P/1 – Eu queria que você começasse falando seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Meu nome é João Vicente Silva Cayres, eu nasci em Livramento de Nossa Senhora, na Bahia, em 19 de junho 1969.
P/1 – Você prefere que te chame como: João?
R – É, João Cayres, sou mais conhecido como João Cayres.
P/1 – João, qual o nome dos seus pais?
R – Pedro Pereira de Cayres e Marlene Silva Cayres.
P/1 – Esse nome, Silva Cayres, qual a origem?
R – Silva, acho que é português mesmo, o Cayres a gente tem uma dúvida, se é português trasmontano ou se é francês, Cayres, até porque existe uma cidade chamada Cayres, na França. É uma cidade turística, tem até um site, Cayres.com, que eu dei uma olhada, mas não sei, sinceramente eu nunca procurei saber a questão genealógica do nosso nome.
P/1 – E você nasceu em que cidade?
R – Chama Livramento, é, teve vários nomes, Livramento de Taguaçu, Livramento de Nossa Senhora, para os católicos é Nossa Senhora, aí tem Livramento do Brumado, porque tinha uma cidade ao lado chamada Brumado, ficou independente. O nome atual é Livramento de Nossa Senhora. Fica na Bahia, no sudoeste baiano, na região da Chapada Diamantina. Inclusive do lado tem uma cidade turística chamada Rio de Contas, então perto de todo aquele trecho, Rio de Contas, Mucugê, Lençóis lá em cima; fica bem perto do Pico das Almas, que é uma região turística ali no sudoeste baiano, na Chapada Diamantina.
P/1 – E vocês vieram pra São Paulo quando?
R – É, na verdade é o seguinte, meu irmão mais velho é paulistano, nasceu aqui no Belenzinho, meu pai tava aqui em São Paulo, ele veio pra cá, ele já era casado com a minha mãe, né? Casou, teve um filho mais velho aqui, aí por conta de saudades, outras coisas, voltou pra Bahia. Aí voltando lá teve mais três filhos, no caso foi minha irmã mais velha, eu e meu irmão...
Continuar leituraP/1 – Eu queria que você começasse falando seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Meu nome é João Vicente Silva Cayres, eu nasci em Livramento de Nossa Senhora, na Bahia, em 19 de junho 1969.
P/1 – Você prefere que te chame como: João?
R – É, João Cayres, sou mais conhecido como João Cayres.
P/1 – João, qual o nome dos seus pais?
R – Pedro Pereira de Cayres e Marlene Silva Cayres.
P/1 – Esse nome, Silva Cayres, qual a origem?
R – Silva, acho que é português mesmo, o Cayres a gente tem uma dúvida, se é português trasmontano ou se é francês, Cayres, até porque existe uma cidade chamada Cayres, na França. É uma cidade turística, tem até um site, Cayres.com, que eu dei uma olhada, mas não sei, sinceramente eu nunca procurei saber a questão genealógica do nosso nome.
P/1 – E você nasceu em que cidade?
R – Chama Livramento, é, teve vários nomes, Livramento de Taguaçu, Livramento de Nossa Senhora, para os católicos é Nossa Senhora, aí tem Livramento do Brumado, porque tinha uma cidade ao lado chamada Brumado, ficou independente. O nome atual é Livramento de Nossa Senhora. Fica na Bahia, no sudoeste baiano, na região da Chapada Diamantina. Inclusive do lado tem uma cidade turística chamada Rio de Contas, então perto de todo aquele trecho, Rio de Contas, Mucugê, Lençóis lá em cima; fica bem perto do Pico das Almas, que é uma região turística ali no sudoeste baiano, na Chapada Diamantina.
P/1 – E vocês vieram pra São Paulo quando?
R – É, na verdade é o seguinte, meu irmão mais velho é paulistano, nasceu aqui no Belenzinho, meu pai tava aqui em São Paulo, ele veio pra cá, ele já era casado com a minha mãe, né? Casou, teve um filho mais velho aqui, aí por conta de saudades, outras coisas, voltou pra Bahia. Aí voltando lá teve mais três filhos, no caso foi minha irmã mais velha, eu e meu irmão mais novo. Aí ele voltou pra cá, nos idos de 1974, eu tava com quatro anos e meio, nós viemos morar em Santo André, ficamos um ano e meio em Santo André, aí mudamos para o Parque São Rafael da zona leste de São Paulo. Local naquela época muito atrasado, as ruas não tinham asfalto, não tinha iluminação. Muito assim, muito pobre o local, muito ruim. Pra quem sai de Santo André e vai pro Parque São Rafael você toma um certo choque, apesar de que eu era moleque, muito pequeno, cinco, seis anos, você não percebia muito essas coisas, não tem muita percepção de mundo. Aí fiquei lá no Parque São Rafael cinco anos, e então voltei pra Santo André, de novo. Aí fui mudando, morei em Camilópolis, voltei pro Parque das Nações e aí fiquei, durante toda a minha adolescência, no parque das Nações. Minha mãe ainda mora no parque das Nações e eu moro num bairro vizinho.
P/1 – É em São Paulo já?
R – É, São Paulo, no ABC paulista.
P/1 – E como que era a sua infância, você brincava na rua, como que era?
R – Lembro bem, sempre brinquei bastante na rua, mesmo aqui em Santo André, depois mudando pro Parque São Rafael, fazia muita coisa legal, tipo caçar passarinho, essas coisas de moleque, carrinho de rolimã, brincar de polícia e ladrão, de tudo. Tudo o que a gente podia fazer, era normal brincar na rua. Brincar de jogar fubeca, pião. Cheguei a fazer tudo isso. Carrinho de rolimã, jogar bola, soltar pipa. Então, uma infância normal, apesar que comecei a trabalhar cedo também. Naquela época tinha feira, daí a gente fazia um caixotinho, que a gente chamava de carreto, né? Então você fazia carreto na feira, pra carregar a feira pras mulheres: as mulheres estavam sem carrinho você carregava as coisas dentro, ou então como engraxate. Acho que com uns 9 anos eu “tava” engraxando sapatos. Até porque eu tinha uns colegas que faziam isso, eu achava legal, porque eles ganhavam um dinheirinho, eu falei: “Vou ganhar dinheiro também”. Aí meu pai fez uma caixa, pesada pra danar, [Risos] ele fez com umas madeironas, e ia engraxar. Todo domingo, eu ia numa padaria, e ficava lá, eu e um colega meu, e ficava engraxando sapato. E eu fiz isso até uns onze, doze anos.
P/1 – Mas você falou que trabalhou na feira antes. Aí, você começou antes?
R – É, mais ou menos oito, nove. Porque eu fazia assim: de semana, fazia o carreto na feira; aí de domingo, ia na padaria e ficava lá, tipo das oito ao meio dia, engraxando sapato. Na feira normalmente se tinha de terça à sábado, que eram as melhores feiras. Então não era tão longe. A feira de domingo, não sabia onde era. Então eu fazia isso. Eu e uns colegas, a gente ia à feira e fazia essas entregas aí. Não dava muito dinheiro, não, tomei até um chapéu, isso foi tão engraçado: andei que nem um burro velho. Cheguei lá o velho não tinha dinheiro pra me pagar. Falei, poxa! Aí ela me deu uma moranga, nem sabia o que era moranga, era um tipo de abóbora. Aí levei a moranga [Risos] dei pra minha mãe e falei, “To, faz isso aí, eu não sei o que é isso não”. Aí ela falou que era uma moranga. Aí eu peguei...
P/1 – A sua mãe também não conhecia.
R – Não conhecia.
P/1 – E ela fez?
R – Fez.
P/1 – E você começou seus estudos aí na região do ABC?
R – Não, eu comecei a estudar no Parque São Rafael. Eu ia entrar no prézinho, lá em Santo André, mas como eu mudei – minha mãe tinha até feito a papelada – que é a chamadas EMEIS, era o prezinho, que eu já estava com 6 anos, cinco, 6 anos. Aí quando nós mudamos pro Parque São Rafael, acho que lá não tinha, aí eu entrei no primeiro ano com 6 anos e meio. Entrei no primeiro ano no Jardim Vera Cruz, que era um bairro vizinho do Parque São Rafael. Aí estudei lá, primeiro e segundo ano no Jardim Vera Cruz; depois mudei para uma outra escola, que chama Cláudio Manoel da Costa hoje, na época era Jardim Colorado, por sinal muito boa, uma diferença gritante. Eu estudava no primeiro e segundo ano, até o meio do ano estudei numa escola estadual. A escola municipal, em São Paulo, era muito melhor. Tanto a questão do ensino como a questão da merenda – tinha muito essa questão da merenda escolar – muito boa na época. Aí estudei até a quinta série, depois eu mudei pra uma escola estadual, em São Paulo, em Santo André, isso num bairro bom, em Camilópolis, mas mesmo assim, a escola municipal em São Paulo, apesar de ser periferia, e lá como tinha um esquema assim, a gente não podia comprar livro, porque tinha aquele negócio de caixa, mas não tinha livro didático no ensino, no ginásio. Então a gente fazia tudo escrito, copiava tudo. E eu tive uma sorte danada, porque eu já cheguei na semana de prova na outra escola do Estado. E fui bem nas provas. Até os professores estranharam, eu era meio inocente, eles perguntaram, “Você estudou pra prova?”, eu falei, “Não”; aí tirava nota B, B+, questão. “Aí como é que você foi tão bem?”. “Ah, não sei, tudo o que você está dando eu já vi”. Daí outra, tinha copiado tudo no caderno, não era leitura. A professora passava tudo na lousa, às vezes a gente escrevia na lousa, ela pedia para os alunos irem se acostumando; tinha aquelas alunas que eram tipo líder de classe, que escreviam. E aí eu me mudei para Santo André, saí dessa escola e então comecei a trabalhar em uma floricultura e fui pra outra escola. Foi aí que eu tomei pau pela primeira vez na vida.
P/1 – Aí, quanto anos você tinha quando você arrumou um emprego, vamos dizer, formal?
