P/1 - Jair Meneguelli, a gente queria começar a nossa entrevista perguntando primeiramente seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Meu nome é Jair Antônio Meneguelli. Nasci em São Caetano do Sul em dezessete… 16/6/47.
P/1 - Sr. Jair, qual é o nome dos seus pais?
R - É Vitório Meneguelli e Yolanda Jaqueto Meneguelli.
P/1 - Seus pais são de onde?
R - Meus pais são de Barretos, casaram-se em Barretos e vieram para São Paulo tentar a vida, uma vez que meu pai trabalhava numa fazenda e não tinha condições de sustentar uma família com o que ganhava nessa fazenda.
P/2 - A origem dela é italiana?
R - Os meus bisavós, tanto por parte do meu pai como parte da minha mãe eram italianos. Os meus avós já nasceram aqui no Brasil, mas, evidentemente, é tudo sangue italiano. Meus quatro bisavós vieram da Itália.
P/1 - E você sabe por que é que eles vieram, tem alguma notícia disso?
R - Não, eu não sei porque na minha família foi diferente de todas as outras famílias. Eles não contaram a história para nós, aliás… Hoje já não mais, mas até meu pai e minha mãe, quando éramos crianças, falavam e conversavam entre si na família em italiano, exatamente para que as crianças não entendessem o que eles estavam conversando. Nunca se preocuparam em ensinar o italiano para a gente. Eu hoje consigo entender quase de tudo, quase tudo [de] italiano, mas um pouco por conta de tanto ter ouvido durante o tempo de criança.
P/1 - E você sabe porque é que eles foram para essa região de Barretos?
R - Não, eu não sei. Nós não temos nenhuma… A história da família… Mas provavelmente porque… Por conta do café. Era uma região muito grande, uma região que plantava muito café. Só posteriormente que apareceu o gado na região, com problemas do café, mas originariamente a região de Barretos, ali tudo em volta, Colina, Jaborandi, Olímpia, era muito café e exigia muita mão...
Continuar leituraP/1 - Jair Meneguelli, a gente queria começar a nossa entrevista perguntando primeiramente seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Meu nome é Jair Antônio Meneguelli. Nasci em São Caetano do Sul em dezessete… 16/6/47.
P/1 - Sr. Jair, qual é o nome dos seus pais?
R - É Vitório Meneguelli e Yolanda Jaqueto Meneguelli.
P/1 - Seus pais são de onde?
R - Meus pais são de Barretos, casaram-se em Barretos e vieram para São Paulo tentar a vida, uma vez que meu pai trabalhava numa fazenda e não tinha condições de sustentar uma família com o que ganhava nessa fazenda.
P/2 - A origem dela é italiana?
R - Os meus bisavós, tanto por parte do meu pai como parte da minha mãe eram italianos. Os meus avós já nasceram aqui no Brasil, mas, evidentemente, é tudo sangue italiano. Meus quatro bisavós vieram da Itália.
P/1 - E você sabe por que é que eles vieram, tem alguma notícia disso?
R - Não, eu não sei porque na minha família foi diferente de todas as outras famílias. Eles não contaram a história para nós, aliás… Hoje já não mais, mas até meu pai e minha mãe, quando éramos crianças, falavam e conversavam entre si na família em italiano, exatamente para que as crianças não entendessem o que eles estavam conversando. Nunca se preocuparam em ensinar o italiano para a gente. Eu hoje consigo entender quase de tudo, quase tudo [de] italiano, mas um pouco por conta de tanto ter ouvido durante o tempo de criança.
P/1 - E você sabe porque é que eles foram para essa região de Barretos?
R - Não, eu não sei. Nós não temos nenhuma… A história da família… Mas provavelmente porque… Por conta do café. Era uma região muito grande, uma região que plantava muito café. Só posteriormente que apareceu o gado na região, com problemas do café, mas originariamente a região de Barretos, ali tudo em volta, Colina, Jaborandi, Olímpia, era muito café e exigia muita mão de obra, por isso que chegaram muitos imigrantes ali, naquela região.
P/1 - Seu pai, você falou que ele trabalhava na lavoura?
R - Meu pai trabalhava um pouco na lavoura e também era domador de burro chucro. Domador tinha o apelido de peão, que não é exatamente o peão de rodeio hoje e nem é o peão de fábrica, mas ele também tinha esse apelido de peão por ser domador de burro chucro. Coincidentemente, depois eu, como metalúrgico, também era apelidado de peão; isso foi apenas uma coincidência nas nossas vidas.
P/1 - E você sabe como os seus pais se conheceram? Você conhece a história do conhecimento deles?
R - Acho que não. Eu sei que a minha mãe era uma das "pé de valsa" ali da região e às vezes elas - eram seis irmãs e seis irmãos - nos finais de semana… Eu me lembro vagamente que a minha mãe falava que elas tinham mais ou menos que fugir juntos com os irmãos e no local - não sei exatamente aonde era, que tinha sempre, todo final de semana tinha baile… Eu sei que foi num desses bailes que eles se conheceram. A minha mãe, parece que já tinha um outro pretendente, aí apareceu o meu pai e a conquistou. Mas foi em baile, com certeza foi em baile.
P/1 - Eles se casaram lá em Barretos mesmo?
R - Casaram-se lá em Barretos e vieram para São Caetano do Sul, porque a minha mãe ainda… A família da minha mãe ainda tinha alguma coisa. O meu avô, pai da minha mãe, tinha um pouco de terra, tinha lá uns cem alqueires de terra; o meu pai não, o pai do meu pai era empregado da fazenda do Estado e aí meu pai continuou. Os filhos trabalhavam também lá no armazém, domando esses burros chucros, porque era uma fazenda do Estado e era uma fazenda inclusive que fazia pesquisa com animais. É um pouco desta… Da história.
P/1 - Seu pai e sua mãe vieram para São Caetano. Eles vão morar onde?
R - Já vieram morar onde estamos ainda hoje. Com muita dificuldade, imagina, meu pai teve apenas o primário e vieram para cá.
Eu não me lembro da primeira empresa que ele trabalhou. Ele trabalhou numa… Não me lembro o primeiro emprego dele. Eu sei que posteriormente teve um concurso na Assembleia Legislativa; ele, apenas com o primário, voltou para Barretos, pegou os livros - não sei, de um parente qualquer. Deu uma estudada, nem sei como é que foi essa estudada nesses livros. Ou seja, ele conseguiu passar no concurso na Assembleia Legislativa, naquela ocasião e aí se aposentou como funcionário público do Estado. Foi aí que ele conseguiu fazer… Ou sobreviver, foi criar os três filhos.
P/2 - Na Assembleia ele trabalhava com o quê?
R - Na verdade, eu não sei como é que ele começou, mas ele, pelo menos quando eu já conhecia, já sabia o que ele era, ele era eletricista na Assembleia. Ele trabalhava, fazia manutenção, primeiro naquele prédio onde é a prefeitura hoje, lá Parque Dom Pedro. Depois eu assisti a mudança daquele prédio para aqui, no Ibirapuera, e sempre ele cuidando da manutenção elétrica do prédio.
P/1 - Eu queria que você falasse qual bairro é, e porque é que seu pai escolheu vir para São Caetano.
R - Não sei. O bairro hoje é chamado Cerâmica; existia lá no passado, agora já não existe mais uma empresa de cerâmica muito grande, que era a maior de São Caetano do Sul.
Não sei a razão por que foi parar em São Caetano. Tem muitos italianos em São Caetano, mas não era, evidentemente, uma cidade rural. Era uma cidade que começava… Possivelmente o ABC começava a despontar indústria nessa região. Tanto fazia talvez parar em São Caetano, em Santo André ou em São Bernardo, mas sei lá porque...
P/2 - Quando foi isso?
R - Hein?
P/2 - Em que ano foi?
R - Só se nós fizermos o cálculo, porque eu tenho cinquenta e... Nessa altura eu tenho 52. Meu pai, minha mãe me teve um ano após o casamento, então 53, 54 anos atrás.
P/1 - Como é que era São Caetano nessa época? São Caetano ___________ , conta para a gente um pouquinho.
R - Olha, era bastante diferente do que é o mundo hoje. Eu me recordo perfeitamente. Nós morávamos numa casa, numa rua onde não tinha asfalto; tinha poucas casas, havia bastante espaço para as crianças brincarem, campinho de futebol.
Não tinha ainda chegado nessa ocasião a televisão. Era comum nos finais da tarde os nossos pais, após jantarem, pegarem umas cadeiras e irem para a frente da casa. Reuniam-se ali os adultos e conversavam ali sobre tudo: religião, política, futebol, enquanto as crianças brincavam. Era uma época em que o vizinho sabia o que estava acontecendo com o outro vizinho e até se preocupava em ajudar, se pudesse, esse vizinho. Diferente de hoje, hoje acabou-se. [Se] a gente ouve por acaso um tiro na casa do vizinho a gente tranca as portas, com medo de que possa também sofrer alguma violência. Não há mais essa preocupação de uma ajuda mútua entre as pessoas, é muito diferente. Naquela época era muito mais, as pessoas eram muito mais amigas.
Bom, não tinha a televisão. Já era um outro fator para que as pessoas se comunicassem mais ao invés de receber, talvez, essa enxurrada de informação através de uma "telinha". Se bem que eu acho que também nós poderíamos, mesmo com a existência da "telinha", voltar a ser mais amigos.
P/2 - Quantas pessoas eram na casa?
R - Bem, somos meu pai, minha mãe, eu e minhas duas irmãs.
P/2 - Qual é o nome delas?
R - A do meio é a Sueli, Sueli Aparecida Meneguelli, e a caçula, que hoje já tem 43, 44, parece, é Nancy do Carmo Meneguelli. Aliás, é uma coincidência porque eu nasci no dia dezesseis de julho, [que] é dia de Nossa Senhora do Carmo. Minha mãe ia me colocar o nome de Jair do Carmo Meneguelli, mas graças a Deus ela esqueceu e aí colocou Jair Antônio Meneguelli. A minha irmã caçula também nasceu no dia dezesseis de julho, aí ela colocou Nancy do Carmo Meneguelli, ela se lembrou de Nossa Senhora do Carmo.
P/1 - E como era essa casa que você nasceu?
R - Era uma casa...
P/2 - Alugada?
R - Não, eles vieram para cá, compraram um terreninho e construíram. Eu já conheço essa casa já como casa própria. Construíram, quer dizer, eles vieram em vários irmãos; tanto por parte do meu pai quanto por parte da minha mãe já tinham vindo alguns, então tinha vários irmãos aqui. Eles faziam… Conseguiam comprar um terreninho com o dinheiro que tinham juntado, emprestado de um e de outro e faziam as casas em mutirão.
Era uma casinha boa e terreninho grande. Eu assisti também o crescimento da casa; eles, aos finais de semana, sempre que podiam aumentavam um quarto na casa de um, um quarto na casa de outro. Sempre trabalho de mutirão entre famílias. Uma casa que conforme a necessidade ia crescendo, conforme iam chegando os filhos ia crescendo mais um quarto, mais ou menos desordenadamente. Nada com arquiteto, mas graças a Deus eu não tenho do que me queixar.
Eu tive uma infância boa, com todas as dificuldades do mundo. O meu pai, minha mãe, eu me lembro muito bem: se nós estivéssemos [os] cinco na casa e estivéssemos ocupando três cômodos, ela fazia [com] que todo mundo se reunisse em um cômodo apenas, para que tivesse uma luz apenas acesa. Ela economizava tudo o que pudesse economizar para que... Sei lá, estudar, a preocupação dela era garantir o estudo dos filhos.
Nada de luxo, mas era uma casa confortável e eu gostava da casa.
P/1 - E as brincadeiras? Que brincadeiras vocês faziam em São Caetano nessa época, com turminha de rua, no colégio?
R - Tudo que nós tínhamos direito, porque era uma época que tinha liberdade, era uma época que não se tinha medo. Era uma época em que as pessoas podiam ficar, não precisavam... Não tinha grade nas casas, às vezes não tinha nem portão. Era uma época totalmente diferente, a gente fazia de…
Ali tinha poucas casas ainda. Tinha campo de futebol, uma lagoa perto e muito mato. Bom, nós tínhamos estilingue. Lamentavelmente, de vez em quando… A gente não era maldoso, a gente não matava… Por exemplo, tinha muito pardal; a gente não matava o pardal por matar. A gente matava e comia os pardais.
Bom, jogava bola. Era possível rodar pião porque a rua era de terra - hoje, no asfalto, coitados dos meninos: se forem jogar pião são duas rodadas, a ponta afunda e acabou o pião. Jogava bolinha de gude, era uma delícia jogar bolinha de gude.
Agora, já depois de casado, com as minhas filhas, as crianças da rua ali me chamavam, de vez em quando, para jogar bolinha com eles no asfalto. Mas é impossível jogar bolinha no asfalto. Ainda se fosse um asfalto liso, como é a pista de Fórmula 1, mas aquele asfalto é impossível, todo defeituoso. Você joga a bolinha em uma direção, ela vai em outra, não tem o menor sentido.
Brincávamos de tudo: fazíamos cabana, porque tinha muito mato… Vamos dizer, não é que… Essa diferença é gozada, porque hoje em dia também as crianças podem se divertir, mas evidentemente a diversão é outra. A diversão, hoje, é eletrônica, não tem nada daquele tempo.
P/1 - Quem era da sua turminha? Porque você tinha duas irmãs. Você brincava com elas ou brincava com os coleguinhas?
R - Não, dificilmente. De vez em quando, a gente brincava com as meninas sim, mas claro que eram aquelas estórias mais ou menos picantes. A gente brincava de casinha, de marido e mulher, mas isso era uma vez ou outra. Claro que a maior parte do tempo era menino com menino e menina com menina mesmo, porque jogar futebol, rodar pião e jogar bolinha de gude… Bom, no nosso tempo as meninas não brincavam disso. Nós brincávamos, às vezes, de casinha porque nos interessava brincar com as meninas e ser marido e mulher nessas brincadeiras.
P/1 - Quando você começa a frequentar a escola e que escola você começa a frequentar?
R - Eu comecei a frequentar uma escola de freiras. Era Instituto Nossa Senhora da Glória, muito próximo de casa. Era um colégio de freiras e foi uma dificuldade para eu terminar o quarto ano primário. Uma dificuldade, porque era uma escola mais ou menos rígida por conta das freiras e eu não era muito dado a essa rigidez. Eu era um moleque muito levado, muito levado mesmo. Eu aprontava muito e vez em quando levava uma surra do meu pai, porque eles eram chamados pelas freiras para chamar a atenção dos meus pais pelo mau comportamento - mau comportamento no bom sentido; eu não era, nunca fui sacana, absolutamente nada. Eu era moleque, era aprontão. Eu gostava de… De vez em quando a gente aprontava umas traquinagens um pouco mais pesadas, mas tudo bem.
