P/1 – Então, Antônio Carlos, para a gente começar eu queria que você falasse seu nome completo, local e data de nascimento.R – Ok. Eu sou Antônio Carlos de Almeida, eu nasci na cidade de São Paulo, no dia 5 de junho de 1961.P/1 - Qual é o nome dos seus pais, Antônio Carlos?R – O meu pai se chamava Orivaldo de Almeida, ele já faleceu. E minha mãe é Maria Therezinha Guazzelli de Almeida. P/1 - E os seus avós, você chegou a conhecer?R – Eu cheguei a conhecer três dos meus avós. O meu avô paterno eu não conheci, ele faleceu antes de eu nascer. O seu nome era Renato de Almeida. Os outros avós que eu conheci, então, a esposa dele, Maria Antonieta Dellape de Almeida. E por parte de mãe é Octávio Fortunato Guazzelli e Luzia Elídia Perrone Guazzelli.P/1 - Você conhece a origem dos seus familiares? Seus avôs, suas avós?R – Sim, a origem deles, todos eles são nascidos no Brasil. Mas desses três vivos, dos três que eu conheci, eles são filhos de italianos, de imigrantes italianos que vieram para o Brasil no início do século XX, no comecinho, na virada do século, na época de imigração. Então, todos aqui da região próxima a São Paulo. E o avô que eu não conheci, que é o Renato de Almeida, a família tem um grande núcleo na cidade de Sorocaba, no Estado de São Paulo. P/1 - E eles têm esse perfil clássico de imigrantes, que vieram com passagem paga, foram para a lavoura? Ou era uma outra trajetória?R – Não, era uma outra trajetória. Eles já vieram com algumas reservas de dinheiro. O avô da minha mãe, ele já tinha um comércio na cidade de Santo André, Olaria. Eles tiveram negócios. Então eles não vieram para pegar na enxada no pé de café não. Então tem um começo um pouquinho melhor, né, mais fácil do que quem veio sem nada. Na família da minha avó paterna tinha médicos também, pessoas com um preparo melhor, um pouco mais de vantagens aí para competir. P/1 - Certo. E quando...
Continuar leituraP/1 – Então, Antônio Carlos, para a gente começar eu queria que você falasse seu nome completo, local e data de nascimento.R – Ok. Eu sou Antônio Carlos de Almeida, eu nasci na cidade de São Paulo, no dia 5 de junho de 1961.P/1 - Qual é o nome dos seus pais, Antônio Carlos?R – O meu pai se chamava Orivaldo de Almeida, ele já faleceu. E minha mãe é Maria Therezinha Guazzelli de Almeida. P/1 - E os seus avós, você chegou a conhecer?R – Eu cheguei a conhecer três dos meus avós. O meu avô paterno eu não conheci, ele faleceu antes de eu nascer. O seu nome era Renato de Almeida. Os outros avós que eu conheci, então, a esposa dele, Maria Antonieta Dellape de Almeida. E por parte de mãe é Octávio Fortunato Guazzelli e Luzia Elídia Perrone Guazzelli.P/1 - Você conhece a origem dos seus familiares? Seus avôs, suas avós?R – Sim, a origem deles, todos eles são nascidos no Brasil. Mas desses três vivos, dos três que eu conheci, eles são filhos de italianos, de imigrantes italianos que vieram para o Brasil no início do século XX, no comecinho, na virada do século, na época de imigração. Então, todos aqui da região próxima a São Paulo. E o avô que eu não conheci, que é o Renato de Almeida, a família tem um grande núcleo na cidade de Sorocaba, no Estado de São Paulo. P/1 - E eles têm esse perfil clássico de imigrantes, que vieram com passagem paga, foram para a lavoura? Ou era uma outra trajetória?R – Não, era uma outra trajetória. Eles já vieram com algumas reservas de dinheiro. O avô da minha mãe, ele já tinha um comércio na cidade de Santo André, Olaria. Eles tiveram negócios. Então eles não vieram para pegar na enxada no pé de café não. Então tem um começo um pouquinho melhor, né, mais fácil do que quem veio sem nada. Na família da minha avó paterna tinha médicos também, pessoas com um preparo melhor, um pouco mais de vantagens aí para competir. P/1 - Certo. E quando você nasceu, vocês moravam em que bairro em São Paulo, sua família?R – Quando eu nasci nós morávamos na Aclimação. E eu mudei para o Pacaembu quando eu tinha oito anos de idade. Aí mudei de escola também e tudo.P/1 - Você se lembra dessa casa na Aclimação, a primeira casa?R – A primeira casa que eu morei, nós ficamos nessa casa até eu ter no máximo um ano. Eu me lembro bem dela, porque são imóveis da família e que ainda estão com a família. E com um ano eu me mudei para uma outra casa. Essa segunda casa que eu morei é a que eu me lembro um pouco mais. Eu vivi nela até 8 anos, então eu tenho uma porção de recordações da casa. Da primeira na época, quando eu era bebê, não me lembro, mas eu conheci a casa depois.P/1 - E essa segunda casa como é que era?R – É uma casa muito bonita, uma casa grande. Ela era alta, elevada do nível da rua. Para mim na época parecia imensa, depois de algum tempo eu voltei lá, ela não era tão grande assim. Isso é normal, né? Mas era uma casa bastante confortável, era gostosa. E ela tinha alguma coisa, um terreno vazio do lado da casa. Era um terreno sem nada, sem nenhuma construção, que também era da gente, era dos meus pais, dos meus avós. O imóvel era do meu avô. Então o nosso quintal era um terreno imenso, grande, para a gente poder brincar. Tinha mato, tinha frutas, tinha árvores. Era muito gostoso lá.P/1 - E a gente quem, Antônio Carlos? Tinha irmãos?R – Irmãos, seis irmãos. Nós somos uma família grande.P/1 - Todos homens?R – Não, três homens e três mulheres. Era bem “divididinho”.P/1 - Como é que era a convivência com os irmãos?R – Era legal. Eu sou o quinto, né, da fila. Então eu tenho quatro irmãos mais velhos e um irmão mais novo. Então a convivência era muito próxima com esse irmão mais novo. P/1 - Qual é o nome dele?R – José Roberto de Almeida. Ele colocou Guazelli no nome, ele acabou colocando. Ele quis puxar um pouco a origem italiana. Então o nome dele hoje é José Roberto Guazelli de Almeida.P/1 - Quais eram as brincadeiras favoritas de criança?R – Olha, tinha muita coisa. A gente gostava de jogar bola. Tem uma coisa que eu lembro até hoje com muito detalhe que nós gostávamos, isso na Aclimação, em 1970, um pouquinho antes de 1970. Eu nasci em 1961, então em 1967, por aí, passava na rua da minha casa um senhor, um velhinho com uma porção de cabras. Não sei se vocês já ouviram alguma coisa desse tipo. Tinha em São Paulo. E todos os dias, eu não me lembro qual era o horário, se era cedo, se era tarde, isso eu não me lembro. Mas ele passava todo dia e a gente comprava leite de cabra tirado na hora. Ele passava, tocava a campainha, batia palma em casa, aí descia toda aquela criançada. Tirava leite de cabra na hora, no copinho, a gente tomava. E o que nós gostávamos mais era de acompanhar aquele “rebanhozinho” de cabras até o final da rua, na esquina, tal, depois a gente voltava para casa. Isso é uma coisa que marcou bastante a gente. Era algo bem diferente da gente ver, não é comum, né?P/1 - E como vocês sabiam que ele estava chegando? Tinha um sininho?R – Barulho dos sininhos das cabras a gente já percebia. Era sempre no mesmo horário. Normalmente era uma empregada, era alguém ou a minha avó. A minha avó por parte de pai morava com a gente. Ela morava em função de que ela era viúva, então ela morava ali com a gente. Então ela sempre que chamava, avisava: “Olha, está chegando lá as cabras”. Aí a gente descia e ia correndo. Isso era todo dia. E tinha outras brincadeiras do dia a dia com as crianças. Era jogar bola, gostava muito de animais, sempre gostei. Na minha casa sempre teve cachorro, gato, passarinho, pintinho, franguinho, tinha tudo. Nesse terreno do lado, então, nem te conto o que tinha de bicho. [risos].P/1 e P/2 - [Risos]P/1 – Cobra.P/2 – Você lembra do bairro da Aclimação nessa época?R – Lembro, era muito legal. A gente andava a pé, ia para o clube a pé, o Tênis Clube Paulista. Nós morávamos bem pertinho de uma praça, a Praça Polidoro. Então também a gente andava de carrinho, triciclo, aquelas coisas em volta da praça. Era redondinha, né, assim. Então era um bairro muito tranquilo. No caminho para o clube eu me lembro que tinha um prédio, um edifício de residência muito legal e tinha um aquário cheio de peixes no térreo. Um tanque. Então a gente andava para ir a pé para o clube toda vez, no caminho de ida e no caminho de volta tinha que entrar no prédio para olhar os peixes. Era dentro do prédio, né? Mas não tinha grade, não tinha portão, não tinha nada. Era tudo aberto. Não tinha perigo nenhum com segurança. A gente entrava, ficava olhando os peixes, brincava um pouco, depois ia embora.P/1 - O Parque da Aclimação não era perto?R – Perto também. O parque também. Mas como nós tínhamos essa praça mais próximo, a gente ia mais nessa pracinha, na Praça Polidoro. O parque era um pouco mais distante. Mas era também, a gente ia. Tem uma foto de família do meu avô paterno com o meu pai no Parque da Aclimação, numa época que tinha camelos lá. Não sei se você já viu. Então ele está do lado de um camelo grande, está ele lá. Estava bem bonito, chique, de paletó, gravata e um camelo. Sei lá se andava solto, como é que era. Mas ele estava do lado do camelo. [riso] Era meio “Simba Safari”, assim !P/1 - O seu pai fazia o quê, Antônio Carlos?R – O meu pai era médico. Ele era médico. P/1 – E a sua mãe?R – A minha mãe, ela sempre cuidou de casa, da família. Ela fez, quando ela estudou, fez Secretariado. Mas em função da formação da família, o pai dela nunca quis que ela trabalhasse. Então ela foi para casa para cuidar da família, uma das grandes frustrações dela. E depois dos filhos criados é que ela começou a trabalhar administrando imóveis. Aí ela montou uma empresa para administrar imóveis, aluguel, isso e aquilo, tal. Compra, vende.P/1 - E como é que era, assim, para você criança ter pai médico? Qual a sua imagem?R – Era muito legal. Era um herói, né? É até hoje. E eu fiz Medicina muito por causa disso. É muito por causa disso. A valorização que o pessoal tinha. Hoje a Medicina é completamente diferente do que era no tempo em que eu me espelhei no meu pai para fazer Medicina. Era outra coisa, era outra realidade. Então era muito legal. Quer dizer, o assunto em casa era só Medicina. Meu irmão mais velho é médico, eu tive um cunhado que era médico também. Quer dizer, ele ainda é médico e não é mais cunhado, né? [risos] Que era médico então a gente convivia. Me casei com uma médica, na faculdade, uma estudante de Medicina, a Mônica, era na época que nós casamos. Então era o assunto em casa, no almoço e no jantar, qualquer coisa era Medicina. Quem tinha feito a cirurgia mais complicada, né? [risos] P/1 - E como é que era, assim, você falou de almoço, jantar. Vocês almoçavam juntos, jantavam juntos?R – A nossa família era grande. A família centralizava. Quer dizer, a gente ia na casa dos amigos e tudo, mas a maior parte das vezes todo mundo vinha em casa. Os primos. Então a nossa casa nessa época, aí eu já estou falando na época que nós morávamos no Pacaembu. A clínica do meu pai era do lado. Meu pai, então, nós temos uma casa e a casa pegada à clínica dele. Então nós morávamos, ele ia para o consultório, ele não passava nem na calçada, ele passava pelo fundo da casa. Então a convivência era muito estreita nessa época. Então a gente estudava, tudo. No tempo da faculdade de Medicina eu não almoçava em casa, mas no tempo de colegial eu almoçava. Mesmo que fosse em horários meios diferentes. Então começava o almoço em casa era 11h30m da manhã, acabava a 13h30m da tarde. Entrava direto comida na mesa, trocando, colocando, que tinha um movimento muito grande de pessoas. P/1 – Quem fazia a comida, Antônio Carlos?R – Aí tinha um batalhão de empregadas, eu lembro. Hoje em dia é inconcebível. Por isso que eu falo: "O meu pai era um herói". Ele não trabalhava para convênio, não tinha nada, emprego. Só com o consultório particular ele mantinha um negócio que hoje acho que precisa ser dono do Aché para manter. (riso) P/1 - (riso)R – Naquele tempo, como médico, ele fazia isso. Todos os filhos estudaram em faculdade particular. Você vê que a minha formação... isso, em uma reunião que a gente teve no Aché em uma época, ficou bem claro, eu fiquei até com vergonha, eu falei: “Mas eu vou falar, né?” É completamente diferente desses gerentes do Aché da minha época. Então teve uma reunião em Campos do Jordão uma época em que aconteceu isso. Cada um contando um pouquinho da sua história de vida, mas assim, um era mais pobre do que o outro, mais ferrado do que o outro. Estava mais: “Ah, cheguei, não tinha nada. Não tinha não sei o que, foi o meu primeiro emprego. Tinha que carregar caixa e tal, não pude estudar.” E eu, do outro lado, falei: “A hora que chegar a minha vez eu vou falar o quê? Eu tive tudo” [risos]. Eu tive carro. Quando eu fiz 18 anos eu ganhei um carro zero, um Pullman, que era um negócio maravilha. Fui para a faculdade particular paga, estudei nos melhores colégios, fiz... Falei: “Vou falar o quê, né?” Depois eu conto para vocês o meu desafio. Aí eu tive que fazer meu teste. Mas então eu tive muita facilidade nesse sentido e apoio da família mesmo para poder fazer as coisas.P/2 – Você morando no Pacaembu, e assim, criança e já na adolescência frequentava a clínica do seu pai?R – Sim, sim. Teve uma época que olha, quase a família inteira trabalhava na clínica do meu pai. Então só quem não trabalhava lá acho que era o meu irmão menor e a minha irmã mais velha. Mas o meu irmão, o número dois, se a gente puder numerar, então o segundo filho era médico. Aí tinha as duas irmãs, a três e a quatro, que trabalhavam na recepção como recepcionista, secretária e tal, faziam um trabalho administrativo. E eu. Então quatro filhos trabalhavam lá com ele, cada um no seu papel. Eu, como estudante, tinha um horário menor, mas saía da faculdade, no comecinho da faculdade, eu ia para lá. Depois eu arrumei um concorrente para o meu pai muito sério, que era cavalo. Então é outra história. Montar a cavalo. Ela já sabe.P/1 – Certo. E voltando um pouquinho ainda para a época da infância, eu queria te perguntar quando é que você entrou para a escola? Como é que foi? Qual era essa escola?R – A primeira escola que eu fui que eu lembro, Jardim Escola Aclimação, que foi a primeira escola que eu estudei. Na época era jardim, não tinha maternal. Até nessa época a gente ficava em casa. Mas eu fui, era uma escola legal que tinha lá na Aclimação, perto de casa. Todos os meus irmãos tinham estudado nessa escola e aí eu fui para lá estudar. Eu estudei acho que dois ou três anos, só. Depois o segundo ano eu já fiz no Pacaembu, lá no Rio Branco.P/1 – Aí foi a mudança?R – Foi a mudança. Eu me lembro que para essa escola do Jardim Escola Aclimação, eu