IDENTIFICAÇÃO Meu nome completo é Décio Fabrício Oddone da Costa. Eu nasci em 13 de agosto de 1960, em Lavras do Sul, Rio Grande do Sul. FAMÍLIA Por parte de pai, meus avós são Fabrício da Costa Machado e Eudóxia Evangelho da Costa. Meu pai era Orlandy Teixeira da Costa...Continuar leitura
IDENTIFICAÇÃO Meu nome completo é Décio Fabrício Oddone da Costa. Eu nasci em 13 de agosto de 1960, em Lavras do Sul, Rio Grande do Sul.
FAMÍLIA Por parte de pai, meus avós são Fabrício da Costa Machado e Eudóxia Evangelho da Costa. Meu pai era Orlandy Teixeira da Costa. Minha mãe é Dyla Oddone da Costa e meus avós são Décio Savério Oddone e Gelsa Bulcão Oddone. Tenho duas irmãs. O meu pai é pecuarista. Do lado da minha mãe, meu avô é engenheiro, ingressou na industria do petróleo nos anos 30 e foi o primeiro geofísico brasileiro.
INFÂNCIA Quando eu era pequeno, meu avô tinha ido morar em Porto Alegre. Ele tinha sido diretor da Petrobras, na época da criação da Empresa, e quando foi criado o escritório de Porto Alegre, ele foi para lá. Eu nasci logo em seguida. Meu pai morava no interior, era pecuarista. Eu fui estudar em Porto Alegre com seis, sete anos de idade e fiquei morando com o meu avô. Então, ele teve uma influência muito grande na minha formação. O fato de ele ter tido uma trajetória enorme na indústria de petróleo no Brasil e na Petrobras, seguramente, me influenciou. Lembro que, quando era garoto, eu queria trabalhar na Petrobras. Quando eu estava prestes a entrar na universidade, no final dos anos 70, houve aquela descoberta gigante de Majnoon no Iraque e teve uma repercussão grande no Brasil. Então, eu somei aquela vontade de trabalhar na Petrobras com o meu lado aventureiro, que sempre foi muito forte, e tive uma vontade enorme de trabalhar no Iraque: “Eu vou entrar um dia na Petrobras, mas vou trabalhar no Iraque.” Eu adoro viajar. Eu acabei não trabalhando no Iraque, mas trabalhei em muitos outros lugares diferentes, na Líbia inclusive, que é parecido.
AVÔ – GEOFÍSICO DÉCIO ODDONE Eu ouvia muitas coisas em casa, porque o meu avô fez parte do grupo de pioneiros do petróleo no Brasil, junto com tantos outros. Então, nomes que hoje a gente vê nos livros de história como referências na história da Petrobras, para mim, eram pessoas do círculo íntimo, Irnack do Amaral, Pedro de Moura, Plínio Cantanhede, Geonísio Barroso, pessoas que faziam parte do convívio da minha família, das histórias que circulavam na minha casa. Era a história de vida da minha mãe com a qual eu convivia muito intensamente. Então, isso foi me influenciando ao longo da vida. As primeiras lembranças infantis que eu tenho, relacionadas com a Petrobras, eram os escritórios em Porto Alegre, que o meu avô chefiava. E ele foi responsável também pelo início da construção da Refap, perto de Porto Alegre. Eu me lembro de ir nas obras da Refap, no início da minha memória, coisa de seis, sete, oito anos de idade.
INFÂNCIA Na verdade, meu pai tinha uma casa numa cidade do interior, ele tinha uma fazenda naquela cidade. Eu ficava com meus avós num apartamento que eles tinham em Porto Alegre para estudar – depois as minhas irmãs vieram também – e passava as férias no interior, na casa do meu pai. Meu avô também tinha um apartamento no Rio de Janeiro, então ele vinha muito ao Rio pela Petrobras e, muitas vezes, eu vim com ele. Eu me lembro de ter ido ao Edise, pequenininho, não lembro a idade, talvez oito, dez anos. A minha brincadeira predileta era, como diria meu filho, futebol, futebol, futebol. E mais algumas coisinhas. Era futebol de botão, que eu brincava muito, e os brinquedos normais de criança. De vez em quando, ganhava alguma coisa bacana, tipo um autorama e tal, aí ficava mais feliz ainda, mas sempre caía no mesmo.
EDUCAÇÃO A minha casa era um ambiente com bastante religiosidade. Eu nunca estudei em colégio religioso, estudei em colégio militar, mas tive formação religiosa, sim. Meu avô era técnico. Meu pai era mais politizado, mas meu avô era uma pessoa bastante técnica. Não me lembro de identificar a corrente ideológica clara do meu avô, não sei se pelo fato de eu ainda não ter percepção, mas não me recordo. Era um negócio complicado, porque eu vivia mais com meu avô do que com meu pai, pelo fato de ficar estudando em Porto Alegre. Então, eu tinha o meu avô mais presente como pai naquela época do que o meu pai mesmo. Eu estudei em Porto Alegre, depois entrei na universidade também em Porto Alegre para cursar Engenharia Elétrica-Eletrônica na Federal do Rio Grande do Sul.
VIAGENS Eu viajei muito quando era garoto. Eu parecia aventureiro, porque eu queria trabalhar na Petrobras, mas fora do Brasil, né? Quando entrei na Petrobras, já conhecia mais de 60 países. Viajava sozinho, tipo mochileiro. A primeira vez, eu fui com uns amigos. Meus amigos cansaram, voltaram antes, e eu fiquei. Depois, na segunda viagem grande que fiz, eu já consegui um estágio na Dinamarca – comprei até telefone. Já estava na faculdade. Fiquei uns meses lá e depois saí viajando pelo mundo a fora. O estágio eu arranjei no Brasil, numa instituição que fazia intercâmbio de estudantes. Tem muitas histórias desse tempo. Uma das mais legais foi o meu primeiro contato com o mundo árabe – nem imaginava que depois eu iria morar por lá. Eu estava viajando em 1983, na Grécia. Naquela época, brasileiro não viajava muito, tinha acabado aquela questão de depósito compulsório, não existia cartão de crédito, só podia viajar com dinheiro, o dinheiro para comprar dólar no oficial era limitado, o resto dos dólares tinha que comprar no paralelo, era uma dificuldade enorme. Então, tinha pouco brasileiro viajando, não era comum encontrar brasileiros. Eu estava andando na rua em Atenas e encontrei umas brasileiras falando português num sinal de trânsito. A gente começou a conversar e fizemos uns passeios em Atenas. Depois, eu ia seguir viagem para o Egito e elas resolveram ir junto. Eu disse: “Nós vamos para um país árabe, vocês não conhecem a cultura árabe, tem uma série de dificuldades, o pessoal fala muito que a mulher é discriminada e tudo mais. Se vocês querem ir, vamos. Cada um é responsável por si próprio.” E fomos. Eu já estava no final da minha viagem, estava até com um pouquinho mais de recursos sobrando, e fomos para um hotel – tão bom – na beira do rio Nilo. Um dia – agora chegamos na história –, fomos numa boate que tinha no último andar do hotel, uma vista bonita e tal. Sentamos ali e tinha um casamento nessa boate. No casamento árabe, só os homens dançam, a mulher fica paradinha e os caras ficam festejando, dançando. E árabe é solto, né? Eles começaram a olhar para a nossa mesa. Não paravam de olhar. Eu falei para as meninas: “Esse pessoal vai vir aqui tirar vocês para dançar. Isso vai dar problema, vamos embora.” “Não. Vamos ficar.” Ficamos. Eu falei: “Então, a responsabilidade é de vocês. Quer ficar, fica, mas se o sujeito vier aqui te tirar para dançar, se vira.” E aquilo foi num crescendo, o pessoal se aproximando. Durou uma meia hora aquela situação. Até que um deles criou coragem e veio em direção à mesa. Eu falei: “Tá vendo? Agora...” Aí ele chegou para mim e falou: “Quer dançar comigo?” Foi das maiores surpresas da minha vida Foram os meus primeiros contatos com o mundo árabe. Foi uma decepção enorme para as meninas, porque eu fiquei meia hora pressionando, dizendo: “Olha, vai ter problema, vai ter que dançar, se não nós vamos apanhar.” Mas, eu não dancei não.
JUVENTUDE Eu lia muito quando era jovem. Eu tinha essa vontade de conhecer o mundo, de andar. Eu não me adaptaria a um trabalho absolutamente rotineiro. Eu fiz estágio na Copersul, que também era da Petrobras, na época, Pólo Petroquímico, lá em Triunfo, no Rio Grande do Sul. E aquilo para mim era a morte, porque chegava ali de manhã para fazer manutenção elétrica, verificar os relés... Não dava para mim, não. Eu falei: “Eu quero alguma coisa muito mais dinâmica.” E posso dizer que consegui, né? Eu era pouco namorador. Era estudioso pra burro, excelente aluno e acho que era tímido com as mulheres.
INGRESSO NA PETROBRAS Quando concluí a faculdade, eu pensei em continuar estudando e trabalhando. Eu ia fazer o mestrado aqui no Rio, na Coppe, quando surgiu o concurso da Petrobras. Passei no concurso e aí os planos mudaram. Entrei na Petrobras no início de 1985. Eu fiz aquele curso tradicional de engenharia de petróleo, na Bahia, na área de perfuração de poços. O meu avô tinha morrido em 1983, quer dizer, não tive oportunidade de trocar impressões com ele sobre a Petrobras e sobre a indústria do petróleo, com conhecimento de causa. Lamento, mas não pude ter essa percepção dele.
