P/1 –Estrela, bom dia. Obrigado por ter vindo aqui participar deste depoimento. Eu gostaria que você começasse o seu depoimento dizendo o seu nome completo...
R – Estrela Bentes Simões.
P/1 – Data e local de nascimento.
R – 16 de julho de 1951, Belém do Pará.
P/1 – Estrela, qual que é o nome dos seus pais?
R – Ephraim Ramiro Bentes e Ivone Franco Bentes.
P/1 – Qual que era a atividade do seu pai?
R – Ele era engenheiro civil.
P/1 – E da sua mãe?
R – Do lar.
P/1 – Do lar? Você tinha irmãos?
R – Dois irmãos.
P/1 – Você quer registrar o nome deles, por favor?
R – Ramiro Franco Bentes e Rui Franco Bentes.
P/1 – Estrela, você é criada em Belém?
R – Até os 14 anos fiquei em Belém.
P/1 – Então conta pra gente como era um pouquinho da sua infância, o cotidiano da sua casa...
R – Bom, eu tive uma infância maravilhosa, livre. Fui criada em uma granja. Granja Estrela. Esse nome vem da minha avó por parte de pai. Herdei essa lembrança de família. Eu tive uma infância: piscina de águas naturais, olhos d'água, laranjeira, galinhas, pintinhos, né? Incubadoras, coisa com a natureza. Lagoa, patinhos pimenta-do-reino. Foi muito bom. Praia... Passei um tempo em Mosqueiro também. Meu pai trabalhando, fazendo estradas, né? Então foi muito proveitoso, muito gostoso.
P/1 – Qual que é a sua colocação entre os irmãos? Você é a mais velha, a do meio...?
R – Eu sou a primeira, 2 anos depois veio o Ramiro, e 15 anos depois vem o Rui. Aí o Rui já é mais filho do que irmão.
P/1 – Hum, interessante.
R – Então, até 14 anos fiquei em Belém e viemos para cá em janeiro de 65. Meu pai se desiludiu. Ele era político nessa época, se desiludiu com a política. 64, revolução. Aí ele resolveu em 65 vir embora para cá. E aqui começa a história de paixão à primeira vista por Brasília, por esse horizonte imenso, esse...
Continuar leituraP/1 –Estrela, bom dia. Obrigado por ter vindo aqui participar deste depoimento. Eu gostaria que você começasse o seu depoimento dizendo o seu nome completo...
R – Estrela Bentes Simões.
P/1 – Data e local de nascimento.
R – 16 de julho de 1951, Belém do Pará.
P/1 – Estrela, qual que é o nome dos seus pais?
R – Ephraim Ramiro Bentes e Ivone Franco Bentes.
P/1 – Qual que era a atividade do seu pai?
R – Ele era engenheiro civil.
P/1 – E da sua mãe?
R – Do lar.
P/1 – Do lar? Você tinha irmãos?
R – Dois irmãos.
P/1 – Você quer registrar o nome deles, por favor?
R – Ramiro Franco Bentes e Rui Franco Bentes.
P/1 – Estrela, você é criada em Belém?
R – Até os 14 anos fiquei em Belém.
P/1 – Então conta pra gente como era um pouquinho da sua infância, o cotidiano da sua casa...
R – Bom, eu tive uma infância maravilhosa, livre. Fui criada em uma granja. Granja Estrela. Esse nome vem da minha avó por parte de pai. Herdei essa lembrança de família. Eu tive uma infância: piscina de águas naturais, olhos d'água, laranjeira, galinhas, pintinhos, né? Incubadoras, coisa com a natureza. Lagoa, patinhos pimenta-do-reino. Foi muito bom. Praia... Passei um tempo em Mosqueiro também. Meu pai trabalhando, fazendo estradas, né? Então foi muito proveitoso, muito gostoso.
P/1 – Qual que é a sua colocação entre os irmãos? Você é a mais velha, a do meio...?
R – Eu sou a primeira, 2 anos depois veio o Ramiro, e 15 anos depois vem o Rui. Aí o Rui já é mais filho do que irmão.
P/1 – Hum, interessante.
R – Então, até 14 anos fiquei em Belém e viemos para cá em janeiro de 65. Meu pai se desiludiu. Ele era político nessa época, se desiludiu com a política. 64, revolução. Aí ele resolveu em 65 vir embora para cá. E aqui começa a história de paixão à primeira vista por Brasília, por esse horizonte imenso, esse céu maravilhoso. Assim me apaixonei por aqui. Também comecei a crescer como pessoa, me encontrei em termos de filosofia, assim, religiosa. Meus pais, minha mãe católica, meu pai judeu. Eu fui criada entre dois mundos e acabei me transformando em espiritualista. Uma filosofia que liberta a gente, que dá mil explicações. Sou uma pessoa muito questionadora, então para mim isso foi motivo de grande crescimento.
P/1 – Você veio para cá com 14 anos. Você já estava entrando no segundo grau?
R – Estava.
P/1 – E como é que foi a escola aqui?
R – Eu comecei no La Sale, aqui em Brasília. Fiquei até terminar o segundo grau. Me casei ainda fazendo o terceiro ano. Antes de completar 19 anos eu estava casada e aí tive que interromper. Naquela época a UNB [Universidade de Brasília] não permitia você... Que eu engravidei, né, logo em seguida e a UNB não permitia que você, não era semestre, era por ano. Então você tinha que completar o primeiro ano para poder suspender, trancar a matrícula por algum tempo. E o meu filho nasceu em setembro. Eu nem tentei fazer vestibular porque eu seria jubilada.
P/1 – Vamos voltar um pouquinho?
R – Hum, hum.
P/1 – E como que era a juventude aqui em Brasília? O que é que tinha para fazer, o que é que vocês faziam logo que você mudou?
R – Aqui tinha muito cinema, tinha aquelas corridas: 24 horas de Brasília. Maravilhoso.
P/1 – Que é que é isso?
R – Ah, ficava pela cidade, tinha o percurso, né? E uma vez no ano tinha corrida de carros 24 horas. Gente, era bom demais. Então pegava o namorado e saía e o irmão tinha que ir junto. Aquelas confusões e tal. Mas era muito bom. Aquele barulho gostoso. E aqui tinha muito cinema, muito clube, Clube do Congresso. E tinha lá na entrada pelo Gama o Country Club. A gente era sócio. Era basicamente isso. Alguns amigos que já eram do Banco do Brasil naquela época; a gente ia lá beber. Muita coisa, Iate Club, esses clubes já existiam e já eram famosos. Tinha o Gilberto Salomão também, tinha as boates lá. Essa vida assim: muito sofrida. Muito boa, realmente gostosa e...
P/1 – Você quer contar como é que você conheceu o seu marido? Por que se casaram logo? Filho novinho...
R – Foi vapt-vupt. Como eu disse, a gente aqui conhecia, meus pais conheceram um grupo de espíritas. Eles tinham um centro e a gente começou a frequentar. Era uma sobreloja, 310 Sul, e lá era a loja dele embaixo. Ele tinha um comércio qualquer, e em cima ficava a sala de reuniões. E lá, em uma noite, eu conheci meu marido. Um dos frequentadores que também trabalhava nesse centro levou o primo dele que tinha chegado do interior. Na época de Pindamonhangaba, porque ele é de São Paulo, mas a família se transferiu para Pindamonhangaba. Então ele veio aqui passar uns dias com esse primo dele. Aí a gente se conheceu e da parte dele - olha aí, olha aí – foi paixão imediata, à primeira vista. Ele era noivo na época eu nem sabia. Aí depois acabou terminando o noivado e em seguida começamos a namorar. Foram 9 meses entre namoro, noivado e casamento.
P/1 – Bom, você falou que você passou no vestibular. Você não fez o vestibular porque já estava grávida?
R – É.
P/1 – É?
R – Hum, hum.
P/1 – Você já tinha escolhido carreira? como foi?
R – Primeiro, eu tive muita tendência para seguir engenharia. Lado do meu pai, eu sempre gostei muito de exatas. Mas aí mudei, falei: "Não, o negócio é Administração, sou mais nessa área." Mas tive primeiro o André e, em seguida, o André com 3 meses, eu estava grávida de novo. Veio o Daniel, aí a coisa complicou. Porque eu estudava muito, fazia inglês, francês, sempre a minha vida foi para estudar. Sempre gostei muito. E com a chegada dos filhos iria obrigatoriamente ficar em casa, né? Casa, criança, você está doido, né? Quase enlouqueci. Aí eu precisava estudar de qualquer jeito, voltar a ter atividade intelectual. Porque isso aí mexe muito com a gente. E eu digo: "Agora quero fazer um curso realmente para me distrair." E eu fiz Letras.
P/2 – Onde você fez?
R – No Ceup aqui em Brasília. Passei depois de vários anos parada, mas eu sempre tive uma base muito boa, como eu disse, eu sempre gostei de estudar, então foi tranquilo.
P/2 – Como era o Ceup nessa época? Você entrou em que ano no Ceup?
R – 75. Muito bom, bastante concorrido. Já era bastante respeitada a faculdade, gostei muito. Ótimos professores.
P/1 – Teve algum professor, Estrela, que marcou a sua volta para a universidade?
R – Guadalupe, uma professora que foi, inclusive, a responsável por me convidar para o meu primeiro emprego. Ainda no meio do curso eu já comecei a trabalhar indicada por ela.
P/1 – Aí você vai dar aula?
R – Sim.
P/1 – Pré-universitário, né?
R – Vou dar aula no pré-universitário de Brasília.
P/1 – E como é que era? As crianças pequenas, você voltando...
R – Eu comecei com a sétima série. Aliás, foi interessantíssimo. O primeiro dia era em agosto, no segundo semestre. Uma professora tinha tido neném e eu fui substituí-la para o segundo semestre. E chego lá, a primeira reunião de professores, aí me vê: "Mas que é isso? Estão botando um bebê para dar aula na sétima série? E logo nas sétimas?" A professora mais antiga, uma senhora vira: "Olha, eu vou lhe contar uma coisa. Eu vou dizer uma coisa: se você conseguir dar aula até dezembro fechar, você está formada. Não precisa mais de diploma. Você já terá adquirido isso." Você imagina eu entrar na aula com essa informação: se você conseguir. Eu digo: "Vou ser triturada, literalmente." E as sétimas eram muito difíceis. Havia uma meia dúzia de repetentes, quase da minha idade. Foi meio complicado, mas terminei o ano.
P/2 – E você continuou lá?
R – Continuei. E acho que é a minha natureza ensinar. Eu acho que não tem algo mais gratificante do que a gente repassar qualquer coisa que se saiba, qualquer coisa que tenha sido vivido. Acho que o ser humano só cresce através de experiências. E, às vezes, têm algumas que a gente pode deixar de sofrer um pouquinho, talvez, se ouvir um pouco os outros. Então...
P/1 – Você continuou lecionando até quando?
R – Aí foi até o final de 78. No início de 79 eu já mudo de Brasília. Vou para Maceió.
P/1 – Sim. Conta essa mudança para a gente. Por que é que você foi?
R – Conjuntura difícil. Meu marido ficou desempregado aqui em Brasília...
P/1 – Qual a profissão do seu marido? Eu esqueci...