ia, gostava, era uma escola legal, mas não era apaixonado, não. Eu me lembro de alguns dias de não querer ir para a escola. Aquela coisa: “Ah, eu não quero ir para a escola!” , “Você tem que ir, tem que ir, tem que ir”, e eu ia. Mas eu não gostava muito não. Apesar de que me saía bem em notas e tudo, nas avaliações. Mas eu acho que eu preferia ficar em casa, com a turma lá, brincando. P/1 – E aí com a mudança você foi para qual escola mesmo?R – Para o Rio Branco.P/1 – Para o Rio Branco.R – Para o Colégio Rio Branco, lá na Avenida Higienópolis. Aí eu fui estudar lá. Também eu era muito tímido, virei o maior cara de pau. Se falasse quando eu tinha 12, 13 anos que ia fazer o que eu faço hoje, ia falar: “Ah, não. É outro cara.” Eu era muito tímido. Me lembro que quando cheguei entrei em uma classe... O Rio Branco, ele mantinha a mesma classe durante anos, você não tinha troca. Você entrava em uma classe e ficava com aquele grupo. Então eu entrei em uma classe que já estava formada, de um grupo que já estava. Então eu tive um pouco de dificuldade de me enturmar com o pessoal naquele começo. Eu lembro bem. Eu cheguei a falar com a minha mãe: “Ah, o pessoal não conversa comigo, a gente não tem entrosamento.” Minha mãe conversou com a professora. No segundo ano primário. Aí a professora me deu uma facilitada lá, conversou com algumas pessoas para ficar comigo na hora do recreio. Começamos a brincar, acho que em questão de 15 ou 20 dias a coisa já estava no ritmo. E eu encontrei na semana passada um amigo meu de infância lá do Rio Branco, que estudou comigo no Rio Branco, né? E nós agora vamos voltar a travar um contato. Tem até uma razão comercial para a gente estar conversando. Ele tem uma empresa em Guarulhos, pertinho do Aché. Tem participado lá no Ciesp em algumas reuniões, então a gente vai estar... já tem razão para a gente voltar a se encontrar. Que bom! Nos achamos aí.P/2 - Como é que foi a vivência, Antônio Carlos, no colégio?R – Lá no Rio Branco?P/2 - Lá no Rio Branco. Na escola, assim de forma geral. R – Era muito bom. O Rio Branco era bom. O Rio Branco era uma escola que eu gostava de ir. Diferente da outra, eu gostava. Foi uma época em que a gente... depois que houve a formação de um grupo e tal, era bom. Eu tinha estudando no Rio Branco também um primo e meu irmão mais novo. A gente sempre ia junto e voltava. E lá o Rio Branco era uma escola boa, era legal. A convivência depois foi muito mais facilitada. A maior parte dos amigos moravam perto. Então a gente sempre saía, estava na casa de um, na casa de outro. Era muito legal. P/2 – Tem algum professor ou professora que tenha te marcado de forma mais especial?R – Olha, tem. Do Rio Branco tem bastante gente sim. Eu ontem olhei algumas fotos até, estava buscando alguma coisa, lembrei de um ou outro lá. Mas tem, tinha. O Cacá era um professor de História que marcou, o Tomé era outro professor de História. A gente está falando de história, né, eram professores de história.P/1 – [risos]R – O Tomé era um professor que tinha sido expedicionário da FEB [Força Expedicionária Brasileira]. Então ele vivenciou história na pele. A turma brincava, ele tinha... diz que quando passava avião em cima da escola ele abaixava na mesa. Eu nunca vi isso acontecer, mas tinha uma lendazinha assim. Ficava todo mundo torcendo para passar um avião para ver se ele entrava embaixo da mesa. Então eram esses professores. O Mariano era um professor de Português. O Natal, professor de Matemática. O Nata era mais “sérião”. Ele queria ascender na hierarquia da escola, ele não se contentava em ser só professor, né, então ele era mais “sérião”. Tinha o professor Fausto, professor de Desenho, que eu me dava super bem. Eu gostava de desenhar. O Bitar era professor de Francês. Eu tive dois anos de francês no que hoje seria não o primário, seria o ensino fundamental, entre quarta e oitava série, nessa época. Quem mais de professores? Eu lembro do Cacá, eu lembro. Uma das coisas que eu gosto muito é de contato com a natureza. Eu me lembro que eu ganhei um ponto na nota, na média final do período, porque eu sabia uma coisa. Ele fez uma pergunta lá sobre agricultura. Nós estávamos em uma aula de História, eu não sabia que eu sabia aquilo, mas ninguém na classe sabia. Eu levantei a mão e respondi. Eu fiquei surpreso que sabia aquilo. [risos]. Ele me deu um ponto, todo mundo me olhou assim, né? Foi até uma coisa que marcou. "Por que não pode fazer queimada na terra?" "Porque não sei o quê, porque degrada o solo, mata os microrganismos." Era um negócio assim. Eu sei que dei uma explicação que acho que ele até ficou meio besta. E eu não lembro da onde que sei isso? Onde que eu li isso, né? E respondi isso e me saí bem. Eu lembro bem dele. Ele era um cara... ele era um professor diferente do padrão. O Rio Branco era muito certinho também nessa época. Imagina o primário, o ginásio! Não tinha muita... você não podia, cabelo comprido. Uma época o pessoal queria usar cabelo comprido, não entrava na escola. P/2 – Havia um uniforme?R – No Rio Branco a gente podia ir com a nossa roupa mas tinha que pôr um avental, tinha um “aventalzinho”. Depois, de que série para frente você não tinha avental? Tinha lá no primário, acho que no primário e ginásio, no primário você tinha que pôr um avental. No ginásio já não precisava mais. Mas você tinha que ter algum padrão. As meninas não podiam ter saia muito curta. Não podia usar cabelo comprido. Uma vez teve uma greve, uma briga na porta porque não queriam deixar os adolescentes entrar. Os cabeludos não podiam entrar. “Se não cortar o cabelo, amanhã você não entra.” Aí juntou um monte de gente lá e não entrou.P/2 - Você estava no grupo ou não?R – Não, não estava.P/2 – Não. [risos].R – Esse era um pessoal mais velho um pouquinho. Eu nunca fui muito revolucionário, não. [risos]. Não assim. Nesse ponto não. A gente acaba vendendo as ideias da gente, conquistando os espaços de outra forma. No confronto direto acho que você não ganha nada, né?P/2 - Antônio Carlos, e tinha... qual era a relação com as meninas, paquerinhas, assim, de escola?R – Eu era muito tímido. Eu sempre fui muito tímido. Então essa foi uma das áreas onde eu não nadava de braçada não. [risos]. P/1 – [risos].R – Não dava, não dava. Então eu me aplicava bastante no estudo, tinha os amigos, tinha o lazer todo. Brincava, tinha as coisas, passeava. Mas não era uma coisa muito importante, assim. A gente valoriza, você quer ter tuas conquistas e tal, mas não era o meu ponto forte não.P/2 - Assim, em termos de lazer quais eram as suas predileções na adolescência?R – Na época era assim, viajar com a própria família, com o pessoal, era muito legal. A gente ia para locais onde a gente encontrava até os grupos da escola. Então era para a praia: Santos, São Vicente, que na época eram lugares bons. A gente ia para Campos do Jordão, ia para o interior. Então tinha alguns locais onde a gente ia e encontrava o pessoal da própria escola. Então viajar era bom. Nós sempre nos reuníamos nos finais de semana, de vez em quando na casa de um, na casa de outro. Então era aquele grupo, era uma turminha, uma patotinha da escola que acabava ficando junto. E aí você tinha os seus códigos, tinham as suas ligações. Era bacana, era um tempo bom.P/2 - Do Rio Branco você foi direto para a faculdade?R – O que aconteceu? Aí eu estava terminando a oitava série, um pouquinho antes, acho que na metade do ano, foi mais ou menos isso, eu tinha 14 anos. Era isso aí? 14, 15, 16, é. 14 anos. Eu decidi que queria ser médico. Então, assim, já vivenciava Medicina, meu irmão tinha entrado, acabado de entrar na faculdade de Medicina também e tal. Sofreu para caramba para entrar. Porque ele ficou no Rio Branco, fazendo colegial no Rio Branco. E para entrar na faculdade não foi muito fácil. Ele entrou no ABC. E eu via, conversando com um e com outro, falava: "O Rio Branco, se eu continuar no Rio Branco, eu vou ter que fazer um cursinho para poder entrar na escola." Aí foi a primeira grande decisão que eu tomei na vida: "Vou fazer Medicina e vou mudar de escola." Nessa idade eu decidi mudar de escola. “Eu vou para o Objetivo.” O Objetivo tinha duas famas: ou era colégio de vagal ou de quem queria entrar na faculdade. Era completamente... eram dois opostos. Ou você tinha muito vagabundo lá dentro, e era mesmo, porque não havia controle. Você queria colar, era tudo prova em teste. Você queria colar nas provas, você colava. Se não quisesse estudar nada não precisava. Mas se você quisesse você se dava bem. A escola te dava as ferramentas, né? Coisas que hoje tem muitas escolas modernas, aula com televisão, aula com isso, com computador, ou apostila não sei de que jeito, isso, há 20 anos atrás, o Objetivo já tinha. Então eu fui para lá, eu conversei com meus pais: “Vou mudar de escola”, “Mas não! Mas nunca! Você vai sair do Rio Branco, você vai para um colégio de vagabundo!” Eu falei: “Lá é vagabundo mas não é.” Aí eles já faziam... o (Di Gênio?), que é o dono do Objetivo até hoje, super marqueteiro, já punha lá as listas dos primeiros colocados e tudo. Eu falei: “Olha, lá tem vagabundo mas tem gente que entra na faculdade. E eu quero entrar direto na faculdade. Eu não quero fazer cursinho nem nada. Então eu vou para lá.” Com muito custo, aí escolhi uma unidade do Objetivo que não era a mais próxima da minha casa, era na rua Luis Góes, era longe para caramba, lá no Aeroporto. E aí eu fui para lá, voltava de ônibus. O meu pai me levava de manhã ou o motorista me levava de manhã. Não era meu pai não, era o motorista. Me levava de manhã e eu voltava de ônibus, metrô, ônibus, sei lá o quê. Então o primeiro e o segundo colegial ainda foi mais tranquilo. Foi bom, estudei. Me reuni com um grupo de pessoas que queria entrar na faculdade, tanto que entrou. A maior parte desses meus amigos entrou em Medicina mesmo, né? Um na USP [ Universidade de São Paulo], entrou outro na Paulista, eu entrei em Santo Amaro, teve um que entrou em Ribeirão Preto na Biologia, não na Medicina. Nós formamos um grupinho que conseguiu, que era para isso, era para estudar. E o terceiro colegial então foi só estudar. Só estudar direto, direto. Se você perguntar o que é que tinha de lazer, não tinha nada. Foi estudar. Eu mudei de quarto, fui para um quarto para ficar sozinho. Eu dormia com o meu irmão. Enchi as paredes de tabelas, gráficos, mapas e tudo. Eu acordava de manhã estudando e dormia estudando, sábado.P/1 – Tabela Periódica [risos].R – Sabia de cor. Se desse um papel em branco para desenhar, escrever, eu escrevia inteira a Tabela Periódica. P/1 - Você lembra hoje, não? [risos] R – Não, algumas coisas só.P/2 – E do dia do vestibular?R – Eu fiz um monte de vestibulares. O que eu fui mais tranquilo mesmo, com menor interesse, foi onde eu acabei entrando. Fiquei por um “trizinho” para não entrar na USP, né? Porque era assim: os 400 melhores entravam na USP, na Paulista e na Santa Casa. Eu fiquei em 420, 430. Porque eu fiz dez exames, eu prestei exame em tudo quanto é lugar. Em Campinas, tal. Eu queria ficar em São Paulo, eu não queria ficar longe da família. Eu queria ficar aqui. Passei perto de entrar em Campinas. Mas eu fiz os exames lá sem muita intenção. Então você tinha Santa Casa, Paulista e USP. O que eu queria mesmo era a Paulista, que foi onde meu pai estudou, né? Queria entrar lá de todo jeito, tal. Mas foi duro, não consegui chegar. Pensei: “Putz, então entro em Santo Amaro, não faço, eu tranco a matrícula para o ano que vem.” Não podia no primeiro ano. “Vou prestar de novo o ano que vem para ver se eu vou para a Paulista.” Mas eu falei: “Não, eu quero ganhar um ano e eu vou para a Santo Amaro mesmo.” E não me arrependo não, foi legal. Para o que eu quis fazer foi uma faculdade que deu toda a condição. Eu respondi tua pergunta direito, não? P/1 - Respondeu. A gente começou com outra... [risos] R – Porque no fim eu ia dar uma volta...P/1 – ... Mas está ótimo.R - ... Você falou do vestibular, né?P/2 - Não, está certo.R – O vestibular foi uma fase legal, foi uma fase interessante. Que a gente também estava em grupo. O único lazer no final do ano, foi uma coincidência, foi assistir o filme “Greasey ”, não sei se vocês lembram, “Nos Tempos da Brilhantina?” É, que eu fui no cinema acho que umas dez vezes. A gente ia com o mesmo grupo. “O que nós vamos fazer?” “Ah, vamos ver esse filme, é bom. A gente já viu mas vamos ver. É legal.” A gente ia no cinema, brincava, se divertia. E a gente estava na mesma época do povo do filme, né, que estava se formando, saindo do colegial para outros desafios deles lá. Então a gente se identificava muito. E o lazer do terceiro colegial foi ir no cinema assistir dez vezes... Não vai botar isso não. [risos] Vão achar que eu sou louco. [risos].P/1 - E qual era o cinema? Onde vocês iam ver [risos]?R – Lá perto da Paulista, a gente estudava por ali. Nesse terceiro ano eu não fiquei mais na Luis Góes. Aí a gente foi para a Cincinato Braga, que era outra unidade do Objetivo.P/1 – E os anos de faculdade, como é que foram?R – Foi muito legal, foi muito bom. O primeiro ano foi uma festa, você entrar, trote. Levamos trote legal. Trote mesmo, daqueles de quebrar o queixo do cara, né? Mas foi muito bom. Eu estava muito feliz, porque eu tinha entrado em São Paulo, que eu queria. Não tinha sido a Paulista, mas estava bem. Tinha um grupo muito legal de pessoas. Uma classe pequena, eram umas 60 pessoas só, a minha turma. Um monte de mulher na classe, então eu falei: “Então aqui não vai ser mais problema” [risos].P/1 – [ Risos.]R – Dá duas para cada um lá, eram só 18 rapazes e o resto era tudo mulher na faculdade. Um campus bonito. Era longe de casa, né? Era lá na OSEC [ Organização Santa-mariense de Educação e Cultura], hoje é Unisa [ Universidade de Santo Amaro] . Mas um campus muito bonito, com muito verde. Um lugar que foi planejado para ser uma escola. Tinha um hospital. Era uma escola pequena mas muito legal. Os professores, a grande maioria deles, grande mesmo, eram professores da USP, idealistas, que não gostavam daquele modelão da USP, muito de funcionário público mesmo, tal, um esquema meio “padrãozão”. E montaram essa faculdade. Se juntaram com alguns capitalistas, que professor não tem muito dinheiro, eles se juntaram com o pessoal e montaram uma escola dos sonhos deles. E isso foi muito legal, foi muito bacana.P/1 – Não é uma faculdade que tem um fundo religioso, né?R – Não, não.P/1 – Não tem?R – Não. Era um pessoal, alguns dos donos da OSEC na época eram da diretoria da Portuguesa. Então era Portuguesa do Futebol