Eu me lembro de um fato para mim, muito marcante. Isso eu tenho gravado - se bem que eu lembro o nome de algumas professoras ainda, Professora Cecília, Eunice... No quarto ano primário nós tínhamos… Era uma classe mista, inclusive. O melhor aluno da classe era um negro e [se] chamava Vicente por coincidência. Um dia, a professora o ofendeu. Eu não me lembro exatamente por que, mas chamou o de negro sujo. E quase fui expulso da escola porque fui de tapa e soco para cima da professora.
Teve uma reunião com os meus pais e as freiras, porque imagina um menino bater numa professora. Quase fui expulso da escola, mas fui defender um amigo e naquela ocasião… Esse foi um fato que me marcou muito, que eu recordo, jamais vou esquecer.
P/1 - E alguma traquinagem, você lembra de alguma?
R - Traquinagem nós fazíamos várias. Às vezes, nós… Tinha lá no pátio uma gruta com a imagem de Nossa Senhora da Glória e um laguinho com alguns peixinhos. Ali, volta e meia a gente jogava um menino ou uma menina no laguinho, na hora do recreio. Coitado daquele que a gente pegasse, porque, todo ensopado, tinha que ir embora ou tinha que ficar molhado. Era difícil acusar a gente porque eram cinco, seis que pegavam e jogavam os amigos na água, então ninguém acusava ninguém, mas era sempre um grupinho que aprontava essas coisas.
P/2 - Quem sustentava a sua casa? Só o seu pai trabalhava?
R - Minha mãe começou… Trabalhou na Johnson, mas apenas até me ter. Parece que foi um ano só. Depois, só meu pai que sustentava.
P/2 - Isso foi quando ela veio do interior?
R - É, quando chegaram do interior, aí foram os dois trabalhar. Arrumou na Johnson e depois que me teve parou.
P/1 - Jair, quando você era criança, você sonhava em ser alguma coisa, uma profissão?
R - Será? O que me passou mais pela cabeça era ser jogador de bola. Não sei se era um sonho, mas o que mais me passou pela cabeça, eu me lembro que era ser jogador de bola. Meu pai [era] palmeirense fanático, então eu me recordo que invariavelmente os presentes tinham o distintivo do Palmeiras. Claro que eu tinha o meu fardamentozinho do Palmeiras, minha bola do Palmeiras, tudo era verde.
Eu não vou dizer que fui um craque, mas também não fui um perna de pau, eu sabia jogar bola. Eu imaginava, talvez, a hipótese porque tinha um primo que era melhor do que eu e vivia falando em ser jogador de futebol. Talvez, um pouco influenciado, eu tenha pensado um pouco em ser jogador de futebol, mas nada muito sério.
P/2 - Qual era a posição que você jogava?
R - Eu jogava de meia-direita. Era o famoso número oito, o meia-direita naquela ocasião. Depois fomos envelhecendo e de meia-direita eu vim para o meio de campo. Nas últimas vezes eu joguei de lateral direito e agora, de vez em quando, fazemos um joguinho ainda lá em Brasília e eu vou para o gol, porque não tem que correr absolutamente nem um minuto. A gente vai envelhecendo e vai recuando; a próxima função no campo vai ser catador de bola.
P/2 - Quais eram os seus ídolos da bola?
R - Naquela ocasião, antes do Pelé… Claro que o Pelé foi ídolo de todo mundo, mas antes do Pelé eu tinha jogadores que passaram pelo Palmeiras, principalmente como o Dudu, o Ademir da Guia, Chinezinho, Baltazar, que jogou no Corinthians, que era um goleador, né? [Era] mais ou menos assim.
P/2 - Nessa época você alguma vez que o Palmeiras foi campeão, ____________ ?
R - Não, não me lembro. Eu apenas me lembro [de] uma vez que estávamos ouvindo no rádio, eu e meu pai. O Palmeiras, parece que [foi] a primeira vez que disputou a Libertadores de América, já há muitos anos. Se eu não me engano nós perdemos, o Palmeiras perdeu para o Independiente da Argentina.
A gente estava ouvindo no rádio e de vez em quando parecia… Quando estava chegando no gol falhava o rádio, não dava para escutar. A gente tinha que esperar para ver se tinha sido gol ou não. Dessa ocasião eu lembro muito bem, mas de campeonato do Palmeiras. Só depois, recentemente, que eu me lembro [de] alguma coisa.
P/1 - Você chegou a ir em estádio nessa época com o seu pai em dia de jogo?
R - Fui, mas nós íamos… Com meu pai nunca fui. Gostava muito de futebol, mas ia muito pouco ao estádio. Aliás, ia em uma época em que era possível ir ao estádio, nós saíamos da rua para assistir o jogo Palmeiras e Corinthians. Nós saíamos juntos, os corintianos e os palmeirenses; íamos no mesmo ônibus, pegávamos o mesmo trem, íamos ao mesmo lugar no Pacaembu. Sentávamos todos juntos. Torcíamos, brincávamos, tirávamos o sarro um da cara do outro. Depois voltávamos para casa gozando um do outro.
Eu me recordo um jogo [de] Palmeiras e Corinthians. Estávamos os palmeirenses e corintianos juntos na rua e o Palmeiras ganhando de 2x1. Nós já estávamos descendo para ir embora antes que acabasse o jogo, foi pênalti contra o Palmeiras, aí nós paramos. Paramos porque ele foi bater o pênalti do Corinthians. Naquela ocasião o Garrincha, que teve uma rápida passada pelo Corinthians, foi bater o pênalti. O Valdir, que era o goleiro do Palmeiras, pegou; logo em seguida acabou o jogo e nós confirmamos a vitória [por] 2x1. Mas era… Nós íamos, não tinha separação de torcida. Sentava todo mundo junto, brincava; agora não, as pessoas vão para o estádio, tem que separar as pessoas, tem que separar as ruas de entrada de uma torcida e de outra. Agora não dá mais para ir ao estádio.
P/2 - Você estudou até o quarto ano nessa escola e depois o que você fez?
R - Só fiz até o quarto ano primário. Depois eu fui fazer o ginásio do Estado, [na] escola estadual em São Caetano do Sul. No primeiro ano ginasial eu… Depois eu fui fazer o Senai e como tinha que fazer o Senai de dia e estudar à noite eu parei. Minto: eu fiz até o terceiro ano ginasial, depois é que fui para o Senai e parei, não completei o curso ginasial. Só lá muito na frente, lá no sindicato, é que eu fui fazer o Curso de Madureza Ginasial para ter o diploma do ginásio.
P/2 - Como é que você entrou no Senai, como é que foi essa...?
R - Foi o meu tio que era pedreiro e estava fazendo um trabalho para uma empresa de terceiros, estava fazendo um trabalho eventual...
P/2 - O nome do seu tio?
R - Durvalino Meneguelli. Morava também na rua de casa. Nos mutirões ele é que era… Todo mundo trabalhava, mas ele é que dava o acabamento. Assentar azulejo era com ele, ele era o melhor de todos os irmãos.
[Ele estava] fazendo um galpão para uma empresa de terceiro na Willys Overland naquela ocasião, então ele soube desse negócio de Senai e me trouxe uma ficha, [e] uma ficha para o filho dele - nós temos um ano de diferença. Nós fomos lá prestar o exame de seleção. Eu me lembro [que] naquela ocasião tinha aproximadamente 1.200 garotos para 36 vagas, por cada ano era 36 vagas para mil e tantos garotos que concorriam. O filho dele não foi aprovado e eu fui aprovado no Senai. Naquela ocasião a Willys Overland do Brasil... Aí fiz o curso de Ferramentaria do Senai.
P/1 - Explica para a gente, o Senai dava esse estágio na Willys Overland? Como era essa história?
R - Era um espetáculo, porque nós somos… O Senai era no Brás, o Senai Roberto Simonsen. Era o melhor Senai, a matriz dos Senais aqui em São Paulo. Nós fazíamos seis meses no Senai e depois fazíamos seis meses de estágio na empresa, na Willys. Naquela ocasião, estudando no Senai, nós tínhamos o salário que era maior que o salário mínimo de adulto, porque tinha dois salários mínimos: o salário mínimo de menor e o salário mínimo de maior. Nós, estudantes do Senai pela Willys, tínhamos o salário maior do que o salário mínimo de maior.
Isso também também ajudou muito em casa. Eu entregava o envelope - o envelope vinha com dinheiro dentro, vinha um envelope com a discriminação e com o dinheiro dentro, até com as moedas, os trocos. Eu nem deslacrava o envelope, entregava tudo para a minha mãe; ela que sempre administrou e que me dava o dinheirinho para o trem, essas coisas. Então foi assim, quer dizer, o Senai...
P/2 - Como era o Senai lá, como era o ambiente?
R - Ah, era muito bom. Ali nós tínhamos muitos amigos, nós tínhamos campeonato de futebol de salão, campeonato de basquete entre as classes. Eu jogava, ainda era garoto, mas no futebol de salão eu sempre joguei no gol. Eu não sabia cair muito bem, mas eu catava bem, defendia bem. Eu me machucava todo, mas pegava bem. Fui duas vezes campeão, cheguei a ser goleiro da seleção do Senai do Brás, que era o Senai Roberto Simonsen, e fazia torneios entre os vários Senais.
P/2 - Você se lembra dos amigos?
R - Eu me lembro. Nós formávamos o time mais famoso, o nosso… Foi no segundo grau; eu era o goleiro e no ataque nós tínhamos o Resende... Esqueci o outro nome. Na defesa nós tínhamos o Golim e nada mais nada menos do que o outro da defesa era o Alfredo Mostarda, que depois jogou no Palmeiras e chegou à Seleção Brasileira, fez quatro ou cinco jogos com a camisa da Seleção Brasileira. Esse foi o melhor time que nós tivemos, foi exatamente no segundo grau.
P/2 - E porque Ferramentaria?
R - Ferramentaria porque....
P/2 - Você escolheu?
R - Não, eu acabei nem escolhendo, na verdade, porque era por classificação. Os primeiros doze desses 36 foram fazer Ferramentaria e depois era por classificação. Os outros foram fazer tornearia e fresar. Como eu tive a felicidade de ser um dos doze primeiros colocados fui fazer Ferramentaria, que na época era a profissão mais famosa dentro da… Era chamada a elite da classe operária.
P/2 - Falando nisso, como era o ambiente nessa época?
R - Também muito bom. Graças a Deus sempre fiz muitos amigos. Eu me lembro, a Willys era uma empresa um pouco mais relaxada; ela não era uma empresa muito... Do ponto de vista… Não era tão organizada como a Ford. Eu faço essa relação porque depois a Ford comprou a Willys, então as regras um pouco que mudaram dentro da fábrica, mas as pessoas eram as mesmas. E muitos amigos, sempre muitos amigos.
Além da fábrica, nós sempre mantínhamos também o futebol, que era uma integração muito grande entre as pessoas. Na fábrica você trabalhava o dia inteiro e só conseguia, na verdade, relaxar ao final do dia quando você saía, se reunia em um bar. Eu, na ocasião, não tomava cerveja, eu ia e tomava guaraná. Eu fui tomar cerveja aos trinta anos de idade, quando entrei na diretoria do sindicato junto com esses caras aqui, o Osvaldo, tal. Eu ia para o bar do próprio sindicato, o pessoal ia tomar uma cerveja; eu tomava guaraná e começavam a gozar da minha cara, falavam que eu era mocinha. Pra não ser mocinha eu comecei a tomar cerveja aos trinta anos de idade.
P/2 - O Senai foi até que ano?
R - No Senai eu entrei com quatorze e terminei com dezessete.
P/2 - Na adolescência?
R - Dezessete e meio, mais ou menos. Não podia ser efetivado, tive que esperar completar dezoito na fábrica para depois ser efetivado.
P/1 - Quer dizer, esse tempo todo que você fez o curso do Senai, você estava estagiando na área de ______________?
R - Sempre seis meses no Senai e seis meses na fábrica, era assim. Eu me lembro até de um estágio que eu fiz na… Era uma empresa da Willys também, que era em Interlagos; faziam aqueles carrinhos que exatamente [se] chamavam Interlagos. Não sei se vocês se lembram, um carrinho bonitinho, chamava-se Interlagos. Era um carro bonito demais, um carrinho esporte. Então nós íamos até a Willys, pegávamos um ônibus e nos levavam até lá, [em] Santo Amaro. Depois nos traziam de volta para pegarmos o ônibus na...
P/2 - Na época do Senai isso?
R - Na época do Senai.
P/2 - Isso era na sua adolescência? Como foi a sua adolescência?
R - Muito boa, eu não me lembro de momentos ruins na minha vida. Graças a Deus eu sempre… Eu nunca tive necessidade de absolutamente nada. Nunca vivi no luxo, mas nunca tive nenhuma necessidade, que eu me recorde. Graças a Deus, meu pai sempre… Nós tínhamos comida, casa, lazer. Quando podíamos ter lazer, viájavamos muito para o interior. Todo ano nós íamos para o interior, íamos geralmente duas vezes por ano. Quer dizer, no meio e no final do ano nós íamos...
P/2 - Barretos?
R - Ia para Barretos. [Quando] chegava lá eu me esbaldava, porque ia andar a cavalo, eu fazia o diabo. Mas graças a Deus [a adolescência] sempre foi muito boa, na rua da minha casa sempre [tive] muitos amigos, no Senai sempre fiz muitos amigos, no Tiro de Guerra fiz muitos.
Eu tive uma adolescência muito boa. Só me lembro de uma coisa que me faltou: para não dizer que nada me faltou na adolescência, foi uma bicicleta. Eu adorava bicicleta e minha mãe sempre se negou a me comprar uma bicicleta, porque ela tinha muito medo da tal da bicicleta; coincidentemente, um garoto da rua de casa tinha sido atropelado e morreu andando de bicicleta. Depois eu fui andar de bicicleta, fui ter bicicleta junto com as minhas filhas, porque comprei para elas e andava também.
P/2 - E você namorava, tinha namorada na adolescência?
R - Claro que tinha. Sempre, né? Eu me lembro… Acho que tinha uma brincadeira que chamava-se beijo, abraço e aperto de mão. Era uma brincadeira que normalmente nós fazíamos com as meninas, de preferência se a mais bonita estivesse na brincadeira, porque como a gente virava para… Ficava todo mundo atrás, encostado no muro, e a gente na guia; alguém tapava os olhos da gente, mesmo a gente virado para trás e aí falava: "É aquele? É aquele?"
Mas não sabia quando era homem ou mulher e aí você falava: "É." Aí era beijo, abraço ou aperto de mão. Se você falasse beijo e fosse um homem você nunca dava na verdade, você sempre fugia. A gente tinha as manhas também, porque [quando] tinha a garota que a gente queria escolher a gente combinava com o cara que estava fazendo, dava um cutucão, parava naquela e então a gente dava. A Mafalda foi a primeira namoradinha nessa brincadeira de beijo, abraço e aperto de mão. Eu sempre sacaneava com um cara para escolhê-la.
P/2 - Você gosta ___________ de música?
