Programa Conte Sua História
Depoimento de Antônio Lino Pinto
Entrevistado por Carol Margiotte e Ligia Furlan
São Paulo, 28/03/2019
Realização Museu da Pessoa
PCSH _ HV744 _ Antônio Lino Pinto
Transcrito por Mariana Wolff
Revisão – edição Paulo Rodrigues Ferreira
MW Transcrições
P/1 – Antônio, boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Muito obrigada por ter vindo aqui hoje. E para começar, o seu nome completo.
R – Antônio Lino Pinto.
P/1 – O local e a data do seu nascimento.
R – Eu nasci em Visconde do Rio Branco, Minas Gerais, em 29 de dezembro de 1951. Na verdade, dia 27, mas fui registrado dia 29.
P/1 – Então, falando desse começo, Antônio, você sabe por que os seus pais lhe deram esse nome: Antônio?
R – Não. Não tenho… Até numa época, eu fiquei olhando, porque eu nasci em um dia que eu acho que era João Evangelista e, no interior, se tem a mania de dar o dia do santo, não é? Durante um tempo, até achei que eu deveria me chamar João Evangelista, mas eu já tinha o meu irmão João também, acho que por isso que não… Aí, ficou Antônio - Antônio Lino. Agora, com o histórico que eu tenho feito aí, é tudo José Antônio. Até surpreendeu, da minha família, os nomes, inclusive dos primos, tios, dos avós, são nomes bem legais para quem é do interior assim, não tem nenhum nome do local… Então, são nomes curtos, retos e bonitos. Muito legal.
P/1 – E os seus pais contavam sobre o dia do seu nascimento, como foi?
R – Eu tive um contato… Meu pai não falava, o meu pai era muito quieto. A vida inteira eu herdei isso dele também. O Antônio, que é o meu filho, também herdou, não fala quase nada. A minha mãe era uma faladeira, mas eu nunca tive muita curiosidade de perguntar, tudo, me arrependi muito disso, porque agora que eu fui buscar as coisas lá atrás, se eu tivesse perguntado muita coisa para minha mãe, teria resolvido. Então, é engraçado que eu não tive curiosidade de coisas... Assim... Eu tinha algumas memórias, tudo, e algumas confusas, e talvez pela minha timidez nunca cheguei para a minha mãe para perguntar, por exemplo, quando a gente veio para São Paulo. Eu nunca perguntei, eu nunca… E, por uma característica minha, que não teve nenhuma consequência mas poderia ter tirado dúvidas muito antes de fazer… E tem uma história de que quando eu cheguei em São Paulo, em 1963, tinha uma música tocando, que era uma música estrangeira, só instrumental, que virou… Eu fiquei com essa música, de 1963 até 2000, lembrando o tempo inteiro dessa música, o tempo inteiro. E, uma vez, eu estava namorando a minha atual mulher, eu estava saindo do apartamento dela de manhã, no vizinho estava tocando a música: “putz, acho que eu vou bater lá e perguntar que música é essa”. “Não, não vou fazer isso às sete horas da manhã”. Aí, eu fui assistir a um filme, chamado About Schmidt, que é com o… No Brasil eu não sei o nome dele, que é com o Jack Nicholson; no finalzinho toca essa música. Aí, eu falei: “Agora eu acho essa música”. Aí fui lá, consegui na Amazon, comprei o CD da trilha, achei a música, a música chama Afrikaan Beat. Passado muito tempo, mexendo nos meus LPs antigos, eu tinha essa música em um daqueles LPs de coletâneas e eu não sabia (risos). O mais engraçado é que, no lançamento do livro, eu fiz um evento para toda a família para distribuir o livro e fiz um pen drive com algumas músicas: “Eu vou encaixar essa música no pen drive”. Porque é uma coisa que me lembrava muito de quando eu cheguei em São Paulo. Aí, eu estava do lado do meu irmão, Expedito, quando começou a tocar eu falei: “Duvido que você saiba que música é essa”. “Você acha que eu vou esquecer uma música dessas? Foi o primeiro disco compacto que eu comprei quando cheguei em São Paulo” (risos). Quer dizer, eu fiquei vinte anos - mais de vinte anos - com uma curiosidade que bastava eu perguntar para alguém, não é? Ele lembrava, inclusive, o nome da música. Aí, eu consegui comprar no Mercado Livre o… Antigamente tinha o compacto simples, que eram duas músicas só, e aí eu mandei para ele - ele ficou todo emocionado. Mas isso me levou à conclusão de que eu nunca fui muito curioso nesse sentido de buscar essas informações, tal; mas agora, é tarde.
P/1 – Consegue cantarolar para a gente, só para a gente saber, mais ou menos, como é essa música?
R – Putz, aí já é… Ela, na verdade, é uma batida africana [cantarolando] e é só isso. Uma orquestra, o cara é muito bom, depois eu fui atrás, e foi um grande sucesso no Brasil. Naquela época, tinha muito Ray Conniff, era muito música instrumental. E esse disco, quando ele lançou o LP, eram músicas… Ritmos africanos que esse cara, esse maestro adaptou, mas é muito louco.
P/1 – A gente ainda tem um monte de perguntas Antônio, antes dessa sua chegada em São Paulo, mas tudo bem se eu explorar um pouquinho, já que a gente está…?
R – Claro!
P/1 – Você tem essa cena da chegada?
R – Da chegada, chegada não. Eu tenho da minha tia fazendo sopa, que é uma coisa, provavelmente, do primeiro dia, segundo dia, que até hoje, quando tem um cheirinho de sopa ou panela de pressão, me lembra exatamente. Porque chegou um batalhão na casa deles e eles não tinham recursos, acho que todo dia era sopa, na maneira de fazer a molecada comer. Agora, as datas… Tanto é que demorei para descobrir quando foi, mas o período eu me lembro bem, o que a gente fazia, o que não fazia, e tal… Então, foi bem… Agora, com a Duduca, a gente conseguiu amarrar a data certinha. Aonde eu morei, onde foi, porque foi, foi mais prazeroso agora de ter isso bem amarradinho, não é?
P/1 – E ainda sobre essa música, você se lembra de qual momento em que você ouviu a primeira vez…?
R – Eu sempre fui muito de rádio. Naquela época, não tinha FM, e tudo que você fazia… Como a gente não tinha TV - a TV era uma coisa rara naquela época - a gente escutava muito rádio. Já no interior, a gente ouvia muito. Só que as rádios do interior eram muito mais sertanejo e notícias, não é? Em São Paulo, tocava o dia inteiro músicas de todas as variedades; então, você pega todas essas emissoras hoje que migraram para FM, todas elas eram um misto de notícias com música o dia inteiro. Não tinha… Então, você ouvia, por exemplo, música que era sucesso, dos Beatles, por exemplo, na mesma rádio durante uma hora, às vezes, tocava duas, três vezes a mesma música, porque era um sucesso muito grande, o cara não vai esperar um outro programa para tocar, então, era uma coisa muito efervescente de… E eu fiquei muito apaixonado, até por causa do interior. Até hoje eu ainda curto muito o rádio, embora tenha se mudado o conceito de rádio, mas a essência é a…
P/1 – E os nomes dos seus pais?
R – Meu pai é Isaltino Raimundo Pinto e a minha mãe é Minervina Lino Pinto. Que eu... Depois que ela faleceu, se transformou em Minervina Lina Pinto, porque alguém que provavelmente eram muito caprichadas as letras, na hora do registro - e era tudo em livro, aquelas letras bonitas - quando fizeram o ‘O’ devem ter dado aquela curvinha e, com o tempo, virou Lina. Não tem nada a ver, porque o pai dela é João Lino. Os três avós que eu descobri agora, é tudo Lino. Mas alguém lá… Eu tive que alterar a minha identidade para botar… O nome da mãe não é mais Minervina Lino, é Minervina Lina. Ela mesma, eu fui ver agora uma identidade mais recente, já estava como Lina. Eu achei até que fosse porque o escrivão lá: “Mulher não pode ser Lino, tem que ser Lina”. Mas não é. Eu fui olhar lá, é que está realmente muito bonitinha a letra e, com o tempo, foi mudando. Não sei se você sabe dessa história. O Millôr Fernandes, você deve conhecer, ou ouvido falar, não é? O Millôr Fernandes, na verdade, o nome dele era Milton. Dai, quando foram fazer o registro, foi tão bonito que ficou como se fossem dois Ls - e não um L e um T - e aí descobriu-se que ele foi registrado como Millor quando, na verdade, era Milton. Teve até sorte, porque Millor é muito mais bonito.
P/1 – Falando nos seus pais, Antônio, eu queria que você falasse um pouco sobre eles, como eles eram, o que faziam, de onde vieram, se você conhece a história deles.
R – Agora eu sei, porque eu fui atrás, não é? Nós nascemos em um local chamado Ferreiras, que o meu pai… Minha mãe sempre falava: “Seu pai não para. Em vinte anos mudou para quinze lugares”. Daí, eu descobri que, na verdade, eles mudavam um quilômetro, mas normalmente nas mesmas fazendas. Porque essas fazendas eram de vários irmãos, tinha os Ferreiras e tinham os Ferraz, e era uma área muito grande. Então, acabava que saía daqui e ia trabalhar no outro; depois volta. Enfim, todo mundo por ali. E então, era todo mundo muito próximo da… Todo mundo se conhecia. Agora mesmo, eu descobri que a mulher do meu primo, o avô dela era irmão de não sei quem lá, que era parente, então, é tudo misturado. Então, a gente tinha toda essa… A tua pergunta era se eu tinha… Como é a origem deles, não?
P/1 – Também.
R – Meu pai era um contador de histórias, mas eu absorvi muito pouco das histórias dele. Ele tinha histórias desde mula sem cabeça, que ele chegou a ver, tal. Não sei se ele contava para assustar a gente. E tinha muita lembrança, também, tudo. Quando ele se metia a falar alguma coisa, não é? A minha mãe era mais faladeira, mais brava e tudo, mas também não fiquei sabendo a origem dela. Eu fui algumas vezes para Minas com ela. Ela nunca teve a iniciativa de mostrar: “Naquele morro ali...”. Fui descobrir tudo agora, fui lá, tirei foto e tudo. Ela visitava todos os parentes, mas nunca… Pelo menos comigo… E tinha uma razão, também, porque eu ficava na cidade e ela ia para a casa das irmãs, lá nas fazendas. Então, a gente ficava… De vez em quando eu ia às fazendas, mas ela estava tão ligada com a … E eu nunca tive essa curiosidade também. Mas ela era faladeira. Tanto é que uma boa parte da memória da Duduca é porque elas se falavam o dia inteiro e a minha mãe tinha muitas memórias. Então… Mas não tem muito. Por exemplo, não descobri nada dos pais do meu pai, descobri agora que o pai dele, na verdade, não era da cidade, era de uma outra cidade, porque eu consegui achar uma Certidão de Óbito. Só que, no meio dessa confusão, a impressão que dá é a de que o meu avô é da região. Por qualquer razão, deve ter ido para uma outra cidade, teve o filho lá - que é o pai do meu pai - e todo mundo voltou. É a impressão que me dá. Mas está cedo ainda, porque ainda falta muito documento, mas era todo mundo ali da região - meus tios, irmãs da minha mãe, nasceram e moraram no mesmo lugar, morreram no mesmo local; no máximo mudando de uma casa para outra, tal. A gente tem pouca história. Eu, pelo menos, tinha muito pouca história da minha mãe. Conheci algumas agora, em função do trabalho, que a Duduca complementou, histórias bonitas, tal, outras muito tristes, tal, mas é muito… A gente fez esse mapeamento agora, descobrimos onde a gente morou, a minha irmã me ajudou a ir em todos os lugares onde nasceu cada um - a maioria não tem mais casa, a gente está falando de 1938. Aí, nós fomos para São Pedro do Ferros, onde eu morei cinco, seis anos, também conseguimos achar os quatro lugares em que a gente morou, ainda tinha lá os pedregulhos da casa, tivemos muita sorte de achar tudo. E aí, conseguimos compor um pouco da história, as datas que a Duduca ajudou muito: “Foi aqui, vocês moraram nessa casinha aqui de tanto a tanto”. Ela lembra até a sexta-feira, ela sabe o dia em que a gente veio para São Paulo - não foi num domingo, ou foi na segunda, é uma coisa (risos)... Então, esse resgate agora foi. Mas a gente não tinha informação da origem da mamãe, nada… Vamos ver se agora a gente consegue levantar um pouco mais, não é?
P/1 – E ainda sobre os seus pais, eu queria que você os descrevesse.
R – O meu pai sempre foi muito caladão e a minha mãe era faladeira. Faladeira no sentido de mais despachada. Mas pessoas muito sérias, muito corretas (choro/emoção). Eram pessoas muito humanas. Tudo isso é porque eu acabei de fazer todo esse levantamento, então está (choro/emoção)... Fica muito vivo ainda, porque eu resgatei toda essa… Mas vamos lá… Eles eram pessoas muito boas e eu tinha uma admiração mútua, mas não tiveram grande… A minha mãe sempre foi uma líder na família. Tanto é que quando ela faleceu, eu achei que a gente ia ter muito problema na família, inclusive com os irmãos mais velhos. Graças a Deus que ela… O meu irmão, com sessenta anos, ela saía de casa e ia lá para saber se ele já tinha ido trabalhar ou não (risos). Ela tinha um… Mas não era um domínio de possessão, era um domínio de cuidado, de carinho, de correr atrás, de aconselhar, de não deixar fazer bobagem. O meu pai morreu muito cedo - morreu com setenta e dois anos - e a minha mãe, eu achei que ela fosse durar muito mais, mas ela faleceu com oitenta e quatro, uma idade boa. Mas ela tinha uma saúde muito boa, uma disposição; de repente, começou a ter uns probleminhas e não teve jeito. Talvez por não ter ido ao médico, tenha tido essa consequência. Mas está dentro de uma idade média de vida, hoje em dia. Mas foi uma pessoa que deixou um legado muito grande, mais do que o meu pai. Porque o meu pai era mais acomodado… Acomodado não, era mais quietão, não se deu bem também em nada… Segundo a minha mãe, ele nunca foi uma pessoa desejada nas fazendas como aquele cara trabalhador, não sei o quê e tal, não é? E a minha mãe já era mais ativa. Agora, com essas pesquisas aí, eu tenho uma dedução meio psicológica sobre isso. O meu pai era muito ciumento, muito ciumento, tem uma história da gameleira, que depois eu vou acabar contando, que ele ficava lá no tronco da gameleira… Gameleira é uma árvore muito frondosa e os troncos dela te dão o espaço, e tal… E ele ficava lá dentro da gameleira vendo se o amante ou chegava ou saía. Isso em 1945, no meio do mato, sem luz elétrica, sem nada. Então, eu imagino que ele deveria ter... Estou olhando sociológica e psicologicamente falando, ele deveria ter provavelmente… Eu já fui ciumento, todos nós temos ciúmes, uma dificuldade muito grande de concentração na lavoura para colher, porque você imagina, um cara preocupado se a mulher está transando com alguém ou tesá fazendo alguma coisa errada... Então, ele tinha uma história, por exemplo, que ele pulava muito de endereço porque ele cismava com alguém e ia embora. E, coincidentemente, o único lugar em que ele morou mais tempo, que foram mais ou menos sete anos, que foi a casa onde eu nasci - oito anos, provavelmente – foi a que a cem metros era o irmão da minha mãe que morava, e a cento e cinquenta metros, era a irmã da minha mãe. Então, provavelmente, tenha dado a ele uma coisa: “Ela não vai fazer besteira na frente da família”. Então, foi onde ele durou mais. Isso, talvez, tenha sido um grande prejuízo para ele, profissionalmente. Porque eu imagino que você está lá trabalhando, roçando alguma coisa, colhendo café, com a cabeça do outro lado. Não há produção que… E então, ele não teve realmente… Aí, quando a gente veio para São Paulo, aí ele tentou tudo, mas também não conseguiu grandes coisas, não. Aí, depois, eu comecei a me dar bem financeiramente… A gente chega nesse ponto. Acabei ajudando a família e eles não precisavam também ficar atrás de ganhar dinheiro e tudo. Mas foi isso. Tenho uma percepção dele… Esse negócio da gameleira, eu estive agora lá atrás dos lugares em que a gente nasceu, morou, e tal, e eu fui com um primo nosso - eu, a Duduca, meus irmãos, fomos os cinco para lá, aí o meu primo falou: “A gameleira era por aqui, mas não existe mais nada, você pode ver que não tem mais nada…”. Aí eu vi um mato lá um pouco mais alto, que é um pasto, eu pulei a cerca de arame farpado, cheguei lá e encontrei o tronco da gameleira. A gameleira não existe, mas o tronco está lá, ainda meio verde, quer dizer, não é mais alta, é baixinha. Aí, eu virei, quando eu olhei do lado, estão todos os restos da casa da minha mãe, jogados lá no meio do pasto. Tinha lá um pedaço de concreto. A Duduca olhou e falou assim: “Essa aqui era a escadinha que saía da cozinha para ir para a sala. De tudo que eu fui atrás, para mim foi a parte mais… Que mais tocou, porque é uma coisa que eu não vivi, porque eu nasci em 1951, mas você fica olhando e voltando para 1945, 1946, você ter a felicidade de achar ainda uns restos de coisas, uma coisa muito… Parece que estava lá esperando a gente. Tem duzentas histórias, a Duduca conta… Eu vou fazer agora um livrinho para ela, que se chama Causos da Duduca. Porque eu vou pegar todos esses depoimentos e mais coisas que ela falou para a gente, vou fazer uma coisa bem curtinha e deixar guardado para a turma.
PAUSA
P/1 – Então, Antônio, voltando, eu queria saber ainda dessa relação do seu pai com a sua mãe, se você tem na lembrança algum tipo de reação da sua mãe diante dos ciúmes do seu pai, como ela reagia…
R – Eles brigavam direto. Brigavam todo dia. O meu pai bebia muito, ou não sei se muito, chegava travadão em casa, e eles discutiam a noite inteira. Então, chegava a ponto de um dormir com a faca debaixo do travesseiro… Nunca se encostaram, nunca deram um tapa um no outro, era só… A minha mãe também bebia, a minha mãe fazia todos os trabalhos de casa, dava comida para a criançada toda; aí ela entornava uma garrafa de cachaça e dormia. No outro dia, ela acordava sem nenhum problema, e tal. E então, a gente ficava... A criançada toda atrás da porta - quando tinha porta, porque morava todo mundo em casas muito pequenininhas - desesperados, porque era sempre ameaça: “Eu te mato”. “Eu que mato”. A minha mãe chegava a guardar uma foice pendurada na cabeceira da cama (risos). Tiveram onze filhos, em vinte anos, eles tiveram onze filhos. Então, você vê que era um amor meio… Até hoje eu não entendo como é que… Aí, quando chegou em São Paulo, tem uma história interessante que o meu pai se desentendeu com o meu irmão logo quando a gente chegou em São Paulo, dois anos depois. Aí, o meu irmão levou ele no centro espírita, ele saiu de lá, nunca mais bebeu. Disseram que era um encosto espiritual. De 1965 até… Ele morreu em 1990, nunca mais tomou uma gota. E a minha mãe, um dia, sei lá quanto tempo foi, já estava… “Estou desconfiada de que não está me fazendo bem essas cachaças toda noite não, eu vou parar”. No outro dia, parou. Não teve nenhuma sequela de… Eu ia muito, quando era criança, no interior, buscar cachaça. Meu primeiro porre foi com oito anos, nove anos. E esse problema de alcoolismo na família é um problema meio sério, tudo, mas deu tudo certo depois, não é? Mas eles tinham essa relação de… Não era nem de amor e ódio. Primeiro que, naquela época, a relação da mulher era procriar, não tinha esse negócio de ficar dando palpite, não sei o quê. Minha mãe até que era um pouco dura, tinha opinião. O que não era normal no passado, não é? A irmã dela, por exemplo, fiquei sabendo agora, teve dezessete filhos. É um atrás do outro e é tão bonitinho. Porque eu a conheci, conheci o marido dela, que é o tio Sebastião, um baixinho, magrinho. Ela morreu, aí eu fui em Minas há um tempo, e ele falou: “Você sabe que eu gostava tanto da…” Tunica não, como é que é? Oh meu deus, não é Tunica, é um outro nome, e que: “Eu vou morrer, quando eu voltar, eu quero achar a Tunica de novo”(risos). Mas eu gostava dela demais”. Ele já tinha uns setenta e poucos anos, uma paixão! Dezessete filhos. Aí, a Duduca me falou que ele tinha… Eu achei a sanfona dele lá, uma oito baixos, diz que ele ia lá para o terreiro e eles dançavam, ele tocando e a coisa… Totalmente diferente da relação do meu pai com a… Que era uma coisa mais reservada, não tinha essa intimidade. Meu pai nunca foi de dar risada, era bem difícil. No interior, era muito assim, na época de Semana Santa, você não pode varrer a casa, não pode rir - na sexta da paixão - você tem que fazer um jejum… Hoje já mudou tudo, mas era tudo… Tinha que cobrir os santos em determinada época, e quando morria alguém você tinha que ficar de preto em um determinado tempo, não é? Então, o meu pai era muito rigoroso com esse negócio da relação, não é? Acabou passando isso para a gente, nós também… Os meus irmãos, eu, nós somos muito reservados nessas coisas, pouco… Tem um lado legal aí, porque esse medo que eles passaram para nós, aconteceu um fato curioso. Eu tenho irmãos e irmãs. Os filhos dos irmãos, assim como os meus, são grudadíssimos no pai. E os filhos das irmãs são grudadíssimos na mãe. Porque a gente deve ter passado uma forma de carinho, de atenção, talvez por fruto desse peso que a gente teve de como foi o papel do pai ou da mãe, não é? Então, é muito curiosa essa situação de todos, sem exceção... Todos grudados no meu parente, e não no cunhado ou na cunhada. Então é isso, esse é o seu Isaltino.