Clube mesmo, da agremiação de futebol. Diz que tinha lá, como é que era? O Renato Teixeira Duarte e mais uns caras lá. Mas os bons eram o Rubens Monteiro de Arruda, que era professor, o Willy Kenzler, eram professores que tinham saído por um ideal. O principal mentor mesmo da escola era o Rubens Monteiro de Arruda, era um cirurgião torácico, professor de lá, e fez. O professor de Anatomia era o Prates, que era um cara fora de série, bacana demais. Ele era conhecido do meu pai. Ele veio da Paulista, foi daí que eu me identifiquei muito. Então a faculdade para mim foi muito fácil de certa forma. Porque eu já vivenciava Medicina direto, muitos dos professores conheciam meu pai. Então ajudava para caramba. Eu tinha uma habilidade que meus outros colegas não tinham. Então eu já estava saindo na frente. E a faculdade foi legal, foi muito bom.P/2 - E no segundo ano apertou ou não? Você falou que o primeiro foi tranquilo.R – Não, o primeiro foi mais light. O que aconteceu no final do segundo ano? Eu comecei a despertar o interesse maior por equitação, por montar à cavalo e tal. Então o ano mais complicado da faculdade, os mais difíceis, do ponto de vista de carga de matéria, o terceiro e o quarto. Principalmente o quarto ano. O quarto ano tem, assim, volume de conceitos teóricos, de informações, muito grande. O terceiro ano é o ano que você tem contato com paciente, com o sofrimento humano. Você chega mais perto. No primeiro ano você vai ver o cara morto. No terceiro você vai ver o cara vivo, doente. E quinto e sexto, então, aí você não fala, aí é direto dentro do hospital. Mas no meio do segundo ano eu comecei a ter interesse por montar à cavalo. Eu sempre gostei disso, descobri que perto da faculdade tinha uma escola de equitação, e falei: "Bom, é aqui mesmo. Então eu saio da faculdade, paro na escola de equitação, monto e depois eu vou para casa." Aí que eu começava a chegar tarde na clínica do meu pai [risos] Então eu comecei a montar, gostava. Saía da faculdade, ia lá, montava. Me interessei muito por isso, comecei a gostar, praticar hipismo, tal. Aí conversei com meu pai: “Vamos entrar de sócio na Hípica, no Clube Hípico de Santo Amaro." Meu pai também gostava muito de cavalo. A gente se espelha muito no pai, não tem jeito. Ele tinha feito cavalaria no CPOR[Centro de Preparação de Oficiais da Reserva] quando ele era jovem, depois ele não montou mais, também ficou um tempo parado. Aí ele gostou da ideia, nós fomos, compramos um cavalo; uma égua de salto. Eu tenho foto dela aí, depois eu vou mostrar para vocês.P/1 – Qual era o nome dela?R – Penumbra. Ela era tordilha. Tordilha é aquele cavalo cinza que começa a ficar branquinho com a idade. Uma égua super boa de salto. Aí, então, teve um período em que eu ia para a Hípica antes de ir para a faculdade, saia da faculdade, voltava para a Hípica. E montava direto. Sábado e domingo era cavalo, era ir para competição fora, em Santos, interior, em Campinas. Punha o cavalo no caminhão e ia pular em tudo quanto é lugar. Quando chegou no quinto ano, não deu mais. É plantão, comecei a namorar, paquerinha com a Mônica que é minha esposa hoje. Então, assim, aí já namoro e mais plantão de quatro em quatro dias, de três em três dias, na faculdade, o cavalo sobrou. [risos] Não teve jeito. Ai vendeu, tchau. P/1 – Tinha que escolher, né, não dá [risos]. R – Acabou o clube, não teve jeito [risos]. Não teve jeito.P/2 - Quanto tempo do conhecimento com a Mônica até o casamento?R – Eu acho que foram, quer ver? Deixa eu... para não falar bobagem para vocês. Depois ela pega a fita, vai me dar um puxão de orelha. Nós casamos em maio de 1985, então eu tinha acabado de me formar. Já tinha garantido algum recurso ali, em maio. Nós ficamos noivos em novembro de 1984, então no sexto ano. Foi por aí mesmo. Foi um ano e meio mais ou menos antes da gente noivar. Então eu acho que nós namoramos um ano e meio, quase dois anos. Foi nessa época de quinto ano de plantão. Você sabe, ela estava no terceiro ano. É isso mesmo, ela estava no terceiro ano e eu estava no quinto da faculdade, que aí nós fizemos uma monitoria. Eu gostava muito de operar, né? Sempre. O que eu sinto falta hoje do meu trabalho, que dizer, hoje eu não exerço mais medicina pura, como a gente faz, se falar o que eu sinto falta é do campo cirúrgico. É uma coisa que eu gostava bastante de fazer. Então nós tínhamos uma cadeira na faculdade que era Técnica Cirúrgica. Ela era dada no terceiro ano. Era assim, o auge, era o máximo. Para nós... tinha gente que odiava, mas a maioria dos alunos gostava. O professor era o Hélio Pereira de Magalhães. Era um cara muito bom, um cirurgião cardíaco. E ele que organizou a cadeira. Então o que a gente fazia? A gente treinava uma porção de técnicas mas depois a gente tinha que operar... Porque tem faculdades que você opera cachorro, mata, opera um bicho. Lá você ganhava, era um grupo de quatro alunos, você ganhava um cão no primeiro semestre, em fevereiro, vira-lata, desses que iam ser mortos na carrocinha mesmo, tá? Então pegava: "Vem cá. Você vai servir à humanidade” Então pegava esse cãozinho, te dava esse cão. “Olha, esse cachorro é de vocês. Vocês têm..." eram quatro, cinco meses do primeiro semestre de atividade, mais quatro, cinco no segundo, “...Então vocês vão ter que fazer algumas cirurgias nesse cachorro e entregar ele vivo no final do semestre para a gente.” A gente não podia matar o cão. “Vou fazer uma cirurgia, tirar o estômago dele.” Você faz, dá o ponto de qualquer jeito e deixa morrer. Não. Então o campus da faculdade era um sarro, porque era todo o dia aluno da faculdade de Medicina passeando com cachorro pelo campus direto. Porque eles ficavam no biotério e então era sempre sexta-feira o dia da cirurgia. Eu adorava isso, era muito legal. Então você tinha que ir lá, o cachorro ficava em jejum, você ia no biotério, pegava o cãozinho. O nosso chamava Mortadelo, um cachorrinho do primeiro semestre que foi o máximo, que a gente ficou amigo dele. Então nós pegávamos o cachorro, anestesiávamos, esterilizávamos todo o material. Então a gente teve que comprar, tinha que gastar. Comprava material cirúrgico. Aí tinha lá duas cirurgias: tirava um pedacinho do intestino e tirava um rim. Depois costurava tudo direitinho. Vocês não vão vomitar não, né? P/1 e P/2 - [ Risos]. R – Tirava lá e anestesiava o cãozinho, pronto. Aí depois você tinha que fazer... no dia seguinte, sábado, domingo, sei lá, você tinha que ir lá levar comida para o cão, cuidar dele, trocar curativo, levava ele para passear na praça. “Ô, deu certo. Está vivo.” Aí de vez em quando morria um cachorro, o pessoal ficava desesperado. Perdia ponto, né? Valia nota. Depois, na outra sexta-feira, depois de 15 dias ou três semanas operava de novo o mesmo cão. E cada vez você ia tirando um negocinho dele. Coisas que não comprometessem a vida. E no final você podia ter a opção de ou sacrificar na última cirurgia, que era... a gente tinha que fazer um ferimento cardíaco, tal. Ou você sacrificava o cão ou você podia levar ele embora para algum lugar, tal. Na época nosso grupo optou por sacrificar. O cachorro já estava muito... a gente já tinha tirado muita coisa dele. Ele estava “inteirão” ainda, assim, por fora. Mas nós achamos melhor que era, né, era melhor, é o papel da ciência. É muito duro isso, é muito ruim mas acabamos fazendo. E como é que eu acabei conhecendo a Mônica? Então isso era em uma cadeira. Os alunos dos anos mais adiantados faziam monitoria para a gente. Eu fui monitor da técnica cirúrgica durante dois anos, o quarto e o quinto ano. E no quinto é que eu conheci a Mônica. Então nessa história de ajudar ela operar, vamos ajudar, fazer para cá, para lá, tal. Tinha ela e uma amiga dela e eu e um amigo meu. Nós casamos os dois, assim, na mesma, [risos] acabou formando um quarteto aí. E nós operávamos muito. Era vidrado. Teve vezes... Depois a gente começou a fazer cirurgias com esse professor, com o Hélio. Fazendo trabalhos em cães, operando cães, para simular cirurgia em seres humanos e desenvolver algumas técnicas de cateterismo que hoje estão super avançadas, né? Eu me lembro que a gente era tão fanático que teve um dia, uma copa do mundo, quando foi? Em 1984, né, que teve copa do mundo? Foi, foi no ano que a gente se formou.P/1 – Não lembro.R – Foi 1984, né? Então 1982? Será que foi? Eu sei lá. Um ano que teve uma copa do mundo, teve um jogo do Brasil no sábado à tarde, nós tínhamos um cronograma de cirurgias e caiu a cirurgia no dia do jogo do Brasil. Nós arrumamos o maior fuá lá na faculdade. Porque nós falamos: “Bom, tudo bem.” Não tinha, né? Ficava deserto, não tinha ninguém lá dentro. “Nós temos que operar.” Tinha dois cães para operar nesse dia. Conversamos com os funcionários lá, com o pessoal do biotério e falamos: “Olha, depois do jogo a gente vai vir aqui para operar.” Eu lembro, a gente falou, depois você para, fala: “Mas para quê? Você é doido. Deixa o jogo. Vamos assistir o jogo, então fica...” Mas não. Acabou o jogo de futebol, todo mundo na rua soltando rojão, andando de bandeira, a gente entrou no carro, para a faculdade, para operar. Tamanha era a vontade de fazer...P/1 – A disposição.R - ...a disposição de fazer as coisas, né?P/1- E você vai para a área cirúrgica na especialização, não?R – Eu fui com o meu pai. Na verdade o que eu fiz foi isso. Você ia também perguntar alguma coisa? Daí que eu digo, que conheci a Mônica. Foi operando, fazendo monitoria, ajudando-a a cuidar do cachorro dela, dando as dicas e não sei o que.P/2 – Está certo. R – E você perguntou da...?P/1 – Da especialização.R – ... Da especialização, sim. O que eu fiz na especialização? Estava muito em dúvida entre fazer cirurgia plástica ou cirurgia vascular na época. Eu gostava de operar. Então, por também... Você fala: “Ah, todo mundo tem a maior dificuldade.” Meu pai me ofereceu, ele era amigo dos dois grandes cirurgiões plásticos aqui de São Paulo, e me falou: “Antônio Carlos, você quer, vamos lá, a gente vai ver. É uma besteira, imagina, cirurgia plástica! É um horror.” Meu pai, né? Não gostava muito. “Você tem que fazer vascular. Você tem que fazer uma coisa mais de homem mesmo e tal.” [Risos] Então... “Mas se quer vai lá ver.” Então eu fui com esses dois cirurgiões plásticos, durante um bom período eu os acompanhei. Eu não sei como eu arrumava tempo para fazer isso tudo. Entrei em cirurgias com eles. Durante um período, eu não lembro quando foi isso daí, se foi no quarto ano. Acho que foi no quarto ano também. Acompanhava cirurgias de manhã, eu matava muita aula, da faculdade. Isso era um... apaga, desliga ai [risos]. Mas eu matava muita aula para fazer outras coisas, né, desse tipo. Eu punha a mão na massa. Então acompanhei esses cirurgiões plásticos, mas eu acabei não querendo fazer cirurgia plástica. Eu queria alguns resultados mais imediatos para a minha carreira, para o que eu queria fazer. Nós vamos chegar no ponto principal que é a parte da medicina preventiva, né? Uma coisa que era uma luz que estava piscando forte. E eu falei: “Não, então eu não vou fazer cirurgia plástica. Eu não vou ficar mais três anos, no mínimo, enfiado dentro de um hospital. Já ia passar dois. Ficar mais três anos, então, para depois fazer cirurgia plástica só, eu achava que isso era pouco.” Do ponto de vista financeiro eu podia estar muito melhor hoje, se eu tivesse seguido exatamente os conselhos do meu pai. Mas eu não ia estar satisfeito. Eu estou muito mais satisfeito agora. Porque como médico você tem a vocação, não é nem obrigação, você jura e tal, mas a tua vocação é de ajudar as pessoas. E eu, o que eu estou fazendo hoje, acho que dá para ajudar muito mais gente do que se eu estivesse operando, cuidando de um de cada vez. A gente ajuda muita gente. Voltar para a cirurgia, né?P/1 - Isso, você estava falando que visitou esses médicos.R – Então fui, participei um monte, eram dois bambas, né? Era o Juarez Avelar, ele é o Presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e o Roberto Farina, que também era um super professor da Paulista. Uns caras muito bem conceituados. Vi, mas eu falei: "Não, não é isso não." Cheguei a prestar residência para cirurgia plástica lá no Hospital do Servidor Estadual. Fiquei, foi o único exame de residência que eu prestei, fiquei em segundo lugar. Tinha também acho que duas vagas, fiquei em terceiro. Fui para ver como é que era só. Me testei. Quer dizer, se eu tivesse outros exames, se eu quisesse ir atrás eu conseguia. Não me apliquei em nada, não estudei para prestar exame de residência. Eu falei: “Vou fazer vascular mesmo.” Que eu tinha isso fácil. Existia um curso de preparação, um curso que era teórico e prático, a especialização, no Hospital São Camilo, com o Mário Degni. Era um professor muito famoso na época que também tinha trabalhado com meu pai, meu pai aprendeu com ele na verdade. Sabe onde é a pizzaria Veridiana? Vocês conhecem, vocês estão sempre nas baladas.P/1 e P/2 - [Risos]R – Vocês sabem onde é a Pizzaria Veridiana, não?P/1 – Não, não sei.R – Não? Na rua Dona Veridiana? É uma pizzaria que está super na moda agora. Então, na pizzaria era a clínica desse Mário Degni, um casarão super antigo. Vocês que gostam de história vale a pena ir lá ver, uma casa também de 1900 e pouquinho e tal. Então eu acabei fazendo cirurgia vascular mesmo, porque eu usava, praticava com meu pai e fiz esse curso teórico, que eram aulas toda sexta-feira à noite, durante dois anos.P/1 – Que era preparação.R – Que era preparação.P/1 - E aí a especialização você foi fazer aonde?R – Não, foi essa a minha especialização. P/1 - Foi lá. Ah, foi lá.R – Foi essa, eu tenho diploma, tudo bonitinho, regulamentado, certinho. E com a prática na clínica do meu pai. Só que a luzinha que piscava era essa. Quer dizer, eu achava que tinha muito conhecimento na área de saúde para ficar curando as pessoas. É uma coisa que é meio esquisita em um primeiro momento mas que é uma crítica que eu faço para as próprias faculdades de Medicina, para o sistema de saúde que a gente vive. Quer dizer, você forma o médico, dá um monte de conhecimento para ele, para ele depois curar uma desgraça que pode ser prevenida. Quer dizer, então, o que eu quis fazer é utilizar esse meu conhecimento para prevenir problema de saúde, para melhorar a qualidade de vida das pessoas. Eu nunca me conformei de você ver um monte de gente com problema de saúde, vamos focalizar bem isso, que podem ser prevenidos, que podem ser evitados. Então, aí é que eu falei: “Bom, vou fazer cirurgia vascular, vou ganhar um dinheiro, vou