R - Olha, eu nunca fui muito apaixonado por música. Gosto de todas as músicas, mas nunca fui muito apaixonado por música. Lembro de algumas músicas, sei até cantar algumas músicas inteiras lá de trás, mas se você me perguntar o nome eu não sei. Posso até cantar música inteira do Nelson Gonçalves, por exemplo; posso cantar uma música inteira daqueles conjuntos: "Era um biquíni de bolinha amarelinha tão pequenininho ..." Eu não era muito ligado, mas ouvia tudo.
P/2 - E dançar? Você gostava de dançar?
R - Sempre tive muita vontade de dançar, mas se tem uma coisa que eu não consegui aprender foi dançar, né? [Sou] muito duro. Não tenho molejo para dançar, fico olhando os outros dançar; eu fico babando, mas agora também, com 52 anos, acho que não consigo mais aprender. Com a minha mulher eu danço porque danço mal e ela não reclama, eu ainda consigo dançar um pouquinho com ela.
P/1 - Quais eram os programas da época, da sua adolescência? Vocês saíam e iam para onde? O que é que vocês faziam?
R - Quando… Além dessa brincadeira, além da escola, da bola, do pião e da bolinha, quando eu era criança em São Caetano do Sul, onde é hoje o chamado Paço Municipal de São Caetano do Sul, você tinha lá uma tela de cinema ao ar livre e que passava filmes, então nós íamos sempre… Quer dizer, de sábado e domingo tinha filme ao ar livre, então ia adulto, criança. Eu me lembro [de] muitos filmes, passava muito filme do "Gordo e o Magro" e passava muito também aqueles… Os jogadores de basquete, os Globetrotters; era uma delícia ver o que eles faziam com aquela bola, então essa era um pouco da diversão enquanto garoto. Depois eu comecei… Quando eu comecei a namorar com a minha esposa, eu tinha dezessete anos.
P/2 - Qual é o nome completo dela?
R - Edna Maria Godói - agora Meneguelli, depois de casada. Começamos a namorar aos dezessete anos e nós íamos todo os finais de semana ao cinema. Todo domingo… Não era nem sábado, todo domingo nós íamos ao cinema. Eu me lembro até que meu sogro falava - falava não para mim, comentava com eles em casa com a minha mulher: "Indo assim toda semana ao cinema não vai sobrar dinheiro para eles se casarem." Porque ele estava louco para que a gente casasse e eu namorei cinco anos com a minha...
P/2 - Namorava no portão?
R - Namorava no portão não, namorava no portão pouco tempo. Depois fomos para dentro, mas era uma desgraça!
Quando terminava o namoro dentro de casa a gente saía porque a gente ia se despedir. A gente ficava lá na área, mas pelo amor de Deus, o meu sogro era um inferno. Ele [estava] lá para o outro lado, mas a gente… A gente conseguia ouvir porque ele ia sair na cozinha para espiar a gente, mas eram aquelas cortinas de tirinha, daquele plástico duro de tirinha. Quando ele ia mexer, fazia aquele barulho; a gente escutava, então a gente: “Guarda, guarda!” Não pegava nada, mas foi assim.
P/1 - Como é que você conheceu a Edna? Conta para a gente.
R - Eu paquerei, puta vida, mas é uma vida toda com a Edna, porque eu paquerava a Edna desde quinze anos de idade. Mais ou menos aos quinze anos de idade eu já paquerava a Edna. Ela veio de Atibaia, veio morar lá na rua de casa e aí eu, já garoto, comecei… No começo nós jogávamos bola na rua porque nessa ocasião, com quinze anos, não tinha mais… Já era asfalto e a gente jogava no asfalto mesmo, paciência. Não tinha mais campinho e a gente jogava bola na rua.
A mãe da Edna era muito ruim e quando caía a bola lá ela estourava, rasgava a bola. Quando caía a bola lá e eu estava jogando eu era o primeiro, pulava o portão rapidamente, antes dela catar a bola e pulava de volta. Ela me detestava, até que... Começamos a paquerar, eu e a Edna - eu acho que eu a paquerava, acho que ela não me paquerava.
A Edna sabia dançar muito bem, sabe até hoje. Ela tinha vindo do interior e frequentava baile desde criança, então eu ia aos bailes para paquerá-la, mas [quando] chegava lá [pensava]: "O que é que eu vou fazer?" Eu não sabia dançar, não a tirava para dançar.
Todos a tiravam para dançar, ela saía dançando com os outros e eu ficava puto da vida, eu ficava doente. Eu ia para o baile, eu a via dançar com os outros e ia embora depois que acabava o baile. Nem levá-la para casa eu levava porque não falava, não chegava, tinha… Era tímido pra caramba para isso, até que um dia eu falei: "Eu vou falar com essa menina. Não é possível.” Aí era…
É que eu estava em casa, não me lembro… Ela vinha vindo do trabalho, eu sabia o trajeto que ela fazia. Fui lá esperar, perto da fábrica onde ela trabalhava e falei... Eu tinha falado para um amigo meu que trabalhava com ela também, que morava na rua. Chamava-se Nicolau. Eu falei: "Nicolau, amanhã, na hora que você me vir desgarra da Edna que eu vou chegar e falar com ela." (risos) Era um sacrifício, o que é que a gente não faz pelas mulheres?
Eu esperei, ela saiu e eu vim numa disparada. (risos) Quando ele percebeu, falou para ela: "Ah, eu vou sair." Saiu, eu cheguei e falei: "Eu posso falar com você?" (risos) Fui caminhando e falando com ela; ela ficou de dar a resposta. Imagina, tinha até isso! "Eu te dou a resposta depois de amanhã. Vou pensar."
Ela queria falar com a mãe dela porque sabia que ela não gostava de mim. A mãe dela era muito brava. Ela foi falar com a mãe dela e ela falou: "Ah, você é quem sabe." Já falava em marido: "O marido vai ser seu, você é que sabe." A mãe permitiu e ela aceitou. (risos)
P/1 - Jair, vamos começar então um pouco mais então por esse lado profissional, você trabalhando então na Willys. Como é que dá a sua trajetória profissional dentro da Willys? Como foi a sua carreira lá dentro até se envolver com o sindicato?
R - Eu sempre tive uma certa liderança por onde eu passei. No primário, eu era um dos mais levados; pelo fato de você ser um dos mais levados você acaba sendo um pouco mais respeitado, sei lá se é essa a palavra. No Senai, todos os anos eu era escolhido monitor da classe; nós tínhamos monitores, sub-monitores que eram escolhidos pela turma. Antes do Senai ainda eu era o… Na vila eu que montei o timinho de futebol, eu que arrecadava o dinheiro para a gente comprar as camisas, então eu tive sempre um pouco de liderança por onde eu passei. Quando chegou na fábrica, também eu tinha uma certa liderança lá dentro, mas isso também não… Nessa época, ainda não resultava em nada.
Eu vim do Senai, fui efetivado; voltei para o Senai à noite para me especializar. Depois, com o tempo, a gente foi formando… Na Ferramentaria nós tínhamos uma coisa que não era comum, há muitos anos nós tínhamos uma comissão dentro da Ferramentaria. Eu não me lembro do nome de todos: éramos eu, o Paco, o Alemão, o Joel… Não me lembro de outros, mas éramos cinco ou seis e esta comissão não tinha nenhuma ligação com o sindicato - aliás, nem sindicalizado eu era, fui me sindicalizar em setenta e… Fui me sindicalizar em 77, exatamente para fazer o curso de madureza.
Quem me levou para o sindicato foi o Guiba, que depois foi ser presidente do sindicato e hoje é presidente da Confederação dos Metalúrgicos da CUT. Ele falou: "Olha, vamos fazer o curso de madureza lá no sindicato?" Ele já era sindicalizado. Quem era sócio pagava metade, quem não era sócio pagava integral, então eu fiquei sócio para pagar metade no Curso de Madureza Ginasial.
Foi assim que eu fui na época para o sindicato, mas nós já tínhamos esse grupo na Ferramentaria porque era uma coisa muito… Do próprio Superintendente da Ferramentaria, que era um cara que tinha vindo de baixo, que foi ferramenteiro e tinha chegado à Superintendência. Nos finais de semana, no clube da Willys, quando a gente ia lá, ele ia também. O quiosque dele era ali perto da gente; quando a gente queria coisa boa a gente ia no quiosque dele. Carne boa era no quiosque dele. Ele tinha lá uísque, caipirinha, era um cara muito amigo e tinha um diálogo conosco.
Formamos uma comissão então nós: todas as coisas irregulares, reivindicações pessoais de cada companheiro a gente, essa comissão levava para ele. Há muito tempo tínhamos essa comissão, não dava nem para ser… Não era uma comissão de fábrica, era uma comissão da ferramentaria, que não chegava a reivindicações salariais, a não ser dentro da carreira de cada um, que tinha as quatro letras. A gente, de vez em quando, falava: "Aquele cara merece", então ajudava.
Foi assim que a gente foi tendo um pouco de liderança até chegar nessa história de...
P/2 - Você tinha apelido na seção?
R - Não, não tinha apelido.
P/2 - Eles chamavam você do quê?
R - De Jair mesmo, pelo nome mesmo. No máximo, alguns companheiros chamavam de Jajá, mas era muito pouco.
P/2 - A sua história... Quando você chegava de manhã, qual era a primeira coisa que você fazia?
R - Até porque eu era um profissional que… Eu me considerava um dos melhores profissionais da ferramentaria e a minha regra sempre foi essa… Eu era bom porque eu queria, eu podia exigir respeito dentro da fábrica, respeito dentro da chefia, mas a minha regra na fábrica era o seguinte: eu chegava, nós nos trocávamos, sentávamos ali, conversávamos um pouco; dava o sinal, chegava o café com leite, a gente ia tomar café com leite e comer nosso lanchinho. O café chegava antes de dar o sinal, mas nós esperávamos dar o sinal para tomar o café já ganhando, não dava para tomar o café de graça, então nós esperávamos, já ganhando. [Quando] acabava de tomar café era sagrado: eu pegava meu jornalzinho e ia para o banheiro.
P - Que jornal era?
R - Era A Gazeta Esportiva. Depois nós passamos a comprar dois jornais, nós fazíamos vaquinha e comprávamos dois jornais: um era A Gazeta Esportiva e o outro era Notícias Populares, não era grande coisa. Eu ia para o banheiro, fazia as minhas necessidades e lia o jornal, então sempre começava a trabalhar depois das sete e meia. O horário era [às] sete horas, eu começava a trabalhar sempre depois das sete e meia.
Eu me lembro uma vez que o chefe - que naquela época nós chamávamos de feitor -, ele veio… [Em] um dos dias que eu voltei do banheiro ele falou: "Jair, você não sabe a mancada que eu dei." Eu falei: "O que foi?" "Eu fui te procurar para te dar um serviço antes das sete e meia e você nunca começa a trabalhar antes das sete e meia." Eu falei: "Então é bom que você nunca mais faça isso, definitivamente nunca mais faça isso. É depois das sete e meia mesmo.” Era a minha toada dentro da empresa, mas eu era sempre muito respeitado porque eu era um extraordinário profissional.
P/2 - O que você pensava do Brasil, da situação política nossa?
R - Ah, nada, eu nada. Nessa ocasião eu não pensava nada, eu lia A Gazeta Esportiva e Tio Patinhas, essas eram as minhas leituras preferidas e de política eu não sabia nada. A gente tinha essa comissãozinha dentro da fábrica [em] que a gente discutia o nosso dia a dia, mas fora dali eu não enxergava mais nada.
Eu me lembro [que] uma vez fomos sair, já no final do dia… Depois eu vim a saber quem era, imagina. Chegou um cara lá, imagina, no pátio, falando em política, falando em greve, não sei o que lá. Imaginem vocês, era o Genoíno. E o que é que o Genoíno tinha que ver com a peãozada, com a fábrica? Ele era tido como um revolucionário e de vez em quando achava que podia ir numa porta de uma fábrica e fazer uma greve, mas a gente nem conhecia o cara, como é que ia ouvir o cara? Todo mundo o escorraçou de lá.
E me lembro também [que] depois, uma vez ali, a gente tinha radinho. Ouvimos a notícia de que tinham matado o [Carlos] Marighella. Para nós aquilo foi uma festa, né? Mataram um bandido. Nós até comemoramos: "Pô, até que enfim mataram esse bandido, esse ladrão de banco, terrorista…” Até comemoramos ali, os companheiros.
Eu não sabia de absolutamente nada, tanto é que quando a gente começou com as greves eu não tinha a mínima noção do mundo externo. Eu ia da Ferramentaria para a minha casa, da minha casa para a Ferramentaria e no final de semana ao clube, ia jogar bola, sempre acompanhado da família.
Quando fui lá começar no sindicato, o Wagner Lino me deu um livro para ler. Eles tinham um… O pessoal das tendências tinha muito esse costume de tentar tirar um cara novo e tentar trazer para a sua tendência. Ele percebeu que eu era uma cara meio burrinho, que não sabia de nada; foi tentar me ganhar e me deu um livro lá para eu ler. O primeiro livro que eu fui ler na minha vida foi “Os Dez Dias que Abalaram o Mundo”. Um livro grosso, desse tamanho, demorei um mês para ler aquela desgraça. Eu não conseguia ler, eu lia duas páginas e me esquecia o que eu tinha lido já, não tinha essa prática de ler. Tinha lá bolcheviques, mencheviques, Exército Vermelho, verde, cor-de-rosa, sei lá, um monte de coisa.
Depois acabei de ler o livro, não entendia nada. Cheguei para o Wagner, devolvi o livro para ele e falei: "Wagner, esse negócio é muito confuso, rapaz. É um monte de partido naquela desgraça. O bom é aqui no Brasil, só tem Arena e MDB." Era mais fácil a gente entender, mas eu sabia que tinha essas coisas.
P/2 - Mas como que era nessa época, você tinha _____________ Guerra do Vietnã, todo dia notícias nos jornais sobre terrorismo, assalto em banco...
R - E eu lá lia isso? Eu lia A Gazeta Esportiva.
P/2 - Você não tomava partido ______________?
R - Eu não, eu nem sabia de nada. Eu queria depois… Quando eu fui para o sindicato, quando cheguei no sindicato é que...
P/2 - Você __________ isso?
R - Veja bem como nós fomos na primeira assembleia. Eu votava no MDB.
P/2 - Você votava no MDB?
R - No MDB, né?
P/2 - Mesmo antes do sindicato?
R - Mesmo antes do sindicato eu votava no MDB.
P/2 - Por quê?
R - Não lembro; não sei se era meu pai, mas não me lembro. Mas veja como é que começa a história: eu fui para o sindicato não foi por nada, eu fui para fazer o Curso de Madureza Ginasial. Quando nós estávamos lá, foi aquela ocasião da descoberta daquele roubo da inflação, dos 34,1% que o Dieese descobriu. O Lula, com toda a sua diretoria, saiu convocando todo mundo para vir fazer uma assembleia no sindicato.
Na hora da assembleia, a imprensa tinha sido convocada. Eles imaginavam que aquilo tudo fosse encher e não tinha chegado ninguém. Desceram no segundo andar, onde eram as salas de aulas do Curso de Madureza Ginasial, e pediram aos professores, aos alunos para subir ao terceiro andar para a imprensa filmar porque não ia aparecer ninguém na assembleia; depois a gente podia descer. A gente acabou subindo e assistindo a assembleia toda.
