Meu nome é Mário Soares Lima, sempre chamado de Mário Lima. Eu nasci numa pequena cidade nas margens do São Francisco, no norte da Bahia, chamada Glória, em 19 de fevereiro de 1935. Exatamente há 68 anos.
FAMÍLIA
Meu pai era pernambucano, foi seringueiro no Acre e se chamava Manoel de Souza Lima. Minha mãe, baiana, prendas doméstica, filha de portugueses, chamava-se Emilia Soares. Meus avós também eram nascidos no Brasil, mas filhos de portugueses, educação portuguesa. O nome deles era Francelina e Manoel. Avó de pai era Ana, e o avô era... A memória me traiu um pouco agora. A origem da minha família não é toda portuguesa. Meu pai era filho de negro com índio. Minha mãe que era portuguesa. Meu pai era negro, minha mãe era branca. Tenho mais quatro irmãos, um irmão e três irmãs.
MIGRAÇÃO
Naquela época, quando eu nasci, ainda havia a presença do Lampião e o pessoal dele. Havia muita insegurança, e por perseguição política tiraram meu pai de lá e mandaram para o sul da Bahia, para Canavieiras. Eu tinha uns 3 anos, coisa assim. Depois eu voltei para lá quando acabou a perseguição política e por último eu fui para Salvador, porque naquela época no sertão da Bahia só tinha o curso primário, nem o segundo grau. O ginásio daquela época, que hoje é a quinta, a sexta e a oitava série, não havia, então a gente tinha que ir para Salvador. Uma parte da minha infância foi em Canavieira, e depois vim para Salvador. Uma irmã minha casou-se e foi para Salvador e fui para lá estudar. Com 12 anos eu fui para Salvador.
COSTUMES
Me lembro muito bem da minha infância. Minha mãe era uma pessoa muito meiga, com aquela educação. Ela falava ainda com sotaque, ela pronunciava os erres e os eles. Meu pai chamava-se Manoel e ela pronunciava o l final, Manuele. Ela não dizia: “Menino vai ali vê aquilo.” Ela dizia: “Vai acolá.” E gostava de tomar um vinhozinho do Porto e cedo nos ensinava que...
Continuar leituraMeu nome é Mário Soares Lima, sempre chamado de Mário Lima. Eu nasci numa pequena cidade nas margens do São Francisco, no norte da Bahia, chamada Glória, em 19 de fevereiro de 1935. Exatamente há 68 anos.
FAMÍLIA
Meu pai era pernambucano, foi seringueiro no Acre e se chamava Manoel de Souza Lima. Minha mãe, baiana, prendas doméstica, filha de portugueses, chamava-se Emilia Soares. Meus avós também eram nascidos no Brasil, mas filhos de portugueses, educação portuguesa. O nome deles era Francelina e Manoel. Avó de pai era Ana, e o avô era... A memória me traiu um pouco agora. A origem da minha família não é toda portuguesa. Meu pai era filho de negro com índio. Minha mãe que era portuguesa. Meu pai era negro, minha mãe era branca. Tenho mais quatro irmãos, um irmão e três irmãs.
MIGRAÇÃO
Naquela época, quando eu nasci, ainda havia a presença do Lampião e o pessoal dele. Havia muita insegurança, e por perseguição política tiraram meu pai de lá e mandaram para o sul da Bahia, para Canavieiras. Eu tinha uns 3 anos, coisa assim. Depois eu voltei para lá quando acabou a perseguição política e por último eu fui para Salvador, porque naquela época no sertão da Bahia só tinha o curso primário, nem o segundo grau. O ginásio daquela época, que hoje é a quinta, a sexta e a oitava série, não havia, então a gente tinha que ir para Salvador. Uma parte da minha infância foi em Canavieira, e depois vim para Salvador. Uma irmã minha casou-se e foi para Salvador e fui para lá estudar. Com 12 anos eu fui para Salvador.
COSTUMES
Me lembro muito bem da minha infância. Minha mãe era uma pessoa muito meiga, com aquela educação. Ela falava ainda com sotaque, ela pronunciava os erres e os eles. Meu pai chamava-se Manoel e ela pronunciava o l final, Manuele. Ela não dizia: “Menino vai ali vê aquilo.” Ela dizia: “Vai acolá.” E gostava de tomar um vinhozinho do Porto e cedo nos ensinava que era bom para o coração. Isso mais de 50 anos atrás, ela já dizia isso - que o vinho do Porto é bom para o coração.
EDUCAÇÃO
Eu fui para o colégio da Bahia, colégio público, e acidentalmente entrei na atividade de grêmio. Um colega meu me chamou e eu fui, mexia com esporte. Terminei o ginásio e fui para o antigo segundo grau de hoje, e aí me elegi presidente do grêmio. Uma geração polêmica. Tinha Glauber Rocha, tinha grandes artistas das artes plásticas baiana, Calazans Neto, escritores, Fernando Perez, o Jeová de Carvalho, jornalista famoso. Moniz Bandeira que está lançando um livro amanhã aqui no Rio. Hoje é 12? Dia 13 ele está lançando um livro aqui no Rio. O Moniz Bandeira lançou vários livros, lançou um livro sobre Cuba, lançou um livro sobre Brizola e o Trabalhismo. Minha geração foi muito polêmica, eu conheci Glauber, que sonhava em fazer teatro e cinema. Quando eu me elegi presidente do grêmio eu fiz um festival de cinema.
CASAMENTO
Me casei muito cedo, com 21 anos. Me casei e não queria depender de pai e de sogro, aí eu fui para a Petrobras.
TRABALHO
O meu primeiro emprego, mesmo, foi aqui no Rio. Eu vim para cá com 19 anos e trabalhei na White Martins, ali na avenida Beneditinos.
RIO DE JANEIRO
Meu pai achava que eu tinha que viajar, porque ele foi para o Acre. Eu disse: “Eu vou para o Rio.” O Rio, naquele tempo - ainda hoje - seduz, nós nordestinos. O sonho era conhecer o Rio de Janeiro. São Paulo era secundário. O Rio era a capital da República, o Rio tinha a música do Carnaval, os grandes artistas. No nordeste a gente só ouvia a Rádio Nacional aqui do Rio. Era a distração. Não tinha televisão naquela época. A televisão começou em 50 aqui com a TV Tupi, então o Rio era uma presença muito forte na vida de nós nordestinos. Nós torcíamos para os times do Rio: Vasco, Flamengo, Fluminense, Botafogo. Eu torço para o América, que naquela época era um time fortíssimo. Tinha jogadores da Bahia, e eu naquela época me seduzi pelo América e fiquei. Não sou volúvel.
MIGRAÇÃO
E aí voltei para Bahia e me casei com 21 anos. Lá naquela região do sul da Bahia, Ilhéus, aquela estrutura, me revoltavam muito aquelas fazendas. Tratavam os empregados quase como escravos. Meu sogro era agricultor, queria me dar uma fazenda de presente, mas eu não aceitava aquilo, aí vim para Salvador. Meu pai era funcionário público e queria me arranjar uma nomeação.
INGRESSO NA PETROBRAS
Foi quando a Petrobras, em 57, abriu o concurso público para a região de produção, para sondador, e eu fiz e perdi. Foi uma decepção terrível. Eu já tinha alguns anos sem estudar. Voltei, fui para biblioteca estudar, e, quando foi em 58, ela abriu um novo concurso. Eu fiz e passei. Entrei em 58 e dei muita sorte: fui o primeiro colocado da turma, fui o operador-chefe mais jovem, com 24 anos eu já era operador-chefe. Fui estagiar na Amazônia.
TRAJETÓRIA PROFISIONAL
Logo no início trabalhei para operar a refinaria, em Mataripe. O concurso foi para operador, fiz estágio, passei e então lá eu encontrei velhos colegas do colégio da Bahia, que era um colégio público, era um colégio com uma presença muito forte, era uma espécie de Pedro II na Bahia.
RELAÇÕES DE TRABALHO
E chegamos lá em Mataripe, ainda num período muito difícil. A estrada não era asfaltada, nós não tínhamos bom alojamento. Na época de limpeza nas unidades faltava até prato, bandeja. A gente comia no capacete, e começavam as reclamações. E eu, que tinha vindo do grêmio - muito dos colegas tinham sido meus colegas no colégio -, eu comecei a ser uma espécie de porta-voz do grupo. Quando eu pensei que não, eu estava reclamando em nome do grupo.
RECURSOS HUMANOS
Aí no dia de eu receber o primeiro pagamento, tive um impacto terrível. Naquele tempo não havia banco, você ia para o guichê e recebia o salário num envelope de papel pardo com uma folhinha de papel. Você destacava, assinava e dava ao caixa. E na minha frente, eu achei estranho, alguns colegas colocando o dedo numa esponja. Eram analfabetos, recebiam por impressão digital. Aquilo me deu um impacto terrível. Eu idealista, 22 para 23 anos, aquilo me chocou: “Como uma indústria de petróleo, que é uma das mais adiantadas do mundo, ainda tem trabalhadores analfabetos?” Eu fui pesquisar: é que os trabalhadores, quando começou, a região era muito pobre, não tinha recurso, e o pessoal da cidade não queria ir para lá. Então o pessoal da Petrobras recrutou aquele pessoal nas usinas de açúcar, nas fazendas, e treinava ali. O salário muito baixo. Agora, era melhor do que quando eles trabalhavam nas fazendas. Para eles era. E as coisas foram evoluindo. Quando eu pensei que não, veio a idéia de fazer o sindicato.
SINDICATO DO RAMO QUÍMICO PETROLEIRO DO ESTADO DA BAHIA
Aí fizemos o sindicato. Tinha um companheiro lá que já liderava o movimento, que infelizmente já está morto, senão ele seria um bom entrevistado para vocês: Oswaldo Marques de Oliveira, que a gente carinhosamente apelidava de Lumumba, porque ele era negro forte e tinha uma semelhança com Lumumba e, como ele, protestava e reclamava. O líder que falava a favor dos oprimidos naquela época, no início da década de 60, era o Lumumba, da África, e aí nós passamos a chamar de Lumumba. Ele fundou três sindicatos: fundou o primeiro Sindicato de Petróleo do Brasil, que é o Extração da Bahia, depois fundou o Divinação - desse eu participei -, e depois em 64, com a ditadura, ele foi demitido da Petrobras e veio trabalhar aqui para o Rio e fundou outro sindicato, do pessoal que trabalhava ali na Pró Sind, defronte à refinaria de Manguinhos.