experimentar uma coisa que eu gosto.” Mas eu comecei a me encaminhar ou encaminhar a minha formação para essa área de prevenção, de Medicina Preventiva, tá? Esse foi um diferencial. Isso meu pai não gostava. Ele não gostava, mas ele nem... “Como é a outra especialidade mesmo que você está fazendo? Como é que chama aquele negócio seu lá?” Ele nem lembrava o nome, não queria nem lembrar. Então eu falava: “Medicina do Trabalho.” Ele: “É, esse treco aí mesmo.” Ele não gostava, ele não gostava. “Você tem que operar, imagina, você vai gastar seu tempo com isso?” P/2 - Você tem noção de onde vem esse lado da Medicina Preventiva?R – Você sabe que tem uma cena, é uma coisa, eu era muito moleque, que é um negócio que eu guardei e que foi uma pergunta que ficou para mim. É tão gozado, é coisa pequena, é coisa bem pequenininha. Eu lembro que foi no Largo do Cambuci, aqui em São Paulo. A gente andando no carro, tinha um carro do outro lado com a porta aberta. Sabe quando você “Ah, a porta está aberta, não fechou direito e tal.” Eu me lembro que esse dia foi um dia. Eu era moleque, eu devia ter dez anos, 12 anos no máximo, no máximo. E que eu vi isso, um carro andando com a porta aberta, e eu não lembro se eu estava com o meu pai ou com a minha mãe, com quem foi. E que eu falei: “Um médico devia cuidar disso. Porque se essa criança, a pessoa que está no outro carro cai na rua, vai se machucar, vai dar o maior trabalho”. Quer dizer, devia ser papel do médico, pensando no meu pai, em uma coisa ou outra e tal. Pô, avisa o cara que está com a porta aberta. E foi uma das coisas, eu lembro bem. Foi no Largo do Cambuci, a gente estava andando de carro lá, eu vi um carro desse com a porta aberta e não sei quem avisou, se não falou, o que falou. Eu falei: “Isso deveria ser o papel da gente.” E depois nunca mais. Quando eu fui ter aula de Medicina do Trabalho, que eu fui aprender prevenção de acidentes, não sei o que e tal. Aí que eu lembrei dessa historinha.P/1 - Sementinha.R – E ficou. Foi uma coisa que ficou. É gozado isso, é gozado. Então da onde que veio eu não sei, mas isso foi um “fatinho” que marcou.P/1 - E essa transição na Medicina do Trabalho, quando você começa atuar na Medicina do Trabalho, foi em que área, que áreas tinham para atuar?R – Foi assim: eu comecei a fazer Medicina do Trabalho antes de ser médico do trabalho, sempre fui meio ousado nesse ponto. Quando me formei, o meu grande objetivo, depois que saí da faculdade, estava me formando, era casar. Eu queria casar, ter minha independência. Que foi a época em que falei para vocês, eu tive tudo, falei: "Eu vou ter que me testar. Vai ser agora." Então me programei para casar. A minha opção de ir para o Exército, eu fui médico do Exército durante um ano. Foi uma experiência maravilhosa, acho que muita gente devia fazer isso. Todo mundo “desce o cacete” no Exército, “mete o pau” e tal. Eu não sirvo para ser militar de carreira, não dá certo mas a vivência que tive lá um ano serviu muito para mim. Sou contra o serviço militar obrigatório, não é essa a questão. Mas você trabalhar em uma instituição como é o Exército, ou Marinha ou Aeronáutica, um período, para você ver como é um lado da história, é muito bom. Assim como você deveria ter experiências em outras áreas também. Então eu fui para o Exército porque era o que melhor remunerava o médico recém-formado na época. Você trabalhava meio período, tinha um salário de oficial de Exército. Fui para lá para poder ter grana e casar. E trabalhava um período pequeno no hospital do Exército, então já estava lá fazendo clínica. À tarde com meu pai no consultório e à noite nos estudos. No Exército é que eu tomei contato com a especialidade Medicina do Trabalho. Tinha estudado na faculdade mas foi no Exército que eu vi a coisa surgindo na prática mesmo. Um dos médicos... só tinha médico praticamente no hospital, todos os oficiais, coronel, todo mundo era médico lá. Era divertido, porque era muito mais médico do que militar, não tinha jeito. Então os caras hasteavam a bandeira ao contrário, faziam um monte de coisa errada, era um sarro. Era um sarro. Dá para contar, escrever um livro só sobre esse ano que eu passei lá. P/1 - Tinham médicos também?R - Eram médicos. O que eu ia te falar? P/1 - Que tinha um médico ...R – Ah, um médico. Um deles é que nos chamou uma época: “Olha, tal, tem um banco que tem exame médico periódico para fazer. É uma oportunidade ótima para a gente ganhar dinheiro. Vamos lá, vamos fazer. Quem quer?” Aí ele juntou três ou quatro médicos novos, a gente era tenente lá e nós fomos para esse banco para fazer os exames. Ai eu vi... comecei a entender o que era. Eu falei: “Pô, esse negócio todo mundo tem que fazer? Tem um lei que obriga as empresas a fazer exame? Como é que é essa história?", tal. Ele falou: “É, tem.” Eu fui atrás, me informei e acabei montando uma empresa, estava no Exército ainda, uma empresa de prestação de serviço médico na área de Medicina do Trabalho. Eu, um cunhado que era médico do trabalho, esse aí também que tinha feito a especialização, estava fazendo, uma coisa assim e dois colegas do Exército. Então nós montamos uma empresa e saímos vendendo o serviço. Eu não tinha nem entrado para fazer o curso de Medicina do Trabalho. A gente estava se apoiando nesse cunhado que era médico do trabalho também. Era cirurgião vascular também, e médico do trabalho. Depois no ano seguinte, fui fazer especialização em Medicina do Trabalho. Era aula todo dia à noite na USP para fazer a especialização. E aí é que eu vi mesmo a coisa, falei: “Olha, é mais ou menos por aqui.” Quando eu terminei as duas especializações... eu fiquei dois anos e meio mais ou menos, foi em abril que eu saí de São Paulo. Eu tinha um trabalho fixo em empresa e estava no consultório com o meu pai, trabalhando com ele lá, e tinha a minha empresa. Então eu tinha um horário para trabalhar na empresa, ficava lá, tinha alguma atividade e ia para o consultório. Porque no consultório eu funcionava como assistente do meu pai. Eu tinha lá um agendamento pequeno, algumas poucas pacientes minhas e a maior parte era do meu pai. Então eu ajudava a ele. Não tinha meu espaço, era uma coisa mais restrita. E eu comecei a procurar, então, emprego em grandes companhias na área de Medicina do Trabalho. Eu falei: “Vou arrumar um lugar legal para me colocar para fazer isso que eu quero.” E surgiu um anúncio no Estadão para trabalhar na Perdigão, em Santa Catarina. Foi aí que eu mudei, que fiz a minha virada. A Mônica ainda estava... tem chão para a gente contar esta história, hein? Vai longe.P/1 – Tudo bem.R – A Mônica estava na faculdade ainda. Falei: “Eu vou mandar um currículo para lá.” Era para mudar para Santa Catarina. “Mas não vou nem a pau. Eu vou mandar um currículo só para ver como é que é, quanto os caras estão pagando, como é que é o negócio.” Eu estava começando a procurar. Um “anúnciozão” imenso no Estadão lá. “E vou mandar.” Mandei o currículo. P/1 – Não tinha a empresa, eles não falavam?R – Oi?P/1 – Mas não falava qual era...?R – Não, falava. Era a Perdigão. Eu já sabia, já sabia, era um anúncio aberto. Eu mandei meu currículo só para ver, não tinha mesmo realmente interesse. Eu estava aqui em São Paulo me colocando e queria, estava participando de processo de seleção na Petybon, em uma empresa ou outra, empresas grandes. Nessa aí eu achei que estava mais distante um pouco. Aí veio, depois de alguns dias, ligaram lá da Perdigão para nós, lá na empresa, na Prev Med, uma empresa de prestação de serviço médico. “Ah, Doutor Antônio Carlos, tal, recebemos o seu currículo, gostamos bastante.” Um monte de curso que eu tinha feito, porque trabalho mesmo tinha pouco. “O senhor não quer vir aqui conhecer a nossa empresa? Nós queremos, estamos te oferecendo um trabalho.” Eu falei: “É? Ah, que bom. E quanto é que é o salário?” Quando a pessoa do outro lado falou quanto eles estavam dispostos a pagar, era assim, quatro vezes mais do que eu ganhava somando tudo o que eu tinha naquele período. Eu falei: “Como?” “É tanto.” Eu não lembro quanto era, mas era muita grana. Eu falei: “Acho que dá para ir aí ver.” [risos] P/1 – [Risos]R – “Vamos conhecer o que tem para fazer.” Mas a Mônica estava aqui, ela estava terminando a faculdade ainda. A Mônica, ela não estava na minha classe, ela veio depois. Então eu fui para lá. Falei com a Mônica: “Olha, eu vou lá conhecer.” Eu não avisei ninguém da família, nenhum amigo, só eu e a Mônica. Eu vou para lá, vou ver como é que é esse negócio, é muita grana, é uma oportunidade e vamos lá ver. Aí eu fui. Eu saí daqui numa quinta-feira à noite, de ônibus, acho que eu nunca tinha feito uma viagem de ônibus assim, mais longa, desse tipo. Na Rodoviária do Tietê, comprei passagem, não sei o quê, e fui embora para lá. Quando eu cheguei lá me trataram, assim, com tapete vermelho. Me botaram em um hotel super bom que tinha na matriz, em Videira. Um gerente de RH [ Recursos Humanos] me botou no carro dele, me mostrou as fábricas, falou do salário, eu vi o lugar, super... uma maravilha. É no oeste de Santa Catarina, é um lugar, assim, que se o Brasil inteiro fosse aquilo nosso país hoje estava lá na frente. Não tem... a distância entre o rico e o pobre lá não é tão grande, tem muitos proprietários de terra, de porções pequenas de terra, trabalham em integração com as empresas. Então não tem muitos altos e baixos. Adorei. Falei: “Nossa senhora, e agora? Como é que eu faço?” Aí voltei para São Paulo, conversei com a Mônica, tal. Descobri que na cidade, em um raio de 200 quilômetros para um lado, 200 para o outro, não tinha cirurgião vascular. Não tinha quem fazia a minha outra especialidade lá. Eu ia trabalhar meio período. Ia trabalhar seis horas, com aquele salário que era quatro vezes o que eu tinha em São Paulo. E ainda ia poder fazer cirurgia vascular depois. Mas eu falei: “Mas eu não conheço ninguém, não conheço um cara para dizer: "Ah, aquele lá é amigo, já esteve aqui.” Ninguém, ninguém. Aí voltei para São Paulo, conversei com a Mônica, pensamos bastante. Aí nós tomamos a decisão sozinhos. Nós não falamos com nenhuma pessoa. “Vamos encarar?” “Vamos!” “Vamos mudar para lá, a gente vai para lá, assim que você acabar a faculdade você vai para lá também, a gente se muda.” E o meu compromisso foi voltar para São Paulo. Eu nunca tinha viajado de ônibus mas eu viajei para caramba. Foi de abril que eu comecei a trabalhar na Perdigão, até novembro, quando a Mônica se formou. Eu vim para São Paulo todos os fins de semana, de ônibus. Pegava ônibus à noite lá, e eu tinha que trabalhar na Perdigão sábado, um sábado sim, um sábado não. Então tinha finais de semana que eu saía sábado à noite lá, a cidade era Joaçaba, vinha para cá, chegava seis horas da manhã em São Paulo. Ficava, passava o domingo com a Mônica, ou com os amigos, com a família, tal, e depois voltava domingo à noite. Todo fim de semana, direto. Chegava lá segunda-feira cedo, me arrumava e ia trabalhar. Foi a única forma mesmo. Eu falei: “Senão acaba, né? Acaba casamento, acaba tudo. Ficar muito tempo longe é meio complicado.” E isso foi um diferencial porque foi o que me deu mais segurança, de falar "Bom, é o Antônio Carlos. Tinha um anúncio de jornal e só.” Quer dizer, não tinha nenhum amigo do meu pai, ninguém que me favoreceu, ninguém que me ajudou e eu consegui fazer um monte de coisas lá. Entrei nos hospitais da cidade, trabalhei. Se a gente for contar a história inteira vai longe. Mas assim fiz um relacionamento muito bom, eu tenho grandes amigos até hoje de lá. Fiquei dois anos e meio. Quando eu voltei para São Paulo, eu fiz uma carta, me despedi do pessoal, de todos os clientes. Eu montei uma clínica particular muito grande lá. Eu acabei retornando para lá para Santa Catarina, uma vez por mês. Aí eu fiz o contrário. Eu voltava para lá algumas vezes, voltei acho que umas seis, sete, oito vezes para operar na cidade. Porque quando o pessoal soube que eu ia embora, porque eu cobrava, tinha que cobrar, era o mercado, tudo certinho, eu cobrava para fazer cirurgias. E tinha gente que: “Ah, vou operar o mês que vem, o ano que vem.” Quando o pessoal soube que eu ia embora, aí que eu acabei de fazer a minha casa. Eu estava fazendo uma casa aqui em São Paulo. Eu trabalhei de montão, porque eu era o único especialista na região. Operava varizes, fazia todas essas cirurgias. E então muita gente veio, eu operei um monte de gente, mas ainda faltou. Aí um médico que era ginecologista, que era meu amigo, ele ficou incumbido de cuidar de uma agenda para mim, marcava as cirurgias para sexta-feira ou sábado. A gente operava, eu vinha embora para São Paulo e ele cuidava do pós-operatório. No outro mês eu voltava lá. Então eu fazia, atendia algumas consultas na sexta-feira, revia as pacientes que eu tinha operado antes. Operava no sábado. Eu ficava até na casa dele, depois fiquei num hotel uma vez. Operava no sábado, e no domingo eu vinha embora para São Paulo. Então fiz isso algumas vezes. E o que me deu mais orgulho foi numa dessas vezes, acho que as duas últimas, eu levei meu pai para operar comigo lá. Então nós trocamos. Então "Vem me ajudar". Porque tinha muita cirurgia, era muita coisa para fazer. E eu falei: "Então venha, que você me ajuda aqui."P/1 – E daí ele foi seu assistente?R – Ele foi meu assistente. [Fim da fita 1]P/2 - Então, Antônio Carlos, a gente estava falando sobre a sua experiência lá em Santa Catarina, você contou essa parte como médico vascular.R – Vascular.P – E aí eu queria que você contasse um pouquinho da experiência na Perdigão.R – Na Perdigão também. Então, foi excelente. Porque eu fui para lá para trabalhar na Perdigão. A parte de vascular foi uma oportunidade que apareceu e nós soubemos aproveitar. Já estou falando formalmente, já parece discurso. [risos].P/1 – Daqui a pouco você relaxa [risos] .R – Já estava, né? Então, a Perdigão é uma empresa muito grande. Na época em que eu fui para lá, a Perdigão tinha 10 mil empregados, ainda era uma empresa familiar, com o controle de uma única família. Mas ela era muito organizada, estava em uma fase de expansão grande, então eu tive um aprendizado imenso lá, tanto como médico do trabalho, como um clínico também. Eu pude exercer muito essa parte, porque a Perdigão não tinha convênio de assistência médica para os funcionários. Então eu fiquei numa fábrica com quase 3 mil funcionários numa unidade que girava 24 horas por dia. Eu entrei, logo eu assumi a coordenação do ambulatório médico da Perdigão. Lá trabalhavam dois médicos, eu e uma outra médica, e cinco