O discurso do [Walter] Barelli dava vontade de dormir. Depois entra o Lula; o Lula faz um baita de um discurso. Naquela assembleia eu lembro que ele falava que a gente, que as esposas da gente iam para a feira e não podiam se dar ao luxo de trazer nada estragado. Elas apalpavam até os ovos para ver se não estavam estragados, não podiam se dar ao luxo de trazer nada estragado por conta do preço das coisas. E depois desse discurso eu estou aqui até hoje.
(pausa)
P/1 - Jair, retomando então a entrevista, você estava falando que fazendo esse Curso de Madureza e nessa assembleia vocês acabaram participando e você descobriu o Lula. Você ficou muito motivado.
Eu queria que a partir daí contasse como surgiu essa vontade de participar do sindicato e como foi os primeiros passos dentro do movimento.
R - Bem, se a gente se recordar, eu, desde criança, vivi muito junto com as pessoas. Quando não tinha televisão, tinha os vizinhos que se reuniam, as crianças brincavam juntas. Quando eu fui para a escola fazer o primário, quando eu fui para o Senai, eu sempre vivi em grupo, era monitor da classe e na fábrica tínhamos aquele grupinho que formava uma comissão - não era uma comissão de fábrica, mas era uma comissão da Ferramentaria.
Quando assisti essa assembleia, o discurso do Lula, eu comecei a perceber que aquela briguinha pequenininha que nós fazíamos lá naquela comissãozinha dentro da ferramentaria precisava ser ampliada. Tinha muito mais coisas para fora que nós não resolveríamos naquela comissãozinha informal dentro da fábrica. E aí eu comecei a frequentar também o primeiro andar do sindicato, não mais apenas o segundo, onde estavam as salas de aula de Madureza. Eu comecei a frequentar, a querer saber o que era o sindicato, quem eram as pessoas, quem era o Lula, o que era aquilo. Eu comecei a frequentar o andar político do sindicato e comecei a aprender as coisas, mesmo...
P/2 - Você concluiu o Curso de Madureza?
R - Concluí o Curso de Madureza. Prestei depois exame em São Caetano, fui aprovado, mas o diploma deve estar até hoje lá no ginásio; não sei se está lá ou já se desfez, porque eu nunca fui atrás do diploma.
Eu comecei a participar dessa… Do primeiro andar e comecei… Depois veio a greve. Formou-se a comissão, naquela ocasião [se] chamou Comissão de Salário, depois [se] chamou Comissão de Mobilização. Eu comecei a participar, ainda que timidamente, mas comecei a aprender. Eu já não aprendia mais com o Tio Patinhas e A Gazeta Esportiva, comecei a aprender já conversando com as pessoas e me informando das coisas que se discutiam no sindicato.
P/1 - Isso foi em que ano?
R - Isso foi em 77.
P/2 - Aí depois veio 78, veio o início das greves. Teve uma greve na Ford que teve um movimento na Ferramentaria antes da ___________, não teve?
R - Não. Ali também é uma coisa assim, mais ou menos inexplicável. Eu não sei se alguém explica, eu não consigo explicar. Nós soubemos pelo rádio que a Scania tinha paralisado, ao sairmos do trabalho na sexta-feira, no rádio ou dos carros ou no rádio dos ônibus. Aquilo nós nem entendíamos, mas começaram a anunciar porque é que tinham paralisado, que eles estavam reivindicando 15% de reajuste - reajuste não, era aumento real de salário. Ficamos meio atordoados, sem saber o que era, não sabíamos nada.
Na segunda-feira, vínhamos de novo nos ônibus para a fábrica; começou a se discutir nos ônibus: "Escuta, pararam para pegar aumento salarial lá. Para pegar aumento. Pô, será que não dá para a gente parar? Vamos parar também." Aquele burburinho nos ônibus, chegando, descendo no pátio, todo mundo: "Pô, vamos parar, vamos parar." Mas não tinha organização para parar.
Os dois companheiros que eram da diretoria do sindicato, que estavam na Ford, que eram o Ratinho e o Venâncio, não tinham comando para tal. Não eram conhecidos dentro da fábrica e não tinham comando para organizar absolutamente nada dentro da fábrica, e aí aquele burburinho: "Vamos parar, vamos parar." Como parar e que hora parar, de que jeito parar e falar com quem? Nós não sabíamos de nada.
Todo mundo naquela conversa. Fomos para… O restaurante tinha vários horários de almoço, não era todo mundo numa vez só. O restaurante também era hora de se encontrar com pessoas diferentes, de departamentos diferentes, e aí: "Vamos parar, vamos parar." Impressionante, quando foi o último almoço, da turma do meio-dia e meia - começava às onze e ia até meio-dia e meia - a fábrica estava parada; todo mundo voltou depois do almoço e parou a fábrica. Cruzamos os braços.
Foi uma surpresa para todo mundo, foi uma surpresa para nós. Imagina, parou. Aí começou aquela movimentação, a gerência: "Porque parou?" "Paramos porque nós queremos aumento salarial." Mas ninguém falava, ninguém sabia quanto era. Depois começamos a falar que nós queríamos 15%, que era o que a Scania tinha pedido, mas veja, nós não tínhamos nenhum comando de sindicato.
O Ratinho e o Venâncio começaram a tentar visitar as seções e trazer as informações do sindicato para a gente, como é que a gente mais ou menos deveria proceder. A gente entrava de manhã, marcava o cartão e ficava parado na seção, organizadamente. O faxineiro do banheiro não podia trabalhar; nós revezávamos uma equipe [a] cada dia para fazer a faxina no banheiro, porque não podia ficar o banheiro sujo. Ficava insuportável, mas o faxineiro não podia fazer porque aquilo era o trabalho dele e ele estaria furando a greve. Não era o nosso trabalho, então marcávamos cartão, fazíamos isso, ficávamos parados.
[Para] o pessoal do restaurante também avisamos: "Vocês não podem parar, vocês tem que fazer a comida para a gente, essa é a ajuda que vocês vão dar na greve." Então eles trabalhavam, faziam comida. A gente ia lá na hora do almoço, comia, voltava para a seção, parado. No final da tarde dava o sinal, a gente ia para o vestiário, se trocava, marcava o cartão e ia embora.
P/2 - Quantos dias isso?
R - Isso ficou [por] onze dias, mas aí começaram a vir, começaram a tentar fazer com que a gente desmobilizasse a greve. Como é que eles vinham? Vinha o pessoal dos Recursos Humanos, vinha uma determinada seção e falava: "Olha, mas vocês tem que voltar a trabalhar, porque nós vamos acertar o aumento que vocês estão pedindo." A gente falava: "Não, só com aviso no quadro. Quando pôr aviso no quadro que deu aumento nós voltamos a trabalhar. Não e não.” Mas [eles diziam]: "Olha, setor tal já começou a trabalhar, o setor tal da fábrica..." Porque era muito grande, eram onze mil trabalhadores, onze mil peões naquela época, horistas, então era muito difícil.
Mas [foi] incrível, nós tínhamos uma comunicação sem saber que nós tínhamos. Nós nem sabíamos com quem estávamos falando do outro lado do telefone, mas nós telefonávamos da… Cada departamento tinha um número, nós telefonávamos para um número: "Escuta, tá parado? Voltaram a trabalhar aí?" "Não, aqui tá tudo parado." Então organizava e “tá tudo parado”. Era uma coisa, não tinha nenhum esquema; não é que nós falávamos “tinha o João lá na funilaria”, “tinha o Vítor lá na estamparia”. Não, nós simplesmente telefonávamos para o pessoal da estamparia, alguém atendia e falava que estava parado. Ninguém sabia com quem estava falando.
Continuando essa parte, eles foram pressionando. Quando chegou ao nono dia a gente… Eles vinham conversar com a gente, a gente falou: "Nós não conversamos mais, acabou. Nós não falamos mais com vocês, só falamos agora com o presidente do nosso sindicato, então o tragam aqui dentro." Imagina, foi uma resistência da Ford para fazer isso. "Não e não e não." "Então nós não falamos."
No décimo dia foram assistir de manhã e iam sempre, preferencialmente, tentar na Ferramentaria, porque se matasse o movimento na Ferramentaria, que era o coração do movimento, matava a fábrica toda. No décimo dia: "Não há condições da gente conversar. Nós não vamos mais conversar mais com vocês, nós só conversaremos com o presidente do nosso sindicato aqui dentro, tragam ele aqui." Aí não aguentaram.
No final da tarde do décimo dia trouxeram o Lula. Veio o Lula, subiu na máquina lá na Ferramentaria. Nós nos espalhamos; eram cinco, seis que falavam mais, se bem de que qualquer maneira os caras viam, mas nós nos espalhamos no meio da turma. O Lula começou a perguntar a reivindicação, aí um falava uma reivindicação de lá, outro falava uma reivindicação de cá, outro falava. [Todo mundo] mais ou menos espalhado. Ele foi visitar outros departamentos também e a mesma coisa, foi para (cima?) negociado. Naquele dia não fechou nada. Voltou no outro dia de manhã, negociou e no final da tarde foi fechada a negociação.
P/2 - Com assembleia?
R - Ele foi fazendo assembleia de departamento em departamento, primeiro na Ferramentaria, [pra] ver se nós aceitávamos. Aceitávamos, evidentemente; ficamos onze dias parados. Eles nos deram 11% de aumento real, pagaram todos os dias parados, não tinha desconto de férias nem nada, como se tivesse trabalhado normal. Ainda [houve] a promessa de que nós íamos… Algumas coisas do restaurante nós aproveitamos para melhorar e [recebemos] a promessa de que eles iriam fazer uma equiparação, porque a Ford, naquela ocasião, estava pagando um pouco menos que as outras montadoras. Uma vitória total e absoluta. Esses 11% acabaram se estendendo para a categoria toda.
P/2 - Aí você acabou sendo membro do sindicato?
R - Não. Nesses onze dias, nós fazíamos passeata lá dentro. Era eu que falava e a gente subia numa escada, num paredão; [a gente] se reunia num cruzamento que dava para juntar todo mundo e sem megafone, sem nada. Eu subia numa escada dos bombeiros e gritava para o pessoal, falava: "Pessoal, vamos fazer uma passeata. Vamos ver se tem mensalista trabalhando, a gente tira tudo pra fora, mas numa boa, vamos fazer uma passeata ordeira."
P/2 - Essa foi em 81, né?
R - Não, depois a gente fez também em 81 também. E a gente orientava para não estragar as plantas porque tinha jardim. Foi assim.
P/1 - Você já era sindicalizado nessa ocasião desta greve?
R - Já era sindicalizado, porque eu estava fazendo o curso de Madureza.
P/1 - Sim, sindicalizado com carteirinha, mas você já participava, já estava…?
R - Não, ainda não. Eu ainda estava aprendendo tudo ainda.
P/1 - Você ainda estava só no segundo andar?
R - Estava só no segundo andar.
P/2 - Essa greve de 79, como é que foi o movimento para você?
R - A greve de 79 já foi fora. Foi aquela greve que foram… Teve intervenção do sindicato e a gente fazia aqueles… [A gente se] juntava lá no Paço Municipal. Eu me lembro que aquela greve foi lá. O Lula estava preso, estava em prisão domiciliar; ele estava impedido de sair das casas para ir para o Paço e quem foi lá um dia tentar dirigir a assembleia foi - imagina vocês - o Agnaldo Timóteo, que se dizia torneiro mecânico e que foi lá tentar, imagina.
P/2 - Nessa greve você não era militante orgânico, né?
R - Não, orgânico não. Eu já era um militante pronto para o que desse e viesse, pronto para ir fazer piquete, para ser preso, para brigar com a polícia; já era um militante, ainda não era orgânico. Fui ser orgânico só na de 80, quando [se] formou aquela comissão de salário de quatrocentas pessoas e que formou aquele… O chamado Grupo do Dezesseis, que nós fazíamos parte, eu e você fazíamos parte. O Grupo dos Dezesseis que tinha quinze, porque o décimo-sexto nunca participou do grupo: era o Guiba, porque a mulher dele brigava muito com ele, então ele maneirou e não participou do grupo.
P/1 - E quando é que você tem uma vida de militante orgânico mesmo, isso foi em 80, né?
R - Em 80 que eu comecei a participar da Comissão de Mobilização e consequentemente da Comissão de Salário… Ah, a Comissão dos Dezesseis.
P/1 - O que é que você começou a discutir? O que é que vocês deliberaram...
R - Nós discutimos, primeiro… Essa comissão se reunia até antes do início da greve. Ela era formada a partir de assembleias de reuniões com fábricas ou departamentos de fábricas. Nós íamos tirando as pessoas responsáveis para integrar essa comissão; essas pessoas traziam o quadro de dentro da empresa e levavam a mensagem da diretoria para dentro das empresas. A gente media constantemente o termômetro da possibilidade ou não da gente fazer a greve, então era um grupo de pessoas que fazia esse meio de campo entre a diretoria e os trabalhadores. A gente discutia tudo ali: a pauta, o movimento em si, a tática do movimento… Nós nos organizávamos na greve para fazer os piquetes, ou seja, ela tinha uma atuação antes e durante a greve, principalmente… Até depois continuava, mas a atuação dela era antes, na preparação da greve e durante a greve. E em 80 foi formado esse Grupo dos Dezesseis porque já se previa a possibilidade do Lula e a sua diretoria serem cassados, então esses dezesseis teriam a incumbência de substituir a diretoria caso fosse presa no meio do movimento para não deixá-lo morrer.
P/2 - Entre a greve de 79 e 80 não teve uma viagem que você... Pelo sindicato, você foi? Ou foi depois, foi antes da greve de _______?
R - Foi um congresso, eu não me lembro exatamente a época. Foi um congresso de metalúrgicos que em Poços de Caldas que eu fui, mas eu não me lembro bem exatamente que ano foi.
P/2 - Foi em 79 ou 80.
R - Deve ser isso. Foi o primeiro congresso, que era… O primeiro congresso que eu fui, o Congresso dos Metalúrgicos em Poços de Caldas. Lá eu conheci melhor, naquela ocasião, o João Paulo Pires de Vasconcelos, de Minas Gerais; [ele] era também um expoente no movimento sindical, tinha vários outros companheiros.
P/2 - Nessa época, [em] 79, 80, além do Lula, quais eram os outros diretores que você tinha como referência?
R - Ali já tinha bastante amizade, bastante contato com o Djalma, com o Expedito, que era… O Expedito não, o Severino, que era o secretário geral, e muito com o Ratinho e com o Venâncio, que eram da Ford, aí a gente tinha muita amizade. Esses eram os que eu tinha mais contato.
P/2 - Como era o Ratinho nessa época?