R – É, mas não era registrado. Tinha 12 anos. Comecei a trabalhar em uma floricultura. Trabalhava entregando flores e fazendo cestinhas, buquê de flores; mas meu serviço maior era entregar flores. Então, era uma coisa interessante porque a gente fica conhecendo um monte de ruas, então você vai pra tudo que é lugar a pé ou de ônibus. Mas muitas vezes eu ia a pé pra pegar o dinheiro da condução. Até tem um fato interessante: o dono da floricultura chegou pra mim, era a última entrega do dia, aí ele perguntou pra mim: “Oh, João, dá pra ir a pé?”. Aí eu fiquei meio assim, aí o filho dele falou: “Para ir a pé dá pra ir até no Estados Unidos, só que demora”, aí ele me deu o dinheiro da condução, mas eu acabei indo à pé. Era aquela coisa, 12, 13 anos você quer jogar fliperama, tinha a questão da caixinha também. Aí eu trabalhei uns dois anos na floricultura. Saí uma vez, fui mandado embora porque briguei com um moleque lá, coisa de menino, saímos na porrada lá dentro. Aí eles me mandaram embora; mas depois me chamaram, passaram uns dois meses aí viram que eu não tava errado, me chamaram de novo pra trabalhar, eu aceitei. Aí foi trabalhar até eu pedir a conta. Aí meu pai me arrumou, numa época, numa auto-escola, aí eu fiquei trabalhando assim – comecei a fazer o curso de datilografia, na época o pessoal fazia muito. Aí ele me colocou na auto-escola que ele conhecia e acabei sendo efetivado lá. Fiquei trabalhando na auto-escola até os 17 anos, até que arrumei um estágio na Ford, de eletrônica, já que eu fazia eletrônica no colégio, e depois acabei ficando na Ford.
P/1 – E aí nessa auto-escola, você trabalhava o dia todo?
R – O dia todo, de segunda à sábado. Aí acabei sendo registrado lá, meu primeiro emprego registrado foi nessa auto-escola, auto-escola Visão. Eu fiquei um período assim só, tipo estagiário, aprendendo o serviço, aí acabei sendo efetivado, fiquei uns dois anos lá como efetivo mesmo, com 17 anos eu saí, fui pra Ford, aí fiquei lá um ano como estagiário; mas foi uma época de corte na Ford, teve a junção da Autolatina e eles não efetivaram ninguém naquele ano, inclusive meu pai foi demitido, foram três mil demissões que ocorreram. E aí passou um tempinho eles me chamaram. Eu fiquei até uns, voltei na auto-escola, fiquei fazendo “Uns biquinho” lá, o pessoal me chamou pra trabalhar, estava precisando. Aí “Passou uns dois, três meses” eles me chamaram pra Ford. Estou lá até hoje, desde 1988.
P/1 – Então você se formou no colegial, você tava na auto-escola?
R – Na auto-escola, estava trabalhando na auto-escola. Aí eu fui pra Ford, porque meu pai ainda estava na Ford, aí fiz uma ficha de estágio, aí fui lá, fiz entrevista, fiz teste; acabei passando pra ser estagiário lá. Fiz o estágio, aí depois desse corte a Ford começou a contratar pessoas, me chamaram.
P/2 – E em que área?
R – Manutenção de máquinas, de robôs. É, nos robôs, na verdade, a gente não faz a manutenção, a gente faz a programação. São aqueles robôs que soldam o carro, e tal. Então você faz a programação dele, conserta quando dá problema. Mas manutenção grossa mesmo vai pra fábrica de origem, que é a BB, no caso da Ford é a BB, que faz aquele robozinho se movimentando assim.
P/1 – Sobre essa fase da escola. Teve algum evento, alguma situação, que tenha te chamado atenção para o sindicalismo. Tinha essa?
R – Na quinta série eu participei na disputa de uma chapa para o Centro Cívico, ainda tinha a história do rescaldo da ditadura ainda, então tinha o Centro Cívico. Eu disputei, nós perdemos, até porque fomos sacaneados na verdade, porque o pessoal que tava lá já, eles fizeram um negócio que era assim – eu já comecei a acordar pra vida. Assim: a gente fez uma campanha legal, mas eles cooptaram a molecada do primário. Vinham de manhã, faziam brincadeira de roda – e a molecadinha do primário também votava. Nós não fizemos nada disso, nós fizemos conversa só com o pessoal assim do nosso meio, a galerinha adolescente, combinamos de fazer campeonato de futebol, aquela coisa toda, campeonato de vôlei para as meninas, algumas coisas para melhorar a escola, pintar a escola, melhorar o laboratório e tal. A idéia era essa. Mas aí eles vieram de manhã – eu tinha um irmão que tava no primário, ele falou: “O pessoal está vindo todo dia”, eu nem me ligava nisso. Aí faziam brincadeiras de roda, brincavam de amarelinha. Aí acabaram ganhando os votos deles e daí eles ganharam a eleição. Foi a primeira vez que eu disputei assim. No colégio a gente ajudou montar, chamava grêmio também, mas era colégio particular, era muito repressor, não tinha muita conversa. Ajudamos a montar o grêmio, mas eu acabei não disputando, até porque eu trabalhava e não tinha muito tempo para essas coisas. Mas aí na faculdade, sim. Na faculdade eu fui eleito duas vezes para presidente do centro acadêmico. Na verdade era diretório, mas aí na nossa gestão nós transformamos em centro acadêmico. O diretório ainda era subordinado à faculdade, à direção da faculdade, na Fundação.
P/1 – Você estudou na Fundação?
R – Na Fundação. Aí nós transformamos o diretório em centro acadêmico, acabou virando um centro acadêmico, aí beleza. Porque o da faculdade de economia, assim a FAECO, ele era o mais antigo, porque foi uma das primeiras faculdades de economia do país, bem aquela época. E tinha o pessoal da filosofia que já era centro acadêmico, mas eles já vieram pós-1988.
P/1 – Essa época que formaram o centro acadêmico que época que era, mais ou menos?
R – 19 93, 1994.
P/1 – Assim que você saiu do colégio já entrou na faculdade?
R – É, eu prestei vestibular, passei e já fui direto lá pra Fundação. Eu estou sem certeza se eu entrei direto no primeiro ano, sai já entrei, ou se eu fiquei um ano parado. Não tenho muita certeza agora. Até porque foi um momento muito tumultuado da minha vida, assim, em 1990, eu casei em 1990 meio às pressas, minha esposa ficou grávida, eu tava no meio de uma greve de 50 dias, que a gente fez lá na Ford, e ela prestou vestibular, ela entrou. Eu ainda não tinha, é assim, eu tinha terminado o colégio, mas faltava um ano, que era o colégio técnico, que eram quatro anos. Quando eu me casei, parei, aí foi aquele rolo, aquelas coisas. Aí eu parei, depois voltei, mas ela entrou na faculdade, por isso que eu faço confusão. Aí eu entrei no ano seguinte, ela entrou primeiro que eu. Ela estudou, entrou grávida, de dia, depois ela passou para noite e a passamos a estudar juntos. Mas foi um período meio tumultuado, casamento apressado, o nenê nasceu em fevereiro, casei em novembro, aliás, na verdade outubro, 27 de outubro, quase novembro. Aí o Lucas nasceu em fevereiro, e ela na faculdade, então foi um período meio tumultuado. Ainda teve a greve, tive que pagar carnêzinho pagando a greve, 50 dias de greve, devendo pra caramba. Então foi um período assim.
P/1 – Então você já tava no movimento sindical?
R – Eu não tava no movimento, assim, eu militava, eu gostava, eu ia sempre na sala da comissão conversar com o pessoal. Mas essa greve que teve em 1990. Foi assim: foi uma greve em virtude do decreto lei, acho que era 2060, não lembro agora direito o número, do Collor, que proibia os reajustes salariais. Como a nossa data base na época era em abril, e ele entrou em março, fez aquele decreto, acabou a inflação. A gente tava com o salário defasado em 84%, e aí que nós fizemos? Eu lembro que o pessoal do sindicato organizou uma greve estratégica. Vamos parar só o setor de manutenção e de ferramentaria, que eram na época 900 pessoas, e assim a gente para a fábrica como um todo. Aí foi feito, mês de junho, fizemos a greve, e a fábrica não acreditava que essa greve ia dar certo. E ela foi vingando, vingando, vingando, até que deu, tem até vários relatos da época. Teve um “quebra quebra” danado, que acabou a greve num “quebra quebra”. Porque a Ford não pagou os funcionários que não estavam em greve. Por que o que eles estavam fazendo? Enquanto nós estávamos em greve eles doavam um dia de trabalho para bancar o nosso salário. E a gente fazia pedágio na rua, aí a Ford viu que tava dando certo. Ela acabou cortando o salário do pessoal. E aí o pessoal que não tava de greve acabou “tacando” fogo na fábrica. Quebrou carro. Nós temos fotos de tudo isso na época. Eu acho que a imprensa, como sempre, trata de uma forma... “Os grevistas quebraram os carros”, etc. E na verdade não foram os grevistas, inclusive os grevistas não estavam nem na fábrica. Nós voltamos pra segurar o povo, senão acho que tinha virado um inferno. Foi um mini inferno. Se vocês virem as fotos ali, a coisa foi bem feia. Turbulência dos dois lados.
P/1 – Mas como que foi que você se envolveu com o movimento sindical? A partir de quando?