enfermeiros. Enfermeira uma, quatro auxiliares de enfermagem. E eu acabei então aprendendo muito na Perdigão, usando o conhecimento que eu tinha na Medicina do Trabalho, o teórico, o prático na prestação de serviços para diversas empresas que a gente fazia. E deu muito certo, o trabalho lá deu muito certo, a gente fez muitas amizades. Os resultados para a empresa foram muito bons. A Perdigão tinha uma equipe legal de assistente social, de psicólogos, o RH era estruturado. Me surpreendeu demais encontrar no Oeste de Santa Catarina, um lugar no meio do mato mesmo, um lugar super... um ambiente bem rural, uma fábrica com o nível de tecnologia, com a qualidade das pessoas que a gente viu lá também. Era uma fábrica, essa especificamente onde eu atuei, eu atuei em duas fábricas, mas há mais tempo, a maior delas era um abatedouro de frangos que visava a exportação, para o Japão, para a Europa, para a Arábia, para o Oriente Médio. Então eles tinham um grau de sofisticação muito grande na produção. Eu fiz muitos amigos lá, aprendi muita coisa lá.P/1 – Você disse que as condições eram super favoráveis de trabalho, etc. Por que da transição? Eu queria que você contasse um pouquinho do retorno para São Paulo.R – Para São Paulo? Houve uma questão básica, fundamental, para que a gente tomasse a decisão de voltar para São Paulo, que foi a continuidade dos estudos da Mônica, da minha esposa, que ela, médica, recém-formada e não tinha feito especialização. Ela foi para lá para me acompanhar. Isso é uma coisa que eu tenho que ser sempre grato a ela pelo apoio que ela deu para eu poder fazer esse trabalho que eu fiz lá. E ela precisava voltar para estudar. Naquele tempo não existia internet, não tinha estudo à distância, não tinha nada disso tão fácil. E ela precisava fazer uma especialização, continuar estudando, tal. E lá não dava, não tinha condição. E a outra preocupação, também ligada à área de desenvolvimento da gente, é que as escolas da cidade, eram cidades pequenas, eu tinha muita preocupação com a formação escolar dos filhos. Que já estava chegando a hora da gente ter filhos. Então imaginávamos: "As crianças vão poder estudar aqui? Só tem escolas boas até o nível do ginásio, até completar o ensino fundamental. Mas e depois?" Os filhos das famílias melhores de lá acontecia exatamente isso, no colegial saíam com 13, 14 anos, iam estudar em Porto Alegre ou em Curitiba ou em Florianópolis. E eu tinha um laço muito forte com a família, eu falei: “Não, não vou querer exatamente isso". É mais adequado, combina mais com a gente se os filhos ficarem mais próximos um pouco mais de tempo. Tudo bem, sair, fazer um estágio no exterior, voltar. Ou ir para uma outra cidade seis meses, um ano, tal. Mas você cortar o seu laço familiar com 13 anos de idade e ir para a luta vai criar algumas dificuldades. Tem vantagens, mas não era o que a gente queria também não. Então nós tomamos a decisão de voltar para São Paulo, apesar de que tudo lá estava favorável. Do ponto de vista financeiro, eu nunca ganhei tanto dinheiro na minha vida como nós ganhamos nesse período, em dois anos e meio lá. O ambiente, o contato com as pessoas era muito legal. Eu tinha valorização como médico, então experimentei aquela sensação. Eu fui fazer Medicina imaginando a valorização, me espelhando em como meu pai era visto, como meu pai era reconhecido. E aqui em São Paulo não tinha mais esse espaço para mim. Então eu experimentei durante esses dois anos e meio lá no Sul essa valorização, aquele status do médico. Então a cidade inteira: "Olha lá..." O prefeito, o delegado, o juiz, o médico e o padre, eram esses os mais importantes da cidade. Então o pessoal valorizava muito a gente. Falei dos amigos, falei do respeito, da tranquilidade e tal mas a gente decidiu voltar. Porque, se eu ficasse mais um, dois, três anos lá, aí eu não saía de lá nunca mais. E a gente não ia estar dando esse depoimento aqui hoje. [risos] P/1 – [Risos]. R – Só se a Perdigão contratasse vocês.P/2 – E, voltando para São Paulo o que acontece? O seu ingresso no Aché?R – Isso. Exato. Então, assim, a tomada de decisão foi: “Vou voltar para São Paulo.” Eu e a Mônica. Do mesmo jeito que a gente decidiu sair, a gente já tinha se testado, esse foi um teste para mim. Quer dizer, sem conhecer ninguém eu me dei muito bem lá, ou seja, então eu não preciso da minha família, ou do meu pai, ou desse ou daquele para me abrir um caminho. Eu consigo por minha conta. Aí eu falei: “Agora vamos voltar para São Paulo. Já não preciso mais ficar preocupado com isso. Quer dizer, então se vierem oportunidades dos amigos, da família vamos aproveitar. Que eu não vou ficar pensando 'Ah, eu sou um coitado e só sobrevivo às custas dos outros" Isso foi muito importante para mim. Então decidimos voltar. Nessa questão de decidir voltar nós, então, planejamos aí três coisas. A primeira: "Vamos arrumar um bebê." Então a Mônica engravidou lá em Santa Catarina mesmo, nós começamos a construir uma casa aqui em Valinhos, na cidade de Valinhos, em São Paulo. Não queríamos morar aqui na cidade. A gente já ia ficar pertinho da família, tudo bem, mas em um local melhor. E vamos arrumar um trabalho aqui em São Paulo. E a Mônica, então, ia buscar a especialização dela também. Mas depois, porque a Mônica ia ter bebê, a gente combinou, ela ia ficar um pouquinho mesmo com a criança em casa. E então viemos para cá. Nessa tomada de decisão, constrói a casa, vou vendo. Vocês lembram que eu falei que eu tinha uma empresa de prestação de serviço médico. Essa empresa ficou aberta, ela ficou com um sócio meu. Então ficou eu e ele só na empresa. Ele manteve a empresa. Então quando eu voltei a empresa já estava aberta, já tinha uma carteira de clientes, então a gente já tinha uma atividade para fazer. Viemos para cá, então fizemos a mudança. Algumas semanas antes da mudança é que meu pai me informou: “Ah, Antônio Carlos, você não quer trabalhar no Aché? Tem um espaço lá. O médico do Aché saiu, o médico que ficou anos lá. Você entra lá, faz um biquinho, eu já conversei com o pessoal lá”. Meu pai tem uma relação, tinha, ele faleceu, tinha uma relação com os acionistas do Aché. Então: “Olha, tem uma vaga lá para médico do trabalho. Você quer ir lá?” "Está bom." Eu falei: "Eu vou, é lógico". Eu precisava de um fixo para me pagar as contas fixas. Pagar água, luz e gás, essas coisas assim. Então eu vou para lá. Eu vim para São Paulo, me mudei. No primeiro dia que eu cheguei, segundo, depois, sei lá, eu fui até o Aché, conversei com as pessoas e falaram: “Tudo bem, Antônio Carlos, a vaga é sua”. Não preenchi ficha, não mandei currículo, não precisou fazer nada disso. Médico do trabalho? Eu sou médico do trabalho. "Então vem aqui. O Doutor Juvenal saiu, então entra aqui no lugar dele." Eu falei: "Ótimo. Então qual é a carga horária? Como é que é o negócio?" "Então você vem aqui...", era um bico, não era um trabalho, "segunda, terça e quinta das duas às cinco da tarde. Então esse é o espaço. Tem aqui tua sala, tua mesa, você trabalha." Legal, joia. "Ótimo." Então "Vamos lá, vamos fazer medicina do trabalho no Aché." Então foi essa a virada. Aí eu comecei nesse período, então, morando na cidade de Valinhos, com bebezinho pequenininho. A Mônica ficou lá em Valinhos, ela ficou um ano na casa com a Juliana, cuidando dela. Muito legal. A Juliana não ficou doente nenhuma vez, ela ficou uma vez com uma “otitezinha” só, um ano inteiro sem tomar antibiótico, sem nada, uma maravilha. Por causa do ar, de toda a atenção que ela teve. E eu saía de Valinhos todo dia de manhã, vinha para São Paulo, trabalhava na prestação de serviço médico com algumas empresas que a gente já tinha. E nesses três dias que eu falei, segunda, terça e quinta, eu ia para o Aché à tarde. Durante um período, então, na quinta à noite ou na sexta, saía para ir para Santa Catarina. Lembra que a gente falou? Atendia lá no fim de semana, voltava para segunda-feira estar no Aché.P/2 – Essa sua entrada foi em que ano?R – Foi em 1989. Foi em junho, o dia certinho a gente pode ver. Acho que 21 ou 25 de junho de 1989.P/1 - Então, Antônio Carlos, eu gostaria na verdade de entrar em cada uma das suas funções lá dentro do Aché. Mas eu acho que eu vou na verdade pedir para você fazer um pouco o histórico dessa evolução e a gente vai pontuando os casos específicos. Então você entrando no ambulatório...R – No ambulatório, como médico do trabalho.[Pausa]P – ... Então, Antônio Carlos, eu gostaria que você traçasse um pouco o desenvolvimento da sua trajetória no Aché, desse um “históricozinho” e apontasse quais as particularidades de cada uma das funções que você ocupou, e quais foram, enfim, as atribuições específicas no desenvolvimento do seu trabalho particular lá dentro.R – Tá. Bom, são 13 anos, quase 13 anos, 12 anos e meio, quase 13 anos de atividade dentro do Aché. Eu vou tentar resumir um pouquinho porque tem muita coisa. E o Aché é uma empresa que ela foi me encantando, eu fui gostando cada vez mais. Quando eu entrei no Aché eu levei um certo choque, mas com o passar do tempo eu fui vendo como é que era essa empresa e aquele trabalho que era um bico na verdade acabou sendo a coisa mais importante na área profissional para mim, até hoje. Quando eu entrei no Aché, eu entrei para ser médico do trabalho. Mas de fato eu entrei substituindo um médico que era muito querido pela comunidade lá do Aché, que era um ginecologista. Então eu me lembro bem, no primeiro dia quando cheguei no ambulatório, fui apresentado pelo pessoal de RH, o Osmar, para as duas enfermeiras que ali trabalhavam. E uma das primeiras perguntas que veio da enfermeira, da Vera, foi: “Aí, doutor e qual é o número da sua luva?” Eu falei: “Vera, por quê luva?" Luva de borracha. Ela falou: “Ah, o senhor não vai fazer toque, não vai... para examinar as pacientes?” Eu falei: “Não, Vera, não é. Eu vim fazer medicina do trabalho. Eu não vou precisar fazer exame ginecológico em ninguém.” “Ah, não? Porque o doutor Juvenal fazia. Nossa, o pessoal gostava tanto. Eu achei que o senhor fosse também ginecologista, alguma coisa assim." Eu falei: “Não, a ginecologia nós vamos encaminhar para um ginecologista fora. Aqui eu vou fazer Medicina do Trabalho." Então nessa hora eu vi o desafio que eu ia ter ali. Uma pergunta inocente, despretensiosa mas não havia espaço dentro do Aché para exercer Medicina do Trabalho. A vaga existia por força de lei, precisa ter um médico do trabalho. Precisa ser alguém para entrar aqui. Então nós tivemos que aos pouquinhos informando a empresa. Informando a empresa quem era? A própria equipe de trabalho, os gerentes da área, o meu chefe. O que era fazer Medicina do Trabalho e que vantagens a empresa poderia ter, quais eram as vantagens em fazer Medicina do Trabalho mesmo. Vantagens no longo prazo, não no curto. Você ter empregados, colaboradores, que trabalham com satisfação, com um bom nível de saúde, sem se acidentar, cumprindo as tarefas de forma harmônica é muito melhor do que você ter uma equipe se machucando, faltando, doente, sem saber direito o que tem que fazer e complicando a vida da empresa. Então eu tive que vender o peixe da Medicina do Trabalho dentro do Aché. E eu também levei um outro susto, que foi a comparação que eu fazia, inevitável, entre a Perdigão, que era de onde eu estava saindo e o Aché, onde eu estava entrando. Eu imaginei que eu ia encontrar no Aché um nível de sofisticação administrativo e de recursos humanos muito maior do que o que eu tinha na Perdigão. Porque a empresa, o Aché era super moderno, bonito, já era na época um negócio muito arrojado, a arquitetura toda da empresa. Eu falei: “Nossa, uma empresa aqui em São Paulo, na beirada da Dutra, com tudo isso aqui tem que ter uma modernidade muito maior do que uma empresa no meio do mato lá em Santa Catarina”. E foi um choque, porque na verdade não. Na Perdigão, como técnicas de Recursos Humanos, processos, produtos, em administração de recursos humanos e tal, ela estava muito à frente do Aché. Muito, mas muito à frente. Em saúde, segurança, medicina do trabalho, meio-ambiente, tudo. E no Aché não tinha nada disso. Eu falei: “Então é agora a hora da gente conseguir mostrar que isso é importante para o Aché e criar um espaço”. E o mais legal de tudo é que foi que a gente conseguiu. Nós conseguimos mostrar para a empresa que isso era importante. Não foi fácil porque eu troquei de chefe diversas vezes nesse período todo no Aché. Então quando o meu chefe sabia direitinho o que é que era para fazer, como era o meu trabalho, qual era a importância de autorizar uma coisa ou outra, acabava trocando o chefe. Aí eu tinha que começar quase que tudo de novo, passando as informações para a diretoria a respeito do dia-a-dia do trabalho. Mas nós caminhamos. Nós então passamos a estruturar um pouco melhor o ambulatório médico. Eu, em algumas vezes no Aché, eu utilizava, isso na vida a gente tem que fazer isso, pegar o limão e fazer a limonada, então houve uma época em que o ambulatório foi literalmente despejado do local. “Olha vocês vão ter que sair daqui porque a fábrica vai ter que crescer. Vocês estão em uma área importante, nós vamos colocar máquina de produção aqui. E o ambulatório sai.” Eu falei: “E agora? Bom, nós vamos ter que sair. Porque brigar contra faturamento é loucura, né? Não tem jeito. Contra produção? Então nós vamos sair.” Mas essa de sair a gente já aproveitava, né? "Bom, já que tem que sair, então vamos sair para um lugar melhor, mais adequado, maior, mais apropriado para um serviço médico”. Então nós começamos, fizemos uma mudança, aí o ambulatório cresceu nessa mudança. Nós montamos um gabinete odontológico, montamos fisioterapia, isso tudo com um apoio muito grande do senhor Victor, né? Ele nunca disse "Não, olha, não faça porque é bobagem ”. É difícil. Quer dizer, se a gente levava para ele... nessa época especificamente da mudança eu me reportava a ele. Eu falei que houveram muitas transições e em algumas delas me reportei direto ao senhor Victor. E ele é um homem de decisão muito rápida e a maior parte das vezes acertada, senão a empresa não estaria como está, desse tamanho. Então ele falou: “Antônio Carlos, vai, monta, faz. Faz o melhor. A gente tem que seguir a lei mesmo, a gente tem que fazer o que é melhor para os funcionários”. Ele também estava criando uma área de recursos humanos dentro do Aché, em paralelo. Então o ambulatório era muito valorizado. E quando esse ambulatório novo ficou pronto, e eu cuidava do ambulatório, com área de fisioterapia, de “fono”, “odonto”, “gineco”, clínica e medicina