as pessoas que trabalham e procura entender aquilo, aprender como é que é. Ele não fala assim: “Não, fulano vai responder para mim”. Não, ele faz questão de ir lá para entender e aprender como que funciona aquilo, então ele está sempre buscando estar a par do que está acontecendo e se atualizar e isso é um valor muito grande, isso traz para nós, tem um valor porque ele está passando que é o autodesenvolvimento. A empresa busca sim, ela investe muito em treinamento, em desenvolvimento das pessoas, mas tem que ser uma mão dupla, tem que ser dos dois lados, não é? As pessoas também têm que buscar o seu autodesenvolvimento, seja através de universidades, ou adquirindo culturas com viagens, com contatos externos também, lazer, então é uma coisa que a gente aprende muito com ele.
P/1 - Você diria que essa postura é responsável pela, digamos, pelo fato de a CTBC estar sempre na vanguarda desses avanços, estar sempre explorando novas fronteiras, estar sempre tendo ações pioneiras no mercado?
R - Com certeza, eu acredito que nós devemos isso ao doutor Luiz. Eu lembro que quando eu entrei na CTBC, era muito raro a gente ver alguém viajando para os Estados Unidos, Europa, Japão. A primeira vez que eu tive acesso ao currículo do doutor Luiz, porque a gente tinha que fazer currículo dele para mandar para bancos - é currículo, histórico, cadastro, não sei o quê mais -, e tinha que mostrar esse tanto de informação, e eu ficava assim: “Puxa vida, mas será, ele já viajou demais”. E aí tinha pessoas que às vezes comentava assim: “Ah, o doutor Luiz, ele viaja muito, chega aqui, ele quer implementar tudo que ele vê lá fora, tudo ele quer implementar aqui”. E as pessoas falavam isso como se fosse uma coisa ruim, como se fosse, puxa vida, ele está sonhando demais, e essa vontade, a gente via nele essa agonia e muitas vezes, a gente às vezes até meio que ficava assim: “Puxa, não dá para fazer tudo isso que o senhor está querendo”. Mas ele estava no papel dele, não é? Então esse espírito dele trouxe para a empresa a necessidade de estar sempre à frente, de estar buscando as melhores soluções que tem para colocar aqui, para a gente estar na frente mesmo, não esperar implementar no Brasil para fazer. E aí a gente vê isso acontecendo em várias oportunidades na empresa, não é? Ontem, para você ter uma ideia, nós estávamos recebendo a visita de uma equipe da Telemig Celular, veio conhecer o nosso sistema de billing, que a gente acabou de implementar, e o fornecedor é americano, aí ele falou assim: “Mas como vocês foram, vocês tiveram coragem de ser a primeira empresa no Brasil, não é?”. Aí eu lembrei do doutor Luiz na hora, está vendo, aprendemos com esse danado, porque realmente nós tivemos bastante, nós fomos bastante arrojados, porque sonhávamos com um software, não tinha no Brasil, estamos ainda correndo risco, corremos o risco, vamos lá fora buscar um software que é de um país que trabalha totalmente diferente a parte de faturamento de telecomunicações, os serviços são muito diferentes do que aqui no Brasil. Mas a gente correu esse risco, estamos adaptando ele para a nossa realidade, mas se não tem aqui, a gente vai ter que buscar o recurso que tem, quer dizer, se a gente não tivesse talvez um líder com essa cabeça, talvez a gente estaria esperando até hoje alguém para trazer isso para cá, para o Brasil, para depois fazer. Então a gente sempre tem, por exemplo, outras empresas querendo vir para a CTBC para saber como é que a gente desenvolveu determinado produto, determinado serviço, ou alguma tecnologia, ou um processo diferente que nós estamos fazendo, porque a gente já está na frente.
P/1 – Esse comportamento acaba gerando uma capacidade antecipatória, não é?
R - Sim, com certeza, e a gente corre muitos riscos, a gente sabe disso. Tem desvantagens de estar assim, mas com certeza a gente tem muito mais vantagens, porque realmente você acaba, muitas vezes a gente percebe, a gente paga às vezes muito caro por ser o primeiro, porque com certeza as empresas aprendem com a gente também. A gente aprende muito e os erros que a gente tem na primeira tentativa são muito maiores, mas em compensação, a segunda tentativa vai ser muito mais fácil, você já aprendeu muito mais, está muito mais maduro e tem condição de deslanchar muito mais, não é?
