P/1 – Bom dia, Senhor Francisco, gostaria de começar a sua entrevista pedindo que o senhor nos diga seu nome completo, local e data de nascimento. R – Francisco Alves dos Reis, nascido em 04 de junho de 1924, em Catas Altas da Noruega, Minas Gerais. P/1 – Seu Francisco, qual o nome dos seus pais? R – Meu pai é José Augusto Alves dos Reis. P/1 – E sua mãe? R – Francisca Fermina de Barros. P/1 – Onde é que eles nasceram, também em...? R – Em Catas Altas da Noruega. P/1 – E qual era a atividade de seus pais, do seu pai? R – Meu pai tinha uma pequena fazenda aonde nós trabalhávamos, né? P/1 – Com criação de gado? R – É, gado e plantação, esse tipo de coisa. E eu, desde que eu me entendo por gente, dos sete aos 12 anos eu trabalhei direto na fazenda, fazendo todo serviço que tinha prá fazer, plantá milho, capiná, plantá arroz, feijão, guiá boi prá ará a terra, todo esse tipo de serviço até os 12 anos de idade. P/1 – Que delícia! R – Nessa ocasião eu aprendi quantas horas de luz solar tem o mês de novembro, aos sete anos de idade. P/1 – Já trabalhando? R – Trabalhando, aprendi sabe por que? Porque eu guiava boi prá ará a terra naquele mês e era de sol a sol. P/1 – Imagino. R – E o mês de novembro tem 14 horas de luz solar. P/1 – E acordava cedinho, né? R – Hein? P/1 – E acordava cedinho? R – E acordava cedinho prá começá o serviço com o sol nascendo e acabá o serviço com o sol... P/1 – O senhor é filho único? R – Não, nós somos nove filhos, dois irmãos, dois homens e sete mulheres. P/1 – Imagine! R – Eu devo tê ficado luxento com tanta mulher à volta, né? P/1 – E as moças participavam também, como é que era o cotidiano na fazenda? R – Trabalhando fora, só eu e meu irmão que trabalhava fora, então aí fiz todo serviço...
Continuar leituraP/1 – Bom dia, Senhor Francisco, gostaria de começar a sua entrevista pedindo que o senhor nos diga seu nome completo, local e data de nascimento. R – Francisco Alves dos Reis, nascido em 04 de junho de 1924, em Catas Altas da Noruega, Minas Gerais. P/1 – Seu Francisco, qual o nome dos seus pais? R – Meu pai é José Augusto Alves dos Reis. P/1 – E sua mãe? R – Francisca Fermina de Barros. P/1 – Onde é que eles nasceram, também em...? R – Em Catas Altas da Noruega. P/1 – E qual era a atividade de seus pais, do seu pai? R – Meu pai tinha uma pequena fazenda aonde nós trabalhávamos, né? P/1 – Com criação de gado? R – É, gado e plantação, esse tipo de coisa. E eu, desde que eu me entendo por gente, dos sete aos 12 anos eu trabalhei direto na fazenda, fazendo todo serviço que tinha prá fazer, plantá milho, capiná, plantá arroz, feijão, guiá boi prá ará a terra, todo esse tipo de serviço até os 12 anos de idade. P/1 – Que delícia! R – Nessa ocasião eu aprendi quantas horas de luz solar tem o mês de novembro, aos sete anos de idade. P/1 – Já trabalhando? R – Trabalhando, aprendi sabe por que? Porque eu guiava boi prá ará a terra naquele mês e era de sol a sol. P/1 – Imagino. R – E o mês de novembro tem 14 horas de luz solar. P/1 – E acordava cedinho, né? R – Hein? P/1 – E acordava cedinho? R – E acordava cedinho prá começá o serviço com o sol nascendo e acabá o serviço com o sol... P/1 – O senhor é filho único? R – Não, nós somos nove filhos, dois irmãos, dois homens e sete mulheres. P/1 – Imagine! R – Eu devo tê ficado luxento com tanta mulher à volta, né? P/1 – E as moças participavam também, como é que era o cotidiano na fazenda? R – Trabalhando fora, só eu e meu irmão que trabalhava fora, então aí fiz todo serviço que tinha prá fazer, eu fazia, o meu irmão junto e freqüentei escola particular, lá mesmo, quer dizer, nós íamos à escola, tirava leite primeiro, sabia... tirava leite, depois ia na escola, cabava a escola ia fazê outro serviço de dia, que a filosofia do meu pai era a seguinte: menino é barriga cheia, serviço e couro na bunda prá não inventá moda (risos). P/1 – E o cotidiano também da fazenda, suas irmãs foram prá escola? R – Foram prá escola. P/1 – Para a mesma escola? R – Em Catas Altas da Noruega só tinha escola até o terceiro ano primário, não tinha mais, então aquela escola eles fizeram, não tinha mais aonde estudar, nem meu pai tinha condição de mandá todo mundo prá estudar fora. E como eu, a minha professora, dona Maria, a Maria de Joaquim que era o nome do marido, era uma senhora muito enérgica e muito boa professora da escola particular, então ela achava que eu tinha facilidade prá aprender e eu gostava de aprender… gostava de saber, né, que eu acho que dificilmente as pessoas gostam de aprender, aprender é um processo doloroso, as pessoas gostam é de saber, não é? No meu modo de ver… É, aí, meu pai sabendo desse aspecto e eu queria estudar mais e como para entrar no Ginásio precisava ter o quarto ano primário completo e lá não tinha, então ele me mandou prá casa do irmão dele em Rio Espera prá fazer o grupo, lá tinha um grupo. P/1 – Qual era o nome por favor da outra... R – Rio Espera, Rio Espera. P/1 – Uma outra cidade? R – É, era uma outra, na ocasião, vila, que Catas Altas é arraial, e Rio Espera era uma vila, tinha grupo e ali morei com o meu tio, na casa do meu tio durante dois anos, que eu cursei, cheguei lá, a professora, a mulher dele, que era também professora, me fez um exame, o quê que eu já sabia, acho, cê pode entrá no terceiro ano. Aí, eu fui no terceiro ano, entrei e a minha professora muito enérgica e brilhante naquela ocasião era Da. Judite. Então, eu fiz o terceiro e o quarto ano com a Da. Judite. E daí eu tive uma decisão difícil a fazer, porque eu com a influência local e eu também achava os paramentos do padre bonitos e coisa e eu queria ser padre. Mas então eu tive que fazer a decisão. Meu pai não era a favor que eu fosse ser padre, minha mãe apoiava, como as mulheres de um modo geral apoiavam. Eu tive então de tomá uma decisão que foi difícil prá mim na ocasião, vou pro seminário ou vou pro ginásio, mas eu tinha 14 anos, eu entrei no grupo no terceiro, já tinha 12 anos, já devia, já atrasado, né, então eu tive que tomá a decisão: “vou ser padre? Vou tentar ser padre ou vou entrar pro Ginásio?” Aí fiquei com aquele negócio... pensando, uma decisão difícil... Depois eu concluí o seguinte: “bom, eu não quero ser padre daqueles que não respeitam o voto de castidade, né?”. Eu falei: “se eu for ser padre e por acaso eu violar o voto, eu vou ficar muito infeliz, né” (risos). Então, aí tomei a decisão: “não, eu vou entrar no Ginásio! não vou... Porque eu não tenho certeza se eu vou agüentar as tentações e não quero ser infeliz por violar uma coisa que eu de livre e espontânea vontade prometi cumprir, né?”. P/1 – É muito correto, né? R – Então, aí, fui pro Ginásio. P/1 – Nessa outra cidade. R – É no Ginásio fui prá Ouro Preto. P/1 – Qual era o nome do ginásio? R – Ginásio Municipal de Ouro Preto, lá fiquei na casa de um amigo do meu pai e cheguei um mês antes do exame de admissão. Quando eu cheguei lá conversando com os filhos do amigo do meu pai, o filho, um dos filhos dele, tinha feito o exame de admissão no ano anterior, então eu tomei conhecimento que existia naquele tempo curso de admissão. O curso de admissão era um ano que os meninos de lá faziam, um curso de reforço, não é, antes de prestar o exame de admissão. Então, ele falou “Ah, mas tem o curso, você não vai fazer?”, eu falei: “Olha, eu não, eu quero fazer o exame logo.”, ele falou: “Bom, mas eu fiz o curso de admissão, aqui tá o livro.” Tinha um livro dessa grossura assim e ele falou: “Tá aqui, eu te empresto o livro você estuda aí o que você puder”, eu falei: “Tá certo, então me dá, eu vou estudar o que eu puder.” Aí estudei e fui fazer o exame de admissão com um certo pessimismo... Como a turma toda tinha feito o curso de admissão e eu não tinha feito, eu tinha só estudado um pouco, vindo lá do mato, né… Como diz o capiau lá do mato: “Como é que vai disputar com essa turma?”. Aí, fiz o exame de admissão e quando deu o resultado eu era o quinto, não é?! E o pessoal, as meninas falou: “puxa, como é que você conseguiu?”, eu falei: “bom, eu só fiz o exame, fiz o que eu sabia, né?” Ficaram admirados que um rapaz que veio do interior sem fazer o curso de admissão consegue tirar o quinto lugar, não é... Aí, cursei o Ginásio, sempre muito estudioso, sempre dando o máximo de mim e no primeiro ano eu já passei prá primeiro lugar, né, consegui recuperar e aí consegui ir até o quarto ano, que naquele tempo mudou, eram cinco anos, passou prá quatro. Era na minha turma, aí, graduei em 42 no quarto ano, aí, foi fundada a escola técnica, qual que era a dificuldade de dinheiro, eu tava preocupado ainda tê que pagá prá fazer o curso Médio, né, aí fizeram a escola técnica, foi fundada, aí, em 43. P/1 – Em Ouro Preto também? R – Em Ouro Preto. Aí eu fui para a escola fazê o exame prá entrá na escola técnica de metalurgia, fiz, é, veio gente do país inteiro, Paraná, Rio de Janeiro, etc, prá fazê esse exame. Aí, fiz o exame, cheguei lá era um exame preparado, já veio um caderninho. Nunca tinha visto aquilo, vim direto aqui do Ministério da Educação, que o diretor técnico era o guru do... Como é que chama? O guru, do guru do Brizola, como é que chama esse professor que? P/1 – O Darci Ribeiro? R – Darci Ribeiro, o guru dele era, não sei se vocês lembram o nome dele, era o Diretor do Ensino Técnico do Ministério da Educação. Então aí o exame foi interessante prá mim, eu fiz o exame, achei que tava muito fácil, nunca fui uma pessoa muito rápida, fui fazendo o exame lá normal. Depois quando chegou no fim, quando o professor falou: “tem cinco minutos prá terminar o exame”. É um exame comprido, foi umas três horas de exame, aí, nesse momento, eu passei a mão assim, ainda tinha duas páginas que eu não tinha visto lá, então, o quê que eu fiz? Peguei e indiquei as soluções de todos os problemas e não tive tempo prá terminar e fui embora prá casa preocupado. Eu falei: “puxa vida, eu que podia passar, tô sujeito a não passar por causa dessa besteira que eu fiz..”. E na saída todo mundo festejando “é porque eu fiz tudo!!”