ESPECIALIZAÇÃO EM ENGENHARIA DE PETRÓLEO NA BAHIA Quando eu entrei no curso da Petrobras, eram cento e tantos engenheiros e havia duas opções: produção e perfuração. O pessoal dizia: “A produção é mais nobre e a perfuração é mais nômade.” “Ah, então é para onde eu vou”
É mudar de lugar, é agitado, é aí mesmo. Aí, fui para a perfuração. Fiz o curso normal, quer dizer, os estágios todos. Eu dei uma sorte – vamos chamar assim – porque a Petrobras estava começando um grande processo de transformação na história dela, que era o processo de transformação de uma companhia pequena, média, para a grande companhia que ela é hoje. Isso se deu através da descoberta de petróleo em águas profundas.
BACIA DE CAMPOS Hoje, a produção da Petrobras é, basicamente, fruto das descobertas de águas profundas na Bacia de Campos, que aconteceram de 1985 em diante. Quando eu cheguei em Macaé para trabalhar, havia uma carência muito grande de gente, de engenheiros.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL – BACIA DE CAMPOS Terminei o curso e fui para Macaé. Esses navios-plataformas que perfuravam os poços em águas profundas eram todos operados por companhias estrangeiras. Então, alguém que falasse inglês, naquela época, era uma vantagem. Eu falava inglês porque já tinha viajado muito. E entrei direto para tomar conta dessas plataformas de perfuração de petróleo, porque estavam perfurando os primeiros poços da Bacia de Campos em águas profundas: descoberta de Albacora, Marlim, Marlim Sul. A coisa começou a crescer, cada poço que se perfurava era uma descoberta adicional e aquilo foi aumentando. A Companhia foi se dando conta que estava diante de algo novo e importante. E eu fui junto, desde o início, num grupo de quatro ou cinco, sei lá, dez profissionais que estavam mexendo com isso.
BACIA DE CAMPOS – PERFURAÇÃO DE POÇOS
A perfuração vem antes de tudo, do ponto de vista operacional. Você faz a sísmica, identifica os poços e quando você perfura é que você começa a gastar dinheiro e investir recursos. A produção depois é conseqüência do resultado da perfuração. Eu estava na vanguarda da Companhia e, muito novinho, tinha uns 25 anos, estava envolvido com esse negócio direto, controlando plataformas de cento e tantos mil dólares por dia. Foi um negócio espetacular porque era absolutamente novo. A gente não sabia o que estava enfrentando. Então, chegava, pegava uma plataforma dessas de processamento dinâmico – hoje isso é corriqueiro para a Petrobras, mas naquela época não era. Então, não havia tantos poços em águas profundas perfurados no mundo. Boa parte dos navios que a gente usava para perfurar poço tinha sido construída para navegar no Ártico. Eles tinham mobilidade por não ter ligação com o fundo do mar através de cabos de ancoragem, era processamento dinâmico, navegando o tempo todo ou ficando no mesmo lugar, uma característica para fugir de iceberg, quando vinham aqueles blocos de gelo nas zonas mais ao norte do Atlântico.
PERFURAÇÂO DE POÇOS Então, a gente trouxe essa turma para perfurar poços de 800, 900 metros de lâmina d’água. Acho que, no mundo, tinha 10 ou 12 plataformas dessas. E teve uma época que quase todas estavam aqui no Brasil.
Então, a gente começou a desenvolver uma tecnologia e a fazer manuais de como operar, como perfurar em águas profundas para não esquecer aquilo que a gente estava aprendendo. Eu me lembro que chegava lá, colocava a linha, descia 900 metros por coluna, numa base de perfuração – uma base temporária – colocava aquilo ali, corria de novo para reentrar com a broca para começar a perfurar e não achava, sumia. Cada vez que botava uma base dessas lá, era um poço que se perdia, não encontrava de novo. Teve um que a gente colocou cinco ou seis vezes. O que acontecia? O fundo do mar era, vamos dizer, fluído, não tinha um fundo sólido – naquela época, a gente não sabia disso. Eram camadas de areia e de lodo que iam se sobrepondo. Um negócio meio pastoso. A gente chegava lá, colocava o equipamento de dois mil, três mil, cinco mil quilos e aquele negócio sumia. Quando você voltava, procurava, não tinha. Então, nós começamos a desenvolver uma série de alternativas para conseguir vencer essas dificuldades todas. E fomos inventando, fazendo e testando, até que a gente conseguiu desenvolver uma tecnologia que permitisse perfurar esses poços de maneira eficiente. Foi um enorme desafio, foi um grande louro que a Petrobras conquistou naquela segunda metade da década de 80. Isso se revelou um êxito enorme e a Companhia começou a prestar atenção na questão da água profunda.
DEPARTAMENTO DE PERFURAÇÃO Eu trabalhava embarcado nesses navios e o chefe do Setor de Perfurações em Águas Profundas, Virmondes Alves Pereira – que está até hoje na Petrobras e é um grande sujeito –, foi trabalhar num blow out que teve em Natal, acho que na PA11, em 1982, se acidentou e quebrou a bacia. Ficou quase um ano afastado. E eu fiquei quase um ano – não sei se tanto, pelo menos alguns meses – como chefe interino de Águas Profundas em Macaé. Logo em seguida, a coisa continuava crescendo e a Petrobras começou a criar no Rio de Janeiro as primeiras áreas de Águas Profundas. Criou uma área de Águas Profundas no antigo DEPER, Departamento de Perfuração, criou uma no DEPRO, que é Departamento de Produção. Naquela época, era DEPER, DEPRO e DEPEX, perfuração, produção e exploração. Agora está tudo junto no E&P. E eu vim para a sede fazer parte desse primeiro grupo de técnicos que cuidava de Águas Profundas.
TRABALHO EMBARCADO Naquela época, trabalhava 14 dias e folgava 14. A gente tinha que chegar em Macaé um dia antes. Eu diria que éramos privilegiados, porque era muito confortável. Logo no início, esses navios que vieram para cá eram sofisticadíssimos, comparados às plataformas convencionais que a gente usava. Era muito sacrificado, um esforço danado, a gente trabalhava como maluco. Não tinha capacidade de comunicação quase que nenhuma, era longe da costa, não tinha telefone, você ficava lá 14 dias e não falava com ninguém, era rádio SSD, tinha horas que não conseguia falar. Então, era aquele negócio, tinha que tomar a decisão e não conseguia falar com ninguém, era muito dinâmico. Mas, do ponto de vista de conforto, o material era excepcional. Em alguns navios, a gente ficava em camarotes maravilhosos. Eu me lembro que a primeira plataforma que veio para cá foi o Pèlerin, um navio de perfuração. Esse navio foi o responsável pela descoberta de Albacora e Marlim. Estava contratado pela Petro Canadá, a 124 mil dólares – se não me engano –
por dia de aluguel. Imagina Nos anos 80, 124 mil dólares por dia de aluguel. E a Petro Canadá não tinha mais trabalho para ele, então repassou para a Petrobras a 60 mil e pouquinho. A Petrobras pagava a metade do primeiro contrato e eles pagavam a outra metade. Trouxeram toda a parte de alimentação e hotelaria do contrato que eles tinham no Canadá, com os franceses. Então, tinha garçonete no navio, tinha vinho no almoço e no jantar, vinho francês. Um negócio maravilhoso, escargot e tudo. Espetacular, melhor do que buffet de hotel cinco estrelas. E o pessoal reclamava que não tinha feijoada A gente feliz da vida e a turma: “Pô, não tem feijão” Eram instalações de cruzeiro. Depois foi mudando um pouco o esquema, mas no início era muito confortável. Depois disso, eu nunca mais me animei a fazer um cruzeiro. Era tanto tempo embarcado, que já estava de bom tamanho. Minha mulher, de vez em quando, falava: “Vamos pegar um navio.” “Por enquanto, ainda não está no meu tempo não.” Era difícil passar aqueles dias isolado, mas eu adorava, porque você podia estar confinado fisicamente, mas estava liberado mentalmente. Não sei se dá para entender o que eu estou querendo dizer. A grandiosidade do desafio é uma coisa tão excitante, quer dizer, o novo não faltava nunca. Tudo o que a gente estava fazendo era novo. Eu me lembro que os 14 dias passavam rápido, eu não sentia. Para quem gosta de novidade, passa o tempo todo pensando: “Como é que nós vamos fazer?” Aí, se não deu certo, tenta de novo. E não era, digamos, uma pesquisa científica tradicional, era mais tentativa e erro, um aprendizado operacional. Aquilo que a gente fazia não estava ligado essencialmente à ciência, era mais procedimental, demandava muita criatividade no dia-a-dia. Então, isso enchia o nosso tempo todo.
MANUAL DE PERFURAÇÃO EM ÁGUAS PROFUNDAS Nós fizemos um manual – talvez eu ainda tenha uma cópia nos meus arquivos. A gente começou a trabalhar e acontecia esse tipo de coisa: você perdia, não achava o equipamento e aí tinha que fazer de novo. Esses equipamentos eram todos importados, tinha um estoque limitado, uns dois ou três. Então, se perder, acabou, ia ficar meses esperando. Imagina, ficar meses esperando o equipamento e pagando cento e poucos mil dólares por dia de aluguel do navio? E se você perder um ferrinho que vale cinco mil dólares também? Era um desafio muito grande. Então, nós começamos a tentar consolidar toda essa experiência, esse aprendizado que a gente tinha do ponto de vista operacional para não perder e para não ficar repetindo os mesmos erros. Como o grupo que participava disso era pequeno, o Virmondes – que era o chefe naquela época, acho que a idéia foi dele – juntou o pessoal: “Vamos fazer um manual para a gente não repetir os erros.” Você embarcava 14 dias e sumia os outros 14 dias de folga; os outros que vinham não sabiam nada do que tinha acontecido. Então, nós começamos a registrar essas experiências e isso acabou virando um manual. Lembro que eu participei da redação desse primeiro manual. Nós começamos rapidamente a ter a noção da importância daquele momento. Eu, pelo menos, tinha claramente essa noção e me coloquei como voluntário para trabalhar nessa questão das Águas Profundas, vendo que o futuro estava ali. O que me ajudou muito foi o fato de falar línguas. Isso foi o diferencial que me jogou, digamos assim, nesse grupo. Foi um enorme privilégio.