P/1 – Se eu estiver forçando muito, você me avisa, tá? Vou perguntando, mas se tiver algum limite, alguma coisa, é só você falar, tá, Antônio?
R – Não, vai perguntando, não tem nada…
P/1 – Nesses momentos das brigas, que você falou que junto com os seus irmãos vocês ficavam ouvindo, como é que era essa coisa de ter o irmão do lado nessa situação de ouvir os pais brigando? Como é que vocês reagiam?
R – Era uma escada, não é? Porque você pega vinte anos em onze, dá um vírgula… Eu fiz a conta lá, dá 1,6 - a cada um ano e cinco, seis meses nascia um. Então, quando você juntava a molecada, era tudo realmente uma escadinha, não é? E, nessa época, quando eu comecei a ter conhecimento disso - vamos supor que eu tivesse seis, sete anos - eu tinha uma diferença muito grande dos meus irmãos, porque o meu irmão mais velho nasceu em 1938 e eu em 1951. Então, a gente está falando aí, por exemplo, quando eu tinha sete anos, o meu irmão já tinha vinte. E sobrava essa turminha que ficava apavorada. Era a Marta… De baixo para cima, a Marta, o Luiz, eu e a Olga, não é? Porque os outros já estavam com dezoito, dezessete. Apanhavam para caramba do meu pai, porque ele tinha… Eu tinha dois irmãos que aprontavam muito, aprontavam muito, não, era coisa de moleque, não é? Então, o meu pai chegava em casa já meio malhado de álcool, fazia eles irem lá no meio do mato buscarem uma vara de marmelo, que era uma coisa que era bem dura e surrava até… Era uma… Era o conceito da época, não é? Esse meu irmão mais velho, eu fui agora numa fazenda em que ele estudou - que a Duduca levava ele - eles iam juntos e ele apanhava de vara com a professora, botaram ele no porão uma vez lá escuro, sentado, ajoelhado no milho, e era assim que funcionava. Não tem que condenar, era a formação na época que era… Palmatória, essas coisas todas de… Então, eu tinha… A gente ficava muito assustado, muito apavorado, claro que faz tanto tempo que você não consegue mais… Mas faz tanto tempo que… Mas, com certeza, era assustador.
P/1 – Mas tinha alguma acolhida dos irmãos mais velhos?
R – Sempre tinha, ficava todo mundo…A minha irmã disse que, a partir de uma certa idade, eu ia tentar apartar: “Pai, está tocando aquela música lá no rádio, de que você gosta”. Só para poder fazer ele… Mas a gente acabou… A impressão que me dá, não me lembro, mas todo dia era a mesma ladainha, então chegou uma hora também que já acostumou: “lá vem eles brigar lá de novo”. Porque não tinha consequência, então, você acabava não tendo essa… Você vai administrando isso na cabeça da criança também, vai vendo que é mais uma briga, sei lá… Não tenho, exatamente, o meu grau de sofrimento disso, não me lembro, não é? Alguma coisa deu uma apagada.
P/1 – Onze filhos, certo? Se puder falar o nome de cada um pela ordem de nascimento…
R – Sim, agora… De cima para baixo, o primeiro foi o Zé Lino Pinto, nasceu em 17 de outubro de 1938; a Duduca nasceu em primeiro de maio de 1940; o Expedito Lino Pinto nasceu em sete de julho de 1942; o João Batista Lino Pinto, que é o que faleceu, nasceu em dez de outubro de 1944; a Marlene nasceu em 1948, ela morreu prematura, e aí eu fui perguntar para a Duduca porque esse lapso do João: “Ah, você não sabe? O João mamou até quatro anos, e quem amamenta não engravida, não é?” Então, a Marlene nasceu em 1948, morreu logo em seguida - descobri agora com a pesquisa lá, menos de um ano, disse que ela teve coisa de fogo selvagem, lá. Dai, veio a Olga, que nasceu em 20 de abril de 1950; eu nasci em 27 de dezembro de 1951; o Ivo, que é o que faleceu também, nasceu em 1953, faleceu em 1954. Aí, veio a Maria Helena, que também faleceu - nasceu em 1955 e faleceu com quatro anos, em 1958, 1959. E aí a temporona, que é a Marta, que nasceu também em 1959 - 29 de julho de 1959. Deu onze? Deu, não é?
P/1 – Uma das irmãs que você disse que faleceu em seguida de fogo selvagem?
R – Então... Elas tiveram três… Agora são cinco, mas naquela época nós tivemos três mortes que ninguém se ligou muito para ir atrás, Agora, com a minha pesquisa, eu fui, consegui certidões. Então... A Marlene morreu com menos de um ano, diz que a minha mãe quase enlouqueceu; o Ivo morreu também logo… Quer dizer, morreu em 1949. Em 1953, a minha mãe perdeu de novo mais um filho, esse foi menos de um ano, eu acho, e também ela disse que foi a pior… Toda perda, não é? Nós levantamos agora, tem a data de nascimento, de falecimento. O que eu conheci foi a… Eu devo ter conhecido o Ivo, mas devia ter três, quatro anos quando aconteceu isso, então eu não tinha muito…. Porque eu falo 1951, mas eu sou de 29 de dezembro, então, na verdade, praticamente eu sou de 1952, não é? A que eu conhecia, que morou com a gente em São Pedro dos Ferros foi a Maria Helena, que morreu com uns quatro, cinco anos e eu tinha quatro anos a mais, não é? E ela também foi uma morte muito triste, ela morreu… Ela comeu uma planta que, no interior, chama Comigo Ninguém Pode. Como tudo no interior, o nome… Era uma planta venenosa que a as pessoas tinham em casa e esse, a minha mãe pirou de vez mesmo, diz que foi uma loucura, nem foi no enterro, virou um… Fez com que a gente voltasse para Visconde do Rio Branco, que aí é uma coisa muito curiosa porque eu tinha umas lembranças nesse período que: “Como é que eu tenho essa lembrança, se eu morava em São Pedro dos Ferros? Será que a gente foi viajar e aconteceu isso quando eu fui lá para Visconde de Rio Branco, e tal?” Aí, com a Duduca agora... “Bobo, você não sabia? Nós voltamos para Rio Branco quando a Maria Helena morreu, minha mãe pirou lá e largamos tudo…”. Porque a minha irmã ficou em Rio Branco e ela acabou indo para São Pedro dos Ferros, que é cento e cinquenta quilômetros de uma outra cidade lá. Praticamente no mês em que a minha irmã chegou lá de mudança, a minha mãe… Nós perdemos a irmã, minha mãe pirou, voltou todo mundo… Aí, veio na minha cabeça por que eu tinha essas lembranças. Nós ficamos um ano em Visconde de Rio Branco de novo, aí já era 1961 mais ou menos, eu já estava com nove anos, dai eu já lembrava de bastante coisa. Então, facilitou muito esse… Os meus irmãos não lembravam disso, aí minha irmã lembrava, Ou, pelo menos, não foi tocado no assunto, não é? Então, isso ajudou muito na minha cabeça, eu lembro de uma surra que a minha mãe me deu. Perdi uma agulha, não sei o quê, e tal, não pode ter sido em Visconde de Rio Branco, porque eu tinha seis anos, eu não ia no armazém comprar uma agulha com seis anos. Lá em São Pedro dos Ferros não era, porque eu não estou conseguindo imaginar onde pode ter sido. E era em Visconde do Rio Branco, quando eu voltei. Agora eu fui lá, eu descobri onde era o armazém, tudo. Está tudo lá, ainda.
P/1 – Mas você sabe o que motivou essa primeira mudança para São Pedro dos Ferros?
R – Então... A minha… Eu tenho uma teoria, que eu até coloquei no livro, o fato foi o seguinte: o irmão do meu pai já tinha ido para lá, tinha ido o tal do “seu”… Eu até achei uma foto dele, senhor Alves, não sei o quê, que era tudo da região e o meu tio foi para lá. E Visconde de Rio Branco era uma cidade que era cana-de-açúcar e café, mais cana-de-açúcar. E a cana-de-açúcar, a região lá foi perdendo, não se tinha, não se ganhava dinheiro. Tanto é que nem manga dá mais lá, a terra realmente ficou… E o meu pai foi lá morar com o meu tio, que era um outro conceito, eu fui estudar também, porque eu estive lá, conversei com uns parentes, uns donos lá, uma história muito interessante. Que, na verdade, em 1920 e pouco, o governador de Minas queria desenvolver uma certa região lá que se chama de Zona da Mata e tinham planos de fazer a estrada de ferro Leopoldina, ligando algumas áreas. E ele chamou esse cara, porque tudo no Brasil é favorecimento, não é? Chamou provavelmente um amigo que é o tal do “seu” José Peres Rezende. Falou: “Vai para lá, eu lhe dou a área e você aproveita e desmata tudo e o governo compra madeira de você, que nós vamos precisar de madeira para fazer o…”. Como que chama aquele negócio de madeira para a linha de trem? Os dormentes. “Na condição de que você desenvolva a região”. Então, a cidade já existia, era minúscula e tal. Ele foi para lá com dez filhos, onze filhos, e começou a trabalhar. Aí, o quê que tinha? E aí, que eu acho que estimulou todo mundo, área nova, Zona da Mata... Então, se tinha muita água que em Rio Branco não tinha, terras fresquinhas ainda, no sentido de que não tinha sido produzido nada, era mato. E eles tinham uma coisa... Porque era muito pobre a região de Visconde de Rio Branco, e eles, para atraírem as pessoas para lá, eles davam casa - isso era comum no interior - mas casa nova e o primeiro ano antes da colheita com tudo já… Você pagava depois, mas você já tinha arroz, feijão, aquelas coisas todas. Então… E a estação de trem, quando o meu pai foi, ela saía de Visconde de Rio Branco, demorava um dia para chegar lá, cento e quarenta quilômetros, porque tinha morros enfim, tinha um monte de estação, as estações inclusive, estão até hoje, lá, graças a Deus preservaram... Então, tá, tombaram. Isso deve ter atraído o pessoal. Esse “seu” José, dos onze filhos, ele resolveu dar cem mil alqueires para cada filho - cem mil alqueires mineiros são cinquenta e cinco mil metros quadrados um alqueire, não é? Aí, ele deu cem mil alqueires para cada filho, para você ter uma ideia da região dele, que eu fui agora, são trinta e cinco quilômetros e mais ou menos uns vinte e cinco de laterais, tudo deles. Ninguém tem dinheiro, também não era terra produtiva - se descobriu depois – então, economia de subsistência. O Joter, que era um dos filhos - eu não sabia também - quando a gente voltou para São Paulo, ele já tinha vendido a parte dele lá, que era onde a gente morava, só que a gente… Interiorzão, ninguém sabia de nada. E ele foi para Governador Valadares, fez isso de permuta e virou tudo eucalipto lá. A gente foi lá agora. A casa dele, que era uma mansão, que tinha avião lá no meio do mato, ainda está tudo lá, mas tudo derrubado. Mas dá para você ter uma noção de onde era pista de pouso e tal, mas tudo… Ninguém ficou milionário, a gente achava que eles eram… Porque, óbvio, não é?... A gente não tinha nem bicicleta, não tinha nem jegue, e os caras têm avião. Então… Claro que eram ricos, não é? Mas não ricos como a gente vê hoje. Então, foi isso. A minha teoria foi de que… O meu pai já não parava mesmo. De lá, em 1957 até 1963, a gente mudou cinco vezes, tudo pertinho também, consegui achar as casas, o local todo pertinho, mas você vê eu era um… Ele não parava, não parava.
P/1 – Você era bem novo, não é?
R – Então... Nesse período lá eu me lembro de muita coisa, porque aí eu já estava com… cheguei lá com sete, agora que o meu filho está com sete anos eu consigo ter uma noção do que eu era, que catatau que eu era. Então... Mas nos oito, nove anos, eu me lembro super bem, ajudei muito, fui lavrador, eu ajudava, enfim, tudo que você possa imaginar, que naquela época, interior… Eu lembro que lá no interior, nessa época, tinha muito esse negócio de mutirão. Você tinha uma casa, tinha uma área para plantar... Só para vocês terem uma ideia - porque vocês são jovens - no interior era assim: o fazendeiro tinha a área, ele construía as casas para os chamados colonos e quando ele lhe dava casa, ele lhe dava um espaço pequeno para você plantar as coisas para você. Então, você podia ter um chiqueiro de porco, galinha, plantar o arroz, o feijão, uma área pequena, mas você trabalhava para eles. Eu descobri agora que eles pagavam alguma coisa, mas, normalmente, era por exemplo... Você cuidava de algumas áreas deles e você recebia metade da produção. Então: “Você vai cuidar para mim desse pedaço, vai colher o café, vai plantar milho, não sei o quê…”. Na época da colheita, você tinha... 1/3 ou metade daquilo era para você. Eles vendiam lá na cidade: “Consegui vender muito bem o teu feijão”. “Tá aqui dez cruzeiros”. E estava resolvido. Porque ninguém ia conciliar nada. Então, tinham as malandragens. Mas, de qualquer forma, era assim que funcionava. Então, naquela época, eu tinha já… Então, voltando ao mutirão, nessas fazendas tinha dez, quinze, cinco dependendo do tamanho da fazenda, então quando era colheita do vizinho ia todo mundo para lá. Por exemplo, homens/hora. Então: “’Seu’ Isaltino, manda o seu pessoal lá para mim, então fica uma semana lá cinco homens, eu te devo uma semana com cinco homens quando você for colher”. Criança era 1/3 do adulto. E eu, com nove anos, eu já era metade do adulto, porque eu era muito bom. Tanto que o João, que era o meu irmão que já era grande, eles nem… Não gostavam de levar o João, homem a homem, porque ele não trabalhava, ele era mais preguiçoso e eles preferiam que eu fosse, porque eu era mais ativo. Então, você ficava carpindo, a gente falava capinar, mas é carpir. Aquela enxadinha, tudinho, o sol batendo, muito legal. E tinha mais um monte de coisas para fazer, e tal. No comecinho, eu levava comida para o pessoal, para os meus irmãos. Aí tem uma história curiosa que... E o meu irmão não lembrava, o Expedito, que era todo fresco, todo metido, tal, e a gente morou em um lugar, que eu não consigo lembrar onde era que, tinha muito mosquito, tipo borrachudo… Não é borrachudo, porque era uma região da cana-de-açúcar, então, enfim… E eu tinha que pegar um cigarro de palha enquanto o Expedito comia, eu tinha que jogar fumaça no rosto dele, porque você comia junto com o mosquito, porque não era um caso de fazer assim, era um enxame, tipo borrachudinho mesmo, acho que era. Eu sei que eu ficava lá, o tempo inteiro, eu ficava tonto, porque… Eu contava essa história para ele, ele falava: “Eu não lembro nada disso, está inventando”. Mas era verdade. Então, eu tinha… A minha irmã, por exemplo, disse que no quintal que a gente tinha lá para plantar coisa - arroz, por exemplo - tinha muito passarinho porque região de floresta, não é? E tinha o negócio dos espantalhos lá, só que os passarinhos descobriram que esses espantalhos não faziam nada, então eu ficava lá, de vez em quando, de espantalho, assustando os passarinhos, então era… Isso eu não lembro, a minha irmã que contou. De trabalhar na roça, eu me lembro muito bem. E a gente ia para o meio dos cafezais lá, rosais e tudo, a mulherada toda com pano por causa do sol, todo mundo cantando, feliz da vida, cantando música sertaneja. Naquela época não tinha universitário sertanejo não, era tudo raiz mesmo; então, era todo mundo feliz, voltava todo mundo para casa…
P/1 – Você lembra de alguma que…?
R – Tinha… Tinha aquela: “Que beijinho doce, não é? [cantando]”. “Que beijinho doce que ele…”, ou ela dependendo… E um começava a cantar, virava todo mundo cantando. E pela Duduca eu fiquei sabendo agora, meu pai não cantava, não abria a boca, mas de vez em quando, ele pedia: “Pode cantar?” Aí começava a cantar e todo mundo puxava. Aí tinha aquela “encosta cabecinha no meu ombro e chora”, coisas bem… As músicas do Tonico e Tinoco, as músicas que tocavam muito na época. Então tinha tudo isso no… Todo mundo trabalhava bastante naquela época, o almoço era dez da manhã, você jantava às quatro da tarde, era tudo muito… Seis horas você já estava fazendo os trabalhos. Foi um período… Isso eu me lembro muito bem, acompanhei bastante, então, são boas recordações. Eu tinha até uma visão de muita pobreza que a gente passou, passamos bastante necessidade, mas olhando hoje lá, não era assim… Pobreza é hoje, não é? A gente vivia, tinha o que comer, quer dizer, tinha e não tinha. Em determinados momentos, não tinha. Mas não era como hoje, essa pobreza… Mas graças também a você morar no meio do mato. Então, a minha mãe plantava tudo, tinha horta. Nós fomos numa casa agora lá, a tal da camelinha, Duduca falou: “A horta da mamãe era exatamente aquilo, parece coisa do destino, você percebe que não foi tocado aquilo; então, era realmente um cantinho verdinho que está lá - claro não estão lá mais as verduras, mas é visível que ali era um lugar de plantar coisas, porque era bem úmido e tudo, não é?” Então, você tinha um feijãozinho, um arroz, e tal, claro que faltava, quando estava chegando perto da colheita e tudo… Porque o conceito lá é o seguinte: você colhe, precisa vender porque precisa de dinheiro e guarda um pouquinho para a próxima colheita. Hoje, as colheitas têm produção acelerada. Naquela época, você plantava... Se eu não me engano, o feijão era uma vez por ano, o arroz era uma vez por ano, então você tinha… E isso trazia um risco de, quando você estava chegando próximo da outra colheita, já tinham acabado o arroz e o feijão. Então, tinha que se virar para esperar, ou dava uma zebra na colheita, o arroz não vingou, o feijão não sei o quê… Tinha que ficar uma outra safra sem… O que era muito comum, não é? Ou choveu demais, ou teve muito sol, então, a colheita tem todo um cuidado, tem um ponto certo para colher - até hoje é assim. Se em determinado momento choveu mais ou menos, você cria um problema de florescimento. Hoje tem mais tecnologia, tem previsão, tudo, mas não era o caso de Minas, mas no Paraná, em época de geada, você perdia tudo. Até hoje mais ou menos o Sul é assim, não é? Então eu tenho umas lembranças desse período. Foi muito… Até teve um agora, com essa história do livro, foi me ativando muita coisa que estava lá adormecido. Um dia eu acordei - o livro já estava quase pronto, o ano passado - aí me veio uma imagem de caça ao tatu. Falei: “Eu estou pirando, imagina, eu no meio do morro, lua cheia, aquela clarinha, com um bando de gente, um cachorro e as pessoas enfiando a mão no buraco do tatu”. Falei: “Deve ser verdade porque não foi piração minha; onde pode ter sido?” Em São Pedro dos Ferros a chance era praticamente zero de ser. Aí eu voltei agora com a Duduca, em setembro, para finalizar umas coisinhas, peguei o Tom Zico lá, que é o nosso primo, e falei: “Tom Zico, me ajuda aqui. Que negócio é esse de tatu?” “Você não lembra, não? Subia aquele morro ali, o papai era o maior caçador de tatu, vocês iam, toda criançada atrás”. O meu pai, inclusive, antes, ele enfiava a mão; depois ele desenvolveu uma vareta que o tatu corria para a toca, ele enfiava a vareta lá e já puxava o bicho (risos). Então, essas memórias foram florescendo a partir do momento em que eu fui puxando também, então, eu fui muito… E vera verdade, tem até um morro lá, a gente morava numa casa embaixo, tem um morro, a gente plantava café, essas coisas. Fora trezentas e outras coisas, teve umas memoráveis.
P/1 – Eu tenho duas questões ainda sobre a parte da colheita. Vocês comemoravam o fim da colheita?