R – Eu passei a me envolver mais. Eu já tinha um certo interesse, até pelo movimento estudantil um pouco no colégio, participei de algumas coisas. E eu sempre tive uma simpatia pelo Partido dos Trabalhadores, desde os primórdios. Que eu lembro que meu pai uma vez – não sei bem em que ano que foi, se foi em 1978, 1979 ou 1980, era o período das greves – daí meu pai me levou no sindicato, aí “Vamos lá comigo”. Aí fui com ele, fomos de ônibus. Achei legal ver aquele povo todo falando, ver o Lula falando, não entendia muita coisa, mas achava legal o pessoal se reunir. E aí, quando começou a criação do Partido dos Trabalhadores, eu fui até discutir. Não entendia nada de política, mas eu ficava convencendo o pessoal, até mais velho que eu, a votar no Lula. O Lula era candidato a governador, em 1982. Em 1982 eu estava trabalhando na floricultura. Teve a copa do mundo, aquela decepção toda, chorei pra caramba que nós perdemos a copa do mundo, e aí nas eleições eu ficava lá, convencendo. Tinha um cara que trabalhava, era de maior, era um florista, falou, “Vou votar no Lula”. Aí falou um monte de coisa lá, aí desde então eu ficava. Não sei porquê. Havia uma identificação, meu pai falava muito do Lula, e acabei me identificando. E aí na escola, no colégio também, eu comecei a me interessar por essas coisas, comecei a ler sobre socialismo, comunismo. Comecei a ler alguns livros assim, e debater na escola, sempre fui desse lance, e também tinha um pouco de rebeldia, de ser um pouco roqueiro, heavy metal, mas também gostava de punk, era meio eclético, misturava as coisas, já que os punks e heavy metals sempre brigavam, os carecas. Pra mim eu não entendia porque os caras brigavam assim, eu gostava dos dois tipos de som. E assim,sempre fui meio eclético, gosto de música popular brasileira, mas eu sempre gostei de rock e gosto de punk. Mas aí os caras não entendiam, o pessoal não podia se misturar, aquelas besteiras de adolescente. Então, não podia, tinha que se vestir de um jeito, tinha que se vestir de outro, tinha muita briga. Eu já briguei muito naquela época. E eu gostava. Os punks, eu gostava por causa do ideal, que eles tinham um ideal rebelde, tal, mas queriam protestar contra o sistema, aquela coisa toda. Os heavy metal não, eu gostava mais da música, mas o ideal deles, não tinha muito ideal, na verdade, assim, tinha uma rebeldia mas não tinham um quê político. Aí eu comecei a me interessar mais pelo punk por causa disso. E um dos conjuntos estrangeiros que eu mais gostava, até porque eu achava mais politizado, era o The Clash. Tinha o Sex Pistols, tinha outros, mas esses aí falavam muita besteira, Ramones também era legal, mas o som, as letras não diziam nada; mas o The Clash eu achava muito interessante. E aí fui, fui. No colégio eu tive um professor muito bom de Sociologia, depois tiraram do colégio a Sociologia, depois voltou. Inclusive ele deu aula pro meu sobrinho agora. E a gente fazia muito debate, lia alguma coisa assim de leve, sobre Marx, sobre Engels; e ele ia colocando algumas coisas assim, alguns debates interessantes, sobre pena de morte, se a gente concordava ou não. Deu um livro muito interessante pra ler, que eu achei muito legal, do Galeano, Veias Abertas da América Latina, foi um livro que a gente leu o ano inteiro, mas que deu um debate bom, eu achei muito legal aquele livro. E daí fui pra faculdade, fazer economia, aí tinha altos debates também, porque tinha aula de sociologia, de economia. E normalmente os professores na faculdade são mais à direita do que à esquerda, tirando alguns de sociologia, não sei o quê, eles são muito esquerdistas também, o que não me agrada, mas foi interessante a experiência. E aí fui me envolvendo politicamente, na questão do sindicato foi isso, você viver no dia a dia as lutas que tinham. Eu acho que a greve, ela faz um pouco disso, ela forma as pessoas. Ou por um lado ou por outro, o cara que é demitido, o cara que acha que é demitido em virtude da greve, o cara vira um anti-sindicato, a gente escuta muito as pessoas,eu vejo: uma vez um cara na padaria, eu discutindo, eu era moleque, tinha 15, 16 anos, o cara era velho, eu falando pra votar no Lula. O cara: “Que Lula, fui demitido da Volkswagen, nunca mais arrumei emprego!” Aí eu pensei: “Você não arrumou emprego porque você era muito ruim, então”. Estava em 1986, 1987 discutindo com o cara, o cara disse que foi demitido em 1981, ”Se não arrumou emprego de 1981 pra cá, então a culpa não é do Lula”. Eu pensava assim, “A culpa é dele mesmo”. Mas depois, você vai vendo. Foi demitido em 1981 não por causa de greve, nada. Foi uma “super” recessão que teve, não tinha como. A greve foi mais pra outras coisas. Aí tem muita gente que tem essa visão: “Não, fui demitido por causa da greve do Lula”.
P/1 – É, muita gente fala.
R – “É, fui demitido por causa do Lula”. Na verdade foi demitido por causa dele mesmo. A gente vê hoje, que tem uma visão maior. Muitas das pessoas que são demitidas, lógico, tem exceções, quando tem demissão em massa. Mas a maioria das pessoas que são demitidas, em cortes pequenos que a empresa faz, é porque na verdade não está fazendo mais jus ao que está fazendo lá na fábrica. A gente segura muitas pessoas, a gente percebe isso. Pessoas que realmente, hoje, se a gente fosse olhar honestamente, não teria condições de estar trabalhando, porque não quer trabalhar! Aí tem uma greve, um cara desses foi demitido, e diz que foi por causa da greve. Mas na verdade ele já estava na lista de espera. Só não foi demitido antes porque o sindicato não permitia demissão. E acredito que nessa época a mesma coisa. A não ser quando tem um corte grande, tem três mil pessoas demitidas envolvidas, aí você manda gente boa e gente ruim embora. Até que as fábricas querem, querem propostas de fazer – eles chamam – ele poder estar trocando os funcionários, porque tem uns que ficam viciados, acostumados. Mas a gente não aceita, a gente tenta recuperar as pessoas. Acho que eu já estou falando em coisa de hoje! O trabalho atual lá do sindicato.
P/1 – É, interessante esse negócio que você falou do movimento punk. Fazer essa ligação com o sindicalismo, ter despertado seu interesse.
R – É, despertou por causa do anarquismo, né, a gente via uma coisa. Tinha umas idéias malucas, mas o que eu gostava do movimento punk era isso, é que eles tinham um conteúdo político por trás. Mesmo que pregasse o voto nulo, aquela coisa toda, mas tinha um conteúdo político. Coisa que eu não encontrava por exemplo no heavy metal. Heavy metal era mais música, era mais som mesmo, que eu gostava, na época começou a surgir muitas bandas que hoje, alguns já estão superados, mas na época era, tinha o Metallica. O Metallica hoje eu não gosto mais, ficou muito comercial; mas muitas bandas surgiram na época. O Sepultura faz um sucesso grande no Brasil, estavam surgindo naquela na época. Mas por outro lado você tinha Os Ratos de Porão, você tinha algumas bandas como O Cólera, umas bandas até interessantes na época, que tinham um discurso que eu me identificava. Já no heavy metal você não via muita coisa, via coisa de demônio, diabo, etc. Em inglês, você não entendia muita coisa, então deixava pra lá. Eu gostava de ouvir bandas no próprio idioma deles. Na época eu tinha, por curiosidade arrumei três amigas que ficavam escrevendo em inglês e tal, que eram uma na Irlanda e duas da Alemanha. Mas tinha uma hora lá que eu perdi o contato, depois que eu casei minha esposa no começo, hoje não, mas era muito ciumenta, ela não entendia o que estava escrito lá, a menina mandava carta de beijo, cheia de coisa. Isso me encheu a paciência e eu falei, “Então tá bom”. E parei de escrever. Eu gostava disso, inclusive eu consegui uma fita de várias bandas de rock da Alemanha cantando em alemão. Eu tinha curiosidade de, por exemplo, ir na Irlanda, porque o irlandês é diferente do inglês, mas na época ninguém cantava, tinha o U2 cantando. Eu não consegui, mas em alemão eu consegui algumas coisas – tinha um colega meu que tinha alguns contatos, era muito interessante – antes da União Soviética cair ele tinha, na União Soviética, na Hungria, trazia e a gente ficava ouvindo. Não entendia nada, mas achava interessante escutar os conjuntos cantando em sueco; tinha uma banda chamada Lama, em sueco, e era interessante se ouvir porque era diferente, em finlandês, tinha um que cantava em finlandês de trás pra frente. A gente tinha mania de falar de trás pra frente, na gíria, aí tinha uns finlandeses que cantavam, que cantavam de trás pra frente Você não entendia nada de finlandês, agora finlandês cantado de trás pra frente era pior ainda. A gente aprende alguma cultura, interessante. Aí sei lá, vem, tinha os italianos. Mas tinha um lado ruim no punk que era radicalizar muito, que era a questão do racismo, de querer. Eu lembro que tinha uns caras da Itália aqui; uns colegas meus que tinham descendência, era Rossi, italiano, “Os nossos irmãozinhos”; eles tinham muito esse negócio de ficar valorizando muito a raça italiana, aquelas bobagens. Eu sempre entro nesse discurso de raça, nesse debate de raça, eu sempre arrumo umas confusões porque eu falo pro pessoal que raça é a humana, o resto é etnia. Aí eu entro em debates com os negros, muitas coisas aí, eu não concordo. Inclusive quando eu fiz um curso de políticas públicas, lá em São Carlos, foi muito legal, porque eu perguntei pro professor a respeito disso. Eu falei pra ele: “Olha, como eu senti na pele um preconceito muito grande, por ser baiano.” Hoje não, porque com esse negócio do axé, isso aí mudou muito. Mas eu lembro quando eu cheguei em São Paulo era uma desgraça, tudo que era ruim era baiano. Calça de baiano, cabeça de baiano, carro de baiano; então tudo que não prestava era baiano. E como ele era negro, o professor, professor muito gente boa, ele chegou e fez uma pergunta sobre a questão do racismo, e tal: ”O quê vocês acham no Brasil?”, e uma proposta para solucionar. Aí todo mundo falou da questão do negro, a questão do negro. Aí quando chegou em mim eu falei pra ele que discordava da questão do negro. Que, tudo bem, eu reconheço o problema, mas eu acho que a gente piora quando a gente fala de raças. Na minha opinião, porque pra mim raça é uma só. Eu falei pra ele: “Eu queria uma explicação sobre essa questão de raça”, de negro e tal, porque – eu falei pra ele – “Veja o meu caso, não só o meu, o de vários: quando eu cheguei em São Paulo tudo era isso. Na segunda série, tem uma coisa que me marcou, porque eu sabia a resposta e não respondi, a professora perguntou qual era o estado brasileiro que tinha o mapa mais parecido com o do Brasil.” Aí eu sabia, mas não respondi, não respondi por que? Por que eu sabia que ela ia me perguntar outra coisa, era que nem um xadrez, “”cê”já sabia a jogada, lá na frente. Ai uma menina respondeu: “‘Ah’ professora, é a Bahia.” Aí a professora disse: ‘Você é baiana?’, ela falou que não. Se ela perguntasse pra mim, eu ia falar que era e aí ia ficar pensando: “agora os caras vão ficar tirando sarro de mim, que eu sou baiano, que eu sou isso, que eu sou aquilo”. Então eu não respondi justamente por causa do preconceito. Hoje o preconceito caiu bastante, ainda tem. Aí eu falei pra ele que em relação à questão de raça do negro, eu vejo mais ou menos por aí. Aí ele deu uma resposta lá, explicou que depois da segunda guerra mundial, teve duas questões que a ONU [Organização das Nações Unidas], depois de formada, tanto os genéticos como aos antropólogos e, que os genéticos colocaram, por exemplo que “Eu – ele falou assim: negrão do jeito que sou, posso ser mais branco que qualquer alemão, geneticamente falando. E do ponto de vista da antropologia eu sou o meu meio. Por exemplo, eu posso me considerar um branco, ou um branco pode se considerar negro.” Aí a gente pode pegar o caso do Eminem. Um caso do hip hop famoso, que teve que se impor no meio do negros, e hoje. E por outro lado você tem o, como que é mesmo? Ele é negro, mas é roqueiro? Apesar que o rock tem suas raízes negras, o pessoal fica com essa bobagem do rock ser branco, mas a origem é negra, blues. Como é o nome dele? Ele teve no Brasil, deu uma guitarra pro Lula?