RECURSOS HUMANOS
Nós estávamos na fundação do sindicato, mas é um aspecto que eu acho que vocês que são historiadores têm que ter conhecimento e lembrar. A refinaria e o campo de Candeias foram feitos numa região onde houve a presença muito forte do escravo nos engenhos de açúcar, então houve muito analfabetismo, muita pobreza e, com a chegada da Petrobras houve um abalo na estrutura. E com a chegada do grupo novo para ampliar a refinaria eles passaram a exigir segundo grau completo. Houve um choque. Muitos não gostaram e não ficaram, porque a comida era ruim, os salários eram baixos, o alojamento era um galpão de madeira. Aqueles colchões de capim - já tinha alguns deles que dormiam em colchão de mola, mas todos muito jovens. A idade variava entre 20, 19, 21, 22. O mais velho tinha 23, 24 anos, e eu queria ficar porque eu tinha me casado, e meu temperamento forte, não queria depender do meu sogro, nem de meu pai. Eu digo: “Não, eu tenho que ficar por aqui mesmo.” Eu me interessei muito.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Eu tive sorte porque eu fui o primeiro colocado da turma, e durante o curso houve alguns senões, algum protesto. No grupo teve disputa, porque uns queriam: “Ah, não vamos para a aula. Vamos fazer greve.” E eu digo: “Não. Estamos ganhando para ir à aula e vamos para a aula. Agora, vamos protestar.” Eu dei a idéia de entregar a prova em branco, e a idéia foi vitoriosa, mas isso me custou a primeira demissão. Eu fui demitido, mas quando o chefe do treinamento voltou do Rio, não aceitou. Disse que eu era um bom aluno. Ele me chamou para perguntar, queria saber quem era o líder do grupo que queria jogar bola na praia em vez de ir para a aula. Eu digo: “Não, isso não me cabe. A minha idéia foi vitoriosa.” E ele não deixou que me demitissem, isso em 1958.
MILITÂNCIA
Eu já tinha tido uma participação com pouca visão política, porque eu era muito jovem. Eu tinha 17 anos, quando do auge da campanha “O Petróleo é Nosso”, que era liderada em grande parte pelos comunistas. Eu, mesmo não sendo comunista, mas eu me entusiasmei e participei daquelas concentrações em favor do “Petróleo é Nosso” em 52, 53. Os estudantes também se envolveram muito nessa campanha, e o colégio da Bahia era um colégio público muito bom, e tinha figuras expressivas que se tornaram muito conhecidas na vida cultural, política da Bahia. O Glauber, o Calazans Neto, que está hoje na Bahia e é um grande artista plástico. Fernando Perez é um professor universitário. Lacerda, que era um pianista famoso.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Bom, aí terminou o estágio em 58. Eu tive sorte, fui o primeiro colocado do grupo, no ano seguinte já estagiava para operador-chefe, e aos 24 anos eu fui o operador-chefe mais jovem da refinaria até então. Meu chefe não aceitou que eu fosse trabalhar porque achava que eu era jovem, ele mesmo exigiu me testar, e aí eu fui para Manaus estagiar, e as coisas foram acontecendo, mas não melhorava a situação e eu talvez tenha exagerado nos protestos, e aí fizemos o sindicato.
SINDICATO DO RAMO QUÍMICO PETROLEIRO DO ESTADO DA BAHIA
Fizemos o sindicato. Eu fui lá numa reunião, e o Oswaldo era uma figura fascinante. Aquele negro forte, simpático, calmo, mas muito firme, um exemplo muito bom. Eu volto a repetir, é pena que ele tenha se ido, senão seria um depoimento maravilhoso. E eu me fascinei por aquilo, já vinha da luta estudantil. Aí fizemos o sindicato. Fizemos a posse em junho de 60 - o governador na época, coincidentemente, era o general Juracy Magalhães, que tinha sido o primeiro presidente da Petrobras -, e a direção da Petrobras, em represália, nos demitiu. Nós tomamos posse demitidos, em junho de 60. E eu, com aquela experiência, aquela confusão de movimento estudantil coisa e tal. Mas em julho houve um fato político interessante. O presidente Juscelino, que talvez foi o presidente que mais visitou, que mais apoiou a Petrobras, ele em julho ia inaugurar as novas unidades na Bahia, e o cerimonial disse que gostaria que ele fosse saudado por um trabalhador. E o pessoal disse que só iria se fosse uma pessoa do sindicato. O Oswaldo me indicou para saudar Juscelino. Eu tenho aí na pasta, eu vou dar para vocês xerox da reportagem da revista da época . E aí, como é que fica? O presidente da Petrobras, que era o general Sardenberg, manda me chamar: “Seu Mário, disseram-me que o senhor vai tocar nesse assunto na solenidade?” Eu disse: “Vou, presidente. Eu vou dizer a ele que eu estou ali, mas estou demitido. Não cometi nada de errado, é uma represália e...” E nós conversamos. Sei que ele acertou tudo para nos readmitir. A mim e ao Oswaldo, porque eu fui demitido, eu era o secretário geral do sindicato, e o Oswaldo era o presidente, e quando ele protestou, demitiram ele também, como represália. Então, nós dois demitidos. Aí houve a solenidade, eu saudei Juscelino, ele ficou feliz. Eu tive uma idéia, tivemos aquele negócio de estudante de dar a ele um capacete de trabalhador, e ele vibrou. Vibrou e fez questão de me conhecer. Aí voltamos, tivemos a posse do sindicato, e voltamos a trabalhar, e aquele grupo de trabalhadores da região, com pouco conhecimento, com dificuldade de articulação...
GREVE
1960
Eu tinha feito movimento estudantil, já tinha estado no Rio de Janeiro, que era o grande sonho de nós nordestinos virmos ao Rio. Bom, a coisa foi evoluindo, eu conversei com colegas aqui no Rio, e constatamos que a remuneração na Bahia era infinitamente inferior à do Rio e São Paulo. Eu vim aqui várias vezes, tentei conversar com a Petrobras, mas a Petrobras era ainda um pouco repartição pública. Não era como hoje, uma administração mais profissional, mais atualizada. Eu sei que desse impasse veio a idéia de se fazer uma greve. E a coisa foi tomando corpo, e a direção da refinaria não acreditava nisso, porque uma boa parte dos operadores morava numa vila residencial anexa à refinaria, o que era um salário extra, porque a casa era dada de graça, eles achavam que o pessoal dali não ia fazer greve. Eu sei que no dia 1º de novembro a greve começou. Primeiro de novembro de 60, foi a primeira greve de trabalhadores de petróleo em todo o Brasil. O pessoal da vila me procurou, e eu então disse que eles ficassem tranqüilos. “Não, mas eles vão lá em casa me forçar a trabalhar.” Eu disse: “Não. Sua casa é inviolável. A casa é da empresa, é o patrimônio físico, mas quando ela lhe dá para morar é inviolável, ninguém pode entrar na sua casa sem autorização sua e da sua mulher. Fiquem dentro de casa que eles não vão buscar vocês.” E todos nós também nos preocupávamos, porque a Petrobras também estava muito nova. Nós tínhamos medo que uma greve muito demorada pudesse fragilizá-la. O pessoal do partido comunista ficou hesitante, porque era um grupo político que apoiava muito a Petrobras e acreditava que a greve pudesse fragilizar a Petrobras e ostensivamente não nos apoiou. Mas com 3 dias a greve terminou, e nós conseguimos equiparar o salário da Bahia, que por extensão do Nordeste é o salário do Rio e São Paulo. A parte administrativa, porque a parte de refinaria só existia em Cubatão. Então nos equipararam a Cubatão, porque no Rio ainda não tinha Caxias. Caxias foi inaugurada alguns anos depois. Bom, depois nós voltamos, o sindicato fez a greve, tudo correu bem. A Delegacia do Trabalho botou edital dizendo que a greve era ilegal, mas a nossa preocupação é que a greve não demorasse ou iria fragilizar a Petrobras. Recomeçamos o trabalho - e naquele tempo eram refinarias não tão modernas como hoje, que estão tecnicamente evoluídas. Ela funcionava em média 90 dias e parava para limpar e recuperar. Nós nos reunimos, os operadores, que eu também era operador, o Oswaldo também era operador. Nós nos reunimos e dissemos: “Vamos tentar na próxima campanha passar dos 90 dias.” Era 91, 92, 93, 89, 86. “A próxima campanha nós funcionamos 8 dias a mais.” E ficamos felizes porque pagamos os 3 dias... Para compensar os dias... E demos 5, 6 dias de lucro.
SINDICATO DO RAMO QUÍMICO PETROLEIRO DO ESTADO DA BAHIA
CAMPANHA SALARIAL
E as coisas foram evoluindo, fizemos o primeiro acordo coletivo. Eu, por ter participado do movimento estudantil, tinha uma visão mais de mundo. Fomos buscar experiência no México - que era naquela época o maior sindicato de petroleiros no mundo era do México. Nós trocamos correspondências, e eu estive aqui na Embaixada do México. Era aqui no Flamengo com Dalton Boechat - é uma curiosidade importante registrar, ele era pai desse jornalista Ricardo Boechat, e como a mulher dele, a dona Mercedes, é argentina, ele falava fluentemente espanhol, e aí foi uma espécie de intérprete aqui na Embaixada do México, que ainda era aqui no Rio, depois é que mudou para Brasília. E começamos esse intercâmbio com o México. E do México esteve aqui, veio aqui o Ismael Hernandez Alcala, que era o secretário geral. Nos orientou que nós tínhamos que ter cuidado, uma empresa estatal monopolista não podia perder a opinião pública porque era um sustentáculo. Eu sei que as coisas evoluíram e fizemos um coletivo onde incluímos uma cláusula que obrigava a empresa a alfabetizar todos aqueles trabalhadores analfabetos. Daí surge a figura do Jairo Farias, que vocês devem entrevistar, ajudando nisso, e até o professor que nos orientava, Antônio Trigueiro, é aquele que estava ali com a gente. Ele, quando veio em 64foi preso, teve que se exilar, ainda está na luta pela anistia. Bom, aí houve uma relação muito grande entre a Petrobras com o sindicato. Em 63 veio aquela estabilidade política que resultou num golpe de Estado depois do presidente João Goulart. Em 62, eu já como presidente do sindicato, porque o Oswaldo foi presidente de 60 a 62, em 62 ele disse que estava cansado e disse que queria que eu disputasse a Presidência no lugar dele. Disputamos a eleição, eu me tornei presidente e ele tesoureiro - porque era tido como uma pessoa muito organizada - e inauguramos a sede própria em 63 com a presença do presidente da República João Goulart, com quatro governadores de Estado. O presidente João Goulart levou - eu tenho também foto disso para fornecer a vocês - levou para a inauguração o governador de Sergipe que está vivo aí, Seixas Dória, levou o governador de Pernambuco, Miguel Arraes, levou o governador da Paraíba e do Ceará, que era Virgílio Távora, e fizemos uma festa bonita da inauguração. O sindicato tinha serviço médico, uma pequena cooperativa no térreo para os empregados - naquele tempo não havia supermercado na Bahia, só aqueles armazéns tradicionais, e nós vimos aqui no Rio, sempre o Rio inspirando a gente -, e fizemos uma espécie de pequeno supermercado lá no térreo, para as famílias dos associados.