. Eu falei: “ih, eu tô aqui no meio de uma turma de gênio e vou tirar uma nota baixa e podia também tá no meio deles”. Muito bem. Aí, três dias depois saiu o resultado, eu me lembro, foi na Escola de Engenharia que nós íamos ser anexo à Escola de Engenharia de Minas e Metalurgia de Ouro Preto, reunimos todo mundo lá no pátio e a pessoa lá de cima lendo o nome da pessoa e a nota, né, então leu, veio lendo e aqueles que tavam craques tavam levando pau, eu falei: “Eu, então, é que tô perdido, não terminei a prova!”. Aí, quando chegou no meu nome, ele leu lá: “67!”, eu tinha tirado 67, qué dizê, que a maior nota da turma era a minha, apesar de eu não... P/1 – Ter concluído. R – Não ter feito a prova. Aí fiquei satisfeito. Cursei o tempo todo a escola técnica, sempre com aquele esforço do matuto, né, matuto empregando a fundo, né? P/1 – Seu Francisco, deixa eu também perguntar esse lado do matuto, sua cidadezinha, Cataguazes... R – Catas Altas da Noruega. P/1 – Perdão, Catas Altas, da onde vem o Noruega também? R – Noruega em português quer dizer uma montanha sombria, o lado sombrio da montanha, não tem nada a ver com o país Noruega. Então, o pessoal lá que foi uma zona de mineração de aluvião no tempo da colônia, é, o primeiro lugar que os portugueses chegaram foi da Noruega, esse lugar que tinha esse aspecto. Tem a igrejinha lá até hoje, depois eles foram para Catas Altas, que é uns seis quilômetros de distância, acharam o lugar melhor e fizeram o arraial em Catas Altas, então ficou Catas Altas da Noruega por isso. P/1 – E a cidade era uma cidade pequena, como era essa cidade? R – Ah, era pequena, devia ter o que? Não era cidade, era arraial, nem vila não era, é arraial, era um arraial pertencente à Conselheiro Lafaiete. P/1 – E quando o senhor foi para Ouro Preto, passou ainda na outra cidade, qual foi a mudança que o senhor sentiu? Sair de casa também daquele ambiente familiar... R – Uma coisa que eu não contei que escapuliu lá de trás é o seguinte, eu dentro desses trabalhos que nós fazíamos, Catas Altas é um lugar isolado, né, eu, aos dez anos de idade, é que eu fui ver trem de ferro pela primeira vez. E como foi? Porque Catas Altas tá num triângulo de distância de Ouro Preto e Conselheiro Lafaiete, apesar de o arraial pertencer à Conselheiro Lafaiete ele comercializava com Ouro Preto. Então, eu fui de ajudante de tropeiro para Ouro Preto, para levar, vender coisas, lá e eu fui ajudante de tropeiro, então lá é que eu vi o trem de ferro pela primeira vez, eu tinha dez anos de idade risos. P/1 – E essa mudança então também da cidade, do seu arraial lá, da sua casa de fazenda? R – Eu vou te contar a impressão, a imagem que ainda tá na minha cabeça é quando de que eu cheguei em Ouro Preto com a tropa, né, então a gente chega num alto e da onde a gente avista a cidade inteira, não é. Então foi uma impressão muito grande para mim de vê aquela cidade tão imponente, né, e muitas igrejas e tudo e muito grande quando comparado com Catas Altas da Noruega, isso foi antes de eu ir lá prá estudar. Mas indo prá estudar eu tive uma impressão, Ouro Preto para mim era uma cidade muito intelectualizada, na época, porque é uma cidade relativamente… hoje tem 60 mil, 70 mil habitantes, tinha uma escola de farmácia que era na ocasião considerada uma das melhores do Brasil e a escola de Engenharia Minas e Metalurgia Civil, era em Ouro Preto, era referência no Brasil inteiro, qué dizê, que ia gente do Brasil inteiro estudar lá, principalmente os filhos dos que tinham formado lá, eles preferiam mandar prá Ouro Preto, porque é uma cidade conservadora, o menino ficava livre de tentações, a escola apertava, então eles preferiam mandar os filhos prá lá, né? Então, eu, quando eu competi no ginásio, eu tava competindo com irmãos e filhos dessa gente. Qué dizê, então eu tive essa impressão de Ouro Preto, uma cidade muito intelectualizada e eu aprendi bastante, né. Lá em Rio Espera eu também, teve uma passagem importante que eu não mencionei é quando a minha professora abriu o mapa dos Estados Unidos, né? P/1 – Descobriu o mundo? R – É, qué dizê que quando ela deu a aula sobre os Estados Unidos e que eu vi que o Brasil tava desse tamanhozinho, foi uma decepção dos diabos (RISOS), né, aí eu passei a me interessar pela língua inglesa, dali eu já passei e queria aprender e coisa e tal, né? P/1 – E além da língua inglesa o senhor tinha também assim já uma inspiração do que quê o senhor queria fazer? R – Não, eu nunca estabeleci metas na minha vida, por que? É uma coisa de talvez seja da sabedoria mineira. Qué dizê, se você estabelece metas rígidas, você fica escravo da meta, a sua vida fica tudo em cima da meta, não é? Você não vai viver, vai perseguir aquela meta. Então, a minha meta era o seguinte: eu vou me preparar prá ser o melhor, ou melhor possível naquilo que eu vou fazer, o que vai decorrer daí é conseqüência não é? É o que sempre me orientou na vida foi nesse sentido. P/1 – E quando o senhor escolheu a escola técnica ao lado o senhor comentou: “ah, a gente precisava pagar, como é que eu ia pagar” foi uma também…? R – Eu na realidade o que eu queria ser é geólogo, eu queria ser geólogo, mas não tinha, se tivesse até a escola de geologia eu teria entrado, por que? Porque no nosso tempo eu fui muito politizado desde criança, não politiqueiro, mas político com “p” grande. Político com “p” grande, na minha definição, é a minha, é a arte de conduzir os homens, qué dizê, foi nesse sentido que eu fui sempre político e me interessei pela política também, mas nunca quis, fui candidato a nada. Na escola me convidaram prá ir pro diretório, eu falei, não, não quero, porque eu tenho que pedir voto, eu não gosto de pedir nada a ninguém, vou pedir voto depois eu tenho que ficá prestando conta e o sujeito me pedindo coisa errada e eu não vou querer fazer, então eu vou desagradar. Então nunca fui candidato a nada. Mas, que mais que você perguntou? P/1 – Não, aí, da sua escolha que o senhor queria fazer geologia só que a escola... R – Então eu queria ser geólogo porque, porque eu, Ouro Preto, quando estava no ginásio, na hora do almoço, às onze horas, às onze e meia, por aí, chegava o trem de Belo Horizonte que trazia o jornal, então eu e alguns companheiros, nós íamos para estação prá ver o trem, né, e eu comprava o Diário, era o jornal de Minas Gerais e lia o jornal. Quer dizê, é daquela ocasião eu adquiri o hábito de ler jornal, então eu lendo jornal, ficava informado de quê que tava passando e é um hábito, até hoje eu, se eu não ler o jornal não tá certo (risos) tem que ler o jornal!. Mas então, o quê que era naquela ocasião, na nossa turma, nós achávamos o seguinte: O Brasil naquele tempo só exportava café e importava petróleo e o petróleo fazia a conta do Brasil ficar negativa, não dava o que exibir, mal dava prá pagar o petróleo, então na nossa cabeça, da rapaziada, nós tínhamos que resolver sobre extrair petróleo no Brasil prá poder... Nós partirmos para o desenvolvimento do país, tinha que achar petróleo, tá? Então eu queria, eu falava: “eu quero trabalhar, quero ajudar a achar petróleo”, é o que tava na minha cabeça, mas não tinha geologia, então tinha metalurgia, metalurgia era uma segunda opção, por que? Porque naquele tempo o Brasil não produzia aço e era consenso prá nós que o aço é básico no, para o país, para os países industrializados e existia naquele tempo o que existe hoje com respeito à energia atômica existia com respeito à siderurgia naquele tempo. Quer dizer, os países que dominavam a siderurgia, eram os países da liderança mundial não queriam que os que não tinham a siderurgia produzissem aço, entendeu? Qué dizê, eu, então, entrei prá siderurgia que é o que tava à minha disposição, então fui trabalhar em siderurgia, estudar siderurgia com esse objetivo de dar a minha contribuição pro Brasil se firmar como país produtor de aço. P/1 – Aí, o senhor fez escola técnica? R – Eu fiz a escola técnica quando, aí, durante o curso aconteceu comigo um fato também que é desses fatos que a gente não esquece: Um dia eu estava vindo de um trabalho prático na área siderúrgica que a escola tinha, eu tava voltando e encontrei com uma pessoa que eu conhecia de vista na rua e ele e eu ficamos conversando ali e tal e ele me perguntou: “Ô Francisco, o quê que você tá estudando?, eu falei “Tô estudando metalurgia.”, aí, ele virou prá mim e: “Mas o quê que você pretende fazer?”, eu falei: “Eu quero trabalhar em siderurgia”. O retrato do pessimismo que existia na época que constituiu prá mim uma grande motivação. Ele virou prá mim e disse: “Francisco, mas você vai, você tá estudando prá trabalhar em siderurgia, o brasileiro não dá no couro prá siderurgia.”, eu falei: “Mas porque que você acha que não dá no couro?”, “Não, é porque a siderurgia é um trabalho orgânico”... Não era numa pessoa rude, né? A pessoa que eu tava falando, então eu virei prá ele e disse: “Escuta, aonde que o estrangeiro passar rindo eu vou passar rindo”. E aquilo foi prá mim em vez de me desanimar constituiu prá mim um incentivo prá eu perseverar, não é? É um desafio. É o que constituiu um desafio. Então, eu sempre que tava trabalhando na siderurgia tava lembrando daquele fato e eu vou tentar dar o máximo de mim prá desmentir esse pessimismo, né, era uma coisa minha que eu até pouco tempo não tinha comentado com ninguém. Por exemplo, com Dr. Antônio, com quem eu tenho toda liberdade, eu nunca comentei com ele isso, a próxima vez, que tinha essa motivação, tava trabalhando e eu tinha essa motivação que eu não comentava com os outros, né? Era uma coisa íntima. P/1 – Então o senhor perseverou, concluiu seu curso na escola técnica e aí? R – Aí me chamaram prá trabalhar em Monlevade, Belgo Mineira, em Monlevade, fomos prá lá acho que sete da nossa turma. P/1 – Foram chamar na própria escola prá convidar prá trabalhar? R – Nós éramos a primeira turma de técnico, né, não existia técnico, então fui lá na Belgo Mineira, trabalhei desde março até acho 13 de outubro, março de 47 até 