P/1 – Ah, eu sei quem é. O Lenny Kravitz.
R – É, o Lenny Kravitz que assim, do ponto de vista dos negros ele é branco. Porque foi pro caminho do rock, e tal, aquela coisa toda. Aí eu falei pra ele, que eu acho bobagem, por exemplo: os amarelos. Se a gente for pegar, chineses, coreanos e japoneses, eles se odeiam, e se for assim eles são da mesma raça. Se odeiam por virtudes históricas, de imperialismo de um lado e de outro, as crueldades de um lado e de outro. Então eu falei pra ele, quanto mais a gente falar em raça, eu acho que amplia. Uma briga que eu tive com o pessoal da comissão de negros lá do sindicato, que é o imperialismo da cor. Aí eu falei. A discussão era essa: se uma loira de olhos azuis casa com negrão, olhos pretos jabuticaba aí nasce um filho do olho azul, branco. O que o filho é? Aí na opinião deles o filho é negro. E se fosse vice-versa, a mesma coisa. Aí eu falei, “Isso é um preconceito que têm os americanos, se você tem sangue negro na quarta geração, se seu tataravô lá era negro, então você também é negro. Mas não negro no ponto bom, do ponto de vista ótimo, mas do ponto de vista ruim: você era negro porque seu tataravô era negro”. Poxa, então pra que isso? Como é que eu posso determinar que a pessoa é negra ou branca. Poxa, se o cara é branco ele vai chegar lá e dizer: eu sou negro? Eu sou um sueco vai, olhão azul, branquelo, não posso nem tomar sol, aí eu vou falar que eu sou um negro? Só se for do ponto de vista antropológico. É sem pé nem cabeça! Eu falei para os caras: “Por que esse imperialismo? Por que tem que ser negro, se ele é branco?” Aí eles: “ah, porque ‘nhem nhem nhem’”. “Ah, dá licença, vocês são mais racistas do que eu”. Então eu dizia assim: “Vocês estão fazendo essa discussão e eu acho que isso não leva a nada. Acho que a gente tinha que ir por um outro caminho. O outro caminho é o seguinte: a raça é uma só, é raça humana e o que nós temos são etnias: tem os africanos, entre eles tem, a gente pega o exemplo do hotel Ruanda, lá, o Ruanda, que foi em 1994. Um absurdo, mataram todos”.
P/2 – Sempre em lutas, né?
R – Sempre em lutas, e continuam. Então aí a gente vai.
P/2 – Então, porque na verdade são interesses diferentes. Na verdade tudo isso está sobre uma camada muito forte dos interesses divergentes. E o pretexto é esse. Pode ser isto, a gente pode considerar isto. E também na questão do trabalho, quando a gente fala das relações capital-trabalho, pode se colocar uma série de pretextos, mas essa é a grande luta.
R – Exatamente. É o que eu falo para os caras. Se pegar no século, no outro século ainda, XIX, início do XX, a Europa resolveu o problema de inflação com imigração em massa. Então, todo mundo veio pra cá, a gente precisava deles e eles precisavam da gente, no caso os italianos, os espanhóis, aquela coisa toda, vieram todos pra cá. Agora tem o fluxo inverso, aí eles inventam histórias, aquela coisa toda. E assim caminha o mundo.
P/2 – Então, falando um pouco sobre essa relação que na verdade norteia um pouco a vida da gente. Como foram essas marcas que você sofreu, que levaram você pro movimento sindical e não só para o movimento, mas também para a liderança, para ocupar os cargos? Como que foi essa trajetória na hierarquia do movimento sindical?
R – É, então, na verdade na fábrica é assim. Tinha o pessoal já organizado lá, a comissão de fábrica, que tinha um histórico e na seção em que eu trabalhava era assim: o primeiro dia que eu cheguei na Ford eu já fui sindicalizado por um companheiro eletricista. Eu também sou eletricista e ele era da minha seção, e a minha seção sempre teve grandes, por incrível que pareça, daquela seção de manutenção saíram várias lideranças. Ainda teve, que eu saiba: um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete comigo, saíram tudo do mesmo lugar. Alguns já não estão mais na fábrica.
P/1 – É do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC?
R – Metalúrgicos do ABC. Tive uma influência muito grande do pessoal da manutenção. E como nosso sindicato sempre trabalhou, acho que desde a época do Lula começou aquele negócio de tem que estar na fábrica, tem que estar dentro da fábrica, do portão da fábrica pra dentro, aquele negócio das bases; então a nossa área, ela influenciava muito o pensamento do pessoal dirigente lá dentro e da direção sindical também. E a gente sempre conversava, conversava, conversava; sempre tinha discussão política lá na seção. E tinha o Partido dos Trabalhadores também, todo mundo usava, em época de eleição, estrelinha. Saíamos espalhando estrelinha, vendendo estrelinhas. A estrelinha metalizada. Pessoal filiando pessoas que tinham interesse em participar. Então sempre lá dentro teve essa organização muito forte. E você acaba sendo influenciado, quer dizer, se você gosta – eu já gostava – acabava me interessando. Lendo uns livros, indo ao sindicato, fui lá conhecer as assembléias que tinham. Então, o sindicato que tinha muito, ainda tem, né, uma coisa que a gente chama de comissão de mobilização, que é aonde a militância vai no sindicato e delibera o que a diretoria tem que fazer. A diretoria vem com uma pauta, aí cada um vai lá, fala a vontade, é livre, e aí a direção do sindicato acaba acatando tudo o que foi decidido ali. E tem a assembléia que é o órgão máximo. Aí eu comecei a me interessar, achei legal porque você ia lá, você falava e você era ouvido. E aí na fábrica também, então ia à comissão de fábrica, conversava com o pessoal; e você via muito assim, a chefia, mesmo com a comissão de fábrica, eu via muito na minha época, ela era muito ainda, só para você ter idéia, a Ford tinha feitores. Você tinha o encarregado e aí tinha o feitor, o nome era feitor mesmo, coisa da escravidão; tinha o feitor que era o capa amarela, que era o chefe do encarregado. Então era uma coisa assim, bem bruta. Então você via algumas injustiças, e a comissão de fábrica que ia pra cima brigava. E na greve você percebia realmente de que lado você estava, como que a empresa agia. Aí você ia se formando, conversando com um, conversando com outro , vai num barzinho, fica conversando, vai no sindicato. Aí fiz alguns cursos pelo sindicato, aí antes de entrar na CIPA [Comissão Interna de Prevenção de Acidentes] mesmo, fiz alguns cursos, fiz alguns cursos com o pessoal do DIEESE, tive um contato mais forte com o DIEESE lá para os idos de 1994, foi quando comecei a conhecer. Uma coisa interessante é assim: eu achava legal o DIEESE, eu achei: “Acho que vou estudar economia para trabalhar no DIEESE”, aí eu falei: “poxa, tenho vontade de trabalhar no DIEESE. Vejo o pessoal aí na época estava o Luiz Paulo Breciani, o Tadashi ainda está lá, o Osvaldinho. Me dava muito com eles”.
P/1 – Nessa época você estava no colegial ainda?