R - O Ratinho era uma pessoa extraordinária. Uma pessoa de um valor, de uma coragem, de uma espontaneidade, era extraordinário. Ele vivia falando que queria ver o sangue chegar na canela, quer dizer, ele era briguento. Se tivesse que meter o pé na porta do gerente, do dono da empresa, do diretor da empresa, ele metia o pé na porta, entrava e acabou; dane-se o que acontecesse depois.
Ele era um cara que tinha… Ele parava o restaurante. Uma vez eu me lembro que ele parou um restaurante, subiu na mesa e pediu… A comida não estava legal e ele pediu para que todo mundo virasse as bandejas em cima das mesas. Todo mundo virou a bandeja em cima da mesa, ficamos sem comer aquele dia. Ele era um cara extraordinário, tinha muita coragem. Evidentemente não tinha a capacidade de oratória que tinha o Lula, que tinham outros companheiros, mas tinha uma coragem extraordinária.
P/1 - Nessa greve de 80, o que é que vocês estavam reivindicando?
R - Na greve de 80 a reivindicação que eu, na minha opinião, julgava mais importante era a redução da jornada de trabalho. Reivindicávamos a redução da jornada de trabalho e a estabilidade no emprego, eram duas coisas mais significativas do que aumento salarial.
Eu me lembro muito bem que o Almir Pazzianotto [Pinto], na ocasião nosso advogado, dizia: "Olha, da redução da jornada de trabalho vai ser uma, o reajuste salarial é uma coisa que... " - e na época tinha muita inflação - "... é uma coisa que a inflação come. A redução da jornada de trabalho não, isso é uma coisa que se vocês conquistarem, não há inflação que coma a redução da jornada de trabalho. A propensão é diminuir a jornada e aumentar postos de trabalho."
Isso era uma coisa efetiva. A estabilidade no emprego era uma reivindicação que hoje eu acho impossível de se conquistar, naquela ou em alguma época. A redução da jornada de trabalho não, mas a estabilidade do emprego plena, como nós imaginávamos, evidentemente não podia existir.
P/2 - Como é que funcionava do Grupo dos Dezesseis? Conte alguns episódios.
R - O Grupo dos Dezesseis… Às vezes a gente tinha vontade de chorar, mas era tudo na vida da gente, a luta foi bastante difícil naquela ocasião. Ainda é interessante, porque era o seguinte: a diretoria podia ser presa e esse Grupo dos Dezesseis tinha que se preservar para substituir a diretoria. Naquela ocasião, nós praticamente fazíamos as reuniões. Não eram clandestinas, mas tinham que ser escondidas; nós não podíamos permitir que nós… Se fosse pego todo o Grupo dos Dezesseis reunido, seríamos os dezesseis presos - os dezesseis que eram quinze. Aí prendiam a diretoria, prendiam o grupo que ia substituir a diretoria, acaba, estourava o movimento.
Nós nos reuníamos sempre. Tinha o Osvaldo Bargas, que invariavelmente era encarregado de arrumar um lugar para nos reunirmos. Ele arrumava um lugar que só ele sabia e aí ele marcava um encontro: "Vou estar em frente a estação do metrô tal, vocês vão passar, vão chegando, vão passando e vão pegar um papelzinho comigo com o endereço do local.” Assim nós fazíamos: tinha que chegar na estação e procurar o Osvaldo Bargas, então a gente tinha que ir lá, pegar o papelzinho e se mandar. Nunca chegava todo mundo junto, porque as pessoas vinham das mais diferentes localidades e montavam essa reunião.
Teve coisas fantásticas. Eu me lembro [que] uma vez o Osvaldo arrumou um local em São Caetano do Sul que era no fundo de uma escola da igreja, mas o fundo dessa escola da igreja dava exatamente para a frente da Delegacia de São Caetano. Evidentemente eu não sabia, porque se soubesse antecipadamente eu não permitiria, mas como não sabia, só fiquei sabendo na hora. Chegamos lá e falamos: "Pelo amor de Deus, é em frente à cadeia, em frente à polícia. Vamos embora daqui." (risos) Aí teve que desmobilizar, então tinha essas coisas.
Outra ocasião, ali para o lado do… Vila Mariana, acho que foi uma reunião. Vamos lá, pegamos o negócio com o Osvaldo, vamos para a reunião. Estamos quase todo mundo lá, eis que chega um dos últimos, um tal de Lima, que trabalhava na Mercedes, que e entra e fala: "Gente, gente, eu fui seguido. Tá estourada a reunião." E entrou na reunião para falar que foi seguido. Graças a Deus, foi impressão dele que ele tinha sido seguido, porque se tivesse sido seguido mesmo tinha estourado, tinham prendido toda… Já estava todo o grupo lá.
Um outro fato dessas reuniões, uma outra ocasião é que nós estávamos no grupo, ___________, fazendo a reunião, mas tinha a ausência de duas ou três pessoas - o Alemãozinho, o Osmar e, se não me engano, o Batista também. Não sei exatamente se o Batista estava, mas o Alemãozinho e o Osmar eu me recordo que não estavam. A gente estava estranhando que eles não tinham chegado. Eram as duas pessoas, na verdade, que mais falavam e que falavam em assembleia do grupo; eram dos mais preparados. Não sei exatamente como soubemos: eles estavam aqui na Assembleia Legislativa, tentando negociar o fim da greve sem que a gente soubesse. Quando a gente… Eu não sei como é que… Eu não me lembro exatamente como nós ficamos sabendo. Desmontamos rápido a reunião e fomos lá para a Assembleia; estavam eles lá com vários deputados, a imprensa toda lá...
P/2 - FHC.
R - É, o Fernando Henrique Cardoso, parece que estava o Ulisses Guimarães. Estava todo mundo lá e eles tentando, sem que ninguém soubesse. Lógico, chegamos lá, o resto dos Grupo dos Dezesseis, estouramos, desfizemos a reunião. Eles não eram representantes, não tinham sido autorizados pelo grupo para fazer absolutamente nada disso. Isso era tudo escondido e a gente já saía…
Eu tinha uma Brasília que não era amarela, era bege. Era uma Brasília velha. Eu pegava o Paulo Okamotto e a gente ia lá para Sapopemba, na igreja, pegar o material que o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo rodava e entregava lá. A gente pegava depois da meia-noite esse material e trazia aqui para o fundo de greve, para o fundo da Igreja Matriz de São Bernardo, durante a madrugada. No outro dia, tinha que ter o material para distribuir na assembleia. Não podia chegar de dia porque de dia já estava… A polícia já tinha cercado São Bernardo, então…
Aliás, tem um fato que a minha mulher fala até hoje. É que um dia eu estava para sair, para ir buscar esses materiais. Eu ia passar na casa do Paulo Okamotto. Era eu que tinha carro lá, e a minha mulher falou: "Jair, era bom que você não saísse hoje porque acho que o neném vai nascer." Era a caçula, a Jessica, que estava para nascer, exatamente na… Ali pelo período da greve. Eu falei: "Ah, minha filha, ou você chama o meu pai, se precisar, ou você chama o vizinho.” Era o Miguel, padrinho nosso de casamento. “Eu não posso, eu tenho que ir embora.” Isso a marcou muito, eu mandar chamar o meu pai ou o vizinho para cuidar, levá-la porque ia nascer o nenê. Mas eu não tinha como, eu era encarregado daquela tarefa e aquela tarefa não podia ficar sem ser feita. Se uma das tarefas ficasse sem ser feita uma categoria seria prejudicada, certo? Eu, lamentavelmente, deixei essa marca com a minha esposa que até hoje ela… De vez em quando ainda lembra.
P/2 - Qual era ______________ entre o Grupo dos Dezesseis e o Lula na cadeia, se é que você se recorda?
R - Eu não me recordo muito bem. Eu, na verdade, nunca fui visitar o Lula na cadeia, pouco parece que… O Frei Beto parece que ajudava um pouco nisso. Parece que o Luís Eduardo Greenhalgh ajudava um pouco nessa comunicação, inclusive a gente tentava demover o Lula de fazer greve de fome através do Luís Eduardo, que levava os recados da gente. Parece que tinha o Dom Cláudio Nunes, que também fazia esse intercâmbio, mas eu não me lembro exatamente, [era] mais ou menos assim.
P/2- E o 1º de maio? Você se recorda?
R - O 1º de maio eu me recordo, não tem quem não se recorde do 1º de maio. Quem viu, viu; quem não viu, nunca mais verá. Foi uma coisa maravilhosa. Nós estávamos todos na Vila Euclides; a assembleia [de] 1º de maio nem tínhamos convocado. O movimento se mostrou solidário - aliás, nós tivemos sempre uma solidariedade extraordinária. O movimento se mostrou muito solidário, estava vindo todo mundo para São Bernardo para a gente fazer o 1º de maio, íamos fazer uma caminhada. Tudo interrompido: as pessoas tiveram que desviar, outros que vinham de ônibus tiveram que desviar, outros tinham que falar que não iam para a coisa, iam para a represa, mas foi enchendo, enchendo de gente e nós querendo… Aí nós resolvemos que íamos sair [com] a passeata ali da igreja e ocupar o estádio da Vila Euclides, mas a polícia ali não deixava. [Quando] a gente ia se organizar para fazer, começar a caminhada, a marcha, a polícia vinha com água, desfazia a fileira da frente e nós saíamos, retornávamos; a polícia jogava bomba de gás lacrimogêneo e aquilo explodia, batia. Eu rasguei minha… Naquele dia, eu rasguei a minha calça e feri um pouco a perna, levemente. A gente saía nos estouros das bombas e o Nelson lá dentro da igreja, com medo, pedindo para todo mundo entrar, não sair [com] a passeata; nós lá fora, dizendo: "Não, nós vamos sair com essa passeata, ninguém vai impedir e ponto." A gente se desfazia e fazia; uma turma ali, tinha alguns deputados que estavam tentando negociar com o Coronel Braga - era o Coronel Braga na ocasião - e avisando: "Vai ser uma carnificina." Porque nós estávamos dispostos, nós íamos fazer aquela caminhada e ocupar o estádio da Vila Euclides. Acontecesse o que acontecesse nós íamos fazer aquilo, estávamos dispostos a morrer se fosse preciso.
Até que foram negociando, negociando; enquanto fugíamos das bombas e voltávamos, um grupo negociava com o Coronel Braga. O Coronel Braga recebeu essa comunicação, uma ordem de retirar o policiamento de São Bernardo. E ali tinha tudo que você pode imaginar, de órgãos de repressão tinha tudo: tinha Polícia Federal, tinha Dops [Departamento de Ordem Política e Social], tinha brucutu, tinha tanque, tinha cavalaria, tinha cachorraria. Tudo que você pode imaginar tinha ali em São Bernardo. Eles levantaram acampamento; quando levantaram acampamento nós começamos a chamá-los, porque soldado também era explorado, [começamos a] chamá-los para o movimento. Claro que eles não vinham, mas nós gritávamos isso: "Soldado, você aí, soldado, também é explorado." Aí a gente foi; já estava tudo desocupado. Quando a gente chegou ao Paço não tinha mais policial nenhum e a gente ia dançando, cantando, virando cambalhota, chorando, se abraçando todo mundo. Fomos, ocupamos o estádio da Vila Euclides e realizamos o 1º de maio dessa maneira. Foi uma coisa [que] quem viu, viu; quem não viu, nem em filme verá igual o que aconteceu no dia 1 º de maio.
P/2 - E a greve, você achava que tinha que ter terminado antes, terminou na hora certa? O que é que você achou?
R - Não, eu achava que a greve tinha que ter demorado mais. O grande problema é que não é fácil. Naquela ocasião, nós chamamos até o advogado, porque começou, aí começaram… Conseguiram assustar a gente. Não todo mundo, mas conseguiram assustar uma maioria, porque como fazia mais de trinta dias que estávamos de greve começaram a falar que era abandono de emprego, portanto poderíamos ser mandados embora por justa causa. É evidente que cem mil trabalhadores não seriam mandados embora por justa causa no mesmo momento, porque não teria como repor essa mão de obra, mas evidentemente que cada um, quando volta para a sua casa, no convívio com a sua família, vai sofrendo as pressões da família, da esposa, da mãe, dos filhos. Com esse temor, o nosso advogado, o Almir Pazzianotto… Nós pedimos para ele ir ao palanque e dizer que isso não caracterizava abandono de emprego. [Ele] ficou com medo, não foi para o palanque falar, então deixou o pessoal um pouco mais preocupado, quer dizer, nós...
Eu acho que nós voltamos na hora certa, porque não tínhamos mais condições, naquele momento, de resistir. Evidentemente que se tivéssemos condições de resistir, possivelmente o movimento fosse mais vitorioso do que foi. Eu acho que todo os movimentos foram vitoriosos, independentemente de nós termos conquistado ou não a reivindicação que nós pedíamos. O fato de nós fazermos era fantástico, porque ninguém tinha medo de fazer greve aqui em São Bernardo, era impressionante. Nós fazíamos greve, às vezes perdíamos financeiramente e os dias parados eles descontavam em parcelas - nós chamávamos de carnê. Quando estava chegando no final do pagamento desse ‘carnê’ o pessoal já falava: "Opa, tá na hora da gente fazer outro carnê." Ou seja, estava na hora da gente fazer outra greve. Era impressionante, não se tinha medo de lutar nessa categoria.
P/2 - Depois da greve cassada começou a constituir uma nova...
R - Bem, mas depois cassaram essa diretoria, cassaram ela inteirinha; depois colocaram uma Junta de Intervenção, uma Junta Provisória. O Lula, através do Joaquinzão, influenciou o Murilo Macedo e colocou a maioria da Junta Provisória que ele queria. O presidente da Junta Provisória era o Afonso, que tinha sido presidente do sindicato… Era o diretor do sindicato, não me recordo; um companheiro extraordinário e que acabou enquanto Junta Provisória até dirigindo uma greve, dirigiu uma das nossas greves.
Precisava formar uma chapa para… Porque a junta ia convocar a eleição, aí vamos formar essa chapa. A história dessa chapa é muito longa, mas eu vou resumir: precisava trazer 24 companheiros que nunca tinham passado pela diretoria, que nunca tinham sido diretores. Normalmente, é você vir de uma diretoria como Diretor de Base, depois vai para a Diretoria Executiva, até que um se destaque e venha a ser presidente do Sindicato, mas nós fomos escolhidos... 24 companheiros que a diretoria ia escolher para compor essa chapa, aí tinha que ser reunião clandestina outra vez, porque se fosse descoberto que estávamos compondo uma chapa, nós seríamos demitidos das empresas. Tinha que ser clandestinamente até que se formassem os 24 e registrassem para que… Se fosse registrado, não podia mais ser demitido.
A reunião era sempre no fundo da igreja aqui em frente ao Vera Cruz, e eles iam, aí ia juntando... Teve um companheiro chamado Gilmar que chegou à reunião enganado, porque obteve uma informação que ia ter reunião, mas foi enganado e chegou. As pessoas chegavam e falavam: "Olha, a diretoria é que me mandou." Porque nós não sabíamos, a diretoria que ia escolhendo e juntando o grupo e esse grupo se reunia para ir formando essa chapa.