MILITÂNCIA POLÍTICA
Bom, em 62, no auge daquele prestígio todo, veio a eleição, e eu saí candidato a deputado federal. E me elejo pelo Partido Socialista. Quando eu chego a Brasília, no início de 63, eu encontro mais uma vez o presidente Juscelino, que ficou muito feliz em me ver. Eu disse a ele, na conversa que tive anteriormente com ele na inauguração, que eu era entusiasta de Brasília, que eu já tinha visitado Brasília, e ele me mandou umas passagens para levar outros líderes sindicais. Aí ele me encontrou em Brasília e ficou feliz: “Mas você gosta de Brasília?” “Não, presidente, agora eu estou vindo, obrigado.” “Por quê?” “Porque eu sou seu colega.” Naquele tempo não havia comunicação de hoje, às vezes você pedia uma ligação telefônica de Salvador para aqui e levava dois dias para completar. E ele ficou feliz: “Poxa, você.” Eu era deputado, e ele senador por Goiás. Foi um ano de convivência muito agradável o ano de 63.
RECURSOS HUMANOS
Sessenta e três também foi um ano de mudança na Petrobras. A Petrobras com uma política de recursos humanos muito própria para a indústria. Surgiu uma figura que também infelizmente já morreu, Paulo Santos, foi o primeiro chefe de pessoal que realmente modernizou a relação da empresa com os empregados. Ele veio de fora, não era da Petrobras, e pela primeira vez, em 61, o ex- presidente Jânio Quadros nomeou para a presidência da Petrobras um engenheiro da Petrobras, que também já morreu, que poderia ser uma fonte de informação preciosa, o doutor Geonísio Barroso. Foi o primeiro presidente saído dos quadros de técnicos da empresa, e ele foi nomeado em 61. Sessenta e um, o Jânio renuncia, em 62, em setembro, o presidente João Goulart assume, e no início de 62 ele resolve mudar a direção da Petrobras e nomeou o senhor Francisco Mangabeira, filho do velho João Mangabeira, que foi ministro, foi tudo, e aí ele também implementou outras mudanças na Petrobras, e os sindicatos passaram a dialogar com mais igualdade com a empresa. Surge o sindicato aqui de Caxias, de Cubatão, de Minas Gerais. Esses outros sindicatos não existiam porque não havia, por exemplo... Campinas não tinha refinaria, daí não tinha sindicato. Era o de Minas, o de Capuava que apesar de não ser da Petrobras, mas tinha uma interface muito forte com o sindicato da Petrobras.
EVENTOS HISTÓRICOS
INTERVENÇÃO
E procurando ser sucinto, veio 64 e houve a intervenção em todos os sindicatos da Petrobras. Todos os dirigentes foram demitidos da empresa, e os diretores, afastados. Na época era presidente da Petrobras o general Osvino Alves, que já havia sido nomeado para superar uma crise, substituindo o general Albino Silva que tinha sido chefe da Casa Militar do presidente João Goulart. A saída do senhor Mangabeira, sendo substituído pelo general Albino Silva, permitiu uma composição, e pela primeira vez a Petrobras teve dois diretores saídos dos seus quadros, ou melhor, três. Era o Alfredo Andrade, que veio da Bahia, da refinaria, o Jairo Farias, que está vivo - o Alfredo Andrade já faleceu -, e daqui do Rio foi nomeado o professor Hugo Régis, que também já faleceu. Dessa diretoria ainda está vivo o Jairo Farias, que seria interessante que vocês o entrevistassem. Ele está com problema de locomoção, mas está lúcido. Fala bem, está com a memória em dia. Bom, aí veio em 64, em 63 nós conseguimos mudar a Petrobras. Começou o primeiro projeto de recuperação secundária - eu tenho cópia, vou procurar para dar a vocês hoje. O ano passado “O Globo”, esse jornalista George Vidor, da coluna de economia, ele fala como se fosse uma coisa nova. Eu até fiz uma carta a ele e mandei uma cópia do Projeto de Recuperação Secundária feito praticamente porque era o ano passado... Porque os poços de petróleo, à proporção que eles vão explorando, eles vão perdendo a pressão, e se não recuperar a pressão do poço, muito petróleo fica perdido lá embaixo e não sobe. Então, por meio de injeção de água, de gás e de outros produtos, você pode manter a pressão da jazida para que o petróleo não se perca lá embaixo, mas isso foi começado em 1963, eu tenho uma cópia que vou procurar para dar a vocês. Então houve uma modificação muito forte e também uma radicalização.
SINDICATO DO RAMO QUÍMICO PETROLEIRO DO ESTADO DA BAHIA
MATARIPE
CO-GESTÃO
A sociedade brasileira se radicalizava cada vez mais, a renúncia de Jânio já tinha complicado, depois o problema de Jango, mas há um fato que agora eu me lembrei, que é bom relembrar: em 1962 o doutor Jairo Farias foi nomeado superintendente da refinaria de Mataripe, que era na época uma novidade, produzia lubrificantes, gasolina, querosene, óleo diesel e todos os demais, mas era a primeira no Brasil a produzir óleo lubrificante, parafina, porque era tudo importado. E aí o Jairo tinha um relacionamento respeitoso com o sindicato, e o sindicato obviamente retribuía isso, e houve a primeira experiência de co-gestão, de acordo com o sindicato. Criou-se uma comissão paritária de disciplina para administrar os conflitos, para evitar que por qualquer besteira o trabalhador fosse à Justiça do Trabalho. O sindicato concordou e instalou-se na Bahia - eu também tenho cópia disso e vou dar para vocês - a Comissão Paritária de Disciplina. No que consistia? O chefe tinha um desentendimento com o trabalhador, aí em vez dele o punir, ele mandava para a Comissão, com isenção, e quase sempre a punição, ou não-punição, era aprovada por unanimidade ou pela maioria. Quer dizer, os representantes da empresa e do sindicato chegavam a um acordo que aquele trabalhador merecia ser punido e aceitava a punição ou então que ele não merecia ser punido. Houve um caso muito momentoso em que um trabalhador e um chefe disputavam a simpatia de uma colega, e a colega optou pelo subordinado. E o chefe passou a perseguir. O que está havendo agora no Brasil não é novidade. Quer dizer, era uma moça independente, séria, mas não queria o cortejo do chefe, queria o do colega. Então essa comissão reduziu muito esse tipo de coisa. Hoje o governo fez aí o projeto, mandou para Câmara, que tem essa comissão de negociação, para evitar que se vá a Justiça. Então o clima de trabalho ficou muito bom, houve o caso de um colega que ficou doente perto do Carnaval, mas era um atestado frio. Quando ele levou para o serviço médico ele deu azar porque o médico de Mataripe tinha sido colega do médico, aí olhou a assinatura e viu que era falsa. Então essas coisas... que foi o caso, por exemplo, de um colega que de maneira impensada fez um assédio violento, assédio sexual a uma colega, e ela fez queixa dele, e a comissão deu a punição. Então era um clima muito bom de trabalho. O sindicato e a empresa chegaram à conclusão que o mau trabalhador é ruim para todos, mas em 64 isso tudo se acabou. Fomos demitidos, na época mais de mil trabalhadores. Eu tenho o comunicado da empresa dizendo que tinha demitido aquelas pessoas por envolvimento com o comunismo e com a subversão. Aí nós fomos cada qual cuidar da sua vida.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Em 63 eu estava em Brasília como deputado, mas em 64 eu fui cassado e preso. Eu havia sido demitido da Petrobras. Eu e mais de mil, o doutor Jairo Farias, o doutor Hugo Régis - era aquele professor famoso aqui do Rio. Houve mais de mil demissões na época por motivos políticos, e nós fomos cuidar da vida. Uns se exilaram. O Jairo Farias, o Trigueiro foram para o exterior e muito outros foram para o exterior. Eu fiquei por aqui me agüentando. Fui pra São Paulo, depois fui para o Paraná porque havia uma perseguição muito grande, a gente não conseguia emprego. Há um documento do presidente da época que proíbe as pessoas que tinham sido afastadas da Petrobras de poder sequer trabalhar para empresa empreiteira. Eu tenho tudo isso que estou dizendo, tenho documento. Foi uma época bem complicada.
COMUNICAÇÃO EXTERNA
A Petrobras teve avanços muito bons, eu estou aí com esses cartazes para mostrar a vocês. Ela contratou bons jornalistas, professores. Começou a comunicação empresarial lá na Bahia com artistas plásticos famosos: Sônia Castro, o Augusto Bandeira, o Calazans Neto, jovenzinho; 20 e poucos anos na época. Tinha um chargista francês chamado Lausier que até pouco tempo fazia charge, ele até veio para a Bahia passear e se enamorou de uma mulata baiana e ficou mais de dez anos na Bahia. Depois voltou para França. Brigou com a mulata e voltou para a França, voltou a fazer charge nos jornais parisiense. Bom, mas foi um período que a nação toda conhece; não vou falar porque não é o importante.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Então, de 64 até 79 eu não podia sequer trabalhar. Eu uma vez arranjei um emprego aqui, numa empresa do Rio, e ela me mandou ir trabalhar na refinaria de Paulínia. Eu disse: “Olha...” Depois cheguei lá; me proibiram de entrar. O pessoal que estava comigo entrou, e eu não podia entrar. O vigilante me chamou: “O seu nome está numa lista de pessoas proibidas de entrar na Petrobras.” Nós não podíamos entrar no Edise. Aí veio a anistia, obviamente que o mandato não cabia retornar porque eu já tinha terminado. Meu mandato seria de 63 a 67, e a anistia chegou em 79, era irrecuperável o mandato, e veio o grande desalento para nós. A lei de anistia 6683, ela previa a formação de subcomissões, e o único Ministério que teve subcomissões foi a Petrobras, e aí não houve anistia para ninguém. O meu caso não é que seja o mais importante, mas era o mais elucidativo, quando eu fui demitido pela Petrobras eu estava preso em Fernando de Noronha e ela me demitiu por abandono de serviço, agora eu tive muita sorte porque no dia que ela punha o edital no jornal, aquilo que a lei manda, que o patrão notifique o empregado que ele tem que comparecer senão será demitido por justa causa, na outra página, como matéria de reportagem, dizia: “O general Geisel esteve em Fernando de Noronha visitando os presos políticos e conversou demoradamente com o ex-deputado Mário Lima, ex-presidente do sindicato dos petroleiros da Bahia.” Mas mesmo assim o despacho que eles deram era que eu tinha sido demitido. Não tinha tido razão política não. E na Petrobras não houve anistia, no Ministério do Trabalho, em todos Ministérios. Em 80 nada, lutei, lutei e não consegui, aí em 81 eu já tinha ido a Brasília diversas vezes. Na época que estava fazendo a lei em 79, eu tinha relação pessoal com muito dos deputados da época, com colegas que em 79 já eram figuras exponenciais na Câmara, o doutor Tancredo Neves e muito outros. Eu tinha sido colega dele em 63, do doutor Tancredo. Ulysses Guimarães, que além de meu colega era meu amigo. Bom, mas aí não deu anistia na Petrobras. Nos reunimos: “Mário, você foi presidente do sindicato, foi deputado, evidente que isso é um absurdo, você não ter anistia.” Fui para Brasília, e com ajuda do ex-deputado aqui do Rio, Marcelo Cerqueira, ele me arranjou um advogado aqui do Rio, porque na Bahia alguns advogados não quiseram advogar para mim, alegavam que era difícil ir para Brasília. Bom, aí eu vim para o Rio, mais uma vez Rio de Janeiro, e Marcelo Cerqueira, que foi deputado, que é um jurista conhecidíssimo aqui no Rio, me arranjou. Ele era deputado na época, não podia advogar contra a União, mas me arranjou um colega dele, Roberto Gonçalves Marcondes foi meu advogado e foi aí que veio a grande surpresa: uma pressão do SNI, uma pressão do Ministério, da Petrobras; o Tribunal Federal de Custos me deu o mandato de segurança e eu retornei à Petrobras em 1982. A primeira decisão judicial do Tribunal foi a minha, a primeira, em abril de 82, 21 anos atrás. Voltei, e a Petrobras ficou em polvorosa aqui. Quiseram que eu ficasse aqui no Rio, eu disse: “Não, eu quero voltar para o lugar de onde eu saí, que é Mataripe. Eu quero que me vejam.” Eu voltei. Foi uma alegria muito grande, foi em 82.