BACIA DE CAMPOS – PRIMEIROS PROJETOS DE PRODUÇÃO Primeiro, você faz a exploração, faz a sísmica, encontra lá embaixo aquelas estruturas que vão ser testadas, para ver se tem petróleo ou não, com a perfuração. Então, a gente perfurava os poços. À medida que as perfurações foram dando resultado, aqueles projetos começaram a se converter em futuros projetos de produção de petróleo. Os primeiros projetos de produção de petróleo em águas profundas na Bacia de Campos foram Albacora e Marlim. Fui um dos representantes da perfuração no grupo que estudou a viabilidade econômica da produção do petróleo em águas profundas em Marlim e Albacora, em 1988, 1989. Aí, nós já estávamos mudando de etapa. Já tínhamos encontrado petróleo e o desafio da Petrobras agora não era mais encontrar, mas extrair aquele petróleo em altas profundidades de maneira econômica.
Foi montado um grupo enorme aqui na Petrobras, com especialistas em todas as áreas, que começou a buscar soluções técnico-econômicas para a produção daquele petróleo. Eu participei daquele primeiro estudo também como representante da perfuração. A minha responsabilidade era dizer tecnicamente quais eram as condições econômicas, de tempo e de custo, e qual era a solução técnica de perfuração para extrair aquele petróleo de novos reservatórios. Tinha pessoal do Cenpes, pessoal da produção que também já estava com a gente, desenvolvendo toda aquela solução de produção. E, às vezes, aconteciam coisas aleatórias.
ESTUDOS DE VIABILIDADE DE ECONÔMICA - MARLIM E ALBACORA Eu me lembro que o primeiro módulo, efetivamente, que a Petrobras colocou em águas profundas e que, depois, até deu origem àquele primeiro prêmio da OTC -
Offshore Technology Conference, em 1992, surgiu de uma conversa minha com o Francisco Massa, com quem trabalhei na Bolívia – eu estava na Bolívia até agosto desse ano, como diretor de Gás e Energia. Ele era, naquela época, o Coordenador Geral do Projeto de Estudos de Viabilidade de Desenvolvimento de Marlim e Albacora. Ele coordenava a equipe toda e eu era um dos membros da equipe. A gente estava conversando e a indústria do petróleo tinha passado por uma depressão muito grande na segunda metade dos anos 80. Houve uma diminuição tremenda da demanda de perfuração, por economia. A Petrobras começou a ficar com uma disponibilidade enorme de plataformas de perfuração – aquelas plataformas que eu citei, que a gente pagava 120 mil dólares por dia. A gente tinha comprado na França umas plataformas de perfuração e não tinha utilidade para elas. Então, eu estava conversando com o Francisco Massa, tinha sido descoberta uma área, acho que era o poço JS477, que a gente chamava de divertículo de Marlim, era do lado do Campo de Marlim e tinha uma lâmina d’água um pouco mais rasa do que Marlim. A gente tinha uma série de dificuldades para entender como é que ia ser o modelo de produção, porque tinha asfaltenos, tinha óleo pesado em Marlim, a gente não sabia se a parafina ia bloquear as linhas ou não, e estava previsto um desenvolvimento gigante. Um dia, conversando, surgiu a idéia e eu falei: “Por que a gente não pega uma plataforma dessas que está aí, sem utilidade, bota uma planta de produção pequenininha nela e fazemos um projeto piloto de produção? Aí conseguimos testar a solução técnica que a gente está imaginando. produzimos mais rápido e ganhamos recursos também, ganhamos dinheiro.” Ficamos conversando ali e, afinal, saiu. Foi o primeiro projeto de produção em Águas Profundas da Petrobras, o RJS477. O resultado foi excelente, perfuramos alguns poços. Essa plataforma – era a Petrobras 3, se não me engano – foi colocada ancorada naquela área, os poços foram conectados na plataforma e ela produziu durante alguns anos, de maneira preliminar, até que Marlim efetivamente entrou em produção. Produzia uns 31 barris por dia, uma coisa assim, não me lembro exatamente os números. Isso foi desenvolvido em 1989 e foi implementado um pouquinho depois. Foi um avanço tecnológico tão importante que, em 1992, a Petrobras ganhou o prêmio da OTC, o primeiro grande prêmio Offshore, que a gente depois repetiu em Roncador, no ano 2000. Às vezes, as coisas surgem assim, né?
ESTUDOS DE VIABILIDADE ECONÔMICA PARA MARLIM E ALBACORA Tinha coordenação em diversos níveis. Nos projetos que eram multidisciplinares, como esse do Estudo de Viabilidade Econômica de Projetos do porte de Marlim e Albacora, havia um coordenador, nesse caso, o Francisco Massa, e contava com a expertise dos técnicos dos diferentes órgãos da Companhia. Tinha gente de Finanças, de Materiais, de pesquisa no Cenpes, da Perfuração, da Exploração, estava todo mundo envolvido naquilo. Todo mundo aportava e depois se chegava a conclusões comuns, se fazia um relatório comum, assinado por todos, que era encaminhado para quem de direito aprovar. No caso, a diretoria executiva aprovava ou não aquela recomendação daquele grupo de técnicos que tinha participado do projeto. Assim funcionava e funciona até hoje.
PERDA DA CHEFIA Eu fiquei alguns anos trabalhando com perfuração na Bacia de Campos. Eu era Engenheiro I, muito novinho, era chefe de uns setores de Águas Profundas, era responsável pela contratação de plataformas e operações de perfuração. Numa das reestruturações que houve, eu perdi a minha chefia porque era novo demais. Era uma Companhia muito hierarquizada, né? Eu era Engenheiro I, mas tinha adquirido essa bagagem por ter vivido no dia-a-dia essas experiências, o que foi um privilégio. E, numa das reestruturações, no final dos anos 80 – foi um ano muito conturbado, trocava a diretoria da Petrobras toda hora –, eu perdi a chefia.
BRASPETRO Eu queria ir para a Braspetro, sempre quis – resgatando a minha veia aventureira. O pessoal da Braspetro também queria que eu fosse, porque não encontrava lá um infeliz disposto a ir para uma Angola da vida. “Ninguém quer.” “Tem um aqui querendo ir” “Então, vem” Existia essa dificuldade de conseguir gente para ir para lugares que são mais complicados. E também era um pouco de exílio, porque a Braspetro era uma empresa à parte da Petrobras, era um pouco distanciada da casa matriz. Eu já tinha uma visão, naquela época, via claramente que o futuro passava por uma abertura, ia chegar um momento que a Petrobras precisaria ir para fora. Da mesma forma que, em 85, eu achei: “Olha, águas profundas vai ser o futuro, vamos estar por aqui.” Lá pelos anos 90: “O futuro vai estar na internacionalização, bom lugar para estar também. Vamos mexer um pouquinho.” E eu fiquei me candidatando várias vezes para ir para a Braspetro e a área de Perfuração não me liberava. Até que, um dia, eu consegui a famosa liberação e fui para a Braspetro, em 1992, como engenheiro normal. Ainda era Engenheiro I. A
Petrobras tinha Engenheiro I, II, III e IV. Hoje, é junior, pleno e sênior. Eu trabalhava na área de operações, basicamente, com perfuração.
Comecei a ajudar nos trabalhos de uma campanha que a gente ia fazer na Líbia, depois numa campanha na Argentina. Fui para a Líbia quando iam começar a perfurar uns poços exploratórios, menos de um ano depois de ter ingressado na Braspetro. Passei alguns meses na Líbia. Eu já conhecia um pouco do mundo árabe, adorava esse troço Fazia e continua fazendo parte do meu sonho. Agora, estou numa posição em que, às vezes, fico discutindo indicação de pessoas e tem horas que fico me coçando para me indicar. “A Petrobras está indo para Tanzânia.” “Pô, adoraria morar na Tanzânia” “Ah, estão entrando no Irã.” Me atiça e eu fico pensando... Mas, voltando à história, eu fui para a Líbia, passei uns três ou quatro meses lá. Minha filha era recém-nascida. Um inferno ficar longe, né?
CASAMENTO Deixa eu contar a história do meu casamento, que é interessante também. Nessas minhas viagens pelo mundo, um dia eu estava em Amsterdã e vi um grupo de pessoas falando português. Cheguei perto e tinha uma moça – que hoje é minha mulher – com uma bandeirinha do Brasil no casaco. Me aproximei, falei um pouquinho com elas e tal. E hasta la vista, baby. Passadas umas duas semanas, encontro com elas de novo em Oslo, na Noruega. Aí começamos a namorar e levamos cinco anos sem morar na mesma cidade. Ela morava em Londres. O pai é da Marinha Brasileira, então ela também está acostumada a mudança. Eu morava em Porto Alegre. Depois, ela veio para o Rio de Janeiro e eu fiquei em Porto Alegre. Aí, fui para a Dinamarca – aquele estágio que eu falei – e ela continuou no Rio. Eu voltei a Porto Alegre, ela ficou no Rio. Depois, fui para Salvador, quando passei no concurso da Petrobras, fiz todo o curso lá. Eu só fui casar com ela cinco anos depois, quando já tinha vindo trabalhar em Macaé e estava morando no Rio. A gente sempre morou no Rio. Isso sem ter outras namoradas no meio do caminho. Foram cinco anos Estou casado desde 1987, há quase 18 anos.