Até que um determinado dia, depois de montada a chapa, tinha que saber quem era o presidente, quem era o secretário geral, quem era o tesoureiro. Nós falamos para o pessoal da diretoria: "Tudo bem, vocês montaram a chapa. Vocês que entendem, vocês que digam quem vai ser quem nessa diretoria: quem vai ser o presidente, o tesoureiro, o secretário geral, vice-presidente. Vocês que digam." Então ficou combinado assim.
Num determinado… Acho que era um domingo, um sábado, não sei, nós nos reuníamos no porão da igreja e a diretoria do Lula estava reunida na casa dele, porque eles iam montar cada um de nós nos cargos. Nós estávamos esperando [e] chega o Gilson, que hoje é prefeito de Diadema, que era da diretoria do Lula. Chegou o Gilson para dar o recado da diretoria. Falou: "Olha, nós estivemos reunidos lá, mas não chegamos à conclusão. Acho que a responsabilidade é de vocês. Vocês vão ter que discutir entre vocês e designar quem vai ocupar cada um dos cargos. Nós só conseguimos definir dois cargos. É o Bargas para Secretário Geral e o Meneguelli para presidente."
Nós estávamos num banquinho que não tinha encosto, era um banco lá. Eu tive que me segurar na mesa porque jamais eu podia imaginar. Eu não era dos melhores, dos mais preparados. Por exemplo, eu nunca tinha participado de movimento nenhum. Você pega o Bargas: o Bargas vem desde criança trabalhando aí, participando de movimentos na igreja, da JOC [Juventude Operária Católica], essas coisas, tinha já muito mais preparação. Eu não, eu era absolutamente despreparado, não sei até hoje porque cargas d'água inventaram esse cargo de presidente para mim.
Foi um susto muito grande. Eu fui embora para a casa, fiquei três dias sem comer, sem dormir, totalmente atordoado. Fui para a casa do Lula depois, falei: "Olha, não dá, não tenho condições." Ele falou: "Não, vai em frente, a gente ajuda a enfrentar. " "Tá bom, só que qualquer dificuldade que eu tiver eu pego o carro e corro aqui na sua casa."
Acabamos encarando, mas o fato é que qualquer um de nós que fosse escolhido presidente naquela ocasião… Claro que não substituiríamos o Lula, nem era esse o papel e o objetivo, mas nós trabalhávamos. Nós éramos um grupo. Qualquer um tocaria a presidência porque… Eu me recordo muito bem, o Osvaldo ainda falava... Tinha o Osvaldo Bargas na secretaria geral e o Paulo Okamotto na tesouraria, e ainda eles falavam: "Nós levamos as pancadas. Pode deixar que nós levamos as pancadas para preservar você, que é o presidente. As coisas ruins nós fazemos, as coisas boas você faz." Então tinha muito essa questão de entendimento e solidariedade, a gente se ajudando conseguiu tocar aí.
P/2 - Antes das eleições teve uma greve na Ford.
R - Foi aí que saiu a Comissão de Fábrica da Ford.
P/2 - Como foi esse movimento?
R - Eu já estava afastado, nós estávamos afastados para a eleição. Teve uma greve na Ford, uma greve bastante forte lá dentro e nós já discutíamos comissões de fábrica como uma coisa muito mais importante do que reajuste salarial. Nós começamos a organizar essas coisas. Eu me recordo que nessa greve eu estava licenciado já para a eleição, mas eu podia entrar normalmente. Num dos dias entramos e falamos: "Vamos formar uma Comissão Provisória para reivindicar e vamos nessa greve reivindicar a Comissão de Fábrica." Já tinha uma Comissão de Fábrica na Volkswagen, que foi instituída unilateralmente pela Volkswagen na época em que o interventor estava no sindicato. Nós queríamos uma comissão que fosse negociada com o sindicato, então fomos para dentro naquela greve e começamos a ir para vários setores da empresa, discutindo nos setores e tirando pessoas para formar uma Comissão Provisória que ia negociar aquela própria greve. Um dos pontos de pauta ia ser a Comissão de Fábrica, que nós queríamos instituir dentro da Ford. Tiramos o grupo, fomos para a segunda diretoria, apresentamos o grupo como o grupo que ia negociar e que era já, nós já tínhamos deliberado que era a Comissão Provisória que ia discutir; queríamos discutir o estatuto de uma Comissão Definitiva. Isso foi aceito pela empresa e depois essa comissão, junto com o sindicato, teve a incumbência de formar, de fazer o estatuto e a eleição da primeira Comissão de Fábrica negociada naquela ocasião, acho que no Brasil todo.
P/2 - Nessa eleição tinha duas chapas. Tinha a chapa dois, como é que era a chapa dois?
R - Na Ford?
P/2 - Não, nessa eleição do sindicato.
R - Ah, nas eleições do sindicato. Nas eleições do sindicato foram formadas duas chapas, não houve possibilidade de formar uma chapa só. Havia uma divergência política, não era nem mais… Era uma coisa muito mais entendida pela diretoria cassada do que por essa diretoria que estava se formando, mas não houve concordância em formar apenas uma chapa.
A outra chapa foi encabeçada pelo Osmar, o vice-presidente, o secretário geral eu acho que era o Alemão, o tesoureiro o Batista, uma coisa assim. Formaram outra chapa, uma chapa de oposição; eram companheiros, na verdade, que tinham contribuído também no movimento, eram companheiros que tinham contribuído também muito nas nossas greves, mas que por divergência política não [foi] possível formar uma chapa só naquela ocasião.
O grande erro desses companheiros é que primeiro fizeram campanha com gente de fora, não era gente da categoria que os ajudaram na campanha, e segundo que eles fizeram a campanha criticando o Lula, chamando até o Lula de ladrão, pichando alguns muros… “Lula ladrão”, ou seja, criticar o Lula naquela ocasião, que era para nós o Deus da nossa categoria. Evidentemente, o nosso grande medo é que eles fizessem uma campanha exatamente ao contrário, dizendo que também eram candidatos do Lula, mas caíram no erro de fazer uma campanha criticando o Lula e o resultado das eleições foi que nós tivemos 98% dos votos e eles tiveram 2% dos votos. Nunca vi coisa igual, porque era ali, naquela ocasião, no auge do movimento; na verdade, a eleição era [sobre] quem era contra o Lula e quem era a favor do Lula, então, imagina... Evidentemente, nós teríamos que ter essa vitória que tivemos.
P/2 - E como é que funcionava a diretoria? Essa primeira diretoria, pessoal inexperiente?
R - Não, agora também você está forçando muito a minha cabeça. Veja, eu me lembro...
P/2 - Esquece que eu estou aqui.
R - (risos) Eu me lembro, não… Um fato relevante é que nós tomamos posse no sábado, num domingo. Na segunda-feira, a Mercedes mandou cinco mil trabalhadores embora, de uma só vez. Esse foi o presente que nós recebemos, o abacaxi que nós recebemos para descascar. Fomos lá na frente da fábrica, o pessoal não sabia nem ainda quem eu era; me confundiram com o cara da chapa dois, tivemos que sair dali correndo e buscar o Lula para falar que eu era o presidente e que portanto era eu agora é que tinha que tocar o movimento. Mas o que é que você estava perguntando?
P/2 - O funcionamento, como é que era?
R - A diretoria tinha eu de presidente, o Vicentinho de vice-presidente, o Bargas de secretário geral, o Paulo Okamotto de tesoureiro. O Humberto, acho que era da diretoria executiva, encarregado do Departamento Cultural, era assim.
A gente tinha alguns companheiros da ex-diretoria que trouxemos para nos ajudar, porque tinham mais contato nas portas das pequenas empresas. Eram muitas que a gente ainda não conhecia bem, não tinha familiaridade ainda com essas fábricas. Esses companheiros vieram nos ajudar e depois de um tempo nós começamos a ter que nos libertar, porque eles estavam até atrapalhando, querendo assumir o papel de diretores, o que inibia um pouco o crescimento da nossa diretoria. Eles foram se afastando aos poucos para que essa diretoria...
Mas era uma diretoria muito unida. Nós nos reuníamos para decidir todas as coisas, até para discutir o discurso da assembleia: como é que nós íamos falar, o que é que nós íamos propor e o que cada um ia falar em cada momento. Nós prevíamos já que outros elementos, que faziam oposição à diretoria… Nós sabíamos até, imaginávamos o que eles iam falar na assembleia, então quando um se inscrevia um dos nossos diretores se inscrevia atrás, para poder rebater o que eles iam falar. Nós trabalhávamos bastante organizados.
P/2 - Nessa [época] você fez duas viagens, uma para o Japão e outra para a União Soviética. No Japão, você e o Paulo Okamotto tiveram uma passagem interessante. Conte para a gente.
R - Primeiro que a fitinha... A Federação Internacional dos Trabalhadores tinha mandado dois convites para que nós participássemos do Congresso da Metalurgia em Tóquio. Dois convites: um era para o presidente, claro, e o outro nós precisávamos escolher um da diretoria. Eu me lembro que o Paulo Okamotto falou: "Olha, gente, não tem dúvida que o outro sou eu." Paulo Okamotto, olho rasgado.
P/2 - Isso foi quantos dias de discussão?
R - Depois de muitos dias discussão porque era a primeira viagem. Imagina, aquilo era deslumbrante, ir para Tóquio, pegar avião. Além do compromisso nosso tinha essa coisa. Evidentemente que era peão vindo de fábrica, a primeira vez que ia ver isso. Depois de muita discussão então o Paulo Okamotto falou: "Olha, tem que ser eu porque eu é que sei falar japonês, eu é que vou assessorar o nosso presidente, eu é que vou ajudar o nosso presidente lá em Tóquio.” Então não teve dúvida, então foi ele o escolhido para ir junto.
Lá vamos nós para Tóquio. O desgraçado não sabia falar nem arigatô. Chegamos lá, estamos lá no coquetel oferecido pela central, pelos sindicatos de lá e aí um japonês encostou perto de nós. Estávamos eu, ele e o outro presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São José, que era o Ari, estávamos ali conversando. Chegou o japonês e começou a conversar com o Paulo Okamotto em japonês, evidentemente. O Paulo Okamotto [levou] um tempão para se justificar, explicar que não sabia falar japonês. O japonês falou para ele: "Do you speak English?" Aí ele virou para o japonês e falou: "Ah, mucho poco." Ou seja, não sabia falar absolutamente nada de nada e a gente ficou sem se comunicar.
Era assim: a gente ia sair para conhecer alguma coisa lá, eu pedia melhor informação para os guardas japoneses do que o Paulo Okamotto. Eles ficavam putos com ele porque ele tinha o olho rasgado e não sabia falar japonês. Eles não gostavam muito de atendê-lo, era preferível atender um cara que eles sabiam que não era japonês e que precisava de ajuda e eles ajudavam a gente a se desfazer.
Na União Soviética, então, a coisa foi mais triste. Para a União Soviética fomos eu e o Humberto. Ah, na verdade íamos eu e o Lula - aliás, não eu e o Lula, era o Lula e eu, que tinha sido convidado mesmo que o Lula ainda estivesse… Que estivesse fora da diretoria, mas tinha sido convidado. O Lula não pôde ir; não sei porque cargas d'água nós decidimos aqui que ia o Humberto junto comigo.
Rapaz, acontece que só mandaram a passagem de ida, não mandaram a passagem de volta. A gente estava indo com cem dólares e a passagem de ida, a passagem de volta a gente ia receber lá. A gente ia via Peru, lá que a gente ia pegar o avião da Aeroflot, que ia para a União Soviética na ocasião. Quando chegamos ao Peru fomos lá para a embaixada para pegar as passagens. Nós estávamos indo com a passagem daqui a Lima no Peru, lá na embaixada é que nós iríamos pegar a passagem para a União Soviética e retorno. Chegamos e para a gente lá em Lima explicar para os caras que não era Lula mais que ia porque não pôde ir, que estava indo o Humberto no lugar dele? Não havia meio, eles tinham que se comunicar com a União Soviética, e lá não entendi o porquê disso, isso não era possível, isso não acontecia. Isso era um… Internacionalmente isso era uma desfeita, não sei o quê lá.
A resposta não chegava e a gente lá; tinha que viajar no domingo e não conseguia nada com a embaixada, aguardando notícia de lá. "Vamos à noite então, vamos à noite."
Coincidentemente tinha um jogo no estádio, um jogo de vôlei que era o Campeonato Sul-americano - não, acho que era o Campeonato Mundial de Vôlei porque tinha Japão, China, Brasil, Peru e era depois…. Exatamente, tinha um Campeonato Sul-americano aqui que o Brasil ganhou em cima do Peru em Santo André e que a torcida jogou lata nas peruanas, então eles estavam com uma raiva de tudo quanto era brasileiro.
Nós fomos lá, eu e o Humberto, para o estádio assistir Brasil e Japão. No outro jogo ia ser China e Peru, mas era o estádio todinho, lotado, torcendo para o Japão. Só eu e o Humberto ali de brasileiros, os dois quietinhos, aí eu falei para o Humberto: "Humberto, cala a boca. Se elas fizerem um ponto a gente fica absolutamente quieto porque se a gente levantar aqui a gente morre." A gente aguentando lá e o Brasil perdendo.
Depois entra a Jaqueline, que era gordinha naquela ocasião, era levantadora. Ela consegue dar uns passes e a gente começa a fazer uns pontos. Como é que chamava? Vera, Vera Moser e Isabel. Começaram a fazer uns pontos. Quando fez um ponto bonito lá, rapaz! Esse Humberto levantou, gritou assim [de um jeito] que eu olhei para ele: "Baixa, rapaz." Ele abaixou e eu só esperei a porrada. Eu falei: "Vamos tomar agora." Ninguém reagiu e depois começamos até a torcer um pouquinho. Outras pessoas também torcendo. Acabamos apanhando daquela vez.
Bom, mas isso não interessa. Atrasou a viagem; ao invés de ir no domingo fomos na segunda-feira. Quando chegamos lá o Congresso já tinha sido iniciado, nós saímos daqui sem uma comunicação, sem um telefone, sem um cartaz, sem um nome, sem nada. Sem passagem, sem dinheiro. Fomos para lá, [quando] chegamos lá não tinha ninguém no aeroporto de Moscou esperando a gente, ninguém. Eu e o Humberto no aeroporto de Moscou. Saímos da alfândega, juntamos, pusemos as nossas malas lá no meio, nós não sabíamos se chorávamos, se gritávamos, se arrancávamos a roupa. [Fazia] frio para caramba e não sabíamos o que fazer. Não sabíamos falar espanhol, não sabíamos falar italiano, não sabíamos falar inglês, quanto mais russo. Fomos para o balcão - acho que estava escrito informação, não sei por que...
P/2 - E o que aconteceu?
R - Dentro do aeroporto, tentando ir ao balcão que nós imaginávamos que fosse de informação [e] perguntar se alguém falava espanhol. Ainda bem que ninguém falava, porque se falassem também nós não íamos entender mesmo o espanhol.