30 de outubro de 50. P/1 – Quantos anos o senhor entrou, o senhor tinha quando começou esse primeiro trabalho? O senhor se lembra? R – 21 anos. P/1 – 21? R – 21 anos, eu me graduei com 21 anos. P/1 – E aí, chegando lá Belgo Mineira prá realizar seu também? R – Pois é, eu tinha um trabalho de sobrevivência, eu precisava de emprego também, eu não tinha dinheiro prá entrar na escola de engenharia, né, meu pai, eu ia quebrá meu pai, ele com tantos filhos e eu estudando fora era uma despesa imensa. Qué dizê, já na escola técnica já foi muito pesado, embora fosse, não tivesse que pagar a escola, mas a despesa de manter uma pessoa fora, tá pagando pensão, era uma despesa muito pesada. Mas, então, é, ali trabalhei, trabalhei um ano e pouco na boca dos altos fornos, trabalhando no alto forno, como nós éramos técnicos, nós tínhamos que adquirir prática prá poder comandar as equipes, né? Então me botaram, fui trabalhar na boca do alto forno um, trabalhei um, um ano e um mês ou um ano e dois meses, assim, na boca do alto forno. P/1 – Foi direto, no primeiro dia de trabalho foi pro alto forno? Como é que foi o primeiro dia de trabalho? R – Bom, foi pesado e a turma, os trabalhadores gostavam de rir da gente, né, porque a gente é mais desajeitado prá pegá na ferramenta e eu muito magrinho, muito alto e muito magrinho, “você não vai agüentar”, de vez em quando vinha um “eu vou te ajudar, vou fazer pro cê, porque você não agüenta”, eu falava: “não senhor, deixa que eu faço” (risos). P/1 – Me explica o quê que é um alto forno, que eu nunca vi. R – Hein? P/1 – Me explica como é quê que é um alto forno que eu nunca vi. R – Ele já é alto forno porque ele é alto, né, você punha o minério, calcário, carvão por cima e essa carga vai descendo, o carvão vai reagir formando gás, vai tirando oxigênio do minério ele vai transformando em ferro e vai também absorvendo carbono, porque baixa o ponto de fusão no tempo e até que ele chega embaixo e já chega fundido. E aí você tira o ferro, qué dizê, a borra que é a escória, a parte leve, a gente corre por cima, antes de dá a corrida e depois cê dá a corrida prá tirá o ferro. Quando começa vir a escória, normalmente já tá no fim da, num forno velho não é assim, porque a sola vai gastando, fica baixa, então no meio da corrida começa a sair escorrendo, então você desvia a escória prá um lado e o ferro corre do outro lado e aí você tem o ferro gusa; que é a matéria-prima prá fazer o aço, vai para o forno... Na época lá nós tínhamos um processo de forno Siemens-Martin, que o americano chama Oven Has Furnished?, que era o único método que tinha prá produzir aço em massa. O aço em forno elétrico era produzido somente aço especial que é um aço mais caro, então que suportava um preço de custo muito mais alto. Então, é, aí, fiquei, trabalhei aí, depois o superintendente da usina que era o Luxemburguês... P/1 – Pode repetir por favor? R – Luxemburguês. P/1 – Luxemburguês, a maioria era? R – Era o Joseph Heinz, ele era o superintendente. P/1 – A maioria eram estrangeiros os funcionários? R – Eram, eles tavam trazendo a gente prá como tinha de fazer substituir os estrangeiros. P/1 – A mão-de-obra estrangeira. R – Porque o estrangeiro ficava muito caro, o povo técnico, e era um povo com formação muito deficiente que foi uma das razões prá sair de lá. Porque eles tinham um privilégio grande e conhecimento pouco e nós que tinha mais conhecimento não tinha as especialidades que eles tinham. P/1 – Mas eles privilegiavam então os estrangeiros? R – É porque, como o Dr. Hein, o Dr. Heinz é que me convidou depois prá ir prá construção de fornos, porque conversava comigo quando passava lá e ficou gostando de mim que eu era interessado e que talvez eu tinha conversa, então me convidou: “ah, eu quero fundar aqui uma divisão só para fazer a manutenção dos fornos, o refratário dos fornos e construção dos fornos novos”; “eu quero fazer”; “então eu quero te levar lá na seara Ciner.Marta...”, que era o foco do consumo refratário “...prá você praticá lá e vamo vê no futuro o quê que nós vamo fazê”. P/1 – Isso lá era Estados Unidos ou era... R – Não, era luxemburguês. P/1 – Ah, Luxemburgo, mesmo. R – Qué dizê, o nome é Belgo Mineira, não sei como é que é a história do capital, mas a grande empresa que existia era a luxemburguesa, que era até uma coisa que eu me considerava altamente humilhado na época, porque Luxemburgo é um país mais ou menos do tamanho do município de Barra Mansa. Aqui, a Belgo Mineira que era a única produtora em termos modernos, uma usina moderna que era a Usina de Monlevade, que produzia cem mil toneladas por ano já, e o Luxemburgo, aquele lugarzinho produzia 500, era humilhação dos diabos prá mim, “nossa Senhora, como é que nós tamo atrasados…”. Então a usina era o que de melhor existia na Europa, na época, que eles trouxeram prá cá, não é? E trouxeram por que? Porque a Belgo Mineira, como existia essa dificuldade que eles não queriam pagar nós, a tecnologia prá fazer aço, o quê que fez? O embaixador, acho que é o Rodrigues Alves, era embaixador da Bélgica e ficou muito amigo do rei lá da Bélgica, que eu não me lembro se é Leopoldo II, não lembro o nome dele, quando ele voltou pro Brasil ele foi presidente, se tornou presidente do Brasil, como ele conhecia e era amigo do rei da Bélgica, o rei da Bélgica veio aqui no Brasil e tal, então ele ajeitou com ele pra fazer uma usina siderúrgica aqui no Brasil, que aí ele conseguia contornar a pressão dos países dominantes, ou seja, Alemanha, França, Inglaterra, Estados Unidos. Quer dizer, então, como nós não tínhamos o carvão mineral, que precisava para fazer o coque, para fazer o gusa, a idéia foi fazer com carvão vegetal que o Brasil já tinha uma pequena experiência aqui. Então foi feito o contrato e eles vieram prá cá. Já existia uma pequena usina em Sabará e eles incorporaram aquela usina de Sabará pra trazer um pouco de melhora tecnológica deles e se firmar no Brasil e começaram a construir monlevade, que já era com a última tecnologia que tinha na Europa e a usina lá começaram em 37, 37 começou a operar a usina de... lá de Monlevade. P/1 – E aí esse superintendente que convidou o senhor pra ajudar a construção do outro setor, o senhor foi pra... R – É, fundar o setor de... de construção e manutenção refratária dos fornos, era a idéia dele, né? Então eu fiquei lá bastante tempo, como sempre procurando aprender o máximo, não é. Mas devido a esse tratamento e a resistência que os, não eles, eles depois que eu aprendi, eu via que ele tava na mão deles e ele queria sair da mão deles, mas eu naquela idade não dava para eu pensar isso, né? Então, fiquei aborrecido e saí, saí da belgo Mineira. Eu já tinha, sabia que eu tinha aprendido o suficiente nesse assunto que é muito delicado na siderurgia. P/1 – O senhor que pediu para sair então? R – Eu pedi prá sair. Saí e ainda falei uns desaforos pra eles, coisa e tal e depois eu vi que ele era vício, mas aí já tinha falado, né, o que os outros brasileiros falavam por baixo do pano eu falei de frente, não é, não é muito mineiro, não é? Mas mineiro, também o mineiro capiau é muito concreto, né, a gente usa poucas palavras, conhece poucas palavras e é muito concreto no expressar, não é? P/1 – Muito objetivo? R – É, não, deve ser pelo vocabulário limitado, obriga as pessoas a ser mais concretas, não tem essa dialética de embrulhá para enfeitar, pra falar, né?... Tive a oportunidade de ver a visão dos outros que enfrentaram lá atrás, não é, a dificuldade lá atrás, né? P/1 – Que construiu esse país todo, né, ajudou a... R – Pois é o contrário do que nós passamos... P/1 – De 50 prá cá o que o país mudou, né? R – Ahn? P/1 – De 50 prá o que o Brasil mudou, né? R – Não, eu digo de 30 prá cá. P/1 – De 30 prá cá, né? Seu Francisco, agora nós vamos entrar, né, na parte da Votorantim, né? R – Já tamo chegando lá. P/1 – Tamo chegando, deixa eu só... Então vamo lá. R – Então, eu saí e a minha idéia eu falei: “eu agora eu vou…”. Tinha, naquele tempo era muito difícil de se arranjar emprego pra estudar, falei: “o meu negócio agora tem que arranjar um emprego que eu possa estudar engenharia”. E visitei a minha família em Catas Altas e fui para Lafaiete pra pegar um trem para ir pra Ouro Preto. Lá eu ia conversar com o diretor da minha escola e tal prá ver se nós ajeitava alguma coisa que eu pudesse terminar engenharia. Aí, eu tava andando na rua paralela à estação esperando o trem chegar, né, você vê que é coisa do destino das pessoas, aí, e não conhecia ninguém em Lafaiete, apesar de eu ser do município, mas nós não fazíamos negócio lá, então eu conhecia Ouro Preto. Aí, resolvi ali em frente, que eu te falei que tava andando paralelo à linha, eu falei: “agora eu vou entrar nessa rua aqui, vou ver o quê que tem aqui embaixo”. Aí, nesse momento que eu cruzei a esquina eu escutei alguém gritando “Francisco, ô Francisco”, então eu falei: “puxa vida, ninguém me conhece aqui, como é que tá gritando Francisco, mas num deve ser eu”, eu falei, “mas de qualquer maneira eu vou voltar e espiá quem é”. Aí, voltei na esquina, vinha duas pessoas correndo, um preto e um loiro. O loiro eu reconheci logo, era um engenheiro croata, formado em Viena, porque na Croácia não tinha escola de engenharia que tinha trabalhado, eu tinha trabalhado com ele no alto-forno de Monlevade, e um preto. Aí, vieram correndo, eu falei: “O que quê há? Vocês por aqui?”, ele falou: “Não, nós viemos atrás de você.”, eu falei: “Atrás de mim por que?”, ele falou: “Não, é que nós estamos com problema lá no setor de refratário da seara e nós daqui ia prá Monlevade te procurá lá prá vê se você topava ir. Você sabe que tá lá o doutor Antonio de Castro Figueiroa? Não é, que ele é o diretor lá atualmente, ele mandou te chamar”, aí eu falei “Bom, então tá bom, qué dizê, em vez de vocês irem a Monlevade, eu acabei de sair de lá, vamo embora.” Então viemos prá cá. Qué dizê, se eu desencontro ali, podia ter mudado minha vida totalmente, se eu desencontro deles, eu encontrei e vim prá