GREVE
1983
Em 83 o sindicato fez uma greve que não foi bem-sucedida. Eles demitiram quase 200 trabalhadores na Bahia e quase 100 em Campinas. Eu apoiei essa chapa, militei, meu pai: “Meu filho.” “Calma, eu não posso ficar de fora - é covardia.” Aí houve intervenção porque naquela época a lei permitia que o Ministério do Trabalho fizesse intervenção e destituísse a diretoria.
SINDICATO DO RAMO QUÍMICO PETROLEIRO DO ESTADO DA BAHIA
DIRETORIA
Quando foi em 84, eu já na refinaria, houve nova eleição, e aí eu concorri. Concorri e ganhei. Retornei ao sindicato exatamente 20 anos... 20 anos depois de ser destituído e preso, porque eu fui destituído e preso em abril de 64 após inaugurar a sede nova com a presença do Presidente da República com vários governadores, aí eu voltei. O meu primeiro documento foi ao gerente de Recursos Humanos da Petrobras, pedindo para reexaminar a demissão dos demitidos da greve. Também tenho documento que eu posso dar uma cópia a vocês.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
No ano seguinte eu assinei o mandato de deputado federal... Assumi, Sarney que tinha sido meu colega na Câmara, Ulysses Guimarães, uma porção de velhos deputados amigos meus, e aí assumi. O Ministério de Minas, o doutor Aureliano Chaves, e para sorte nossa, o doutor Hélio Beltrão, na Petrobras. E coincidentemente o gerente de Recursos Humanos é o que entrou agora, o Heitor Chagas de Oliveira, que 18 anos atrás entrou com o doutor Hélio Beltrão, e no clima de lealdade e justiça se constituiu uma nova comissão para examinar. E todos nós, eu já tinha voltado pela Justiça, mas todos os demais voltaram à Petrobras em 1985. Fizemos uma festa belíssima no 24º andar, com a presença do doutor Aureliano, do ministro Hélio Beltrão, pelo presidente da Petrobras. Na época, e coincidentemente, o gerente de Recursos Humanos era o doutor Heitor, que agora voltou à Petrobras com o novo presidente. Ele voltou a ser gerente de Recursos Humanos.
MONOPÓLIO
Bom, aí veio a luta de monopólio, de contrato de risco, e botar o monopólio estatal na Constituição, que antes era só na lei. Mas em 88 nós conseguimos colocar o monopólio como um preceito constitucional.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
A minha vida sempre foi, começou em 52, naquela campanha de jovem, com 17 anos, pouca visão ainda dos problemas. Porque as pessoas que eu admirava na Bahia eram todas ligadas a esse movimento. Professores, intelectuais, jornalistas, e entrei. Não tinha uma visão mais profunda do problema da implicação. Depois que eu me politizei mais, me informei mais, porque eu tinha 17 anos em 52, quando começou a campanha. Quando aprovou a lei do monopólio em 53, eu tinha 18 anos, 3 anos depois foi que eu, 4 anos depois que eu faço concurso para Petrobras. Quando entrei na Petrobras, em 58, a Petrobras tinha 5 anos de existência legal e 4 de existência efetiva, porque a lei é de outubro de 53, mas ela começou a efetivamente funcionar como empresa em 54. Em maio de 54. Mas naquela época a Petrobras o que era? Era a refinaria de Mataripe, um campo de produção de Candeias e a sede aqui num pequeno prédio alugado. Não existia Caxias, não existia Cubatão, não existia nada. E aí nós voltamos em 85, fizemos a festa aí, já existe uns 30 e poucos companheiros dessa época, todos com mais de 40 anos de atividade na empresa. Inclusive na Constituinte havia outros companheiros deputados, também ligados à Petrobras. Tinha o Nilton, do Rio Grande do Sul, tinha o Hélio Duque, que é uma pessoa que vocês também poderiam ouvir, ele hoje vive no Paraná; é professor, escritor, Hélio Moacir de Souza Duque, é empregado da Petrobras... Ele ainda trabalha na Petrobras. Tem 40 anos de Petrobras, ele entrou em 63. Exatamente 40 anos. Tem livros publicados sobre economia, sobre... No momento eu não sei bem onde ele está, mas eu providencio o telefone dele para vocês. É uma pessoa que tem livros publicados, tem uma história de vida muito bonita, e então a Petrobras tinha, tinha outro deputado ligado à Petrobras que também deve ser ouvido, está vivo, José Machado Sobrinho. Foi diretor da Petrobras. Ele teve um problema, está paraplégico, está com dificuldade de locomoção, vive em cadeira de rodas, mas está lúcido. Quando você conversa com ele é uma graça, José Machado Sobrinho. Ele mora em Belo Horizonte. Este está aposentado já, foi diretor da empresa também. Bom, e aí muita coisa talvez eu não me lembre agora, mas tem muita passagem. Você pode também ajudar a memória.
RECURSOS HUMANOS
Nós vivíamos em Mataripe, que naquela época não tinha contato fácil com Salvador. Era uma estrada de barro que quando chovia ficava intransitável, ou senão a gente ia de barco, ia pelo mar para Salvador. Quando tinha muito vento era uma viagem desagradável e em Candeias que fica a alguns quilômetros de Salvador, passava um trem e não tinha valor de passagem. De Mataripe para Candeias não tinha transporte, às vezes a gente ia a pé, ia na caçamba do lixo, e lá tinham dois clubes, porque havia uma vila residencial. Eu morava no alojamento, agora tinha casas que os técnicos e alguns operários viviam com a família. E havia dois clubes, o clube dos trabalhadores e o clube dos técnicos de nível superior. Chamava Clube dos Engenheiros porque esse era o profissional que tinha em maior quantidade naquela época, era engenheiro. Tinha o cinema, tinha farmácia, tinha um pequeno hospital, um posto médico já com uma pequena estrutura que fazia parto, pequenas intervenções assim, dava socorro quando havia queimadura, tinha um reembolsável, farmácia. O reembolsável era para vender gêneros para as famílias, porque moravam lá algumas famílias, e Mataripe, se vocês forem lá eu aconselho que vocês vejam porque ainda existem casas para mostrar como era, porque não tinha transporte para Salvador. Então, para os casados tinham essas casas, e para os solteiros usava-se alojamento. Jogava futebol. Tinha dois campos de futebol. No clube tinha uma piscina, tinha o cinema e o cinema era dividido: na parte da frente ficavam os chefes, os técnicos, e na parte de trás, os trabalhadores. Houve uma época, na ampliação, veio um grupo de engenheiros e técnicos dos Estados Unidos nos ensinar a operar. Eu aprendi a operar o FCC com os técnicos americanos, e hoje a Petrobras tem uma das maiores tecnologias, hoje a gente não precisa de mais ninguém. Eu aprendi a operar o FCC com técnico estrangeiro, com operador americano. Quando começou a operação da unidade, eles vinham, ficavam aqui algum tempo, nos ensinavam e voltavam. Eu trabalhei muitos turnos com técnicos americanos.
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Fiquei vivendo em Mataripe até em 64. Quer dizer, aí nós começamos a fazer campanha, asfaltaram a estrada, e com a estrada asfaltada, muitos de nós foram morar em Salvador porque era fácil. E com o sindicato nós conseguimos que a empresa botasse ônibus, porque antigamente não tinha ônibus. Era caminhão. Às vezes caçamba suja. Com o sindicato nós conseguimos botar ônibus e aí muitos operários, os filhos já foram chegando à idade de aula, de escola, em Mataripe não tinha, tinha só uma escola primária até o quarto ano do primeiro grau, aí nós passamos a morar em Salvador, e com a expansão da refinaria a área foi ficando pequena, e eles demoliram a vila residencial. Hoje você tem lá umas casas para você ver como era. Mas hoje não tem mais ninguém morando em Mataripe. Eu não cheguei a morar lá porque quando eu entrei para o sindicato - isso foi até um motivo de aborrecimento -, me chamaram para dar uma casa, e a casa naquela época era um pulo salarial muito expressivo. Aí o pessoal: “Ah, você não pode ir. Se você for vão dizer que lhe compraram e coisa e tal.” Eu também achei. Por que não me deram antes? Aí eu não quis ir por isso. Meu chefe teve um aborrecimento comigo, se zangou, mas com o advento do sindicato e o governo também se interessou, a Petrobras começou a dar mais imposto, asfaltaram a estrada. É mais ou menos como daqui a Caxias, um pouco mais.
A maioria de nós foi morar em Salvador, aí passou a ter ônibus mesmo da empresa.
SALVADOR
Ah, Salvador não era a de hoje não. Era uma cidade provinciana, a gente não tinha... Salvador naquela época só tinha bonde, não tinha nem ônibus. Você queria ir para Amaralina, era bonde. Você queria ir para o Bonfim rezar, era bonde. Era bom viver naquela época. Hoje ainda é bom, mas naquela época ainda era melhor, eu sou saudosista.
SONHO
O meu sonho, eu fiz teatro no tempo de estudante, e o meu sonho era fazer teatro e cinema. O meu sonho era ser um profissional de teatro e cinema. A política sindical e partidária é que me tirou disso.
FAMÍLIA
Meu pai era uma pessoa de temperamento muito forte. Minha avó ficou viúva e casou de novo, ele era contra. Lá no Nordeste e naquela época, hoje ainda, as mulheres casam muito cedo, têm filhos muito cedo, 15, 16, 17 anos. Ela teve filho, parece, com 16 anos. Quando meu pai estava com 17 anos, ela tinha 30 e poucos. Era muito bonita e ele não concordou com o segundo casamento da minha avó, e naquele tempo o Eldorado dos nordestinos era Amazônia, e aí ele foi para a Amazônia e foi ser seringueiro em Xapuri. Ele lia muito, gostava muito de ler. Quando voltou de lá, casou e botava sempre na nossa cabeça que a gente não tinha que se curvar diante do mais forte, do autoritário.