R – Não. O mineiro é uma raça muito séria. Se você vai para Minas, por exemplo, você não vê grandes… Não é como na Bahia, que todo mundo se abraça, todo mundo de cabeça baixa e tal, não tinha essa… Você não vê isso em Minas ou não via isso em Minas, as pessoas são muito tímidas no geral e um DNA, uma natureza muito pacata. Não tem briga, de vez em quando um mata o outro, mas é muito raro de coisa, então não tem, não é? É um trabalho, terminou, fez outro, quer dizer, é uma rotina que não tem nenhuma… Não tem nada demais, faz parte do job da… Até porque as colheitas também, como érea toda muito pulverizada, você não tinha uma grande... Primeiro que você está colhendo para os outros, não tinha… Quando eu fui morar no Paraná, por exemplo, eu participei mais ativamente de carregar balaio de milho para colocar dentro do caminhão, aquelas coisas todas, mas também no Paraná também não tinha comemoração, não. É um trabalho como a gente faz no escritório, você ainda faz um happy hour, mas hoje, não tem nada disso, não.
P/1 – E ainda nessa infância de participar também desses mutirões, vocês tinham algum tipo de ritual para se proteger contra alguma coisa…
R – De vez em quando... Eu, pelo menos... Quando você ia colher café, você vinha com a cobra na mão, que ficava enrolada no cafezal, não é? Mordida de cobra no pé, escorpião… Eu, graças a Deus, não tive. Só tive um episódio de uma cobra, que eu estava lá colhendo café e tal, que era tudo manual, e quando eu puxei o galho do café veio uma cobra junto. Devia ser cobra nada perigosa, mas até hoje eu tenho um trauma de cobra, não posso nem ver fotografia, não sei se foi por isso. Se eu vir foto… Esses filmes, por exemplo, Anaconda, eu já desligo, tiro da televisão, eu não posso ver nem na fotografia, eu tenho um… Não deve ser por isso, tem gente que tem medo de barata, essas coisas que não pode ver, não é? Mas em termos de acidente assim, não tinha nada muito sério, não. O meu irmão João, ele uma vez foi mordido, eu me lembro bem, ele estava andando, de repente, uma cobra veio por trás e mordeu o calcanhar, que todo mundo andava descalço, não é? E deu um quiproquó danado, porque, naquela época, você tinha que andar, para ir para a cidade, de onde ele foi mordido, quinze quilômetros. Que eu descobri agora, para a cidade você tem que ir a pé, descalço, e parece que tinha uma história que é o seguinte: você tinha que matar a cobra e levar junto para poder… Sei lá, acho que o veneno da própria cobra, para identificar que cobra que é… E que eu me lembre de acidente foi isso. Aí, teve um… A gente foi morar lá em uma das casas em São Pedro dos Ferros - que eu também achei que fosse meio piração, os meus irmãos confirmaram agora - a gente foi mudar para uma casa que foi revolucionaria, que era uma que tinha luz elétrica, casa de alvenaria, luz elétrica, coisa fantástica para quem nunca tinha visto aquilo. Imagina você com lamparina e, de repente, você está morando numa casa que tem luz., E tinha, inclusive, banheiro. Lá fora tinha uma cisterna, que era um quartinho, só tinha um buraco lá, que você tinha que fazer as necessidades naquele buraco, mas já era melhor do que ir para o matinho, principalmente quando chovia. E aí, tem um negócio curioso que a minha irmã falou: as pessoas, quando iam visitar para passar um fim de semana na casa dos outros, não existia papel higiênico, você ia lá para o mato fazer as necessidades, a turma levava uma espiga de milho, sem o milho, para limpar (risos). Você vê que já tinha criatividade, não é? Porque ele ia no meio do mato, chegava lá, primeira folhinha que tinha, você se limpava, se é que se limpava, não é? Nesse banheiro aí, um dia, eu estou lá, não sei se fazendo xixi ou número dois, de repente, eu olho lá embaixo, uma cobra, que eu acho que ela veio andando e caiu. E a imagem que eu tenho até hoje é um monte de gente tentando içar essa cobra lá da baixo e botaram ela no chão lá e mataram a cobra. Eu fui confirmar com a minha irmã agora, ela falou que era grande, que era uma supercobra, então eu falei: “Então não foi só fantasia de criança”. Eu já tinha uns nove anos, então não era tão… E aí, teve uma outra, bem antes, quando eu tinha seis anos, que escorregou um boi lá do morro e caiu bem na cerca onde a gente morava, onde eu nasci. E aí, mataram. Acho que já tinha quebrado o pescoço, uma coisa assim, aí mataram o boi. Distribuiu a carne para todo mundo. Isso aí o pessoal também confirma até hoje que não… Mas, fora isso, não teve nada assim de… Teve uma que ficou muito pesado, que um dia, em Visconde de Rio Branco, o meu pai chegou assustado, o meu pai morria de medo de brigar, essas coisas, ele tinha… “Vocês não sabem o que aconteceu, o fulano matou o irmão”. Diz que eles estavam num bar, o meu pai não saía de lá, que era chamado o Bar das Três Marias, que eram três vendinhas, ele passava numa tomava uma, passava na outra… Quando chegava perto de casa, ele… E aí, os dois irmãos se desentenderam, um irmão puxou a faca, o outro saiu correndo, disse que foi batendo nas portas lá, e não abriram, sei lá por qualquer razão, e o irmão foi esfaqueando o cara e matou. O meu pai chegou em casa contando isso para a criançada como se fosse… (risos). E a outra memória que, às vezes, eu choro - não sei se eu vou chorar aqui - que o meu pai trazia para a gente bolacha, aquela bolacha Maria que tem até hoje, toda vez que eu como, eu me lembro disso. Mas ele trazia uma bolachinha para cada um, porque ele não tinha dinheiro, não é? Porque no interior é tudo vendido solto… Tem um nome que ele falam, avulso, cigarro é avulso… Então ele comprava três bolachinhas, nem sei quanto valia isso e trazia uma para mim, uma para a Marta, uma para o Luiz - devia ser quatro ou cinco - para aquelas criancinhas. Até hoje eu me lembro desse negócio da bolacha Maria. E era assim, a gente vivia… Eu lembro de uma vez que ele me deu um negócio que… “Achei um negócio…”. Muito engraçado, eu não sei o nome, mas eu me lembro claramente. Era uma pedra… Não sei se é pedra hume, eu vou até pesquisar um dia isso, que você escrevia e depois você apagava, um tipo de um giz, mas não era giz, era uma pedra mesmo. E eu fiquei todo emocionado. E no fim, eu não sei nem que fim que deu esse negócio de coisa… Mas é… Você vê, ele tinha um cuidado com a gente, tal… E tenho mais umas trezentas memórias dele. Algumas são vivas, como tudo na vida. Outras você vai puxando, tenta lembrar, mas não… Aí teve uma lá também, de uma enchente, que tinha uma lagoa - que está lá a lagoa, eu levei o meu irmão lá, ele se emocionou porque ele apanhou uma vez - porque tinha uma enchente, eles foram atravessar a nado. Quando chegou, o meu pai descobriu, surra nos dois - no João e no Expedito. Aí, teve essa enchente, no dia seguinte ou sei lá, no fim da tarde, a enchente transbordou, a gente morava perto da lagoa, você tinha peixes nos gramados, nas plantações de arroz, tal, porque a água foi baixando, os peixes começaram… Alegria da molecada, não é? Pegando com a mão, aqueles peixes pulando, não sei o que… Aí, eu fui confirmar com o meu irmão e com a minha irmã: “Foi isso mesmo, tinha peixe”. Porque era 1962. No meio do mato, uma lagoa produtiva, que era grande a lagoa, rios, ninguém tinha hábito de comer peixe naquela época; aliás, eu não me lembro de ninguém indo pescar para fazer peixe... Você comia frango, ovo e carne. Então, tinha peixe adoidado, eu lembro que você andava assim, aqueles peixes no quintal da nossa casa, tudo. E eu fui agora lá, não consegui identificar, exatamente, o local da casa. Mas, se erramos, erramos por cinquenta metros. E lá, tem um negócio que foi muito marcante, que o meu pai se desentendeu lá numa briga com um cara e a gente morava numa casa assim, e tinha uma passagem, uma espécie de um trilho, um caminhozinho, não é? Você saía da estrada, a nossa casa era a primeira ou segunda, depois você continuava esse caminhozinho e ia para o outro lado lá, onde tinha várias outras casas de colonos. Eu descobri o porquê da briga, agora que a minha irmã me contou. Mas eu me lembro de que, de repente, chega o meu pai batendo boca com esse cara um pouquinho longe da casa e a mamãe me chamou, não sei mais quem que tinha, mas tinha pelo menos umas três crianças: “Olha o seu pai como é bobo, o fulano vai empurrar ele…”. Porque o trilho era meio inclinado, aí o meu pai começou a discutir, o cara foi dando a volta para ficar do lado de cima e a minha mãe se tocou: “Ele está indo para o mais inclinado…”. Eu lembro disso até hoje. “Porque ele vai empurrar o teu pai lá, é um bobo, mesmo”. Passou a mão numa foice e ficou olhando o que ia acontecer. Aí, não deu outra, não é? O cara deu um empurrão no meu pai, meu pai caiu no meio do mato lá, a minha mãe foi correndo, deu uma foiçada no cara (risos) e o cara saiu correndo. Aí, ela: “Precisamos ir lá no…”. Eu acho que foi na cidade, mesmo. Os meus irmãos acham que foi no administrador, eu fui com ela à noite, já estava escuro, descobri agora que eram quinze quilômetros para ir à cidade, e tudo descalço, que não tinha sapato, nem nada, estrada de terra, e nós passamos por esse cara no caminho. E ele acho que não percebeu e a minha mãe: “Vamos rápido, eu quero chegar primeiro que ele na cidade”. E aí foi lá, acho que fez os depoimentos, sei lá o que foi e aí, durante muito tempo, a gente ficava lá na porta, porque esse cara… Esqueci o nome dele agora, ele tinha que passar na nossa porta para ir para a casa dele, então, ele tinha um pano amarrado. E agora que eu fui perguntar para a Olga: “Olga, mas o que é essa história?” E ela contou que o que aconteceu foi o seguinte: o filho desse sei lá como chama, xingou a Marta, que era pequenininha, e o meu pai falou para ele: “Você não tem que xingar…”. Meu pai não era nada disso, chegou à noite, esse cara veio: “O que você veio fazer? Foi xingar o meu filho?” E aí começou o bate-boca. Mas aí, a minha mãe deu uma foiçada no… Ela era bem decidida, ela tinha uma… Ela não deixava barato, não.
P/1 – A mesma foice que ela também deixou…
R – Provavelmente era a mesma, que ela usava para qualquer coisa (risos). O que deve ter deixado o meu pai mais mansinho: “Com essa aqui é melhor não vacilar”. Porque o meu pai nunca foi de briga, nunca teve maldade com ninguém, era uma pessoa super… Que, graças a Deus, isso na minha casa é assim, nós nunca brigamos entre nós. O meu pai brigava com a minha mãe, mas nunca teve aquela coisa de ameaça, de afastar, de ir embora, não sei o quê, e tal. E a gente vivia daquele jeito meio esquisito, mas harmonicamente. Então, eu nunca vi a minha mãe falando mal de alguém, nunca vi o meu pai também falando mal de alguém, então, a gente se criou também dentro dessa cultura de respeitar os outros, não se meter muito. E hoje vive todo mundo a poucos quilômetros da casa do outro, todo mundo tem uma… Com exceção da Duduca, que eu comprei um apartamento para ela longe, que ela queria, mas o resto mora todo mundo muito grudado.
P/1 – Antônio, eu queria que você falasse sobre essa casa com energia elétrica, a descoberta da facilidade dessa…
R – Ah, porque aquilo foi uma coisa… Você imagina uma criança… Agora, eu tenho mais ou menos noção, eu devia estar com nove para dez anos, não é? E foi lá, inclusive... Tinha uma goiabeira lá no fundo… Foi muito engraçado, a gente foi agora lá, achamos três lugares, faltava esse quarto lugar, que era a casa das goiabeiras. Eu lembrava que era uma casa bonita, com alpendre, não sei o quê, e tal. E a gente ia e voltava, achamos um cara lá em São Pedro que conhecia a região e tal, ia e voltava. O meu irmão falou: “Não, mas quando a gente saía aqui do morro redondo era muito pertinho, e tal”. Aí achamos um cara… Aí, nesse vai e vem, a gente já tinha passado por uma casa, eu falei: “Expedito, a casa que a gente tinha não era igual a essa aqui?” “Era exatamente assim”. Porque eles faziam várias casas para os colonos, então era o mesmo fabricante. Aí, tinha um cara encostado num ponto lá não sei o quê, de moto, o Expedito foi lá… “Nós estamos falando de 1963, o cara nem tinha nascido”. “Eu vou perguntar”. Aí perguntou, eu fui junto, ele falou: “Tem sim, logo ali na frente tinha uma casa igual a essa”. Aí, fez questão de ir com a gente, aliás, ele deu o local, a gente entrou, de repente ele aparece: “Não é aqui não, eu falei para você entrar à esquerda, mas é lá…”. Aí fomos lá, chegamos lá, ainda tinha uns restos da casa jogada na coisa… Aí, ele falou: “Eu que derrubei a casa faz quatro anos, que alegre que comprou a fazenda aqui derrubou quase tudo”. Aí eu falei: “Mas não é aqui, Olga, porque tinha um goiabal nos fundos”. “O goiabal eu derrubei o ano passado”(risos). Se eu tivesse ido cinco anos antes, eu teria achado todos esses negócios. Aí, esse goiabal foi engraçado, porque com esse negócio de eu descobrir, eu ia comprar cachaça para o meu pai e para a minha mãe e vinha com aquela rolha. E um dia, eu comecei… Lembro também como se fosse hoje, comecei a lamber a rolha, então, eu virava a garrafa e lambia. E acho que eu já era um cara mais ou menos inteligente: “Para que lamber a rolha se a garrafa está aqui?” E foram me pegar em cima de uma goiabeira, rindo: “O que está acontecendo com esse moleque, não é?” Quando me fizeram descer, descobriram que eu estava com bafo de cachaça (risos), foi o meu primeiro porre. Esse eu lembro, os meus irmãos não lembravam não, mas eu… Mas foi muito engraçado.
P/1 – E os seus pais?
R – A consequência eu não sei, devem ter morrido de rir, não é? Porque coisa de criança. Não lembro de ter bebido mais, não é? E, nessa época, nessa região aí também, tinha um cara meio louco, moleque que andava comigo e tudo, e ele gostava muito de pegar… Antes dessa casa, onde a gente morava, todo mundo morava e tinha lamparina, você põe o querosene, põe aquele barbante… Não é barbante que chama, e você acende e fica horas aquilo, não é? Você só põe mais querosene depois. E esse moleque, ele tinha mania de pegar… Desatarraxava e ficava chupando o barbante, não é barbante que chama, mas… E ele também tinha mania de comer terra, era muito cheio de lombriga, aquelas coisas. E ele era muito esquisito, eu fui muito provocado por ele e outros, negócio do bullying que já existia naquela época, e a minha irmã confirmou mesmo. Ele ficava escondido, jogando pera. A gente ia para a escola, que era uns dois quilômetros de distância, ia ele e mais uma turma chutando a gente, era uma coisa de criança, mas que já tinha, em 1960, todos esses processos de… Mas a parte da eletricidade foi… Assim como, quando eu cheguei em São Paulo também, não é? Panela de pressão, fogão a gás, umas coisas que… Inimaginável.
P/1 – Ainda sobre a infância, eu vou chegar na escola, mas antes eu queria entender um pouco como a casa funcionava, ou as casas, não é? Aí, não sei se mudava essa estrutura de funcionamento conforme a casa mudava. Tinha divisão de tarefas entre os irmãos?
R – Mulher é que faz tudo, não é? Na verdade, lá em casa, minha mãe era sempre a que fazia tudo, e quem cuidava das crianças era a Duduca. Depois quando ela casou, com dezessete anos, aí vai a ordem do mais velho cuidar do mais novo, não é? E, normalmente, a gente ia todo mundo para a roça, minha mãe jogava a gente para debaixo de uma árvore frondosa lá e ela continuava trabalhando, e a gente ficava lá. O maiorzinho cuida do menorzinho. Como é assim até hoje, você pega na periferia, tem até os riscos. A mãe tranca a criança e vai trabalhar, então, era uma outra necessidade; no caso do interior, você levava todo mundo junto, deixava lá e se precisasse amamentar, está ali do lado, tudo.
P/1 – Mas e essas tarefas do dia a dia, como por exemplo, você falou que era você quem comprava a cachaça, tinha essas…?
R – Depende… Nesse caso aí, eu fiz muito, mas, normalmente, o meu pai trazia. Por exemplo, fazer compras era muito comum, você tinha aquela caderneta e faltou alguma coisa vai lá no armazém pegar e quem tivesse disponível ia, não é? Então… Tinha os meus irmãos, por exemplo, o Zezito, que é o mais velho - isso é história da Duduca, eu não me lembro - que ele ia para a cidade vender as galinhas, vender mamão. A Duduca contou isso na história dela. E você amarrava os pés da galinha, botava numa vara e são sete quilômetros para chegar na cidade. E, um dia, o meu irmão voltou e o meu pai: “Cadê o dinheiro?” “Você não sabe o que aconteceu, as galinhas fugiram”. “Deixa de ser bobo, como é que a galinha vai fugir se estavam todas com os pés amarrados?” Aí descobriram que o meu irmão vendeu as galinhas e ficou com o dinheiro, comprou alguma coisa lá, apanhou que nem um danado. Mas tinham essas tarefas de… No meu tempo, já não era mais assim, porque o Zezito já não morava com a gente; a Duduca tinha casado; pouco tempo depois o Expedito também foi trabalhar na cidade, então, era uma coisa menos… Mas sobrava para a minha mãe, não é? A minha mãe trabalhava na roça o dia inteiro, chegava, tinha que fazer comida, lavar roupa, minha mãe costurava também, ela fazia roupas para a gente, então já… Nada diferente… Bem diferente de hoje. Mas era o papel da mulher fazer tudo isso: lavar louça, juntar tudo, fazer comida, dar banho nas crianças, tudo.
P/1 – E como que vocês se organizavam na hora de dormir?
R – Ah, você dorme pelo cansaço, não é? Por exemplo, em Visconde de Rio Branco era uma área de… Eu vivi isso agora lá, negócio de pernilongo, em épocas de safra, sei lá que época que é, as pessoas tinham que dormir, inclusive, no alto do morro, porque não é um pernilongo, era uma coisa… Então, eles botavam bosta de cavalo no quarto e acendia para… Uma coisa assustadora. Eu fui agora, no ano retrasado, no hotel lá, foi um desespero, porque continua ainda tendo… Você vai andando, é aquele enxame. Aí, a minha mãe punha aquele negócio por cima do berço, mas não adiantava porque sempre tem um buraquinho em que eles entram, então a criançada saía no outro dia toda… E, normalmente, se morava em casas… Por exemplo, essa casa que eu descobri, a única que está de pé lá em Rio Branco, era uma casa com uma salinha e um quarto e morava todo mundo, seis, sete, oito pessoas na… Dormia um em cima do outro, não é? E a minha mãe sempre foi cuidadosa, fazia… A Duduca explicou para vocês o que é uma esteira, não é? Então... Ela fazia, ela trancava aquilo lá para… Porque é uma planta que dá na beira dos rios, chama acho que é taioba… Não, é um outro nome lá, as folhas grandes, aí você corta, deixa secar, quando ela vira palha, você faz esteira, faz o que você quiser. Mas era tudo… Não tinha nada de banho, essas coisas, imagina! Era tudo banho de bacia, mas todo mundo sujo, tudo no meio do mato, então não tinha… O mineiro sempre foi muito… Cuidaram sempre da higiene, você chega em qualquer lugar em Minas, lugar pobre, você pode tomar um café, uma xícara, está sempre limpinha, toda quebradinha e tal, mas está limpinha. As roupas, todo mundo remendava… Naquela época, usava muito remendo. Hoje não tem mais e todo mundo está com a roupa limpinha. Então, pessoal… As panelas do fogão, tudo… Tinha bastante esse cuidado.
P/1 – Falando em roupa, teve alguma roupa especial que a sua mãe fez para você e que você tem uma recordação…
R – Minha não tem, tem do meu irmão, João. Que é uma memória que eu tenho, é todo de marrom, que foi a minha mãe que fez e eu tentei agora buscar na memória, e foi nessa casa com luz elétrica e, provavelmente, foi comemoração dos dezoito anos dele, porque ele nasceu em 1944, foi em 1962, 1963 que a gente morou nessa casa, então, com certeza, foi… Eu lembro da imagem até hoje. Eles fizeram uma festinha lá, tinha um sanfoneiro e tudo e ele dançando lá com as meninas e tal. Todo marrom, calça marrom… Não tem forro e nem nada, mas ninguém lembra disso, só eu que tenho essa imagem da… Provavelmente, a minha mãe, com certeza, tinha. Minha mãe fazia as roupas para a gente, mesmo quando a gente veio para São Paulo ela praticamente fazia tudo para a gente, que, segundo a Duduca, ela aprendeu… Ela pegou uma calça ou uma camisa, um dia, descosturou tudo: “É assim que faz? Então eu vou fazer”. O que é muito normal no interior, você ser autodidata, então…
P/1 – Dava tempo de brincar?