R – Estava no colegial ainda. Mas eu ia no sindicato, tinha a sub-seção do DIEESE, eu estava com eles; teve cursos, eu fiz uns cursos, aí você pega um contato maior, tinha alguns seminários que o pessoal me colocava, eu participava, o pessoal do DIEESE também ia. Aí sempre ia alguém do DIEESE fazer uma análise de conjuntura. Eu achava legal, eu falava: “Poxa, vou estudar isso”. Eu achava que o pessoal do DIEESE, na época, que só tinha economista, mas depois que eu vi, Tadashi era engenheiro, tinha sociólogos; mas eu sempre me interessei muito pela área de economia. Até porque achava: “Ah, economia você começa a entender de tudo, como funcionam as coisas”. Mas não é nada disso, depois você vê que é mais puro achismo, muitas coisas. E aí eu comecei a me interessar e falei: “Poxa, acho que vou fazer economia e vou trabalhar no DIEESE”. E aí fui, aí depois eu fiz um curso legal, em 1998; fui indicado pela diretoria do sindicato para fazer, o chamado PCDA. Eu fui pego de surpresa, eu fui pra lá, falaram: “Ah, você tem que fazer o curso!” Eu fui, beleza, fiquei 15 dias fora. Aí tem que explicar pra mulher, né? Ela, “Poxa, pensei que era uma semana!”. “Não, 15 dias”. Mas a mulher já estava acostumada com isso, que a minha vida de militante sempre dava trabalho. Inclusive quando eu casei tive que cancelar: era delegado de um congresso da CUT, que ia ser em Santos, aí eu não fui. Falei, “Poxa, acabei de casar já vou ficar fora!” [Risos]. Mas depois, com o tempo ela foi entendendo essas coisas e a gente se entendeu bem. E aí fiz esse curso do PCDA, foi muito bom, foram 45 dias fora, 15, 15 e 15. Inclusive acho que devia até voltar, mas a gente está pensando uma coisa como falar na frente dessa questão do DIEESE, e aí foi que eu acabei conhecendo mais como era o DIEESE, como era que funcionava, aprendi um pouco da metodologia das pesquisas, que eu não entendia, que tem aquela briga entre IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] e DIEESE, por que era diferente? Inclusive o IBGE dava “x” e o DIEESE dava tanto? Aí, nesse curso a gente aprendeu muita coisa, e ver um pouco mais o papel da importância da formação sindical, o pessoal estava se formando, até porque a gente estava no contexto, de 1995, 1996,1997,1998; aquele período do Fernando Henrique, desgraça total, desemprego total, e as empresas se aproveitando, e se reestruturando, e a gente não tinha muita resposta pra dar para os trabalhadores. Eu tinha acabado de entrar na CIPA, né, eu fui eleito na CIPA na verdade em 1995, eu entrei como suplente, foi a primeira vez que eu disputei, até que fui bem votado, tinha um senhor que já era conhecido, tinha o apoio do sindicato também, e eu tive acho que 15 votos menos que ele. E ele já era o titular, eles tinham tempo livre pra andar na área. Aí depois disso, como eu disputei, ele apoiava um outro que era o suplente dele, o suplente dele perdeu. Isso quando tiveram alguns problemas na fábrica, algumas divergências internas. Aí eu fui começando a entender a política, como que funcionava. Aí eu disputei a comissão de fábrica com ele, perdi; tive alguns problemas, assim, teve muita mentira, muita bobagem, aí você vai aprendendo a entender certas coisas: o que é calúnia, o que é difamação, como isso funciona. Por isso que eu tenho um pé atrás muito grande com a mídia, o jeito que trata certas coisas. Eu acho que, por exemplo, muitas coisas que acontecem o pessoal expõe; até o caso, vamos, mais recente: o caso do cara lá que morreu, aí acusam a mulher, falam que foi a mulher que matou. Eu penso assim: essas coisas devem ser tratadas sob sigilo, a hora que resolver o caso, aí você fala. Porque, de repente, no final a gente vê que não é nada disso, só que a vida da pessoa já foi estraçalhada e não tem como explicar, como foi o caso da escola Base, é o caso, por exemplo, como eu sou de Santo André, o caso do Celso Daniel, o mesmo. Está provado agora, a delegada que foi escolhida pelos irmãos picaretas dele, que são irmãos só agora. Eu como sou da cidade já conheço bem, só para você ter idéia: o irmão mais velho dele, o João Francisco, o Celso foi prefeito três vezes, ele nunca foi numa posse do Celso Daniel. Aí aparece agora como o irmão querido. Aí agora foi provado que é crime comum, mesmo; a delegada ficou um ano. Eu já tinha essa convicção desde o início. Mas ninguém sabia. Agora o Sérgio Gomes está internado com problema no coração, mas os caras nunca retrataram. A mesma coisa aconteceu com um colega nosso do DIEESE. Um dos coordenadores técnicos do DIEESE, ele está no Ministério da Saúde, acusaram ele, ele que descobriu o negócio do vampirismo lá, os caras inverteram a história, expuseram ele. Ele comentou comigo: “João, putz, entrava num avião assim, com vergonha”. Depois que provou, ninguém fala, não dá o mesmo espaço. Eu até brinco com o pessoal, o cara mais justificado nesse mundo foi o Michel Jackson, porque até jornal que não tem nada a ver expôs. Primeiro o acusaram, quando ele foi, não importa como, mas ele foi anistiado, vamos dizer assim, todos os jornais do mundo colocaram inocente; inclusive a Folha, inocente. Para o Michel Jackson deram um super espaço, a primeira página, mas para as pessoas aqui do Brasil, por exemplo, ninguém deu espaço nenhum, está sempre em nota de pé de página, é o que sempre acontece. Então comigo foi a mesma coisa, fizeram uma palhaçada lá, tipo assim: me acusaram, eu sou da manutenção, e a manutenção é minoria na fábrica. E eu lembro que na época estava-se discutindo uma reestruturação salarial na fábrica. E na época discutiam muito a questão da qualidade, até comentei com ele. Acho que tinha 10pisos salariais, o pessoal da produção lá em baixo, o pessoal da manutenção lá em cima, aí eu falei, “Hoje o pessoal da produção está tendo que estudar muito mais, tem questão estatística, tem que se preocupar com a qualidade, eu acho que a gente devia ir numa linha de discutir com a empresa de reduzir, se aproximar mais isso daí”. Aí eles diziam, “Mas é nessa linha mesmo que nós estamos indo”. Aí na disputa da eleição, eleição vale tudo. Os caras pegaram a minha, falaram para o pessoal da produção que eu falei que, como o pessoal estava discutindo isso, que numa reunião eu falei que o pessoal da produção tinha que ganhar menos porque não estudou; quem tinha que ganhar mais era o pessoal da produção. E espalharam isso na fábrica e pegou, muita gente que me conhecia, até um senhor lá que comprou a casa do meu pai lá no parque São Rafael, “Poxa João, te conheço desde pequeno, não esperava isso de você, falar uma besteira dessa!”. “Poxa, eu não falei!”. Primeiro até porque eu tenho dois irmãos na produção, então ia tomar um cacete em casa a próxima vez que fosse lá dentro; segundo, meu pai trabalhou muito tempo na produção aqui também, e depois foi para a manutenção. Então eu jamais falaria isso. Mas é aquela coisa, perdi a eleição aí, na mentira. Uma mentira que os caras inventaram, um monte de bobagem, então assim, uma calúnia e não tem como, você não consegue desmentir, não tem jeito, é uma coisa assim, começa a falar, falar, falar. Aí é que eu vejo na imprensa, fica falando, falando, falando. Até comentava, eu mandava uns e-mails para o pessoal de Brasília, nessa questão do caso Celso Daniel, porque tem uma revista em Santo André, lá, que é, por incrível que pareça, é da direita, mas não sei porque o cara pegou o caso, um jornalista, ele leu todo o inquérito – são 1500 páginas – e ele sempre defendendo que o Sérgio Gomes, ele não é advogado do cara, não, muito pelo contrário. O cara sempre foi antipetista, essa coisa toda. E ele defendeu desde o início que era crime comum. E ele tem tudo aí. Eu lia todos os artigos dele. Aí na época inclusive eu peguei vários recortes de jornal, você pegava as contradições, mas até esses dias, como o Sérgio Gomes passou mal, aí a Folha – já está comprovado que é crime comum, a delegada já colocou que é crime comum e tudo – o que a Folha colocou na Folha online? Sérgio Gomes está internado, tal, Sérgio Gomes é acusado de ser o mandante do crime do caso Celso Daniel. Ou seja, o caso já está resolvido, mas a mentira continua. Então você continua falando que o cara é o mandante, aquela coisa toda. Então é nojento. É que nem eu falo para os caras, a revista Veja, a revista não Veja, não leia. Eu assinava a Folha, joguei fora depois que veio a matéria do Celso Daniel do jeito que ela fez. Eu não leio mais, nem perco tempo. Aí resolvi assinar a Carta Capital, eu leio, é a única que dá pra ler; e o que tem que ler, eu leio na internet, procuro ler nos blogs alguma coisa, não me apego muito mais a jornal, não. Até porque parece que a gente fica mais desinformado. É aquela história que o Raul Seixas falou.
P/1 – Você falou que chegou a participar do PCDA. Como que foi?
R – É, no PCDA tinha três turmas, então cada um numa sala, nos eventos lá, e era um curso de imersão total, você ficava o dia inteiro, começava, não tinha muito hora pra acabar, não; começava às 9 horas, tinha duas horas de almoço para o pessoal descansar bem. Era um hotel, Atibainha, aqui em Nazaré Paulista. Eu lembro “duma” frase do Ladislau, ele falou, “Poxa, a gente está discutindo desgraça cada vez mais em lugares mais aprazíveis”. Uns lugares bons pra discutir desgraça. Aquele hotel estava muito bom! Mas era assim: eles dividiram em três turmas, tinha várias pessoas, o interessante é que tinha uma integração porque, até pelo fato do DIEESE ser intersindical, então tinha pessoas da Força Sindical, da CUT, da CGT. Aí dava um debate bom, porque naquela época tinha muita coisa em disputa, muita reforma querendo ser feita de maneira que a gente não concordava. Que o pessoal da Força concordava de um jeito. E acabava unindo o pessoal. Mas eram vários temas, você discutia, e eles, como é que eles fizeram? Eles contrataram pessoas, por exemplo, da Cristiana Otoni, que é uma entidade mais ligada à empresários, fundação que dá cursos para o pessoal executivo, aquela coisa toda, e eles pediram pra dar o curso como é dado para os executivos. E eles fizeram, dava cada pau, né? Porque “É, não concordo”. Você não concorda, mas assim que é feito. Então teve isso, tiveram alguns professores universitários que iam lá fazer um debate, alguns mais à direita, outros mais à esquerda. E tinha o pessoal da USP, o Mauro, o Mário Salerno, como é que chama?
R – Além do pessoal do DIEESE também. E também tinha discussões sobre ergonomia, que era um tema que estava em voga na época, então foram vários assuntos. Tinha discussão de como organizar o trabalho na fábrica, como planejar a ação sindical; e um estudo geral sobre como funciona a economia; um pouco de teoria econômica, que é uma coisa que eu gosto, foi dada pelo, na época um dos coordenadores técnicos do DIEESE, então foi muito legal o debate. Deu pra entender um pouco essa visão de mundo. A visão dos liberais, dos não liberais.