ARGENTINA
A gente estava montando a primeira operação da Petrobras na Argentina. Ia perfurar um poço offshore na Argentina. Eu fui para Buenos Aires, fui o primeiro gerente de operações da Petrobras na Argentina. Fiquei uns dois meses lá, começando a armar tudo. Um dia, aluguei um apartamento, fiz o depósito de manhã. De tarde, me ligam da Braspetro: “Olha, estamos querendo trocar o gerente da companhia de serviço em Angola. E é você, viu?”
LUANDA De Buenos Aires fui para Luanda. Eu fui a Luanda para ser gerente geral da companhia de serviço, chamada Brasoil, que prestava serviço de perfuração para outras empresas. Ia morar em Luanda, com a família e tudo. Na semana que eu cheguei, tinha tido um problema com a Chevron, que era o cliente principal que a gente tinha lá. Tinham duas plataformas da Petrobras trabalhando em Angola para a Chevron – coisa que a gente não faz mais. Naquela época, prestar serviço para outros estava fora do foco da Petrobras, mas a gente fazia esse trabalho. E eles tinham pedido a substituição de dois gerentes nossos, que não tinham agradado o pessoal. Eu tinha ido para, no futuro, assumir a posição do gerente geral. Nós tínhamos substituído, a pedido do cliente, dois gerentes de operações que eles tinham numa base em Cabinda, que é um apêndice de Angola – como se fosse o Alasca, está fora do território do país. Mas aí, eu cheguei lá para substituir um gerente que tinha substituído um outro sujeito, afastado a pedido deles. Eles tinham gostado do cara, mas a Petrobras não queria que ele permanecesse lá. Então, quando eu comecei a discutir isso com o gerente da Chevron, falei: “Olha, nós precisamos trocar o sujeito.” Ele falou assim: “Você quer mostrar que tem boa vontade? Você botou dois caras aqui que a gente não gostou. Agora você colocou um cara que teve um desempenho bom e você quer tirar?” “É, porque é a instrução da Companhia.” “Então, eu aceito que você tire, mas só se você ficar aqui.” Aí, o cliente tem razão, né? Eu, que tinha ido com a família para ficar em Luanda como gerente geral por oito meses, fiquei trabalhando para a Chevron numa base que eles tinham em Cabinda, nesse estado de Angola. Foi um período difícil, porque o regime de trabalho era 28 por 28. Ficava sozinho, 28 dias lá e 28 aqui. Na Bacia de Campos era 14 por 14.
COTIDIANO EM ANGOLA A minha filha era pequenininha e, quando eu chegava em casa, ela não me reconhecia. Eu ficava um mês em casa e, quando ia embora, ela se agarrava na minha perna, não me deixava sair de casa, quer dizer, com medo. Se eu fosse sair algum dia, para fazer algum esporte, jogar tênis ou ir numa sauna, com uma bolsinha na mão, era um inferno. Ela era pequenininha, tinha um ano de idade, se agarrava na minha perna. Uma paranóia.
LÍBIA De Angola eu fui para a Líbia, já com a família. Segunda rodada na Líbia. Fiquei lá dois anos e meio, quando fui parar na Bolívia. Na Líbia, eu trabalhei de maio de 1994 a agosto de 1996. Tudo muito diferente, mas a minha mulher adorou. É uma vida diferente, uma cultura distinta. É muito estimulante Você vê coisas a que não está acostumado. Você começa a, efetivamente, praticar algumas coisas que lê nos livros, porque, sem viver, você não tem a percepção absoluta.
HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS Tem várias coisas que você vai vivendo, você tem experiências diferentes, acho que é isso que eu gosto. E onde está a verdade absoluta? O que é o certo? Vou contar algumas histórias. Primeiro, eu cheguei em Angola, tinha um problema de greve enorme. Nessa base lá em Cabinda, tinha duas plataformas – a Petrobras 11 e a Petrobras 16 – e uns 400, 450 empregados locais que faziam todo o trabalho de plataforma, exceto os técnicos mais sofisticados que eram da Petrobras. E tinha muito problema de greve com esse pessoal. Eu não entendia aquilo. Tinha um sujeito que era líder sindical, chamado Domingos Bundo. Por incrível que pareça, Bundo e Bunda são nomes de família em Angola. Um dia, veio um pedido de desembarque do sujeito, pois tinha morrido o sobrinho dele. Eu chamei um português, que era o nosso chefe de logística: “Vem cá Como é que a gente reage numa situação dessas?” “A gente cumpre a norma da Companhia.” “E o que determina a norma da Companhia?” “O cara só pode desembarcar quando morre um parente de primeiro grau, se morre a esposa, o filho, o pai. Sobrinho não é. Então, não pode desembarcar.” Passa-se uma semana e, coincidentemente, o mesmo sujeito me pede licença para desembarcar porque tinha morrido outro sobrinho. “Pô, de novo?” Passou um tempo e ele apareceu lá na sala para falar comigo. No meio da conversa, eu falei: “Que tanto tu enche o saco para desembarcar com essa história de que morreu sobrinho? Não sabe que a Companhia tem norma e que só deixa desembarcar quando morre um parente de primeiro grau?” Aí, ele me explicou. Sabe o que acontecia? Nessa região de Angola, as tribos eram matriarcais. Então, não tinha casamento, as mulheres tinham liberdade sexual e se relacionavam com todo mundo na tribo. Isso era o certo para eles. Então, do ponto de vista social, o pai da criança, quer dizer, o pai social, o responsável social pela criança era o irmão mais velho da mãe. Ninguém tinha filho, o cara tinha sobrinho. Quer dizer, quando morria o sobrinho, na verdade, estava morrendo o filho social dele. Eu falei: “Ah, é assim? Então, mudou a norma. Agora ninguém desembarca quando morrer filho. Desembarca quando morrer sobrinho.” Então, você vê, são coisas de entendimento cultural.
ANGOLA/CABINDA Peguei aquela guerra de Angola. A gente morava em Cabinda numa base chamada Malongo. Eu me lembro de uma noite, depois do reveillon, no dia primeiro de janeiro de 1994. A gente tinha uma casa, um alojamento independente, eu estava dormindo e, de madrugada, começou um bombardeio
pesado. Aí me ligaram, no meio da guerra de Angola: “Estão bombardeando a base.” Eu falei: “Vou fazer o quê? Vou dormir aqui, né, vou sair pra rua?” Eram aquelas casas pré-fabricadas, tipo de madeira, de compensado, e começou a cair morteiro bem pertinho do dormitório. Até hoje eu tenho os pedacinhos dos morteiros que entraram no meu quarto, que atravessaram a parede. Uns 10 minutos depois, me ligaram de novo: “Olha, estão dando ordem para evacuar. Parece que estão invadindo a base e estão dando ordem para evacuar. Está todo mundo se reunindo num ponto de encontro, para pegar uns ônibus.” E eu tinha um carro. Tinha um monte de brasileiro trabalhando lá, na parte de cozinha e tal. Eu disse: “Bom, vamos embarcar. Eu levo vocês.” Saímos, fomos para o ponto de encontro, o carro ficava parado ali. Enchi o carro com os brasileiros e fomos os primeiros a sair. A idéia era ir para o porto, ir para o rebocador e ir para o Congo pelo mar. A base era no alto. A praia está aqui, logo em seguida tinha um platô que subia e a base ficava lá em cima, três, quatro quilômetros de carro. Quando eu estava descendo, no escuro, fiz uma curva e tinha vários homens armados com fuzil e tal, com roupa militar, bloqueando a estrada, mandaram eu parar. Eu parei, com o carro cheio de gente. Falei: “Estou morto, já invadiram aqui...” Não. Era a turma que defendia a base e estava fugindo. Entraram no meu carro, entraram não, treparam no carro. Eu não sei quantos tinham, mas pelo menos uns 60, 70, sei lá, não consegui contar. Era uma pick-up grande. Tinha gente no capô, no teto, atrás, todo mundo entrou ali. Fomos lá para o porto e entramos no rebocador. Encheu o rebocador, na parte de trás tinha, sei lá, centenas de pessoas. Fomos para o Congo sem passaporte, sem dinheiro, sem nada, só com a roupa do corpo. No meio do trajeto, o pessoal deu ordem de voltar. A gente acabou não chegando no Congo. Voltamos para a base. De noite, a gente via na escuridão aquelas balas passando de um lado pro outro, míssil. É até bonito, parece fogos de artifício. Então, foi a minha experiência de guerra em Angola. Eu estava sozinho, não estava com a família. Seria uma situação bem diferente se estivesse com a família. Lá, ninguém ficava com a família, por isso que era esse regime de 28 por 28 dias.
DIFERENÇAS CULTURAIS Deixa eu contar duas historinhas que se passaram na Líbia, sobre essa questão cultural. Quer dizer, o que é o certo, ter uma mulher ou ter quatro? Depende do ponto de vista, se aquilo é aceitável culturalmente. E lá é aceitável. Você começa a entender porque o homem pode casar com quatro mulheres. É uma solução para um problema social. Nos primórdios, os árabes eram guerreiros. Saíam naquelas hordas de conquistadores e as mulheres ficavam nas cidades. Então, havia um déficit de homem. E quem é que sustentava aquela mulherada toda ali? Por isso, começaram a criar esses códigos sociais que permitiam ao homem, se tivesse recursos, ter até quatro mulheres. Tem uma história maravilhosa. Um dia, eu estava sentado na minha sala e chegou um empregado nosso. “Mister Décio, posso entrar?” Eu falei: “Pode.” Aí, ele veio: “É verdade que o Senhor tem uma mulher só?” Eu falei: “É verdade.” “Mas por quê?” Eu expliquei. Ele falou assim: “Você vê: eu tenho três e não tenho a quarta porque não tenho dinheiro. Se o Senhor me der um aumento, eu caso com a quarta.” Aproveitou e deu uma pedidinha. Eu falei: “Não, não dá...” Ele ficou ali, me olhando meio inconformado. Na hora que ele foi embora, olhou pra mim e falou: “Como é que pode Um sujeito na sua posição, com uma mulher só” Devia estar pensando: “Que idiota” E saiu inconformado.
HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS Tem outra história sobre essa questão cultural. Você vê que tudo é relativo na vida. A gente tem que aprender essas coisas e tem gente que tem dificuldade de entender isso. Quando eu cheguei na Líbia, a gente tinha grupos de trabalhadores de diferentes origens. Tinha gente das Filipinas, da Argélia, Marrocos, Sudão, Mauritânia. E tinha um grupo da Mauritânia, muçulmanos também, que trabalhava seis por um, quer dizer, seis meses de trabalho, um mês de folga. Aí eu falei: “Isso aqui é uma loucura, é desumano. Essa turma aqui, eu não sei como é que agüenta isso. Vai ter que mudar esse regime de trabalho.” Passaram-se uns dois, três meses – eu tinha chegado lá na folga do pessoal da Mauritânia – e aí veio falar comigo o representante deles. Parecia até o Bin Laden, com uma barba enorme. Pediu uma audiência comigo, com aquele inglês horroroso Entrou na minha sala e começou a falar. Eu falei: “Já sei, você vai pedir para mudar o regime de trabalho.” “É, doutor, isso mesmo.” “Então, vamos conversar. Acho uma barbaridade mesmo.” “É” “O que você quer?” “Eu quero ficar um ano na sonda.” Eu falei: “Como é que é?” “Nós queremos ficar um ano trabalhando.” Eu falei: “Não pode ser um negócio desse, né? E você não quer folga?” Ele respondeu: “Eu quero 45 dias de folga.” “Você quer trabalhar um ano e ter 45 dias de folga, é isso?” “É.” Aí, começou aquela discussão: “Mas por que um negócio desses?” Eu não entendia. Olha a razão: essa turma vinha de tribos nômades da Mauritânia. A tribo dele, a família ficava circulando com aquelas tendas pelo deserto, se movendo. Então, a lógica do sujeito: “Como eu tenho só um mês de folga, eu saio daqui da Líbia – naquela época, a Líbia estava sob embargo aéreo, não podia ter vôo, tinha que sair sempre por via terrestre, era um inferno, levava muito tempo –, até chegar na Mauritânia e voltar, eu perco muito tempo e não consigo achar a minha família no deserto. Então, eu preciso de um tempinho para achar o pessoal.” Aí, eu falei para ele: “Não tem problema, não. Eu te dou mais tempo. Você quer ficar dois, três meses, fica.” “Não, não. Eu não quero. Nós queremos 45 dias, que é suficiente para ir, encontrar a família, deixar um dinheirinho.” A relação é completamente diferente, né, saudade, esse negócio não é a mesma coisa. “E eu quero voltar.” “Mas por que você quer voltar?” “Eu quero voltar.” Por que ele queria voltar? Porque a condição de vida dele no trabalho era infinitamente melhor do que fora do trabalho. Então, o sujeito ia e voltava antes, com 40 dias já estava lá. Não queria sair da sonda, queria ficar, porque ali ele comia melhor, descansava melhor, dormia melhor. Quer dizer, então, nem sempre o que é absolutamente correto sob o seu ponto de vista, é absolutamente correto sob o ponto de vista do outro. Aquilo me chocou muito. “Poxa, pelo amor de Deus, o cara quer ficar.” Então, tudo é relativo. Isso é uma grande lição.
PETROBRAS BOLÍVIA – ABERTURA DA SUCURSAL Eu estava na Líbia quando fui convidado para ser o Gerente de Operações da Sucursal que a Petrobras estava abrindo na Bolívia, fruto das negociações para construção do Gasoduto Bolívia-Brasil, que ia ser construído a partir de setembro de 1996. Aí, eu fui para a Bolívia no segundo semestre de 1996.
No início, eram seis empregados. Eu digo que tive uma sorte enorme porque as oportunidades que foram se abrindo e que a gente foi aproveitando, como Companhia, na Bolívia, foram espetaculares. Foi o primeiro passo efetivo de internacionalização consistente da Petrobras em direção ao que ela é hoje. No passado, até aquele episódio Bolívia, a internacionalização da Petrobras era esporádica. A Braspetro tinha sido criada em 1972 com o objetivo de, no meio daquela primeira crise do petróleo, encontrar reservas de petróleo para a Petrobras fora do Brasil. Esse era o objetivo primordial da Braspetro naquela ocasião. Então, não tinha uma vinculação estratégica com o Brasil. Quer dizer, era uma visão de fornecimento de petróleo, de acesso a reservas de petróleo. Então, os nossos pontos de atuação eram esporádicos, onde surgia uma oportunidade para atuar, a gente ia. “Ah, pintou uma oportunidade na Líbia? Vamos.” As oportunidades aparecem em diversas formas. Na maioria das vezes, os governos dos países hospedeiros abrem licitações de áreas de exploração, como a ANP abre aqui no Brasil. A gente vai, analisa, vê onde a gente acha que há maior possibilidade de sucesso e participa. Se houver êxito, ótimo. Algumas vezes, outras companhias nos procuram. “Olha, nós temos aqui uma área na China e tal, com perspectivas. Você não quer analisar e ver se te interessa entrar comigo lá e fazer uma parceria?”
Então, a gente trabalhava assim, quer dizer, não tinha um alinhamento estratégico com a Petrobras. Na Bolívia, a gente foi criando as bases para uma internacionalização integrada. A partir da construção do gasoduto, o nosso primeiro objetivo era encontrar reservas de gás para “monetizar” no mercado brasileiro, quer dizer, era produção na Bolívia com vistas ao mercado do Brasil, numa região do lado da nossa, num território cultural, político, social conhecido, próximo. E que, depois, ia terminar nessa grande integração que nós estamos buscando, dos ativos que hoje a gente tem na Argentina, na Bolívia, no Brasil. Na primeira vez na sua história, a Petrobras está contando com ativos importantes não só no Brasil. Até 90 e tantos, a Petrobras era uma companhia basicamente brasileira. Então, isso começou a mudar e acho que a Bolívia teve uma importância grande por mostrar a Petrobras que ela, sim, podia ir se internacionalizando, não só na atividade de E&P, que é uma atividade que não tem muita sinergia com a atividade que ela tem no Brasil, mas no downstream também no gás. Então, assim, começou o nosso trabalho na Bolívia, buscando o gás para atender o mercado brasileiro.
PETRÓLEO E GÁS O gás sempre esteve presente na atividade, só que foi mudando a sua importância relativa. Quer dizer, o gás, que era um subproduto, às vezes, indesejado e queimado nos primórdios da Bacia de Campos, gradualmente foi sendo aproveitado. Inicialmente, para geração de energia nas plataformas, depois foi migrando para o atendimento do mercado brasileiro, que começou a se desenvolver. E a partir da construção do gasoduto Brasil-Bolívia, teve impulso a entrada do gás na matriz energética do Brasil.
PETROBRAS BOLÍVIA - DESENVOLVIMENTO Naquela ocasião, a Petrobras era pequenininha, tinha seis empregados na Bolívia. Ela tinha assinado um contrato para comprar 30 milhões de metros cúbicos por dia de gás da Bolívia. E, naquela ocasião, a Bolívia sofreu um processo de privatização. Com a abertura da expectativa do ingresso do gás boliviano no mercado brasileiro, a atratividade das reservas potenciais da Bolívia aumentou muito. O governo aproveitou essa situação e fez uma privatização – lá era chamada de capitalização – da empresa de petróleo da Bolívia, a YPFB, e isso atraiu empresas do mundo inteiro.
PRIVATIZAÇÃO DA YPFB – ESTATAL BOLIVIANA DE PETRÓLEO Na venda da estatal da YPFB, a YPF, a Amoco, a Shell, a Enron foram as companhias que compraram os ativos da estatal. Naquela ocasião, a Petrobras era uma companhia na Bolívia muito modesta, porque contava com seis empregados e com uma atividade exploratória. Os grandes jogadores da indústria, os grandes players da indústria eram as companhias internacionais que tinham adquirido as reservas e os ativos, a rede de dutos da estatal – as refinarias tinham ficado na mão do Estado, no primeiro momento. O nosso papel na Bolívia era a exploração de gás e construir o gasoduto do lado boliviano, que depois foi entregue para a YPFB. Só que tinha um detalhe: o contrato de compra de gás que a Petrobras assinou inicialmente com a YPFB, depois foi revisado e a última versão, em 1996, foi feita numa época em que a Petrobras e a YPFB, as duas estatais, a brasileira e a boliviana, iam procurar, em conjunto, reservas de gás na Bolívia para atender o mercado brasileiro. E as duas companhias acordaram que o gás que elas encontrassem nos campos em que a Petrobras tivesse participação, teria prioridade para acesso ao mercado do Brasil, via Gasoduto Bolívia-Brasil, que também estava sendo construído pelas duas empresas. Então, essa cláusula ficou no contrato.
Quando houve a privatização, as companhias estrangeiras, que entraram apostando no mercado boliviano para atender a demanda de gás no Brasil, desconsideraram a possibilidade prevista no contrato de que a Petrobras fosse capaz de descobrir reservas de gás significativas na Bolívia. E pagaram na privatização tanto quanto outras empresas que adquiriram reservas existentes na Bolívia, na expectativa de atender o mercado brasileiro com essas reservas. Isso foi entre o final de 1996 e meados de 1997. E a gente continuava ali, com o nosso trabalho de exploração. Começamos, em outubro de 1996, a sísmica em San Alberto, depois em San Antonio – as duas áreas que a gente tinha lá, em sociedade com a YPFB. Nós vendemos um pedaço da nossa participação para a francesa TOTAL, naquele processo que eu falei em que uma companhia convida a outra para diluir riscos. Os 50% da YPFB foram vendidos no processo de privatização boliviana e passaram para a YPF argentina, que hoje é da Repsol, junto com os fundos de pensão da Bolívia. E nós começamos o nosso trabalho de exploração.