cá, aqui acertei... P/1 – Pra cá pro…? R – Pra Barra Mansa. P/1 – Pra Barra Mansa? R – Prá Barra Mansa, que cheguei aqui, falei com o Figueirôa, ele ficou de acordo com as minhas pretensões e tudo, mas ele falou: “Precisa, mas a contratação é o Dr. Antonio Ermírio que vai fazer”. Aí, ele vem aí tal dia, eu fiquei esperando na cidade, ele veio aí e fizemos a reunião, conversamos, ele me contratou e eu fiquei lá. Comecei a trabalhar em primeiro de novembro de 1950. P/1 – E o senhor começou a trabalhar em qual unidade? R – Ele me contratou para organizar a seção de refratário. P/1 – Especificamente pra isso? R – Especificamente, era, eu era especialista nisso, né, então ele me contratou prá fazer esse serviço. P/1 – E isso era a siderúrgica Barra Mansa? R – Siderúrgica Barra Mansa, em Barra Mansa. P/1 – Que já era do próprio grupo? R – Era da Votorantim, era da Votorantim e o Dr. Antônio era o Presidente, já era o Presidente, o pai dele pôs ele na Presidência da Companhia. P/1 – O senhor já tinha ouvido falar em Votorantim? R – Votorantim sim, porque já tinha o cimento, já tinha o cimento Votoran naquela época, mas que a siderúrgica lá de Barra Mansa pertencia, nem sei se eu sabia que ela existia, eu sabia da Bárbara, que é de lá também, que é por causa dos tubos Bárbara, mas a Barra Mansa eu não tenho certeza se eu sabia que existia... Não, eu sabia na época, porque o Dr. Figueirôa, que era o engenheiro de grande prestígio lá na Belgo Mineira, em Sabará, na usina antiga de Sabará, ele tinha feito o nome dele lá seara, ele reformulou a seara toda, modernizou os fornos, quer dizer, era uma figura altamente respeitada pelos gringos, Dr. Antonio de Castro Figueirôa. E ele, antes dessa época que ele me contratou, ele já tava lá na Siderúrgica Barra Mansa, eu sabia que ele tava lá, então, aí, eu sabia por isso, ele estava lá e era o diretor industrial na época que eu fui prá lá. P/1 – E de Votorantim o senhor já conhecia do cimento, né? R – Do cimento, agora, eu não tenho certeza se eu sabia que a usina que o Dr. Figueirôa tava administrando na época era da votorantim, isso eu não tenho certeza se eu já sabia. Aí, iniciei os meus trabalhos ali, na Belgo Mineira, na Siderúrgica Barra Mansa com o Dr. Figueirôa e vi os trabalhos, vi que era um trabalho que eu poderia fazer muito bem, embora muito duro, não é? E o que eu já tinha sido mais duro pro Dr. Figueirôa. O Dr. Figueirôa quando foi prá lá, foi para modernizar a seara de lá, da Usina e a turma me contava a respeito, lá o próprio primo Horácio me falava: “pois é, eu quando entrei aqui na Barra Mansa, o Dr. Figueirôa ainda era chefe da searia…”, ele me contando, “...mas a gente ia lá na seara e o operário mais sujo que tinha lá era o Dr. Figueirôa” (risos). Ele trabalhava lá naquele lugar quando dava qualquer problema, ele ia, pegava, trabalhava como operário, né? Depois eles, na época que o Dr. Figueirôa tava lá, o diretor era, tomar liberdade, ele então foi tomar liberdade. Depois eu não sei se o Dr. Antonio ou o pai dele, aí eu não sei muito bem, dispensou o, na verdade promoveu o Dr. Figueirôa a Diretor Industrial, então quando eu entrei ele já era Diretor Industrial. P/1 – E aí o senhor entrou como, era um cargo de chefia já prá organizar os refratários? R – Cargo de chefia, eu tinha 26 anos, na época. P/1 – Como é que o senhor fala, os refratários, os fornos? R – É, refratários, são os tijolos que você faz a parede para o aço, o gusa ou a escória,para não comer o revestimento externo de aço e vazá, né, então o refratário é básico para a siderurgia e naquele tempo existia muita dificuldade com pedreiros para assentar os tijolos, porque normalmente era adaptação de pedreiro da construção civil para refratário que é uma coisa muito difícil de adaptação, porque a construção civil usa massa para assentar o tijolo e no refratário massa é proibido. Então é uma mudança que para eles fica difícil trabalhar. P/1 – E como é que faz pra rejuntar então? R – Normalmente você usa um caldo ralo com determinados tipos de refratários, um caldo bem ralinho que você põe e depois põe o tijolo ali, depois aquele caldo ralo outra vez em cima e penetra se ficou alguma junta, porque o ideal é que fosse tudo seco, tivesse lá, então é um problema difícil ali e eu quando entrei eu sabia da dificuldade. O visitante da seara, o mestre geral era da Belgo Mineira que o Dr. Figueiroa tinha trazido para chefiar a seara, depois que ele foi promovido a Diretor. Então ele virou: “Pois é Francisco, tô satisfeito que você veio prá cá ajudá aqui, porque o maior problema que a gente tem aqui é que nós carregamos o forno prá fazer a corrida e nós nunca sabemos por onde ela vai sair”. Quer dizê, ele quer ter o canal de corrida pra você dá a corrida, né, mas em vez de esperar ele vazava noutro lugar. P/1 – Nossa! R – A corrida fervia, o pneu corria, então ele falou: “Você vai ter que se virá aí prá eles pará de, nós tê certeza que a corrida vai sair sempre pelo canal de corrida.”, eu falei: “Tá bom, pode deixar comigo que eu vou fazer o máximo, aí, prá que vocês fiquem tranqüilos nesse aspecto.”. E aí, comecei do zero com a turma, né? Pegava junto com os caras, serviço difícil, remendo quente eu pegava na frente, que o sujeito falava: “Não, tem que parar o forno”; “Não vai pará forno coisa nenhuma, vai tirar o fogo do forno, nós vamo subi em cima, fazê o remendo e programá a parada prá frente”, falava: “Ah, mas isso é impossível!”; “Não é impossível, não, você vai subir comigo, né”. P/1 – E o senhor lá na linha de frente? R – “É, você vai subir comigo, né”, e aí o sujeito não podia negar... P/1 – O chefe subindo lá junto, né? R – É, junto, qué dizê que então foi nesse pé. A turma de refratário, no pessoal do depósito, todo desorganizado, material misturado, cunhas, fazê uma abóbada, a gente faz por combinação de cunhas, você não faz com uma cunha só, você põe cunha um, cunha dois, e vai virando o arco. Lá na pilha tava tudo junto, de maneira que quando tava na hora de fazer a reparação do forno você não tinha guia, se tinha material? Não tinha. Quer dizê, eu tive que reorganizar um barracão inteiro. Peguei o apontador lá que apontava hora dos outros, que é um rapaz inteligente e muito trabalhador e pus ele como almoxarife, vamo fazer junto e a hora vaga ia lá junto com ele pedir, reformulei, organizei tudo, transferi o almoxarifado que era, tava no geral, que a turma dava entrada e saída sem ele vê, quer dizer... o almoxarife não acompanhava, porque não entendia, né? Ficava na discrição do pessoal, o pessoal não tinha treinamento básico então era um Deus nos acuda! P/1 – E esse galpão era um galpão grande, como é que era esse galpão? R – Era um galpão grande, era um galpão grande. P/1 – Como é que era a própria siderúrgica quando o senhor chegou lá? R – Bom, era uma siderúrgica normal, uma siderúrgica, se você entrasse lá, era uma siderúrgica... P/1 – De porte médio comparada com a Belgo Mineira? R – Era menor, muito menor do que a Belgo Mineira, ela devia tá produzindo o quê? Umas 15 mil toneladas por ano, a Belgo Mineira já produzia cem mil. Ela era uma usina mais sem recursos, o mais simples possível e a Belgo Mineira era no nível prá aços longos, não é chapa, aços longos era o que de mais moderno tinha na Europa, desde que então a idéia do Dr. José Ermírio de Moraes, qué dizê, o pai do Dr. Antônio era botá a Barra Mansa no nível da Belgo Mineira, então, por isso ele foi procurar o Dr. Antonio de Castro Figueirôa e trouxe prá cá. Iniciou esse trabalho e pegou a fase mais pesada da Barra Mansa foi ele, aí eu trabalhei com ele, aí nessa fase ele projetou os fornos que eram muito antigos, os fornos Siemens-Martin, ele projetou os fornos e nós íamos fazer quatro e eu tive a oportunidade de detalhar a parte refratária dos fornos e fazer o primeiro; quer dizer... quando eu fui pros Estados Unidos o primeiro já tava funcionando e a equipe treinada que fez o trabalho que fez o primeiro continuou lá e fizeram, quando eu voltei dos Estados Unidos já tinha os quatro funcionando. P/1 – Tudo treinado pelo senhor? R – Bom, a turma de refratário foi, não é? Tive experiências interessantes, né, eu rapazinho de 20 anos mandando em homem de 40, 50 anos, pra eles não era muito certo, né, então um dia eu chamei a atenção de um pedreiro preto, não é, porque ele tava fazendo serviço errado, eu fiz ele desmanchar e fiquei perto até ele fazê certo, então ele ficou muito bravo, engoliu, aí, quando ele acabou de fazer aquela fiada, eu falei: “Agora você faz o resto e bom”. Aí, ele levantou, ele olhou pra mim: “Pois é, o senhor não gosta de preto?”