do trabalho, eram essas as áreas... Já é um segundo momento então. Não é o momento que eu entrei, já foi uma primeira ampliação. Eu tinha muito orgulho, tinha uma equipe do ambulatório muito legal, e tinha muito orgulho porque todos os visitantes que o senhor Victor recebia na empresa, então gente do Brasil e de fora do Brasil, ele não levava o pessoal para conhecer a fábrica. Isso me deixava muito orgulhoso. Ele trazia o pessoal para conhecer o ambulatório. Isso é fato. Então chegava lá estrangeiro, gente que ele conhecia de montão, pesquisadores, cientistas, ele levava ao Aché, almoçava com ele, tomava lanche, tomava café, faziam as reuniões, faziam os acertos. E o que ele levava para conhecer era o ambulatório. “Ah, venha conhecer o ambulatório.” Eu ficava todo cheio, orgulhoso, mostrava. Porque realmente era um lugar muito bacana para trabalhar, era um motivo de orgulho para o Aché. E aí foi. O ambulatório foi muito bem.P/1 – Só uma dúvida: fisicamente eles ficavam localizados onde, esse primeiro e segundo ambulatório?R – Tá. O prédio, o Aché... o primeiro ambulatório está dentro da... ele ficava no térreo da fábrica, bem dentro da fábrica, eu acredito que ali é Aché 1 mesmo. Tem o Aché 1, o Aché 2, eu acho que é dentro de onde era o Aché 1, ao lado do setor de pomadas. Ao lado do setor de pomadas, ali era o ambulatório quando eu entrei. Houve uma época em que o ambulatório era menorzinho ainda, que ficava mais próximo da portaria. Ele era bem pequeno, tinha só a enfermeira que atendia algumas coisas. Então quando eu entrei ele já estava melhor estruturado e ficava perto do setor de pomadas. Depois ele saiu, foi para debaixo do controle de qualidade. É onde ele está até hoje. Ele está nesta área. Ele já sofreu algumas reformas, mas é ali que ele está.P/1 – Ok.R – Está bom? Então eu me lembro que teve uma época também que teve outra reestruturação. Aí é um terceiro momento, né? Então eu entrei como médico do trabalho, assumi uma coordenação no ambulatório, nessa mudança eu acabei assumindo uma gerência de ambulatório médico. Cargos e salários no Aché era meio “embaralhadinho”, mas era uma gerência de ambulatório. Assumi essa área. Depois houve uma reestruturação na área de recursos humanos. Tinha muitos gerentes, era um gerente para cada uma das pequenas áreas, se definiu que iam ficar só três gerentes. E eu fui escolhido então para ser um deles. Nesse período o que estava acontecendo? Eu estava aumentando minha carga horária, pulei um pouquinho essa parte. Vocês lembram que eu falei que eu ia três vezes por semana três horas. Depois eu passei a ir todos os dias três horas. E tinha outras atividades. Era duro manter essa agenda. Depois eu passei a ir todos os dias seis horas. Nesse período é que eu comecei a me apaixonar mais pelo Aché e tal. O começo foi duro, porque eu passei a ir as seis horas, porque havia necessidade de serviço, mas eu tinha um monte de outras coisa fora que fazia na área de Medicina do Trabalho, eu continuava indo na clínica do meu pai. Então era duro, a agenda era pesada. Já estava morando em São Paulo nessa época também. Lembra que eu falei que morei em Valinhos? Eu fiquei um ano só lá. Não aguentei ficar longe. Enfim, tinha que vir de Valinhos para Guarulhos e ainda tinha outros trabalhos que eu rodava. Acabei voltando para São Paulo, engolir fumaça mesmo, não tem jeito [risos]. A terceira fase foi essa, então, dessa reestruturação. Estava lá já nesse ambulatório novo trabalhando seis horas. Mudou o RH, iam ficar três gerentes. Eu, no final das contas, fui escolhido para ser um desses gerentes. Então foi o momento em que eu fui convidado. Não sei se teve a ver, o ambulatório funcionava muito bem. Realmente ele estava redondinho. Houve uma inspeção da Vigilância Sanitária. Eles, os fiscais, auditores, elogiaram muito o ambulatório. Acho que isso contou ponto para mim, os relatórios deles. Então, nessa reestruturação de recursos humanos, fui convidado pelo seu Tavares, foi a pessoa que ficou mais tempo com a gente na área de recursos humanos, com quem a gente pôde mais aprender, um ser humano excepcional. Então ele me fez uma proposta, acho que numa sexta-feira à tarde, uma coisa assim. "Antônio Carlos nós queremos então te dar uma promoção. Passar outras áreas para você cuidar. Você tem dado conta, então queremos te passar a área de benefícios, uma gerência de benefícios. Você topa ou não? Como é que é?" Falei: “Bom, como é que é? Que mais? Quais são as condições?” Ele falou: “Olha, você tem um salário hoje alto como médico, que é um salário que está equivalente ao salário dos gerentes do Aché, então a gente só te passaria o cargo de gerente. Você manteria o salário.” “Está bom.” “Mas só que você tem de vir o dia inteiro.” Eu falei: “Opa, espera aí. Aí está demais da conta. Alguma coisa está dando errado.” Mas eu aceitei na hora. Eu aceitei na hora. Eu não tinha opção. Foi um dos momentos, assim, difíceis, de certa forma. Porque eu falei: “Bom, eu vou ter que vir aqui o dia inteiro, eu vou prejudicar o meu trabalho fora”. Eu tinha coisas. Eu sempre privilegiei o trabalho no Aché mas eu sempre tive negócios fora da empresa. Eu falei: “Vai prejudicar o que eu tenho fora mas eu vou aceitar o desafio. Eu vou aceitar e vou ficar aqui”. Porque sabia que assim, como eu te falei, às vezes um confronto direto nunca é bom. E as apostas que a gente pode fazer no longo prazo, elas normalmente, quando você sabe jogar um xadrezinho, elas dão certo, tá? Então querer ganhar tudo no curto prazo, que foi o que eu fiz logo que eu me formei... Logo que eu me formei eu quis ganhar tudo no curto prazo. E acabou dando alguma coisa errada. Vai para Santa Catarina, volta, não é bem isso, vai para cá. Foram experiências boas, mas muita movimentação, isso te causa um certo estresse. Então dessa época eu comecei a fazer apostas mais no longo prazo, pensar um pouco mais lá na frente. Então eu falei: “Está me oferecendo uma gerência dentro do Aché. É o que eu quero, é o que eu gosto.” Eu tinha me preparado para já administrar o ambulatório, tinha feito alguns cursos que paguei do meu bolso, para justamente poder crescer. O Aché nessa época investia muito pouco em treinamento. Então os cursos eu paguei. Meus pais continuaram me ajudando em formação. Então o que era curso fora, fiz cursos em Belo Horizonte, então tive que pagar passagem de avião, voltar para aprender. E acabei aceitando essa proposta, então, na nova fase. Então eu assumi nessa ocasião a gerência de benefícios, fiquei com o ambulatório, com o serviço social, com o restaurante, segurança do trabalho e a própria administração de benefícios. Então veio a assistência médica, seguro de veículos, seguro de vida. Veio um pacotão lá de coisas para eu cuidar. E nós começamos a organizar a área. Eu nunca me conformei, sempre com a questão preventiva. Quer dizer, não vamos deixar o problema estourar para depois resolver. Vamos cuidar dele antes. Com a mesma filosofia. Uma outra filosofia de trabalho que eu aprendi com meu pai, isso hoje na empresa está nos manuais, é norma, meu pai nunca entrou em uma cirurgia, isso ele me ensinava: “Antônio Carlos, você vai operar alguém, entre sempre com um outro médico, pode ser a cirurgia mais simples que for, que possa terminar o trabalho que você começou. Porque a hora que você está com o doente anestesiado na mesa e só está você e um estudante de medicina do outro lado e te der uma dor de barriga, você passa mal, você tem um treco, você tem que sair da cirurgia, você tem que largar no meio. É difícil acontecer mas se acontecer, quer dizer, o que você vai fazer? Você vai deixar quem para costurar a barriga do doente e terminar a cirurgia? Então você vai fazer um trabalho, você vá sempre com alguém que possa continuar aquilo que você parou”. Então com esse aprendizado dele eu usei isso muito na atividade. Então eu nunca tive medo de ter sombra no Aché. Um dos grandes problemas de administração de pessoas nas empresas, isso vale, pode valer para o Museu da Pessoa, para qualquer empresa, você vê alguém que está crescendo muito, você quer segurar. O contrário, eu sempre quis e quero ter gente boa trabalhando comigo porque quanto mais gente boa você tem ao seu redor, embaixo de você, em cima de você, mais você cresce, mais a equipe vai. Isso eu aprendi muito com o meu pai. E eu fazia isso. Então eu organizei a área, criei oportunidades para outras pessoas e fui indo bem. Comecei a dar aula à noite e finais de semana também, em cursos de formação de médicos do trabalho. Nessa época eu ainda era médico do trabalho. Usava roupa branca ou avental branco, comecei a botar gravata, avental, ficava todo chique. E a minha sala era dentro do ambulatório médico, né? Então tem coisas gozadas, do tipo, assim, vamos negociar com o fornecedor do restaurante alguma coisa que precisava, um contrato, uma proposta, ou seguro, uma pessoa oferecer seguro de veículos, ou tinha que renegociar o seguro. Aí a pessoa entrava na portaria, vinha lá com o office-boy: "Você vai falar com o doutor Antônio Carlos." "Está bom." De repente o cara chegava no ambulatório e entrava dentro do consultório médico, né? Minha sala, eu nunca quis abandonar as coisas médicas nessa fase. Então eu já era um administrador de benefícios, mas eu ainda estava de branco, a minha sala tinha um aparelho de pressão em cima da mesa. Tinha calculadora, tinha todas essas coisas. Muito papel, relatório, mas tinha um aparelho de pressão, tinha a maca atrás na sala para eu examinar. De vez em quando eu ainda examinava alguém. E aí então chegava os caras de seguro ou de restaurante, ou disso e daquilo e tal. “Doutor Antônio Carlos? Não, mas acho que não é aqui. Não é você. Acho que me trouxeram para o lugar errado.” Eu falava: “Não, senta aqui, que eu também se quiser eu meço tua pressão aí e está tudo certo”. Então a gente fazia um trabalho que era uma parte de médico e uma parte de administrador. Ainda de médico e uma parte de administrador. Isso era gozado. Aconteceu algumas vezes.P/1 - Eu queria fazer só um parêntese nessa parte para depois a gente continuar. R – Vamos, lá. P/1 - Quais os aspectos mais pontuais dentro dessa gerência de benefícios que você pôde implementar e desenvolver? Não sei, essa questão das gestantes, enfim, tem um leque grande de coisas. Eu queria que você escolhesse, enfim, alguns que foram para você mais significativos.R – Olha, nessa época que a gente estava no ambulatório, foi por sugestão da Vera, uma das coisas que foram muito importantes foi, assim, são coisas simples, mas bem pontuais... E foi sugestão da Vera: a mudança do horário do café da manhã no Aché. Antigamente no Aché todo mundo chegava, ia para o trabalho e às nove e pouquinho parava todo mundo para tomar café da manhã, tomar um café. Depois voltava para atividade. E a Vera, então, a Vera, ela é muito inteligente e tudo, então ela viu que tinha muita gente que passava mal quando chegava no Aché, entre sete e nove horas da manhã, desmaiava, tinha problemas, se acidentava e tal, em função de estar em jejum. Quer dizer, gente que só almoçava no Aché e depois ia embora, não comia mais nada. Então nós tínhamos um índice de problemas, acidentes, muito alto, logo entre sete e nove da manhã, que era o horário da chegada porque a turma chegava em jejum e passava mal. Então isso foi sugestão da Vera. Foi dentro da nossa área no período em que nós estávamos lá mas a gente já percebeu, sugeriu e foi mudado o horário de café da manhã da empresa. Ou seja, todo mundo hoje, até hoje é assim, chega na companhia, todo mundo vai para o restaurante, toma café e depois vai trabalhar. Quer dizer, o número de acidentes no período da manhã abaixou demais só por causa disso. Nós tivemos o trabalho com as gestantes que você falou. Eu preciso lembrar das coisas mais pontuais. Já faz tempo isso, né? Mas o trabalho com as gestantes é o seguinte, também: como médico vinha muita queixa, muita coisa de gestantes que precisavam sair de manhã para ir ao banheiro mais vezes ou que tinham fome. Porque às vezes entrava às sete e meia da manhã, tomava café e ia almoçar só meio-dia e meia, meio-dia. E naquele “periodozinho” da manhã ficava com fome. Tinha muita atividade, trabalhava. E não pode sair, não vai. Aí você dava uma cartinha para autorizar para uma sair porque tinha que fazer uma dieta especial. Aí não dava para outra. Criava um “tumultozinho” assim. Então nós conseguimos convencer a direção da empresa a montar, primeiro, um lanche para essas gestantes, a dar um tratamento diferenciado para elas. Então às nove horas da manhã tem um café da manhã para todas as grávidas, nove, nove e meia. Então elas entram de manhã cedo, sete e meia, sete horas, tomam café, vão para o trabalho, nove e meia para todo mundo, nove horas, acho que é esse o horário, para todo mundo, as gestantes, e elas vão para o restaurante. É super bonitinho. Não sei se vocês já viram lá, estando no Aché?P/1 - Não.R – Quando vocês estiverem por lá desce no refeitório às nove horas, tá? Você vê todas as barrigudinhas, elas vêm de todos os cantos da empresa, descem...P/1 – [Risos].R – É pontual, né? Elas vão para o restaurante, tomam um lanchinho, comem uma fruta, tomam um leite, um suco de laranja, tal, depois elas voltam para o trabalho.P/1 - Faz um “tricozinho” ali [Risos]R – Conversam. Isso é muito legal. São 15 minutos. Você fala: "O que isso perde de produtividade?" Não é nada. Ao contrário, você está ganhando. Ela faz o intervalo, ela conversa com as amigas e vai. E depois outra coisa foi o próprio trabalho que a gente chama de grupo de gestantes que é uma vez por mês. São seis módulos que eles vão se repetindo, eles fazem um looping. Vocês na área de cinema e televisão falam muito: faz um looping. Então você tem seis treinamentos que são montados uma vez por mês, que a gestante faz. Engravidou? Ela entra no grupo. Então ela vai assistir as alterações do corpo, o que acontece, a parte de sexualidade, a parte de cuidados com o bebê, a parte dos direitos trabalhistas, o que ela pode fazer de ginástica ou não. Aí vem uma porção de itens. Dentista, cuidados, o que ela tem que fazer. Os próprios profissionais da empresa, que tem na equipe, montaram os pacotinhos de treinamento e eles são passados para as gestantes uma vez por mês. Então esse foi um dos trabalhos que a gente fez.P/1 – CDI [Centro de Desenvolvimento Infantil] foi?R – Que mais? Cesta básica, CDI, tem... Cesta básica não tinha no Aché na época. Era um benefício que muitas empresas grandes tinham, lá no Aché não tinha. Todo mundo falava, não sei o quê. Bom, ninguém conseguiu vender, cesta básica foi uma coisa que a gente implantou lá. A cesta básica, então, o que eu consegui? Fazer uma composição para jogar uma parte do custo da cesta básica para o próprio funcionário. Então o Aché não paga tudo. E uma outra parte do custo colocar nas verbas do FAT, o Fundo de alimentação... o Programa, o PAT, Programa de Alimentação do Trabalhador, que é incentivado pelo governo que o pessoal não tinha pensado nisso antes. Então, quer dizer, quando você falava cesta básica, cesta básica custa 30 reais, você vai dar para mil funcionários, vai custar 30 mil para o Aché por mês. "É muita grana." Aí você fala: "Não. Custa 30. Mas o empregado, se você fizer um pool aí, uns pagam mais, outros pagam menos, tal, eles já vão pagar aí, sei lá, 6, 7 mil. Põe uma parte no PAT, no Programa de Alimentação do Trabalhador, daí você tira mais 5 ou 6 mil e faz uma composição. Uma parte você entra como uma despesa operacional, no fim você vai ver: quanto que o Aché vai ter que pôr a mão no bolso? 