No final de 1997, nós começamos a furar o primeiro poço em San Alberto. Esse poço, em agosto de 1998, revelou-se um êxito enorme. Foi a nossa primeira grande descoberta de gás na Bolívia, a maior descoberta da Braspetro, desde os anos 70. A Braspetro tinha descoberto dois campos gigantes no Iraque, em Majnoon, em 70 e tantos, e que depois foram revertidos pelo governo iraquiano. Então, era a maior descoberta da Braspetro dos últimos 20 anos. Em dezembro de 1998, o Gasoduto foi concluído e foi oficialmente inaugurado em julho de 1999. Entrou em operação em primeiro de julho de 1999, seis meses antes do previsto. Em junho de 1999, a gente terminou o primeiro poço em San Antonio, que era outro campo e que teve resultados ainda mais espetaculares que os resultados de San Alberto. A gente se deparou com uma nova província gasífera, que mudou completamente as expectativas que tinham sido geradas na Bolívia e na região toda. Mudou o equilíbrio de oferta e demanda de gás na região, porque, prévio ao gasoduto, havia um debate que se não houvesse gás suficiente na Bolívia, a demanda do Brasil teria que ser atendida via Gasoduto Bolívia-Brasil, mas o gás viria da Argentina ou de Camisea, que era um campo que a Shell tinha no Peru. Com a descoberta da Petrobras, mudou completamente essa expectativa. A Bolívia passou a contar com enormes reservas de gás e teve a certeza que ia atender o mercado brasileiro com gás boliviano. Isso gerou no mercado uma reação muito grande. Um rebuliço enorme. A Petrobras teve, acho que pela primeira vez fora do Brasil, grandes embates políticos – e eu conduzi esses embates o tempo todo – para poder fazer valer os seus direitos de contrato. Porque gerou um desequilíbrio muito grande. As companhias que tinha comprado reservas, na expectativa de vender para o Brasil, se depararam com um contrato em que a Petrobras tinha prioridade para fornecer gás sempre que ela tivesse gás. Eles não acreditaram que a Petrobras fosse ter e ela tinha. Então, naquela época, dos 30 milhões de metros cúbicos por dia que viriam para o Brasil, oito já tinham sido adjudicados, mais ou menos. Eu sei que, no frigir dos ovos, nós entramos numa discussão e a Petrobras acabou assinando, junto com os sócios dela, contratos para fornecer perto de 22 milhões dos 30 milhões de metros cúbicos por dia de gás da Bolívia. Nós ficamos, junto com nossos sócios, responsáveis por 70% do abastecimento do gás boliviano que vinha para o Brasil, o que era completamente fora da expectativa. Isso gerou debates enormes, reações políticas, pressão das embaixadas dos países hospedeiros das companhias concorrentes, foi um negócio gigantesco. O governo da Bolívia sofreu enormes pressões, mas honrou os contratos que tinha com a Petrobras. Depois de meses de debate, nós conseguimos assinar os contratos. Isso foi em abril em 2000. Eu me lembro que assinei, depois a diretoria homologou; o sócio tinha que assinar também, foi uma dificuldade danada. O preço de referência do contrato de compra de gás do Brasil era da ordem de cinco, seis bilhões de dólares. Quer dizer, não estou falando de pouco dinheiro não. Eram contratos gigantescos, de 20 anos de duração. O petróleo não tem contratos com tão longa duração, mas o gás tem. Então, esse foi o primeiro grande embate da Petrobras para se transformar de uma companhia pequena, com seis empregados, na principal produtora de gás da Bolívia. Isso abriu os nossos horizontes. Tentando simplificar um pouco a história, já estávamos em meados de 1999 quando assinamos esses contratos. Aí, nós tivemos um desafio gigantesco que foi colocar esses campos em operação no prazo previsto. Os campos tinham que entrar em produção no princípio de 2001, senão a gente perderia os contratos. Era um trabalho enorme de desenvolvimento, de construção dos poços, das plantas, dos dutos para botar esse gás em produção. Foi uma loucura.
PETROBRAS BOLÍVIA – COMPRA DE REFINARIAS Para você ver como era uma loucura, em meados de 1999, começou a haver na Bolívia uma discussão sobre a privatização das refinarias. Essa discussão começou a evoluir e eu trouxe a questão para a Petrobras. Eu disse: “Estamos na Bolívia, vamos ter uma produção de gás muito importante, associada ao mercado brasileiro.” Já havia sido, naquele momento, quebrado o monopólio no Brasil; quer dizer, a Petrobras não era mais a empresa monopolista aqui, já se previa a liberação das importações de produtos para o mercado brasileiro, isto é, a abertura do mercado brasileiro. Até final de 2001, a Petrobras tinha a exclusividade de importação de derivados de petróleo no Brasil, ninguém podia entrar. Agora podia, né? A gente já estava vivendo aquele processo de abertura e isso ia afetar tremendamente o dia-a-dia da Petrobras.
E aí nós trouxemos para discussão a possibilidade de comprar as refinarias na Bolívia, que seria o primeiro passo da Petrobras no downstream, fora do Brasil. A gente nunca tinha operado refinaria nem poço de gasolina fora do Brasil. E compramos. A licitação foi em novembro. Foi uma loucura absoluta. A gente olha para trás e pensa: “O que a gente não fez” Imagina uma companhia de 20 empregados que tinha que crescer para 100, 200, para atender somente as demandas do E&P, quer dizer, a produção daqueles campos de gás e, de repente, a gente entra na aventura de comprar duas refinarias. Mas não compramos a empresa, nós compramos dois ativos. O governo boliviano licitou e, na hora de fazer a oferta, nós tínhamos que definir que valor oferecer, tinha um preço mínimo. Era aquele risco: deixa de comprar ou deixa dinheiro na mesa. Eu me lembro que você colocava as ofertas e, depois, o governo boliviano dizia qual era o preço mínimo. Fiquei lá pensando, discutindo com o pessoal que estava trabalhando no grupo, e decidimos colocar o preço de 102 milhões de dólares pela refinarias. O preço mínimo foi 97 e tantos. Aí, eu falei: “Ah, pelo menos não deixamos tanto dinheiro na mesa”
Compramos as refinarias e tínhamos 15 dias para assumir. Mas eram dois ativos, não era a empresa, logo, não tinha fatura, não tinha nota fiscal, não tinha contador, não tinha agente comercial, não tinha nada disso. Então, como é que você sai do nada? As refinarias eram essenciais para a Bolívia, se parassem, parava o país, eram as duas únicas. Então, foram 15 dias sem dormir, um negócio maluco, cheio de confusão – não vou nem entrar em detalhes. Sei que no dia dois de dezembro começamos a operar as refinarias. Eu estava absolutamente morto. Cheguei em casa, sentei no sofá da sala, depois de três dias em La Paz – La Paz está a quatro mil metros de altitude – sem dormir, sem comer, aquele negócio todo, absolutamente esgotado. Aí começa a ligar gente para felicitar, dar parabéns e tal. Quando eu já estava quase dormindo, tocou o celular: “Décio?” Era o Ministro da Fazenda: “Olha, o presidente – que era o General Hugo Banzer – está pedindo para falar com vocês, porque tem que revisar o preço agora.” Isso no primeiro dia. O Ministro da Fazenda da Bolívia ligando para mim para dizer que o processo de privatização incluía um processo de mudança de cálculo de preço e o governo boliviano decidiu adiar logo no primeiro dia. “Mas não faz nem 24 horas que nós compramos e vocês já mudam a regra? O que eu vou dizer?” O downstream é isso; o E&P está isolado. Você produz petróleo, você vende. Então, a tua interface com a população em geral ou com os governos é mínima. A cara de uma companhia de petróleo está na gasolina, está no posto, no lubrificante. A produção de petróleo, em si, é amorfa para o público. Aí começou a nossa relação com o consumidor boliviano, mais intensa com o regulador boliviano que, efetivamente, expõe a Companhia. E nós começamos a operar as refinarias. Tivemos que montar tudo, a parte contábil, a parte financeira, do nada. Passamos a faturar 700 milhões de dólares por ano, assim, de um dia para o outro. Havia risco de crédito e um monte de coisas que assustava, mas, graças a Deus, nós sobrevivemos a todo esse processo. As refinarias tinham quase 400 empregados. Nós tínhamos dois brasileiros, um em cada refinaria, que eram os superintendentes e todo o resto da equipe era boliviana.
PRESIDÊNCIA DA PETROBRAS BOLÍVIA
Eu virei presidente da Petrobras na Bolívia quando ainda éramos pequenininhos, tínhamos por volta de 20 empregados. Isso foi em maio de 1999, antes de descobrirmos San Antonio.
Voltando à questão das refinarias, nós entramos no refino e isso começou a abrir outras oportunidades. Logo em seguida, a gente expandiu para a distribuição, abrimos uma companhia de distribuição. Hoje, a gente tem 80 poços, cerca de 20 e poucos por cento do mercado boliviano. Não podemos expandir mais porque está limitado pelos controles legais.
Os postos da Petrobras na Bolívia têm uma imagem espetacular. A média de venda dos nossos postos lá é muito superior às médias de venda do Brasil e da Argentina. Aqui no Brasil, é da ordem de 150, 200 mil litros por mês, lá a média está em 600, 700 mil. Tem posto que vende um milhão de litros por mês.
