Depoimento de João Ferreira dos Santos, Mestre Guerreiro.
Entrevistado por Willy _______ e Julia Basso
Piassabuçu 08/10/2007
Realização Museu da Pessoa
Entrevista MB_HV065
Transcrito por Luisa Fioravanti
P/1 – Ferreti, prazer em entrevistar o senhor. Queria que você falasse seu nome completo, a cidade que você nasceu e sua data de nascimento, por favor.
P/1 – Cidade não, povoado. Ipiranga, município de ______ Nova. Meu nome é João Francisco dos Santos.
P/1 – Nasceu em?
R – 1955.
P/1 – Qual o nome dos seus pais?
R – José Júlio Santos.
P/1 – Mãe?
R – Filomena dos Santos.
P/1 – Eles nasceram em Ipiranga?
R – Nasceu, Ipiranga minha mãe e nas (Canaibas?) meu pai.
P/1 – E o que eles faziam lá?
R – Meu pai pescava.
P/1 – E a tua mãe?
R – Minha mãe cozinhava.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Nove.
P/1 – Nove irmãos? E você é o mais velho, do meio, o mais novo?
R – Não, os meus nove irmãos é por parte de pai, eu sou filho de uma mãe e os outros, era muita origem, dois filho com uma, um filho com outra, sei que formou tudo em nove irmãos. O mais velho mora em Perucaba, eu sou ________ no mais velho.
P/1 – E você cresceu lá em Ipiranga?
R – Olha, para dizer a verdade para você eu, com nove meses de nascido, minha mãe saiu pelo mundo e me deixou com a minha avó, fui criado com a avó. Depois que eu estava com cinco, seis anos de idade, foi que ela me começou para ir para a Ilha das Flores, que é um local que tem em Sergipe, uma cidade, e eu fui criado, como o ditado diz: “Como Deus criou batata”, _____________, _____________. E acabei de me criar o quê? Numa popa de canoa, já trabalhai em canoa. Hoje não tem mais nenhum ________, ________, ______________, depois, ____________, aí depois que eu andava em canoa fui plantar arroz, plantava arroz, cortava mato, batia ____ o arroz na máquina, aqui na batinga, servi muito arroz ao Seu Manuel ______ que hoje é vereador daqui e _________ não tem serviço, sai, fui morar no Peba, cheguei, não sei te dizer, que nesse tempo a gente arrastava o ________ do barco que chegava, numa carroça, _________ camarão, __________camarão, depois fui pescar em barco de pesca no mar e a minha vida era essa.
P/1 – E como era quando você era menor? Quando você começou a ter? Você participava de festas, ouvia?
R – Ah, eu gostava de festas, gostava de andar em barco. Você sabe menino como é, andei muito em barco, naqueles barquinhos que, naqueles curre curre, tinha uma onda que o povo saía empurrando assim. E a minha vida, graças a Deus, apesar do que eu sofri em tempo de pequeno, estava bom. Depois peguei ____ de gente, aí me __________ Pepa para aqui, aí voltei a plantar arroz com Duda Araújo, cortei cana, fui vendedor de pão, vendia pão no Bonito, uma cidade que tem aqui em Piaçabuçu, por todo o canto eu vendia pão, a minha vida era essa. Aí depois que eu vendia pão, com três anos, por três anos eu era vendedor de pão, aí sai e o senhor que trabalhava aqui na prefeitura na época do ____________, já com dois anos de mandato ele falou: “Você quer trabalhar? Apanhar lixo?” Eu disse: “Tá, eu vou trabalhar em qualquer coisa!” Aí eu vim para cá e da entrada que eu entrei para trabalhar com _____, até hoje eu estou trabalhando na prefeitura. Sou gari e não tenho receio de dizer: é um serviço honesto, a pessoa não pega no que é ___, nunca peguei, se eu achar um alfinete aqui e souber que é teu te entrego na hora.
P/1 – E me conta uma coisa, o senhor é Mestre Guerreiro, conta como é ser Guerreiro, onde que o senhor viu isso no começo?