P/1 - Marineide, como é que você enxerga esse novo ambiente proporcionado desde essa época da grave crise, com a abertura econômica, e agora o futuro muito próximo que já prevê a desregulamentação total do mercado de telecomunicações, como é que você vê esse futuro próximo dentro de uma atividade econômica extremamente competitiva e que precisa estar extremamente bem aparelhada e conhecedora do seu mercado e do seu negócio?
R - É, nós estamos vivendo um momento de muita ebulição, não é? Primeiro, pelo próprio mercado de telecomunicações, porque no Brasil acabou acontecendo um modelo meio que miscigenado de americano com europeu e vieram pessoas com cultura européia, pessoas com cultura americana para as empresas de telecomunicações, então tem nas empresas hoje existentes toda essa influência de outras empresas de gestão e de tecnologia caindo aqui, então, eu acredito que o Brasil vai ser um dos países que mais vai ter diversidade nesse aspecto. Com certeza isso traz para os profissionais, se por um lado bastante stress, porque a gente está vivendo um momento estressante, mas por outro lado a gente vai fazer muito mais rápido, com certeza vai fazer muito mais rápido. Agora, eu acredito, assim, tem muita gente predizendo que vai ser um tumulto muito grande, eu não acredito nisso, as coisas tendem a se normalizar, tem que se normalizar, a gente está vivendo algumas experiências com concorrência que são muito boas, a princípio a gente tinha muito receio, porque nós sempre vivemos em um regime de monopólio e sempre tivemos muito medo de concorrência. Porém, a gente está mudando, isso você não muda de um dia para o outro, mas nós estamos mudando, acho que muito rápido, mas por outro lado a gente também está conseguindo adquirir muita confiança, porque nós realmente somos competentes e conhecemos o mercado onde nós estamos, isso é uma vantagem competitiva muito grande e nós temos que garantir que isso vai ser um diferencial nesse mercado competitivo. A liberação geral vai favorecer o competente, então nós temos tudo para estar crescendo muito, com muita competência e desejados pelos clientes. Nós temos diversos testemunhos, de pessoas que vêm de outras regiões para cá, da qualidade do nosso serviço, da abertura que nós temos, da filosofia que a empresa tem, de todas as frentes de trabalho que nós temos, o fato da empresa estar muito voltada para a parte de cidadania, que é uma coisa muito marcante também. Então a gente procura, ao mesmo tempo, cobrir todas as lacunas, estar sempre adiante não só em tecnologia, mas em todos os campos que a empresa pode atuar, isso a gente tem que estar sempre fortalecendo mesmo, porque isso é um diferencial competitivo com certeza.
P/1 - Entre essas vantagens competitivas, que peso você atribui a esse profundo enraizamento da empresa na região onde ela atua? Esse conhecimento próximo das pessoas, vale dizer, dos clientes, que faz um diferencial frente às outras companhias que na prática não têm história aqui, não é?
R - É, isso é uma vantagem, agora por outro lado, nós temos que pensar que nós vamos crescer e chegar em mercados que não conheciam a gente, então nós temos que aproveitar aquilo que traz essa aproximação cliente/empresa, aquilo que é valor para o cliente, porque muitos clientes falam “A nossa CTBC”, “Eu sou doze”, então é uma coisa assim muito gostosa de ouvir, porque a pessoa insiste em continuar com a CTBC, porque sabe ela que ela está aqui há muito tempo, que tem seus valores. Agora, como é que nós vamos usar isso para outras regiões por onde nós vamos crescer? Provavelmente, o cliente não conhece a gente, nós vamos ter que talvez desenvolver isso, encontrar uma forma de criar essa proximidade, esse relacionamento porque, na verdade, o cliente quer isso, ele não está preocupado se a empresa é grande, que o dono da empresa não vai conhecê-lo, ele quer ver espelhado em cada pessoa da empresa que o atenda como se fosse o dono, ele ali resolvendo a situação dele. Nós temos muito que aprender para estar nesse estágio, mas eu acho que é por aí.