R – Então... Eu tenho uma memória dessa coisa que uma vez a minha mãe… Nessa casa… Com certeza, nessa casa que tinha luz, eu bolei um… Eu peguei dois carretéis de linha, peguei um pedacinho de madeira, fiz um cortezinho nos dois e transformei isso num carrinho, a gente passava carvão e ele ficava chiando, não é? E eu me lembro claramente de eu brincando na sala, que era de madeira, e a minha mãe falando para o meu pai: “Esse menino é um…”.O adjetivo eu não sei, mas elogiando: “Trabalhou até agora e chega aqui e está brincando”. Coisa de criança, não é? A gente achava tempo, sim. Domingo, por exemplo, no interior, é sagrado. Ninguém trabalha, salvo… Não se trabalhava, salvo se tivesse uma emergência. Mas domingo, todo mundo toma o banho, vai para a cidade, então… Domingo é… Mas, aqui em São Paulo, por exemplo, eu não tive muito tempo de brincar. Mas lá, a gente sempre achava uma… A criança não tem esse peso de… Acaba convivendo com isso numa… Tem mais umas três horas de história, vai perguntando logo, senão nós vamos…
P/1 – Eu fiquei curiosa nos dias de domingo, como que a família se organizava no domingo? Como que vocês se programavam para viver o domingo?
R – Eu não sei, dai eu não me lembro. A gente, de vez em quando, ia na cidade, por exemplo, já falando de uma época em que o meu irmão era garçom num hotel lá na cidade. O hotel está lá até hoje, está inativo, eu me lembro dele me servindo uma água, primeira vez que eu tomei água mineral, não sei nem se é água mineral, mas é uma água de jarra, assim, chiquérrimo, não é? E ele servia alguma coisa para a gente lá, não sei o que foi, e a gente ia para a cidade e ia com o meu pai, às vezes, com a minha mãe. A Duduca diz que a gente… Isso lá em Visconde de Rio Branco, que a gente vinha descalço, quando chegava perto da cidade, não mudava muito, porque era tudo de terra do mesmo jeito, mas chegava, limpava o pé e… Agora que eu fui com ela lá em setembro, quando a gente saiu da cidade para descer para ir para a fazenda, para o sítio, ela falou: “Está vendo esse morro aqui?” “Estou” “A mamãe começou a vomitar aqui, a tia Miguita estava com ela e falou: “Comadre, você está grávida de novo, eu não acredito, a outra menina nem está andando ainda”. ‘Importante é ter filhos e se for menino ou menina, vindo com saúde, está bom’”. Aí eu fui perguntar para a Duduca: “Grávida de quem?” “De você”. “Ela sentou numa pedra aqui, que era uma pedra que a gente, quando vinha do sitio, a gente sentava nessa pedra para limpar o pé, para dar uma descansada para ir para a cidade”. “Quando eu voltar, eu vou parar para ver se a gente acha a pedra”. Cheguei lá, achei a pedra, a pedra está lá, a pedra é enorme, obvio que não… Eu falei: “Ela está enganada, porque antigamente a gente vinha… Eles vinham da roça por um outro caminho, que hoje é uma estrada”. Essa estrada que ela disse que tem a pedra é muito nova, deve ter dez, quinze anos. Eu não quis constrangê-la, mas eu achei um caminho e falei depois: “Duduca, você não está enganada quanto a essa pedra, não? Porque a gente não vinha não era pelo de lá?” “É, bobo, mas a gente cortava atalho pelo mato e passava por aqui” (risos). Daí eu confirmei com o meu primo: “Porque se a gente seguisse o trilho de lá, depois voltava, aqui criaram um atalho no meio do mato”. Que você ganhava, sei lá, trezentos metros. E a pedra está lá até hoje, eu botei no livro, inclusive. Mas não tinha muito… A gente ia à cidade, não tinha dinheiro, não é? No máximo, o que você conseguia, de vez em quando, era comprar um doce, uma bala. Coisa de antigamente, era um centavo, sei lá, menos do que isso, você ia porque ia, mas não para na sorveteria, não come um sanduíche, não tem nada a ver, era tudo um bate e volta
P/1 – E vocês tinham algum costume religioso?
R – Todo mundo era católico, ia para… Na missa, a gente… De vez em quando, a gente ia à missa, no centro, sim. Tinha uma igreja do ladinho de casa - Igreja do Clemente - mas não me lembro de… Eu lembro das festas comemorativas lá. Até o meu primo me contou: “Você sabe a história do pau de sebo lá do Clemente, que você ganhou?” “Você está enganado, eu nunca ganhei nada disso”. “Não foi você, foi o Expedito, vocês estavam mudando para São Pedro dos Ferros e vocês participaram da festa lá do Clemente”. E não sei se você sabe, festa junina, essas festas religiosas, tem muito... Você põe alguma coisa lá em cima, um dinheirinho, e você tem que subir naquele negócio. E enche de farinha, cada um tem um truque para chegar. E o Expedito conseguiu pegar, segundo… Aí, a Duduca falou: “Eles tinham uma festa em maio, que era festa…”. Sei lá que festa que era, e a gente mudou em junho para São Pedro dos Ferros, então, o que o meu primo falou: “Vocês estavam já de mudança”. Então, tudo bate nessas coisinhas de… Aí, eu contei para o meu irmão, ele não lembra, também. O meu irmão, comparado comigo e com a minha irmã, ele não tem… Ele não lembra de nada. Aliás, foi ele… Foi por causa dele que surgiu tudo isso. Porque eu fui comemorar os setenta e cinco anos dele no almoço e começamos a bater papo e tal: “Pois é, estamos ficando velhos”. “Expedito, a gente nunca falou onde a gente morou, sabe o que eu acho que a gente podia fazer? Vamos juntar toda a turma aí, eu levo vocês lá”. “Legal, e tal…”. Aí disse que uma irmã minha falou: “O Antônio estava tomando caipirinha, você acha que ele vai lembrar?” Só que eu levei a sério, eu cheguei em casa no domingo, na segunda-feira, comecei a… E em setembro, a gente estava lá. Conseguimos os contatos, enfim, conseguimos achar praticamente tudo, mas em função dele, que não tinha memória, chegou lá, não lembrava de nada. Se a Duduca não tivesse ido, nós teríamos perdido muita informação. E ela nem queria ir, o filho dela que deu um malho e eu fui lá e falei: “Duduca…”. Como eu ajudo muito eles, o filho chegou para ela e falou: “Você não vai fazer uma desfeita dessas, não é?” “Eu não estou conseguindo andar”. Aí eu comprei uma cadeira, aluguei carro, enfim, fiz tudo… Foi muito bom para ela, porque ela se reergueu, agora está andando sem grandes necessidades mais, as dores que ela tinha desapareceram. Voltei com ela agora lá, toda entusiasmada, então esse revival para a gente foi muito legal para resgatar coisas, lembrar de coisas, e tal. Que mais?
P/1 – Você tinha apelido? Porque tinha a Duduca, tinha o Zezito…
R – Não, nunca tive. Que eu me lembre, não, sempre foi Antônio. Eu era muito bravo, segundo a Duduca. Isso eu não me lembro. Nunca apanhei dos meus pais… Apanhei uma vez da minha mãe porque eu fiz uma bobagem lá e… Mas a Duduca disse o meu pai sempre teve uma… Esqueci o nome agora, um machucado no pé e disse que quando ele ficava meio bravo lá, com todo mundo, disse que eu passava a mão em um pedaço de pau, com sete anos: “Não vem para cima de mim, não, que eu te dou uma sarrafada nesse teu machucado” (risos). Mas o que ela diz é que eu era muito pirracento. Mas, fora isso, não… Apelido, com certeza, eu não tinha não.
P/1 – Conta sobre essa vez, então, que você comentou da sua…
R – Então... Isso foi agora. Descobri que foi lá na Camelinha, suponho que tenha sido pelas características, tudo, a minha mãe costurava, que é o se chama de costurar para fora, que é o que você faz encomendas também, e ela me pediu para ir lá na venda comprar uma agulha. É uma história meio estranha, porque normalmente você buscava essas coisas e anotava na caderneta, com certeza. Ela me deu o dinheiro para comprar a agulha, eu cheguei lá e tive a brilhante ideia de não comprar agulha e comer uma bala, porque uma agulha não deve ser mais do que uma bala. Quando eu voltei, eu: “putz, fiz besteira”. Aí, não tinha coragem de voltar para casa e a minha mãe esperando a agulha, porque ela tinha que terminar a costura. Aí, chega uma hora em que eu cheguei lá, todo mundo em pavorosa, porque: cadê o Antônio? E tal… Eu falei: “Mãe, eu perdi a agulha”. “Então, vamos atrás”. E a minha mãe era brava para caramba e eu não sei o que aconteceu, eu acho que no meio do caminho eu contei, não é? Para quê?… Apanhei que nem um danado, mas foi a única vez, nunca tive problemas com o meu pai, não, sempre… Também fui muito cuidadoso, medroso, e outra, eu sempre fui… Eu tinha um grau… Modéstia à parte, uma inteligência superior, que ficou comprovado profissionalmente depois, em função de coisas. Eu já tinha uma noção muito clara das coisas - o que é certo, o que é errado – então, nunca tive… Nasci… Por exemplo, os meus irmãos aprontavam, eu nunca saí da linha, não só por medo, por qualquer razão eu não fui um transgressor, então, eu não tinha…
P/1 – Conta para a gente da sua primeira lembrança de escola.
R – Lá no interior, eu tenho essas lembranças que não eram da escola, não é? Hoje a gente percebe o que era. Dentro das fazendas, você tinha… O dono da fazenda liberava um galpão ou uma sala para os filhos dos funcionários. Normalmente, quem era alfabetizado era o professor, quer dizer, não era uma formalidade. A minha irmã, por exemplo, tinha só o primário e foi professora, inclusive registrada no Ministério da… Na prefeitura do Paraná, ela dava aula na fazenda. Então, não tinha didática, não tinha quase… E a gente sentava no chão, não tinha técnica e tinha muito castigo... Você sentar no milho, palmatória, não é? E as crianças do interior eram, primeiro, subnutridas, com um grau… Pessoas muito simples, quer dizer, você não tinha… Os pais não foram educados. Então, as crianças tinham muita dificuldade para aprender, então apanhava muito. Naquela época, você errou tabuada, cinco vezes palmatória na frente de todo mundo. E aquilo doía para caramba, eu não me lembro de ter tido isso, eu sempre… Mas a gente foi agora lá, e nós achamos a escola, no meio do mato tem uns alicerces ainda. A minha irmã lembrava, eu não lembrava do local, então foi… O que eu me lembro é dessa escola, eu tenho vagas memórias de um ou outro lugar, mas tudo improvisado, não tinha nada…
P/1 – E o que o menino Antônio queria ser quando crescesse?
R – Você sabe que eu nunca tive essa… A minha mãe, nessa época, ela… Eu lembro que eu estava debaixo de uma árvore com ela lá, provavelmente, depois de ter fumado com o Expedito, ela chegou para mim… Isso eu me lembro claramente, a gente já tinha o Zezito morando em São Paulo, ela chegou para mim e disse: “Você vai ser… Você vai para São Paulo e você vai ajudar todo mundo a ficar muito rico”. E eu vim para São Paulo, carinho de coisas na casa do meu tio… Umas coisas muito loucas, porque a gente não tinha nem educação no sentido de respeitar… Minha tia teve que… Fiquei sabendo depois, teve que mudar para a gente poder ficar, porque era muita gente, então, enfim, aí comecei a trabalhar em São Paulo, vendendo doce, minha mãe fazia… Minha tia fazia aqueles… Que vende na feira hoje, aquele cheiro verde com salsinha, então a gente aprendeu a amarrar aquilo lá, você amarrava com a própria planta. E eu saía, com um balaio daquilo, vendendo nas casas. Depois a minha mãe era muito boa para fazer doce, fazia os doces e a gente saía vendendo. Aí, tinha um chinês lá do lado, que tinha uma lavanderia, eu comecei a trabalhar com ele, buscar roupa, levar roupa, tal… E fui fazendo. Depois, resolvi empreender, que foi fazer carreto na feira, eu mesmo fiz o meu carinho. O primeiro dia que eu fui fazer o carreto, o carro quebrou, porque eu mesmo tinha feito o carrinho, e caíram todas as compras da mulher. Porque, naquela época, você comprava o arroz, era um saco, você punha dentro, pesava, e eu botei no carrinho. Eu andei dez metros, o carrinho desengonçou, caiu tudo no chão, aí um cara que ajudou - ele ficou meu amigo até hoje. Falou: “Para com isso de carrinho, vamos engraxar sapato que é muito melhor”. Aí, eu comecei a engraxar sapatos, tal, quando apareceu um tio do meu pai, isso em 1965, eu já estava há dois anos aqui, menos de dois anos, chegou comemorando que teve uma colheita de café no Paraná, ficou todo mundo rico, meu pai largou tudo e foi embora. Eu tinha acabado de fazer o primário, a duras penas, porque eu já estava com quatorze anos, acordamos lá no Paraná. Descobri agora que a gente ficou um ano lá, levei a família lá agora também, não tem mais nada, mas tiramos foto, tudo. Aí, quando eu voltei para São Paulo, eu fui trabalhar numa mercearia lá no miolinho lá… Aí, eu fui trabalhar, já que eu tinha experiência, fui trabalhar com o “seu” Sampaio ali na Nove de Julho, onde eu tirei a foto do ‘coiso’… E ali, a história é comprida. Mas ali, foi ele que me arrumou dinheiro para a gente comprar uma casa - eu entrei com cem cruzeiros; a minha irmã entrou com cem; o meu irmão tinha comprado um terreno que não pagou - entrou com, ficticiamente, com uma entrada, e eu sei que em 1968 a gente tinha comprado já uma casa para a gente e, bom, aí eu fiquei lá, fui trabalhar de boy, aí o meu irmão indicou um ex-patrão dele, que era do Restaurante ____01:34:52____ na Praça da Sé, que tinha uma distribuidora de produtos da Gilette, tal, fui trabalhar com ele. Trabalhei um ano e aí eu já estava no período de Exército, então ninguém contratava. Aí, apareceu um anúncio, que era coisa rara, office-boy maior de idade, que aliás... Aí eu fui liberado do Exército e pintou… Eu não tinha nenhuma profissão, aí pintou um anúncio que eu até pus no livro, tem um anúncio que eu consegui digitalizar no Estadão, tal. E era para boy maior, aí fui lá, fui entrevistado, o Ariovaldo que me entrevistou, acabei de almoçar com ele no mês passado. E aí, eu fui trabalhar com o tal do “seu” Isidoro e tal… Um dia, eu cheguei… Dois meses depois, eu voltei para o escritório - porque eu fazia tudo a pé pela cidade e tal - e o Ariovaldo me chamou e falou: “Você está despedido”. “Por que Ari?” “O “seu” Isidoro, que é o seu chefe, viu você tomando café lá no bar, e é proibido”. “Desculpe, mas eu não tenho esse regulamento, eu sou boy. Eu passei ali para tomar um café e continuei. Que história é essa? Eu vou falar com o Doutor Faria…”. “Ele não vai te atender”. “Mas eu vou falar porque eu não acho justo”. “Aguenta as pontas até amanhã e a gente conversa”. Aí, no outro dia, ele me chamou lá: “O Isidoro não te quer, está muito danado, mas eu conversei com o Faria, tem uma vaga aqui de auxiliar de pessoal, eu vou ficar com você”. “Eu não entendo nada desse negócio”. “Eu vou te ensinando e tal”. Aí, ganhava, sei lá, trezentos reais. Aí, passaram-se dois meses, era tudo aberto no salão, eu tirei foto agora lá, agora tem uma confecção lá, mas o prédio está inteirinho, as pastilhas, tudo igual. Aí, chega o doutor Faria, gordão, tal, conversando com o Ariovaldo e eu, na mesa de cá, e eles olhando para mim: “Dancei, não é?” Aí, o doutor Faria foi embora, o Ari me chamou. Falei: “O que foi Ari?” “Eu estou sendo promovido para tesoureiro e você vai ser o chefe de pessoal”. “Ari, você está com gozação, eu não sei nem fazer conta”. “Não se preocupe”. Aí comecei a ser chefe… Foi uma loucura, trabalhava sábado, domingo, madrugada, uma coisa de louco, era tudo manual, não tinha nada de... Tudo datilografado, assim… Aí, eu fiquei um bom tempo… Isso foi em… Eu entrei em outubro de 1970, 1971 eu fui para o Departamento Pessoal, em fevereiro, acho que provavelmente maio eu fui promovido a chefe, em 1972, eu estou com as datas bem… Porque eu… Em 1972 eu estava na casa do Abrahão e eu sempre fui muito de ler jornal e, de repente, eu vejo um anúncio desse tamanho: “Assistente do departamento pessoal da companhia fotográfica… Comparecer segunda e terça…”. Peguei aquele anúncio, chegou na segunda-feira, falei: “não vou, estou super bem aqui”, Aí, na terça: “Também não custa nada...”. Cheguei lá, fui entrevistado, o cara gostou de mim. “O salário é mil e não sei o quê…”. E eu ganhava quatrocentos e cinquenta. Aí, ficou tratado: “agora, como e que eu vou fazer?” Nessa época, eu já tinha o assistente, que era o Gilmar - que é meu amigo até hoje também - o Gilmar ganhava quinhentos e cinquenta como auxiliar e eu, como chefe, quatrocentos e cinquenta, porque não deu tempo deles... Enfim, malandragem deles e eu não reclamava. Aí, eu fui para Euclides, está o prédio até hoje lá, ainda. Eles faliram e aí, eu consegui… Aí, passou dois meses e meio, aparece o Benzil, que era o meu chefe quando eu fiquei chefe de pessoal, porque tinha o gerente administrativo: “Eu queria tomar um café com você”. “Passa aí”. Chegou lá, ficou encantado, porque saiu de uma construtora na rua São Caetano, no Brás, para um lugar que era tudo maravilhoso, tudo carpete, as mesas, iguais para todo mundo, tudo coisa chique - tanto é que faliram - e aí o Benzil chegou: “Pô, você está bem, rapaz” “Pois é, agora eu sou…”. Todo de gravata, tudo lindo e tal, em uma daquelas salas que você viu a foto, não é? “Eu vim aqui para tomar um café, mas eu e o Faria queremos te levar de volta”. “Benzil, não dá, eu ganho mil e oitocentos aqui” - era só mil. “Arruma um emprego para mim aqui, então”. Porque o Benzil ganhava acho que era mil e quinhentos lá, alguma coisa parecida. Eu falei: “Posso arrumar, eu vou atrás aqui para você”. Aí, uns três dias depois, ele me ligou: “Olha eu falei com o doutor Faria. Por dois e trezentos você vem?” “Vou pensar”. Eu saí de quatrocentos e cinquenta de qualquer moeda para dois mil e trezentos, em noventa dias. dias. Aí: “O que nós vamos fazer com o Gilmar, que é chefe agora?” “Deixa que eu falo com o Gilmar”. Falei: “Gilmar, eu estou indo para aí, você não quer pegar a vaga minha aqui no Euclides?” Na hora. Falei: “O salário é bem maior do que o que você ganha aí e a gente resolve as nossas”... Acabou conhecendo a Rosana, que era a menina lá, casou, enfim… E aí começou tudo, eu comecei a ter… dois mil e trezentos naquela época, não sei comparar hoje, mas dava para você ir para as boates, jantar fora, comprar casa, comprar carro, chegava no fim do mês ainda sobrava grana, era muito dinheiro para mim que não tinha… E aí, começou a ter essa ascensão. Aí, um tempo, eu saí, fiquei lá, tal, fui promovido de chefe de pessoal para gerente administrativo e tal, aí eu já estava com um salário de cinco mil como gerente, e eu tinha acabado de casar. E eu despachava com o doutor Faria todo dia às dez, eu pedi um aumento. Toda vez que eu ia pedir aumento, ele vinha com uma história: “Acho que não é o momento”. Até que o dinheiro estava apertado: “Doutor Faria, preciso falar com você. Eu adoro aqui, testou super bem, ganho super bem, mas eu estou com um problema que eu casei e estou enforcado, não sei como o senhor pode me ajudar, eu não estou reclamando do salário…”. “Quanto você ganha?” “Cinco mil”. “Vou ver”. Aí, no outro dia, me chamou: “Você vai passar a ganhar quinze mil”. Você vê como estavam me explorando, não é? Aí foi… Um belo dinheiro, que naquela época era tudo mais em conta, não é? Aí, fiquei mais um tempo lá, sai, e tal, e fiquei seis meses fora, fiz bobagem, montei um negócio com o meu cunhado, uma oficina mecânica. Quando eu fui sair, o Faria falou: “Você é um louco, você é um grande profissional, você trabalhar com oficina mecânica?” Aí, passou um tempo, eu liguei para ele e falei: “Eu estou com o tempo ocioso, como vocês têm muito financiamento, se, de repente, você quiser que eu faça algum bico aí…”. Esse