P/1 – E você participou de mais cursos do DIEESE ou só desse?
R – Ah, então. Antes do PCDA teve um curso sobre reestruturação produtiva, que foi bolado pelo DIEESE, mas foi um curso rápido. Na verdade é assim, foram três ou quatro dias, a gente ficou também em um convento aqui, que não podia sair. E depois um outro curso assim, de profundidade, pelo DIEESE, foi o PCDA. Os dois cursos, depois só foi mais seminário, essas coisas assim, mas curso mesmo, esses dois. Um sobre reestruturação produtiva e o PCDA que envolvia um monte de coisas: a reestruturação produtiva, políticas públicas e o básico de economia de trabalho. Agora, outros cursos que eu fiz, eu fiz aquele de economia de trabalho na Unicamp, muito bom, muito legal. E fiz o de políticas públicas na São Carlos, que eu até gostei mais do que o da Unicamp. Gostei mais assim: o pessoal de São Carlos é um pessoal mais, não que o pessoal da Unicamp não seja, mas é um pessoal mais receptivo. Mais esquerdista assim vamos dizer, mais – até a gente entrava em alguns debates lá, que não davam muito certo – eu acho eu era um pessoal assim, mais festeiro, sabe? Eles estavam adorando dar aula pra gente. “Poxa, que legal!” À noite a gente fazia festa, fizemos festa lá na faculdade, foi muito legal! Mas o curso, mas também muito duro com a disciplina, cobrando o trabalho que a gente tinha que fazer, eu achei muito legal. E o curso da Unicamp eu gostei muito do Baltar, mas o Baltar assim, por causa da eloqüência dele. Ele provocava o pessoal, principalmente o pessoal mais velho, né? E tinha um que era o professor Julio Quadros, os caras estavam chamando ele de Getúlio Vargas [risos], ele estava fazendo um debate, e tinha um sindicalista mais antigo, aquela coisa por causa do Getúlio Vargas ter mudado a lei , aquela coisa toda. Aí ele entrou no debate com os caras mais antigos, era muito engraçado! “Porque é, vocês estão falando de Getúlio Vargas, e Fernando Henrique? O Getúlio criou um monte de coisa, ele está tirando tudo o que o Getúlio criou e vocês estão falando o quê?” Aí começava: “você tá defendendo Getúlio?” E tal, e tal. Eu achei muito legal. Era o Julio Quadros, os caras chamavam de Julio Vargas.Tinha o Alonso, o que eu me lembro é que eu gostei mais da aula foi do Baltar, porque ele provocava, ia pra cima, gritava. Eu achei muito interessante. Agitava a turma, não deixava ninguém dormir, provocava, né. E lá em São Carlos, tinha o professor, o Farid, que era o coordenador do curso, muito bom, muito bom mesmo. Ele está na área de engenharia lá, mas ele, era muito interessante o que ele falava com a gente.
P/1 – Então, o DIEESE além da educação tem várias vertentes: assessoria, pesquisa também. Nessa questão da assessoria, como que vocês usavam na fábrica, o DIEESE.
R – Então, a gente tem agora, por exemplo, é que o nosso sindicato usa muito a assessoria do DIEESE, antes usava muito nas negociações, ia sempre um técnico do DIEESE nas negociações, acompanhar. Eu não participei dessa época. Então o pessoal que está na comissão aí, que está na direção, o Rafael, que é secretário geral, ele participou muito dessas negociações da câmara setorial, dos acordos coletivos que tinha, sempre ia um técnico do DIEESE,um cara com notebook lá, e tal. Negociações de PLL, quando começou também. Agora hoje eu não sei se, devido a nossa formação, devido a embate, tal, a gente negocia, mas não consulta muito o DIEESE, no caso das montadoras. Estou lá negociando, dificilmente a gente pede assessoria do DIEESE nessas negociações. Mas assim, as empresas pequenas, outros diretores, eles acompanham. Outros sindicatos também. O nosso sindicato tem uma visão, assim, mais da questão regional; em discutir políticas de âmbito regional. Aí a gente usa muito. A discussão da câmara setorial passou por ali também. De fazer uma política; então o DIEESE vai lá e pesquisa. Agora a gente tem outras discussões, por exemplo, setor de autopeças, então o DIEESE dá uma pesquisada. Vamos criar uma política para o setor de autopeças. O que está pegando aqui? Mas nas negociações, a diretoria que está lá hoje, por ser mais tarimbada também, ela está mais auto-suficiente, quer dizer, não está precisando estar sempre um técnico do DIEESE assessorando para fazer conta, pra fazer aquilo, aquilo outro. Então nesse ponto a gente está um pouco mais auto-suficiente. Porque eu particularmente pego na questão jurídica, sempre consulto; assinar um contrato, acordo, passa pelo jurídico pra gente dar uma olhada. Mas do DIEESE, de vez em quando a gente pega alguma coisa. Mas a gente percebe que o DIEESE hoje, os sindicatos menores usam muito pra negociar. Não tem apoio a negociação, então às vezes o cara nunca passou por um curso de negociação coletiva, então está lá um técnico do DIEESE para assessorar e para fazer as contas também, o que é melhor, o que é mais interessante. De repente vem uma proposta, aí o cara pede um tempo, da negociação, e vai ver se isso é realmente interessante. O técnico está lá, mas no nosso caso, meu caso principalmente, as negociações que eu tenho participado, do tempo que eu tenho participado, não tem tido assessoria do DIEESE. Até acharia interessante ter, mas o pessoal lá como é mais antigo; já está mais tarimbado.
P/1 – Essa auto-suficiência dele vem de um acúmulo?
R – É um acúmulo de assessorias, várias negociações, porque, por exemplo, eu venho acompanhando. Participei junto com o Rafael, hoje o Rafael é o secretário geral; tem o Barba lá que é nosso coordenador geral, então ele também já vem com dez anos de negociação; eu venho aí há cinco anos, acompanhando. Então você vai pegando um certo traquejo, fica tarimbado, então você acaba não precisando. Mas com relação à questão jurídica, como sempre muda, advogado no Brasil é bom por causa disso: está sempre mudando as coisas, precisa estar atento; e alguns termos você não compreende direito, mas com relação aos nomes, isso a gente tem uma certa facilidade. Tem outros diretores que não, aí o pessoal vai e acompanha. No caso da Volkswagen, por exemplo, foi uma negociação complicada, aí o DIEESE acompanhou de perto. Eu lembro quando eu participei, antes de estar na representação, fui indicado para participar de um seminário junto à Ford, tal, aí o pessoal do DIEESE esteve junto. Mas foi a única vez que eu participei tendo o pessoal do DIEESE, que eu me lembre assim. Depois não participou mais, o pessoal começou. Porque eu acho que nesse período, até 1995, até 2000, o pessoal do DIEESE participava mais da mesa. De lá pra cá o pessoal vem mais autônomo.
P/2 – Apesar dessa participação, porque é um acúmulo, né, como a Carol comentou e você ratificou a questão do acúmulo das assessorias, nas negociações que foram feitas nessa presença do DIEESE na vida dos trabalhadores. E como é que você vê o reconhecimento do DIEESE? Como você vê o DIEESE na sociedade brasileira? A repercussão desse trabalho?
R – Então, o DIEESE é muito respeitado, mas o interessante é que – já fez 51 anos agora – e tem muita gente, inclusive dirigente sindical, que acha que o DIEESE é um órgão do governo. Não sabe que o DIEESE é do movimento sindical. Tem, muito dirigente sindical ficou sabendo que, imaginam que o DIEESE é como se fosse o IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística]. Mas o que eu percebo é assim – do contato que eu tenho, das conversas que eu tenho – muita gente que conhece o DIEESE, ou de nome, de ouvir falar; mas muitos não sabem direito o que é o DIEESE. Até com os taxistas, conversando a gente explica, “E o DIEESE, é do governo?”. “Não, o DIEESE é um departamento que foi criado há mais de 50 anos, em virtude do índice oficial de preços, o que existia era da prefeitura de São Paulo, e era muito manipulado. E os sindicalistas sempre que iam negociar o pessoal perguntava: “Com base em que você está pedindo tantos por cento de aumento?” E aí que o pessoal sindicalista resolveu montar um departamento. Vamos contratar um economista, tentar fazer uma pesquisa de preço das coisas, cesta básica. E aí foi crescendo, o DIEESE foi crescendo, foi crescendo e se tornou uma referência”. E eu acho que a grande referência foi com relação, por exemplo – até o Lula deve isso, né – foi a questão do DIEESE com a questão da manipulação dos índices na década de 1970, na época da ditadura militar. Que aí inclusive o Banco Mundial se utilizou dos índices do DIEESE para ele dizer, “Tá estranho, porque o índice oficial é x, tem o índice do DIEESE aqui, que realmente se aproxima da realidade, que é esse daqui.” E, que deu aquela briga toda dos 34% de diferença. Aí que surgiu toda aquela greve, 1978,1979, as greves históricas, em virtude dessa perda salarial. Aí o DIEESE se consagrou. E hoje, assim, ele faz pesquisa junto com a Fundação Seade [Sistema Estadual de Análise de Dados], que é do governo do estado, e faz outras pesquisas, em várias capitais, junto com o governo do estado ou município. Então virou a referência. E até porque assim, o DIEESE por ser intersindical, ele não representa nem a CUT, nem a Força, nem ninguém. Ele representa os interesses do trabalhador. Então é o que a gente fala, assim: ciência com classe. Mas com a classe trabalhadora, porque mesmo uma ciência tem um viés político por traz. A gente tem que tomar um certo cuidado. Até a gente conversando sobre isso, até sobre doença, sobre um monte de coisas, a Medicina, a gente não sabe os interesses que estão por traz. A mesma coisa na Estatística, então era sempre a briga que a gente tinha, só para vocês terem uma referência, a questão da pesquisa de emprego do DIEESE e IBGE. Sempre é assim, no governo Fernando Henrique até novembro de 2002, era sempre o dobro, o DIEESE em relação ao IBGE. Porque, se eu perguntasse pra Carol: “Você procurou emprego?” ela fala: “Não”. Então você não é considerada desempregada, porque você não procurou emprego. Agora se você lavou um carro a semana passada e ganhou cinco reais pra lavar o carro, o IBGE te considera empregado, o DIEESE, não: subemprego. Então com relação, assim. Agora o pesquisador do DIEESE faz uma pergunta: “Você procurou emprego nos últimos 30 dias?”, aí você responde, “Não”, “Por quê?”, “Ah, estou sem paciência, já faz dois anos que estou desempregado, não acho emprego, não tinha dinheiro pra pagar a condução”. Aí entra lá, numa das variáveis: “Desemprego oculto por desalento”. Aí dava essa diferença. Aí o que aconteceu? Isso é uma opinião minha, não é do DIEESE nem nada. Essa é uma visão que eu tenho, que foi uma sacanagem pra ferrar o governo seguinte: do ponto de vista técnico para nós foi ótimo, do ponto de vista técnico, olhando o DIEESE. O IBGE mudou a metodologia dele, jogou fora a estatística histórica, mas tudo bem, agora já tem outra, né; mas ele se aproximou mais do DIEESE. Só que a meu ver – o Fernando Henrique não é bobo nem nada –, ele mudou isso depois que já tinha certeza que perderia a eleição. Então em novembro de 2002 mudaram a metodologia do IBGE. O que aconteceu logo em janeiro? Explode desemprego! Por que? Ele se aproximou da metodologia do DIEESE. Então o do DIEESE sempre foi o dobro do IBGE. Você vê que hoje está bem próximo. Os dois índices são muito próximos hoje, porque eles mudaram a metodologia.