R – Era jornalista, trabalhava nessa parte. É advogado também, mas ele trabalhava como jornalista. Trabalhou aqui em Brasília, Gilberto Amaral. Teve fotografia, várias coisas assim. Mas aí ficou complicada a história e ele foi para Maceió. Teve um convite para ir para Maceió. Foi trabalhar na Rádio Jornal Comércio de Maceió, do Fernando Collor. E ele vai para lá. Vai em agosto de 78, mas eu grávida, digo: "Não, vou ter o meu filho aqui e depois vou embora." E foi o que aconteceu. Passamos 3 anos e meio lá em Maceió. Não trabalhei. Ajudava ele um pouco na empresa de propaganda que ele abriu lá com o sócio depois que saiu da rádio. Teve programa de televisão lá, e tal. Então vivi esse meio junto com ele, foi legal. Morando na beira de praia com os filhos. Então foi uma época bastante curtida. De lá, seguimos para Belém. Os meus pais estavam, o meu pai estava com problema de saúde, e tal. E eu estava muito preocupada, eu sou a única filha mulher e sou muito ligada a eles. Aí resolvemos. Meu marido sempre foi assim de me dar muita força. Ele sempre foi aquele motivador na minha vida. Acho que foi o grande responsável pelo meu crescimento como pessoa. Ele é realmente uma pessoa muito especial.
P/1 – Mas aí você se muda para Belém para poder tomar conta dos seus pais.
R – Aí dar uma força para o meu pai nessa época, e isso é 82. E o Banco do Brasil abre um concurso lá. E aí eu já me inscrevo e já começo. Passo o final de 82. Em dezembro de 82 eu tomo posse no Banco do Brasil na RS Central em Belém.
P/1 – Sim, como era o Banco do Brasil nessa época?
R – Ah, o Banco do...
P/2 – Por que você fez o concurso do Banco do Brasil?
R – Eu fiz o concurso porque nessa época eu já tinha três filhos e o meu mais velho já tinha muito problema de asma, bronquite. E não tinha dinheiro para médico. Hospital é meio complicado, né? E eu queria alguma coisa que me desse alguma tranquilidade, principalmente o plano de saúde. E o Banco do Brasil já tinha a Cassi [Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco Brasil] que dava esse conforto. E foi por essa motivação que me levou a estudar. Eu nunca tinha mexido com contabilidade, nada. Estudo, fiz um curso e consegui. Tinha que passar nos primeiros lugares que só teriam 35 vagas para Belém. E eu só ficaria se fosse em Belém mesmo. Passei e entrei na Centro Belém. Na Centro Belém começo, aí tem um caso muito engraçado. Chego lá reunião com o diretor na época, o gerente na época todo metido. Gutenberg. Metidíssimo aquele, sabe? E ninguém falava, era um respeito. Até um certo temor. A hierarquia naquela época era muito rígida, né? E tais determinações você vai para cá, você vai para ali e eu ia para uma área de atendimento ao público, aplicações. "Bom, alguém tem alguma dúvida?" Eu levanto o dedo, né? Digo: "Olha, eu só queria lembrar que o banco, eu só entrei para ir ao caixa descontar um cheque. Tem certeza de que eu estou bem indicada para uma área de aplicações financeiras?" "Não temos dúvida." "Se vocês não têm imagine eu. O que é que eu posso falar?! " Vou eu lá para a área. Chego lá só tinha um homem, exatamente o Zé Maria, que eu estaria substituindo. Ele estava indo embora. Tinha sido comissionado ia para Açores, em Marajó. E a mulherada ficava ao meu redor, me cercava assim e fala: "Você está grávida?" "Gente - eu falei - estou no meio de doidos, né? Como é que chega em um lugar você está sendo apresentado e a primeira pergunta não é nem o seu nome, é se você está grávida." Falei: "Não. Já tive todos os filhos que eu queria." "Então se prepare porque você vai ficar." Eu falei: "Pronto, estou em um hospício, literalmente em um hospício."
P/1 – Só explica um pouquinho essa forma, quem é que estava grávida?
R – Aí era o seguinte, a área lá era conhecida: ou chegava mulher grávida, ou logo em seguida ficava grávida. Todas as mulheres. Tanto que tinha uma ou duas, quando eu cheguei, que já não estavam lá porque estavam de licença maternidade. E eu só posso dizer que a minha filha, a minha única filha é paraense, e nasceu lá.
P/1 – Será que era a localização da sala?
R – Pois é, diziam que as cadeiras lá já tinham uma certa... Isso aí é inacreditável, mas são histórias que a gente não esquece. São tão anormais, tão atípicas. Eu falo assim: "Não, isso não existe." Mas a Amanda está aí para garantir que aquelas cadeirinhas lá eram boas. Sentou, era prato cheio.
P/1 – E você permanece nessa agência quanto tempo, Estrela?
R – Bom, aí nasce a Amanda em fevereiro de 84. E no final desse mesmo ano a gente nota que ela tem um problema. Ela nasceu com uma perna mais curta do que a outra. Tinha um problema no encaixe do fêmur com o acetábulo. E a gente lembra, já conhecendo Brasília, o Sara Kubitscheck como referência na América Latina em tratamento ortopédico. E a gente consegue consulta e vem para cá em fevereiro de 85, início de março. Eu venho só com ela para fazer um tratamento. Ficamos hospitalizadas 3 meses e, em seguida, ela fica com gesso. Eu fico na casa de uma cunhada, a irmã do meu marido que morava aqui no lago. E consigo a adição no banco aqui para a agência Asa Sul 507, que na época tinha a Sulag, que é aqui no Gilberto Salomão. Era um posto que hoje em dia é uma agência. Mas naquela época era um posto ligado à Asa Sul 507. E eu fico trabalhando aqui. Aí só passa o ano de 85 todo, só quando chega 86 é que resolvem vir para cá meu marido e meus filhos. A gente se reúne de novo aqui.
P/1 – E como é que era o cotidiano das agências dessa época? Como é que era o seu trabalho? Você veio com essa mesma função?
R – Sim, quando a gente entra no banco, posto efetivo, né? Escriturário hoje em dia, mas é o básico. E quando eu fiquei lá em Belém pouco tempo, quando eu vim para cá nas mesmas funções, passado algum tempo, sempre no atendimento. Acho que é o meu jeito, sempre tive boa vontade de atender as pessoas, sempre gostei. Acho que sorriso meio fácil. E eu acho que eu tenho uma característica que sempre facilitou o relacionamento com o público em geral: eu sempre me coloco no lado do outro. Então eu sou muito exigente, eu gosto de ser bem tratada. Portanto a gente dá um bom tratamento. E isso você vai envolvendo as pessoas. As pessoas se sentem bem. De posto efetivo eu passei para caixa. Uma época maravilhosa. Bateria só de amigos. Todo mundo novo, da mesma idade assim. Homens, mulheres, e era muito bom. A gente ria muito, se divertia bastante. Tinha muita autonomia, porque ali fechou, bateu o seu caixa você vai embora, está tudo bem. Mas logo eu fui chamada para outras funções de mais responsabilidade, mas eu estava fugindo. Fugi durante algum tempo. Não queria porque a Amanda ainda era pequena. Eu queria permanecer com as 6 horas. Mas consegui. Até consegui a comissão. Fui ser assistente de supervisão em um ano e no ano seguinte supervisora. Tempos depois essas funções apenas mudam de nome. Passa a ser gerente de expediente. E eu permaneço na agência com essa função substituindo o gerente de Administração, o gerente de Suporte. Então a minha área foi sempre essa administrativa mesmo. Eu me encontrei perfeitamente, sempre tive muita facilidade de articulação, de...
P/1 – Estrela, a gente sabe que o Brasil vivia um momento economicamente difícil, inflação galopante o tempo todo, tecnologias não tão avançadas...
R – Ih, nem fala.
P/1 – Tem um detalhe dessa parte mais operacional do seu trabalho que você queira registrar?
R – Ah, peguei a época dos planos, né? Plano Collor, teve de tudo. A gente chegar, passar 6, 6 e meia da manhã ter que estar na agência, ficar até 10, 11 horas da noite. Ter que buscar pizza. E o lance de estar acalmando as pessoas, tendo que passar a tranquilidade que, na verdade, nem nós tínhamos. A gente não conhecia em profundidade o que é que ia se desenvolver dali. O que é que ia... Mas o mais importante era acalmar. Porque a hora que abriu a porta assim, era uma boiada, um estouro de boiada, né? "Eu quero meu dinheiro! Onde está?." E "calma". E um passando mal,” dá água para esse aqui, um chazinho aqui. Vamos sentar, vamos conversar." Então, realmente, eu digo, há poucos dias conversávamos. Estávamos fazendo um encontro de 25 anos da agência da Asa Sul 507, mas esse encontro foi feito pelos antigos. E a gente estava rememorando muita coisa que a gente viveu junto, né? E a gente dizia o quanto a gente consegue se ver como muito mais do que bancários, simples bancários. A gente é sociólogo, a gente é assistente social, a gente é psicólogo, sabe? Então é impressionante. Conselheiro, a gente é tudo. Nos tornamos verdadeiros amigos para dar não só consultoria, mas apoio também. De repente tem um que está com problemas sérios e a gente tem uma vivência muito rica. Uma troca de experiências. Realmente, acho que engrandece a gente como ser humano. É bom.
P/1 – Foram praticamente 10 anos nessa agência, né?
R – 10 anos, é, praticamente.
P/1 – Bom, a gente vai passar para a próxima fase que é a da Fundação. Mas antes de passar eu queria que você desse uma retomada. Se você quer contar alguma coisa dessa fase pré-Fundação. Tem mais alguma coisa que eu não te perguntei?
R – Não. Foi bom, como eu te disse. Muito desgastante, a gente estar sempre empenhado, contornar relacionamento com marido. "Você já almoçou?" "Não, não, mas eu vou comer um sanduíche, tal," e não tem hora para nada. Exige muito em termos de dedicação, de comprometimento, mas é gratificante. Foi muito gratificante essa troca de energia com as pessoas. A gente se sentir útil. Eu acho que o sentido de utilidade para o ser humano é fundamental na vida. E lá a gente sempre pode dar um pouco mais para alguém. É bom.
P/1 – A estrutura do banco muda muito nesse tempo que você...
R – Várias fases, várias reestruturações. Corte de pessoal, problemas que, de repente, uma sexta-feira à tarde chega um telex naquela época, por exemplo, dizendo que a partir de segunda-feira, uma redução de, não sei, não me lembro o percentual, mas em números eu me lembro que foi uma coisa muito marcante. Nós tínhamos 21 pessoas, por exemplo, na bateria de caixas e seria reduzida - eu gravei porque era o inverso - a partir de segunda seriam 12. Era uma coisa assim muito forte.
P/2 – Isso quando, Estrela?
R – Ah, não vou ter de memória assim, não vou ter.
P/1 – Mas, mais ou menos nos anos 80, no finalzinho...
R – Ah sim, 80 e tantos, com certeza.
P/2 – Estrela, nós vamos voltar um pouquinho. Eu queria que você comentasse o que era, o que significava o Banco do Brasil na época quando você entrou. Depois, quando você entrou, qual era a imagem que se tinha do Banco do Brasil? Enquanto empresa, enquanto...
R – Uma grande empresa, e o lado de fomentador social. Na época que eu tomei posse em Belém, por exemplo, era impressionante o volume de recursos que vinham aqui de Brasília, para recuperação, já naquela época, da Floresta Amazônica, para reflorestamento. Assim como tinha no Nordeste a parte de pesca, de muita coisa. Na Amazônia, os volumes eram inacreditáveis. Você se assustava com o tamanho dos números empregados nem sempre da forma mais correta, mais adequada, mas já existia a preocupação governamental com a Amazônia. Isso é uma coisa bastante presente. E o banco, como uma referência em termos de retidão nas operações, de transparência, da preocupação de sempre se expor claramente a situação para o cliente. De não o deixar se confundir ou ser confundido. Clarificar bem ele, que ele tivesse consciência de todos os envolvimentos que uma operação poderia ter. As consequências, muito interessante, em termos também de ver que dentro de uma grande empresa pode ser. Pode se trabalhar com a tranquilidade de manter os nossos valores pessoais de honradez, de retidão, que você não tem. Não é por ser uma grande empresa que você tem que mudar o seu modo de ser, a sua personalidade. Não, você dá continuidade a isso lá dentro. Isso é muito bom.