negócio de intermediação no banco, que tem todo um processo para aprovar, não sei o quê… Ele falou: “Deixa eu pensar, eu estou precisando de uma pessoa na Gradelaria e tal…”. Ai, eu fui para lá,, para a Gradelaria, só que é uma empresa… Tanto é que eles faliram depois, é muito complicado, você pagava tudo em Cartório e eu estava com vinte e oito anos, até que um dia apareceu… Aí eu comecei: “acho que eu vou sair”. Aí veio um anúncio de uma empresa em Brasília, fui lá, não era o meu perfil, eu também não estava a fim de mudar para Brasília, aí no outro anúncio que apareceu, era de financeiro, para uma empresa de comunicação, não era para mandar currículo, era para marcar hora e ir lá, mas tinha que ter experiência. Aí, eu fui lá, um tal de Cromber, que era um escritório de Contabilidade, me atendeu, fiquei sabendo depois e eu botei no currículo, estava esperando empresa de comunicação, não sei o quê… naquela época, tinha a Páginas Amarelas, rua Mourato, 50, um prédio quase todo era de rádios, fiz o meu currículo, já tinha currículo, fiz a cartinha: “Para a empresa… Grupo de comunicação RBS…” ou qualquer coisa do tipo, entrei na sala, o Waldemar, ficou meu amigo depois, de pé, eu sentado, ele falou: “O senhor veio no endereço errado”. “Por quê?” ‘Eu não me identifiquei no anúncio, de onde você tirou isso? Não é aqui”. “Desculpe, me dá aqui, isso é deszelo da minha secretária, mil desculpas”. Aí ficou lendo o currículo: “Definitivamente, o senhor veio no lugar errado. O anúncio pede experiência em comunicação e o senhor trabalha em metalúrgica”. “Eu não vejo nenhuma diferença como gestor financeiro, administrativo, eu chego lá, em cinco minutos eu vou entender”. “Não é bem assim, você sabe o que é um Departamento de Mídia? Você sabe o que é um Departamento de Criação?” “O de criação dá para perceber já, o de mídia, eu não sei, mas pode convir que eu vou chegar lá e…”. “Não, porque…”. Aí ele sentou, eu pensei: “se ele sentou é porque…”. Um judeu grosso para caramba, depois ficou superamigo. “Eu vou abrir uma exceção, eu vou te levar lá para o dono da agência”. Aí passou acho que uma semana, fui conversar com o Júlio, que é o dono da Talent. E o Júlio começou a conversar comigo: “Quando você chegar, nós vamos…”. Aí o Waldemar: “Não, mas nós temos outras entrevistas”. Eu me toquei: “claro que ele já…”. Aí, eles fecharam comigo. Era um salário um pouquinho menos do que eu ganhava, mas eu fiquei… Primeiro, eu queria sair… Aí, a semana que eu entrei na Talent, o Júlio fechou comigo numa quinta e falou: “Então, você começa segunda, mas é o seguinte: eu estou viajando, eu vou para Nova York uma semana, quando você… Enquanto isso você senta aí”. Tinha sete funcionários a agência, era muito pequena, e eu não tinha nada que fazer lá. Tinha dinheiro adoidado, diferente da outra, que eu só pagava em Cartório, enfim, era uma coisa… Uma empresa iniciante. Então, para mim que tinha toda a experiência, tinha mais de quarenta pessoas na minha área lá na metalúrgica... Quando o Júlio chegou, eu tinha datilografado um monte de coisa, falei: “olha Júlio, não tinha nada para fazer aqui, eu achei que devia ter esse e esse tipo de controle”. E aí, descobri que o Júlio tinha quebrado na época e tudo o que eu coloquei era o sonho dele de ter alguém que tivesse essa preocupação de ter esse cuidado, o zelo… Aí, isso foi em 21 de setembro e ele… O Júlio sempre foi muito aberto, eu virei sócio depois lá, e ele: “Eu vou te dar uma gratificação no fim do ano, eu estou gostando muito”. E aí, quando chegou dia primeiro de dezembro, era aniversário dele, tem tradicionalmente um bolo lá, para cantar parabéns e tal, e eu tinha uma tarefa que era receber um dos valores da TV Globo, que estava parada lá há mais de um ano, aí eu fui lá na Globo, conversei com o ____01:47:18____ e tudo: “O que eu tenho que fazer para receber esse dinheiro?” “Você pega todas as cópias das notas”. E fiz um dossiê, fui pessoalmente lá e entreguei. E no dia primeiro de dezembro, por uma coincidência, chegou o cheque, cinco milhões e pouco… Era muito dinheiro, eu ganhava cento e quarenta mil, então você imagina cinco milhões, eu ganhava cento e quarenta por mês. Mandei depositar, a secretária dele tinha o boy, falei para a secretária: “Mande depositar”. Quando chega no fim da tarde, o Júlio entrou na minha sala, bateu a porta: “É um absurdo o que está acontecendo…”. “O que aconteceu?” “Não admito certas coisas aqui nessa empresa”. “Fala o que é”. “Onde já se viu você pegar um cheque desse e depositar, seu fdp, e não falar comigo! Você tem noção do que é isso?” Aí me abraçou, não sei o quê… “Eu entendi como uma operação…”. “Operação coisa nenhuma, rapaz, isso é uma grande glória, você é demais, você é…”. “Mas eu não fiz nada, eu fui pegar o cheque” “: Coisa nenhuma…”. Aí, ele falou um monte de palavrão e tal… “Vamos lá cortar o bolo”; fez homenagem, isso também foi uma coisa que eu nunca pensei por esse aspecto, mas me valorizou muito, porque qualquer outro… Qualquer outro, não, um cara mais: “Consegui Júlio, você não sabe o trabalho que deu”. Para mim, estava dentro de uma rotina, assim como com o doutor Faria também, a gente nunca teve… Eu nunca tive esse lado de precisar vender o meu peixe, eu sempre achei que as pessoas… Eu nem sei vender. E aí, no final do ano, ele me deu três salários - eu estava há três meses no escritório - ele me deu três salários. Aí, me prometeu, já para o ano seguinte, uma participação nos resultados. Falei: “Júlio, você quer dar, dá, mas você já tem o resultado, eu não faço nada para o resultado, vocês que geram receita”. “Mas é bom você terem”. Aí, me deu 3% dos lucros, que era uma grana. Aí, pronto, a partir dai passou um tempo, a gente virou sócio - eu e mais outros dois - e aí convivi lá trinta e cinco anos tudo, aí fiquei... De acordo com a minha mãe, eu fiquei rico, não é? Porque eu comecei a ganhar muito dinheiro, mas sempre tive um cuidado, comprei casa para todos… Mesmo antes da Talent, eu já tinha comprado, não é? Faltava a Duduca, que eu comprei aquele apartamento para ela em 1994, 1993, então todo mundo tem casa própria, eu ajudei, pago desde daquela época, antes da Talent, salário… Como chama? Seguro saúde para todo mundo, eu estou sempre ajudando. Às vezes eu seguro um pouco, não dou mesada, mas quando é uma emergência, alguma coisa, eu acabo… Mas nunca abusaram de mim, só tem uma irmã que não se acerta e… Mas é sempre… Agora, por exemplo, mandou a conta de luz lá, de água, dava setenta reais, para eu pagar: “Eu já falei para você que eu não vou pagar”. Desde os quatorze anos que eu ajudo ela, não tem jeito, você dá, ela vai lá e gasta em outra coisa. Aí, mandei duzentos reais. Eu tenho que negar, mas, ao mesmo tempo, eu não me sinto bem,; aí, mandou uma mensagem toda maravilhosa, então, eu fico administrando… É a única que… mas é quinhentos reais, dois mil e novecentos reais, não é nada… Não é para trocar o carro, mudar de casa, nada e tal. E aí, há uns cinco anos, eu comprei um apartamento na praia para eles, quer dizer, está no meu nome tudo, mas é para uso deles, mas é… A família é muito pobre, então, eles não têm nem dinheiro para ir para lá, mas está lá, acabam curtindo, os sobrinhos acabam levando os pais, esses são os pedacinhos da minha gloriosa vida (risos).
PAUSA
P/1 – Antônio, então eu queria voltar um pouco mais no tempo, antes de ainda estar em São Paulo, que você comentou daquela cena da sua mãe falando para você, mas teve algum momento na conversa, na família, em que teve aquele ultimato de: “Vamos todos para São Paulo”? Quando se tornou real essa possibilidade?
R – A vinda para São Paulo teve um peso muito grande da minha mãe, porque mesmo pequenininho - eu lembro - ela sempre achou que a vida no meio do mato não tinha muito sentido. Tanto que ela… o Zezito nunca foi muito um grande lavrador, ele… Mais preguiça do que objetivo: “Eu não vou trabalhar na enxada, eu vou para a cidade”. Então, foi trabalhar de garçom, não sei o quê e tal… O Expedito, que foi o segundo homem mais velho, o Zezito arrumou emprego para ele. Aí, de lá, a gente foi para São Pedro dos Ferros, o Zezito já não foi - foi só o Expedito - que o Zezito arrumou um emprego em Juiz de Fora, é tudo muito próximo ali. E, com o tempo... Eu fiquei sabendo disso pela Duduca... Ele arrumou um emprego para o Expedito lá em Juiz de Fora. De lá, todo mundo sabia que a gente tinha um tio em São Paulo, Zezito veio para São Paulo e ficou morando na casa dessa minha tia e com o tempo… Eu não sei quanto tempo, pouco tempo depois, ele levou o Expedito. E aí, a minha mãe já tinha dois em São Paulo, talvez por isso que ela tenha feito esse comentário comigo. E eles se correspondiam por carta e tudo. Eu sempre achei que a minha mãe veio visitar os meus irmãos sozinha, a Duduca disse que não, que ela veio com o João, que era o mais… É o terceiro homem na escala. E ela veio para cá e disse que demorou para voltar. Duduca disse que foi porque eles não tinham dinheiro e começou a entrar um problema aí que mandaram carta, demorava quinze dias para chegar e tal, e a minha mãe voltou. “Duduca, quando foi isso?” “Não me lembro”. “Faz uma forcinha, quando é que a mamãe veio para São Paulo?” “Já sei, que quando ela chegou, ela foi direto para Rio Branco, para a gente pegar o trem para São Pedro dos Ferros e foi dia 22 de maio…” (risos). “Por que você sabe que é dia…?” “Porque…”. Então, nesse período, que foi 1962, foi quando a minha mãe veio para São Paulo, ela deve ter voltado entusiasmada e deu em cima do meu pai. Aí, quando foi junho de 1963, segundo a Duduca, me aparece o Zezito, que veio nos buscar, provavelmente eles tinham combinado alguma coisa e tal. E a gente tinha acabado de sair dessa casa da luz elétrica para voltar para onde o meu tio tinha o sítio lá, que ele era o administrador. A gente veio para São Paulo - eu não lembro dessa passagem - lembro que a gente chegou em São Paulo, era tudo diferente, Minha tia acho que não tinha televisão ainda, mas era uma coisa… Com certeza não tinha, mas era uma casa bonita, enfim, a casa está até hoje lá, então… Então, foi assim. Quer dizer, minha mãe deve ter dado em cima do meu pai, o meu pai também não era tão resistente não, aí veio para São Paulo. Foi muito difícil, o meu pai não tinha profissão, aí começou a trabalhar de ajudante de poceiro, que é aquele negócio de fazer poço, e o danado em pouco tempo, aprendeu aquele negócio, quando você olhava... Eu ia levar marmita para ele, ele estava lá no fundo. Às vezes demorava para achar água, então vai tirando, vai subindo. Eu ajudei ele muito nessa lata, vai cavando, vai pondo na lata, aí bate, mexe na cordinha, aí você puxa, a gente sofreu alguns acidentes, porque a uma certa altura tem um risco grande, acontece muito desmoronamento, aí tem que ter alguém lá em cima correndo para subir a corda para te levar de volta. Então, eu não posso: “Vou tomar um cafezinho lá e já volto”. Você tem que ficar ali de olho, porque, a qualquer momento, é um acidente. E aí, ele ficou, aí depois de um tempo, ele desistiu disso, graças a deus, mas nunca conseguiu… Mas aí, eu já estava em condições, já ajudava ele, já tinha casa própria… Problema a menos…
P/1 – Nessa primeira vinda da sua mãe para cá, para São Paulo, e depois, ela voltar, ela falava sobre como era São Paulo?
R – Eu não me lembro.
P/1 – E você se lembra da última noite na sua casa com essa expectativa da viagem?
R – Nada, nada, nada. Isso apagou totalmente da minha… Por exemplo, as viagens, eu me lembro por exemplo, dessa vinda para cá, eu me lembro do trem, que a gente parava na estação, tinha uns caras vendendo coisas. E eu descobri agora, a gente vomitava muito… E agora eu descobri - porque agora eu fui de carro, de Visconde de Rio Branco até São Pedro dos Ferros - tem a Serra de São Geraldo, que era uma coisa muito louca e tal, não tem mais os trilhos, mas tem as estações - mais ou menos dez estações para chegar na última – e, segundo a Duduca, demorava mais ou menos doze horas para chegar, porque o trem era… Mesmo assim, são flashes de alguma coisa, mas, dessa chegada assim, eu não me lembro, não tenho a mínima… Como eu disse, o negócio da sopa da minha tia, tudo, mas não… A casa eu me lembro que eu morei lá, depois a gente morou muitos anos lá do lado, então, a casa está até hoje lá, tal, mesma casa, nem reformada, nem nada. Mas eu não tenho esse…
P/1 – E a casa da sua tia, onde vocês foram morar primeiro, onde é que ela fica?
R – Chama rua Nova Friburgo, tem até hoje a casa que a gente comprou, porque mora todo mundo ali do lado. A casa que nós compramos, dois quarteirões abaixo, numa outra rua, então todo mundo convivia… Aí, o meu tio mudou, foi para Ponte Rasa, que também é dois quilômetros e tal, mas vivia todo mundo muito próximo, não é? Essa casa eu botei no livro, tirei foto da fachada e tudo. Só não entramos lá, porque está morando uma mulher lá que tem aquela doença de guardar coisa, de lixo, a minha irmã tentou entrar, falou: “Antônio, nem consegui pisar lá, quando cheguei na sala, está cheio de gato, cachorro, papelão, resto de saco de não sei o quê…”. Então, acho que ela é meio doente, acho não, é doente, não é? Então… Senão eu ia entrar lá, tirar foto lá de dentro, mas não tenho não essas recordações de… Tinha uma situação que a Duduca também desvendou, porque quando a gente foi para o Paraná, eu já estava com quatorze, quinze anos. Quinze anos. E dessa fase eu lembro muito bem e tudo. Mas eu lembro de um episódio, em que eu estava no trem, quando chegou na divisa de São Paulo e Paraná, eu estava sozinho, e alguém do meu lado… Eu pedi para alguém do meu lado dizer que estava comigo, porque eu não tinha autorização. Aí, nessa ida nossa, que eu fui lá e levei todo mundo de novo para conhecer onde a gente tinha nascido… Conhecer não, rememorar... A Olga falou: “Antônio, isso não existe, porque eu vim com você junto, meu pai foi até Kaloré fazer autorização, e quando a gente foi para lá, nós fomos todos juntos”. “Mas de onde eu tirei isso, Olga? Isso é um fato, eu me lembro... Eu, no trem, à noite”. A Duduca com aquele jeito dela: “Você é bobo, sô, você não lembra que você veio com a Olga e depois você voltou lá para buscar o papai e a mamãe?” ‘Então, está resolvido”. Porque é óbvio, eu saí... Mineirada ninguém está preocupado, peguei o trem e fui para… Quando chegou lá na divisa que eu me toquei que… Eu não sei se eu me toquei ou se o cara lá que… Esse negócio de filme, o trem vem, você dá o ticket e ele corta… Ele deve ter perguntado e o cara que estava do meu lado deve ter dito: “Ele está comigo”. Eu não acho que tenha me tocado que precisava autorização, não sei. Ou, se eu soubesse, talvez tenha falado, o detalhe não… É menos importante, mas a Duduca desvendou. Ela tem razão, porque eu fui lá buscar. Porque, o que aconteceu que eu vim antes? Foi o seguinte: a Olga dava aula lá para um… Tinha um senhor lá que eu não lembro o nome dele, que era um senhor de cor, que não tem nada a ver o fato, mas era estranho, no Paraná é todo mundo branquelo, italiano, enfim… E ele tinha uma venda e tinha um salão que ele transformou em escola pra a Prefeitura. Não sei se ele recebia alguma coisa e a minha irmã… Quando a gente foi para lá, para o Paraná, a minha irmã não foi - fomos eu, o Luiz e a Marta. E o meu pai chegou lá… Ficamos morando na casa do irmão dele, uma pobreza danada, enfim, tinha bastante coisa para comer e tal, fomos morar na tuia lá que era onde guardava os milhos, enfim… Aí, depois, arrumamos essa casa lá do Zé Ingarez, que era um outro sítio. Foi rapidinho, a gente foi morar lá. Aí, tinha essa vaga lá para professor, acho que era o salário-mínimo, sei lá o que era, aí ligaram para a Olga, fiquei sabendo disso agora: “Vem para cá que tem um emprego aqui”. Ela foi e começou a dar aula, com o primário - não sabia nem escrever - foi dar aula. Inclusive, a Marta foi alfabetizada com ela - ela e o Luiz. Aí, o cara levava ela na Secretaria, na cidade, sete quilômetros: “Hoje tem que levar as provas, deixa que eu a levo”. Ele tinha um jipe e, um dia, a Olga chegou assustada, meu pai quis saber: “Ele me atacou lá no meio do mato e quis abusar de mim, tirou o pinto para fora…”. Não sei o quê, aquelas coisas, o meu pai não era de briga, mas foi lá no Zé Ingarez, que era o dono do sítio e deve ter reclamado. E dois dias depois, a gente fugiu… Não saiu fugido, mas não tinha clima. Aí, eu vim com a… Isso foi novembro, comecinho de dezembro, eu vim com a Olga para São Paulo. E aí fecha o caso, porque em janeiro ou fevereiro - a data certa eu não sei - eu voltei lá para empacotar as coisas, tinha um cachorro, nós trouxemos o cachorro, então teve esse episódio. E lá no Paraná apareceu uma história também, que era antiga, que estava rolando aí, que ninguém contou para mim, que lá geava muito e uma das razoes do meu pai voltar foi isso, porque o meu tio ganhou muito em 1966 e, justo em 1967, teve uma geada e não teve a colheita. Então, perdeu um ano sem fazer nada. Disse que foi uma geada e pelo que vi no Google lá, foi dia três de julho de 1966 - três ou seis de julho - disse que estava um frio danado, e as casas no Paraná são todas de madeirinha, eles grudam uma madeira na outra e não tem nada contra o frio. Tem aquelas frestas, não é? E, nesse dia, pelo jeito, foi a maior geada que teve lá no Sul - o Google disse que foi. Eu resolvi ir lá no meio do mato pegar uns gravetos lá, umas lenhas, coisa seca para botar no fogão da cozinha para dar uma esquentada, improvisar uma lareira. E dizem que eu não voltava, estava escuro e minha mãe falou: “Deve ter acontecido alguma coisa…”. Ela saiu atrás lá e me achou com um pedaço de madeira na mão, mas duro, congelado. Dizem que me levaram como uma estátua, a Olga lembra disso bem. Dizem que passou álcool, sei lá o quê, e tal, acho que deve ter dado chá, café, qualquer coisa lá, sei lá, e dizem que eu me recuperei (risos) - eu não me lembro dessa história, mas eles insistem em dizer que foi e tal. Talvez o fato da friagem tenha me dado um corte de memória porque, sinceramente, eu fiquei sabendo disso e agora eu fui buscar a papelada, porque eu guardo muita coisa, tinha uma homenagem para mim em 2000 e pouco, estava escrito lá, mas não prestei atenção. Até porque minhas irmãs escrevem muita coisa para mim e eu acabo não lendo, porque me emociona muito: “deixa isso aqui…”. E aí, eu comecei a ler. Aí veio essa história, eu falei: “Vocês estão viajando”. Insistem. dizem que a minha mãe contava para todo mundo, eu não me lembro da minha mãe ter contado isso para mim. Então, dizem que eu quase fui. Umas coisas muito loucas, de acontecimentos. Mas a gente ficou lá… As datas, por exemplo, agora quando eu voltei lá, minha irmã falou: “Vamos passar na Secretaria de Educação, quem sabe tem”. Aí, sempre assim, as coincidências. Fui conversar com a mocinha, ela: “Ah, eu sou neta do fulano lá, não sei quem…”. Que morava lá e tal. Aí achou uma Ata, porque a Olga, antes de vir embora, ela passou na Secretaria, a moça falou o seguinte: “Nós vamos fazer uma Ata, você assina e já aprova a criançada”. E era exatamente 30 de novembro. A gente deve ter vindo dia primeiro ou dois de dezembro para São