AVALIAÇÃO
Meu pai lia muito as obras do Ruy Barbosa e muito cedo ele me motivou a ler sobre a vida de Ruy. Isso talvez tenha influído no meu ânimo. Chegar na refinaria e ver aquelas coisas que não funcionavam certo. E tive o apoio do Oswaldo, que era uma figura fascinante, aquele negro forte, e uma pessoa articulada, que fez o curso médio, fez o CPOR, fez o vestibular, perdeu, mas foi cuidar dos irmãos. Ele tinha um irmão dentista que ele ajudou a formar, o outro contador. Então aquilo tudo influiu no meu ânimo, e eu não me arrependo não, talvez eu tivesse sido um péssimo cineasta e um mau ator, mas eu adoro teatro. Não perco, toda a oportunidade que eu tenho de ir ao teatro eu vou. Na juventude eu gostava muito de ler muita história, eu tive um professor fascinante, Otamirando Requiel, as aulas dele eram no colégio da Bahia.
IMAGENS DA PETROBRAS
Um aspecto que eu acho importante - vocês com a sensibilidade de vocês pesquisarem - é a mudança. A Bahia saiu – aliás, isso é uma frase do Cid Teixeira - do século 19 para o século 20 quando começa atividade de petróleo. E a Bahia o que tinha? Nada. Não tinha indústria, no começo era cacau, que era uma lavoura que o pobre continua cada vez mais pobre, um pouco de pecuária. Uma fazenda grande pega poucos empregados e uma agricultura rudimentar. A Petrobras muda esse quadro. Então o Cid Teixeira, o professor, diz isso numa fita que eu gravei - ele estava dando uma entrevista, eu gravei, também tenho e gostaria de lhe emprestar para você ver. Ele diz o seguinte: “A Petrobras faz que a Bahia saía do século 19 que ainda estava, para o século 20.” Então você chega em Candeias, por exemplo, que era subúrbio de Salvador, que só tinha movimento uma vez por ano, quando havia as romarias para o novenário da padroeira Nossa Senhora das Candeias. Tinha uma fonte em que o pessoal recolhia água e bebia e ficava bom de tudo que é doença. Essa região sofreu essa mudança, e esses trabalhadores da primeira fase da Petrobras, de 50 até 60, dez anos, eram pessoas humildes que ao ir para a Petrobras já estavam felizes porque tinham salário com a carteira assinada, tinham luva para proteger as mãos, capacete para proteger a cabeça, uma comida ruim, mas certa; onde eles trabalhavam, às vezes nem comida tinha. Muitos foram viver na vila residencial cozinhando com gás liquefeito.
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Então é uma mudança profunda que ocorreu na Bahia, tanto que nós dos sindicatos tínhamos problemas. Às vezes o cara vinha até mim para eu intervir na vida pessoal dele. Uma senhora veio até mim para eu falar com o marido dela, que ele só chegava em casa bêbado e ia para cama sem tomar banho. Eu disse: “Minha querida, eu não posso fazer isso.” “Ah, mas ele tem pelo senhor uma adoração, se o senhor falar ele lhe atende.” “Mas isso é a vida pessoal dele, me desculpe, mas eu não vou fazer isso.” “Mas ele tem pelo senhor uma adoração muito grande, o senhor é o presidente dele.” “Mas não dá para entrar nesse campo não. Meu Deus, pelo amor de Deus.” E a região toda mudou.
EVENTOS HISTÓRICOS
Em 61, uma coisa interessante. “Você não alcançou isso. Você também não.” Elege Jânio, que era uma figura ímpar. Eu era menino, assisti o general Lott fazer uma palestra e me decepcionei. Aquele quadradão, como é que vai dar o país ao um homem desse? E fui assistir um debate de Jânio com estudantes de Direito, mas aquilo foi fascinante para mim. O mediador foi simplesmente Josafá Marinho - além de charmoso um professor maravilhoso -, e o Jânio deu um show. Nunca me esqueço. O pessoal do Partido Comunista foi para esmagar Jânio e saíram esmagados. Lá para as tantas, o Eugênio, que era um comunista famoso, disse: “É, doutor Jânio está enrolando e não dá resposta objetiva e coisa e tal.” Na pergunta seguinte Jânio disse: “Ao responder esta pergunta esforçar-me-ei para descer ao nível da sua compreensão.” Ele ficou sem graça. O único burro ali era ele, mas ele deu um show. O outro pergunta: “Mas o senhor disse que é pobre, mas o senhor...” Aí disse os países que ele visitou. “Como é que o senhor justifica gastar tanto dinheiro?” Ele disse: “Meu jovem...” Aí disse: “País tal que me convidou, presidente tal que me pagou passagem e me pagou hospedagem. Eu não perguntei da onde veio o dinheiro porque não me pareceu polido perguntar.” Agora, governador de São Paulo? Um deputado recebe, eu tenho convites de países que eu não visitei porque eu não tive tempo. Agora, um governador de São Paulo, se quiser ficar o ano inteiro passeando tem convite. Eu saí dali fascinado por Jânio e resolvi votar em Jânio. Votei em Jânio e Jango, que eu conheci, tinha participado de eventos sindicais com ele quando ele era vice-presidente.
RELAÇÕES COM O GOVERNO
Então Jânio nos prometeu - e cumpriu -, aos dois Sindicatos da Bahia e à Associação de Engenheiros que tinham, numa regional, que no governo dele ele nomearia um técnico da Petrobras presidente e cumpriu. Nomeou o doutor Geonísio Carvalho Barroso, que era técnico superintendente da unidade mais importante da Bahia. Lá no meio das tantas, com aquelas idéias loucas dele, e ele ficou curioso; queria me conhecer: “Quem é esse Mário Lima que teve coragem de votar em mim?” Porque havia um patrulhamento da esquerda para votar em Lott, aí eu fui a Brasília no dia 16 de agosto para ser recebido por Jânio, o dia que ele condecorou Che Guevara, e 9 dias depois ele renunciava, mas anteriormente fez um decreto mudando a sede da Petrobras do Rio para a Bahia. E a tese dele: sendo a Bahia o único produtor e o maior produtor de petróleo, a sede tinha que ser lá, mas os técnicos mais ilustres não iriam porque uns eram professores aqui, já em fim de carreira. Ir para a Bahia? Naquele tempo a Bahia não era a Bahia de hoje, sem recurso, a televisão mal estava chegando. Aí me procuraram: “Mário, isso é um absurdo, isso vai destruir a Petrobras. Isso é um absurdo. Hoje a Bahia é o maior produtor de petróleo.” Entendi a idéia e dei uma declaração nos jornais na época, aí fui execrado: “E se amanhã a Amazônia passar a produzir mais que a Bahia? Muda a sede para a Amazônia?” “E se começava Sergipe, Alagoas?” O Lindomar Mota que eu te falei: “E se Alagoas?” E numa assembléia do sindicato - olha a loucura que eu disse na época -: “A Petrobras vai ficar com a sede itinerante.” Aqueles empresários que queriam ter privilégios na Petrobras me execraram. Eu tinha só 25 anos. “Esse menino não tem juízo, está contra a Bahia e os interesses da Bahia.” Eu digo: “Mas isso aí é um absurdo.” Olha o que eu disse: “Se por ironia do destino Deus botou petróleo não pediu licença a ninguém, e se no futuro o Rio for o maior produtor de petróleo? A sede volta para o Rio? Sai da Bahia, vai para a Amazônia, vai para Sergipe, Alagoas e depois volta para o Rio?” “Porque a Bahia precisa de mais investimento.” Aí nasceu a idéia de fazer um pólo petroquímico na Bahia como uma maneira de compensar a Bahia, e essa história eu conheço nos mínimos detalhes.
PRODUÇÃO
Sobre a criação do pólo petroquímico na Bahia, naquele tempo o único Estado que produzia petróleo era a Bahia, o único que dava lucro para a Petrobras, porque os outros davam despesa. Tinha pesquisa em Alagoas, Sergipe, na Amazônia; agora, o único Estado que produzia e vendia e recebia dinheiro por petróleo era a Bahia. Agora você vê hoje a ironia do destino, hoje a Bahia é o quarto produtor, e o Rio é disparadamente, então se o Jânio fosse vivo ele dizia: “Vê como estou certo? A sede está onde se produz mais petróleo.” Que hoje é o Rio de Janeiro, disparadamente em termos de produção de petróleo é o Estado mais importante. A Bahia hoje é o quarto produtor. A Bahia já perde para o Rio Grande do Norte e deve perder também para Amazônia, Urucu. O Rio hoje é disparadamente... Você vê, Jânio queria mudar, e aqueles empresários que queriam privilegio me execraram: “É, esse menino é comunista, não sei o quê.” Quando você desagrada, começam a rotulá-lo, e meu pai sempre me ensinou a não ter medo de rótulo. Eu não tenho medo de rótulo, podem me rotular do que quiser.
TRABALHO
Eu era deputado constituinte e fui relator de um capítulo muito difícil: Direito dos Trabalhadores e Servidores Públicos. Eu cheguei à exaustão, eu cheguei algumas vezes a ser socorrido com hipertensão no gabinete, porque havia sonhadores, por exemplo, a licença-maternidade. Hoje você tendo filho, não importa se é casada ou não, é levar o documento, e seu patrão é obrigado a lhe dar quatro meses de licença com vencimentos. Havia um grupo que queria botar para seis. Ora, a mulher já é discriminada com quatro meses, se você botasse para seis, porque tinha um dia na semana que eu recebia o povo em geral para dar opinião, aí chegaram as mulheres de Brasília iradas: “Os senhores são malucos, hoje para a gente trabalhar já é difícil, no dia que for 6 meses a gente não arranja emprego.” Eu disse: “Olha, a minha opinião é quatro meses.” Havia um grupo de deputados que queria 90 dias, outro que queria 180, e tinha um grupo mais jovem, menos experiente, mais radical, que passou a me pichar, que eu era contra as mulheres. Aí um dia eu fiz uma audiência pública e levei algumas senhoras lá. Em 87, 88, e aí elas falaram, aí eu digo: “Estão vendo vocês...” Porque no Nordeste usa muito a expressão parir. “Vocês entendem mais de parir do que elas? Elas estão achando que 120 dias é suficiente, e vocês querem 180?” Uma coisa que queriam também é o turno de 6 horas. Havia um grupo que queria sem flexibilidade, então uma plataforma em vez de duas turmas tinha que abrigar quatro. Além de ser antieconômico em nenhum lugar do mundo perfuração de petróleo no mar trabalha diferente, porque do que o trabalhador tem mais medo é a viagem de helicóptero. Houve uma pesquisa na época que provou. E você trabalhando só 6 horas ia ficar mais horas ociosas na plataforma e ia maior número de vezes à plataforma, porque se você fizesse só 6 horas ia ter quatro turnos por dia. Num mês você ia ter 120 turnos; dividindo por cinco turmas daria 24 turnos para cada turma. Hoje não, hoje só tem 60 turnos, porque são 12 horas. Nova incompreensão, mas eu topei. Quando terminou o meu mandato, em 90, eu me apresentei lá em Brasília e me pediram para eu ficar lá fazendo assessoria parlamentar porque eu tinha sido deputado, eu tinha um temperamento de dialogar.