P/1 – Estrela, a época que você entra no banco é mais ou menos a época que começa a tramitar a abertura da Fundação. Aí, duas questões: uma é se esses recursos, por exemplo, que ia para a Amazônia, se eles passavam por você, era uma questão que você estava atenta ou se ele fazia parte do seu trabalho, ter acesso a esses números? E se você lembra de outras ações que o banco já aplicava nessa época? Se eram divulgados, como é que era essa coisa lá dentro?
R – Sim, esses valores tinham, não na minha área especificamente, como eu disse era de Aplicações. Mas quando esses recursos vinham, o montante deles era tão grande que já havia uma preocupação da direção da agência no sentido de chamar os beneficiários. Já eram empresas estabelecidas, tal, que já tinham muitas vezes corte de madeira, vendiam madeira para o exterior e aí tinham que fazer reflorestamento. E uma parte desse dinheiro já era obrigatoriamente aplicada porque não tinha como, imediatamente, você utilizar tudo aquilo. Então já havia uma programação de aplicação, por isso que eu tinha conhecimento dos montantes. Já que uma grande parte vinha, passava obrigatoriamente pela minha área para aplicar. E o que eu disse é que isso para nós tinha as duas vertentes: uma de reconhecer a preocupação, desde aquela época, de que a floresta não fosse devastada, e a outra que a gente sabia que existiam - como sempre, em todos os locais - alguns empresários que fatalmente não utilizariam aqueles valores na finalidade prevista.
P/1 – E quando a Fundação Banco do Brasil surge dentro do Banco do Brasil, há um reconhecimento por parte dos funcionários?
R – Não.
P/1 – Como é que isso chegou até você?
R – Não, não, absolutamente.
P/1 – Quando é que você ouviu falar a primeira vez da Fundação Banco do Brasil?
R – Na agência, aqui em Brasília, quando naquela época eram projetos de balcão, as pessoas procuravam as agências para apresentarem seus projetos e as agências é que remetiam à Fundação. Então foi por aí. Como é que é? E a gente começa então a ter, buscar informações, como é que funciona, qual é a forma de operação para poder divulgar, então tem que aprender.
P/1 – Você se lembra assim o primeiro que você viu? Qual foi seu primeiro contato? Você tem essa lembrança?
R – Não, não tenho. Foi buscando informações e eu corri atrás para saber. Me aproximei da Fundação da seguinte forma: meu marido durante algum tempo ele trabalhou na Equoterapia de Brasília. Não sei se vocês conhecem, é trabalho voltado aos excepcionais nas atividades motoras, para recuperá-las. E através da utilização de cavalos. Isso é lá na Granja do Torto. E meu marido ajudou, como advogado, a montar. O coronel Cirilo foi o responsável pela criação dessa entidade aqui em Brasília, muito amigo do meu marido e meu marido deu suporte para ele: na montagem, na formatação. Começou a funcionar e a gente ia lá. E, coincidentemente, o Reinaldo, um funcionário do Banco do Brasil - eu não me lembro o detalhe se era filha ou sobrinha dele - tinha alguém na família que tinha problemas nessa área e ele vai lá conhecer. Conhece meu marido e gosta do trabalho e tal. E a gente sempre no final de semana fazia um churrasquinho, alguma coisa, para divulgar. Convidava algumas pessoas para ir divulgando o trabalho também, né? Era, era gratuito, mas precisava conhecer. Tudo que é novo as pessoas têm um certo receio, precisa tomar conhecimento e verificar in loco. E aí, o Reinaldo toma conhecimento do trabalho, nos conhece e vê também o nosso lado social, que a gente é voltada, uma preocupação com melhoria de qualidade de vida, de alguma forma participar de projetos sociais. E ele fala: "Ah, você não gostaria de trabalhar na Fundação?" Eu falo: "Ah, quem sabe, um dia." Foi o gancho. E tempos depois ele vai e me, naquela época não tinha processo seletivo para a Fundação. Era através de convite realmente. E ele me convida. Mando currículo para lá e saio de férias. Quando voltei, já estava transferida para lá. Então essa foi a facilidade que eu tive de anos de dedicação à agência, que o meu gerente Fernando foi realmente muito atencioso e me liberou imediatamente. Que eu estava, era uma ascensão profissional. E era uma área que ele sabia que me interessava. E aí eu, aqui sim, faço um parêntese para dizer que é muito, mas imensamente gratificante para mim, ter entrado para uma instituição financeira, um banco, como eu disse para vocês, preocupada com segurança familiar, né, na área de saúde especificamente. E com isso, na minha cabeça eu desfiz assim qualquer sonho de me desenvolver profissionalmente. Eu falei: "Em um banco, o que é que eu vou fazer em um banco?" não tinha nada que me atraísse. E a vida me mostra que dentro de um banco, você atendendo pessoas você pode fazer a diferença, você pode ser muito mais útil do que simplesmente trocar um cheque, você pode ser atencioso, você pode perceber o desespero das pessoas e pode minorá-los de alguma forma. Pode interferir nesse processo. E mais para a frente eu tenho o privilégio de trabalhar em uma instituição do terceiro setor, cujo motivo principal da sua existência é ser um agente de transformação social. Então você vê o que é que a vida nos dá.
P/2 – Você considera...
R – Eu considero um privilégio, realmente. É muito bom você poder trabalhar sabendo que do teu trabalho, mesmo eu que estou na área administrativa, mas eu faço questão constantemente de não perder o foco da nossa instituição. Porque se eu trabalho com malote, tenho os contínuos, tem o pessoal da limpeza, tem escriturários, tem os... Todo mundo, mas que são serviços mais simples, recepcionista. Eu estou sempre preocupada em conversar e mostrar para eles que nós não estamos só carregando malote, nós não estamos só levando um documento no Ministério, trazendo um pacote dali, distribuindo alguma coisa. Cada ação nossa é fazer chegar na ponta, e esse é o nosso cliente final, é o material do programa ABB [Associação Atlética Banco do Brasil] Comunidade, ABB Educar, com aquela correria ali minha: "Puxa tem que ser, tudo é para ontem", na área Administrativa é tudo assim."Uh, que tal um calmantezinho agora" tem hora que eu assim, meu calmante é o seguinte: "Está na hora de eu fumar. Gente eu vou acender meu cigarro." Como não se fuma lá, eu vou lá para baixo. É muito raro, mas tem horas que tem que parar porque a pressão é muito grande. Então, mas a gente tem que trabalhar voltado para a finalização da missão. Você não pode perder de foco nisso, né? Se você trabalha só, ah, todo dia vamos dizer, que é que você faz? "Ah, eu colho entrevista todo dia." Daqui a pouco fala assim: "Poxa, que saco, né? Eu só colho entrevista?" Aí você para um dia e te apresentam 20 entrevistas que você fez. "Pô, eu estou registrando história", não é? É outro enfoque. E aí você consegue se motivar e manter o entusiasmo. Que é Fundação. A gente tem que trabalhar gostando, tendo prazer no que faz.
P/2 – E quando você entrou na Fundação, Estrela, assim, qual foi o primeiro trabalho, qual foi a área que você foi trabalhar?
R – Eu fui primeiro, era uma, final de 94, era uma área, eram coordenações que tinham. Era a área de Saúde e Assistência Social, Educação e Desportos. A gente recebia projetos, como eu disse, do Brasil todo se falava projetos de balcão. A gente, a Fundação trabalha em sete segmentos, e então essas coordenações eram por setores desses sete. E a gente recebia, ia lendo, fazendo a análise um a um. Então eram creches, no nosso caso, muito asilos, hospitais pedindo alguns instrumentos, melhorias. Analisava-se, dava-se o parecer, passava para o coordenador, então, para dar... Sempre a Fundação dava o apoio financeiro, normalmente até 80%. Sempre havia uma contrapartida da parte do beneficiário. Que a gente sempre se percebeu que se não houvesse o comprometimento financeiro da outra parte ninguém dá valor. A verdade é essa.
P/1 – Estrela, as pesquisas que a Eliete e o Marco Aurélio fizeram para a Fundação indicam que essa fase, logo um pouquinho anterior e logo em seguida, é uma fase de reestruturação da Fundação. Você vivenciou isso? Você conseguiu identificar? Como é que era a realidade da Fundação nesse aspecto de mudança?
R – Foi um momento bastante traumático. Como eu disse, Reinaldo saiu no final do ano como o Maurício Teixeira também. Entramos em uma gerência interina. O Cisne, que era um dos diretores da época, assumiu até março. Em março, finalmente, chega Rabelo, João Pinto Rabelo. Rabelo já chega com a missão de reestruturar a Fundação. Houve um certo encastelamento. Os que estão chegando, ele chegou com alguns diretores e se fecharam para fazer esse estudo de, vamos dizer, intra-portas. Totalmente fechados. A Fundação continuando a funcionar, com os nervos, evidentemente, à flor da pele, esperando uma bomba a qualquer momento, sem saber exatamente de que dimensões. Apenas seria um fato. Como? Quando? Esperar para ver. E aí é que vem a forma, eu acho, que tudo pode, não é que tudo possa ser feito, mas tudo já que tem que ser feito que se procure as formas mais adequadas a suavizar os impactos. E eu acho que, naquela época, foi exatamente a visão contrária. Dá um impacto, resolve logo e pronto. E assim foi feito. Em abril, na época da Semana Santa, naquele ano ainda se tinha, quinta-feira ainda era feriado bancário. Era quinta e sexta.
P/1 – De que ano? Desculpa.
R – 95. E aí na quinta, marcaram uma reunião para quinta-feira às 18 horas. Todos se reunirem na sala da secretaria. Não tinha lugar, em pé mesmo. Para sentar, não tinha conforto nenhum. Chegar, se espremer lá e ouvir.
P/2 – Só um minutinho, Estrela, onde era a sede da Fundação nessa época?