Paulo. Mas tinha tudo isso. E esse negócio de não ler as coisas, quando eu fui fazer o meu cronograma de onde eu trabalhei, não sei o quê… Eu tinha tudo. Aí, esse bar aqui, em que eu trabalhei, eu trabalhava na mercearia que era um pouquinho à frente, uma galeria ali na Nove de Julho. E aí, não deu certo lá, o “seu” Sampaio foi para o Rio, era um casalzinho de velhinhos, o cara que comprou deu um golpe, enfim, eu fui trabalhar no boteco. E lá era uma galeria e um prédio residencial. E o barzinho era bem na esquininha, a loja número um da galeria na Nove de Julho. Eu fiquei lá, fazia caipirinha, essas coisas, aí veio um senhor: “O que você está fazendo aqui, garoto?” “O ‘seu’ Sampaio fechou”. “Imagina que você vai trabalhar em bar, rapaz, eu vou te arrumar emprego…”. Ele tinha um escritório de Contabilidade, com os filhos, que era ali na Praça, perto da rua do Seminário, tal, e me levou para trabalhar lá. Aí, tem uns episódios - depois eu conto - mas aí tem o seguinte: eu lembrava de todas as datas, aproximado. Os outros eu fui registrado, era fácil. E esse emprego, eu sabia que era na rua do Seminário, eu lembrava do velhinho e do filho, eu lembrei do episódio de não sei o quê e tal… “não vou deixar desconhecido, vou botar as datas mais ou menos”. Aí, no final, eu fui guardando todas as coisas que eu tinha, aparece uma carta do Luiz, que faleceu, escrita em… Sei lá, em 2000, e ele gostava de fazer datilografada, ele escrevia super bem, e tal: “Você não vai se lembrar…”. Aí começou a contar as coisas que eu fiz para ele e eu já não lia por causa disso, porque ele caprichava de te deixar… “Não sei se você lembra, mas você arrumou o primeiro emprego para mim, lá na Socilex, com o seu André e o seu Moura…”. Tudo escrito lá. “E que a gente ia almoçar na casa do seu Moura, porque eles levavam a gente lá, a gente cheio de vergonha porque eles eram chiques e a gente nem sabia comer”. E eu: “Não acredito, o cara morreu e me deixa uma carta que era, exatamente, o que eu precisava”. Aí, Socilex, não sei o quê… Você vai no Google, achei uma Ata da Socilex. A Socilex não era na rua do Seminário, é grudadinho na rua do Seminário, porque o centro tem ali a… Esqueci o nome da praça agora ali, que é onde está o Correios e tem a rua do Seminário. Aí, está lá o prédio, tem o número, tudo, me facilitou tudo, uma dádiva, não é? Que é uma coisa engraçada, uma coisa divina, porque tudo que foi acontecendo com a gente, o fato de eu querer resgatar, nós achamos tudo. Ou o restinho da casa, ou memórias, consegui achar tudo. Lá em São Pedro dos Ferros, a gente visitou lá os quatro lugares que a gente morou e tal. Aí, no dia em que eu estava vindo embora, eu falei: “Eu vou passar na Prefeitura, quem sabe eu não consigo uma planta da região, porque assim eu consigo identificar…”. Porque uma coisa é você sair de carro, outra coisa é você ter uma planta e olhar… Aí, eu entrei na Prefeitura, que é desse tamanhozinho, a moça estava ao telefone e estava saindo um senhor lá de dentro. Eu falei: O senhor trabalha aqui?” “Trabalho”. “O senhor não…”. Aí contei a história: “Ah, não tem, imagina, isso aí é… tempo lá do seu… “. Foi embora e aí voltou: “Espera um pouquinho, eu acho que eu tenho alguma coisa”. Aí, voltou com um vegetal amarradinho, que era muito mais do que eu queria, que era exatamente a região dessa família - uma planta de arquiteto - com todos os… Onde é o rio, onde é não sei o quê, o nome das fazendas, onde era isso… Eu falei: “Você está brincando comigo, não é?” Achou tudo. Antes disso, eu tinha feito um contato com um dos parentes lá desse Joter, ele não respondia, mas eu tinha o endereço. Aí, quando eu cheguei lá com os meus irmãos, eu fui direto lá nessa tal fazenda, o cara me atendeu, super gentil e tal, falou: “Você não vai achar mais nada, está tudo… O máximo que você vai achar é a casa do meu tio, que está no meio do mato…”. “Você não conhece ninguém que pode ajudar a gente?” “Tem um cara lá na cidade, que é o Orlando, o pai dele foi o braço direito do Joter, que é o meu tio. Claro que ele deve ter uns setenta e poucos anos, não vai lembrar, ele era garoto ainda, mas ele vivia com o pai dele por aqui, entre a gente, e tal”. “Onde eu encontro o Orlando?” “Chega lá na praça e pergunta pelo Orlando e todo mundo sabe quem é o Orlando”. Interior, você não precisa muito. Aí, cheguei lá, procurei: “O Orlando taxista”. “Claro que eu sei, vamos lá”. Chegou lá, ele não estava, deixou recado, achamos o Orlando. O Orlando era outra enciclopédia, lembrava de tudo, o dia em que o cara escorregou na casa do seu Joter, e as coisas todas. Nos ajudou a ir buscar; eu não tinha esses mapas, e conseguiu chegar em todos os… Aí, estavam procurando uma tal fazenda que o meu irmão não achava, aí meu irmão falou: “Mas não era esse nome, Duduca, era Fazenda do Gavião”. Aí o Orlando falou: “Gavião, eu sei onde é”. Aí vai indo, a Duduca de repente: “Pode parar que é aqui”. Tinha um morro lá, com uma faixa vermelha no meio, de terra, paramos, descemos, ela chegou lá, estava o resto da casa em que eu morei, o resto da casa em que ela morou: “Aqui tinha uma bica d’água…”. Exatamente, ainda tinha os restos das coisas. Então, tudo isso foram contribuições de… Lá em Visconde do Rio Branco não era problema, porque eles viveram muitos anos lá. Tenho parentes, então todo mundo sabe exatamente, mas São Pedro dos Ferros era um mistério para a gente, não é? Então, foi tudo dando muito certinho. São coisas de… Eu tive muita sorte, muita proteção e profissionalmente, por exemplo, foi típico. Quando eu fui trabalhar nessa mercearia do “seu” Sampaio, quando era na Felisberta, eu tentei achar o anúncio - deve ser no Diário Popular, que não existe mais, então não tem digitalizado - eu peguei o Estadão de dois anos, eu não achei o anúncio, mas eu cheguei lá, era para balconista na mercearia. Um senhorzinho carioca veio falar comigo: “Você está precisando?” “Estou precisando”. “Filho, faz o seguinte, depois a gente conversa, leva esse pacote de carne no Marco Zero, aqui do outro lado e já leva o troco, porque o senhor fulano lá vai te dar o dinheiro”. Eu atravessei a rua, o Marco Zero hoje existe, é um restaurante perto da Praça da Bandeira, eu peguei aquele dinheiro: “Caramba, o cara nunca viu o meu nome, nem sabe quem eu sou, acho que eu vou embora”. Nem sei se eu pensei assim, achei curioso o cara confiar. Aí, voltei lá, dei o dinheiro: “Você pode ficar hoje, já?” “Posso, não tem problema”. Não sei se três ou seis meses depois, ele estava emprestando dinheiro para a gente comprar a casa, então, tudo coisas de ajuda, não é? Então, eu sempre fui muito característico, eu nunca fiquei um dia desempregado, nenhum dia e nunca… Sempre na primeira entrevista ou primeiro anúncio eu era contratado. E agora eu fui perguntar para o Ariovaldo: “Ariovaldo, por que você comprou a briga lá que me mandaram embora?” “Eu falei para o Faria: “Esse moleque vai longe, porque esse moleque é esperto, esse moleque é muito bom”. E eu virei, praticamente, um filho do doutor Faria, eu fui sendo promovido, o cara me tratava com um enorme respeito, ele me ensinou coisa para caramba, só que teve uma hora que eu tive que ir embora.
P/1 – A gente já está falando dessa volta do Paraná para São Paulo, certo?
R – Isso, isso.
P/1 – Esse armazém tinha nome?
R – Chamava FL Sampaio, nome comercial, não… Era um cubiculozinho pequenininho, e eles entregaram para mim, não é? Eu trabalhava na mercearia do “seu” Bezerra, que eu estou tentando descobrir onde é, porque mudou tudo lá na Ponte Rasa e aí, quando eu fui trabalhar lá, era bem pequeno, não era maior do que isso aqui, estava precisando de um ajudante. Eu falei: “’Seu’ Sampaio, tem o Cândido que trabalhou comigo, lá com o seu Bezerra, se o senhor quiser”. “Traz ele aqui”. Dona Felisberta, toda fina e tal, chega o Cândido, até eu brinquei no livro que Deus ia dar umas pintadinhas nele de beleza, acho que derramou um monte de coisa, era um sardento… Sardento, não, todo pintado, não é? As mãos, tudo… Ele era novo ainda, feio que doía, e a dona Felisberta: “Pois, é Toninho, como é que a gente vai fazer? Porque ele vai ter que cortar presunto, essas coisas na máquina, você acha que ele vai ficar chateado se a gente botar luva nele?” “Não, claro que não”. Ficava o tempo inteiro com as luvas brancas cortando (risos), ficou um tempão comigo, lá. Depois não sei, deve ter trabalhado lá um ano, um ano e meio, mas “seu” Sampaio me ajudou muito, esse senhor lá do ‘coiso’ também me ajudou muito e foi engraçado, porque eu nunca tinha trabalhado de boy. Um dia eles me deram uma pasta com um monte de coisa para pagar e uma recomendação: “Você vai lá na Secretaria da Fazenda, hoje é o último dia para mudar as inscrições estaduais, não me saia de lá sem protocolar”. “Tá bom”. “Terminando lá, você vai no banco e paga isso aqui”. Chego na Secretaria da Fazenda, é ali na Rangel Pestana, perto da Praça da Sé, ali, antigamente… Fila quilométrica e eu lá, firme, quando foi acho que sete da noite consegui protocolar, o banco fechou, vou para o escritório, Chego lá, todo mundo: “E aí, Toninho, como é que é? Conseguiu protocolar lá?” “Claro”. “Eeee, você é cara”. Não era essa a expressão na época. “E os bancos?” “Bancos não deu, eu sai de lá sete e pouco”. Aí eu só senti a turma… Eu estava com o pagamento de todos, dos tributos de todas as empresas que eles administravam, você imagina o prejuízo de multa. Porque multa, no mínimo, é 10%, mais um de juros, um valor danado… Aí, tinha um careca lá puxando o cabelo, eu não entendi nada. Eu não sei se foi por isso, eu não sei nem se me mandaram embora, eu fui embora, eu fiquei constrangido, eu não sei. Eu sei que fiquei muito pouco tempo lá, e foi muito louco. Eu tentei agora pela internet, a gente acha, não é? Eu achei um anúncio de prorrogação do prazo desse negócio da inscrição, que era 30 de dezembro de 1968 que, provavelmente, foi esse dia que deve ter acontecido comigo, não sei. A internet…putz, tem tudo lá, não é? Impressionante, dá trabalho, algumas coisas você não acha e está, mas é…
P/1 – E, Antônio, nessa idade de saindo da adolescência, quase já a vida adulta, tinha as primeiras paixões?
R – Ah isso aí é um negócio muito engraçado, porque eu morria de vergonha, não é? Eu era muito tímido. Eu tinha fantasia de todo tipo, principalmente no bairro e tal. E a timidez me facilitou também porque eu evitei de acabar casando na periferia, tudo. Nada contra a periferia, mas isso provavelmente me tiraria a oportunidade de me desenvolver intelectualmente, profissionalmente, de outra maneira. E quando você casa muito cedo na periferia, você começa a ter um monte de coisas. Mas era… Tinha umas meninas bonitas, eu ia naqueles bailinhos, por exemplo, era um terror. Eu comecei a tentar dançar com alguém… Naquela época era tudo… Eu já tinha, provavelmente, uns dezoito, dezessete anos. E tinha um rapaz, que é o Roberto, agora que a gente olha assim, ele faleceu novo também, eu acho que ele era gay, nunca se insinuou e nem nada, mas ele tinha todos os trejeitos, as roupas e tal, e naquela época, 1968, 1967, se hoje a turma ainda tem vergonha de se revelar, você imagina naquela época, as pessoas eram… Eu saía com ele, ele era muito bonito, então sempre tinha uma namoradinha, ele era assanhado, então eu acabei perdendo um pouco, mas era terrível e eu era… Olhando as minhas fotos, eu era muito bonito; minha família, aliás, é muito bonita. Então, a mulherada, eu lembro quando eu chegava… Isso já um pouquinho… Sei lá, dezoito, dezenove anos, as meninas ficavam numa esquina, uma ou duas lá, de vez em quando eu tinha que descer do ônibus, eu dava a volta para outro lado por vergonha, não era nem que eu quisesse. Depois, foi perdendo a vergonha e acabei tendo muitas namoradas, acabei namorando bastante. Naquela época, não tinha transa, você… Para encostar no seio da menina, você tinha que, no mínimo, três meses e comer lá na casa do sogro, na casa da sogra, tinha que criar o mínimo de intimidade, eram totalmente diferentes as relações. Mas tinha... De vez em quando tinha umas meninas que não eram virgens, então tinha uma… Mas tinha todo um preconceito, as meninas que transavam era um problema para casar, porque os caras não… Está bom, curtiam, namoravam e tudo, mas não era para casar, não é? Porque queriam casar com uma virgem. Até hoje ainda tem um pouco… Hoje, não sei se ainda tem mais, mas na década de 70… E era justo no momento de libertação feminina, tinha pílula, então, todo mundo louco para se libertar dessa… Era um período gostoso, tudo, mas tudo com muito medo, não tinha orientação de camisinha, aí já tinha pílula, as meninas tomavam a pílula e tudo. Mas foi… Os meus irmãos, também… Os meus irmãos já eram mais namoradores - Expedito, Zezito e tudo. Tinha uma menina lá no meu bairro linda, gostosona, morava na mesma rua. Essa menina ficou, sei lá, uns seis meses, ela ia para casa todo dia, ficava passando a mão na minha perna, não sei o quê. Daí um dia chegou para mim: “Você não vai querer namorar comigo, então eu vou namorar o seu irmão”. Aí começou a namorar o Expedito, o Expedito ficou apaixonado, porque ela era muito bonita, tudo…
P/1 – E por que você não quis?
R – Timidez, não é? Mas aí aconteceu um negócio engraçado. Quando eu criei coragem, tal, que a gente foi lá no escurinho, ela tinha um irmão meio pancada, pelo menos, e eu estava lá beijando ela e ele ficava atrás dando umas encoxadas nela. Aí, para quem é tímido, já vira um negócio muito louco, então, era… Para mim, afastou ainda mais, pelo amor de Deus, então… Então essas experiências meio… Depois não, depois eu tive… Eu comecei a namorar e tal, e não tive mais problemas. Timidez eu sempre tive. Até agora, fiquei um período solteiro, quase dez anos, eu nunca tive coragem, por exemplo, de você estar numa danceteria ou num bar, eu nunca tomei a iniciativa, a não ser que a mulher me escancarasse: “Agora eu posso ir lá que está ok”. E, às vezes, estava escancarando e você ainda ficava meio em dúvida - “está me escancarando porque está me achando meio esquisito ou não”. Então, para mim, sempre foi muito difícil. Agora, acabei namorando pessoas mais extrovertidas exatamente porque era mais… Eu fui muito mais conquistado do que eu dar em cima. Aliás, eu nunca tive essa paixão por alguém, impossível. Todas as vezes, foi eu que terminei; se eu não terminei, provoquei um motivo para terminar. Então, como hoje tem essas estatísticas que a maioria das mulheres é que pede o divórcio. Não é muito verdade. Primeiro porque a maioria das pessoas - ou não sei, um grande número de pessoas - deixa a liberdade para a mulher fazer isso, ou por esperteza, ou porque... “bom, quero deixar você confortável, vai no teu advogado e resolve tudo”. Então, a iniciativa do pedido normalmente é protocolada por mulher, mas nem sempre é porque a mulher quer, não é ela que toma a iniciativa, é um processo. Pelo menos na minha cabeça é assim, você… Meio natural, porque tem filho, não sei o quê… A mulher que vai procurar um advogado ou, às vezes, você até intima mesmo: “Se vira, vai caçar o seu advogado”. Então, a mulher vai lá e tem que fazer. Eu tinha uma… Dificuldade grande nesse processo para mim, de… Mas nada de arrependimento, não.
P/1 – Mas ainda nessa entrada quase na vida adulta, quais eram os planos? Como que você se projetava, tanto em família, quanto profissão? O que você queria?
R – Eu, por exemplo, eu lembro bem quando eu estava na ____02:26:42______, eu estava ganhando esses 2.300 e, um dia, eu desci com o Helder, que era o engenheiro, portuguesinho, baixinho e tal, a gente foi almoçar ali na Cruzeiro do Sul, a gente trabalhava na São Caetano, lá embaixo, eu fui descendo com ele, o Helder tinha comprado um Karmann-ghia vermelho - todo Karmann-ghia naquela época era vermelho - e eu falei: “Putz, deve ser bom ter um carro”. “Ora pois, e por que você não tem? Você ganha bem…”. “É mesmo Helder, acho que eu vou comprar um carro”. Aí, no dia seguinte, fui lá e comprei um TL. Isso eu dou como exemplo pelo seguinte: eu ganhava bem, mas eu não tinha essa ambição: “eu preciso ter um carro, eu preciso comprar roupa”. A gente vivia… Eu não vou lembrar… A ideia de crescer era natural para mim, mas eu nunca imaginei ser diretor: um dia eu vou chegar lá! Foi acontecendo… O que aconteceu comigo foi numa velocidade muito grande, eu fui pulando e aí, modéstia à parte, por competência mesmo e facilidade de relacionamento, foi muito rápida a minha ascensão. Eu perdi um tempo pelas dificuldades de eu ter ido para o Paraná e aí eu não tinha também curso, eu fui fazer ginasial bem depois, eu só tinha primário… Tudo isso era uma certa dificuldade para procurar emprego e coincidiu, também, quando eu voltei do Paraná, estava com dezessete anos, dezesseis, então você já está… Naquela época, as empresas não contratavam porque se você fosse servir ao Exército, você tinha que ficar registrado, depositar… Enfim, tinha um custo lá que eles tinham, mas a partir do momento que eu entrei na V&F (? 02:28:38) por exemplo, que eu considero aí já uma coisa mais profissional, foi uma coisa rapidíssima.
P/1 – Mas até então, você ainda morava com os seus pais?
R – É, aí eu morava com os meus pais. Aí, quando eu entrei na V&F, em 1972, eu aluguei um apartamento ali na rua Mauá, que era perto da rua São Caetano. Engraçado, eu fui na imobiliária: “Quanto que é o aluguel?” “É tanto”. ”Precisa de um fiador”. Fui lá, na V&F, chamei o Acácio: “Puxa, Toninho, desculpa, mas a minha mulher não assina”. Chamei o Dionísio… Tudo amigo de bar. “Desculpa, não sei o quê…”. Chamei… Eu era chefe de pessoal e tinha um eletricista que gostava muito de mim, sempre me convidando para ir na casa dele: “Vou chamar o ‘seu’ Severino…” Sei lá como era o nome dele. Eu tinha o endereço, porque eu era chefe de pessoal, apareço num domingo lá, Vila Curuçá, sei lá onde era, no fim do mundo, lá na zona leste. Cheguei lá, os caras fizeram uma festa para mim: “Esse é o Toninho, chefe do pessoal da V&F, gente finíssima…”. Almocei lá e eu precisava falar com o cara e foi me dando um nervoso, que foi dando quatro horas e cinco horas, e eu não era de conversar, então o papo não… Até que chegou uma hora, eu falei: “Olha, seu fulano…”. Foi um balde de água fria, porque o cara se sentiu… Não falou: “Mas, pô, o cara não veio me visitar…”. Aquelas coisas… Passei uma vergonha, mas ele me assinou e paguei, claro, tudo direitinho. Até hoje eu me lembro como é constrangedor você… Mas aí eu morei um ano e pouco… Eu morei quase dois anos. Quando eu comprei carro e tudo, eu morava sozinho, trabalhava muito e tal… Aí: “Vou voltar para a minha mãe”. Não lembro os motivos, mas um dos maiores foi ter o aconchego. Aí, a gente já tinha melhorado a casinha lá, e tal. Aí, 1975, eu casei em 1976, aí já… Mas eu tinha depois um apartamento, que chamam de garçonnière, que a gente ia para a farra à noite. Ao invés de eu ir bêbado lá para o bairro, a gente dormia no apartamento, arrumava namorada e tal e tinha onde ficar. Depois eu casei, não teve mais… Encerrou minha fase de solteirice.
P/1 – Tudo bem se a gente falar sobre esse casamento?
R – Sim, não tem problema nenhum!
P/1 – Como você a conheceu?