. Eu falei, “Mas quem falou pro senhor que eu não gosto de preto?”, ele falou: “É visível, aí, todo mundo sabe”, eu falei: “Ô meu filho, não tem desse problema que eu não gosto de preto, prá mim tanto preto ou branco o método é igual, quando as pessoas têm comportamento igual, agora, se o senhor não gosta de ser preto o problema não é meu, né?”, pronto, fechou e pediu a conta, pediu a conta, não ficou mais lá, ficou tão envergonhado que ele pediu conta e foi embora. P/1 – E de qualquer forma, mesmo o senhor sendo mocinho o senhor foi se fazendo respeitar, então? R – Respeitar pelo trabalho, nada de comando sem, sem autoridade, né, sempre pensando que... existe três tipos de chefe, o chefe autoritário que não tem autoridade, o chefe autoritário que tem autoridade, e o chefe não autoritário e que tem autoridade, eu sempre procurei ser esse terceiro chefe, entendeu? Já ouviu falá isso, não? P/1 – Mais ou menos, mas é muito bom. Senhor Francisco e aí como é que foram as outras funções, como é que foi a sua trajetória então lá na siderúrgica? R – Então, lá nós, aí, então eu fechei essa parte, veio no meu 1953, no primeiro semestre, eu recebi um convite para ir aproveitar uma bolsa que a Colorado School of Mines dos Estados Unidos tinha oferecido ao governo brasileiro e essa pessoa que eu não consigo lembrar o nome que era o guru do... P/1 – Darci? R – Darci Ribeiro, mandou essa bolsa para o diretor da minha escola pra ele indicar algum candidato. Eu vim a saber depois que a razão que ele fez isso é que o pessoal das escolas técnicas do país de outro lugar dava muito trabalho pra ele, porque fazia muita greve e como Ouro Preto não fazia greve (risos) ele mandou a bolsa prá lá e aí o diretor lembrou ainda de mim que eu já tava há sete anos fora da escola, fez o convite a mim e eu era solteiro e aí eu aceitei. P/1 – E o senhor foi então prá... R – É, eu aceitei o compromisso e nas negociações aqui no, eu tinha, uma das coisas é que você tinha que ser fluente em inglês. Eu só tinha estudado dois anos no ginásio e três anos em escola técnica, mas trabalhando na Belgo Mineira eu estudava no livro que os engenheiros estudavam e as revistas técnicas que o Dr. Heinz sempre mandava prá mim eu lia, quer dizer... eu lia em inglês, mas não tinha prática de conversação, muita prática, tinha pouca, aí tive que fazer o exame, fiz o exame aqui no... no Instituto Brasil Estados Unidos e a moça que me examinou falou “Você tá com dificuldade ainda principalmente de entender, eu acho que você não vai agüentar acompanhar o curso lá. De maneira que eu te aconselho o seguinte, você deve arranjar uma professora de conversação que seja fluente e você toma aula com ela todo dia, conversando com ela prá você melhorar. E você, no segundo semestre você vai”, falei: “Tá bom”, aí voltei, cheguei em Barra Mansa, arranjei a secretária do Diretor Industrial da CSN que era fluente em inglês, fui lá conversar com ela, ela aceitou, então eu ia todo dia lá bater papo com ela, depois, seis meses depois eu vim outra vez, fiz o exame, achei que eu não tava muito bom, mas a professora achou que dava, me aprovou, aí, eu pude, fui prá lá. E eles me, a bolsa era um ano só. P/1 – Qual era a universidade? R – Colorado School of Mines, que eu vim depois a saber que era a escola do Dr. José Ermírio e do Dr. Antônio e do Dr. José também. Eles tinham (inaudível) o que foi senador depois do Dr. José Ermírio formou lá, não é, isso foi uma coincidência também, né? P/1 – E o senhor foi pro curso de engenharia metalúrgica? R – Curso de Engenharia Metalúrgica, o Dr. Antônio quis até, eu falei não, vou mudar, você já mexe com refratário, eu arranjo prá você ir prá uma universidade de cerâmica que você estuda. Eu falei “Não, mas eu prefiro ficar com metalurgia, que já é o meu curso técnico, é mais amplo, então eu prefiro ficar na siderurgia.” Então eles me falaram “Olha, você tem garantido prá ir prá lá um ano, se a sua firma quiser associar conosco, aí você já tem dois anos, não é?”, aí eu falei com o doutor Antonio, ele falou: “Não, batuta, eu entro com a metade”, era dois mil dólares por ano, quer dizer, eu entro com mil, você então já tá garantido. Então eu fui prá lá, assinei aqui um contrato, as condições da bolsa era que eu tinha que ficar nos primeiros 20% da turma, da turma de lá, eu falei: “Ah, então isso é fácil pra mim, eu nunca enxerguei o segundo aqui, lá vou ter que ficar no 20%? Não devo ter dificuldade”. Assinei tranqüilo e fui prá lá. Cheguei lá na hora de registrar, eu vou contar, se você quiser eu conto, que é engraçado, então lá não é como aqui, que aqui na escola você completava um ano, se você passou, a escola tomava conta, registrava no ano seguinte, lá não, não era assim. Tá lá os manuais dos cursos que tem que tá, fomos lá prá preencher, você vai escolher as matérias pra poder registrar prevendo o semestre seguinte, você podia matricular numa matéria que não é exigida a você e deixar pra trás uma matéria que você precisava pra registra no ano seguinte. Então tinha uma birra de formulário danada mesmo em português, agora eu vou encher em inglês, aí fiquei ali, olhando, como é que eu vou fazer, aí, apontava um cara mais moreno lá, falei, puxa ali vem um brasileiro, aí quando o sujeito passava perto de mim, eu falava com ele, não entendia nada, era hindu. Então isso, diante dos estudantes que é umas figuras que tem lá uma pessoa que ia dar assistência aos estudantes, figura muito simpática, Dean... ele veio e falou: “eu vejo que você tá aí com dificuldade, o quê que você tá precisando?”, eu falei: “Bom, eu tô aqui prá escolher as matérias e não tô sabendo o quê que eu vou fazer”, me apresentei a ele, eu sou bolsista do Brasil e coisa e tal, ele falou: “Então vou te ajudar”; então ficou ali comigo, escolhendo as matérias e tal e me contando como é que era e aí eu lá pelas tantas ele olhou prá mim e falou: “Francisco, se sabe que se eu fosse você eu não matriculava”, eu falei: “Não matriculava por que?”, ele falou: “Não, porque você ainda não tá com a fluência necessária em inglês prá acompanhar a turma aí”... É, falei: “puxa vida, mas eu não posso, eu tenho que matricular”, ele falou “mas se você perde uma matéria aí, você vai perder a bolsa”, eu falei: “Bom, mas se eu não me matricular eu vou perder lá no Brasil, então não tem saída, eu tenho que matricular”, aí ele falou: “Então eu vou te ajudar a escolher a matéria…” e falou “olha, o mínimo pra você manter a bolsa é com 14 horas/semestre”, aí escolheu as matérias, “você precisa disso, precisa disso o semestre você fecha você precisa prá matricular e tal”, falei: “tá bem, mas a turma… quanto à turma pega aí?”. Tinha um lá, aquele ali eu acabei de conversar com ele, ele tava matriculando em 22, aí eu vou só com 14? Ele falou: “Não, mas você tem problema Francisco, 14 tá muito bom prá você”, eu falei: “Olha, mas eu sou muito estudioso, viu, eu vou recuperar e não tem problema, eu posso me matricular mais”, ele falou “Não matricule, você fica com essas aí”. Aí eu pensei bem, assim, falei: “Bom, eu vou ficar, seguir seu conselho, mas como o senhor disse que eu tô fraco em inglês, eu vou matricular na cadeira de inglês que tem que são três horas, aí eu pego 17”. Que ele tinha me falado: “Ô Francisco, você pode matricular uma outra matéria a mais e você tem um mês pra decidir e depois se você vê que você não agüenta, você desiste daquela matéria, então você vai ganhar, porque se você ganhar, se você perder a matéria, você automaticamente perde a bolsa, aqui toda a nossa turma da escola, o nosso regime é o seguinte, você diz que é muito estudioso, aqui todo muito é muito estudioso e outra coisa 50% da turma que você vai competir aqui são primeiros alunos das nossas High School”, essa eu não esperava, mas então matriculei e antes de completar um mês eu joguei o inglês fora, fiquei só com as outras que eu precisava. P/1 – E pegou rapidinho? R – Hein? P/1 – E pegou o inglês rapidinho? R – Não, não é que eu peguei rapidinho, mas eu continuei desenvolvendo o meu inglês e fazendo o curso. É claro que eu melhorei, mas a gente não percebe quanto a gente melhorou, é uma coisa que a gente tá ali, o outro falou, e tal, a gente entende com maior dificuldade, mas fui bem. Aí quando terminou o semestre, uma semana depois eu recebi uma cartinha da Usina lá, da empresa, me cumprimentando que eu tava na lista de ouro. P/1 – Beleza. R – Prá mim foi batuta, né? Eu fiquei satisfeito, já no semestre seguinte eu já pude pegar mais matéria, né, que eu já tava mais fluente em inglês e depois, por isso que eu falei com você que eu cheguei lá no segundo semestre, eu fiquei um semestre atrasado da minha turma, não é? Eu falei: “agora vou aplicar aqui o que a escola facilitar pra você recuperar, porque no verão tem três meses parado de férias e ali eles dão curso de verão”. Então, o quê que eu fazia? Todo verão eu matriculava numa matéria que tinha um número de horas adequado pra completar no verão e tirava aquela matéria, então, cada verão eu tirava duas matérias, o que já, o que não fosse o verão que já tinha matéria de verão que eu não, essa eu não podia aproveitar, não tinha, eu tirava duas matérias e assim fui pegando com a minha turma, quer dizer, quando ela graduou, eu graduei junto, quer dizer, três anos e sete meses eu completei o curso e graduei e o Dean veio cobrar: “É Francisco, você conseguiu!!”, eu falei “Tá bom”, né? P/1 – E seu Francisco também, no retorno pro Brasil essa qualificação, né, feita fora, o quê que mudou no seu, na sua carreira? R – Não mudou porque eu não saí da Barra Mansa. P/1 – Mas teve um up grade? R – Eu não saí, eu pedi licença não remunerada prá... P/1 – Para fazer a bolsa? R – Aproveitar a bolsa, que eu fui lá um ano só, depois saí dois, porque como eu estudava na siderurgia e metalurgia no livro dos engenheiros eu sentia falta de cálculo integral, geometria analítica etc, matemática, a matemática superior. Eu falei, eu cursando o primeiro ano: “eu quando voltar eu já posso ler qualquer livro dos engenheiros”, que era a minha idéia, mas como me foi possível que eu me saí bem, eles reformaram a bolsa, o Dr. Antônio também reformava, ele, o Ministério ia ficar pra trás, então reformou e eu fiquei, completei o curso, ainda fiz alguns cursos de pós-graduação ainda que eu pude fazê. Eu gostava de matemática, então ainda fiz alguns cursos de matemática que amanhã se eu quisesse fazer pós-graduação eu já tava adiantado, né? P/1 – Que beleza! R – Aí voltei prá Barra Mansa. P/1 – O senhor voltou em que ano? R – Eu voltei em outubro de 1957, eu graduei em maio de 57, mas fiquei lá fazendo vários cursos na própria faculdade School of Mines, curso de verão e na Universidade do Colorado, fiz mais uns três cursos antes de viajar prá cá. P/1 – Mas o senhor mudou a sua função quando o senhor voltou em relação aos refratários, foi pra outro setor? R – Mudou, porque o dr. Antônio, quando voltou, a primeira proposta que ele me fez, ele me falou: “Francisco, agora você fica comigo aqui em São Paulo”, eu falei: “Doutor, eu prefiro ir para a usina, eu prefiro ir pra usina porque eu sei que a usina tem muita deficiência ainda que eu tô observando e que ara eu consertar eu tenho que tá junto, quer dizer, daqui de São Paulo fica difícil”. E então, ele concordou e eu então fui para Barra Mansa. Mas contando ainda de lá dos Estados Unidos, teve dois fatos muito importantes da minha vida, foi o seguinte: é que lá existia um grande preconceito contra latino-americano, né, o americano, o povo em geral, dizia que latino-americano era embrulhão e o americano não gosta de gente embrulhão, né? Então, eu já fui recebido mais ou menos desta maneira e eu usava bigode, então a mulher que eu morava na casa dela lá, pagava quarto na casa dela, que foi a minha mãe americana, virou a minha mãe americana, falava: “Francisco, você raspa esse bigode”, eu falei: “Mas por que Miss?”; “Você raspa esse bigode prá não ficar parecendo patchuco”, eu falei: “Mas o quê que é patchuco?”