R – No Setor Comercial Sul, Edifício Camargo Corrêa. Reunimos meia-hora antes, umas seis horas, sou chamada pela Bete, que era uma das diretoras que tinha chegado junto com o Rabelo. Entro em uma sala está ela, a Juscélia - que se aposentou recentemente na Fundação - e o Fabiano, um outro colega que saiu do banco. Está no Ministério. Passou anos depois, passou para o Ministério. "Por favor, tranque a porta", que para nós é meio estranho, sabe? Talvez para vocês não signifique nada, mas não existe essa figura de trancar a porta, né? Tranquei a porta, ela falou: "Olha, o meu assunto é muito rápido. E a resposta é só ou sim ou não. Entenderam bem?" Nós só sacudimos a cabeça, evidentemente. Falou: "Daqui a pouco vai ser apresentada a reestruturação e nós estamos com três problemas, que são vocês. Ou vocês, nós tivemos que tirar, cortar algumas comissões para evidente, comissões menores, para garantir umas maiores - claro - e vocês são" - nós éramos assessores, analistas na verdade na época e a referência era 08." Disse: "Para vocês permanecerem aqui vocês terão que ser rebaixados para RF 10. E nós só queremos dizer sim ou não, aceitam ou não." E aí? Um olhou para a cara do outro, isso no banco não existe, a gente nunca tinha vivido uma situação assim. Aí um vai e fala: "Não", e aí? Minha família? A partir de segunda-feira eu estou desempregado? Porque quando a gente sai da Fundação, para voltar para o banco, a gente tem que se realocar. Você não chega na agência assim: "Ó, estou querendo, você me quer?” Não é bem assim, né? Até você buscar novamente aonde tem vaga e quem te quer para uma seleção, qualquer coisa assim, é... Você ficaria durante um tempo realmente em um limbo ali, pendurado. E vai, e foi dessa forma. Então foi muito traumático. Saímos de lá, aí nós três evidentemente, acho que não tem muita dificuldade para descobrir qual foi a nossa resposta, né? "Sim" e com, evidentemente, nosso maior protesto possível. Isso eu falei na hora, protestando. Ela falou: "Eu disse que eu só queria ouvir sim ou não." E levantou e foi embora. Tá certo. Bom, de lá vamos para a bendita reunião. Chega na sala todo mundo apinhado lá. Rabelo, não sei se você conhece Rabelo. Rabelo é baixo, tem um flip chart assim, fechado ele chega do lado do flip chart e fala: “Bom, quero dizer que aqui está já a apresentação da nova reestruturação com o nome das pessoas que permanecerão em cada área”. Assim que eu sair, vocês, por favor, levantem aqui e venham ver o nome de quem está aqui. Quem estiver, permanece. Os que não encontrarem o seu nome, a partir de segunda-feira, estão dispensados para irem procurar novas colocações. Boa noite. Tchau." Foi dessa forma assim. Então foi algo realmente difícil. O desespero das pessoas querendo ver se estava o seu nome, o meu nome não está. Eu, como eu disse, eu acabei indo para essa área, para a área Administrativa e interinamente. Foi me avisado que seria interinamente. Enquanto a pessoa que eles queriam que viesse, que poderia se desincompatibilizar do cargo que estava ocupando no banco - era o Zé Humberto. Ele, como veio depois, acho que uns 2, 3 meses depois ele veio para esse cargo, né, que eu estou hoje. Que, hoje, é gerente de Administração. E com isso a gente ficou. O que aconteceu na segunda-feira? Aí vocês veem que tem quinta, sexta, sábado e domingo. Quer dizer, ninguém pode ter nem contato com as pessoas, né? No banco nem nada. Entrar em puro desespero. Então, na segunda-feira, teve gente que já nem foi. Os que já não estavam lá com o nome, a gente começou a ligar para as casas, aquelas pessoas solteiras, que... A gente conhece os amigos, né, os colegas de trabalho. Sabe que um é mais depressivo, mais frágil emocionalmente. E a gente começa a ligar para um. "E aí, como é que você está?" O telefone não atende, o outro ameaça que vai se suicidar, teve de tudo.
P/2 – ________________________
R – É, então foi difícil, foi um período realmente difícil. Até que a gente retoma o dia-a-dia. Muito material. O Sérgio Cotrim achava que tinha papel demais. Tinha uns armários, ele chamou e disse: "Ó, você faz o seguinte, você pega esses armários todos, sai rasgando tudo, lixo nisso." "Perfeitamente" E aí, é claro né, que a gente não faz. E aí o material, muita coisa histórica do transcurso já havido. E a gente vai escamoteando alguma coisa, segura alguma coisa. "Eu só quero os armários vazios." "Perfeitamente." E a gente vai repassando para outros armários e assim vai. É um, essa foi uma fase bastante complicada.
P/1 – O clima pesado, né?
R – Muito.
P/1 – Isso não durou para sempre.
R – Não. E aí o que é interessante, né? Foi ótima essa oportunidade que você está me dando de, eu acho, que ninguém deve crucificar ninguém. Tem as conjunturas, tem, às vezes, a gente vai para cargos diretivos. Com certas incumbências que a gente realmente tem que colocar em prática. Então acho que talvez quem sabe o Rabelo, ao ser entrevistado, possa esclarecer melhor as razões dessa... Mas o fato é que eu também não gostaria de colocar essa pedra assim em cima de responsabilidade negativa, só em cima dele. 2 anos depois em 97, claro, tudo muda. A nova estrutura, a gente começa a trabalhar tentando assistir os municípios que tinham sido identificados como os de mais baixa renda no Brasil, assim, paupérrimos. E para dar assistência a eles, como eles poderiam mandar projetos para nós. A gente só atendia através de projetos. Nesses municípios as pessoas não sabem nem o que pedir, nem como pedir, nem como fazer. O que a Fundação fez? Chamou, esse é o programa Homem do Campo, a Fundação chama para Brasília 300 prefeitos, faz uma reunião na ABB. Tenho fotos, viu, daquelas que eu esqueci de trazer. A gente tem fotos. Aí reunimos para apresentar para eles a nossa proposta. "Olha, nós queremos ajudá-los nisso, nisso. É sementes, na área de educação, playground para criança, reforço da escola, material e tal. Podemos fazer tudo isso. Agora vocês têm que ter a documentação." As exigências básicas, né? E vamos fazer. Mas percebemos o quê? Que eles não tinham a menor estrutura para desenvolver qualquer projeto. Aí o que é que se decidiu? Duplas. A Fundação vai mandar duplas de funcionários passar de 10 a 15 dias em cada localidade dessa para fazer junto com os prefeitos e secretários os projetos. Para que chegassem aqui e a gente tivesse certeza de que poderia aprová-los. Porque estariam dentro dos enquadramentos, com a documentação legal necessária. Tudo já atendido, né? Previamente. E fomos nós. Então, mais uma vez, um contraponto altamente positivo, a gente vai se embrenhar por esse Brasil afora levando o conhecimento da gente, a nossa vivência em termos de projeto para colocar em prática. E poder chegar e fazer até esses rincões do Brasil afora, recursos que pudessem ajudar a mudar de alguma forma a qualidade de vida das pessoas. E voltamos à nossa missão: agente de transformação social.
P/2 – E, Estrela, eu vou retomar só um pouquinho, você entrou em 95, ficou poucos meses na área Administrativa e depois foi para a área de Projetos. Isso?
R – Sim.
P/2 – Como que foi essa transição quais os projetos que você começou a acompanhar de perto?
R – É verdade.
P/2 – E assim, como que sair da área Administrativa e ir para a área de Análise de Projetos? Como foi?
R – Pela qual eu tinha começado, né?
P/2 – Hum, hum.
R – Aí, comecei, como eu disse, na área de Saúde, Assistência Social e Educação. E nessa reformatação fui para a gerência, era a Gecom, Gerência de Comunicação. Onde o Projeto Memória se encontrava. Além do relacionamento com os meios de comunicação, responsabilidade da área. Tinha o jornalista também, que fazia, quando tinha entrevistas, acompanhava e tudo. Mas o marco foi o Projeto Memória, que foi desenvolvido pela Fundação com o objetivo de resgatar anualmente uma personalidade representativa no passado do Brasil. E a gente começa por Castro Alves. Foi uma experiência maravilhosa. A idealização, a busca de parcerias, na época, foi a Odebrecht. Já combinamos, a gente começou a idealizar que itens a gente iria fazer. Uma exposição itinerante, que continua, até hoje, a mesma ideia. Um livro, algumas peças publicitárias e folder, marcadores de livro, essas, chaveirinho, uma coisa. Boné, a camiseta, né? E identificar, buscar as fotos. Conseguimos fotos de Castro Alves maravilhosas. Não sei se vocês já viram ele jovem? Ô homem lindo, hein?
P/1 – (riso)
R – Que gato maravilhoso. Além das poesias, das coisas lindas. Então, um trabalho muito legal de pesquisa. E nesse meio a gente descobre que já tinha a Odebrecht também fazendo um livro. Aí a gente se aproxima para tentar uma parceria e dá certo. A gente começa um trabalho e aí já prevê já 5 anos para a frente, fazendo várias personalidades. Então isso me deu também uma nova vivência, que é essa parte, lidar com agências de propaganda, ver. E boneca disso. E começa todo o palavreado novo que a gente não estava muito afeito. Mas vai adquirindo mais conhecimento, mais vivência e gratifica bastante. Também saber que vai ser distribuído cartilhas, distribuído pelas escolas públicas do país. Bibliotecas. Fazendo levantamentos de bibliotecas que possam receber, muito bom.
P/2 – Estrela, por que Castro Alves? _____________
R – Quando começou o Projeto Memória, a gente fez, a Fundação, fizemos sugestões. E fechamos em um consenso assim, três nomes. Não me lembro mais quais seriam. E foram levados ao Conselho Curador, que é o órgão máximo deliberativo da Fundação, para bater o martelo. Fazer a definição. E eles optaram por Castro Alves.
P/2 – E era vocês quem? Vocês que estavam trabalhando como analistas de projetos?
R – A diretora da área era a Maria Dulce, tinha um jornalista na época, o Ronaldo. Artur, Artur Pedreira Neto, esse aí com certeza vocês já o conhecem, a figura precursora do Projeto Memória. A gente brincava com ele que ele era a caixa preta do Projeto Memória, era o que ninguém soubesse ou não achasse de documentação liga para o Artur que ele resolve isso em 2 segundos. Quem mais? A Marta também trabalhava lá, tinha uma amiga nossa, portuguesa também. E era uma equipe assim: Naja também trabalhou. Mais recentemente também foi para lá. Então, muita gente. O interessante é que sempre houve muita dedicação, muita participação de todos. A gente curtia, se envolvia, muito bom.
P/2 – Você chegou a acompanhar alguma exposição? _______ projeto?
R – Tenho, inclusive, fotos quando a gente montou aqui no ano seguinte, que foi Monteiro Lobato. A gente montou no Palácio do Planalto. Fizemos uma exposição aí. Ficou algum tempo lá e a gente participou. É muito interessante. Os trabalhos na Fundação são bem variados, né? A gente teve, eu falei agora do Palácio do Planalto, lembrei que a gente trabalhou uma época também com a recuperação do Teatro Nacional. Também foi, então, são coisas que desde ligados à cultura também, preservação de monumentos – que, de repente, a gente vê pelo lado de fora está maravilhoso - e por dentro a gente vê não há recursos para a manutenção, né? Então eles acabam se deteriorando rapidamente.
P/1 – Estrela, tem um monte de pergunta. Eu quero perguntar sobre cada projeto. Mas eu queria voltar lá no da equinocultura. Ele foi um projeto também apoiado pela Fundação Banco do Brasil, posteriormente? Esse que seu marido participou?
R – Não, não é equino. É équo, équo.
P/2 – Équo, desculpa.
R – Equoterapia.
P/2 – Equoterapia. Ele foi acompanhado pela Fundação? Foi patrocinado de alguma forma? Eu acho que eu já li sobre...
R – Mas isso foi, ele teve, antes de eu entrar na Fundação. Eu ainda estava na agência, porque durante algum tempo a gente se conheceu. E como eu te disse, era o meu marido que trabalhava lá. Então o Reinaldo gostou muito do trabalho e teve, eu acho que foi, o primeiro encontro - se eu não me engano - que eles fizeram aqui no Brasil pegando diversos núcleos que já existiam. Trazendo, inclusive, a Nire, era, não vou lembrar o nome da médica que era responsável pela Itália também, por esse trabalho na Itália, aqui na Argentina. Então eles fizeram um encontro nacional, na verdade, e internacional. Porque eles trouxeram esses representantes para conhecerem. E também darem depoimentos.
P/1 – Agora, o programa, e voltando lá no Homem do Campo, ele foi o primeiro projeto que vocês foram realmente a campo.
R – É, assim, de forma, como é que fala? Não, e não é só física. Porque a gente ia algumas vezes, eu não, especificamente, mas os colegas iam de acordo com a necessidade de acompanhamento do projeto. De verificar as condições e tal. Um aqui, outro ali. Mas desta foi feita de forma maciça. Então foi todo o contingente da Fundação, voluntários, né, que tinha, porque só o pessoal da área operacional foi insuficiente. Então quem quis ser voluntário aceitou, e a gente viajou. Eu viajei com Germana para o interior de Pernambuco, e fundão de Pernambuco, Ceará. Andamos cada lugar. E, de repente, a gente chega lá e passa em um lugar e fala assim: "Olha, aqui nós temos que correr um pouquinho, viu? Porque está meio caindo a tarde, a gente não pode esperar escurecer. Porque esse é aquele triângulo da maconha - onde tem aquele lance lá -"...