IMAGEM DA PETROBRAS NA BOLÍVIA A Petrobras tem uma imagem espetacular junto ao público. O Lubrax, que é o nosso lubrificante, que a gente faz em Cochabamba, saiu de 1% para 20% de mercado, hoje. E a gente usa uma outra marca de lubrificante lá, a YPFB, que era da estatal. A gente comprou a refinaria e continuou usando a marca, que tem 60% do mercado de lubrificantes. Somando os dois, nós temos 80% do mercado de lubrificantes da Bolívia. Então, o nosso desenvolvimento no downstream foi muito bom, do ponto de vista de resultados e também de imagem. Hoje, a Petrobras é benchmark na Bolívia em termos de uma série de coisas: a companhia mais respeitada, conhecida por 99% da população, apreciada por 70 e tantos por cento da população como empresa boa e excelente, e medianamente por 20 e poucos por cento da população. Se a gente pegar toda a população boliviana, 96% considera a Petrobras uma empresa neutra, boa ou excelente. Quer dizer, um resultado mais que espetacular, mas não sem antes ter passado por todas essas confusões.
Como nem tudo na vida é perfeito, quando a gente descobriu essas reservas de gás no sul, naquela ocasião, as expectativas eram de que as principais reservas de gás da Bolívia estavam em Santa Cruz, daí a idéia de sair o gasoduto de Santa Cruz em direção ao Brasil. Só que nós encontramos gás a 450 quilômetros ao sul de Santa Cruz. Como levar esse gás até o gasoduto Bolívia-Brasil, para poder chegar ao mercado brasileiro, naquele ambiente extremamente conflituoso em que a gente tinha tido uma disputa muito grande com as outras companhias para ter acesso ao mercado do Brasil? E os gasodutos da Bolívia, internos, tinham sido vendidos e estavam nas mãos na Enron e da Shell. Então, para acessar o Bolívia-Brasil, a gente dependia da Enron e da Shell, que eram nossos concorrentes. Eles usaram todos os mecanismos possíveis e imaginários para frear o nosso acesso à entrada do gasoduto Bolívia-Brasil, na expectativa de que a gente tivesse os nossos contratos frustrados. Nós levamos quase dois anos numa disputa enorme, tentando obter uma licença ou uma negociação aceitável com a Enron e com a Shell para transportar o gás de San Alberto e San Antonio até o Bolívia-Brasil no duto que eles tinham – quase compramos a Enron na Bolívia, chegou-se a firmar um acordo de compra que não foi concluída – ou construir o nosso próprio gasoduto. No final, foi o que nós conseguimos, depois de dois anos de negociações. Aí, entramos na construção de outro gasoduto na Bolívia de 450 quilômetros, ligando Santa Cruz aos campos de San Alberto e San Antonio. Praticamente uma extensão do Bolívia-Brasil, só que operado pela Petrobras e pelos sócios dela. Um investimento de quase 400 milhões de dólares.
Então, nesse período todo, a gente investiu perto de um bilhão de dólares na Bolívia, em recursos da Petrobras, junto com o que a gente colocou no Bolívia-Brasil no lado boliviano. Juntando isso aos recursos que os nossos sócios aportaram nos projetos que a gente participava, dá mais de um bilhão e meio. Foi o principal investimento da Petrobras fora do Brasil até então. Depois, vieram as aquisições na Argentina, mas a gente está falando de um período anterior. A gente foi adquirindo uma visibilidade muito grande na Bolívia. Como o gás se converteu na grande esperança de desenvolvimento da Bolívia – vocês vêem pela questão política hoje –
e como a gente estava à frente desse processo, começamos a ter uma exposição muito grande. E como a Petrobras foi cumprindo as expectativas, isso foi gerando uma imagem positiva, a gente acabou tendo uma aceitação muito grande na Bolívia.
CREDIBILIDADE Vou contar uma historinha que representa o nível de credibilidade que a Petrobras tem lá. Foi em 1999. Eu estava dormindo, num domingo, seis da manhã, tocou o meu celular do lado da cama. Era o Ministro da Defesa, estava com o Presidente e queria falar comigo. Eles estavam me perguntando se era verdade uma informação de que a Petrobras estava recomendando a evacuação da cidade de Camiri. Camiri é uma cidade petroleira na Bolívia, tipo Catu na Bahia, com 30 mil habitantes. O Presidente estava preocupado porque tinha uma recomendação de evacuação e ele queria fazê-la de imediato. Eu falei: “Oh, eu não sei de nada não. Me dá 10 minutos, que eu vou investigar.”
Fui investigar e tinha acontecido o seguinte: de madrugada – nós não temos operação nenhuma naquela cidade e nem perto –, um depósito de explosivos sísmicos da YPFB, que era estatal, tinha explodido. Fez uma cratera de 30 metros de diâmetro, quebrou vidros num raio de 10 quilômetros, morreu um monte de gente. E o general, chefe da guarnição militar, tendo em vista essa confusão na cidade, não entendia nada, tinha explodido uma instalação petroleira, foi no hotel da cidade para ver se tinha algum técnico de petróleo que pudesse dar uma ajuda na investigação em curto prazo. E tinha um colega nosso, que hoje está no Cenpes, geofísico, especializado em segurança, que estava indo para uma operação numa outra cidadezinha na Bolívia. O avião não pôde aterrissar no aeroporto que estava programado devido ao mau tempo e ele foi parar na cidade, estava no hotel. Então, o general encontrou o sujeito da Petrobras: “Ah, é esse mesmo Vamos lá no lugar do acidente.” Chegando lá, com o nosso colega, ele viu no meio dos destroços da explosão um decalque da Schlumberger, uma companhia que presta serviço para as empresas de petróleo do mundo todo. Essa companhia também trabalha com material radioativo. O nosso colega olhou para o general e falou: “Essa companhia trabalha com material radioativo. Se tinha material radioativo armazenado junto com os explosivos, espalhou pela cidade inteira. Pode morrer todo mundo. Temos que evacuar a cidade.” E entrou em pânico. O general disse: “Se o técnico falou que tem que evacuar a cidade, vamos evacuar a cidade e rapidinho.” E ligou para o Presidente da República e para mim, perguntando se era verdade. Aí, no telefone, às seis da manhã, eu falei: “Vamos fazer um negócio: bota um passarinho no buraco da explosão enquanto não chega o medidor de radioatividade. Dizem os técnicos que o passarinho morre muito antes que o ser humano. Bota o passarinho lá para ver se tem radioatividade.” Enquanto isso, eu tinha falado com a Schlumberger e eles tinham mandado um avião para lá, com o medidor de radioatividade. No final, não tinha nada. Mas eu sei que botaram o passarinho na gaiola lá. E o Presidente quase mandou evacuar a cidade ou começar o processo de evacuação da cidade por recomendação do técnico da Petrobras. Isso é que é credibilidade.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Na Bolívia, eu fiquei como gerente de operações, a partir de 1996. Em maio de 1999, eu virei presidente da Companhia. Aí, começou a crescer, no início era só Petrobras-Bolívia, depois criamos uma série de outras empresas. Criamos uma holding chamada Petrobras Bolívia Investimentos e Serviços, que é a companhia que detém todas as participações que a Petrobras tem na Bolívia. Fiquei lá até agosto de 2004, quando voltei para a Sede. Eu já era quase cidadão boliviano, fiquei oito anos lá. Não pedi para voltar, não. Voltei porque houve uma reestruturação na área internacional.
PETROBRAS E O CONE SUL Depois desse processo da Bolívia, a Petrobras também entrou num processo de expansão na Argentina. Adquiriu refinarias na Argentina, depois comprou a Perez Companc, que era a maior empresa de energia independente da América Latina, com sede em Buenos Aires. Isso mudou a cara da Petrobras. Naquela primeira vez, ela deixou de ser uma companhia com ativos importantes só no Brasil e, hoje, tem uma base regional muito importante. Então, isso levou a uma mudança de estratégia na Empresa. Foi feita uma reestruturação na área internacional e criaram uma gerência executiva para cuidar do Cone Sul, quer dizer, são os ativos da Petrobras na Bolívia, na Argentina e as subsidiárias que a Petrobras Energia tem na Venezuela, no Equador e no Peru. Me convidaram para assumir essa função e cá estou.
LAZER Eu sou um péssimo companheiro para esporte coletivo. Desisti há muito tempo dos esportes coletivos. A última tentativa que eu fiz foi o golfe, mas desisti porque a minha mulher e as crianças ficam abandonadas no fim de semana, demora muito tempo. Eu não consigo jogar tênis ou me engajar numa atividade em que os outros dependam de mim. Se eu marco: “Vou jogar tênis contigo às seis horas.” Depois, às seis horas, eu não posso ir, então desisti. Eu corro regularmente, mas sozinho. Corro na Petrobras, naquele Centro de Promoção à Saúde que tem lá em cima, o CPS. Tenho esteira para fazer em casa, quando está chovendo, sou fanático, corro cinco, seis vezes por semana. E leio muito. Gosto de ver filme, sair com as crianças, mas gosto muito de ler também.
PROJETOS PESSOAIS Meu projeto futuro é seguir trabalhando, não consigo me ver aposentado. Se tiver alguma oportunidade boa de trabalhar no exterior de novo, conte comigo.
FILHOS Tenho dois filhos: Vitória, de 12 anos, e Fabrício, que está com nove anos. Pela primeira vez, eles estão experimentando a experiência de viver no Brasil. A minha filha saiu daqui quando tinha um ano, quando a gente foi para a Líbia. O meu garoto foi concebido na Líbia, mas nasceu no Brasil em 1995, voltou para lá com 10 dias e, pela primeira vez, está morando aqui. Tem vantagens de viver fora. Os meus filhos são efetivamente trilíngües: falam espanhol, português e inglês. De vez em quando, eu estou falando em inglês ou em espanhol com alguém e eles comentam: “Pai, você fala divertido” Eles não têm sotaque nenhum.