R – Então... A gente estava… Eu, o Abrahão e o Gilmar, a gente ia numa casa de show, não era uma danceteria, era uma casa de bailes chamada Cartola, ali na Brigadeiro com a Paulista, ela foi muito famosa, era tipo gafieira, o pessoal ia para lá e tinha na sexta-feira lá um show de um rapaz, que era homossexual, mas cantava tipo Cauby Peixoto. O cara dava um show, então, eu, o Gilmar e o Abrahão, a gente ia toda sexta-feira lá, eu não dançava, a gente só bebia. Então, a gente sentava na mesa e ficava lá bebendo. Dificilmente… Às vezes, pintava lá uma paquera e tudo, mas a gente nem tinha… Naquela época, nem era essa obsessão de ter que sair com alguém, a gente gostava era de beber. E um dia aparece na mesa ao lado, uma loira linda, enorme, uma outra linda também - e era a Regina, que é totalmente descontraída. Eu não sei se eu bebi muito e fui lá ou se, enfim… Mas foi um impacto. Aí, a gente começou a namorar… Isso deve ter sido agosto, mais ou menos, em dezembro eu fui para Minas, que eu tinha um bom relacionamento lá com os meus primos, e fui passar o fim de ano lá, não tinha ainda vínculo com a Regina. Sei que eu fui, passei o fim de ano, voltei e era uma relação… Eu era muito quieto, ela mais… Mas a gente… Eu me apaixonei, e tal… Não tinha a intenção de casar, aí quando chegou acho que em março, fevereiro, a gente foi passar o carnaval em Minas. Porque eu tinha, em 1975, ido pela primeira vez, quando eu conheci todo mundo lá, que aí, não tinha voltado lá mais. Em 1976 eu voltei, aí percebi que a minha mãe… Eu levei a minha mãe lá na casa dela e tudo, a minha mãe sempre foi muito discreta: “Uma pessoa diferente, não é, Antônio?” Tudo gente muito boa, muito honrada, muito trabalhadora, mas diferente do jeitão da nossa família. Aí, nesse carnaval em Minas, criou lá uma situação… Eu falei: “Eu não estou muito seguro para casar”. Mas aí, veio a notícia de que ela estava grávida, e a gente se gostava para caramba, mas… Aí, casamos em abril. No dia do casamento, ela tinha decidido lá as roupas, eu tinha que casar com paletó… Terno branco, uma gravata não sei o quê, comprou, fui lá no alfaiate, fez tudo bonitinho. E eu ia casar, fui lá cortar o cabelo, não é? Quando eu cheguei lá no Cartório... A gente ia casar de manhã no Cartório e, à tarde, na igreja. Foi um inferno. ela ficou danada da vida com o cabelo e não sei o quê… Falei: “Esta merda não vai dar certo, mas como é que eu vou cancelar um evento?” Você não faz isso. Até porque a gente se gostava. Aí, à noite, casamos e tal e começou tudo super bem, a Regina foi muito importante, ela fez um esforço danado, mas eu era muito travado e eu contribuí também com essa… Ela era uma pessoa muito insegura, ao mesmo tempo muito despachada, começou na minha cabeça… Aí teve o aborto, falei: “Agora, eu vou achar uma maneira de me separar”. Aí teve outro aborto... Ela teve uns quatro ou cinco, pelo menos, quatro… Aí, nasceu o Júnior. Quando o Júnior nasceu, a médica no dia lá, que eu fiquei muito danado: “Preciso te falar uma coisa: ela não vai poder mais engravidar”. “Mas eu não vou transar hoje, não podia deixar para falar isso daqui a pouco?” No fim, um ano e meio depois, nasceu a Janaína. Quando nasceu a Janaína que se descobriu o problema dos abortos: a Regina tinha o útero reverso, então ela não segurava a gravidez, demorou e tal… O médico até falou: “Você teve sorte de ter dois, porque eu já tive casos em que você tem que cortar a barriga da pessoa na hora, porque é um negócio muito sério esse negócio do útero reverso. Porque você dá todos os sinais de parto, só que está invertido lá, a criança não sai, você tem que cortar a barriga. Já tive caso de fazer sem anestesia porque senão, morrem a criança e a mãe”. Aí, foram crescendo as crianças, a gente foi se dando tudo bem. Não tivemos nada complicado e tudo, mas virou para mim um objetivo: “Preciso me separar”. Até que, em 1984, a gente se separou. Foi horrível, foi um negócio traumático para mim, a Regina nunca deu problema, a gente… Eu ganhava bem, enfim, estava tudo resolvido financeiramente e tal, mas quando eu chegava em casa domingo, por exemplo, que eu levava a Janaína e o Júnior para a casa dela e voltava, quando eu abria a porta, era uma coisa desesperadora. Uma das coisas que eu mais sofri na minha vida, esse vazio, não é? Aí, eu comecei a namorar. Namorava um monte de gente e, de repente, a Regina me procura, já fazia dois anos e meio que a gente estava separado: “Queria que você soubesse que eu acho que a gente fez bobagem, a gente se gosta, pá, pá…”. Aí eu fui tomar um negócio com ela lá no Maksoud, naquele 150, tinha um show do Baden Powell, lá, tudo chique, tomei umas a mais, falei: “Cara, que bobagem que eu estou fazendo, porque eu não me acertei com ninguém, ela não se acertou com ninguém, dois filhos maravilhosos, vamos voltar”. Só que com mulher, o vamos voltar, meia hora depois a molecada toda já sabia. Nós não tivemos a prudência de dar um tempo, eu tinha acabado de comprar um apartamento no Morumbi, muito bonito. E aí, isso foi em agosto, setembro. Em outubro eu fui com ela para o Jatiúca, que era um hotel difícil de conseguir - o dia em que eu liguei, a moça falou: “O senhor tem muita sorte, acabou de ter uma desistência, acabei de desligar”. Fui com ela para lá e quando eu cheguei lá que eu me toquei. Aí eu arrumei um esquema de levar os meus filhos para ajudar um pouco, porque estava lá no Jatiúca, um hotel desejadíssimo, naquela época não tinha hotéis no Nordeste, nem nada, e a gente assistindo aquela novela “Roda de Fogo” no quarto, e todo mundo lá na beira da piscina, com música ao vivo: “esta merda não vai dar certo”. Aí, começou um processo de como fazer, aí durou mais quatro anos, a gente foi fazer… Mas na boa, nós nunca tivemos problemas, sabe? Tanto é que no dia em que eu fui embora, a gente foi para um motel transar, quer dizer, não era uma coisa de ódio, nada, eu tinha na cabeça que não era aquela continuidade… A Regina foi muito importante, ajudou, educou os filhos, enfim, não tem nada contra. Era coisa minha, alguma coisa está me dizendo que não é para eu continuar. E aí, fizemos terapia de casal e ficamos na terapia de casal insistindo: “Nós estamos aqui para fazer uma separação e não para reconciliação, não tem nada de reconciliação”. Até que chegou um dia, eu peguei a roupa e fui embora. Desabou o mundo, mas hoje está tudo certo - também faz quase trinta anos. Então... Tem uma história muito engraçada disso, que quando eu estava casado com ela e trabalhava na Gradelar, eu tinha que ir muito para o Rio de Janeiro, porque os nossos principais clientes eram lá e eles não pagavam, eram os estaleiros. Então ia, entrava… E não dava tempo para fazer tudo durante o dia, porque, por exemplo, a gente tinha estaleiro em Niterói, no centro e na Ilha do Governador. Então, eu pegava um avião até o Santos Dumont ou, às vezes, na Ilha do Governador, ia nos dois estaleiros lá, dava um malho nos caras: “Então você passa à tarde para pegar o cheque”. Aí eu corria no centro, ia em mais um ou dois estaleiros, mesma coisa, aí dava um pulo até Niterói de barca, aí voltava na Ilha do Governador, pegava o cheque, corria no banco, porque, naquela época, você tinha que visar o cheque para pagar em São Paulo e tinha alguém esperando aqui para pagar o Cartório, então tinha negócio de hora certa da Varig no aeroporto, que você falava: “Quero que chegue lá uma e meia”. Aí, voltava no centro, pegava o cheque, visava, mandava de novo, porque tinha que ser muito rápido. Aí, eu falei: “Pô, é melhor eu ir à noite, faço tudo de dia e volto à noite”. Porque… Aí comecei a ir à noite, tive um estresse com a patroa lá que achava que eu tinha uma amante lá, mas isso era irrelevante e a ... Tinha uma peça do Ziraldo, que se chamava O Último dos Nukupirus, uma comédia que era com esse cara que era o chefe do Uma Grande Família, lá, chefe do… Como que chama, lá? O Nanini, o… Eu esqueço o nome daquele outro, lá. Aquela Hilda Ninho, que é uma baixinha também, que é humorista. E era o Teatro Rival - eu me lembrava bem disso - e tinha ali... Era na Cinelândia, eu arrumava o hotel aí do lado, que era baratinho, ficava tomando um chope lá no Amarelinho, que existe até hoje, e depois eu pegava... Tinha essa peça - eu assisti umas quatro vezes - e era uma peça que você… Teatro com bar, então você continuava bebendo, e tal… E a peça era muito engraçada, porque começa a peça, a história dos índios remanescentes, então você está aqui na mesa, o palco, tem um padre rezando a missa e todo mundo de costas, aqueles índios de costas para a plateia, olhando para o padre, não é? “E eu te batizo em nome de Pau Brasil”. Aí vem um índio, olha para a plateia: “Esta merda não vai dar certo”. E aí, entra a música e vira a comédia… E era exatamente a sensação que eu tive no Cartório, olha só… (risos). Mas, sinceramente, pelo que eu vejo de separações e tudo, a gente teve uma… Pena que não deu certo, paciência, mas não houve nada… Teve provocações, teve um pouco de… Enfim, mas nada que… Não tenho contato, não tenho relacionamento mais, acho que não… Nem pergunto, até porque os meus filhos são grandes, então não tem muito… Acabei casando agora com a Claudine, faz quase vinte anos, então… Mas foi isso que aconteceu, tenho dois filhos maravilhosos. Mas eu falo agora porque eu tenho um lado que não é de rancor e nem de mágoa, eu olho tudo por… Mas foi muito difícil. Difícil viver sem os meus filhos e difícil suportar algumas coisas totalmente desiguais. Por exemplo, agora, eu estava fazendo os livros, eu sei que tem um monte de fotografias lá, pedi para o Júnior, disfarçadamente, ir lá e falar: “Mãe, eu estou fazendo uma surpresa…”. Imagina, mas não pega nem… Não é justo, pelo menos na minha cabeça essa… Essa bronca, depois de tanto… Eu separei em 1990.
P/1 – E nessa segunda separação, que foi definitiva, a segunda vez, qual era o combinado em relação aos filhos?
R – Quando eu me separei a primeira vez, era o tal do desquite, não tinha ainda a lei do divórcio, que foi 1986, divórcio acho que foi 1987. Quando eu voltei, eu não dei baixa na separação, então foi um pouquinho menos complexo para separar, porque eu não precisava mais assinar nada; se eu quisesse, eu já estava desquitado. E aí, o advogado recomendou: “Já parte para um divórcio direto”. Mas eu redividi tudo de novo, não tive nenhuma preocupação financeira com isso, não teve… Primeira vez, por exemplo, que eu separei, ela tinha dado um valor, nós usamos o mesmo advogado, eu falei: “Esse dinheiro é muito pouco para a Regina”. “O que vosmecê está querendo dizer?” “Vamos melhorar esse valor porque não tem como ela viver com isso”. Aí ele abriu o jogo, falou: “Eu conheço vocês dois, eu nunca vi isso na minha vida”. Aí, disse que quando chegou no Juiz, o Juiz também perguntou: “Mas por que ele está mudando o valor?” “Porque ele tem condições”. Na segunda vez, eu não precisava dividir mais nada porque, tecnicamente falando, eu era separado. Somamos tudo de novo, dei 70% do que eu tinha, não tinha esse interesse, não era briga, nem nada. Eu tenho um futuro, nesse momento, eu já sabia. Deixar ela com casa, apartamento, não sei o quê… Uma maneira dela ter. No fim, ela acabou perdendo tudo, não por abuso de uso, ela começou a se meter em negócio, não sabe fazer negócio, perdeu tudo. Mas então, acabou separando. Então, quando… Aí, nós usamos as mesmas regras que já estavam escritas, o advogado assinou de novo… Aí começou a ter um problema que era: eu chegava no sábado: “O Junior foi jogar futebol”. No outro… “Hoje não sei o quê…”. mandavam avisar. Aí eu fui no advogado e falei: “Eu conheço o eleitorado, ela nunca levou o Júnior para jogar futebol, então…”. “Entra com uma ação exigindo os seus horários”. Aí passou para uma advogada: “Tem que ser mulher para pedir, não pode ser o homem, porque senão o Juiz acha que é machismo, então eu vou dar entrada. Só tem uma coisa: a gente tem que mentir algumas coisas, não pode ser só essa sua versão”. “Mas eu não quero”. “Se não inventar umas coisinhas, o juiz não vai…”. Eu não sei que catso que eles botaram lá que eu só escutei uns gritos um dia, da Janaína e do Júnior me xingando por telefone, diz que ela desceu lá na portaria… E ela faz tudo emocionalmente, caiu de bruços lá no chão, um lado de exagera, mas um lado emocional mesmo, que ela tinha essa coisa meio… E eu com isso fiquei dois meses sem ver os filhos, porque eles se recusaram e tal. Só que funcionou. Dois meses depois eles estavam comigo, nunca mais tive problema de visita. Na primeira vez, já era assim. ela não deixava eu levar os filhos para a mãe dela, era um problema, porque os meninos adoravam a avó, então, de vez em quando, a gente marcava no shopping como coincidência, foi sem querer tudo, e tal. Mas não foi recíproco o respeito, a relação que eu tive. De um lado com o que eu recebi de volta, mas também já passou. Hoje não precisa mais, então não tem problema. Foi a única coisa que deu, porque, de resto, eu não tive nenhuma… Minha família adorava ela e tudo, mas aí…
P/1 – E sobre ser pai? Como você se relacionava com os seus filhos quando eles ainda eram crianças e qual era a programação exclusiva que você tinha com eles?
R – Para você ter uma ideia, quando eu fui morar lá no Morumbi, a Janaína estava… Bom, eles já estavam um pouquinho mais velhos, não é? A gente tinha uma piscina lá embaixo, era todo mundo mais ou menos da mesma faixa etária e todo mundo com filhos mais ou menos da mesma idade, e eu fiz amizade com o pessoal lá. E um dia, o Leite me chamou: “Lino…”, gozação, não é? “Você está criando um problema sério nesse prédio, porque todas as crianças agora querem que sejam iguais ao pai do Júnior e da Janaína. Porque o pai do Júnior e da Janaína leva para o Playcenter, leva não sei o quê, vai ao teatro…”. Eu, no sábado, começava o interfone: “Tio, vocês vão onde com o Júnior hoje?” “Vamos no Playcenter”. Aí enchia o carro de criança, naquela época não tinha cinto, você podia botar oito lá atrás e ir para o Playcenter”. E antes disso… Eu sempre fui de levar no teatrinho e não sei o quê… Então, a relação minha com os filhos, mesmo separado… Aí, teve um determinado período que inverteu tudo, eu praticamente ficava com eles nos finais de semana, por qualquer razão, talvez ela estivesse namorando ou… Em vez de ser um sim e um não, acabava ficando mais tempo comigo do que… Então, essa dificuldade durou muito pouco. Na primeira vez, foi mais difícil, porque eles eram muito pequenos, mas foi um período muito curto também. E na segunda, em 1990, o Júnior já estava com doze anos e a Janaína com dez, então foi muito mais… Dava para conversar, tudo, não é? Mas a minha relação com filhos sempre foi muito legal, pelo menos eles reconhecem isso até hoje. A Janaína… Faz muito tempo, porque ela vai fazer quarenta anos, mas, uma vez, ela chegou em casa: “Pai, quando a gente vinha, que você morava ali na Augusta, eu falava para o Júnior: ‘Júnior, será que o papai é tão ruim assim do jeito que a mamãe fala, porque a gente olha para ele, ele parece tão bonzinho’”. E eles vinham para cá, curtiam, a Jana ajudava as coisas, fazia e tal… Eu fazia um… A única coisa que eu aprendi a fazer, botava o ovo, jogava ervilha em cima na frigideira, ela adorava. Aí, um dia, a Regina me ligou: “Que negócio é esse que você faz para a Janaína que ela fica doida para comer?” Ela tinha acho que quatro ou cinco anos. Mas a gente foi em tudo quanto é teatro, cinema e tal. E hoje, com o meu filho, eu faço a mesma coisa. Não tenho mais essa disposição de ficar brincando e tudo e ele já percebeu que brincar é com a babá e com a empregada, não é comigo. A minha função com ele é outra. Eu faço ele dormir todos os dias, desde quando ele nasceu, agora tem o negócio da historinha, então conto a história. Tem que cantar uma musiquinha para ele e tal, faço massagem na barriga, cinco minutos ele dorme. Agora, eu estou negociando com ele que, com sete anos, já não precisa mais. “Pai, vamos deixar para nove anos”(risos). “Sete anos e meio”. “Oito e meio”. Porque nós negociamos tudo, tudo é combinado. A televisão é até nove, aí passou para nove, zero dois, aí ele mesmo desliga e vamos dormir. É tudo muito…
P/1 – Qual o nome dele?
R – Leonardo.
P/1 – Eu queria que você me falasse por que Antônio, por que…?
R – O Antônio foi por ser Júnior e a Janaína foi a Regina que escolheu, porque ela nasceu numa época em que estava muito comentado o negócio da Leila Diniz, que morreu num acidente aéreo, em 1983, e ela deixou uma menina chamada Janaína. E quando a Leila morreu, a Janaína devia ter um, dois anos, então, quando a nossa Janaína nasceu, essa menina já era… Não tinha internet, essas coisas, mas já se comentava, e a Regina gostou muito desse nome, então a gente colocou Janaína. E o Leonardo agora foi uma escolha… Dúvidas e tal… Aí, eu pedi para o Júnior e a Janaína fazerem uma lista para ajudar a gente e a Jana mandou uma lista lá com duzentos nomes e aí a Claudine olhou, a gente estava pensando em um outro nome, chegamos num consenso que Leonardo é um nome muito bonito, não é? E ficou Leonardo, é uma figurinha fora do normal.
P/1 – E como foi receber a notícia de que você seria pai depois de um período?
R – Então... Quando eu conheci a Claudine, ela não queria ter filhos. E eu tinha feito vasectomia. Eu tive uma secretária que namorou um cara, que eu conhecia também, e ele foi levando, quando ela estava com trinta e nove anos, sei lá, ele começou a inventar que ele tinha um problema e que ele não podia ter… Não era vasectomia, era qualquer outra coisa… E ela foi até me procurar, falou: “Lino, puxa vida, você vê que coisa? Olha o que o cara está fazendo comigo, estou há quase dez anos com o cara, agora que eu estou percebendo que ele não quer ter filhos”. O cara já era bem mais velho, eu falei: “Ruth, você precisa…”. “O problema não é esse, eu até largaria, mas tem que começar tudo de novo, achar um cara, até lá, eu já estarei com quarenta e dois”. Naquela época, quarenta era o limite para mulher, hoje é mais fácil. E ela acabou ficando com o cara, eu cruzo com ela de vez em quando. Quando eu fui casar com a Claudine, eu achei que não devia… “Ela vai mudar de ideia, porque a maioria das mulheres muda, pouquíssimas mulheres não querem ter filhos”. E aí, foi indo. Quando o Leo nasceu, em 2012... Quando foi em 2010, mais ou menos, ela… 2009, ela: “Eu estava pensando…”. “Tudo bem”. Fui lá, reverti a vasectomia, fizemos todos aqueles testes todos e os médicos: “Imagina, com esse esperma aqui não nasce nada”. E aí, começou. Vai em um médico, vai no outro, eu ia no meu médico: “Lino, aqui não tem nada de…”. As quantidades lá, os índices… Não, tinha a alternativa, que era a inseminação. Aí a Claudine: “Eu não vou fazer, porque vai vir, no mínimo, três - dois ou três - eu não quero três”. Aí ela desistiu. “Eu não quero mais”. “Claudine, pensa bem“. Mas deixa, ela vai dizer que desistiu, mas a gente… Aí, um mês depois, ela engravidou, sem nenhum tratamento, sem nada. Quer dizer, a gente foi pelo lado espiritual, fomos em alguns lugares, tudo, fizemos algumas oferendas e tudo, claro que tudo ajudou, mas aí nasceu sem nenhum problema.
P/1 – Mas como que ela te deu a notícia de que ela tinha engravidado? Teve esse momento?
R – Sim, ela me ligou: “Eu queria falar com você”. Não me toquei, sai do escritório, cheguei um pouco mais cedo lá, ela me deu uma caixinha com um sapatinho. Ela acha que eu fiquei assustado, eu fiquei meio… Eu não estava imaginando… Mas aí foi curtição…
P/1 – E para falar para os seus filhos que…?