RELAÇÕES COM O GOVERNO
A Petrobras tem um escritório que representa a empresa lá em Brasília, e entrou na presidência um colega nosso, uma pessoa brilhante: Alfeu Valença; foi presidente em 91 e ele quem criou a assessoria parlamentar, que não tinha, porque na época do período militar não tinha que dar explicação e nem satisfação a ninguém, e eu fui o primeiro chefe da assessoria parlamentar. Aí fui ficando lá, e naquele tempo havia incompreensão, a Comissão de Orçamento influía no orçamento da Petrobras. Tinha deputado que fazia emenda, que contrariava o verdadeiro interesse da Petrobras, querendo fazer escola no município, não sei o quê. Eu fiz um trabalho lá, porque eu tinha sido colega das figuras mais exponenciais, eu tinha sido colega do doutor Ulysses, do Sarney, do Ulysses Guimarães. Ulysses inclusive foi à minha posse quando eu me elegi presidente do sindicato, ele era presidente da Assembléia Nacional Constituinte e foi à minha posse como presidente do sindicato, e fui ficando. Depois entrou um presidente que me puxou para o gabinete, e fui ficando.
MIGRAÇÃO
De lá de Brasília eu vim para cá o ano passado, eu estava um pouco vivendo um problema familiar, e o esquema lá não estava me agradando, e não dava para mudar. E eu vim recarregar as baterias no velho e querido Rio de Janeiro. Eu estava vivendo um problema psicológico difícil, quando você está mal na vida pessoal e no trabalho, nem super-homem agüenta. Minha mulher tinha morrido de repente, meus filhos vivendo mal, e eu mal no trabalho. Eu digo: “Não, eu vou para o Rio.” E eu vim para cá, e felizmente recuperei o bem-estar, a tranqüilidade, o entusiasmo, e fiquei mais por causa dessa festa dos 50 anos, senão talvez eu já tivesse ido embora.
AVALIAÇÃO
Eu quero viver esse dia do aniversário dos 50 anos da Petrobras. Eu vi os comícios há 51 anos atrás para fundar a Petrobras. Jovem estudante, cheio de entusiasmo, cheio de sonho, eu fiquei mais entusiasta quando eu soube que tinha um grupo que não era da Petrobras, que eu acho que esse grupo vai além de ter uma formação própria; para esse trabalho não tem paixão. Vocês vão ouvir gregos e troianos, porque cada um de nós, cada um pode dar uma opinião que discorde da minha e eu respeito, mas vocês não têm, vocês vão fazer uma história ouvindo pessoas, vendo documentos, fotos, porque às vezes uma foto... Quando eu digo a vocês que João Goulart, o presidente da República, foi inaugurar um sindicato... Agora, se eu lhe mostro a foto no meio dos caixas do supermercado, é muito mais, né? Eu tenho isso tudo. Eu vou mostrar a vocês um cartaz dos dez anos da Petrobras. Quando esse operário que ganhava mal nos engenhos passou a se perder um pouco, tinha uns que tinham três esposas, tinha um que bebia demais, que passou a ganhar bem para o supérfluo, que inicialmente o cara mal ganhava para comer, dar comida aos filhos, então eu me entusiasmei por isso, eu digo: “Eu acho que esta história agora pode ser contada, eles vão ouvir várias pessoas, tem gente que se impressiona mais com um guindaste grande, o outro se impressiona mais...” Eu, por força da minha atribuição de presidente de sindicato - eu fui três vezes presidente, uma vez secretário geral, eu tive quatro mandatos -, eu lidei muito com o problema humano do trabalhador. Aquilo que eu contei a vocês, uma vez um pai veio ali e disse: “Olha, o médico tentou abusar da minha filha, ela foi lá para o hospital e o médico tentou abusar da minha filha.” Eu conversei com a moça e senti a firmeza dela, gente humilde, de perfil humilde, mas eu vi que ali ela tão humildezinha, coitada. Eu fui até o superintendente, escandalizei, narrei para ele, ele disse: “Olha, exijo a sindicância.” O médico perdeu a coragem e pediu demissão. Ele era meu colega e era tão tímido que me chamava de senhor; eu disse: “Rapaz, deixa desse negócio, eu não são tão velho assim, e você é mais velho do que eu.” “Não, mas você é o chefe.” Então eu passei essas experiências todas na Petrobras e fiquei mais para ver a festa dos 50 anos.
EMPRESA
Agora mudou o novo presidente, e as coisas ainda estão em fase de definição, o que é normal. A empresa é muito grande, muito complexa, então hoje você tem uma participação de grupos de fora muito importantes na empresa, porque hoje ninguém pode viver isolado. Toda a empresa que se fecha muito ela perde o poder de autocrítica, ela às vezes comete equívocos, então eu acho que esse trabalho com participações de empresas e profissionais vai dar um resultado positivo. O trabalhador da Petrobras, eu tenho uma fotografia de 40 anos atrás que está aí, eu vou mostrar para vocês, está aí na pasta, quando nós fizemos os dez anos da Petrobras. Todas as escolas do curso superior desfilaram apoiando a Petrobras. Não tem uma moça de calça, todas de vestido. Hoje, ao contrário, se fizer esse mesmo desfile no mesmo local, não vai ter uma de vestido. Você vê como a mudança de hábito, de costume, de valores. Eu vi essa mudança. Fizemos uma exposição sobre indústria de petróleo, foi aí no Teatro Castro Alves, foi feita pelo Calazans Neto, que hoje é um ícone das artes plásticas baiana.
DISTRIBUIÇÃO
Tem outras passagens, a distribuição. A Petrobras não atuava na distribuição, eu fui ao presidente João Goulart com uma exposição de motivos que os técnicos fizeram, mostrando o absurdo que era, por exemplo, o navio da Marinha que ancorava no terminal da Petrobras. Aí vinha um operário da Petrobras, botava um mangote, enchia o tanque, limpava, fechava, aí vinha uma empresa particular e apresentava nota fiscal. O presidente João Goulart fez um decreto permitindo à Petrobras entrar na distribuição. Depois é que criou a BR Distribuidora, alguns anos depois. Depois que vieram o Exército, a Marinha, algumas empresas estatais, porque a Petrobras começou a abastecer direto.
IMAGENS DA PETROBRAS
É uma história muito rica, então eu acho que como, aliás a ministra de Minas disse isso, a imprensa publicou: “Um povo que pode fazer a Petrobras pode mudar o seu destino.” A Petrobras é uma empresa de primeiro mundo hoje. Eu fiz algumas viagens ao exterior, em outros países; quando eu falava que era da Petrobras era tratado com muito respeito. No Equador, por exemplo, o pessoal tinha um respeito muito grande pela Petrobras, na Colômbia, e hoje o nosso corpo técnico gerencial é da melhor qualidade, tem alguns senões de empresa pública - que às vezes a política interfere além do que devia. Eu acho que a Petrobras tem que ser fiscalizada cada vez mais. Vocês duas são donas da Petrobras. A Petrobras é do governo, é do povo, e o dinheiro do povo qual é? Quando você compra alguma coisa você está pagando imposto, então ela tem que ter essa noção que a Petrobras é, é uma vitória maravilhosa a Petrobras, país de terceiro mundo, pobre, cheio de traumas como é o Brasil. Aqui ainda tem muita casa grande e senzala.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Bom, minha atividade atual, eu estou aí no gabinete do presidente, e por essa facilidade, por exemplo, agora mesmo eu fiquei na Bahia esses dias fazendo esse levantamento que eu mostrei a vocês. A primeira sonda já ia ser vendida como ferro-velho, eu é que impedi. Fui lá, enchi o saco, hoje a sonda está lá num lugar abrigado, porque eles criaram lá um espaço cultural onde tem show de axé music, então você chega lá, tem lata de cerveja, tóxico e tudo, e essa sonda estava lá. E o pessoal tirando pedaço porque achava bonito. Eu vou lhe mostrar; está aí a foto. Agora ela está num lugar preservado e está sendo recuperada. O novo diretor de Comunicação, eu disse: “Vou usar seu nome.” Ele disse: “Pode usar.” Eu estava disposto a pegar a sonda, colocar num caminhão particular, pagar o frete e depois cobrar, aí conseguimos caminhão. Eles criaram o centro cultural na cidade de Salvador. Esse Museu do Petróleo há anos a gente se bate por isso, há uns oito anos atrás eu fiz uma carta ao doutor Rennó, presidente, claro que respeitosamente, alertando sobre o risco desse patrimônio ser perdido. Essa sonda foi um milagre ela não ter sido desmanchada como ferro-velho. Foi ela que em 39 descobriu, é uma figura que vocês poderiam ouvir, ele já morreu, mas tem um sobrinho dele na Bahia, Oscar Cordeiro. Oscar Cordeiro foi o homem que deu o impulso final da descoberta do petróleo no Brasil, ele era presidente da Bolsa de Valores da Bahia e tinha essa loucura por petróleo. Oscar Cordeiro. O sobrinho dele é um advogado famoso na Bahia, Fernando Cordeiro, e o Oscar Cordeiro já morreu. Ele foi ameaçado pelo Ministério da Agricultura para que não prosseguisse com essa história que no Brasil tinha petróleo. Em 63 eu era deputado federal e ele adoeceu, homem pobre e foi para o hospital, não podia pagar. Eu fiz um discurso forte e a Petrobras pagou a despesa dele no hospital e li esse trecho do boletim do Ministério da Agricultura que ameaçavam os técnicos que estavam tentando descobrir petróleo. Eles tinham trazido um técnico americano e ele ameaçava as pessoas que queriam afirmar que no Brasil tinha petróleo. Eu vou a Câmara, porque em 64 eles foram lá em casa e levaram tudo, mas eu vou pesquisar e vou dar a vocês esse discurso que eu fiz há 40 anos atrás. Então eu não tenho nenhum imediatismo, eu fiz esse discurso em 63, cito o boletim do Ministério da Agricultura, que o Departamento de Produção Mineral naquela época não tinha o Ministério de Minas, como vocês sabem melhor do eu, o Ministério de Minas foi criado em 61 no governo de Jânio com Gabriel Passos, foi o primeiro Ministro. Gabriel de Rezende Passos. E eu fiz esse discurso em 63 alertando a ameaça que o Ministério fazia as pessoas sobre que queriam teimar em afirmar que no Brasil tinha petróleo.
LAZER
Nas horas de lazer eu cuido dos filhos, dos netos e do bisneto e leio muito. Ouço muito aquela turma velha, converso e junto documento. Eu estou pensando, até eu quero que vocês me ajudem com sugestões, eu estou pensando em publicar um livro, porque a vida me deu muitas oportunidades de presenciar muitos episódios nos últimos 50 anos, inclusive a luta do “Petróleo é Nosso” na Bahia, das prisões. Uma vez levaram lá presa uma turma de estudantes - e eu estava no meio - para a delegacia porque nós estávamos pichando as ruas com “O Petróleo é Nosso”. Apesar de eu não ser comunista na época, porque era um partido da ilegalidade, mas quem defendesse a criação da Petrobras era tido como comunista.