Então, eles já devem estar cansados de ouvir as minhas histórias da Petrobras. Conto para eles, conto para os amigos, fico o dia inteiro falando. Se eles estão guardando, eu não sei, mas estão ouvindo. O meu filho, por exemplo, fala: “Quando eu crescer, eu vou trabalhar na Petrobras.” Ou melhor: “Vou ser jogador de futebol. E depois que eu não puder mais jogar futebol, eu vou trabalhar na Petrobras.”
MOMENTOS MARCANTES Vou identificar dois momentos, que são divisores de águas. E os dois são na Bolívia. Primeiro, as descobertas de gás que, realmente, começaram a abrir uma perspectiva para a gente. Segundo, foi o momento da compra das refinarias. Quer dizer, um momento isolado, talvez tenha sido o mais marcante por abrir um horizonte absolutamente novo, não só para mim, como executivo, mas para a Empresa e o fato de eu estar participando daquele processo. Outro fato relevante – duvido que eu possa repetir isso, é muito difícil – foi a experiência que eu vivi na Bolívia, como um todo. Porque entrar numa organização, por mais destacada que seja a sua posição, é completamente diferente de você participar da construção de algo. E o que a gente fez lá, nesses anos todos, foi a construção de algo, quer dizer, a partir de praticamente nada construímos a maior empresa do país, disparado. Não tinha idéia de que seria assim, mas a gente tinha esperanças de ser relevante. As circunstâncias foram se dando, tudo na vida é uma questão de oportunidade, né? Já dizia aquele filósofo Ortega y Gasset: “Yo soy yo y mi circunstancia.” Então, a nossa circunstância lá foi acontecendo e a gente foi aproveitando. A gente teve oportunidades de ter blocos de exploração em dezenas de países e o raio caiu justamente na Bolívia.
Então, lá na Bolívia, a partir daquela base exploratória, a gente conseguiu transformar a Petrobras no principal operador e produtor de gás do país. Depois, nós migramos para ser donos das principais refinarias do país, abrimos a principal rede de distribuição de derivados, abrimos os postos de gasolina mais reconhecidos e mais rendosos, construímos os principais gasodutos, temos as marcas de lubrificantes mais vendidas, vendemos gás para geração elétrica. A gente só não tem integrado lá, no caso, gás do poço ao poste. E tudo isso se passou num espaço de tempo muito pequeno. Eu participei de todo esse processo. É uma experiência muito rica e, eu diria, quase inigualável para um executivo do setor de petróleo viver, num espaço de tempo muito curto, a criação de uma Empresa gigantesca, com um impacto enorme na economia do país. A gente hoje é responsável por 40%o da exploração da Bolívia, tem um faturamento significativo em relação ao PIB do país, uma presença muito importante. É um negócio, do ponto de vista pessoal, espetacular.
IMAGEM DA PETROBRAS Eu vejo a Petrobras vivendo um momento absolutamente rico. As mudanças ainda estão se consolidando na cabeça das pessoas. A gente tem dificuldade – todo ser humano tem – de lidar com a mudança. Às vezes, a gente não tem, mentalmente, agilidade para reagir às mudanças, à medida que as coisas vão acontecendo. Boa parte do mérito que a gente teve na Bolívia, eu acho que foi devido à capacidade que a Companhia teve de ir se adaptando rapidamente às oportunidades que iam surgindo e abraçando essas oportunidades.
Se você fica pensando muito, às vezes passa o cavalo e você não monta. A aquisição da Perez Companc, na Argentina, foi outro caso semelhante. Passou a oportunidade, a gente agarrou. Se não tivesse agarrado, o mundo seria diferente para nós e a gente não teria nem se dado conta. Então, a questão de águas profundas foi absolutamente crucial para a Petrobras, o evento mais importante da história da Petrobras e, eu diria, o mais importante da história recente do Brasil.
Em 1985, a grande meta da Petrobras, como conclusão para o Pólo Nordeste e da Bacia de Campos, era chegar nos 500 mil barris por dia. Aquilo era um negócio extraordinário, produzir 500 mil barris por dia. Se a gente lembrar um pouquinho de história, em 1982, o Brasil tinha entrado em default. A gente não pôde pagar a dívida externa, no governo Figueiredo, basicamente pela segunda crise do petróleo originada na guerra Irã-Iraque. A gente não teve recursos para pagar o petróleo que a gente consumia. A gente importava perto de um milhão de barris por dia e a Petrobras produzia 300 mil, talvez. De repente, a Petrobras descobre esse caminho das águas profundas e começa a mudar completamente de patamar. Aquela Companhia que sonhava em produzir 500 mil barris por dia, hoje está falando em dois milhões e meio ou mais. Aquela Companhia que tinha uma visão de que todo petróleo que ela encontrasse, ela produzia, e aquilo ajudava a ela e ao país, agora está com excedente de petróleo. Quer dizer, ela vai produzir, vai ser auto-suficiente, não vai importar mais e vai ter excedente. E o que você faz com esse excedente? Você vende como petróleo para o mercado internacional ou agrega valor através de distribuição, acesso ao mercado? São discussões que estão começando a surgir. Então, a ida da Petrobras para águas profundas foi uma coisa absolutamente crucial para ela, mudou completamente a face da Companhia. Aqueles passos que foram dados lá no início dos anos 80 estão se refletindo agora. Eu diria que, mesmo em nível nacional, a gente não tem a percepção do impacto disso. Há poucos dias, estava 50 dólares o barril. Vamos imaginar que a Petrobras não tivesse descoberto o caminho em direção a águas profundas e estivesse produzindo 500 mil barris por dia, com o Brasil consumindo um milhão e meio. Como estaria a economia do país, se o Brasil tivesse que importar um milhão e meio de barris por dia, com o petróleo a 50 dólares? Onde estaria o nosso superávit comercial de 30 bilhões de dólares por ano? Olha o impacto disso na economia brasileira Não tenho dúvida nenhuma que, do ponto de vista da história da Empresa, o grande marco foi esse caminho em direção às águas profundas.
ÁREA INTERNACIONAL Sem dúvida, a área internacional é um caminho inexorável, porque o mercado do Brasil está se expandindo, a Petrobras começou a adquirir um peso, uma capacidade tecnológica que dá vantagens competitivas para ela trabalhar em outros lugares. Essa expertise que a gente desenvolveu em águas profundas é um capital tecnológico que pode ser usado em outras áreas, já estamos usando na Nigéria, por exemplo, nos Estados Unidos, no Golfo do México. Nesse mundo, cada vez mais e mais globalizado, a gente tem que estar preparado para isso. Nós estamos nos preparando. Hoje, a Petrobras está completamente diferente da companhia que ela era há 10 anos. Hoje, a Petrobras é a segunda empresa de petróleo mais importante da Argentina, é a primeira mais importante da Bolívia, quer dizer, completamente diferente do cenário que a gente tinha há alguns anos. Estamos criando uma base para aproveitar as vantagens competitivas que a gente tem no mercado regional da América do Sul. Seguramente, isso vai trazer muitos benefícios ainda.
Eu fui muito feliz, tive oportunidade, lá no início, de participar do projeto de águas profundas e, agora, de estar participando da internacionalização. Participei dos passos lá na Bolívia, que foram importantes, e agora essa integração das atividades regionais da Petrobras também está sob minha responsabilidade. O raio vem e cai na minha cabeça, constantemente.
RESPONSABILIDADES Hoje, eu tenho responsabilidade pelos resultados da Petrobras no Cone Sul, Bolívia, Argentina, Venezuela, Equador e Peru. Quem sabe daqui a uns 10 anos a gente não tenha mais histórias para contar.
PROJETO MEMÓRIA / DOCUMENTOS HISTÓRICOS Eu acho um negócio espetacular. Eu sempre fui fanático pela história, gosto disso. A minha vinculação com o Projeto Memória aconteceu no ano passado, nos “50 anos”. A minha avó vinha guardando uns documentos e, quando ela morreu, eles ficaram na casa do meu avô, em Porto Alegre. Eu nunca tinha visto esses documentos. No ano passado, eu fui a Porto Alegre, na Semana Santa, e a minha mãe me deu uma caixa com os documentos do meu avô. Eu comecei a mexer naqueles documentos e me deparei com maravilhas: foto da primeira equipe sísmica armada no Brasil, documentos relacionados com a descoberta dos primeiros campos de petróleo, trabalho na Amazônia, creio que o único conjunto ainda existente dos documentos que depois foram culminar naquele famoso Relatório Link, no final da década de 50. Esse Relatório gerou uma polêmica enorme, achavam que não tinha petróleo no Brasil. O Walter Link escreveu o Relatório e, depois, meu avô, que era diretor na época, escreveu junto com o Pedro de Moura um relatório contrário. Então, tudo isso estava lá comigo. Eu me lembro que peguei esses documentos e levei para a Bolívia e, em um dia, escrevi um texto juntando tudo. Peguei esse material todo e trouxe aqui para a Simone, que estava cuidando do Projeto Memória. Aí, o negócio começou a andar, eu quis doar esses documentos para a Petrobras e o Guilherme Estrella falou: “Não faça isso. Se você doar, vai perder. Fica contigo, melhor guardar e dar cópia por meio magnético.” E, agora, parece que estão publicando esses documentos pela Universidade Coorporativa da Petrobras.
Eu tenho na Bolívia um conjunto de documentos, devem ser uns 60, 70 volumes, com a história da Petrobras lá. E tenho a intenção de escrever também, quando tiver um tempinho – espero que seja antes de aposentar. Estou preparando para que, um dia, tenha bibliografia suficiente para escrever uma história sobre a nossa experiência lá. Acho extremamente importante. Acho que a gente tem que aprender as lições da história para não esquecer o que a gente fez.Recolher