. Patchuco era os imigrantes ilegais mexicanos que tinha muito em Denver, né? Que eles traziam eles para trabalhar na agricultura com os fazendeiros e depois, por economia, não pagava a volta deles, então eles ficavam lá, eram os patchuco, né?”. E eu era para não parecer patchuco, ainda virou assim: “E você não precisa falar que você é brasileiro, não, você parece alemão, cê fala que você é alemão”, eu falei: “Ó, se for depender disso de eu negar o meu país eu vou ficar aqui sem falar com ninguém, mas vou ficar, porque eu vim para estudar, mas não quero conversa com ninguém.” (risos). É um fato que eu achei interessante e o outro é no final nós formamos 147, desses 147 casaram-se dois americanos, um boliviano e eu, que eu casei lá também e o americano me convidou para ser padrinho de casamento dele, isso eu achei foi a maior coisa que podia acontecer, um americano convidar um brasileiro para ser padrinho de casamento, né, quer dizer, o inglês, padrinho de casamento lá significa muito mais do que o padrinho de casamento aqui, né, que ele era pelo próprio nome, o padrinho de casamento é “the best man”. P/1 – É verdade. R – Então, eu ir lá... P/1 – Mas o senhor casou também lá? R – Nesse casamento que eu fui o padrinho de casamento eu era o segundo homem mais importante da festa. P/1 – Que beleza! R – Né? E lá eu encontrei minha mulher. P/1 – Americana? Como é que é o nome da sua mulher? R – Belga, imigrante americana belga. P/1 – Qual é o nome dela? R – Suzanne, e casei com a Suzanne. P/1 – Lá ainda? R – É casei lá, quer dizer, você vê como é que são as coincidências, né? P/1 – E o senhor tem filhos, quantos filhos? R – Tenho uma filha. P/1 – Uma filha? R – Uma filha. P/1 – Mas já nasceu depois aqui no Brasil? R – Aqui no Brasil. P/1 – E qual é a atividade da sua esposa? R – Ela é secretária. Ela trabalhava lá e eu estudava, quer dizer, que não piorou a vida do casal, né, eu tinha uma pequena bolsa, 200 dólares por mês, naquele tempo e ela acho que ganhava 600 ou 800 dólares, então tava tranqüilo. P/1 – E ela quis vir pro Brasil? R – Bom, eu falei com ela, falei: “Ó minha filha, você vai casar comigo, mas eu não posso te garantir nada, que eu posso chegar no Brasil e ter que ir pra Manaus, né, Amazonas, e vou tê que ir, você quer? você topa?”; “Ah, topo, vou pra qualquer lugar!”. E resolveu casar comigo de qualquer jeito, mas eu já falei o pior lugar pra mim que eu pude pensar era Manaus, pelo calor que faz lá, né, então ela topa, “mas você sabe o quê que é Manaus? Manaus a gente muda de passeio pra andar na sombra do outro lado de tanto calor que faz”. P/1 – Seu Francisco, mas aí me conta também dessa sua volta, é muita novidade, né, com um curso novo, com a esposa, como é que foi também esse retorno? R – Bom, a primeira coisa que eu vou falar é que depois de passar cinco anos, né, nos Estados Unidos vivendo no meio de gente branca, quer dizer, que eu era o moreno, né, eu, eu, lá eu era moreno, né, tanto que quando falou comigo, falou: “Você é o alemão da floresta do, da, como é, floresta negra, né?”. O pessoal lá é mais escuro, então o pessoal matuto, claro. O camarada praticamente não tem, tudo gente escroque, como tem Nova Iorque, tem Washington, tem demais, mas lá não pode, então eu fiquei isolado ali, vou vivendo, então, uma coisa quando eu andava no meio do povo de Barra Mansa, eu falei: “mas puxa vida, parece que o pessoal tá sujo, né, a cor”, né, achei, uma observação que eu fiz, que depois a gente vai se comparar com o americano, né, a turma toda do físico bom, né, o pessoal forte e aqui a gente raquítica, foi por isso que eu falei que o estrangeiro quando chega aqui deve olhá do jeito que eu vi, né, lá, lá em Barra Mansa, que Barra Mansa é uma cidade predominantemente de preto, né, porque é serviço pesado, é siderurgia, né, e tem de tudo quanto é cor, não é igual aqui no Rio, que você vai aí no centro da cidade o pessoal é predominantemente branco. R – Mas outras coisas que, é, que eu, é, vindo prá cá, para minha mulher foi muito difícil... P/1 – Então o senhor me conta agora... R – Foi muito difícil... P/2 – Deixa eu só interromper um minutinho, se o senhor puder contar um pouquinho a questão da fabricação do aço, que isso a gente não tem, tem muito pouco encontrado. R – Nós vamos... então veio prá mim a minha mulher, ela teve bastante dificuldade, e até hoje ela menciona, ela fala que eu cheguei, ajeitei a casa pra ela morar, pra nós morar, que a companhia deu, e eu sumi dentro da fábrica e deixei ela sem falar português (risos), prá ela se virar, né? Então, como é que ela fez prá se virar, né? A casa, diz ela, tinha, tava fechada há muito tempo, tinha uma polegada de poeira geral, que ela teve que limpar, não é, e conta o caso mais gozado, quando a pessoa que veio da fábrica pra ajudar trouxe um espanador, então quando ele chegou com o espanador e começou a querer abanar a poeira... “Pára, pára, pára!”, aí fui, mostrou, ele tem a caixa aí, ele abriu a caixa, tinha o aspirador de pó, né? (risos). Aí ele tirou, e tal, ela botou pra ele, por sinal o quê que tinha que fazer, quando ligou que ele botou lá na poeira o aspirador, que o aspirador engoliu a poeira, “quê!???” (risos) Que a extensão dele é que ficou... P/1 – ... maravilhado... R – ... (risos) precisava ver, do aspirador de poeira, e era o estágio que tinha na época, lá, né, talvez na vila foi o primeiro aspirador de pó que chegou lá, entendeu, uma das coisas, né... P/1 – E a sua esposa trabalhava, ela tentou trabalhar aqui, como é que foi? R – Não, ela não trabalhou não, ela vai trabalhar tomando conta de mim, e também não tinha um trabalho adequado pra ela; que ela como belga não teve muita dificuldade pra aprender português, porque ela já falava quatro línguas, quer dizer, o belga aprende na escola a falar quatro línguas. P/1 – O flamengo... R – ... flamengo... P/1 – ... o francês... R – ... francês, alemão, e o quê?, e inglês. Aprende na escola. Quer dizer que, então, prá ela aprender português, é... e ela até hoje reclama de mim: “De você eu aprendi muito pouco!” Não é, porque é a língua oficial em casa é o inglês, né, que ela gosta, que ela, ela, apesar de ser belga, ela é neta de… como é que chama? Escocês. A vó dela era escocesa, né, então ela tem uma ligação muito grande com, com a Inglaterra. P/1 – Mas aí, senhor Francisco, o senhor então disse que você assumiu na fábrica, como é que foi a sua volta, então? R – É, foi, é... P/1 – O senhor foi pra mesma função, como é que foi? R – Não, eu fui, eu já falei que o doutor Antônio, é, queria que eu ficasse com ele em São Paulo, e eu disse, pelo que eu tinha visto da fábrica, a fábrica precisava melhorar muito, ele até comentou prá mim: “Francisco, a fábrica agora tá dando lucro, cê pode ficar aqui comigo”, eu falei “Não, doutor, mas dá, dá prá melhorar muito fácil, mas eu tenho que tá lá”. P/1 – Com tudo que o senhor tinha aprendido, o senhor já tava querendo também... R – Aprendido, e a prática que eu já tinha antes, de viver dentro duma siderúrgica, quando eu fui prá lá, já tava com sete anos dentro de siderúrgica, então, eu já era, com aquela prática, capaz de avaliar, fora, o que eu aprendi de teoria, hã? P/1 – Uhum. R – Não é, então, ele falou, ele falou: “Cê vai, vai ficar como assistente da diretoria”, não é, quer dizer, era assistente dele, do diretor, lá, né, mas infelizmente não deu muito certo, porque o diretor era muito ignorante, muito malcriado, chegou um ponto que eu falei: “Doutor, num dá mais prá eu ficar aqui. O senhor vai ter que decidir: ou ele, ou eu”. Aí ele decidiu que eu ficava, levou o rapaz, era boa pessoa, mas era muito ignorante, muito malcriado... P/1 – Muito o quê? R – Malcriado! Ignorante e malcriado. Quer dizer, que ele, ele era chefe do almoxarifado lá na CBA, de gente de confiança, e o doutor Antônio, quando saiu diretor industrial lá, que, por greve, que a turma se revoltou quanto a ele ter, exigiu a saída dele, da pessoa que substituiu o doutor Figueirôa, que o doutor Antônio levou o doutor Figueirôa pra CBA e trouxe ele de lá prá cá, e aí foi um pandemônio durante o tempo que ele teve lá. Aí ele teve que sair e o doutor Antônio trouxe essa pessoa que era da confiança dele, mas que era uma pessoa sem nenhum treino industrial de siderurgia, era um tomador de conta, né, mas... e num deu certo, porque poderia ter dado até certo, porque eu podia ajudá-lo, mas num dava prá ajudar, porque a pessoa que num sabe, num sabe, e num sabe (risos), então é um problema sério. E muito malcriado... O tipo... a senhora imagina que ele andava com um revólver dentro da cintura, apontando no bolso... P/1 – Imagino. R – Era o meu antecessor, quer dizer, o nível que tava de relacionamento com o pessoal tava no ponto de explosão quando eu assumi. P/1 – E os empregados, nessa época, o senhor tá falando, lá tinha esse rapaz que era o diretor, então como eram os empregados, também, nessa época da siderúrgica? Tinham muito pouca qualificação, como é que era? R – Não, o pessoal era da qualificação normal de gente treinado na fábrica, é gente de fábrica, né, gente que você pode pegar e ajudá-lo a ele melhorar, né? É gente de pouca instrução, mas o tipo de serviço que era naquele tempo – tinha muito trabalho manual, e o trabalho manual não precisa você ter muita instrução, você precisa ter vontade de aprender e, é, e ter quem ensina. Se tem quem ensina, a pessoa aprende, aumenta a auto-estima dele, ele fica