P/1 - Nessa sua trajetória, agora recentemente você assume um cargo de direção da Holding, não é?
R - Da Holding, não.
P/1 - Desculpe, um cargo de direção, de diretora administrativa financeira.
R - Financeira.
P/1 - Como é que, o que significou esse novo desafio, agora, nesse momento?
R - Bom, eu te disse, naquele momento eu entrei como diretora-adjunta, e fiquei nesse cargo uns dois anos mais ou menos, depois eu assumi a diretoria financeira, mas para mim foi apenas uma nomenclatura, não fez muita diferença no aspecto: “Puxa, agora estou em um cargo superior”. Não mudou muito a responsabilidade, porque, teoricamente, quando eu abracei esse novo cargo, foi para fazer realmente a empresa enxergar a área financeira de um outro aspecto e a gente ajudar realmente a alavancar os negócios da empresa, e esse continua sendo o meu lema como diretora-financeira, e eu tenho certeza que a área financeira tem como estar sempre apoiando isso. Eu apenas vi uma mudança de cargo, a minha responsabilidade sempre foi muito alta e eu tenho comigo que cada um de nós tem que se imaginar como se fosse o dono mesmo.
P/1 - Como é que é teu dia a dia, teu cotidiano, como é que ele se distribuí?
R - Eu passo com gente o tempo inteiro, eu gosto do contato com gente, então, hoje até eu estava sentada com um pessoal lá na área financeira e chegou um fornecedor, ele falou: “Desculpe, eu estou te interrompendo na sua reunião”. Eu falei: “Eu não estou em reunião, estou trabalhando”. Porque às vezes as pessoas fazem uma confusão, que a gente vive em reunião o tempo inteiro, não, é porque a gente trabalha em equipe mesmo. Então cada hora você está com um discutindo ali e eu passo o dia inteiro com gente, a não ser aquele momento que eu tiro, de preferência de manhã, a hora que chego para abrir e-mail, correspondência, assinar o que precisa, eu faço isso na primeira hora do dia, porque depois eu não consigo sentar ali mais para fazer esse trabalho, que é um trabalho que a gente precisa fazer, mas para mim é o que eu menos gosto de fazer. O que eu gosto realmente é ter contato com gente, é discutir coisas, então eles falam assim: “Você gosta de ver problemas?”. Falei: “Não, eu gosto de fazer solução”. (riso) Eu gosto é de ter solução. Discutir problema é realmente muito gostoso quando você vê que dá para você corrigir, e é muito gostoso mesmo você sentar em um grupo e sair dali uma decisão que possa consertar o rumo de alguma coisa que não está indo adequadamente, não é?
P/1 - E a sua vida pessoal, casou-se, quando, teve filhos?
R - Casei, tenho três filhos, a mais velha tem onze anos, tenho um menino de nove e um menino de sete.
P/1 - Seu marido?
R - Meu marido é engenheiro agrônomo, tem uma empresa de representante de produtos agroquímicos, tem fazenda também, e vive corrido tanto quanto eu. Acho que meus filhos (riso) são um pouco prejudicados nisso. No final de semana a gente procura estar com eles o tempo todo, o máximo de atividade que a gente puder estar junto, a gente fica junto, mas ele também trabalha bastante, o dia todo, viaja bastante.
P/1 - As crianças reclamam muito dessa atividade?