P/1 – O critério também é político.
R – O critério é político. Vamos mudar, aí quando chega, desemprego explode. Eu até falei com o Clemente, falei “Poxa, Clemente, isso é uma coisa minha, não tem como a gente fazer uma pesquisa com uma metodologia nova?”. “É caro pra burro! Tem que contratar gente, fazer, usar a metodologia”.Porque se fosse a metodologia anterior do IBGE, o desemprego estava em 5%. Com o número de empregos que foi gerado o desemprego estava próximo dos cinco, 6%, no máximo. Na minha opinião, assim chutando, porque não tem como a gente fazer a pesquisa e gastar dinheiro que nós não temos. Se tivesse a gente faria, mas não temos dinheiro para fazer uma pesquisa assim. Então tudo tem um viés político. Até do ponto de vista de doenças profissionais, que a gente vê, tem alguns médicos querendo justificar a LER [Lesão por Esforço Repetitivo]. Por exemplo, de 1995 para cá o INSS [Instituto Nacional do Seguro Social] não reconhece mais hérnia de disco como doença profissional. Aí tem os seus critérios, assim como bico de papagaio não é, aí então, hérnia de disco, porque todo bípede tem, então a pessoa é propensa a ter. A não ser que tenha um nexo causal, que você sofreu um acidente que cause isso. Então já tem alguns espertinhos querendo provar que a LER não é doença profissional. O cara analisa lá o quinto osso da coluna, baseado não sei no que, então o cara lá pode ter LER. Então, mas alguém pagou para ele fazer isso. Então a gente tem que estar sempre desconfiado. Então a questão do DIEESE foi criada em virtude disso. Porque os índices eram manipulados, como sempre foram, teve até propostas, eu tava na vice-presidência do DIEESE. Teve até propostas, tem muito índice, tem da FIPE (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), da FGV [Fundação Getúlio Vargas]. Teve até proposta de acabar com o ICV do DIEESE. Porque é muito caro manter, e tem que atualizar. Precisamos atualizar agora porque os hábitos de consumo mudam. Você tem que incluir agora, celular, internet banda larga, TV a cabo. O consumo está mudando muito, então você tem que atualizar. No mínimo a cada cinco anos; no máximo em dez anos. Então nós vamos atualizar, temos um convênio com a FIPE, e estamos atualizando. Mas teve pessoas: “Não, vamos acabar, gasta muito dinheiro, vamos ter que gastar um milhão para atualizar! A gente pode por um técnico para auditar os outros índices”. Mas aí, a razão de ser, do surgimento do DIEESE é o ICV, então não tem porque acabar. Lógico que o ICV hoje é uma coisa, a gente nem usa ele para reposição, usa os índices oficiais. Mas sempre tem uma referência: o ICV do DIEESE está ali. E agora que ele vai ser renovado, vai ser atualizado, acho que vai dar um diferencial legal.
P/1 – Você foi eleito para a presidência do DIEESE recentemente. Como você se sente? Como é pra você?
R – Eu fui eleito vice, a primeira vez que fui pro DIEESE. Porque é assim, é um pool de sindicatos, como é que funciona, né? Tem uma diretoria nacional, tem a executiva e tem a diretoria técnica, que toca o dia a dia do DIEESE. Na verdade nós tratamos mais da questão política. Nós nos reunimos uma vez por mês, eu como presidente vou ter que ir mais vezes lá, como vice eu ia duas, três vezes por mês no máximo. A gente ia sempre, estava sempre em contato, e-mail, tal. Tem que assinar os cheques, aquela coisa. O pessoal fala que você não assina cheque em branco, assina um monte de cheques em branco, que é assim que funciona o DIEESE, assim como em muitos lugares. Então você assina, tem que confiar na segunda assinatura, que é o Clemente, que é o diretor técnico. Mas funciona assim, hoje o entendimento entre as duas grandes centrais, você alterna a presidência. Tem um representante da CUT, fica dois anos; vem o representante da Força. A cada dois anos você troca a presidência. Então o nosso sindicato, que tem um certo peso, reivindicou a presidência do DIEESE. E como eu estava já na vice-presidência é meio caminho, tinha lá uma discussão dentro da CUT, quem que vai ser, qual a proposta para o DIEESE, e o nosso sindicato reivindicou, eu conversei com o pessoal, o pessoal achou legal, confiou em mim, falou, “Não acho que dá para você tocar”. E é um grande desafio. Nós temos o desafio agora no DIEESE que é a questão de criar a universidade, a faculdade DIEESE, a faculdade do trabalho, lá. Na verdade o DIEESE surgiu com essa intenção, de fazer uma formação dos trabalhadores em nível superior. Está bem avançado, mas, é que é assim: a gente precisava avançar em várias coisas no DIEESE. Primeiro, com a crise que teve, desde os anos 1980, mas principalmente no período Fernando Henrique, muito desemprego, muitos sindicatos deixaram de ser sócios do DIEESE ou deixaram de pagar. Nós fizemos um trabalho grande, estávamos com 300 sócios chegamos à 500. Mas num país que se fala que tem doze mil sindicatos, para oficializar agora, a pesquisa do Ministério do Trabalho fez; falavam em 20 mil. Então nós estamos bem aquém do que a gente precisa. Na verdade um dos meus objetivos na presidência é tentar chegar pelo menos a mil sindicatos, fazendo um trabalho melhor de comunicação. Eu acho que uma das coisas que a gente poderia estar fazendo é reeditar o livro do Miguel Chaia que conta a história do DIEESE, que é muito interessante, que todo sindicalista deveria ler, e entender. Porque tem muito cara que a gente percebe assim: o cara sai, sai diretoria entra diretoria nova. “Estou pagando x por mês para fazer o quê? Ah vou cancelar isso aí”. Eles não sabem para que serve, daí cancelam. Aí depois vai atrás. Então tem umas coisas que a gente está trabalhando nessa linha, de estar conversando. Estou assumindo agora em fevereiro, na verdade eu estou de férias, a primeira reunião vai ser terça-feira que vem, já como presidente. Mas a diretoria executiva é praticamente a mesma, tem algumas mudanças, no campo da CUT não mudou ninguém, mas na Força Sindical mudaram duas pessoas e a gente vai estar se entendendo. E são nessas reuniões que a gente define a política do DIEESE, o que a gente tem feito, que estudo nós temos que fazer. E também tem que trabalhar o dia a dia, quer dizer, tem que fazer um pouco da relação institucional; de vez em quando tem que ir para Brasília; tem que conversar com ministro; tem que conversar com o presidente; conversar com o governador. E tentar conseguir novos projetos também. Por que hoje o DIEESE trabalha muito com projetos com governos, mas a nossa meta é ampliar, tudo bem, continuar fazendo os projetos, mas ampliar, a idéia é aumentar a relação, a receita tem que ser 60, 40. Hoje está praticamente 50, 50: 50 projetos, 50 sindicatos. Mas a nossa idéia é chegar a 60, 40: 60 sindicatos e 40 projetos. Porque depender só de projetos é muito ruim, e até porque a mudança de governo, o cara desiste, ele não pagam, a gente tem que ficar brigando para conseguir as coisas. Então é meio complicado. Mas o desafio de ser presidente do DIEESE é assim, primeiro eu entro num contraponto, porque eu queria ser funcionário do DIEESE, e hoje eu tô como presidente do DIEESE. Então é até uma coisa engraçada, até comentei com o pessoal. E um dos maiores objetivos é isso – até comentei com o Clemente – a marca do DIEESE é muito forte, mas ela tem que ser mais bem esclarecida, para o pessoal entender realmente o que é o DIEESE; por que ele é bem respeitado, todo mundo respeita, reconhece, o papel do DIEESE nas pesquisas, mas não sabe o quê é, para que serve, não tem uma integração maior. Tanto que as faculdades, principalmente faculdades de Economia, que o pessoal conhece, ouve muito falar do DIEESE, tem muita gente que tem pretensão de trabalhar no DIEESE, aquela coisa toda, mas a gente tem que falar: “O DIEESE é um pouco meio...Você tem que trabalhar, mas você tem que dar aula!”. Tem muita coisa no DIEESE que é meio essa coisa de caxias. O cara é muito caxias, tem que gostar do que faz, porque o DIEESE é isso, é coração mesmo. O cara trabalha, eu vejo lá o pessoal trabalhando: é coisa de doido. Coisa que nós, como sindicalistas, não deixaríamos fazer. Mas o pessoal quer fazer. Então tem que deixar fazer; tem que resolver; tem projetos que tem que fazer do dia para a noite. Eu sei que o Clemente é coisa maluca, não sei como ele consegue fazer tudo; e ele se dedica bastante à família. Mas se você ver os relatórios dele de atividade, ele relata até quantos telefonemas ele recebeu! Mas ainda, e sempre, a questão da família que eu acho importante também; que a gente batalha muito aquela questão né: a gente lutou pelas 40 horas semanais e continua trabalhando 48, 50, 60. Quer dizer, isso é importante.