muito mais dedicado e faz o trabalho, não tem problema. Não é como hoje. Hoje, informatizou quase tudo, num dá mais prá cê usar esse tipo, mas naquele tempo na Belgo Mineira ou, na Barra Mansa, o tipo de gente era mais ou menos o mesmo, não é? Era gente que vinha na roça, você treinava ele lá e mostrava como é que fazia o serviço, como é que melhorava. É evidente que exigia muito da gente, né, mas também em um ano mais ou menos ficava muito bom, né? P/1 – O senhor treinou. Era normal, assim, as pessoas se dedicarem também como o senhor, pegar e treinar? O senhor foi até prá linha de frente... R – Não, isso é uma coisa da minha personalidade, né? Eu nunca gostei de dar chance para o meu subordinado me embrulhar. É do meu... da minha personalidade. Então eu sempre procurei aprender o máximo do serviço deles, não é? Eu num posso aprender tudo, ser tão bom quanto ele, mas eu posso sobreviver sem ele, não é? Então vamos conversar. Então, é da minha... Nessa coisa o doutor Antônio é mais ou menos igual a mim. Quer dizer, ele tem uma outra experiência, começou num outro local, quer dizer, já de família rica, e eu comecei de família pobre, mas o modo dele é mais ou menos igual a mim. Quer dizer que ele sempre procurava aprender. Ele já tinha aquele caderno dele, ele fazia uma sessão comigo, anotava tudo, e daí ele ia falar com o outro, anotava tudo, depois ele voltava... mas anotava bem anotado (RISO). Então ele fazia questão de aprender o máximo, entendeu? É uma coisa dele, também. P/1 – E era uma coisa sua, também. R – É, quer dizer, e pessoas de experiência diferente, não é? P/1 – Então, a sua direção foi quando... o senhor assumiu a direção quando esse rapaz saiu? R – É, eu assumi a diretoria industrial. P/1 – A diretoria industrial? R – É, e aí fiquei lá até 96, junho de 96. Eu entrei dia primeiro de setembro de 58 e saí dia 30 de junho de 96. Fiquei praticamente 38 anos como diretor industrial. P/1 – E aí, me conta, então, é, logo que o senhor entrou o senhor era muito novo também. Quais foram as primeiras medidas, assim, como diretor já? Quê que o senhor sentiu quando foi nomeado diretor também? R – Não, eu fui procurar corrigir as coisas que eu já sabia que tava errado, tá vendo? Aqui e ali, em todos os locais, melhorar a produtividade, a produção, a qualidade. Aquilo que eu não sabia eu pegava ajuda prá aprender e fui tocando o barco desse jeito, quer dizer, como, é, com o mesmo pessoal que está lá, não é? Com o mesmo pessoal que ta lá. Fizemos as várias modernizações que nós comprava o equipamento e o pessoal queria dar assistência para colocar em marcha, dar partida daquele equipamento. Então nós, a primeira coisa de melhoramento grande que nós fizemos foi o sistema de fazer o lingote: depois de pronto o aço no forno, nós tínhamos um sistema antigo de fazer lingotes pequenos, mais ou menos assim um lingote 15 por 15, era muito difícil. Era o lugar aonde o doutor Figueirôa sujava todo, era justamente nesse setor, que era a grande deficiência da seara, ter que fazer o lingote pequeno. Então nós fizemos o laminador duo-reversível, chama-se trem bruminem, instalamos, que permitia a gente fazer um lingote grande, que era muito mais fácil, aliviava aquela área de feitura do lingote e permitia aumentar a produtividade da seara muito. E nós fizemos isso, e na época de fazer eu já tinha experiência, eu procurei sempre usar o mínimo de estrangeiro. Quando chegava naquele ponto que nós sabia como funcionava as peças e o estrangeiro começava a ratear, bora! Nós acabávamos de colocar em marcha, tá? Nós mesmo... Quando a gente sentia que ele não sabia mais do que a gente, e ainda ficava criando problema e não querendo aceitar a sugestão... a gente dava a sugestão que ia resolver o problema e ele não aceitava! Ele é que era responsável prá colocar em marcha... ou eles, o grupo deles... P/1 – Esse grupo que vinha... R – Então só tinha que mandar ele embora, prá poder a gente assumir. P/1 – Deixa só eu entender, era esse grupo que vinha montar o equipamento novo? R – É, e vinha ajudar a colocar em marcha. Porque o equipamento era desconhecido prá nós, o funcionamento, aquela... Então sempre nós tivemos dificuldade com essas equipes. O doutor Antônio sofreu o diabo no tempo do doutor Figueirôa, quando modernizou o laminador, foi um Deus nos acuda. Ficou anos lutando prá o laminador ter uma operação tranqüila. Então nós fizemos isso. Eu arranjei gente brasileiro daqui também, que era conhecido pessoal meu, pra ajudar a trabalhar, que o estrangeiro... fora! Vá embora! Aí colocamos, houve uma grande melhora da operação da seara Siemens-Martin, depois surgiu o processo novo de fazer aço, que era... P/1 – Antes de o senhor me contar do processo novo, até então qual era a produção da siderúrgica? O senhor tava falando aqui do lingote pequeno que vocês conseguiram ampliar, me fala um pouco então da produção do aço, quando o senhor chegou lá... R – Quando eu cheguei lá, que tá, esse dado está já aí no meu currículum vitae, a produção anual era 45 mil tonelada por ano. Quando eu entreguei, com equipamento já tudo modernizado, quer dizer, a serra elétrica, só tinha uma serra elétrica, a própria seria a oxigênio, nós paramos a seara e continuamos só com a serra elétrica, modernizamos o laminador – o laminador que tinha uma velocidade de acabamento em torno de dez metros por segundo, passamos prá 72 metros por segundo, que a gente foi, a última palavra em laminador de aço longo, né? Colocamos também marcha, mas e contando lá do... do, da nova que nós fizemos e depois ficamos trabalhando com as duas, esse trem brumen, ele pegava o lingote grande e produzia um lingote mais ou menos do mesmo tamanho daquele que fundia direto antigamente. Com isso, então, permitiu um grande aumento da produção da seara. Era a técnica que existia até aquela época. Depois, veio a técnica nova que era de fazer a fundição direta do aço no, da fundição contínua, o chamado “fundição contínua”. Então quando nós fizemos essa nova, à oxigênio, converter do ar oxigênio, que é um processo beleza de se trabalhar, quer dizer, para as pessoas é um trabalho relativamente leve comparado com a Siemens-Martin, nós já entramos com fundição contínua, que era a técnica mais moderna da época. P/1 – Como é que funciona essa fundição contínua? R – Pois é, nós, colocava o aço, feito à corrido, vinha com a caçamba, colocava em cima a bica distribuidora, e daí vazava da zigoteira e o aço saía continuamente até acabar. Já saía prontinho prá ir alimentar o laminador. Péra aí, então fizemos essa, foi muito bom, deu trabalho pra colocar embaixo e nessa aí ficamos lutando seis meses, que nós compramos, que eles chama de chave na porta, ou turning key project. Quer dizer, eles prometeram montar e nos entregar funcionando. Então, durante seis meses nós ficamos no pré-operacional, quer dizer, não conseguíamos ficar operacional, porque o pessoal não, esse convertedor nosso era o menor, talvez, do mundo, porque eles tavam se acostumado a trabalhar com convertedor maior, então o convertedor menor tinha dificuldade com o aço. O aço tinha que sofrer um cuidado de desoxidação diferente do que ele estava acostumado. Então ficamos seis meses. Quando tava fazendo seis, e eu ia lá, conversava com ele, falava: “Ô fulano, cê experimenta isso aqui que vai dar certo. O que tá impedindo num é...”, ele falava que era os trabalhadores, eu falava: “Num é trabalhador, não, to vendo! O negócio é o aço é que tá com problema. Você tem que fazer isso assim prá melhorar, aí vai correr bem”; “Ah não, tem que ser assim”. Aguentamos seis meses. Aí, tava vencendo o contrato, eu falei com o doutor Antônio: “Vamos fechar a conta deles, mandar eles embora. Se nós fomos esperar, nós vamos ficar brigando e num dá certo!”. Eu já vi com a minha turma o quê que é, mas ele não quer! Eu num posso dar ordem prá ele porque ele que tem o contrato, e ele não obedece, não é? Então, ele falou: “Ih, mas é”, eu falei: “O senhor pode ficar tranqüilo, num vai ter problema não. Nós sabemos exatamente o quê que ta acontecendo”. Aí fechamos a conta deles, “muito obrigado, cês vão cuidar da sua vida e nós vamos cuidar da nossa”. Uma semana depois nós tava normal, não é, funcionando normal, o lingotamento contínuo. P/1 – Senhor Francisco, qual é o papel do aço dentro da Votorantim? Dentro do grupo todo, como é que é, qual é a proporção, como é que é? R – Bom, dentro da Votorantim o aço não é o mais importante, porque a nossa produção é relativamente pequena, quer dizer, eles têm, são o maior produtor de cimento, a Votorantim, maior produtor, praticamente, ou perto do maior, de celulose; é o maior produtor de alumínio do mundo, quer dizer, numa fábrica integrada, não é? Então a Barra Mansa é um porte médio aqui no Brasil de aço, mas comparado com os outros setores nós somos pequenos. P/1 – De qualquer forma, o aço, para um Brasil moderno, ele tem o seu também, o seu papel…? R – Bom, o aço é a base, o aço, o aço é a base dum país industrializado. Quer dizer, o Brasil só deu um salto na, deu um salto importante no seu desenvolvimento com a implantação das indústrias siderúrgicas. Num tem como, num país isolado como é o Brasil, ele se desenvolver industrialmente sem o aço. Nós ainda estamos vivendo na época do ferro, minha filha. Num tem? A época da pedra lascada, a época do bronze, a época do ferro! Ainda é. Tanto por, para os Estados Unidos, ele num larga de fazer aço. Por quê? Porque é segurança. É uma questão de segurança. Que era muito melhor pros Estados Unidos, no nível que eles estão de bem-estar social, de desenvolvimento, que ele deixasse o Brasil fazer aço pra ele! Um serviço duro, pesado pra danar, manda pra cá pro bugre fazer, né (risos). E eles num fazem, né? P/1 – E vocês chegaram, também, como é que foi o processo de exportação? A siderúrgica Barra Mansa também chegou, exportou, né? R – Exportou, eu tive esse prazer, então, também, respondendo àquele meu conterrâneo lá de Rio Preto, que brasileiro não tinha jeito prá tocar