P/1 – Polígono.
R – - É, polígono, exatamente." E tem assalto. Então..." "O quê, menino?! Pisa no acelerador aí. Onde eu vim me meter. Pisa nisso que eu estou fora." Mas, em compensação, conhecemos o museu do... Ô, meu Deus, aquele, aquele nordestino, lá?
P/1 – Padre Cícero, Lampião, qual deles?
R – Não, o que tocava lá...
P/1 – Luiz Gonzaga.
R – O Gonzaguinha. Luiz Gonzaga, o pai do Gonzaguinha. Fomos conhecer porque passamos, né? Aí o motorista: "Olha, aqui que é o museu, não quer conhecer?" Eu digo: "Aí é importante ao menos isso! Já que nós estamos no fim do mundo ao menos conhecer o..." E paramos para conhecer lá o Museu de Luiz Gonzaga. Eu e Germana. E íamos para alugar, os hotéis, né? Assim maravilhosos, claro. A água, ah, vocês precisam ver a água. E a coragem para tomar banho, para escovar dente? A gente estava no hotel, pelo menos supunha que estava sendo filtrada a água, né? E quando a gente saía? Que é um calor doido. A gente saía tipo 8 horas da manhã, pegava a gente e a gente ia rodar com eles, ia para a prefeitura. Primeiro eles iam mostrar o que eles pretendiam para ver o que, das necessidades, o que a Fundação poderia atender. E aí, depois iam para dentro do gabinete para trabalhar, né? Botar a mão na massa, a gente fazer junto com eles: "Olha, precisamos do orçamento." A gente já saía com tudo. Quando a gente chegava, já falava os municípios, as capitais mais próximas que tinham as empresas fornecedoras do que eles eventualmente precisassem. A gente levou já tudo isso mastigado. Para o serviço, o interesse era imediatamente ser aprovado e implementado. Olha, chegava em um lugar assim: "Ah, esse calor, está muito quente, né? A senhora não quer um pouquinho d´água?" "Ah, quero." Vem aquele copo, meu Deus do céu, a água é aquela que a gente vê na televisão aqui, sabe? Aquele negocinho amarelo. Aí: "E agora? Se eu não tomar, os caras vão dizer que a gente..." Eu falava: "Meu Deus", é tipo assim: "Benze essa água porque vai ter que ir para dentro. Tomara que não tenha dengue, sabe lá o que tenha e vão bora." Era assim, era rezando. Mas muito bom, muito bom. Aí também tinha as coisas boas. De repente: "Não, agora esse final de semana nós vamos embora. Mas antes disso tem um baile na cidade, vocês estão convidadas para o baile da cidade." Gente, dancei até 5 horas da manhã. Na mesa do prefeito, o prefeito levou secretário lá, tinha que dar assistência para nós. "Gosta de dançar?" "gostamos." "Então vão bora." Tem isso também.
P/1 – Estrela, você visitou mais o Nordeste ou você chegou a conhecer outros extremos assim, outros...?
R – Eu fui para o norte do Rio de Janeiro, também, aí foi...
P/1 – E como é que são as realidades diferentes...
R – ...foi com o Marco Antônio. Foi em outra viagem, foi em outra quinzena. Outra região, né, mas os mesmos problemas. Região de montanha, vales, montanhas, mas também muito pobre, sem estrutura. Com problemas políticos sérios. Porque também tem isso. Lá, por exemplo, chegamos, tudo nosso marcado, combinado com antecedência evidentemente. E chegando lá, que é de prefeito? "Não, ele está no Rio. Mas ele está vindo." "Tá certo." E ficamos lá, que é de prefeito? Não veio. Então ele estava, descobrimos que, na verdade ele não morava no bendito município. Ele tinha um apartamento na praia ali, tipo Copacabana, Ipanema. Ia de vez em quando lá assinar. Isso era o que eles diziam, porque nós descobrimos que alguém ia lá levar os papéis para ele assinar. Era por aí. Esse aí ficou prejudicado, não deu para fazer muita coisa. E outros, felizmente foram poucos, mas... Ah, é preciso que se diga que a Fundação não dá o dinheiro na mão das pessoas. A nossa forma de trabalhar não é essa. Faz, os projetos são feitos, são contratados os fornecedores ou prestadores de serviço, e abre, a entidade lá, o beneficiário abre uma conta na agência em nome do projeto. A Fundação coloca o dinheiro e o gerente da agência paga de acordo com as notas fiscais de serviços. Serviços ou materiais fornecidos. Então vai direto dos fornecedores aos prestadores de serviço. E chegamos, tivemos em Sergipe, tivemos a oportunidade de - não foi comigo, Juscélia e Marta estavam juntas - e o prefeito: "Tá, já ouvi muito essa história aí, mas vamos aos finalmentes. Quando, quanto, e quando o dinheiro vai estar na nossa conta?" "Nunca." "Ah, então não me interessa." Assim. Mas como eu disse, foram, nesses 300 aí acho que foram dois casos desse, né?
P/2 – E, Estrela, só para ter mais claro, assim, como era? Os prefeitos entravam em contato com a Fundação, vocês iam lá apresentar o projeto, construindo, identificar a área ou a Fundação que fazia esse mapeamento?
R – Não, o...
P/2 – De onde surgia a demanda?
R – O Brasil, na época, fez o levantamento. O governo brasileiro fez o levantamento, bom posso fazer um...?
P/2 – Lógico.
R – Dar um break aqui.
P/2 – Hum, hum.
R – É, a gente tem que lembrar que a Fundação foi instituída pelo Banco do Brasil, cujo acionista majoritário é o governo. Portanto, há sempre um link, né, alguma coisa. Há sempre um link entre as ações do governo, o direcionamento das ações governamentais e o Banco do Brasil, Fundação. Então, naquela época foram detectados os 300 municípios, municípios mais carentes do Brasil. Com o IDL mais baixo. IDH [Índice de Desenvolvimento Humano], desculpa. E com isso a nossa ação foi priorizada para reforçar, tentar otimizar de alguma forma o crescimento, o desenvolvimento dessas áreas. Foi um trabalho que envolvia, pela primeira vez, se fez um trabalho de maneira coordenada envolvendo diversas frentes que pudessem realmente fortalecer as ações ali empreendidas. Então tinha o Ministério da Agricultura, tinha a preocupação com a eletrificação rural. Então foi feito várias, vários diagnósticos prevendo as necessidades mais imediatas. Para que a Fundação entrasse, mas as ações também através dos Ministérios ocorressem. Fortalecendo, como eu disse, o efeito disso. Tal a carência, o estado de miséria em que se encontravam esses municípios. Então a gente trabalha a partir daí. E é muito interessante, a gente vai para lá, então conversa com eles. Eles sempre, a Fundação nunca interfere. Ela recebe os pedidos. Dentro, "eu posso fazer isso, isso e isso. Posso financiar isso, isso e isso. O que vocês precisam?" Sempre o beneficiário é que diz o que quer, a forma que vai fazer, porque é ele que vai executar, vai realizar, e os benefícios, evidentemente, serão deles também.
P/2 – Mas vocês então esperavam implantar...
P/1 – Só um minutinho.
P/2 – Estrela, você estava falando do Projeto Homem do Campo, que você participou e que a Fundação enfim, ela teve a incumbência de estar trabalhando com essas 30 cidades que tinham...
R – 300.
P/2 – 300, isso, desculpa. 300 cidades que tinham esse, esse índice baixo de, de...
R – Desenvolvimento Humano.
P/2 – ...Desenvolvimento Humano. E como essas prefeituras, elas entravam em contato com vocês primeiro, e vocês entravam...
R – Não, foi ao contrário.
P/2 – Vocês entraram em contato e o que? Esperaram ...
R – Após...
P/2 – ...que elas mandassem projeto. Como foi isso?
R – ...após o, a definição dessa, levantamento estatístico pronto, aí o Planalto nos passa essa relação de municípios. Nós entramos em contato com eles, mandamos uma carta. Primeiro, se idealiza a forma de trabalhar, claro, você articula com os Ministérios. Um ia levar, colocar, ver a parte de semente, o outro de como abrir estradas, o outro de como facilitar, como eu disse, a eletrificação rural para fazer um trabalho articulado. E a gente manda cartas para todos os prefeitos convidando que viesse um prefeito, o prefeito e um secretário - naturalmente da área que eles achassem mais interessante de ser trabalhada, ou a área financeira - o secretário de Finanças, ou de Saúde, de Educação, conforme o interesse de cada município, assim, que achasse. E eles vêm aqui, a Fundação manda as passagens, claro, custo nosso. Eles vêm aqui para serem informados sobre esse projeto e de que maneira seria trabalhado. Como eles seriam atendidos, que receberiam a visita de dois funcionários da Fundação, para darem todo o apoio e a orientação. A assistência. Assistência técnica, no caso, necessária para que os projetos saíssem. Então eles já foram daqui sabendo a necessidade de documentação que eles tinham que ter. É, porque quando fala assim: "Ah, mas isso aí não é óbvio?" Gente, no interior parece que nada é óbvio, sabe? Nessas cidades pequenas, o que para nós seria uma coisa simples, né? "Ah, eu quero construir uma escola, eu quero construir um posto de saúde." Você acha que eu vou construir na sua casa? Você vai ter um terreno que é público, alguma coisa assim, né? "Não, mas o seu Manel, ele tem muito terreno e ele já cedeu um cantinho para fazer a escola lá." "Meu amigo, eu não posso botar o dinheiro para ser construído dentro do terreno do seu Manel." "Por quê?" Aí chega o seu Manel: "Não, nós vamos, faço questão." Gente, vocês não fazem ideia, não. Pensa que é brincadeira? Não é, não. E a gente tem que manter a seriedade porque a coisa é séria. Aí: "Não, a senhora não está acreditando, mas ele deu, deu mesmo." Aí chama o seu Manel: "Olha, essa senhora é da Fundação, mas ela não está acreditando que o senhor deu o terreno para fazer a escola." Olha a cara da gente. Ele falou: "Dei de coração." Aí pronto: "Bom, se foi de coração está resolvido, né?" Eu falei: "Então tá, mas a gente precisa que o senhor vá no Cartório, o senhor faça uma transferência, entendeu? Para o município, para aí sim, ficar tudo certinho." Ah, mas aí, gente, tudo acontece. Então é muito legal. Agora, a gente também pode ver que já em 97, eu que sou de Belém, e vivi muito assim situações no Nordeste também - durante 3 anos eu vivi lá - o povo brasileiro, ele sempre foi muito acomodado. Muito. A gente, às vezes: "Puxa, a gente precisa sacudir um pouco, parece que não percebe, parece que não enxerga. Parece que não quer crescer. Eu não sei..." Muitas vezes a gente, eu me questionei sobre isso. E de repente você vê que o povo mesmo começa a acordar. Começa a despertar para os seus direitos, sabe? Querer cobrar. "Não, mas o prefeito quer fazer uma coisa." "Não, mas se você fizer aqui é muito melhor e tal." Eles vão, eles discutem. Já tem as associações que, naquela época, já estavam surgindo. Antes não existia isso. É a forma do povo se fortalecer. Se associando, cooperativismo. Por aí, não tem outro caminho. Sozinho é muito difícil, né? Uma andorinha não faz verão mesmo. Tem que unir forças. E a gente vê exemplos de, desse despertar. Isso é algo, foi para mim bastante gostoso de ver esse lado. Uma história bacana em uma cidade que, cujo prefeito era um padre, e tinha necessidade muito grande na área de esgoto, essa parte sanitária. Tinham tido epidemias lá, problema de saúde grave. E reúne todo mundo, nós no meio, né? E todos os secretários muito temerosos. Era um médico, sanitarista inclusive. Uma professora. E eles muito temerosos de arcar com os 20% necessários a todos os projetos. "Mas o município não tem, não tem esse dinheiro." E o padre ouvindo tudo, sério. Fala um, fala outro. Aí o padre: "Olha, vocês vão me desculpar, mas eu vou dizer exatamente o que eu estou vendo aqui. Chega a Fundação. Está nos oferecendo, está colocando aqui em cima dessa mesa - foi a imagem, estou repetindo a imagem que ele usou - está colocando em cima dessa mesa aqui um carro zero. Motor, chassis, capota, tudo bonitinho. Zero. Só não tem uma coisa, não tem as quatro rodas. E eles estão dizendo para nós: 'o carro é de vocês desde que vocês consigam as quatro rodas.' E nós somos tão incompetentes que nós vamos desistir desse carro porque nós não podemos conseguir quatro rodinhas." Sabe? Foi a forma que ele encontrou de dar um choque no secretariado dele. Porque eles estavam todos morrendo de medo de contrair aquele, que era um compromisso financeiro, claro, a contrapartida. Falou: "Mas como é que nós vamos fazer isso?" "Quermesse, bingo, qualquer negócio, mas quatro rodas nós temos que comprar. E colocar nesse carro e ficar com ele para nós." E foi assim, com essa imagem que ele conseguiu convencer o secretariado dele que era possível eles complementarem os 20% para os projetos.