Procurávamos; ficava um lá nas malas, o outro saia procurando para ver se encontrava alguém com um papelzinho escrito Meneguelli e nada, as horas passando. De repente, eu estou passando no meio do hall, do saguão do aeroporto. Eu escuto uma mulher falar: "Nossa, benzinho, será que não tem ninguém esperando a gente aqui?" Ah, eu avancei em cima dessa mulher e eu não sabia quem era, eu não queria saber quem era. Eu falei: "Ah, você é brasileira, me ajude pelo amor de Deus!"
Era a esposa de um economista do Rio de Janeiro, chegou a ser presidente do IBGE, do BNDES depois, o __________. Não sei se era Roberto o nome dele, eu não me lembro agora. "Pelo amor de Deus, nos ajude." Ele sabia falar inglês.
Não se conseguiu dentro do aeroporto a informação de onde era esse congresso. Ele estava indo passar uma segunda lua-de-mel com a mulher e eu já estava incomodado de incomodá-lo. Eles estavam desesperados também para ir para o hotel, porque o problema deles já tinham resolvido. E segunda lua-de-mel é segunda lua-de-mel, não pode ficar interrompendo assim por qualquer coisa.
Eu falei: "Puta que o pariu, o que é que eu faço agora?” Ele falou: "Olha, eu estou indo para um hotel. O máximo que eu posso fazer é pegar o endereço do hotel e te dar, aí qualquer coisa você vai para lá."
Sei lá, não conseguia mais informações. Pegamos aquele papelzinho que ele deu com o endereço, saímos, mostramos para o taxista. O taxista levou a gente, a gente parou em frente ao hotel, mas no hotel não podia entrar. Você só podia entrar… Você já sai daqui com o hotel certo, naquela ocasião você não podia sair daqui chegar lá e procurar hotel; sei lá, tinha que ter tudo isso documentado. Meu Deus do céu, eu já não sabia mais o que fazer, aí consegui entrar lá. O Humberto ficou com as malas, eu consegui entrar, mas e daí entrar lá dentro? Era a mesma coisa que ficar lá fora.
O tal do economista passou lá em cima, no mezanino. Ah, eu não tive dúvida, gritei para ele. Ele desceu lá, ajudou a gente se alojar. Fomos lá para o quarto, aí o Humberto falou: "Bom, agora..." Eu falei: "Vamos jantar?” “Puta que o pariu, com o quê? Não temos dinheiro, não sabemos falar, vamos comer essas duas bolachinhas que trouxemos do avião e vamos ficar quietos, porque minha mãe falou que sono sustenta. Vamos dormir e no outro dia, amanhã, a que a gente faz."
Fomos dormir e no outro dia fomos lá para baixo do hotel. Chegamos no balcão: "Speak Spanish?" "No, English." A gente voltava, sentava lá e esperava uma outra pessoa diferente no balcão. Passava outra pessoa, a gente ia lá: "Speak Spanish?" "No, English." A gente voltava, sentava lá. Eu falei: "Humberto, não dá, bicho. A única alternativa aqui é a gente ficar pelado. Vão ter que levar a gente para a cadeia e eles vão ter que trazer alguém para traduzir o que a gente está falando, não é possível." "Não, calma aí, Jair, vamos esperar mais um pouco."
Uma hora o Humberto foi lá porque tinha uma pessoa diferente no balcão. Ele falou: "Speak Spanish?" Ele falou: "No, English." Uma pessoa, uma moça do lado de fora falou que falava espanhol, aí o Humberto falou: "Graças a Deus! Esse povo russo é mal educado”, não sei que lá. A moça era russa, ela só era intérprete; ela falava espanhol e ele já xingou o povo russo para a moça. Ela nos ajudou, pegou o telefone; nós explicamos para ela que estávamos num congresso tal, e ela telefonava e não achava.
Depois de muito tempo, ela achou e escreveu o endereço no papel para a gente pegar um táxi. Fomos lá fora, saímos na frente do hotel, paramos um táxi, mostramos o papel; ele falou que não que ia para lá. Atravessamos a rua, paramos um táxi, mostramos o papel, ele falou que não ia para lá. Eu falei: "Cacete! Eles andam de Sputnik aqui porque um não vai para lá, [outro] não vai para lá, então como é que a gente faz?”
Atravessamos a praça verde, [fazia] frio para caramba. Nós com uma camisa de manga comprida, porque o Frei Chico, irmão do Lula, tinha falado para nós que era verão e que era calor lá. Nós sem agasalho, sem comer, sem saber, atravessamos a praça e o povo chupando sorvete naquele frio.
No outro lado da praça nós mostramos o papelzinho para um táxi; ele mandou a gente subir e levou. Quando chegamos na frente dum negócio monstruoso tinha o cartaz do congresso que nós tínhamos recebido aqui no Brasil, mas não tínhamos levado. Aí eu falei: "Aqui, aqui." Fomos recebidos e o cara foi buscar as nossas malas para passar para o outro hotel, né, que era o hotel [em] que os delegados iam ficar hospedados. Eu não via a hora de vir embora daquela terra, porque eu sofri.
P/2 - ___________________?
R - Não, bebia bem. No final da noite eu tinha que vomitar, porque faziam a gente tomar vodca e eu não tomava bebida alcoólica naquela ocasião, eu não tomava nenhuma bebida alcoólica. Eles faziam nas recepções a gente brindar e o brinde era com um copo de vodca, que você tinha que virar. Tomei um copo grande de vodca e no segundo copo eu pus água mineral, para quando eles passassem para encher eu falasse: "Está cheio." Mas a água mineral borbulhava, eles mostravam que estava borbulhando, que era água. Eles me faziam tomar água para depois encher de vodca para mim, depois do brinde virar a vodca. Eu quase morria, três dias que quase morri.
No outro dia de manhã, no café da manhã a gente ia para lá [e] no meio da mesa tinha um litro de vodca. [Com um] frio desgraçado, [era] assim que eles se viravam. E a comida era horrorosa, tinha um peixe defumado no meio duma gelatina. A gelatina era meio transparente, você via aquele filé de peixe no meio da gelatina. Aquilo não tinha gosto de nada, tinha gosto de borracha, era difícil. Eu pegava na hora do café da manhã um monte de fruta, enfiava no bolso do casaco - nós ganhamos um casacão comprido, quente, aí a gente enfiava, enchia de fruta e comia fruta.
P/2 - E a sua ida para o sindicato mudou a sua relação com a família? Como é que se passou isso?
R - Não. Na verdade, eu tive muita sorte, para ir… Quando fui começar todas essas atividades, a primeira reação em casa foi: "Não, você não vai salvar o mundo sozinho." Mas depois eu disse, tanto para os meus pais quanto para a minha mulher, que se eu… Depois que eu conheci, se eu não seguisse eu seria apenas meio homem, eu não seria mais um homem completo. Eu iria me frustrar [por] alguma coisa que eu tinha visto, aprendido e entendido que era por ali o caminho.
Minha família muito, sempre junto de mim - minha mulher, minhas filhas, meus pais, minhas irmãs sempre junto de mim, sempre me apoiando, sempre me dando respaldo nas greves. Quando nós fazíamos aqui fundo de greve, as nossas esposas, todas juntas, formavam os bazares, pegavam roupas por aí para formar bazar, vender para ajudar no fundo de greve. Sempre participaram, as minhas filhas sempre participaram.
Boca de urna, quando a gente ia fazer para os nossos candidatos do PT, as filhas [estavam] lá junto, na boca de urna com as camisetas do PT, entregando panfleto desde pequenininha. E não é porque eu forçava, é porque queriam ir, pediam pelo amor de Deus, queriam ir comigo. Passava na rua de casa alguém pregando cartaz nos postes que não fosse do PT; era pregar, virar a esquina e minhas meninas arrancarem tudo. Não deixavam um cartaz que não fosse do PT na rua de casa. Então, graças a Deus, a família sempre teve junto.
P /2- E a intervenção do sindicato? Como é que foi?
R - Eu acho que a intervenção do sindicato foi o momento que eu mais aprendi na minha vida. Quando nós fomos buscar, nós fizemos uma greve de solidariedade. Saímos de um congresso em Piracicaba, passamos por Paulínia, onde era a sede do Sindicato dos Petroleiros de Campinas, [que] estavam em greve e nós… Imagina, naquela ocasião, [na] época da ditadura, fazer greve de solidariedade era absolutamente ilegal do ponto de vista deles. Viemos para cá, fizemos a greve de solidariedade aos companheiros de Paulínia; fomos cassados.
Tinha um salão em frente ao sindicato que estava em construção, que ainda não estava pronto. Nós falamos: "Vamos alugar esse salão aqui." A diretoria, nós alugamos o salão em frente ao sindicato e pusemos uma faixa em cima com os seguintes dizeres: “Ó nóis aqui outra vez.” Ou seja, nós tínhamos sido cassados, tínhamos sido tirados de dentro do sindicato, não do comando da dire... Da categoria. O interventor, de vez em quando, abria a cortininha lá da sala e nós estávamos todos lá, na porta, na frente. [A gente] fazia assim para ele. (bate palma) Ele puxava a cortina e… Nós atuávamos ali, quer dizer que todo mundo vinha ali.
Foi a época que nós mais… Que eu mais aprendi. Nós não tínhamos uma máquina, não tínhamos absolutamente nada, éramos nós e a categoria. Nós íamos quinzenalmente com um saco arrecadar dinheiro na porta de fábrica, e com aquele dinheiro que nós arrecadávamos na porta de fábrica é que nós produzíamos os materiais para distribuir para a categoria.
Por ocasião da primeira negociação que teve da categoria, a direção da SINFAVEA [Sindicato Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores], da ANFAVEA [Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores], na ocasião, era o Grupo dos Dez, Grupo dos Quatorze. Vendo que nós tínhamos sido cassados, mas que tínhamos ficado dirigindo a categoria, eles disseram ao interventor: "Não, nós vamos negociar com os cassados." Os empresários negociaram com os cassados, porque… Não é porque eles gostavam da gente, é porque, embora cassados, éramos nós que continuávamos dirigindo a categoria. Não adiantava fazer um acordo com o interventor porque a categoria não ia cumprir, então fizeram acordo conosco. Também começaram a desistir e o interventor: "Está na hora de deixar esses caras voltarem, porque dentro ou fora do sindicato são eles que comandam a categoria. Não adianta em absolutamente nada ter intervenção no sindicato."
P/2 - Isso foi feito em um ano?
R - Demorou mais ou menos um ano.
P/2 - Depois tinha a nova chapa, você concorreu outra vez. Como é que foi isso?
R - É, e depois a nova chapa. Nós estávamos cassados e a lei dizia que dirigente cassado não podia voltar a ser dirigente, voltar a fazer parte da diretoria. Mas nós desafiamos, montamos a chapa de uma tal forma que ela não pudesse ser impugnada. Dos 24 nós pusemos apenas quatro dirigentes cassados e [para] os demais nós fizemos aquele mesmo processo, diferente do nosso. Nós pudemos discutir um pouco mais aberto a montagem da chapa e quatro cassados foram para a nova, para concorrer nessa diretoria, mesmo enfrentando as leis que impediam que nos candidatássemos. Éramos eu, o Lula, o Vicente e o Cândido. Fomos os quatro para essa eleição, fomos eleitos e depois a justiça deu ganho de causa para nós. Enquanto não desse ganho de causa o Barbosa atuava como presidente oficial, e depois que resolveu o problema na justiça eu voltei a ser presidente, nesse segundo mandato.
P/2 - É nesse período também que você foi para a CUT?
R - Nesse período veio a fundação da… Primeiro em 81, que veio a realização do CONCLAT na Praia Grande; ali era para se formar aquele CONCLAT - Primeiro Congresso das Classes Trabalhadoras - com exatamente a intenção de se formar uma Central Única no Brasil, mas havia muita divergência ali, não foi possível tirar e ainda naquele ano apontar para a formação da CUT.
Apontou-se para um novo congresso, onde se discutiria novamente a formação da CUT em 82. Em 82, não queriam fundar a CUT porque isso era perigoso, nós estávamos mais ou menos sob a ditadura militar. E tinha as eleições governamentais, era perigoso para o Governo do Estado, não sei que lá, e nada de fundar a CUT.
Quando chegou em 83, outra vez, o que nós chamamos de pelego, a pelegada ia tentar não permitir que se fundasse a Central, porque a ideia deles [era] que a estrutura sindical permanecesse tal como estava, que eram as confederações. Eles faziam parte dessas confederações, portanto não precisava formar absolutamente mais nada que tirasse o poder exatamente dessa estrutura podre do movimento sindical - que lamentavelmente subsiste ainda, mas vai morrer logo logo. Evidentemente que a central iria se interpor sobre tudo isso, ia ser a maior hierarquicamente e aí não era interessante para essa pelegada. Mas chegando em 83 nós não admitimos mais que fosse interrompido aquele processo, porque aquilo era intenção desde o primeiro CONCLAT, lá de Praia Grande.
Em 83, eles não quiseram fazer um congresso para fundar a central. Nós assumimos a direção da convocação. Eles imaginavam que não ia vir gente para esse congresso e nós convocamos o congresso, convocamos as delegações internacionais; teve uma extraordinária delegação internacional, vieram quase todos que nós convidamos. Apareceu nada mais, nada menos que… No congresso de fundação da CUT apareceram aproximadamente 5.500 delegados, vindos de todo país, trabalhadores urbanos e rurais.
Fundamos a Central Única dos Trabalhadores, que no primeiro ano ainda foi uma coordenação, até porque nós esperávamos reconquistar essa pelegada para que no próximo congresso eles viessem. Só no próximo congresso, [em] que eles não vieram outra vez, é que fizemos uma diretoria definitiva, com presidente, para caracterizar a Central Única dos Trabalhadores, depois eles fizeram.
Se alguém pode ser responsabilizado de dividir o movimento no Brasil não pode ser nós. Fundamos a primeira central, chama-se Central Única dos Trabalhadores, que foi a ideia e a proposta do primeiro congresso das Classes Trabalhadoras em Praia Grande. Depois eles dividiram o movimento e foram fundando a CGT [Comando Geral dos Trabalhadores], agora tem a Força Sindical. Sei lá, agora tem umas cinco ou seis centrais.
P/2 - Como é que foi a discussão para você ser presidente, coordenador geral no primeiro mandato?
R - Eu nem lembro muito bem, Osvaldo. Eu sei que tinha outras pessoas que pleiteavam naquele primeiro congresso de fundação e nós pleiteávamos também a coordenação daquela diretoria. O Jacó Bittar também pleiteava a coordenação daquela diretoria, parece que o Paulo Paim também pleiteava a coordenação daquela categoria. Não me lembro muito bem, mas o meu nome, na verdade, acabou sendo escolhido para coordenador porque, respeitando todos os companheiros e todas as categorias, era sem sombra de dúvida São Bernardo e os metalúrgicos de São Bernardo que tinham despontado, que tinham feito todo aqueles movimentos, desde 78 até 83. Eu acho que prevaleceu isto, o fato de eu ser metalúrgico de São Bernardo, então recaiu a escolha sobre a minha pessoa para ser o coordenador daquela direção provisória, e depois, no ano seguinte, presidente da CUT.