10 mil? Então, pô, então faz." Aí nós conseguimos implantar. Essa é uma “filosofiazinha” que eu aprendi na faculdade, eu falava para os meus amigos na faculdade, se você pega um pouquinho de cada coisa no fim dá certo. Quando tinha prova na faculdade de Medicina todo mundo ficava igual doido para estudar. Eles ficavam com raiva de mim até porque eu não estudava muito, não precisava. Porque eu falava assim: “Eu estou na aula, eu já aprendi um pouquinho na aula.” Eu falava bem assim. Meus amigos até hoje falam. “Um pouquinho você já sabe. É coisa de bom-senso. Um pouquinho você aprendeu na aula, um pouquinho você leu, conversou com algum amigo, tal, você pode colar um pouquinho também, na hora da correção o professor também te ajuda um pouco [risos]. Ele está vendo: 'Não é bem isso, mas está bom', e bastante Deus te ajuda também, você vai e faz a prova e vai dar tudo certo.” Então eu lembro, tinha amigos que às vezes varavam a noite estudando, eu não estudava e chegava na prova e dava certo. Eles falavam: “Como é que você foi bem?” Aí eu falava isso, eles ficavam bravos comigo. Mas isso funciona na prática. Funciona. Quer dizer, quando você tem uma luzinha aí, você junta um pouco de recurso de cada lado e você consegue fazer a coisa dar certo. Esse exemplo da cesta básica foi bem isso. “Ah, não, não pode. É caro, é caro.” “Espera aí. Mas o Aché não vai pagar tudo. Pega um pouco daqui, um pouco daqui, um pouco dali você faz.” E foi muito legal, foi uma coisa que impactou na época. Hoje tem obrigação da empresa, tem ticket, tem vale, tem benefícios variáveis, que é muito mais chique e melhor. Que é o próximo desafio aí, implantar benefício variável que não tem no Aché. CDI também foi muito legal. CDI foi um grupo de trabalho, esse é outro.P/1 – CDI estava vinculado também à Gerência de Benefícios? Foi um projeto...R - Estava, estava, isso. Veio com o serviço social. O que a gente tinha que fazer também? Por força de lei... tem muita regulamentação em recursos humanos, em benefícios, a empresa que tem um número x de mulheres tem que colocar essas mulheres, tem que ter um local adequado para a guarda dos filhos, até 18 meses de vida, tal. Então havia um convênio do Aché com uma creche, um número de mães lá, tal. A ideia de fazer o CDI, ela surgiu de um grupo, eu acredito que o seu Victor mesmo que tenha dado os principais inputs. Nessa época eu estava um pouco mais afastado dessa questão especificamente, a gente estava gerenciando o convênio lá, houve uma outra reestruturação em RH. Então teve um grupo que estava mais próximo do seu Victor que começou a trabalhar essa questão. “Ah, temos que fazer...” Área de serviços. “Vamos fazer uma creche aqui dentro, assim, assado.” E se começou. Eu participei do grupo, então não fui o grande fomentador da entrada do CDI até um determinado momento. Só que esse projeto ficou como projeto um bom tempo, eu participei de algumas visitas. Então foi estruturado um grupo para ver o que tinha de melhor do ponto de vista de creches nas fábricas. Aí o pessoal foi ver creche do Einstein, da Natura, desse, daquele lá. Aí eu fui para algumas, eu fui ver a da Pfizer, fui ver a da Furpe [Fundação do Remédio Popular] , lá perto do Aché. Visitamos algumas e aí nós bolamos um plano. Rui Ohtake fez o projeto da creche. Fizemos um estudo, aí sim, já pelo serviço social. Aí veio para a nossa mão integralmente, do tamanho, de quantas crianças, quantas mães, como é que ia ser a comunicação, tal. E aí fizemos a implantação. A obra foi super complicada, o cronograma da obra foi complicado. Mas em um determinado momento a gente... eu mesmo entrei para cuidar e a gente fez a coisa chegar nas datas certas. Eu usei aquela estratégia de político, meti uma placa na frente: "Faltam tantos dias para a inauguração." Marquei o dia da inauguração e falei: “Se vira. Vocês vão ter que fazer isso aqui dar.” E aí o pessoal... Era uma empresa terceirizada que estava cuidando da obra, estava muito ruim. E o pessoal acabou se virando e eu ia abaixando a placa. "Vai ter a festa." E mandei fazer convite, mandei entregar. Falei: “Vai ficar mal para vocês se não ficar pronto.” E o pessoal acabou dando um jeito lá e fez a obra. A gente inaugurou. Foi muito legal, foi um marco também. Aí o que aconteceu quando veio, o CDI ficou pronto, aquela criançada bacana? Aí vinha os visitantes do seu Victor, aí ele não levava mais no ambulatório, aí levava no CDI. Eu falava: “Para mim está bom porque eu estou cuidando dos dois”. Aí o pessoal do ambulatório é que ficou triste: “Pô, o seu Victor não vem mais aqui.” Eu falei: “Lá está mais bonito. Paciência. Perderam a vez, né?” [risos]. Então, aí seu Victor levava todo mundo. E até hoje o CDI é um ponto importante para levar as pessoas que vêm visitar o Aché para conhecer. Porque ele é único. Ele tem... não é só bonito, não é só o cuidado físico que é dado para as crianças, de trocar a fralda, de cuidar, higiene, limpeza, comida, mas é a linha de desenvolvimento pedagógico que é aplicada para essas crianças. Então elas têm um tratamento, um desenvolvimento intelectual muito grande. Que por um lado causa até problema, porque quando elas saem de lá elas caem no mundo real delas, são filhos de funcionárias que ganham às vezes salário pequeno, sei lá, mil reais, 500. 500 não tem mais. É o piso do Aché. Sei lá, 700 reais por mês. E na hora que sai, essa criança que estava em um padrão lá em cima, a gente tem um pouco de problema. É algo que a gente tem que estar sempre atento a isso aí. P/1 – Você acha que tem mais algum aspecto que você gostaria de eleger dessa fase?R – Deixa eu ver. Tem a fase... depois tem a fase do restaurante. E eu lembro, assim, que um dos aspectos era esse: eu sempre, eu estava trabalhando no Aché, mas muitas vezes eu falava assim: “Bom, e agora? O que eu vou fazer mais? Eu já fiz tudo o que podia. Eu já fiz.” O ambulatório, quando o ambulatório ficou pronto, bonito daquele jeito, eu falei: “E agora? Eu vou fazer o que? Já está!” A rotina eu não queria. Aí depois veio o CDI, ficou pronto. "Aí o que eu vou fazer?" "Não tem mais." Eu me lembro que nós fizemos a reforma do restaurante, a mudança do restaurante inteiro depois. Não foi reforma, foi uma mudança. Quando ficou pronto o prédio novo, foi nessa fase ainda, acabou o CDI, começamos a trabalhar no restaurante novo. Eu falava: "A hora que o restaurante ficar pronto eu não tenho mais o que fazer no Aché. Eu vou embora do Aché. Porque já está o ambulatório melhor que pode existir, o CDI é o melhor que pode existir. A hora que a gente tiver este restaurante pronto, eu não vou ter mais o que fazer. Eu vou embora, tal." Aí veio a área de meio-ambiente [risos]. Não para, não para. Então nessa fase eu acho que foi isso. A gente foi fazendo, implantando melhorias para a empresa, mas a preocupação era sempre essa: "Acabou, está acabando. O que vai ter pela frente para a gente poder fazer?"P/2 – Nessas primeiras fases o foco era sempre o público interno? Os funcionários?R – Sim, sim. Era o público interno. E era fazer o melhor, o mais bonito, o mais grandioso, o que marcasse mais. A gente não tinha nem preocupação com economia. A preocupação com economia no Aché, ela era relativa. Nunca se gastou dinheiro de esbanjar, mas assim, se custa cinco, o outro custa seis mas é melhor, é melhor, é o seis. Você não precisava ficar fazendo grandes análises não, numa época em que a empresa permitia que se fizesse isso. Então era para o público interno e sempre fazer o mais grandioso, fazer a coisa melhor que você pudesse. E dava, a gente conseguia fazer. Com bons recursos, uma certa... critério, sem esbanjar, como eu falei, mas não havia, não era torneira, cinto apertado não. A empresa tinha dinheiro.P/1 - E começou a se voltar para fora?R – Isso, então vamos lá. Quer dizer, quando... ainda no restaurante antigo, quer dizer, os projetos sociais todos, eles começaram... o primeiro sistematizado foi o sopão, que veio também como input do senhor Victor. A gente tem que dar esse crédito para ele mesmo, porque muita coisa a gente fez por ali, mas as grandes coisas ele mesmo que: "Olha, faz isso, faz aquilo, vai atrás. Vê esse negócio se é bom." Uma porção de coisas não dava certo, não era para fazer. Mas uma boa parte dava para fazer, eram coisas boas. Então o público externo... veio uma cartilha da Fiesp de São Paulo, do núcleo de ação social da Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo], sugerindo que se fizesse uma sopa com a sobra da comida limpa do restaurante e se distribuísse para a comunidade carente. Então assim foi feito. O projeto sopão tem uns oito anos. Então ele começou... Mas, assim, não era uma preocupação tão forte com a área social. Existia a preocupação mas não era uma coisa... "Vamos fazer para não desperdiçar a sopa." Era mais ou menos isso. "Vamos ajudar alguém pobre, alguém carente." Não existia um alinhamento com a estratégia da empresa, não tinha uma preocupação maior, sistêmica. Bem pontual. Nós começamos com esse sopão. E fizemos, foi difícil implantar. Não porque era difícil fazer a sopa, mas foi difícil achar uma comunidade adequada para receber a sopa. A gente ficava imaginando: "Você já imaginou chegar na beira de uma favela com uma panela de sopa? E aí? Como é que você distribui isso? Como é que você faz?" Então onde pode ser? Quem pode coordenar? Quem são as pessoas que vão cuidar para isso dar certo? Na comunidade”. E depois de um tempo a gente achou lá um local e foi feita a implantação. E funciona até hoje, só que hoje esse projeto recebe algumas melhorias, acabou recebendo algumas melhorias. Porque voltar para o público de fora foi um processo de evolução. É a mesma coisa que você comparar com um carro. Há um tempo atrás um Fusca era um ótimo carro, era aquele lá, era um Fusca. Hoje você tem modelos, você pega um Vectra, pega um Ômega, nossa! É um carro, mas é muito melhor. O projeto social do Aché, a área, foi a mesma coisa. No começo dar a sopa já era o máximo, a gente passou a ser reconhecido em Guarulhos, conhecido e tal. Mas depois a gente caminhou e hoje a gente tem realmente um nível de sofisticação nos projetos sociais muito melhor. Nível de sofisticação em que sentido? É no impacto, na relevância que esse projeto tem, na transformação que esse projeto leva para a comunidade. Isso é o que interessa. Porque você ficar dando sopa pode manter aquela pobreza indefinidamente. O que a gente quer é diferente, é não manter a pobreza. É mudar a condição social daquela população, tá? Então vamos, como é que a gente direciona mais para falar do essencial, né?P/1 - Tá. Em termos de política de meio ambiente, qual é a experiência que você acha que, enfim, foi mais relevante?R – Foi o processo todo de certificação, agora. Que foi, dentro do campo da responsabilidade social, foi o item, o item meio ambiente é um deles. Foi o item que nós conseguimos sistematizar e divulgar para a empresa inteira com maior intensidade. Porque os projetos sociais, até o ano passado, eles estavam restritos a um grupo muito pequeno de pessoas. Era o seu Victor, eu e alguns técnicos que trabalhavam na área. Depois nós ampliamos para um grupo de voluntários de umas 40 pessoas. Mas só. O resto da empresa não tinha envolvimento sistêmico, sistemático, com responsabilidade social. Então o maior ganho na área de meio ambiente, o grande gol aí, foi que nós conseguimos passar para toda a empresa em Guarulhos, os 1100 empregados, a consciência da importância toda de manter o meio ambiente, de preservar, de ter práticas ambientalmente corretas. Então o meio ambiente foi isso. Pegamos uma área também que na verdade não existia, a área de meio ambiente no Aché, ela não tinha, era uma estação de tratamento de afluentes que existia. A partir desse momento nós assumimos essa área. Eu conversei com o seu Victor, foi também num dos momentos em que eu me reportei direto para ele. Bom, então, do ponto de vista do meio ambiente, a grande diferença... Quer dizer, houveram muitos projetos, o Projeto Nascer, que nós fizemos, foi muito legal. Envolveu filho de funcionários. Você chegou a ver alguma coisa dele lá na documentação. O Projeto Nascer, assim, foi feito na garra mesmo, porque pouca gente queria que ele acontecesse. Pouca gente, graças a Deus o seu Victor era um dos que queria, mas o resto todo da empresa não estava muito a fim de ajudar não. Mas a gente fez. Esse envolveu bastante a família do funcionário, os terceiros que trabalham dentro do Aché. E a implantação da ISO 14.001, que aí sim, hoje todo mundo anda com o crachá do Aché, tem lá o negócio: "Saúde, Segurança e Meio Ambiente". É a bandeirinha que todo mundo carrega. E isso nós usamos diversos mecanismos para que a pessoa pudesse interiorizar esses conceitos. E funciona. Se perguntar para muita gente no Aché a importância de cuidar do meio-ambiente, a pessoa dá uma aulinha para você ali, se bobear. P/1 - Antônio Carlos, essa fase mais recente, quer dizer, você sai também da gerência de benefícios e muda de função novamente, vai para uma nova área estruturada dentro do Aché. R – Isso, para estruturar, né? Uma nova área para estruturar.P/1 - Para estruturar.R – Isso.P/1 - Como é que foi essa transição?R – Isso foi muito legal, mas também foi... a mudança que eu tive no Aché que me deu mais insegurança foi essa. Porque sempre que você muda você vai para cima, com vontade e tal, mas você sempre tem aquela: "É mudança, será que vai dar certo?" Essa foi uma das que mais pegou pelo seguinte: eu tive que ter uma