P/1 – Estrela, desculpe...
R – Não, e foi excelente, uma solução, né? Eu digo assim: são formas que, eu te digo, inusitadas de acontecerem as coisas.
P/1 – Teve algum lugar que vocês voltaram para poder vir o resultado, por exemplo, do Homem do Campo...
R – Não.
P/1 – Você falou que visitou o sertão e tudo?
R – Não, não.
P/1 – Mas e a notícia chegava?
R – Ah, sim.
P/1 – De que tinha dado certo?
R – Tinha, isso foi maravilhoso. O pessoal feliz da vida, e logo que a gente chegou com pilhas e pilhas. Porque ia chegando, ia analisando e ia dando andamento. E o pessoal se sentindo, cada resposta positiva que chegava, que já dava notícia: "Olha, foi aprovado tanto, foi aprovado tanto." Meu Deus do céu, eles ficavam assim encantados. E, tempos depois, a gente sempre recebendo os contatos com os secretários, e-mail: "Olha, conseguimos, como é que é? Vocês não vêm aqui?" Aí eles tinham todo interesse. Mandavam correspondência querendo que a gente fosse lá participar da inauguração. Mas aí já era dinheiro desperdiçado. Para ir foi um investimento que realmente era necessário. Mas para a festa já não era, não tinha dinheiro para isso.
P/1 – Você falou de muitos desafios. Tem um que você considera que tenha sido maior o desafio? Implementação em lugares tão paupérrimos?
R – Olha, o desafio maior é a pessoa se conscientizar de que ela é capaz de vencer aqueles obstáculos da região por diversos motivos. O mais importante, eu acho, é ver a pessoa sair, conseguir quebrar aquela inércia. Porque a descrença é, acho que, o maior inibidor do desenvolvimento. Então, enquanto o próprio ser humano não decide que ele é capaz, as coisas ficam impossíveis de acontecer. Então esse é um, eu acho, que é o maior desafio. E você ver esse, como eu disse, esse despertar é muito legal. A gente vê que tem uns que você tem que chamar, ia conversar, sair. Você via certos secretários que você sentia que eles estavam atrapalhando todo o dinamismo, o entusiasmo que tinha que brotar entre toda a equipe para que eles trabalhassem em conjunto ali. Um desse, porque você vê nesses lugares, não tinha nem internet, computador. Então a gente ia lá para a prefeitura, desenvolvia um trabalho depois ia para a casa do secretário, que aquele secretário tinha computador. Então a gente ficava lá até meia-noite digitando para ele, fazendo rapidinho as coisas, era assim. E, de repente, tinha um que você estava vendo: "Puxa, ele está atrapalhando tudo." porque um que puxa para baixo, né, desequilibra tudo. E põe a dúvida no meio de todos. Então a gente tinha que, de repente, puxar ali: "Vamos ali. Ah, eu estou com uma sede, não tem uma cervejinha, assim?" "Aí, você toma cerveja?" "Tomo, tomo uma cervejinha." para a gente poder, e em uma dessa, aí que eu te digo, faz a diferença sim. A gente pode fazer a diferença. Conversando, aí fala. Aí você conta outras histórias, fala de outros temores em outras cidades, outros municípios. Não ali, ali estava tudo maravilhoso, né, claro. Mas a gente encontrou algumas pessoas meio resistentes, muito temerosas. "Mas, ó, tiraram de letra. Conseguiram." "É mesmo?" Aí você consegue reverter...
P/2 – Estrela, eu estou com uma dúvida. Pelo que você está contando aí, porque você está trabalhando sempre no Homem do Campo, né? Me parece que abarcaram outras ações além do campo, assim, dentro desse contexto rural. Isso aconteceu, ou o quê? Vocês acabaram assumindo outros projetos?
R – Olha, a minha participação, como eu te disse, eu já era da área Administrativa.
P/2 – Hum, hum.
R – Eu fui no Homem do Campo como voluntária. Então eu já não posso te dar esses detalhes de outras vertentes que eventualmente ocorreram.
P/2 – Não, outras, do que você está até contando, assim, do sistema de esgoto, lá a história do...
R – Ah, mas tudo dentro da área, da zona rural.
P/2 – Rural, né?
R – Tudo dentro. Municípios todos bem interioranos, com muitas dificuldades. Sem nada. Absolutamente nada. Não tinha posto de saúde, não tinha nenhum banheiro, né? Era casinha. Problema de esgoto direto, esgoto a céu aberto. Tinham lugares que você passava, era aquela vala, né? Atravessando, você não aguentava nem o cheiro. Escolas que eram salas de alguma casa cedida. As carteiras os meninos sentados no chão, ou então dividindo duas carteirinhas quebradas, dois meninos em cada carteira. Aulas naquele sistema de duas, três séries no mesmo ambiente. Então você olha para aquele canto, a professora vai para ali e fala, aula da terceira série, daqui a pouco, ela vem para cá fala da segunda, vai ali e fala da quarta. E aí? Aí você fica: "Ai meu Deus. Graças a Deus que meus filhos têm a escola direito."
P/1 – Estrela, voltando, a gente está ainda falando dessa parte da reestruturação dos programas estruturados nessa época entre 95, 97, né? Teve a mudança da sede da Fundação. _________
R – Exato. Nessa época, 96 para 97, a gente sai do que era alugado ainda lá no Camargo Corrêa e a gente compra a sede no Edifício Number One, setor Comercial Norte. Compramos dois andares lá da Previ. Compramos um andar e meio primeiro, depois vimos que era pouco compramos a outra metade. E aí a gente começa a ficar em uma situação mais estável, não dependemos mais de estar trocando. E estamos lá até hoje, vamos ver até quando.
P/1 – Mas isso acarretou alguma mudança qualitativa no funcionamento da Fundação?
R – Ah, muito melhor. E até mesmo porque a gente já pode idealizar toda a parte, o layout todo. Toda o mobiliário, condições permanentes. Porque podia ter um investimento mais significativo uma vez que teria uma duração maior também. Alugando fica difícil você fazer todo um layout adequado tudo para, quem sabe, daqui a um ano pedirem o prédio, não dá. E as condições de trabalho são, mas nós sempre tivemos boas condições de trabalho. O ambiente nosso é muito bom. Temos as dificuldades de relacionamento, momentos que fica complicado e uma área precisa de uma priorização. Aí a outra fica ressentida, problemas no sistema de informática - que isso aí sempre está permeando a vida da gente de alguma forma. Eu acho que com vocês também, né? Vira e mexe pega um sistema novo que dá uma certa, um certo abalo. Nós estamos agora com o Sapiens, lá. Tentando uma convivência pacífica. A gente espera que logo, logo esteja tudo sob controle. Mas eu acho que é isso que eu tenho que falar da Fundação. Além do relacionamento das pessoas esse trabalho que é continuamente gratificante para a gente.
P/1 – Em termos de vivência de projeto: tem mais alguma experiência, algum projeto que você queira citar que a gente não tenha te perguntado? Porque a gente focou mais o Homem do Campo, da Memória. Tem mais algum outro que você acompanhou que vale a pena registrar?
R – Não, realmente não, não. Não participei mais ativamente assim de nenhum.
P/2 – Como foi a sua volta para o Administrativo, Estrela, depois de você ter viajado, de você ter feito _____________
R – Foi, eu sempre gostei muito. Sempre tive muita facilidade. Para mim foi uma, eu diria, é natural para mim ter essa percepção de processo. Eu tenho uma visão muito integradora, eu diria, sabe? Na verdade, eu uso muito o termo holístico. Eu acho que tudo são engrenagens e todas são importantes e precisam estar bem ajeitadas para funcionar. A gente tem que trabalhar de forma harmônica. Não adianta, e as pessoas estão aí, não tem como fugir delas. Então a gente tem que arranjar formas de minimizar isso aí. Como? Tornando agradável nosso dia-a-dia. Então de vez em quando está meio estressado: "Vem cá" adoro fazer massagem. Ah, eu não falei dos meus outros lados. Eu sou taróloga, gente. Trabalho com energia...
P/1 – Eu quero uma consulta.
R – Pois é. Então de vez em quando eu vou lá: "está muito nervoso, vem cá." Vamos desestressar um pouquinho, vamos fazer uma massagem. Isso faz parte do dia-a-dia, e hoje em dia, inclusive dentro da área Administrativa, nossa responsabilidade também, nos preocuparmos com a saúde no trabalho. Com a forma de relaxar, de buscar como esvaziar um pouco essa tensão.
P/2 – Existe algum programa específico assim do Banco do Brasil ou até da Fundação que esteja trabalhando com essa coisa do LER também? No caso da Fundação eu acho que nem tanto. Mas essa coisa do bem estar do funcionário?
R – Ah, sim. O Banco do Brasil tem há anos. É uma empresa que eu considero pioneira. Ela é muito, eu fico impressionada com o tamanho dela e com a capacidade dela de sempre estar à frente nesses projetos. Na implementação desses projetos. A Cassi a gente já tem todo ano, o Banco do Brasil paga a Cassi. Já existe o periódico, o exame médico periódico. Faz exame de sangue. Você tem que ir ao médico obrigatoriamente, tem alguns exames que também são obrigatórios você fazer. Depois de 40 anos a mulher também faz mamografia, exames de rotina obrigatórios. Então, anualmente isso é feito. Fora disso, a Cassi desenvolve e apresenta para nós projetos tabagismo, antitabagismo. Então tem grupos que vão lá, fazem palestras nas unidades do banco, inclusive a Fundação. Parte de tensão, então, também palestras falando da pressão alta, o que leva à obesidade, sedentarismo. Constantemente é feito esse trabalho. E divulgadas imagens, panfletos assim, com exercícios para evitar, a cada 50 minutos parar; 55 minutos, pelo menos 5 minutos para você parar, fazer os exercícios. Quando faz o exame periódico, esse último, por exemplo, deram um coraçãozinho, aquele de borrachinha para ficar fazendo os exercícios. Então sempre estão preocupados com essa... A gente lá na Fundação, ano passado, por exemplo, e esse ano daremos continuidade, fizemos contato com, aqui é o Instituto Sabin, um dos que nós fizemos contato. E tem ido lá médicos darem palestras também sobre algumas doenças que estão muito constantes no dia-a-dia, diabetes por exemplo. Por aí afora. A gente tem procurado sempre o stress no trabalho.