EVENTOS HISTÓRICOS
Eu cheguei a ser preso durante 2 anos. Fui preso em 64. Esse período foi muito difícil. Eu fui o primeiro político a ser preso porque eu fui preso no dia 2 de abril... Fui para Fernando de Noronha, mas só fui cassado 8 dias depois, quando eles publicaram o Ato Institucional, e aí, quando eu ganhei o habeas corpus com o professor Raul Chaves, eles me seqüestraram em Fernando de Noronha e me deixaram lá. Tinha mais gente comigo. Estava lá o Arraes, o ex-governador de Sergipe, mais uns colegas da Petrobras, tinha um pessoal do Rio Grande do Norte, chegou um pouco depois Djalma Maranhão, que era prefeito de Natal, que lançou aquela séria campanha para alfabetizar os natalenses “De Pé no Chão Também se Aprende a Ler”. Os meninos iam para escola de pé no chão. “Ah, os meninos não têm chinelo.” “O que é que tem?” E o pobre tem vergonha de ir, e eles: “Não, não tem problema, vai descalço.” Aí houve campanha para dar chinelo, tamanco aos meninos. O irmão dele, o Luís Maranhão, que era um alto dirigente do PC, está entre aqueles mortos que não sabem se tem sepultura ou se não tem. Foi uma experiência muito difícil, eu ganhei um habeas corpus. Fui solto de novo, depois novo processo, e no fim me absolveram de todos os processos. Eu fui absolvido, no Superior Tribunal Militar eu fui absolvido por unanimidade. Era perseguição política mesmo, mas está aí, a violência não se eterniza em lugar nenhum. Ela tem alguns momentos de glória, de êxito, mas você sabe disso melhor do que eu. Os tiranos têm os dias contados, uns duram mais, outros duram menos. Eu acho - agora é uma opinião - que a democracia repousa em três pilastras: Parlamento aberto, livre, imprensa livre e tribunais livres. Tendo isso... Agora, a imprensa livre, porque é bem melhor a imprensa livre cometendo equívocos do que ela amordaçada. Eles me seqüestraram, e quem fez o meu advogado saber que eu estava preso foi a imprensa – “Correio da Manhã”. Ele mesmo não sabia. O meu advogado foi lá no quartel-general, disseram simplesmente e cinicamente: “Seu Mário Lima esteve aqui, assinou o alvará de soltura e foi embora.” Quando eu desci, um jornalista publicou seis artigos sobre isso - está aí dentro; eu também vou dar a vocês - um sujeito veio com quatro metralhadoras: “Sente nesse ônibus.” “Mas meu amigo, eu assinei um alvará de soltura agora, o senhor quer brincar comigo?” “Eu quero é conversar com o senhor.” Quando eu vi que a metralhadora ia furar a minha barriga, eu digo: “Pois não, eu vou entrar.” Eu sou muito irônico, eu gosto muito de: “Docemente constrangido eu vou entrar. O senhor está mandando, com esse argumento aí eu não vou teimar.” Aí eu entrei no microônibus, eles passaram no quartel em que eu estava preso, recolheram a minha roupa numa trouxa assim, jogaram e foram para o aeroporto. Quando cheguei lá já tinha um avião na pista esperando. Voaram para Recife - naquele tempo eram aviões precários que não voavam bem à noite, e de Recife para Fernando de Noronha é um braço de mar bem largo -, aí quando eu cheguei em Recife eu disse: “Estou em Fernando de Noronha.” No outro dia de manhã, acordado, eu e mais três colegas da Petrobras. Lá nós ficávamos no corpo da guarda. Não tinha grade, mas lá não tinha como sair. Não nos maltrataram. Agora, em relação à família ficou. Meus filhos, meu pai que já estava muito idoso, meus irmãos. Depois de algum tempo que me localizaram, ninguém sabia onde eu estava: “Deve ter ido fazer uma farra, esteve esse tempo todo preso?” Eu já era casado. “Em vez dele ter ido para casa deve ter ido fazer uma farrinha.” Mas é isso mesmo, eles eu não sei onde estão, e eu estou aqui hoje.
AVALIAÇÃO
Se eu pudesse mudar alguma coisa na minha vida talvez eu voltasse a sonhar em ser ator e cineasta. Hoje eu já estou velho para isso, já estou velho.
COSTUMES
Eu ajudo, eu colaboro. Todo o projeto cultural que eu posso, eu ajudo, eu colaboro. Eu acho que esse país tem que cuidar da cultura, enquanto não se der atenção à história, à cultura, esse país não é país. A história é muito importante, por que é que meu pai teve essa força na gente? Porque ele tinha valores, ele lia Ruy, ele é um homem implacável com mentira. Eu estava falando com ela, com a Mirella, a TV Cultura apresentou agora na Bahia um trabalho sobre Gregório de Matos, um daqueles coronéis da Bahia que tinha exército próprio, homens com arma, mas ele tinha valores morais muito fortes e senso de justiça. Contam que um filho dele foi lá para um prostíbulo, se embebedou e arrebentou de pancada uma prostituta jovem, aí vieram dizer a ele. Ele mandou a polícia prender. Quando a polícia chegou lá no prostíbulo, o rapaz: “Você veio me prender por quê? Você não sabe de quem sou filho, não?” Ele disse: “Eu sei, mas quem mandou lhe prender foi seu pai.” Aí prendeu, botou lá na cadeia, normal. Quando foi de noite ele queria um colchão melhor, não deram, quando foi no outro dia ele queria comida melhor, ele disse: “Não, senão ele não aprende, ele vai comer o que qualquer preso come.” Você vê um homem desse no início do século, no sertão baiano, tinha valores éticos e morais, e justiça. Isso foi na TV Cultura. Inclusive o Cid Teixeira, aquele professor, ele narra isso, participa da narrativa. Então essas coisas ficaram dentro de mim. Eu não sei, eu acho que essa coisa de cultura, de história ou a gente cuida ou nós nunca seremos um país.
ENTREVISTA
Eu acho que os sindicatos tiveram e ainda têm muitos acertos e algumas omissões, que ninguém é perfeito. Está na hora de muita gente amadurecer, conhecer o outro lado da moeda, porque não há moeda só com uma face, então eu vou só concluir contando uma historinha que me contou o velho João Mangabeira, uma figura maravilhosa, foi ministro da Justiça, ministro da Minas e Energia, um jurista famoso com livros publicados. O tempo da luta da escravatura, para abolir a escravidão, naquele tempo não tinha os recursos que tem hoje, então as reuniões eram nos teatros, porque tinha acústica e você reunia o maior número de pessoas. Então os grandes eventos políticos eram nos teatros, os abolicionistas estavam crescendo, e o imperador ficava de fora. Isso é problema dos donos de engenho que usavam em maior quantidade, em maior freqüência a mão-de-obra escrava, e os abolicionistas, o Castro Alves ia, recitava o seu poema abolicionista. Aqueles grandes líderes da luta contra a escravidão, e lá para as tantas começaram a surgir, como se diz hoje, os mais radicais, os mais duros. Falavam e pediam que além de abolir a escravatura se derrubasse o imperador para implantar a República, para ser um regime mais democrático. Isso chegou ao ouvido do imperador, e ele começou a proibir essas reuniões. Quando chegava e falava pela queda do Império, ele mandava a cavalaria naquela época, os guardas imperiais dissolverem a reunião. Alguém ficou curioso, sempre tem alguém: “Quem são esses caras que surgiram agora nessa luta e com essa posição tão radical?” E foram averiguar. Eram os mercenários a serviço dos senhores de engenho. Em 1964 - eu entrei em 63 - eu era o mais jovem deputado federal, e surgiu o cabo Anselmo aqui no nosso meio, aqui no Rio, numa valentia. Meu irmão, que tinha sido voluntário na Marinha, na guerra, me chamou e disse: “Ó meu irmão, de sindicato eu não entendo nada, mas de Marinha eu entendo porque eu estive lá. A Marinha é uma arma elitista até um certo ponto, racista porque o número de negros que consegue ir, e não dá para entender porque esse cabo Anselmo tem essa folga toda e que continue na Marinha. Ele está fazendo um trabalho aí a mando de alguém lá de cima.” Quando eu vim numa reunião aqui no Rio, no CGT, e a turma, como eu era o mais jovem eu sempre fui ridicularizado. Eu não contei essa história que para mim o cabo Anselmo era suspeito, pela experiência que meu irmão me transmitiu, e depois nós vimos quem foi o cabo Anselmo. Então hoje eu tenho essa visão. Toda vez que eu vejo uma pessoa muito radical eu paro para examinar, às vezes é por convicção ideológica, mas também pode ser uma pessoa que, sei lá? No mundo de hoje não adianta você não querer ouvir. Toda vez que a pessoa não quer ouvir eu tenho medo. Sou obrigado a ouvi-la, depois eu pondero. Se eu discordar da sua metodologia eu tenho que dizer porque eu discordo. Não pode você sair daqui: “É, não presta.” Isso não vai para lugar nenhum, isso é intolerância, então essa experiência que eu tive na vida muito cedo eu acho que eu vejo no projeto de vocês - é isso, primeiro são profissionais da área, não têm vínculo com ninguém da Petrobras. Vocês vão ouvir todos, e obviamente, com a experiência de vocês, vocês vão dar a versão que vocês como profissionais da área são, porque obviamente muita coisa que eu disse aqui, muita gente vai discordar, e isso faz parte da regra do jogo. Eu gosto muito do debate, porque no debate, se alguém discorda do que eu digo você vai, você diz que discorda e por que você discorda. Por isso e por isso. Eu acho que isso no fim vai dar um trabalho muito útil e eu acho que esse trabalho devia ser estendido depois das comemorações. Vocês têm que ir à Amazônia, onde eu estive lá durante muito tempo, vocês têm que ir a Sergipe, Alagoas, vocês têm que ir ao Recôncavo Baiano, foi onde tudo começou, a semente começou a germinar lá, porque quando a Petrobras foi constituída, em 54, quando ela começa a funcionar como empresa. Ela funcionou no forte da Jequitaia, que foi o último forte feito pelos portugueses no Brasil. Quando os portugueses saem daqui, eles saem daqui, o imperador, 7 de setembro, “Independência ou Morte”, e eles foram para Bahia. A Bahia ainda ficou ocupada por quase um ano, porque é 2 de julho. Aquele forte foi o último forte construído pelos portugueses aqui no Brasil. Então o que aconteceu? A Bahia se subleva - esse forte agora está sendo recuperado, na minha opinião com alguns equívocos porque isso deveria ter presença de profissionais, que a Petrobras não tem, a Petrobras não pode ter nos seus quadros todo o tipo de profissional. Ela tem que ter no seu quadro engenheiro que entenda disso, daquilo na sua atividade-fim. Atividade dela ela tem que buscar fora, por isso que eu acredito nesse projeto com a presença de profissionais. Eu repito, da área, mas que não tem nenhum compromisso até sei lá, até o costume às vezes a pessoa fica repetindo aquela mesma cantilena por hábito, sei lá. Eu acho que todos nós temos alguma coisa de bom. Eu sou conservador, eu pensei que não era, mas eu sou. Os caras diziam que eu sou revolucionário, minha ficha do SNI é um