capacidade de desprendimento muito grande, porque eu tinha uma área imensa debaixo de mim, um monte de gente fazia, acontecia. Com a ISO, né, então aí eu estava fazendo o maior escarcéu lá dentro do Aché, aparecendo, bacana. Em paralelo eu estava cuidando desses projetos sociais e estava tendo um envolvimento muito grande com a comunidade em Guarulhos. Ganhei um prêmio: Industrial do Ano. O seu Victor ganhou em primeiro lugar, eu fiquei em terceiro. Mas o seu Victor nunca tinha nem entrado lá no Ciesp [Centro das Indústrias do Estado de São Paulo], não sabia, e foi em função dos programas todos que ele idealizou e que nós operacionalizamos. Então o Aché sendo reconhecido, estava em uma fase muito legal. Então eu estava trabalhando para a comunidade e cuidando de algumas áreas dentro do Aché. Chegou um momento, nesse período eu estava me reportando para o Antônio Aluísio Russo, o Toninho químico, que não tem perfil, vocação para ver essa questão da comunidade. Então a parte da comunidade eu falava direto com o seu Victor e o operacional do dia-a-dia do Aché era com Antônio Russo. E estava dando um pouco de conflito, estava tendo problema. Aí o seu Victor, no dia do meu aniversário, ele me falou, conversou um pouco comigo, falou: “Antônio Carlos, eu vou te dar um presente de aniversário.” Primeiro ele falou um pouco, deu umas ideias, depois... por telefone: “Ah, ligou, parabéns! Vou te dar um presente de aniversário. Você sai do RH, que nós vamos acabar com esse negócio de RH aqui no Aché e vai para uma área que vai crescer, que é a área institucional. Vai para essa área, estrutura essa área aí que você está fazendo, você desliga do Toninho químico, fica direto comigo. Vê para quem você quer passar essa área que você está cuidando.” Restaurante, aquelas coisas todas lá. Eu falei: "Bom, está bom, legal. Vamos fazer." Eu já estava fazendo o institucional. Eu já estava nessa área. O desprendimento foi esse, eu pegar toda aquela equipe de trabalho, um monte de gente boa que me apoiava, que me ajudava, que fazia as coisas acontecer e falei: “Bom, vou passar essa turma toda para outro gerente. E vou ficar eu e quem?" Aí e falei: "Bom, eu vou pegar a assistente social e a Débora, que era minha secretária lá.” Então eu, a Sueli e a Débora. Então eu passei de uma equipe de, sei lá, 80 pessoas, para uma equipe de três. Eu e mais dois ali, mais três, sei lá. Então nós começamos a trabalhar assim. Passei, centralizei tudo com um gerente só, com o Stepan, uma pessoa que eu achei que dava para cuidar do pessoal. Falei: “Stepan, está aqui.” Fiquei mais um pouquinho com a ISO, depois passei a ISO também para ele, a responsabilidade do sistema para ele e me fui para o institucional. E aí nós começamos a fazer alguma coisa, estruturar um pouquinho mais os programas. Nessa hora entrou o Bandeira, que aí acabou a minha insegurança, aí eu fiquei muito mais tranquilo. Quando o Bandeira de Melo entrou, aí eu passei a me reportar a ele. Ele veio então com um programa institucional, porque o meu foco era Guarulhos, era o que a gente estava fazendo ali. Ele veio: “Não, Antônio Carlos, o negócio é o seguinte: é Brasil. Quer dizer, o que você fez em Guarulhos nós temos que fazer pelo Brasil inteiro. O orgulho que a cidade tem pelo Aché, o nosso país tem que ter pelo Aché.” Então ampliou demais o horizonte. E aí nós começamos a estruturar alguns programas. Aí, que então veio a área, depois montou a área de comunicação, com a Bárbara junto com a gente. Conseguimos de certa forma organizar política de responsabilidade social, um programa de voluntariado maior, foi isso que aconteceu o ano passado. Então a área de Relações Institucionais, ela ficou legal, ela acabou ficando mais estruturada. É para ser uma área mais enxuta, número de pessoas, é uma área pequena mesmo. Mas com muita eficiência, ela tem que ser muito ágil, estabelecer milhões de parcerias para a coisa caminhar. E foi isso o que aconteceu. Aí tem uma questão particular que é dessas coisinhas pequenas que tocam a gente, e que, duas coisas, eu pulei uma, se a gente tiver tempo eu vou contar. Uma quando caiu a ficha que nós estávamos fazendo uma coisa que não estava boa só com o sopão. Uma vez eu estava dando uma entrevista pelo telefone com um repórter de rádio, ele estava lá falando comigo, não sei o que, não era ao vivo, graças a Deus, e a gente falando do sopão. E o jornalista, ele era bem preparado. E ele me fez uma pergunta que se eu não estivesse sentado eu tinha caído, que nunca ninguém tinha feito dessa forma. Ele falou assim: “Não, mas vocês só mandam sopa? É só isso que vocês fazem? É só dar a sopa? Os caras vão ficar pobre o resto da vida se vocês só estão dando sopa.” Isso há um tempo atrás. Aí eu parei, falei: “É, não põe no ar não, não fala do nosso caso não.” Aí eu comecei a ver: "É pouco mesmo." Aí foi quando a gente começou a fazer programas um pouco mais... com maior impacto. Eu discuti isso com a Márcia que trabalhava comigo, ela falou: “Está certo, não dá. Temos que mudar um pouco, senão não adianta.” E a outra coisa foi, com essa mudança para relações institucionais, uma recepcionista do ambulatório que me chamou a atenção. Estávamos sentados conversando não sei qual outro assunto, e ela falou para mim assim, ela me chama de doutor: “Doutor, o senhor reparou uma coisa?” Que quando saiu o meu cargo novo, gerente de Relações Institucionais, ela falou assim: “Todos os cargos que você ocupou no Aché nunca teve, é sempre o primeiro, que vai indo.” Eu falei: “Não, não tinha sacado.” Ela falou: “É, toda vez. O médico do trabalho não tinha, gerente de benefícios não tinha, gerente de Saúde Ocupacional não tinha, que foi o outro, agora gerente de Relações Institucionais. Você vai sempre abrindo.” Eu falei: “É, legal, é isso mesmo.” Eu achei uma coisa... E ela que me chamou muito a atenção para isso, eu achei legal. Fala de agora.P/1 – E agora você está...?R – Agora tem outra mudança. Nessa reestruturação toda do Aché, eu estava na área de Relações Institucionais, fiz um MBA [Master of Business Administration]... porque a área de Recursos Humanos não tinha diretor, ficou um tempão sem diretor. Eu queria e quero crescer dentro do Aché, essa é a nossa ideia. Então o caminho mais curto para crescer era através da área de Recursos Humanos, ocupar esse cargo de diretoria. E é uma coisa que eu gosto, está muito ligada a minha formação, à prevenção dos problemas, à melhora da qualidade de vida, tudo isso. E então eu me preparei para assumir esse cargo. E não estava saindo. A coisa embolada, difícil. Mas acreditando na coisa e vindo proposta para eu sair do Aché, para ir para outro lugar, para fazer outra coisa, uma tentação desgraçada. E acabei: "Não, vamos ver, vamos ficar aqui. O trabalho lá estava bom, com o Bandeira, estava muito legal. E aí, então, nessa mudança o que aconteceu? Eu estava preparado para o cargo, mas estava bem certo que eu não ia mais ocupar esse cargo, que eu ia ficar no institucional durante um bom tempo. Aí mergulhamos nos projetos. Até que de repente surgiu o convite para ir para a área de RH, de voltar para lá. Então entrou um diretor executivo, o José Ricardo, acho que vocês devem ter conversado com ele nas entrevistas. Eu gostei muito desde o começo. O Zé Ricardo por coincidência, ele é irmão de um grande amigo meu. Nada a ver, não entrou no Aché por isso nem nada mas eu tenho muito contato com o irmão dele fora. A gente não falou nenhum momento da Viva Guarulhos, da ONG [Organização não governamental] que eu presido em Guarulhos. O irmão do Zé Ricardo é vice-presidente na Viva Guarulhos, na ONG. Então ele é o diretor geral da Bardela e é um cara muito voltado para a área social, ele está disposto, é como se fosse o Bandeira na Bardela. Ele é vice-presidente na ONG. Ajuda para caramba. Também quer ver a cidade melhor. Então a gente tem uma afinidade muito grande. Quando o Zé Ricardo entrou, naturalmente a gente transferiu a amizade, entre aspas, ou a aproximação, e eu conversei muito com o José Ricardo de uma maneira bem despretensiosa com relação à área de Recursos Humanos. No sentido de ajudá-lo. “Olha, acho que você tem que ir por aqui, ali dá para fazer isso, dá para fazer aquilo. Tem tal coisa.” Depois de um tempo ele veio e me convidou: “Antônio Carlos, você não quer então você, sai daqui, eu converso com o Bandeira e você vai para o RH e você me ajuda lá a fazer essas coisas que você falou que dava para fazer?” Eu falei: “Vamos embora, é já.” Quer dizer, nunca alguém me fez um convite que eu não tivesse, desse tipo, aceitado na hora para trabalhar. Então "Vamos embora, vamos lá." E é isso. Nós começamos agora, faz acho que nem dez dias. Tem uma transformação imensa que precisa ser feita lá, tem muita gente boa que está mal aproveitada, que está mal orientada até de como fazer o trabalho. E esse é o desafio agora. Pegar o RH do Aché inteiro, para todo o Brasil, reestruturar. Tornar esse RH mais eficiente, mais alinhado com os objetivos da empresa. E aí daqui para a frente a gente não sabe o que vem. É bom.P/1 – Bacana. Como é que você faz uma avaliação dessa trajetória, enfim, desses vários lugares para onde você foi?R – Um ponto comum, eu sempre fiz só o que eu gostei lá dentro. Eu poderia ter encaminhado a minha carreira para outras coisas ou ficado só como médico. Mas eu não, eu fui andando e sempre fiz o que eu gostei. Eu fui procurando um caminho, a empresa deu muita condição. Eu não posso dizer um "a" do Aché. Sempre a empresa me deu condição de estar buscando esse caminho, fazendo aquilo que eu gosto, me dedicando. Quer dizer, então eu te falei da carga horária, eu comecei três vezes por semana, três horinhas, era um bico e foi aumentando, hoje eu passo no Aché até... às vezes eu estou trabalhando lá, apaga a luz do prédio às dez horas da noite, que desliga automático, e eu lembro que eu estou lá. Então eu gosto de estar lá, de estar fazendo. Então essa linha, quer dizer, o que aconteceu nesse período foi uma coisa acho que muito natural, foi muito tranquila. P/1 - Você tem algum sonho para o Aché?R – Para o Aché? É que o Aché continue como, continue não, ele não pode continuar, porque se continuar dá errado, o Aché tem que se tornar mesmo uma multinacional. Eu acho que o Aché tem toda a condição de crescer como uma empresa isolada. Esse é o sonho. Não ser comprado, não ser adquirido por ninguém. Acho que isso é importante. E um outro sonho é que o capital do Aché seja aberto para os próprios empregados. Eu acho que essa pode ser uma saída para o Aché. Quer dizer, todo mundo, existem os acionistas, mas que uma parcela da propriedade do Aché possa ser distribuída para os empregados do Aché, como é a GE [General Electric], que é a maior companhia americana. Quer dizer, todo mundo que está trabalhando lá dentro se sente como dono. Porque não é fácil você se sentir como dono não sendo. Você precisa ter uma outra dimensão espiritual para você fazer seu trabalho e tal. Uma parte das pessoas ainda pensa, eu estou aqui empregado e o patrão está lá e cada um puxando a corda de um lado. E não dá certo. P/1 - Certo. Antônio Carlos, a gente já está quase encaminhando para o final, mas, assim, eu não queria terminar sem falar um pouquinho da sua vida familiar, da sua mulher e dos seus filhos. Então, vamos lá, eu queria que você falasse um pouquinho desse seu lado familiar hoje, dos seus filhos, o nome deles.R – Isso, está, vou contar. Da Mônica também, da minha esposa.P/1 - Da Mônica também. R - Bom, felizmente está tudo super bem lá em casa. Eu falo: "A gente tem, eu tenho que agradecer a Deus a cada dia." Estou casado há 17 anos, agora em maio a gente vai fazer 17 anos de casado, tudo joia, beleza. E as crianças são também... a Mônica também trabalha profissionalmente, cada vez ela arruma um desafio novo para ela, nós estamos pensando em uma reestruturação também agora. Ela também é médica do trabalho, então a gente conjuga aí das mesmas ideias. E apesar de todo esse trabalho, falando um pouquinho de família, trabalhar até dez horas da noite um dia ou outro... Hoje eu pedi para fazer a entrevista sábado para não complicar lá, mas normalmente nos finais de semana isso é uma das vantagens que meu pai não tinha como médico, nos finais de semana a gente para, desliga, vai para o sítio e curte super bem a família. Então a gente consegue ficar junto, muitas festas de escola dos filhos eu acabei conseguindo ir. A gente dá um jeito e acaba estando junto. Houve um período que a gente fez esporte junto, andar a cavalo junto, nadar junto. Então acaba conseguindo conciliar um pouquinho. Porque senão você fica só trabalho, só trabalho e não tem a família, acaba ficando de lado. Mas não. As crianças sabem que a gente tem que trabalhar porque precisa, a gente tem que ter um conforto e ganhar o espaço. Mas eles são bem, Juliana e Tiago são uns amores. Então é a Juliana Silva de Almeida, que é a filha, ela está fazendo agora em março 13 anos. E o Tiago Silva de Almeida está fazendo dez anos, fez dia 21, anteontem, hoje é 23. Hoje saio daqui, depois vamos arrumar a festa dele lá em casa e tal. Eles são uns amores, os dois, demais. Têm notas excelentes na escola, não sei quem eles puxaram. A Juliana por três anos ganhou bolsa de estudos do Dante Alighieri, por nota. Não da classe, primeira de todas as séries. Primeira, segunda, terceira no máximo. Então ela por três anos teve bolsa, não pagamos escola para ela em função disso. O Tiago não é de tirar só nota dez, mas é nove, nove e meio, dez, oito e meio, nove, tal. Fazem lição de casa sozinhos, tranquilos, é muito legal. Eu acho que o fato deles serem dessa forma como eles são tem muito a ver com a criação.P/1 - Legal.R – Está bom.P/1 - Só uma última questão, daí a gente encerra, eu queria saber o que você achou de contar um pouquinho a sua história. Assim, de deixar registrado e até da iniciativa do Aché estar recuperando um pouco essa trajetória da empresa. Aí a gente encerra.R – Deixa eu respirar.P/1 e P/2 - [Risos].P/1 - Você quer dar um corte aqui?R – Não, está bom. Dá para seguir. Eu acho que é super importante, pensando do ponto de vista da companhia e meu. O Aché, por esse momento de transformação, é importante, porque senão a gente vai perder muita coisa. Muita gente está ficando velha, muita gente está saindo da empresa, o registro está na cabeça das pessoas. Então é fundamental que a gente recupere isso agora. E, como pessoa, só agradecer a vocês a chance.P/1 - Está joia. Super obrigada.R - Obrigado eu.
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