P/2 – Estrela, fazendo agora um retrospecto da sua vivência na Fundação. Tem algum momento que você considere mais marcante?
R – Olha, a Fundação, é muito, é muito gostosa a Fundação, sabe? Essa área Administrativa me permite transitar por todas as demais áreas. Então isso me aproxima muito das pessoas, a gente vivencia também as preocupações de uns e de outros. E pude dividir as nossas. Então há uma troca bastante salutar e nos leva a desenvolver amizades. A gente se considera grandes amigos. Tem pessoas de anos. A gente conversa, assim, vê: "Ah, você lembra? Pô a sua filha era um bebê. O meu era, estudava não sei aonde." Então é muito gostoso a gente olhar e ver o tempo que se passou, ver também, eu acho, o que mais me causa, me desperta interessa é olhar... Eu estava, até a oportunidade do nosso encontro de ontem, eu falei de como tem, por ter 11 anos na Fundação, eu tenho uma perspectiva histórica de como vem se desenvolvendo, como ela vem atravessando as diversas fases. As mudanças de governo, a própria sociedade como vai demandando de forma diferente e a gente vai respondendo, também tendo que se adaptar para dar respostas a essas demandas que vão surgindo. Então isso é muito interessante de ver. Como a gente consegue, e sempre se consegue, né? Quando a gente acha que: "E agora? Como é que a gente vai?" A nossa estrutura é só aqui em Brasília. E a gente trabalha no Brasil todo. Então é trabalho. Não é brincadeira. Mas é muito gostoso.
P/1 – Você gostaria de falar um pouco das pessoas que viveram, que você conviveu. Você gostaria de citar?
R – Isso aí é a parte mais complicada, né? Porque a gente se esquece de algum nome, mas vamos lá. Vamos manter quem está lá: Maria Helena, Germana, pessoas que já saíram e que trabalharam comigo. A Nilda também, uma pessoa muito querida. Na minha área especificamente: Edmilson, antes dele o César, que foram dois gerentes também de Administração também, maravilhosos. Gente humana da melhor qualidade mesmo, sabe? Porque quando a gente fala assim: "Gente tem de todas as espécies." E com aquele coração, com aquela generosidade, é muito gostoso você poder conviver com pessoas assim, que se dão. E o que eu gostaria realmente de ressaltar é que a Fundação, desde o início, nós que somos mais antigos lá, Silvio, Braune, Geovan, o Artur que não está mais lá, mas a gente, o que eu via... Guizo, Josir, que foi quando eu entrei lá, o Reinaldo, o Maurício Teixeira. O cerne que era comum a todos nós era o idealismo. Então hoje quando eu vejo esses processos seletivos para entrada de novos colegas lá, se por um lado realmente representa uma forma mais democrática de ascensão profissional, ou até mesmo de irem para trocar do banco para uma área do terceiro setor - que hoje em dia muita gente gostaria de trabalhar - por outro lado está sendo, eu considero, um pouco esquecido esse aspecto que para mim é fundamental. Você não pode ir para a Fundação porque você quer crescer profissionalmente. Não só por isso. Você tem que ir lá porque você ama trabalhar em projeto social. Você realmente quer ter a sua vida voltada para ver o crescimento do teu país, da tua gente, de alguma forma melhorar, interferir positivamente nesse desenvolvimento. E isso eu digo para vocês, não é demagogia. Não sou política, não tenho nenhuma ação. Eu falo como ser humano que se preocupa com o aprimoramento de toda a nossa sociedade. E eu acredito que qualquer comunidade só vai melhorar na medida que cada um de nós melhorar também. Então a gente tem que se melhorar e querer também ajudar o outro. E repassar o pouco que a gente pode dar de contribuição para isso.
P/2 – E, Estrela, nessa sua linha do tempo, que você falou que tem essa trajetória histórica na Fundação, nesses 11 anos, como que você percebe, houve mudanças nesse papel social da Fundação? Em linhas gerais, como você percebe de hoje, que você está falando dos funcionários, agora como você percebe a ação da Fundação como um todo?
R – Bom, a Fundação, quando eu cheguei lá era esses, nós tínhamos os sete campos de atendimento e o orçamento era dividido por eles. Então recebíamos durante o ano todo, iam chegando os projetos. O que é que acontecia? Liberávamos saúde, hospitais, não sei o quê. Liberávamos educação. Quando chegava em agosto, um exemplo, claro, não tinha mais verba nenhuma, o orçamento de saúde tinha acabado. Chegava um projeto que você olhava assim: "Gente, que sonho. Que maravilha. Tão bem elaborado em uma área que vai dar atendimento a N municípios, não só o que está solicitando." Então você via a abrangência do projeto, tinha todo interesse de atender. Que é de dinheiro? Não tinha mais. Então a gente começa a perceber a necessidade de mudar. A gente não podia ficar refém do fluxo da demanda, mas a gente deveria já se preparar para ter a nossa ação, já garantido no que a gente gostaria de fazer. Aí começa então essa, reestruturar os projetos de, primeiro, vamos privilegiar mais alguns, uma região. O Sul. O Sul é mais desenvolvido culturalmente. Então tudo que vinha do Sul é tranquilo de passar porque eles já atendiam à todas as exigências, à forma, tudo tranquilo. Norte e Nordeste, coitados, não sabiam nem que tinha a Fundação, nem que podiam pedir, nem como pedir. Então são dificuldades que a gente tem que, foi ao longo do tempo, negociando com as superintendências para que houvesse uma divulgação. Que houvesse um incentivo para poder chegar até esses locais. E com essa mudança aí, não, espera lá. "Na saúde é tudo o que a gente quer? É dar posto de saúde no Brasil todo? Isso está resolvendo a saúde? Nós estamos fazendo a diferença de alguma forma? De repente, não. A gente poderia, com essa forma de pulverizar muito os recursos, a gente deixa de fazer algo que seja referencial em um lugar." e começamos a pensar por aí. Aí começam os programas realmente estruturados. Temos, por exemplo, o Criança e Vida. Isso aí é um programa fantástico. Que no momento está sendo encerrado. Teve um ciclo, em função do novo governo, da nova Diretoria da Fundação, mudamos o foco para educação e cadeias produtivas, emprego e renda. Mas o Criança e Vida faz, desenvolve todo um projeto a nível de Brasil para atender o câncer infantil. Algo que, quando a gente começa a tomar conhecimento, se descobre que de 70 a 80% de câncer infantil, se for detectado logo no início, ele tem cura. Cura permanente, e aí? E não é detectado. Por quê? Não se conhece. Os médicos, estamos falando de interior, não estamos falando dos grandes centros, que têm essa facilidade. E o Brasil é muito mais interior do que grandes centros. Então o que acontece? Faz-se todo um programa idealizando colocar hospitais de referência. Fazer ligação entre eles. Banco de medula óssea. Isso aí tudo fazia parte. Casas de apoio, importação, no caso, de toda aparelhagem necessária para dar, tudo vem de fora. Caríssimo, né? Então junta-se tudo, a forma de otimizar a compra para esses hospitais. Preparação para os médicos. Divulgação. Que não adianta nada disso se as pessoas não souberem. Então palestras, seminários. Isso Brasil afora também. Os médicos indo e fazendo. Então coisas que você está no interior, teu filho, todo mundo joga bola, né? É o básico. Então a canela, começa a doer, começa a doer, quem vai dar bola? Ninguém. Fala assim: "Ah, deu uma canelada na bola, caiu na calçada e tal." Ali já é um câncer. Quando a coisa vai piorando, piorando, piorando a criança diz: "Ah, eu não tenho mais." Leva para a capital. Quando chega à capital tem que amputar porque já está tudo esparramado. Se no primeiro momento tivesse sido detectado, logo no início, a cura seria alcançada. Então você vê que, olha o impacto disso. Então são coisas que a gente fica, no caso, a gente tem uma certa pena do projeto Criança e Vida estar sendo encerrado. Quem sabe ele poderia ter novas fases. Mas faz parte, como eu disse, das ações, das deliberações superiores e a qualquer momento mudanças podem ocorrer. De repente a gente está de novo com outras, outras ações voltadas para o tema, quem sabe?
P/1 – Estrela, como é que você avalia a sua trajetória dentro da Fundação?
R – Graças a Deus muito boa, com certeza. Sempre me senti muito prestigiada, respeitada. Apesar, eu sou uma pessoa bastante exigente, em termos de trabalho, sou. Mas também sou extremamente compreensiva, sou um tipo amigo. Gosto de cooperação. Eu gosto de trabalhar em equipe, gosto de dividir as responsabilidades. E ônus e bônus para todos. Então havendo participação e consciência isso é muito bom. E a gente se sente, ao longo do tempo, tenho me sentido satisfeita com o meu crescimento. Não tenho maiores pretensões, né? Estou mais para o final da minha carreira e daqui para uns, sei lá, algum tempo para a frente, assim que me aposentar, arregaçarei mangas e irei trabalhar em projetos sociais.
P/1 – O que é que você aprendeu lá dentro?
R – Que você não pode dar. Você tem que unir forças. Ensinar as pessoas ou despertá-las para a necessidade de conjugação de esforços que é a maneira mais fácil de você vencer as barreiras. As pessoas não podem se manter isoladas. Educação, alfabetização. Noções básicas de... Uma coisa que eu gosto muito lá na Fundação é o Alimentação Alternativa que agora, isso foi em 96, foi lá para trás com um projeto avulso que houve. Agora está sendo refeito como Alimentação Inteligente. Muito importante, porque o tanto de resíduos jogados fora no Brasil, isso pode ser utilizado de forma adequada, de maneira altamente nutritiva para milhões de brasileiros. Já está sendo incorporado em muitas escolas, na alimentação dos estudantes. Mas ainda tem muito campo a ser abrangido. E fazer com que haja a incorporação de vários, várias engrenagens. Porque às vezes você começa: "não, primeiro a gente faz uma coisa, depois faz outra." Tá, ninguém pode fazer tudo ao mesmo tempo, evidente. Mas se já houver essa preocupação com a interação de diversas ações tudo é muito mais rapidamente colocado para rodar. Então eu pretendo trabalhar, eu e meu marido temos essa, esse ideal e com certeza realizaremos.
P/1 – Você seria capaz de traduzir a Fundação em algumas palavras?
R – Eu acho que essa, a gente, essa frase de agente de transformação social, isso aí ela surgiu de 2, 3 dias de reunião de funcionários há uns 2 anos atrás, quando foi feita esse, o último planejamento da Fundação. A gente foi, ficou recluso durante uns 2, 3 dias só, todos os funcionários, todos os servidores voltados para pensar em planejamento, o que deveria ser. O que cada um considerava. Isso eu estou falando todos, todos. Desde contínuo, desde limpeza, desde copeiro, até o presidente. Então foi com o pessoal da Amana, eles vieram para cá e a gente ficou trabalhando sobre esse tema. Então é uma coisa que todos nós, foi consenso essa forma de se ver. De alto se vê a Fundação como agente de transformação social. E é essa a marca que a gente gostaria de manter. Todos nós podemos transformar, basta a gente querer. E a transformação começa dentro de cada um de nós. Se a gente altera o nosso ângulo de percepção, quantas coisas já são alteradas, quantas coisas são mudadas? Se a gente já teve essa benção de termos tido escola, treinamento, emprego, experiência da vida, por que não utilizar isso para multiplicar e facilitar que outros também despertem mais rapidamente e atinjam níveis melhores de qualidade de vida? De crescimento humano? Porque belos, acho que todos somos.