siderurgia, eu tive o prazer de, em algum momento da Barra Mansa, de exportar aço pros cinco continente. P/1 – Pros cinco continentes? R – Até a Austrália, nós fizemos (risos) uma grana! P/1 – Que beleza. R – Quer dizer que nós, que o brasileiro num tinha jeito, nós fizemos o custo e qualidade suficientes com as pessoas comuns, não é, o brasileiro comum, que veio da roça, como eu (pausa). P/1 – E aí cês começaram a exportar então em que ano? R – Bom, nós devemos ter exportado lá na década de 80, 80, 90... P/1 – Uma década que foi difícil, né? R – É, a década... bom, nós tivemos sempre uma coisa muito difícil lá em Barra Mansa, que era o relacionamento com o sindicato. P/1 – É, eu queria que o senhor falasse também um pouquinho sobre isso. R – Então, nós tivemos três décadas pesadas, foi: 60, 70, 80. Começou a melhorar com a privatização da CSN. Começou a melhorar a relação do trabalho em Barra Mansa depois que a Força Sindical ganhou o sindicato da CUT. Quer dizer, no tempo da CUT era uma orientação marxista, então o negócio era brigar com a gente, não é? Não era... o interesse do trabalhador era um instrumento de luta política prá eles, não? P/1 – E o senhor também discutia com eles? R – Discutia! Eu sou liberal, eu nasci liberal, aí você imagina, topava liberal com comunista, só pena que voava (risos). P/1 – Tá falando das negociações? R – Hein? P/1 – Mas o senhor ia lá negociar direto? R – Claro que ia! E enfrentava greve quando eles fazia, e discutia, né, era um pega prá capar direto. Que eles queria dar ordem prá gente, eles queria mandar na gente. É, era dureza. P/1 – A gente tem ainda 15 minutos só pro senhor dá uma agilizada, tá? Então o senhor, voltando, o senhor tava falando também das unidades quando o senhor assumiu a direção das unidades modernizadas, né, dos equipamentos. R – É, que nós passamos a modernizar os equipamentos, não só corrigir as coisa que podia funcionar melhor no velho como substituir os equipamento prá aumentar a produção e a produtividade, né, e facilitar o trabalho prás pessoas também. Mas então, como eu tava te dizendo, colocamos em massa a seara LD, que usava o aço líquido, o gusa líquido fazia nos alto fornos, vinha prá LD, e aí era feito o aço ali, lingotamento contínuo, já com o produto pronto prá ir para o laminador, e com um serviço denso de siderurgia bastante bom pras pessoas fazer, não exigia sacrifício pessoal. Então fizemos esse, tocamos as duas, depois fizemos a modernização do laminador de maglio, antigo laminador que eu lhe falei, que nós, que laminava cerca de dez, doze metros por segundo, e o arame passou a sair, o material fino, a cerca de 72 metros por segundo. Esse foi uma grande modernização que foi feita, também que nós só usamos pessoal dos montadores, que iniciaram o serviço de colocação em marcha, e chegou um ponto que eles não tinha mais, não conseguia fazer funcionar continuamente, tava flutuante, né, pré-operacional. Quer dizer, acontecia uma coisa que não devia, eles não conseguia atinar com o quê que tinha acontecido. Quer dizer, então quando chegou nesse ponto nós assumimos, e eu, teve várias noites que eu fui dormir às três horas da madrugada, que tinha um problema que nós não descobria o quê que era, eu ficava lá até resolver, até a gente atinar o quê que tava acontecendo que o ferro não ia prá frente. Sabe como é que foi feito, brasileiro tá lá, brasileiro, como eu tô dizendo, é capiau, fica aí com os capiau que capiau também dá no coro (risos). P/1 – Dessas modernizações, qual foi o principal avanço, no seu ponto de vista, assim? R – Ah, o avanço foi aumentar a produção e a produtividade, e melhorar as condições de trabalho para o pessoal, não é? P/1 – E aí? R – Depois nós fizemos, para aumentar mais a produção nós fizemos a searia elétrica, não é, e quando a seara elétrica ficou pronta, nós colocamos ela em marcha também, é, funcionou muito bem, nós chegamos ao ponto de desenvolver o trabalho na seara elétrica, nós tínhamos dois fornos, e nós aperfeiçoamos a operação de tal maneira que com um forno só nós fazia a produção prevista pros dois. Nós deixamos nessa posição. Quer dizer que amanhã, se você tem matéria-prima e quer operar os dois, cê vai operar os dois, vai cair um pouco a produtividade, mas ela é muito mais alta do que o contratado, não é? Entregamos a seara elétrica. Aí veio o problema crítico da crise da siderurgia, com preço, com ciclo baixo da siderurgia, que fechou a maioria das siderúrgicas do Brasil, com custo alto e o preço muito baixo. É... Então, aí... e a celulose, que a Votorantim era uma boa produtora, muito bem, e nós derrubando a nossa floresta de eucalipto para fazer aço à oxigênio, o que não era um bom negócio sob o ponto de vista Votorantim. Então foi decidido parar os altos-fornos e a seara a oxigênio e continuar só com a seara elétrica, né? Entendeu? Foi nessa fase que eu saí. Já tava parado, teve um problema de parada, uma operação difícil, né, na seara, e eu com medo deles fazer um desastre lá prá, de proposital, né, o sujeito vai fechar a seção dele e ele vai perder o emprego, um perigo danado! Graças a Deus fechamos, mas houve várias tentativas de sabotagem. P/1 – Seu Francisco, a gente tá terminando a nossa entrevista, eu queria só dá uma, fazer uma avaliação rápida com o senhor. No próximo ano a Votorantim tá completando noventa anos, qual é o segredo desse sucesso? R – Trabalho e ética. P/1 – São valores que o senhor vê como parte do grupo, também? R – Quer dizer, eu nunca recebi qualquer orientação (chorando) prá fazer qualquer coisa lá. P/1 – O senhor assim, também, vê as... qual é a Votorantim do futuro? R – Se o pessoal jovem continuar com os mesmos princípios das gerações anteriores, vai ser sempre um grande sucesso. P/1 – E, quais são as suas atividades hoje, senhor Francisco? Só prá gente também... R – Eu gosto muito de ler e de escrever, né? P/1 – É um prazer, também... R – É, eu gosto de escrever, e gosto, é, sou um apaixonado por soluções de problemas brasileiros. Infelizmente eu num cheguei lá num ponto aonde eu pudesse, mas eu fico sempre tentando. P/1 – Escrevendo dá, né? R – É, a turma num gosta de publicar o que eu escrevo, porque num é o que eles pensam (risos)... P/1 – Não, é que…? R – Num é? (risos) P/1 – Senhor Francisco, como é que o senhor vê o Projeto Memória? R – Eu acho muito bom! P/1 – Quê que o senhor achou? É que a gente faz uma avaliação, quê que o senhor... R – Eu acho muito bom, porque as pessoas mais jovens vão ter oportunidade de ver as dificuldades que o pessoal mais antigo atravessou, não é, e isso a gente espera que vai servir de – é, eu digo – de estímulo, né, prá eles fazer melhor, num é? P/1 – O senhor tem alguma sugestão que o senhor gostaria de dar pro projeto, como até de memória e a própria unidade de negócios? R – Bom, eu queria... vou voltar atrás prá fazer uma observação que me escapuliu e que eu considero da maior importância, é, pro Brasil. Se o Brasil tivesse feito o que eu imaginei que devia ser feito anteriormente, o Brasil teria feito uma revolução sem dar um tiro, e que, infelizmente, tem muita gente contra no Brasil, tem, que impede, tá na cabeça das pessoas que não, não atinam, ou mesmo não quer atinar. É que, na Barra Mansa, um projeto importante que nós fizemos sociais lá, que me escapuliu, lá... Primeiro, nós inauguramos lá o Jardim da Infância, aonde os meninos, aos quatro ano, iam para lá prá brincar aprender a ler. Então funcionou, e funciona até hoje, tirou aquela barreira que tem para o pessoal pobre, que é, aprender a ler é uma coisa difícil, porque num tem auxílio em casa, num é, o pai num sabe ler, num pode ajudar, e no Jardim da Infância as crianças aprendem brincando. P/1 – Que beleza. R – Então quando ele vai prá escola oficial ele já sabe ler! Então o desenvolvimento das crianças é muito importante. P/1 – E esse Jardim foi lá com o senhor? R – Foi, foi, foi inaugurado lá, o nome é da mãe do doutor Antônio, Jardim da Infância Dona Helena. E depois também nós estabelecemos uma bolsa de estudos pros menino filho dos nosso trabalhador no mesmo estilo que nós tínhamos lá na Clara Scuro Bain, então o menino que tava nos primeiros vinte por cento da classe dele nós dava a ele uma bolsa de estudo, para estudar as coisa que o Brasil tinha falta, quer, por exemplo, engenheiros, médicos, dentista... advogado não, porque já tem demais (risos). Tá entendendo? Então nós fizemos esse programa. Agora, o outro programa que teve um sucesso muito maior do que, para a Barra Mansa do que nós tínhamos imaginado era o programa de planejamento familiar, quer dizer, nós instituímos um, em 1984, uma clínica de planejamento familiar, que se propunha a ensinar as pessoas oralmente como escolher o anticoncepcional adequado a cada família, a cada família, e dava de graça. Depois de escolhido... P/1 – Muito bom. R – ... a clínica dava de graça. Então fizemos esse programa, que é um programa... hoje ele é polêmico no Brasil, não devia ser, mas é, e em 84... P/1 – Ah, muito moderno. Senhor Francisco... R – Quer dizer, então fizemos isso para a turma da Barra Mansa, que primeiro que já em 51, eu administrando, eu tinha problema com aquelas pessoas que tinham muito filho. Quer dizer que o sujeito chegava em mim e falava: “Doutor, o que a companhia paga não é suficiente pra eu manter minha família”. P/1 – Senhor Francisco, a gente vai ter que terminar, eu gostaria só, antes, de pedir que o senhor desse uma mensagem pros 70 anos da Barra Mansa. R – Bom, a mensagem que eu posso deixar para o pessoal é que eles continuem com o mesmo ímpeto e força de vontade que a nossa geração teve prá levar a Barra Mansa sempre para estágio na melhor posição possível. P/1 – Tá, senhor Francisco, queria agradecer sua participação, o senhor ter vindo até aqui colaborar com o projeto. Muito obrigada. R – Tá? Obrigado. P/1 – (Palmas) R – Obrigado pro cês aí. Espero que eu não falei demais não, viu? P/2 – Parabéns, parabéns. R – Brigado.
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