R - Não, até que não, eu acho que eles já, quer dizer, eu tive meus filhos trabalhando dessa forma, eu trabalhava até a véspera dos meus filhos nascerem, até à noite, então eu nunca tive, isso nunca me atrapalhou. É claro que depois... a criança pequena ela é mais exigente, e eu tenho aprendido que eu tenho que dedicar mais tempo a eles, eu tenho priorizado muito os meus filhos, quer dizer, tenho o tempo para a empresa, mas tem o tempo deles também. Então eu procuro o máximo possível do tempo que eu puder dedicar a eles, participar de reuniões de escola, conversar com professores, às vezes, por exemplo, durante o dia é difícil eu levá-los à alguma atividade, mas, por exemplo, se tem um dentista, se tem uma coisa, eu procuro colocar em um horário que dá para eu levar. Não dá para levar em todos, mas pelo menos em alguns eu faço questão de levar, para eles terem aquela lembrança: “ A minha mãe me acompanhou, foi ao dentista comigo, me levou na escola um dia”. Porque eu fico lembrando, alguém pergunta: “Sua mãe ia te levar na escola?”. Eu não lembro, minha mãe nunca me levou à escola. Então, não é que eu tenho raiva disso, é que eu fico pensando, puxa, se minha mãe me levasse à escola talvez seria uma coisa legal para mim, então eu vejo se meu filho... Às vezes quando eu chego, a gente não tem horário fixo para ir almoçar, então quando dá para eu almoçar em casa, eu procuro chegar antes de eles irem para a escola. E eu tenho um caçula, ele estuda em uma escola perto da minha casa, então eu estando em casa, às vezes, eu vou levá-lo à escola, e ele todo sorridente, acha uma beleza (riso), é muito gostoso isso. Eles realmente exigem muito participação, mas, por outro lado, eles também aprendem que o pai e a mãe têm o trabalho deles e tem o momento para... Eu acho que a criança também é inteligente nisso, ela acostuma com essa ideia, o que você tem que fazer é realmente dar atenção no momento que você está com eles. Lá em casa eu procuro evitar até assistir TV ou qualquer coisa assim, eles fazem deveres de casa quando eu estou em casa, porque aí a gente acaba vivendo aquilo junto, vai para o computador, brinca junto, vão fazer alguma coisa, precisam de uma coisa, me chamam, então a gente procura estar mais intensamente perto quando é possível, não é? (riso)
P/1 - O que você seria capaz de dizer para um associado que estivesse chegando agora na empresa ainda sem conhecer e sem vivenciar todos esses valores que você já tem praticamente correndo nas suas veias, o que você diria para esse novo associado que está chegando hoje aqui?
R - Eu acredito que qualquer associado que está chegando tem muita expectativa, então, eu diria que não espere dos outros, faça você o teu caminho, com certeza você vai encontrar pessoas que vão te ajudar, mas você pode encontrar pessoas também que não queiram te ajudar muito. Mas vai depender muito mais de você trilhar a sua empresa. Você está em uma empresa muito especial, que a sua carreira profissional depende só de você, tem muitas empresas que dependem muito mais de outras pessoas do que de você e nessa empresa é muito especial, só você constrói o teu caminho e isso é um diferencial enorme que eu acho para você trabalhar em uma empresa, de você poder construir o seu caminho, a liberdade que a gente tem de crescer nessa empresa eu nunca vi, nunca vi.
P/1 - Perfeito. O que você achou de ter dado esse depoimento?
R - Muito legal. (riso) É gostoso, porque você não pára para pensar nisso, às vezes você tem umas lembranças, alguns fatos isolados, quer dizer, quando você começa do início assim de tudo, quando começou, então vem, vão puxando algumas coisas assim que estavam na verdade adormecidas na memória.
P/1 - Esse é exatamente o nosso negócio.
R - Estava muito adormecido na memória. E aí eu estava lembrando aqui, quando a gente estava conversando do senhor Alexandrino, que foi um fato muito interessante, que marcou muito para mim, que quando eu entrei na CTBC eu trabalhava em uma loja e eu era gerente da loja, lá eu fazia de tudo, assim, eu não tinha patrão. O patrão ia lá no final do dia para buscar o dinheiro do caixa, (riso) então era muito gostoso e a confiança que existia era muito grande e...
P/1 - Desculpa, como é que era o nome da loja?