P/1 – Projeto social é uma coisa que te emociona.
R – Completamente.
P/1 – Você tem algum foco que você pretende atuar depois da aposentadoria?
R – Tenho. Eu não sei, hoje em dia eu não tenho grana suficiente, mas a gente já decidiu uma coisa: se nós tivermos bastante dinheiro, nós queremos agir por conta própria. Nada de estar ligado a governo, a isso, aquilo. É desejo nosso. Realizar o nosso sonho. E o nosso sonho é chegar, por exemplo, no Nordeste. Ir lá para o interiorzão: "O que é que está faltando aqui?" "Ah, não tem água de jeito nenhum." "Que é que precisa? Como seria para vocês a solução?" Não chegar dizendo: "Eu vou fazer isso." "Qual é a solução?" "Ah, a gente precisava de uma cacimba, a gente precisava..." "Tá, e para fazer isso o que precisa?" "Ah, precisa tijolo, precisa terra." "Tá, quanto custa isso?" Então eu ganho mil, eu vou pegar 500 reais por mês e vou dizer: "Eu posso com esses 500 reais comprar material. Agora, só entrego se houver um compromisso de associação aqui, de mutirão." A minha ideia é trabalhar com mutirão. Então: "Quantos são? Vocês quatro? Vocês querem? Tá, eu dou o material, agora só vai receber a casa quem realmente trabalhar." Se a engraçadinha da Eliete chegar no meio e falar assim: "Não, vocês vão fazendo aí que depois..." Eu falo assim: "Negativo, essa casa não é sua mesmo. Você vai..." Então, eu acho, porque aí a pessoa está ligada, né? Se se envolveu, despendeu energia, então é dela, não tem o quê. Ela vai conservar, ela vai ter o carinho e vai valorizar. É por aí que eu quero trabalhar. Meu marido está ali firme e forte do meu lado.
P/1 – Estrela, e o que é que você está achando desse projeto de registrar a memória da Fundação?
R – De verdade? Maravilhoso. E sabe por quê? Porque, como eu disse, eu acho que se perdeu um pouco esse lado de idealismo lá de dentro. E a gente só percebe exatamente o que a gente está fazendo se a gente se permite parar e ver ao longo do tempo o que foi realizado. Então eu tenho isso naturalmente dentro de mim. Eu sempre olho para trás e vejo, mas nem todo mundo tem. Nem todo mundo. Não é, parece que não é uma coisa natural. Então, hoje em dia, com as pressões, a gente vê muitas ações imediatistas. Você está como assessora, mas você já quer ser assessora sênior para daqui a um ano. Poxa, mas assessora sênior é um cargo, que é que você quer fazer? Que é que você quer realizar? É diferente. E, mas eu tenho um filho, porque tem um marido, tem não sei o quê. Eu preciso, então a gente, claro, a gente é multifacetado. Precisa de tudo isso. Mas acho que o ser humano só cresce mesmo na medida que ele se realiza na sua totalidade. Como ser holístico, como um ser buscando luz e esparramando essa luz.
P/1 – Estrela, essa é uma pergunta pessoal, são muitos projetos deferidos, mas são muitos indeferidos também. Existe alguma frustração, algum projeto que foi deixado para trás, você citou hoje o Criança e Vida. Como lidar com isso no decorrer dos seus 11 anos? Como lidar com esses que não foram atendidos? Em um país de tanta pobreza, tanta desigualdade?
R – Não, mas a gente não pode se deter nessa ótica. A gente não pode em momento algum, a gente se supõe no lugar do governo. Quem teria que ter, quem tem que ter uma ação ampla, total e irrestrita no país todo, e teria caixa para isso, seria o governo. Nós somos uma instituição do terceiro setor voltada para facilitar o dia-a-dia e levar o desenvolvimento às comunidades Brasil afora, dentro da nossa limitação. O que a gente procura é otimizar esses recursos. Isso está dentro da nossa ingerência, isso a gente procura fazer. Mas, como você disse, claro, a gente lamenta de repente não poder. Mas, realmente é, a gente se detém em quê? O que é que eu fiz? O que a gente conseguiu fazer? E o que a gente poderá continuar fazendo? E isso aí por enquanto é o suficiente. A gente sempre está com o olhar voltado para mais e mais em um futuro maior, com mais recursos e com a disposição, a vontade de todos os colegas servidores da Fundação de darem o melhor de si. Para cada vez trabalharmos com mais efetividade nas nossas ações.
P/1 – Eliete, tem mais alguma questão?
P/2 – Eu tenho uma questão administrativa. Agora, nesse momento que a gente está fechando é entender um pouco a Fundação: tem analista, tem assessor pleno... Como que é essa hierarquia?
R – Tá, então eu vou te falar do organograma da Fundação.
P/2 – Isso.
R – Nós temos o presidente, assessorado diretamente por dois diretores executivos. Essa é a tríade máxima em termos administrativos. Do presidente sai direto duas ligações que é a área de Comunicação e Marketing, tem, é uma Diretoria. E tem a Secretaria Executiva. O secretário executivo e a sua equipe estão ligados diretamente ao presidente, assessorias. Dos diretores executivos, um está na área Administrativa, Financeiro-Administrativa, e o outro na área Fim, que a gente chama, que são os operacionais. As áreas operacionais. Então do diretor executivo da área Administrativa-Financeiro vai sair a minha Diretoria, que é Gepad. Que é Diretoria de Gestão de Pessoas e Administrativas. Vai sair a Cotec, que é a área Financeira, Contabilidade e Tecnologia. Essas são as áreas de suporte. No diretor ligado a Desenvolvimento Social, no caso é o Pará aqui no momento, sai as Diretorias de Educação, a Citec, Tecnologia, Memória está lá, e a Renda. Que projetos ligados para as cadeias produtivas, esses, é Trabalho e Renda, basicamente.
P/2 – Mas como é que é a carreira? Você passa de analista, ou de assessor? De analista...
R – Sim, tá. Dentro de cada, tem em termos de começar lá, não tem posto efetivo. Eu disse que quem entra no banco entra como posto efetivo. Lá nós não temos posto efetivo. Começa, quem vai para lá, começa como RF10. Assessor ou analista júnior, é o cargo. Em seguida, tem o assessor ou analista pleno, RF8. E o assessor ou analista sênior, que é o 6. Nesse mesmo nível 6, 06, está o cargo dos gerentes. Na minha área tem Contabilidade, tem Financeira, tem Cotec, tem na Renda também tem os gerentes operacionais lá. Depois disso vêm os diretores de área, que são RF8, desculpa, 4. Os diretores executivos 2, presidente 1. Para dar um suporte maior, porque esse são uns 70, esses que eu comentei são funcionários cedidos do Banco do Brasil. E temos os terceirizados. Como é insuficiente esse quadro, a gente terceiriza através de processos licitatórios e a empresa nos fornece na faixa, no momento, de 40 escriturários. Serviço básico. Há alguns assistentes de informática também.
P/2 – Como é essa relação entre contratados e funcionários dentro da Fundação?
R – Olha, você sabe aquele ditado que fala que o preconceito está dentro do próprio cidadão? O negro, se eu falar, chegar para você: "Ô, negona", se tiver um negro aqui vai: "Olha, discriminação." Nunca vai dizer, se você chegar para cá: "Ô, branquela." Ninguém vai dizer que está sendo discriminação. Então é muito isso. A gente, todos são tratados do mesmo jeito. Evidentemente que as condições de relação funcional são diferentes. Os funcionários estão ligados ao Banco do Brasil, são registrados através do Banco do Brasil. Os terceirizados são registrados através da empresa que ganhou a licitação. Isso é colocado claramente desde o início. Então não adianta você querer, o Banco do Brasil tem alguns benefícios que, ao longo dos seus, quanto? 187 anos, né, conseguiu dar para os seus funcionários. Você vai querer que uma empresa recém formada, de 5, 10 anos e com um quadro muito, vamos dizer, volátil, está sempre trocando, vai poder sobreviver dando benefícios? Então você quer abono? "Ah, vocês têm abono e nós não temos." "Meu amigo, você entrou aqui sabendo disso." então são detalhezinhos assim que, eu acho, não deveriam ser levados em consideração se sempre não tivesse um para botar uma lenhazinha na fogueira.
P/1 - Estrela, tem alguma coisa que a gente não tenha te perguntado, algum caso que você queira registrar? Alguma coisa engraçada, trágica, cômica? Uma coisa que a gente não tenha tocado?
R – Não, apenas, eu acho que vocês exploraram bastante, né? É o lado da nossa amizade. Isso aí é muito, muito legal. Mas também tem um lado que muitas vezes a gente tem, como Maria Helena ontem falava, que nas nossas gravações dos depoimentos a gente não pode deixar só um lado cor-de-rosa. Tem várias nuances. Então existem evidentemente no nosso dia-a-dia momentos de pressão muito grande. Exemplos de autoritarismo. A gente percebe mudanças comportamentais. Quando algumas pessoas assumem uma posição de destaque, de comando. Então, de repente, olha lá, a Cláudia. Vamos botar a Cláudia aqui. Se bem que ela não está aqui, mas eu vou dizer: a Cláudia é democrata ali. De repente, é diretora agora. E aí incorpora a diretora. Então a partir de agora é a ditadura. E aí? Então, infelizmente, a gente presencia isso, mas não é privilégio da nossa instituição. Nós estamos falando de seres humanos e como tal a gente vê. Mas há muita, muita integração. Muita preocupação com as pessoas, sabe? Então hoje você não está bem: "Puxa, estou vendo você não está com a carinha muito boa, o que é que houve?" Isso no dia-a-dia a gente encontra direto. Então acho que são os dois lados que a gente convive e esse lado melhor vai ganhando.
P/2 – Eu estou lembrando do Amílcar, você chegou a trabalhar na época...
R – Amílcar.
P/2 – Amílcar.
R – Hum, hum.
P/2 – Como que foi? Como foi o trabalho com ele, como foi essa situação que...
R – O Amílcar era um colega nosso, muito responsável. Muito preocupado. Extremamente tenso. Bastante intransigente em algumas coisas. Então ele tinha desgastes muito grandes porque não aceitava, mas era muito comprometido, muito voltado para o trabalho. E tinha um problema sério. Sabe aquele exame periódico anual que eu te falei que a empresa nos dá, nos facilita tudo? Ele era totalmente contrário. Eu, antes dele morrer, ele morreu acho que foi no início de um ano, não sei o ano. Mas, no final do ano anterior, eu fiquei, mandei não sei quantos e-mails, fui lá, abracei ele. "Amílcar, que é que você acha de fazer - chegava assim - um favorzinho para mim e ir fazer os seus exames? É menos um na minha lista, não sei o quê", brincando. Mas ele era meio refratário em se cuidar muito. E coincidiu que, no dia ele não se sentiu bem e ele foi, ele foi à Cassi. Foi atendido lá, mas eu acho que ele só disse que estava, às vezes a gente não história bem. Às vezes a gente quer culpar os médicos, mas a gente, às vezes, é meio evasivo nas nossas próprias informações. Ele disse que não estava se sentindo muito bem, não sei o quê. O médico mandou descansar um pouquinho. "Tá melhor?" "Tá. Dá para ir para casa?" Ele falou: "Vai." Foi e morreu. Foi assim.
P/1 – Gostou, Estrela?
R – Bastante, tranquilo. Felizmente não deu tremedeira. Eu vou falar para o Hamilton que não deu para ter frio na barriga, não dá para isso, não.
P/1 – Então, em nome da Fundação, em nome do Instituto Museu da Pessoa, gostaria de agradecer o seu depoimento. Belíssimo.
R – Eu que agradeço a oportunidade de fazer parte da história desses 20 anos. 11 eu estou lá, então...
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