negócio, vocês têm até medo de falar comigo. Eu pedia o habeas data, eu sou taxado, em 64 inventaram que eu tinha dito que eu ia explodir a refinaria. Na minha prisão eles alegaram isso. Pegaram um sujeito lá, um covarde, e o cara disse que tinha ouvido eu dizer, e quando eles começaram a me ouvir, aqueles interrogatórios cansativos. Uma vez eu depus quase 24 horas; aí eu falei: “Ó, coronel, primeira coisa que tem que fazer é fazer exame médico em mim. Eu devo ser louco, porque se eu disse isso, eu sou louco. Desculpa a modéstia, eu sou um dos melhores técnicos, eu sei que se aquela refinaria explodir ela mata milhares de pessoas e eu disse isso? Eu não estou normal.” E por fim eu levei a coisa para ironia, eu disse: “Olha, coronel, essa história de explodir a refinaria, lembra a história da assembléia dos ratos? Eles moravam num casarão e toda noite eles saíam para comer o bolo da dona da casa, coisa e tal, e o gato vinha de vez em quando e pegava um. Lá pelas tantas: “Desse jeito nós vamos ser exterminados por esses gatos.” Aí o ratinho disse: “Não, mas vamos fazer o seguinte, a gente pega um martelo e quando a gente chegar dá uma martelada na cabeça dele.” “Mas quem que pode pegar o martelo? Quem tem força?” Foi cada qual dizendo uma: “A gente se esconde e não sai ou a gente morre de fome.” E aí vem o ratinho luminoso, inteligente e disse: “Eu tenho uma idéia que vai resolver o problema. A gente pendura um guizo no pescoço dele, sai e sobe na mesa, come tudo, e quando ele for se aproximar, a gente ouve o guizo tocar e a gente foge.” A idéia foi aprovada com palmas e delirantemente: “Ótimo, e agora vamos escolher quem vai botar o guizo no pescoço do gato.” Ninguém topou. “A mesma coisa coronel, é tocar fogo numa refinaria. Os senhores estão dizendo aí, me acusando de gostar de mordomia, de ter cortejado a mulher famosa tal, deputado aos 27 anos. O senhor acha que eu ia querer morrer? Eu ia botar fogo na refinaria para eu morrer?” Tanto que isso não figurou no meu inquérito, figurou na prisão preventiva, então eu acho que está na hora desse país ter a sua história verdadeiramente contada, sem tentar agradar quem era escravagista, quem era contra. Quer dizer, é uma história que em todo lugar tem oportunismo. Essa história da luta pela abolição da escravatura quem nos contou foi o doutor João Mangabeira, um homem que viveu no início do século. Ele contou isso para a gente, e nós vimos isso em 64 e estamos vivendo agora. Eu acho, por exemplo - não é uma opinião política, eu conheço o Lula de perto, ele foi meu colega na Constituinte. Lula tem três qualidades que eu admiro: ele não gosta de puxa-saco, o cara que chegar perto de Lula puxando o saco pensando que vai agradar está se distanciando; ele ouve e tem atitude, alguém me contou que esteve com ele em Cuba, e lá para as tantas Fidel Castro começou a nos criticar: “Porque no Brasil as coisas não andam, a revolução...” Aí Lula começou a se chatear, saiu e disse: “Amanhã eu só volto se arrumar um mapa do Brasil. Esse comandante tem que ouvir, ele só está falando. Senão eu não vou lá.” Só sei que conseguiram um mapa do Brasil para o Lula, ele veio e pegou o estado de Pernambuco e marcou. Quando o Fidel Castro começou a fazer as críticas ele disse: “Comandante, o senhor fez a revolução em Pernambuco, devia ter feito no resto do Brasil.” Eu conheço Cuba muito bem. Quer comparar Cuba com Brasil? Não dá para comparar. É você querer comparar os problemas do Rio de Janeiro com os problemas de Aracaju, não dá para comparar. O Rio de Janeiro tem quantos milhões de habitantes? Gente do Brasil inteiro, e ainda é uma cidade que atrai gente do Brasil inteiro. Então eu acho que isso que é o importante, o que se mais fazia pelo menos me parece que é a intenção de fazer uma história que vai registrar aquilo realmente que é importante, aquilo que influiu na história.
Tem muita gente na Petrobras que vai dizer muita coisa que eu não disse, por exemplo o Antonelli, o Alberto Baltijam, o Lindomar Mota, o Medeiros, o Pernambuco lá na Bahia, que entrou antes de mim aqui no Rio. Em São Paulo tem o Silvino, o Genásio eu soube que morreu, o Ubirajara, que foi o primeiro presidente do sindicato lá, está vivo. É que a presença de São Paulo também é forte, São Paulo tem quatro refinarias, é o maior consumidor de petróleo do país. Eu acho que São Paulo tem muita gente lá. Tem esse menino de Alagoas, o Gerson, tem o Walter, lá de Minas, que é o fundador do sindicato lá.
RELAÇÕES COM O GOVERNO
Em 63 o governador era Magalhães Pinto, um dia eu recebo telefonema do José Aparecido; era chefe da Casa Civil, ele disse: “Mário, nesses dez anos da Petrobras nós estamos com medo de haver conflito aqui em Minas, porque o pessoal do sindicato quer fazer um negócio na rua, monumento, e está uma briga tremenda contra a Petrobras aqui. O governo de Magalhães, e eu tenho medo que tenha conflito. Você não quer vir aqui? Você que é um cara moderado, você não quer vir aqui bater um papo aqui com o pessoal?” Aí eu fui lá e disse: “Olha, gente não adianta isso, vamos conversar, vamos nos entender.” Aí eu fui conversar com o Magalhães Pinto, e ele praticamente me disse que estava se articulando um movimento para derrubar Jango. Jango estava incentivando o comunismo da esquerda no Brasil. Eu voltei a Brasília e tinha um relacionamento bom, nunca pedi nada a ele e sabe o que ele me disse? “Mário, o problema do Magalhães Pinto é o redesconto bancário, na hora que eu acertar o Magalhães fica bom.” Eu boto isso no meu livrinho. O Aparecido está aí vivo, quer dizer, então nós já vimos que radicalizar não resolve nada. Eu tenho dito a algumas pessoas: “Vocês tão torcendo para o Lula não dar certo. Não é bom para o Brasil.”
Agora, se está errado, tenha a coragem de subscrever uma critica construtiva, não fica torcendo para o pior.
EVENTOS HISTÓRICOS
Olha Jango. Quanta gente se arrependeu de ter conspirado para o Jango não dar certo? Quanta gente se arrependeu de ter... Quando ele pediu aquele estado de sítio para evitar a quebra da, porque quando a lei deixa de dividir, o mais humilde é que sofre. É o jornalista, é o intelectual, é o artista, é o operário, é o mais humilde, porque o rico está sempre vivendo bem em qualquer regime. É o professor, uma categoria perseguida durante o regime ditatorial. Então eu acho que é o caminho é esse. É fortalecer a cultura e a história, porque na hora que o cidadão tiver consciência que está num país que tem lei e que tem uma cultura e que tem uma história para preservar, aí ele fica um cidadão forte. Eu passei momentos difíceis quando eles me levaram para Fernando de Noronha e ameaçaram me jogar dentro do mar. Disseram que iam jogar, e eu só tive uma atitude: “Você não me joga vivo, você está com o revólver na cintura, eu duvido você vir mano a mano me jogar. No revólver você mata e joga o cadáver dentro do mar.” Naquele tempo eu estava com 27 anos, jogava futebol, fazia luta livre, jogava capoeira. Eu digo: “Esse daqui ele vai comigo, pelo menos a hora que me procurarem eles localizam.” Era brincadeira para nos levar ao desespero. Então isso não funciona mais no Brasil. Agora tem que ser isso: aqui é conversa, é dialogo com quem pode entender o problema e ajudar encaminhar, e acabou esse negócio do figurão. Às vezes você vê esses caras consagrados aí; não ajudam em nada, muito vaidosos, muito egoístas. Eu acredito muito nessa sua geração, é uma geração mais informada. A geração de vocês, por incrível que pareça, é muito mais informada do que a minha, eu na idade de vocês duas eu não sabia a metade do que vocês sabem hoje. A prisão me obrigou a ler. Eu li a Bíblia duas vezes quando estava preso em Fernando de Noronha, porque não tem o que ler. E a Bíblia tem coisas, independente do aspecto religioso, o aspecto filosófico da vida, se você ler a bíblia procurando buscar isso, tem muita coisa boa.
IMAGENS DA PETROBRAS
Eu acho que eu falei até demais, agora me entusiasma isso, agora esse projeto não pode se limitar até 3 de outubro, tem que ser uma busca mais profunda e mais demorada. Vocês têm que ir ao Recôncavo Baiano para conhecer a região onde viveram os escravos, onde a população é predominante negra, e a mudança que a Petrobras causou inclusive registrada com muita profundidade e competência pelo professor Cid Teixeira. A Petrobras vivia ainda no século 19 no Recôncavo. Eram senhores de engenho. A filha do negro, do pobre não significava nada. O sujeito vinha, usava, fazia o que queria. A Petrobras, quando entrou, mudou tudo, então é como ele diz, a descoberta de petróleo e a industrialização do petróleo na década de 50 botaram a Bahia no século 20, que ainda vivia no século 19, e quem registra isso é uma pessoa, um historiador, uma pessoa, a sensibilidade e o cabedal de conhecimento do Cid Teixeira, não é um qualquer que está dizendo. Não sou eu ou um palpiteiro. Isso vocês entendem melhor do que eu. A Bahia sai do século 19 e entra no século 20 com o petróleo, com a descoberta e a industrialização do petróleo até então ainda era século 19, economia de subsistência, usina de açúcar, o engenho e pronto.
TRABALHO
Eu vou mostrar a vocês essas fotos que eu falei a vocês e minha contribuição, independente de qualquer outra coisa, é inteiramente dedicada e desinteressada. Eu conheço o Brasil inteiro. Quando houve aquelas mortes lá na Amazônia eu fiquei uma semana, estive na Serra dos Surucucus, estive naqueles garimpos. Houve lugar na Amazônia onde empresas estrangeiras estavam instaladas que nós não pudemos entrar, mesmo como deputado federal. Aquilo me deu uma revolta. Eu me lembrei de quando eu estive no Panamá, embaixador, eu nunca esqueço o nome dele, Paulo Monteiro Lima, porque eu fui com o Brandão Monteiro, que era um deputado daqui, e ele, brincando, disse: “Nós somos parentes.” Porque ele tinha o sobrenome de Brandão Monteiro, e o meu, Paulo Monteiro Lima. Que ele era casado com a senhora neta de um médico baiano famoso, doutor Burau, ele me disse: “Deputado, eu nunca vi na minha longa vida de diplomata maior violência na soberania de um país, o que está havendo aqui, isso é um país de ficção, o Panamá.” Então isso fez com que ao longo dos tempos eu não aceite imposição, não aceite o dono da verdade absoluta. Se quiser me contestar, pode contestar quem quiser que seja: “Isso não é verdade.” Eu vou explicar. Eu não tolero dialogar com o dono da verdade, isso me deixa... Eu estou ficando velho, eu não cedi até agora, por que vou ceder depois de velho?
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