R - A loja chamava, aí mudou de nome, antes era Roda Viva, depois mudou para Bate Bute, e hoje já não existe mais esse nome, mas era do Geraldo e da Guida. A Guida tem a, os dois ainda têm lojas, só que lojas diferentes. Então eles também são assim, eu tenho muito que agradecer a eles, porque foram as pessoas que me ensinaram, a primeira carreira profissional que eu tive foi com eles, então foram pessoas que realmente me ensinaram. A Guida me ensinou o lado comercial, o lado relacionamento com o cliente, ela tinha isso muito forte e ela foi o meu espelho nesse aspecto. O Geraldo, por outro lado, ele mostrou a parte de gestão, ele era o cara mais de controle da importância de você fechar o caixa, você organizar, de você colocar o estoque no lugar certo, o sapato no lugar certo, quando você precisar, roupa... então essas coisas você aprende e é na verdade, qualquer empresa que você vai o conceito é o mesmo, não é diferente, o que muda é só a complexidade. E quando eu trabalhava nessa empresa, a gente tinha um relacionamento muito bom, era como se fosse uma família ali, e conversava, falava de tudo, acabava sendo até íntimo demais assim, amigo, fazia festa junto e tal. E eu entrei na CTBC, eu estranhei demais, aquilo... porque era uma empresa muito grande, era muito mais individualista, e a primeira coisa que eu estranhei na CTBC é que no primeiro dia que eu entrei, no final, a gente tinha que sair acho que seis horas, quinze para as seis, eu olhava assim em volta, estava todo mundo assim com os bracinhos cruzados, e ninguém mais trabalhava depois de quinze para seis, e aí já começava o papapá, papapá e aí toda a hora abria, alguém ia lá na porta, abria a porta, olhava lá no corredor, sabe, e ficava naquela expectativa. Quando apitou, e era uma sirene altíssima, que a dez quarteirões você ouvia aquela sirene. Apitou aquela sirene, eu assustei: “O que é isso?!”. Saiu todo mundo correndo e eu falei: “Gente, o que está acontecendo aqui, é um incêndio, o que foi?”. Então estava todo mundo indo embora, aquilo eu achei super estranho, porque eu não tinha horário, claro que eu tinha horário, eu tinha muito mais horário para sair, porque eu tinha que ir para a escola do que por qualquer coisa, porque eu não podia sair enquanto tivesse um cliente, então eu estava ali na loja, enquanto tivesse cliente, então eu acostumei com aquilo, eu não tinha horário fixo, não é? Eu tinha horário para entrar, mas nunca tinha horário para sair. Então aquilo eu achei muito estranho, falei: “Puxa, será que o povo não gosta de trabalhar nessa empresa?”. (riso) Foi a primeira coisa que me veio na cabeça. E um belo dia... Ah, e outra coisa também que você tinha que chegar até cinco minutos, seu horário era sete e meia, você tinha que chegar até cinco minutos depois, se você não chegasse, a autoridade máxima na empresa era o porteiro, ele não deixava você entrar, (riso) aí você não podia entrar mesmo. E a gente ouvia diversas histórias a respeito disso, então aquilo foi um choque para mim, quando foi abolido, mudou... é que eu te falei, existia um valor para mim, que naquele momento chocava, eu acabei me adaptando a isso, mas não era uma coisa que eu gostava. Então quando a empresa mudou, aí a gente vibra, porque volta naquilo que você acredita, que você imagina que funciona mais. E teve um fato muito interessante porque o senhor Alexandrino quase não enxergava, não é, e andava com muita dificuldade, e um belo dia, justamente nesse horário que o pessoal estava para sair, o senhor Alexandrino foi saindo da sala dele e foi caminhando no corredor. Eu acho que alguém atropelou o senhor Alexandrino, ou bateu no senhor Alexandrino, não sei, (riso) aí a partir do dia seguinte decretou-se: “Ninguém mais sai correndo (riso) quando o apito acontecer”. E foi uma coisa, era uma coisa muito estranha mesmo, eu achei naquela época de choque na cultura que eu tinha de trabalho e lá, você trabalhava por hora, não por produção ou por qualquer coisa.
P/1 - É curioso pensar nisso agora, não é?
R - É muito interessante.
P/1 - As pessoas tinham um horário para sair, não é, seis horas da tarde.
R - E aí quando tinha um feriado você tinha que compensar doze minutos por dia para cada dia, o ano inteiro para compensar um feriado de natal, você imagina, e não tem muito tempo que a gente aboliu isso, que incrível, não é?
P/1 - É isso aí. Alguma coisa que você gostaria de ter dito que a gente não tenha te estimulado a dizer?