R – Esse guerreiro, eu brincava, não vou dizer _________ tamanho deste menino, de oito anos brincava com a minha família, _________família, um guerreiro só, é 64 só um guerreiro completo. Então eu era pequenininho e me botaram__________, eu fui crescendo e aprendendo, os meus tios, os meus primos, as minhas primas, era tudo família, aí eu comecei, o primeiro guerreiro que eu fiz foi em _____________. Tem um rapaz chamado Arivaldo, a gente chama de o Guerreiro lá da Ilha das Flores, é o ________ do (Calixto?), nesse tempo era o prefeito da cidade, e ele era quem nos levava para a localidade da cidade para brincar, aí depois quando eu saí de lá não quis saber de guerreiro, ainda fundei um time aqui no Bairro Paciência, por incrível que pareça era o time que eu trouxe, que é o Vasco, sabe, ainda _________ 12 anos com o time, depois os caras não queriam chegar junto _________ , porque assim, se você trouxer um time por 150 reais, se você não tiver os 150 reais inteiro no bolso, porque você só vai tirar de 30, 40 reais, o resto cai do seu bolso, se for _______ para fora é a mesma coisa, aí eu deixei. Deixei e continuei Guerreiro de novo, aí não deu certo, toquei fogo no material todinho, chapéu, tudo toquei fogo, aí fiquei na base de um ano, aí depois chegou uma menina e perguntou: “____,você não vai fazer faz (guerrilha?), não?”, eu disse: “Rapaz, eu não quero não!”, aí _______________ “Eu vou arrumar as _________!”, aí saiu andando, saiu pelo outro lado, aí eu comecei com 12 pessoas. Comecei meu ________ devagarzinho, comprei sanfona, pandeiro, triângulo, tudo certinho. Comecei a trabalhar no fim do mês e comprava uma roupa para um, um __________ para outro, isso aí ________ até que o meu primeiro ensaio, porque eu dei ensaio geral foi lá na (Dalvinha?), foi na festa de São João, no ano passado, aí continuei. Quando ela foi para lá, fez umas perguntas para mim, escreveu e eu só, meu Guerreiro já rodando, foi entrando uma pessoa, duas, que agora eu estou com que, com 40 crianças. Agora, e essas 40 crianças só falta umas poucas para eu vestir mais __________________________ que é para nós ir em frente.
P/1 – E conta um pouquinho como foi, quando você era menino e via, assim, a sua família toda dançava? Como que eram as roupas?
R – Olha, as roupas naquele tempo era vestido, manga fofo, agora todos (com a fita?), né, era chapéu daqueles que eu faço.
P/1 – Eles também faziam?
R – Faziam! Naquele tempo era bom porque tinha umas ___________ de ________ que a gente colocava no chapéu, no meio dos brilhos e ficava aquelas carreirinhas, sabe? Entre um espelho e outro, ficava a carreirinha, só que para a gente comprar agora essas pedras, custa 600 a 700 reais o quilo. Aí a gente só pode botar os brilhos, os espelhos, a fita e aquelas bolinhas que você viu.
P/1 – E como é que foi? Como que o guerreiro é dividido assim na apresentação? É um grupo só e o mestre puxando? Tem personagem?
R – Não, tem que, a pessoa puxa, a pessoa canta a peça, os _________ respondem a peça, porque você canta aí ele responde pega o apito, apita e aquela pessoa pisa aquela mesma pisada que o mestre ensinou. Eu piso quando eu quero, quando eu não quero eu não piso, quem pisa é as _________, as criançadas.
P/1 – E você acha que veio de onde essa tradição?
R – Olha, eu ouvi dizer, eu, né? Porque __________ dizer que esses negócios de guerreiro, veio da África para cá, para o Brasil, no Brasil não tinha esse negócio de Guerreiro, Reisado, veio daqueles povos mais velhos de lá e formaram e o povo de Alagoas, foram aprendendo, fazendo, primeiro tinha o reisado, vocês viram aquele Reisado ali? Ali é o Reisado, só que o Reisado do meu tempo não tinha fita, era só chapéu muito bem feito, aquela roupa bonita, colocava aqueles brilhos, sabe, tinha aquelas bandeiras, a verde e a vermelha, que quando um rapaz olhava para ________ e se embelezava, se fosse a vermelha era para ficar ________ em cima, e aquele que suspendesse a bandeira vermelha era, o outro cara botava mais dinheiro e assim ia comprando dinheiro para comprar material, sabe, na minha época. Já brinquei de __________ de Reisado.