P/2 - Foi presidente por quantos anos?
R - Contando este ano de coordenação - na verdade, a função era como presidente - ou seja, de 83 a 94, foram onze anos na presidência da CUT.
Esse número onze é mais ou menos cabalístico na minha vida. Se vocês se recordarem, foram onze dias de greve na Ford, naquela primeira greve, foram once por cento de aumento nessa greve de onze dias e depois onze anos [como] presidente da CUT. Sei lá, vou até fazer uma fezinha nesse número onze depois dessa entrevista.
P/2 - Quantos mandatos foram em onze anos?
R - Eu não sei quantos mandatos. O primeiro foi coordenação, do congresso foi de um ano; acho que foram quatro mandatos.
P/1 - Em que momentos você destacaria sua participação na CUT nesses anos todos, em todos esses mandatos? Pelo menos os mais cruciais.
R - Ah, teve. Eu acho que foram onze anos de momentos significativos. Acho que o papel da CUT, a ideia da CUT, a necessidade [da] CUT era extraordinária e todos os momentos eram momentos importantes, marcantes.
Nós tínhamos uma turma brilhante, mas se eu tivesse que destacar duas coisas na CUT, eu destacaria… Uma é o momento de impeachment do presidente Fernando Collor, isto é um momento significativo. Nós estivemos em todas as manifestações do Brasil, todas, sem exceção - aliás, nós éramos um dos patrocinadores desse movimento. E eu acho que outro, esse foi um momento importante, significativo, eu acho que foi o início dessa central. Foi o início porque era muito difícil. Nós tínhamos a ideia, a necessidade da fundação dessa central, mas ainda não havia, evidentemente, uma compreensão generalizada da importância de estarmos unidos de norte a sul desse país. Foram, talvez, uns cinco anos, praticamente uns cinco anos, seis anos tentando sedimentar essa central. Foram cinco, seis anos de debates, eu fazia debate por todo o país, com outros companheiros de outras posições e que vieram a fundar outras centrais depois. Nós íamos discutir por todo país a necessidade de se filiar à central, e em que central se filiar, então esse foi um momento muito rico também nas nossas vidas. Foi mostrando ao movimento sindical e todo o país a necessidade de estarmos juntos, porque os empresários estavam juntos. As necessidades eram as mesmas, portanto nós tínhamos que estar juntos, então esse foi um momento muito rico, foi a construção dessa central.
Nós começamos numa casinha que o Sindicato dos Químicos nos ofereceu, uma casa velha que eles tinham lá perto do sindicato, foi nossa primeira sede. Tínhamos uma mesa, uma máquina de escrever e um funcionário. Fomos devagarinho crescendo, viemos aqui para a Vila Mariana numa casa, já tínhamos três funcionários; depois subimos, na própria Vila Mariana, na mesma rua, Heitor Peleja. Fomos para uma casa maior, já tínhamos mais ou menos organizados vários departamentos, um Departamento de Comunicação, tínhamos jornalistas contratados. Fomos crescendo, fomos depois para o prédio do… Aqui dos bancários, o prédio Martinelli. Já era uma estrutura poderosíssima, bastante grande, até que chegamos à sede própria agora, já por ocasião da gestão do companheiro Vicentinho.
Mas o momento de criação, os vários anos que nós passamos criando essa central, dando conta de montar a central, de ela se manter financeiramente, dando conta de organizar os trabalhadores, de fazer greve, de fazer contatos internacionais, de aprender, de somar… Esses foram momentos assim importantes na vida de cada um de nós que estávamos ali, tanto dirigentes como funcionários da Central Única dos Trabalhadores.
P/1 - Como é que dá a sua participação no PT? No início do PT. Depois, o que levou você a se candidatar a deputado federal?
R - Olha, o PT surgiu na minha vida assim como surgiu o movimento sindical, assim como surgiu a CUT. O PT e a CUT tinham uma história muito próxima.
Quando começa a se discutir, era mais ou menos um grupo de dirigentes, era um tripé - um tripé não. Na verdade, eram quatro companheiros de mais expressão no movimento sindical: o Lula, o Olívio Dutra, o João Paulo Pires de Vasconcelos [e] o Jacob Bittar, que começam a discutir a necessidade de fazer um partido político, que era absolutamente lógico, porque ao invés de votar para alguém nos representar no congresso… Nós começamos também a entender que a discussão sobre salário era uma discussão política, porque estava ligada diretamente à discussão econômica, então tudo que a gente discutia, na verdade, tinha uma ligação política com a vida do país. Não bastava nós reivindicarmos, era preciso a gente começar a fazer política e não mais simplesmente votar em alguém para nos representar. Nós começamos a entender que podíamos nos representar também no congresso defendendo as nossas reivindicações e discutindo o país, aí começa a surgir o PT, junto mais ou menos com a CUT.
Nós já estávamos no movimento sindical, aí a gente participa da fundação do PT, se filia [e] começa a participar da vida do PT, mesmo que não tão constante como os demais companheiros, porque tínhamos a tarefa sindical, que nos consumia vinte horas por dia. Mas naquilo que… Quando nós podíamos, participávamos dos núcleos do PT. [O PT] nasce com essa ideia de núcleo de bairro, núcleo de fábrica, que lamentavelmente não se sustentou, acho que deveria ter se sustentado. A gente começa a participar do PT simultaneamente, junto com o Movimento Sindical; depois eu fui ser membro do Diretório Nacional do PT e era presidente da CUT, até quando saio da CUT, em 94.
Isso é uma coisa mais ou menos natural. A gente… Bom, primeiro porque é difícil falar da gente mesmo, mas evidentemente não podemos pegar… Você não forma um quadro a cada dois dias, certo? O difícil é você formar quadros em movimento. Você não pode pegar esses quadros e simplesmente jogar na lata do lixo, aí a cada um foi designado um papel. Mesmo essa antiga diretoria, a diretoria que junto comigo estava na CUT, cada um tá… Nem todos, mas cada um está fazendo uma tarefa por aí. O Denúbio tá lá no FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador], o Zé Olívio está lá [na] OIT [Organização Internacional do Trabalho], o Bargas está na assessoria do Sindicato de São Bernardo e mais a CUT.
Eu fui candidato porque estava deixando de atuar no movimento sindical enquanto dirigente sindical, mas no partido eu ia continuar minha vida, essa caminhada de luta, aí a decisão da candidatura para deputado federal.
P/2 - O que marcou a sua vida, o que esse mandato trouxe de novo na sua vida em relação à família? O que esse mandato lhe trouxe de novo?
R - Olha, é bastante diferente. Acho que com a família não muita coisa, porque continua aquela toada. Onde eu vou fazer uma tarefa a família está junto, né?
P/2 - E no dia a dia, o que mudou?
R - Agora, evidentemente que muda. As coisas são menos palpáveis, segundo o político são menos… É muito menos palpável do que no mundo sindical. No mundo sindical, você está numa relação muito direta com o dia a dia, com a fábrica. Você vai lá e você faz o movimento, faz uma greve. Se você não conquista aquela, imediatamente, é uma consequência, depois daquele movimento você obtém aquela conquista, ou logo após o movimento, mas afinal de contas, você consegue enxergar imediatamente as coisas que você faz.
Parlamentar é muito diferente. Eu estou com cinco anos de deputado federal e possivelmente agora, no ano 2000, eu consiga que um projeto meu vá a sanção presidencial, depois de cinco anos apresentado. Apresentei logo no primeiro ano o projeto e esse projeto ainda continua tramitando naquela casa, ou seja, talvez com seis anos é que ele vai ser sancionado pelo Presidente da República. É uma coisa muito estranha: 96, 93% dos projetos aprovados em 99 no legislativo foram projetos do [Poder] Executivo, ou seja, o papel praticamente do [Poder] Legislativo é aprovar projetos do Executivo.
O Executivo executa e legisla, na verdade, então [é] a diferença que a gente sente, porque eu era… Eu, como dirigente sindical, era um executivo. A gente executava, a gente propunha e ganhava ali a partir do movimento. Evidentemente que não era na canetada como o Presidente da República, era a partir do movimento, mas era uma coisa mais próxima do Executivo do que o Legislativo, então a diferença, para mim, é muito grande. Evidentemente, já não é mais o caso. Eu acho que nunca defendi que alguém se eternizasse no poder, já não é mais o caso, mas se me fosse dada a oportunidade de escolher se eu estaria hoje atuando no movimento sindical ou no parlamento, eu optaria pelo movimento sindical.
P/1 - Em termos políticos, quais são as perspectivas para você no momento? Você tem alguma perspectiva política, de candidatura, ou continuar na legislatura, ou movimento sindical?
R - Olha, eu sou candidato agora. Vou ser candidato [no] ano 2000 a prefeito do município onde eu nasci e resido até hoje, que é São Caetano do Sul. Veja isso, eu faço parte de um partido político e o partido político tem propostas, ideias e pretensões. Evidentemente, a pretensão do PT é chegar ao poder, exatamente para implementar no poder o seu projeto, o seu pensamento. Eu faço parte desse partido e sou candidato a prefeito, claro que para tentar ganhar, mas muito mais preocupado em sedimentar o movimento para que possamos ganhar a presidência da república com o companheiro Lula. Não será através dos municípios que nós obteremos a transformação desse país, a mudança radical de um projeto que efetivamente vá tratar dos excluídos, que vá tratar de uma distribuição de renda mais justa nesse país. Acho que uma grande finalidade é essa, é você conseguir efetivamente que todos… Eu não quero nem que todos tenham o direito de ter, não sei, não é que todos precisem ter exatamente um carro, nem todos exatamente precisem ter um iate; todos tem que ter minimamente a possibilidade de sobreviver com dignidade, quer dizer, [com] o mínimo de cidadania. Acho que é [por] isso que nós lutamos, é isso que nós buscamos, é poder saber que todo mundo tem pelo menos o que comer. Porque não é possível alguém sobreviver sem ter o que comer.
P/1 - Jair, a gente está mais no bloco final, que é o nosso bloco de avaliação. Eu queria voltar um pouquinho para o lado mais pessoal da sua vida. Você falou que tem três filhas?
R - Três filhas.
P/1- E o que é que elas fazem? Qual o nome delas? Qual o envolvimento delas com essa vida sindical e política do pai?
R - Olha, eu tenho três filhas. A mais velha, casada, se formou em Economia. Trabalha na Volkswagen, não perde uma assembleia. Parou o carro do sindicato lá, não precisa nem falar que vai ter assembleia. Ela é uma das primeiras que para na frente. Aliás, agora, nesse ano 2000 ela vai me dar o meu primeiro neto, eu vou virar vovô, depois te...
P/1 - Qual é o nome dela?
R - Carla. Depois tem a segunda, que é a Tatiana. A Tatiana está… Nesse ano de 2000 ela está desempregada, mas já está me ajudando na campanha a prefeito. Ela vai ser a minha… Vai me ajudar lá no comitê para essa candidatura. Ela se formou em Moda, mas está difícil de encontrar um emprego. E a caçula, que tem vinte anos, a Jéssica, está no segundo ano de Engenharia de Alimentos; espero também que se forme.
Eu aprendi uma coisa que me marcou na minha vida também. Uma vez eu vi a filha do Paulo Freire dizer o seguinte: "O meu pai não deixou um tijolo para nós, meu pai garantiu que todos os filhos se formassem para que nós pudéssemos lutar nessa vida, para que nós pudéssemos nos preparar para lutar nessa vida." O meu objetivo com as minhas filhas é deixá-las todas preparadas para lutar na vida.
P/1 - Jair, eu queria que você falasse um pouco quais foram as pessoas que mais marcaram a sua vida, tanto do ponto de vista pessoal como profissional e sindical durante toda a sua vida, desde pequeno até hoje.
R - Poxa, o meu pai. O Lula, Fidel Castro e Elis Regina, acho que foram... Evidentemente, a minha mulher e minhas filhas que me acompanham desde o início, desde que… Minha mulher, desde que nos casamos e minhas filhas, desde que se conheceram por gente.
P/1 - E quais são as realizações mais importantes que você destaca na sua vida tanto do ponto de vista sindical quanto na...
R - Acho que a realização mais importante foi a criação da Central Única dos Trabalhadores, essa foi a mais importante. Quando saí da CUT, saí com tranquilidade porque era hora de sair, era hora de renovar, mas terminou o congresso num domingo e na segunda-feira, quando eu acordei, eu senti que tinha perdido um filho - com toda a tranquilidade do mundo, sabendo que era isso mesmo, que estava em boas mãos, mas eu perdi alguma coisa que eu lutei [por] onze anos, né? Perdi não, eu continuo, não como dirigente, mas continuo com toda a ligação do mundo com a CUT. Mas sei lá, fugiu um pouco de perto de mim; um filho que se libertou das garras do pai.
P/1 - E se você pudesse mudar alguma coisa na sua trajetória de vida, o que você mudaria?
R - Eu começava antes, apenas isso. Teria começado antes.
P/1 - Antes do quê?
R - Antes do tempo que eu comecei. Eu comecei aos trinta anos. Se eu pudesse mudar alguma coisa na minha vida, eu tinha começado nessa luta quem sabe aos vinte e não aos trinta anos.
P/1 - Qual a importância do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC para a sua vida e qual a sua avaliação que você faz disso?
R - É tudo que eu sei, ou seja, da Gazeta Esportiva para a Constituição Brasileira. Toda essa mudança, toda essa diferença, foi o sindicato que proporcionou, foram os amigos que proporcionaram. Foi o Bargas, o Vicentinho, o Paulo Okamotto, o Humberto, o Vilmar, o Eliseu, o Anito, que faleceu recentemente, o Lula, o Djalma, o Expedito, o Severino, o Ratinho, o Venâncio, o Vicentinho, o Marinho, o Guiba… Aí eu já tinha que falar uma centena, milhares de nomes aqui. Eu acho que foi tudo isso que a gente aprendeu. A gente abriu a cabeça, a gente se transformou e resultou [a mudança] daquele Meneguelli da Gazeta Esportiva para o Meneguelli agora, tendo que pensar o Brasil, tendo que pensar o mundo.
P/1 - Só para encerrar, a gente gostaria de perguntar se você tem algum sonho ainda a se concretizar. Qual seria esse sonho?
R - Eu acho que o homem nunca deixa de sonhar, no dia que deixar de sonhar ele morre. A gente… Eu acho que já realizei muitos sonhos, acho que se eu morresse hoje, aos 52 anos de idade… Embora eu me considere novo, acho que eu já tive uma vida legal. Eu acho que tive uma vida cheia de sucesso, mas ainda falta um sonho. Talvez depois eu vou querer outro, mas falta um sonho: é ver o Lula Presidente da República, Presidente do Brasil.
P/1 - Você gostaria de falar mais alguma coisa que a gente não tenha perguntado?
R - Não, eu acho que encerramos bem.
P/1 - Então, muito obrigado.
R - De nada.
Off - (E não chorei hoje, hein, bicho!)
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