R - Bom, com certeza tem muita coisa que eu não lembrei aqui, mas eu tenho assim, muitas pessoas perguntam: “Puxa, vinte anos em uma empresa, não é tempo demais?”. E realmente, eu falei de vinte anos aqui em menos de duas horas, claro que foi bastante resumido, mas foi uma experiência muito intensa, porque você imagina eu entrar em uma empresa que tinha essa filosofia do horário, de sair correndo às seis horas, e estar hoje... com certeza eu trabalhei em muitas empresas, eu digo que primeiro pela própria mudança de cargos que eu passei, e agradeço muito as oportunidades que todas as pessoas que me auxiliaram e me apoiaram, me deram, eu sempre encontrei pessoas que me ajudassem na minha frente, nunca encontrei uma que atrapalhasse, nunca vi uma pessoa que me atrapalhasse, então isso é realmente uma coisa que para mim marca muito. Por outro lado, também a gente convive com muitas pessoas diferentes, pessoas entram e pessoas saem, e tem muitas pessoas que ficam no nosso coração para sempre, e tem uma pessoa que ficou muito no meu coração, que é muito difícil de eu esquecer, que foi uma pessoa que com certeza contribuiu muito com o senhor Alexandrino, que era uma pessoa muito chegada a ele, tinha um carinho muito especial e que trabalhou até pouco tempo, que foi a dona Ilce. Eu acho que a dona Ilce foi uma pessoa que realmente contribuiu muito com nossa organização, ela foi como se fosse uma mãezona da CTBC. Ela é muito respeitada e muito querida nessa empresa toda, eu acho que um presente, que se a gente quiser dar para dona Ilce, é depois mandar uma fita dessa história, sei lá como é que vocês vão montar, mas imagina ela, não é, que trabalhou muito mais que eu, com certeza na CTBC...
P/1 - Desde a Teixeirinha.
R - ... é, desde a Teixeirinha e ela participou de tudo isso, com certeza ela trabalhou em muitas empresas também, não é?
P/1 - Certamente.
R - Essa é a sensação que eu tenho, que eu não fiquei em uma empresa só durante vinte anos anos, eu vivi em muitas empresas, eu adquiri muita experiência, e quero experimentar muito mais.
P/1 - Muito obrigado.
R – Obrigada vocês.
P/1 - Muito obrigado mesmo.
R - Obrigada a vocês, eu acho que por essa entrevista você acaba trazendo para a gente, ou ressuscitando, ou mesmo relembrando alguns valores que no dia a dia a gente não fala, vive, mas não fala, entra no automático, não é, e isso é bom a gente falar, porque você confirma e sedimenta cada vez mais isso e distribuí também para as pessoas, não é, o mais importante de falar é distribuir para as pessoas, agora precisa viver também que é o mais difícil.
P/1 - De todo o modo, essa experiência sempre pode contribuir para que as pessoas tenham uma referência, uma referência importante.
R - Claro, claro, e a gente sempre tem com quem aprender. Ontem eu estava falando com o pessoal que trabalha na minha área assim: “Mirem nas pessoas que vocês achem que podem ensinar para vocês, com certeza têm muitas que podem ensinar”. Mas com certeza a gente tem muito para ensinar também, muitas vezes a gente deixa as pessoas resolverem sozinhas, isso por um lado é bom, mas muitas vezes a gente estar com eles é uma forma de ensinar também. Às vezes a gente pratica muita delegação, procura praticar muita delegação, mas isso não significa que você tem que largar as pessoas, você pode delegar, mas estar em alguns momentos com ela para que ela também adquira o seu, como se fosse assim, a sua forma de trabalhar, você acaba passando a transpiração na forma de andar, de qualquer forma você passa, não precisa as vezes nem falar, mas só o fato de você estar junto ali já é uma grande lição.
P/1 – É um pouco de solidariedade isso aí, não é?
R - É, também.
P/1 - No dia a dia de trabalho.
R - E eu aprendi, aquela questão que você falou lá de sair do gabinete que você indo lá aí sim você ensina, você não ensina por decreto, por procedimentos, não é aí que você ensina, aí você não tem adesão, é conversando, é estando junto, é muito mais isso.
P/1 - Perfeito. Muito obrigado.
R - Obrigada a vocês.
P/1 - Você falou que foram apenas duas horas, mas você fez um resumo muito consistente desses seus vinte anos.
R - Pois é, vinte anos não acontecem de um dia para o outro. (riso)
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