P/1 – E como que é o Reisado?
R – Você não assistiu agora aquele grupo que estava? Só que ali, que nem eu disse ali falta muita coisa para eles pisar ainda, a pisada está fraca, tem que a _______ do baile, se soltar mais, pisa mais, porque ali certo é o Reisado, só que as pisadas é muito fraca, como eu disse: “Você achou _____?”, eu achei sim, com o que eu já brinquei, já sei as cantigas também um pouco e vou dizer honestamente aqui, quase ___, que eu nunca vi, da minha época Reisado com Contra Mestre, só a (Deusa do Baile?), mas como está tudo mudado. Contra Mestre tem o quê? Guerreiro se for mulher é Contra Mestre, Embaixador, Vassalo de Reis, Vassalo de Lira, tudo isso pega, Índio Peri, Cabocolinho, Rainha de Lira, Rainha da Nação, Rainha de Cabocolinho, Rainha do Índio Peri, aí tudo tem, aí eu sei , tem o Boi, mas esse negócio de Boi eu não faço por causa das crianças, porque as crianças têm medo, as Espadas tem que ser de ferro, mais aí é para adulto, para as crianças é de pau porque não fere, se bater não fere porque, você sabe a responsabilidade da __________? Você sabe que grande responsabilidade _____________? Antes de eu levantar esse __________ eu sabia que a responsabilidade era imensa, se eu já tinha responsabilidade agora que eu tenho mais. Porque criança, eu gosto de criança. Tem pessoas, falou ali do Mestre Alexandre, disse que não gostava de criança! Falou para mim: “Eu não faço _________ de criança porque eu não gosto de criança, ____ tenho possibilidade de quebrar a cabeça com criança!”, “Aí você fica com seu guerreiro de adulto que eu fico com meu guerreiro de criança!”.
P/1 – E tem muita gente que dança nesse grupo de guerreiro também?
R – Tem, lá um bocado, 50, 60, 70 anos. De jovem só tem quatro pessoas, o resto é de gente da idade de 40, 50. A _________ tem o quê? Uns 75 anos, a outra tem uns 40, outra tem uns 50 e eu, graças a Deus, estou me sentindo confortável, achei uma pessoa que me escreveu, eu fui aprovado para ensinar criança, agora não tem idade não, pode ser cinco, seis, sete, oito, nove, dez anos, até 70, se quiser brincar eu não vou negar porque eu não posso negar. Não é isso? Eu não posso negar. Meu guerreiro é o quê? Tem uma criança de dois anos, cinco, seis, sete, oito, nove a maioria que tem é 14 anos e uma senhora que tem seus 40 e poucos anos. É quem segura a _________ atrás do Guerreiro, e eu fico na frente, incentivando o povo, _______________, achei bonito ____________, todo mundo aplaudiu as crianças, __________ sem parar no _____________, já estou fazendo meu trabalho nas escolas, me apresentando nas escolas. As professoras _____________ embora, não vou dizer que não, isso aí para qualquer pessoa, para mim é um grande prazer de lutar com criança porque criança é hoje, amanhã é adolescente, para mim não tem idade não, chegou...
P/1 – Ferreti, me explica uma coisa, você sabe por que chama Guerreiro?
R – Guerreiro é por causa das guerras que tem, teve uma guerra, aí inventaram esse negócio de guerreiro, esse daí já veio desde o começo do mundo, esse negócio de guerra, __________ por causa da guerra deve ter sido isso que botaram o nome de Guerreiro porque tem espada, as pessoas lutam com espada, o Guerreiro, aí eu tenho para mim, no meu entendimento, que foi por causa disso.
P/1 – É muito forte o nome, Guerreiro, assim! E você foi chamado como Mestre! Como é que você foi convidado? Como foi que isso aconteceu? Mestre Griô _______?
R – Eu fui convidado, né, que nem eu falei para vocês, _____________, aí entrei no folclore, fui aprovado, para Brasília, não sei para onde, eu não sei, aí eu sei que de lá para cá recebi a notícia e fiquei bem satisfeito. Agora meu amigo falou, o do Recife, disse: “Olha, você não é Griô? Você é um Mestre!” “Por quê?”, eu disse, “Por que eu sou Mestre?”, ele falou: “Porque você faz ________ na hora sem pensar! É esse que é o Mestre aprovado!”.