P/1 – Você falou dos projetos que vocês têm. Como que você acha que vai ser na prática? Qual é a perspectiva para o DIEESE no futuro?
R – É, então, essa questão da faculdade, ela está andando bem. Já conseguimos agora um financiamento, mas o que a gente vai estar fazendo agora é o seguinte: é uma reunião mesmo com as centrais – porque sem elas não têm faculdade. Então a idéia é conversar com as centrais sindicais e depois fazer uma reunião com os principais sindicatos, os maiores sindicatos: dos metalúrgicos de São Paulo, metalúrgicos do ABC, bancários; os sindicatos mais importantes do ponto de vista político, mas importantes do ponto de vista financeiro. Vai ter que discutir como é que vai ser o financiamento disso, como é que vai ser aquilo. Tem que discutir com as respectivas secretarias de formação de cada sindicato, de cada central; para ver como vai ser o currículo. Porque é assim, na questão política é muito complicado você discutir. É a mesma coisa que você querer fazer um jornal só, né. Todo mundo vai querer dar um pitaco no editorial, acha que isto não está certo, a mesma coisa na questão da formação. Se vai ser cobrado, se não vai ser, se vai ser aberto, se não vai ser. Então tem várias coisas que vão ser discutidas ainda. Mas assim, a parte estrutural está indo. Como é que vai ser feito, tem que ter certificação; tem que ter convênios com algumas universidades. E lógico, a preferência é universidade pública, para ter certificação. Como é que vai ser, presencial ou não; porque esse é um problema para os sindicalistas. Por exemplo, o Artur, se ele quiser fazer faculdade amanhã, como é que ele vai fazer? Vai ter que estar presente todo dia? Tem coisas que a gente está pensando: quem já fez certos cursos de formação sindical, vai contar ponto, como é que vai entrar nisso? Porque a idéia é você fazer o curso e ter uma certificação de terceiro grau mesmo, que a pessoa possa, se quiser, fazer uma pós, um mestrado, doutorado. Assim como já existe na Bélgica, existe na França, existe em algumas faculdades na Europa. Que não é muito divulgado, os Estados Unidos também têm, mas o pessoal não fala muito. Então, seria mesmo uma faculdade do trabalho. Quiçá um dia seja, do ponto de vista do reconhecimento, uma faculdade que forme pessoas, assim como o DIEESE é respeitado, a faculdade do DIEESE forme pessoas que debatam, que discutam a sociedade, que tenham uma visão de mundo. É lógico que do ponto de vista de defesa do trabalhador, mas que discuta a sociedade como um todo. Não só uma visão sectária, uma visão de mundo mesmo. Então estar discutindo e debatendo com as outras universidades.
P/1 – Bom, antes de terminar a gente queria que você falasse mais um pouco da sua família, quantos filhos você tem, da sua esposa. Você falou que vocês foram se relacionando, cada vez ajustando a relação. Essa sua vida de viagens, muitos compromissos fora.
R – Ah, então, a minha esposa é pedagoga, se formou em Pedagogia, agora voltou a dar aula. Quando ela terminou a faculdade começou a dar aula, dava aula bastante, depois que nasceu a menina. Como assim, o começo foi muito complicado a gente teve o casamento, então não teve muito tempo de curtir o menino, aquela coisa toda; então quando a gente teve a menina, nove anos depois – hoje o menino vai fazer 16, daqui duas, três semanas e a menina tem 6, entrou no primeiro ano agora. Então ela, o ano passado ela começou a dar aulas, mas mais como eventual, né, tem aquela questão de pontuação, ela ficou muito tempo sem dar aula, hoje ela está se inscrevendo de novo para dar aula, mas tem uma escola que ela sempre dá aulas. Eu tenho os dois filhos, que é o Lucas, que tem 15 anos, está no segundo colegial agora; a Letícia foi para o primeiro. E é assim, ultimamente o que eu tenho feito é o seguinte: eu tenho tentado me dedicar mais à família; tenho tentado ficar mais com a família, mas no começo não. Ficava muito, final de semana, tal, mas eu tenho procurado – me dedico às questões do trabalho sindical, tudo, o que tem que fazer, eu faço, se tem que viajar eu viajo – mas sempre que puder eu fico mais com a família, eu não sou de ficar indo a boteco, essas coisas, então eu sempre procuro fazer isso, né? E há uma compreensão grande por parte da família em relação as minhas viagens; o ano passado viajei bastante. Fora ter que fazer algumas coisas que o pessoal chama, marcar viagem para o exterior; tem que ir. Às vezes você vai quebrar o galho, que nem eu tive que ficar 10 dias, aí eu fui lá em Berkeley, fui lá, fui para o México. Aí você fica afastado, aí você perde algumas coisas, aniversário de um, aniversário de outro, mas ultimamente tem sido bem a relação com a família. A minha esposa compreende bem e ela também está mais solta agora, voltou a dar aulas, está mais tranqüila, não tem problema, a menina já está maiorzinha também, então não vejo mais problema da família com relação ao meu trabalho sindical. Mas sempre que dá eu estou sempre junto com a família; procuro fazer alguma atividade com a família, sair. Que nem agora, fomos viajar esses dias. Para não deixar a família de lado.
P/1 – E quais foram as principais lições que você tirou da sua carreira?
R – Eu acho que é assim, o movimento sindical me abriu muito a visão de mundo, de compreender como funcionam as coisas, a ter tolerância com a adversidade, com as diferenças, com as pessoas, o tratamento com as pessoas, que antes a gente não aceitava muito certas pessoas: “Ah, você é um chato, muito isso, muito aquilo”. Você aprende a ouvir muito mais, coisa que quando você é mais novo você não está muito propenso a ouvir, você quer mais falar. E me deu uma oportunidade maior de conhecer algumas coisas, muitas viagens que eu fiz foram graças ao movimento sindical, e poder discutir certas coisas com pessoas que jamais imaginava, por exemplo, quando eu estava numa mesa coordenando um debate com a Maria da Conceição Tavares, uma pessoa que eu admiro muito, jamais imaginava estar lá. Conversando de igual para igual. Você fala, “Poxa, a pessoa que pra mim está anos luz distante, pessoa muito inteligente e tal”. Ou mesmo você está conversando com ministro, eu tenho amizade assim com o ministro Luiz Marin, mas com os outros ministros, se fosse um cidadão comum, dificilmente estaria conversando com eles. Então o movimento sindical deu essa oportunidade. Então a gente tem que aproveitar essa oportunidade e estar sempre estudando, sempre se preparando e deixar o sectarismo de lado. Você tem que ter seus princípios, você não pode abrir mão deles, de jeito nenhum, mas também estar propenso a ouvir algumas coisas diferentes.
P/1 – O que você achou de ter participado desse projeto de memória do DIEESE?
R – Achei legal esse negócio de memória, porque eu estava até pensando, e eu tava até refletindo. Estou até quase com vontade de jogar as máquinas digitais fora, sabe por quê? Porque a gente não revela, né? Às vezes a gente – que nem um dia deu pau no meu computador, perdeu um monte de coisas, se tivesse revelado! E foto é um negócio assim, e memória, que a gente não, a gente é meio relapso com isso. O sindicato tem um CEDOC [Centro de Documentação] lá, mas o pessoal nosso da comissão. Eu que comecei a guardar muita coisa que a gente fazia, jornal, tal. Porque é aquela coisa: quem não tem memória não tem passado, quem não tem passado não tem presente, não tem futuro. E a gente percebe quando tem; eu lembro quando caiu o prédio do Sérgio Naya, o que o povo vai procurar primeiro? Ver se acha alguma foto antiga, alguma coisa que relembre. Os terremotos que tem na vida, o pessoal vai dar uma olhada. Então a memória é uma coisa muito importante, eu estava até vendo, poxa, essas fotos digitais vou começar a revelar. A gente fica guardando em HD, não sei o quê, depois perde, some. Pelo menos se está no papel vai fazendo volume, é uma coisa que está viva, porque nem sempre você tem a disposição de estar mostrando para as pessoas. Então essa idéia do projeto do Museu da Pessoa é uma coisa assim – antes eu nem sabia que existia, né, aí quando vocês foram lá então eu entendi – mas eu acho que é importantíssimo porque você não perde, você não perde a referência, a pessoa pode estar pesquisando, não sei como vai funcionar, se tem um site que as pessoas podem entrar, se consulta, se paga? Como é que é? Isso eu preciso saber depois.
P/1 – Não, o acesso não é restrito, vai ser um site que vai estar ligado ao site do DIEESE.
R – Acho que esta questão de preservar a memória, até para as pessoas não esquecerem, por exemplo, a memória do DIEESE, se todo mundo tivesse em mente porque foi criado. O pessoal diz que os ingleses costumam fazer isso, passa de pai para filho, não sei se é verdade isso, o pessoal tem um pouco a história na cabeça, seus direitos na cabeça, porque surgiu isso, porque surgiu aquilo. E muita gente não sabe, por exemplo, o direito de férias no Brasil é tão recente, a mulher poder votar; apesar que nós somos mais avançados que os franceses, bem antes que eles, que os europeus. Por exemplo: um terço a mais nas férias, coisa de 1988! Essa molecada chega e pensa que conseguiu ontem. Não sabe porque tem esse direito. A gente percebe muito, eu que represento a área administrativa, dentro da fábrica, setor mensalista, esse pessoal que vem de uma formação mais elitista, eles não tem noção porque tem. “Ah, a gente tem, porque tem!”. Surgiu do nada, veio de graça. Então essa coisa tem que ter sempre em mente. Por isso que achei muito importante estar participando disso. Espero ter contribuído de alguma maneira.
P/1 – Ah, contribuiu! Muito obrigada, João Cayres.
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