R – Isso foi na boa, até porque eles já estavam na idade mais fácil… Curtiram para caramba. A Janaína assistiu o parto lá da Austrália, direto. O Júnior foi lá, combinamos com a médica, ela é amiga nossa, então eles deixaram mais ou menos aberto. Então o Júnior com a filmadora e a Janaína conectada lá, tudo certinho. Agora essa semana ela esteve aqui, curte e tal. Foi muito legal e, para mim e para a Claudine, também foi maravilhoso, porque a gente já está há vinte anos juntos, então… vinte e dois anos, um filho te dá uma revitalizada, dá mais motivos. Eu cansei de viajar com ela esses anos todos, agora você viaja com filho, é outro papo, é outro… Uma curtição total. E ele é uma figura, assim como foi o Júnior, como foi a Janaína, ele é muito parecido com o Júnior. A Janaína era mais briguenta, invocada, o Júnior sempre foi easy, sempre foi… Mas o Leonardo tem uma característica que é o seguinte: ele vai dormir rindo, acorda rindo, acorda todo dia para ir para a escola sem nenhum problema, não reclama, põe a roupa, escova o dente… A gente estava sempre viajando sozinho, aí ele começou a crescer, a gente começou a ficar com saudades. Em 2016, eu tinha uma viagem para comemorar o aniversário da Claudine lá em Londres, isso em outubro, e quando chegou acho que agosto, ela começou: “Antônio, nós vamos deixar o Léo”. “Claudine, vamos levar”. “Não, mas ele…”. “Vamos arriscar, nós vamos ficar só em Londres”. Aí comprei a passagem e fomos. Parecia que você estava com um adulto, o problema que ele tem é de comer, ele não come fora, nada, nada. Ele vai com a mochilinha dele para a escola, volta… Agora tem um amigo comilão lá, ele dá tudo para o amigo, não come nada. Aí, foi um parto para fazer ele comer tudo, mas de lá para cá, não teve mais jeito: “Vocês não vão viajar sem mim, não é?” Agora, em todas as viagens, ele está incluído. Até o ano passado eu levava os marmitex congelados, que aí, ele come. Ele almoça e janta, mas tem que ser a comida de casa. Aí, comecei a perceber que para os Estados Unidos tem uma legislação muito rigorosa, aí que eu me toquei, eu não vou… Uma hora eles me pegam lá é um problema. Porque, no ano retrasado, eu perdi o papelzinho na saída lá, deve ter caído e tudo, aí eu cheguei para o cara lá e ele: “Não tem problema não, você entra aqui de novo e passa na esteira”. Aí, quando eu cheguei lá, o cara falou: “Essas malas que você despachou pode passar, as de mão é as que eu vou abrir”. Aí, tinha um pedacinho de sanduíche desse tamanhozinho. “O que é isso aqui?” “Desculpa, não sei o que é”. Eu abri, era presunto. Falou lá que era proibido, deu a maior dura, eu falei: “Desculpa”. “Não tem mais nada?” “Eu tinha 12 marmitinhas na mala”. “Não tenho”. “Tem certeza?” “Tenho”. Se ele cismar de abrir a mala, eu vou ser expulso. E aí ele falou: “Quando o senhor assina alguma coisa, o senhor tem que ler porque aqui é proibido trazer”. Isso não vai acabar com os Estados Unidos, nem bomba atômica… E aí, comecei a prestar atenção e, realmente, fiquei sabendo nos blogs aí que os caras pegam pesado. Então, eu não estou levando mais, aí ele está comendo, mas agora ele está… Já comeu macarrãozinho… Viajei com ele este ano sem levar marmita, já… Dá uma trabalheira danada, mas é só esse o inconveniente. Então mamadeira, almoço e janta, não tem maçã, não tem suco, não tem sorvete, nada, não come nada. Não tem sobremesa… Você dá qualquer coisa para ele: “Experimenta”. “Não gosto”. Magrelo que nem um danado, mas…
P/1 – Lígia?
R – Você não perguntou nada.
P/1 – Temos algo?
P/2 – Eu acho que ficou faltando um pouco da parte assim dos estudos, da questão da Universidade.
R – O meu estudo foi péssimo, não é? Porque eu cheguei em São Paulo – agora eu fiquei sabendo – com doze anos não trouxe nada de Minas e nem tinha mesmo, porque a gente estudava na fazenda lá, alfabetizava, não era escola formal. Quando chegou aqui, isso eu me lembro há… Eu já deveria estar no quarto ano, aliás, eu já deveria ter terminado o primário. Porque, antigamente, era primário, ginasial, admissão… Primário, admissão ao ginásio, ginásio, depois colégio. E aí, fizeram lá alguma coisa e me colocaram no segundo ano, em vez de ser o primeiro. Então, era um cavalão com a turma de primeiro ano. Então, claro, tinha uma facilidade para aprender muito maior do que os outros, as coisas que me ensinavam, já… Como eu gostava muito de ler, eu já sabia ler, enfim, e tal…Aí, em dezembro de 1965 eu me formei. Aí, teve um trauma muito grande porque eu fiquei a noite inteira esperando a roupa para a formatura. Na minha cabeça era o meu irmão quem ia trazer, até hoje, não sei se eu pedi ou se foi uma fantasia minha, o meu irmão não trouxe; provavelmente eu tenha pedido… Na nossa família, não tinha essa coisa, essa formalidade, aí eu não fui buscar o diploma. Fui lá depois, e eu ia ganhar um trofeuzinho lá, porque eu fui o melhor aluno da classe, óbvio, eu era muito mais velho. Não só por isso, mas porque eu era bem… E aí fomos para o Paraná, no Paraná eu perdi um ano, chegamos em final de 1966. Em 1967 eu já ralava que nem um danado, não dava para estudar. Em 1968, também. Aí, em 1969… em 1967 eu fiz admissão ao ginásio, aliás, 1968, que você tinha que fazer um ano de curso, tipo um vestibular, aí entrei no ginásio em 1969. Só que eu trabalhava que nem louco, molecada, periferia, a gente bebia para caramba e tal, e em 1970, quando chegou junho, eu acabei me desentendendo lá, porque o diretor vivia… O seu Domingos me chamava lá: “Você não é dessa laia, você está metido com esse bando de…”. “Mas, ’seu’ Domingos, eu não faço nada”. “Mas só o fato de você estar junto com esse bando de moleque, cafajestes…”. E a gente tinha mania de levar uma garrafinha de pinga com groselha, jogava pelouro no meio do mato, para depois beber, e uma vez eu estava… todos nós bêbados, na classe, a professora... O professor chamou o diretor, ele foi dar uma dura em mim: “Como é que você se mete nisso, rapaz? Você é outra turma… Você é de família…”. E eu acho que falei alto com ele. “Eu vou te suspender quinze dias”. Aí eu já não tinha tempo mais, eu trabalhava até tarde da noite, eu tinha que chegar lá na… A rotina era... Chegava atrasado no ginásio, terminava às onze, ia dormir, acordava às quatro da manhã para ir para a cidade, e aí eu desisti, falei… Fiquei esse tempo todo sem estudar. Aí, começou… Criou-se o negócio do supletivo, que você podia matar o ginásio e o colégio num tapa só, e tinha aqueles Santa Inês, tinha um monte de coisa. Tipo Anglo, mas o Anglo é para vestibular e esses aí eram para supletivo. Aí eu fiz, parava, começava, fazia e você podia fazer os exames onde você quisesse, nas épocas que tinha, então você ia lá, mesmo que você não tivesse estudado, de repente, você passava. Aí, quando chegou em 1975, eu fiz tudo, bonitinho, fiquei… Não passei em Ciências não… Química, Biologia, era tudo uma coisa só. Aí, eu me lembro de que, em fevereiro de 1976, eu já estava com a Regina, eu fui até Três Lagoas fazer o exame, tinha cola para todo lado lá, achei uma cola, sei lá, acabei passando. Com isso, eu tive o diploma do ginásio, mas não estudei, não é? Então, não tive nenhuma formação. Dai, quando eu casei, em 1977, eu resolvi fazer a Faculdade, já era uma época que entrar na Faculdade não era tão difícil mais, aí fiz a Faculdade, também não teve dinheiro para festa porque os alunos decidiram que era na zona leste, vamos economizar esse dinheiro, então fiquei também frustrado por não ter uma festa de… Só teve a colação de grau, eu levei a minha mãe, ela ficou toda emocionada e tal. Mas aí, eu estudei muito pouco, porque quando eu fui fazer Administração de Empresas, eu já era gerente administrativo, já conhecia tudo. Eu pegava o livro, enquanto a turma estava lá na introdução, eu já estava lá do outro lado, então… Mas foi uma formação muito fraca, muito frágil, que também não perdi grande coisa, que eu aprendi mesmo foi o hábito de leitura, eu sempre li muito jornal, rádio, noticia, revista, livro… Até hoje eu sou um rato de… Que é onde você aprende mais, não é? Você tem uma cultura muito maior do que aprender a fórmula química da Física; claro que também é importante, mas não senti essa… Eu tinha, sim, era um grande complexo. Por exemplo, eu era administrativo, financeiro, quando um advogado ligava para mim, quando um administrador, aí eu sempre me sentia… O dia em que eu peguei o diploma, eu percebi: “é isso, então?” Aí acabou o meu preconceito, ficou de igual para igual, eu já dava nó em advogado e administrador porque eu conhecia muito bem. Então, só não tinha o diploma, depois que tive, tirou da minha cabeça esse certo preconceito. Mas foi um aprendizado muito fraco.
PAUSA
R – A gente é muito parecido, eu fui uma vez… Minha mãe estava internada, tem um médico que é amigo nosso, e estava o meu sobrinho, que é filho da Olga, o Márcio. Aí, o Gustavo saiu lá para me cumprimentar, olhou o… Minha mãe estava internada, olhou o Márcio: “Mas é tudo igual aqui?” Você olha, é todo mundo muito parecido. Se bem que a família do meu pai é mais bonita do que a família da minha mãe. O meu pai era muito bonito, o Zezito também muito bonito, eu também me considero… O Luiz, achei uma foto agora… Mandaram para mim uma foto do Luiz, até mandei para a Claudine: “A cara do Federer”. Pegou um close assim, não é tão bonito, mas é um cara bonito, não é? A família da minha mãe nem tanto, mas a gente tem um misto do meu pai e um pouco das bochechas da minha mãe, tal… A irmã da minha mãe, que eu fui agora e está com noventa e nove anos, é igual à minha mãe, exatamente a minha mãe, e toda bonitinha. Cheguei lá, ela estava numa cadeira, está super bem, noventa e nove, vai fazer cem anos agora em dezembro. E começou a cantarolar uma música que é... “Eu vou te contar um caso”, não sei. Falou: “Toninho, toda vez que eu canto essa música, eu me lembro do Joãozinho como se fosse hoje, ele gostava”. Que é o irmão dela. “Ele gostava de cantar essa música”. A cara da minha mãe, mas a mesma… Bochechão, assim. Então, a gente tem um DNA muito… O Leonardo, por exemplo, quando ele estava com dois, três anos, a gente estava na praia e a babá foi dar banho nele, de repente, eu estava na sala, tem um corredor do quarto, de repente, ele veio, cabelo pretinho caído assim, falei: “Engraçado, eu tenho uma foto igual a essa aí, é a cara da foto que eu tenho”. Não falei nada, aí aproveitei, tirei umas fotos dele, cheguei em casa, descobri que era a minha foto do certificado de reservista. Aí, tirei, botei junto, até a queda do cabelo aqui - e eu nem sabia disso - mas é exatamente igual. O rosto, tudo. Se você olhar… E o mais engraçado agora é que com esse negócio da seleção das fotos, acabou misturando algumas coisas… Eu comecei a confundir ele com o Júnior, quando eu quis pegar as fotos, é a cara do Júnior, e a cara minha, essa foto quando eu tinha dezesseis anos, impressionante… É semelhança de tudo, de boca… Boca nem tanto, mas os olhos, o cabelo… Mas é todo mundo muito parecido.
P/1 – Lígia?
P/2 – Então... O senhor descreveu bastante essa questão do resgate da memória, o processo, mas eu queria saber por quê?
R – Eu comentei um pouquinho por cima, eu fui comemorar o aniversário do meu irmão, surgiu do nada… Porque o meu irmão tem mania de jogar dominó, então todas as vezes, eu vou uma vez por ano na casa dele, mas chega lá, está todo mundo jogando dominó e ninguém conversa. A gente já não é muito de falar, mesmo. Esse dia, por qualquer razão, não tinha dominó, a gente começou a conversar e tal e ele não lembrava de nada, falei: “Vamos aproveitar então, e levar todo mundo lá…”. Foi aí que surgiu, mas não tinha nenhum… Tanto que se eu tivesse o mínimo de atenção disso, eu teria montado isso no tempo da minha mãe. Graças a Deus, surgiu uma época inclusive que tem a Duduca ainda, que está com oitenta anos, então, tudo isso… Se eu fosse fazer isso daqui cinco, dez anos, provavelmente também teria esse problema que ela talvez não estivesse com a mesma memória de hoje; com certeza, não.
P/1 – Eu quero que você apresente seu livro, então.
R – Meu livro. Esse é o meu livro. A ideia que… o Júnior, o Antônio é um especialista em diagramação de capa. Este livro eu não deixei ele ver porque tinha muita coisa que eu queria surpreendê-los, e aí eu arrumei uma pessoa para montar, mas o Júnior acabou dando uns pitacos. Eu queria tirar uma foto nossa… Essa aqui, é a estação lá em Visconde de Rio Branco, aí a foto que nós tiramos não estava bonita, eu achei na internet essa, ia fazer muito grande, ele falou: “Vai ter problema, vai estourar”. E aí surgiu a ideia de botar num quadro e aqui atrás, eu coloquei de São Pedro dos Ferros e aqui, a estação rodoviária de São Paulo, em 1965, que foi onde nós chegamos. A sorte nessa região aqui é que eles tombaram todas as estações. Agora, botaram um negócio aqui na frente de foodtruck, só que fixo, então fica um horror, perdeu toda a vista do… Mas está lá, bonitinho. Aí, eu fiz uma brincadeira aqui com... A minha irmã, como ela sabe de tudo, o meu irmão perguntando: “Você sabe quando o Isaltino tomou a primeira sopa? Que dia que a mamãe não sei o quê…?” E aí, eu botei a Duduca com… (risos). Ela ficou toda emocionada e tal, porque é impressionante, as brincadeiras aqui, por exemplo, eu coloquei aqui… “Com quantos quilos a Marta nasceu? Que dia e hora foi o batizado? Canja de que a Minervina tomou quando nasceu o Zezito?”. As bobagens, só para provocar ela. A gente estava lá no meio do mato, passou um passarinho, ela falou um versinho, falou: “Esse versinho aqui, o papei falava para a mamãe quando eles namoravam”. Minha mãe casou em 1937, é impressionante. Aí, tem um negócio mais legal aqui que a tecnologia fez, que foi o seguinte: eu comprei aquele aparelhinho Garmin que é um GPS, e a gente foi lá na cidade e a Duduca falou: “O João nasceu aqui”. Aí eu botava a longitude e tal, aí viemos no Google e fizemos um… Eu dei de presente para eles… Deixa eu ver se está aqui. Além de estar no livro, eu dei um mapa bem grande com todos os… Via satélite, está vendo? Onde eu nasci, onde minha mãe nasceu, onde não sei quem nasceu. O João que ficou por último. Eu fui no ano passado para tentar descobrir, a Duduca achou que era na tal da Serra do Valão, que foi o único que nasceu fora do ‘coiso’… mas você vê que era todo mundo… Claro, não é aqui todo mundo que nasceu, aqui tem algumas referências de fazenda e tudo, mas era todo mundo muito próximo. Aí, consegui também… No ano retrasado, a gente sabia onde a mamãe tinha nascido, que chamava Morro do Bueiro, mas não tinha acesso. Este ano eu voltei, peguei o meu primo e falei: “Tom Zico, eu trouxe um tênis aqui, vamos passar pelo rio, aí, qualquer coisa... Mas eu quero subir lá naquele morro. Para minha sorte, quando eu cheguei lá, que é pertinho da casa dele, alguém comprou aquela fazenda, passou um trator e fez uma estradinha. Então, a gente conseguiu chegar exatamente onde era a casa da minha mãe, que também foi outra emoção, porque parecia um paraíso, uma coisa muito linda, muito… Coisa digna de pessoas como ela, então também foi muito emocionante… Deixa eu ver se eu tenho uma foto aqui da… Olha aqui, ela nasceu exatamente na… Por isso que é Bueiro, porque é um declive assim… A vista maravilhosa, não tem mais nada lá, eu tentei achar, ver se eu achava um pedacinho de resquícios, tal, mas… Essa aqui… Essa pedra em que ela sentava (risos).
P/1 – Ainda sobre a sua mãe, eu fiquei muito curiosa. Você começou a entrevista hoje, falando para a gente que se fosse antes, você faria algumas perguntas para ela. Quais perguntas? O que fica mais latente quando você pensa…
R – Acabou que essas perguntas praticamente a Duduca respondeu tudo, então não era nada assim… Era exatamente isso: “Onde você nasceu? Onde foi…”? Algumas histórias, embora eu tenha escutado muitas histórias dela, tudo, mas não registrei. Mas não ficou nada assim… O que eu sinto é isso, quer dizer, o testemunho dela ia ser mais valioso do que o da Duduca, porque ela é uma pessoa com uma memória… O meu pai, por exemplo, tem uma memória fora do sério, ele quando começava a contar as histórias, tudo assim, com data, dia, hora, fulano… Nunca gaguejava: quando é que é mesmo?” Reto. Minha mãe, a mesma coisa. Então, era só nesse sentido de ter mais histórias por exemplo, esse negócio dos Ferraz, dos Ferreiras. A Duduca matou a charada de todos, quem é quem, quando nasceu, quando não sei o quê, quem era… Mas seria muito legal se eu tivesse tido esse tempo para resgatar. De fazer, por exemplo, como o Júnior fez com a Duduca… O Júnior tem mais umas cinco horas de fita com ela, nessas viagens todas, e tal… Então, era mais nesse sentido dela ter a oportunidade de ter um livro, para ela rememorar coisas também; mas não dá para ter tudo.
P/1 – Posso fazer minhas últimas duas perguntas?
R – Sim.
P/1 – Como você se sentiu hoje contando a sua história para a gente?
R – Na boa, viu! Fiquei emocionado aquela hora lá de falar dos meus pais, é natural, mas me senti… Até por causa disso, eu passei a fase mais dura o ano passado, de ter que escrever isso… E agora foi até muito melhor, porque a gente… Lá, eu fui contando a história de uma maneira e você vai me fazendo pergunta, vai entrelaçando, não precisa ser uma ordem cronológica, então, foi muito bom, fica aí um registro bom para se alguém me achar um dia, não é? (risos)
P/1 – Minha última pergunta então, Antônio: quais são os seus sonhos hoje?
R – Sonho hoje? Eu quero ter uma vida mais longa, eu tenho uma preocupação… Preocupação não, mas o fato de eu ter o filho pequeno… Também não é por isso, eu quero viver bem. Pelas condições que eu tenho hoje, financeiras, estou resolvido, graças a Deus. De saúde, eu tenho tido muita tranquilidade, eu nunca tive nenhum problema sério, também tomo bastante cuidado, bebo mas não fumo, e tal, pratico esporte. Então, tenho uma situação muito… Que não é uma garantia, mas vai facilitar bastante. Então, por exemplo, eu estou com… vou fazer sessenta e oito, quando eu vejo a turma aí de sessenta anos, o pessoal está bem detonado, então mostra que só poucas pessoas chegam na minha idade com a disposição que eu tenho, tranquilo. Agora tudo isso também foi fruto de cuidado, tive sorte também de não ter tanto estresse, trabalho, nos últimos trinta e cinco anos, não tive nenhum estresse… Estresse todo mundo tem, mas digo, não aquele de ameaça de perda de emprego: “Pô, eu estou ganhando muito, eles vão me mandar embora”. Não tive isso. Então, isso também… Os últimos vinte anos com a Claudine, a gente tem uma harmonia muito grande, tudo isso ajuda na saúde, no… Então, o meu sonho hoje seria isso mesmo, ter uma… Ver os meus filhos bem, que já estão bem encaminhados, agora tem mais o baixinho lá para tocar e eu quero ver se eu vivo… Mas eu quero viver sem a dependência, eu não queria… Vou torcer para não viver cem anos como algumas pessoas vivem, que aí também dá muito trabalho, é muito sofrido. Então, por exemplo, uma preocupação que eu tenho é com problema de movimentação, com isso eu tenho um certo cuidado, eu faço exercício, porque a pior coisa que você tem é não poder andar, que isso gera depois também outras consequências. Mas de resto, eu já me sinto realizado em muita coisa, família, enfim… Dinheiro não tem nenhuma… Só ajuda a sua vida, mas não é uma… Ninguém saiu em busca disso, tem outras maneiras de ser feliz sem isso, mas o fato é que eu tive um… Fui um privilegiado na vida, que graças a Deus... Está aí, não é?
P/1 – Então, Antônio, eu queria agradecer por você ter vindo aqui hoje, foi muito bom conhecer a sua história. Muito obrigada.
R – O prazer foi todo meu., Espero que vocês tenham gostado, também.
P/1 – Com certeza.
R – E ver se alguém tem paciência de escutar tudo isso depois (risos)
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