P/1 – É espontâneo, né? Livre?
R – É espontâneo, porque se é o Mestre, que nem cantor, o cantor não composita música? Se ele tiver no show e passar uma música pela cabeça dele para ele fazer e ele não escrever naquela hora, ele não vai fazer mais nunca! Esse é o Mestre. Se eu estiver cantando na peça aqui e passar uma por dentro da minha intuição, eu faço rápido porque depois eu não vou fazer de jeito nenhum porque já passou! Aí não é eu, é qualquer pessoa que for cantor, compositor, ode ser o que for, é rapidamente! Se você não fizer naquela hora você não vai encontrar mais no sentimento.
P/1 – E o que você acha importante de ter um Ponto de Cultura aqui na cidade, de você participar?
R – Eu tenho o maior orgulho do mundo de estar hoje ajudando as crianças, a pessoa me pede para eu fazer uma representação, eu vou incentivando as crianças e esse, o meu trabalho, que eu sei, já vou para outra escola, já dou, muitos ____________ ficam mandando, (meu filho, ___________ a professora ___________ não é com eles não, criança é criança?), aí já tenho uma representação em outro canto, exclusivamente já fui convidado para Rio Peba, só estou deixando o rapaz telefonar que é lá do Peba para para eu ir, eu vou, onde chamar eu tô indo. Eu não ganho nada, não, não estou ganhando um centavo de representação, eu não quero ___________________ escola, ______________ de jeito nenhum, agora se me chamar para ir para outro canto fora, aí tem que acertar para ir para poder ver as crianças dançar!
P/1 – E você participou um pouquinho da Ação Griô, desse encontro regional, o que você achou? O que você gostou de ter encontrado no pessoal?
R – Participei. Ó, eu vou dizer: sinceramente, eu gostei, eu gostei da participação, para mim era a família que estava junto, umas pessoas que para mim era meus irmãos, sabe, não tinha negócio porque era preto, branco, todo mundo era tudo por igual e para mim foi a melhor coisa do mundo que já existiu.
P/2 – Você não quer cantar para a gente uma música do Guerreiro?
R – Aí fica muito enrolado, dá receio, mas eu vou cantar uma pecinha bem pequenininha, vou cantar uma pequenininha mesmo: “__________ eu estava sonhando que eu te deixava naquele caminho. ____________ eu estava sonhando que eu te deixava naquele caminho. Não chore não, se consola amor, foi o beija-flor que pousou em mim.”.
P/1 – tem mais alguma coisa que o senhor queira falar? Deixar um recado?
R – Eu só quero deixar um recado, recado pequeno para todos os Griôs que entrar hoje ou amanhã: ter amor às crianças porque as crianças é do Brasil, se não fosse as crianças o Brasil não existia, e então o que eu tenho a dizer é que fiquei muito satisfeito com vocês lá, com todos que estavam lá , todo mundo é de todo mundo e os que já foram, se vocês encontrarem por lá nesse próximo encontro eu mando um abraço para vocês todos. Muito Obrigado.
P/1 – O Museu da Pessoa queria agradecer muito e desejar muita força para essa sua luta e que as crianças sempre possam ter você por perto, uma pessoa como você e crescer ______________
R – Isso aí eu garanto a vocês, enquanto eu tiver batendo os olhos e poder me esforçar para ajudar as crianças eu estou sempre à disposição. Nunca vou dizer que não, mesmo que eu tiver rolando na cama ainda vivo, mas pode chegar uma pessoa: “Ferreti, vamos!”, “Rapaz eu estou assim desse jeito!”. Vira para lá que eu vou ensinar a minha menina a cantar, eu estou lá incentivando ela, ela, o menino, tudo aprendendo. Eu quero, quando eu não puder mais, deixar um, ou a menina ou o menino, a que tiver no Guerreiro, que está muito __________, a (pivetinha?), eu quero deixar tomando conta do meu lugar para não deixar o folclore se acabar.
P/2 – Obrigado, Ferreti, é um prazer conhecer sempre alguém como você!
Recolher