P/1 – Eduardo, eu queria agradecer mais vez por você ter tirado um tempinho seu para contribuir novamente para o projeto. Para começar e deixar registrado, eu gostaria que você falasse seu nome completo, onde você nasceu e quando você nasceu.
R – Inicialmente, eu que agradeço de poder fazer parte desse projeto tão interessante entre o AFS e o Museu da Pessoa, e espero poder contribuir de alguma forma. Meu nome completo é Eduardo Henrique Assed de Araujo Feio, conhecido dentro do AFS como Eduardo Assed. Nasci no Rio de Janeiro, em 21 de janeiro de 1962. Atualmente moro em São Paulo.
P/1 – Eduardo, qual é o nome dos seus pais?
R – Meu pai se chama Henrique Dias de Araujo Feio e minha mãe Teresinha Assed de Araujo Feio.
P/1 – E dos avós?
R – Boa (risos)! Francisco Lacerda de Araujo Feio e Ivoneta de Araujo Feio, ambos por parte de pai. Avós maternos: Efren Assed Kik e Nabi Assed Kik.
P/1 – Conta um pouquinho da história da sua família.
R – Está bem. Uma boa pergunta. A minha família tem duas origens, uma por parte de pai e outra por parte de mãe. Origens, que eu digo, como quase todos os brasileiros de alguma outra parte do mundo. A família do meu pai é proveniente de Portugal, é a família Araujo Feio que, por sinal, eu morei em Portugal alguns anos depois, e conheci alguns parentes lá e vi que o sobrenome Feio não é tão incomum (risos). E por parte de mãe, eles são de origem libanesa, vieram para o Brasil também no início do século 20, como imigrantes também, e se estabeleceram no Rio de Janeiro. Depois, meu pai e minha mãe se conheceram e, então, juntaram Líbano com Portugal, no meu caso (riso).
P/2 – E você sabe por que eles emigraram de Portugal? Foram seus avós que emigraram?
R – Não, não. Foi anteriormente a eles. Mas acredito, como vários portugueses, na possibilidade de uma vida melhor ou até por todas as oportunidades que o Brasil apresentava na época. No caso dos meus avós maternos, a minha avó veio bem nova, como bebê, mas os pais dela, assim como o meu avô, têm uma história bastante interessante. Ele imigrou para o Brasil com 15 anos de idade sozinho. Ele entrou em um navio no Líbano, obviamente não era só ele, eram várias outras pessoas. Imagino que jovens também migraram naquela ocasião e, por conta, realmente, das guerras civis e da questão religiosa. Meu avô era de origem cristã, então, com todos os conflitos que existiam no Líbano, na época, ele, assim como vários outros, imigrou para o Brasil na busca de uma vida melhor. E ele veio para cá com 15 anos de idade e se estabeleceu, conseguiu construir a família e crescer do ponto de vista profissional. Ele virou empreendedor, passou a trabalhar na área da indústria têxtil etc., e eu tenho bastante orgulho da trajetória dele. Eu acho que sempre foi uma inspiração para toda a nossa família.
P/1 – Você sabe como os seus pais se conheceram?
R – Na praia, no Rio de Janeiro, né (risos)? Frequentaram a mesma praia, a mesma área e aquela coisa de paquera etc. Minha mãe tinha irmãos da idade do meu pai, que também se conheciam do voleibol na praia, naquele ambiente de Copacabana e acabaram se conhecendo ali, na praia mesmo.
P/2 – Deixa-me voltar um pouquinho. Você disse que seu avô era empreendedor e que ele acabou criando uma indústria na área de tecidos. O que era essa indústria?
R – Uma fábrica de tecidos mesmo. Isso, na verdade, foi a última coisa que ele teve. Ele se estabeleceu junto com alguns filhos, mas ele veio como mascate. Ele era vendedor, de subir em jumento, no interior do Rio ir entregando produtos. Depois, teve seu pequeno negócio, uma quitanda, uma coisinha pequena, e aquilo ali foi crescendo. Depois, mudou-se para outra cidade do estado do Rio, chamada Miracema e lá surgiu a oportunidade... Eles começaram a trabalhar com essa parte de tecidos e cresceu nesse sentido, enfim. A família já deixou de ter a fábrica há algum tempo, acredito que no início de 1990 ele acabou vendendo. Ele já estava idoso e os filhos já estavam todos trabalhando. Por um acaso, um tio meu mais velho ficou tomando conta dessa fábrica até ser vendida e os outros seguiram as carreiras. Advogado... Cada um seguiu uma carreira diferente.
P/1 – E como você ficou sabendo dessas histórias? Teve contato com seus avós...
R –... Muito! Infelizmente eu não conheci o meu avô paterno, ele já era falecido quando eu nasci; e a minha avó, apesar dela morar no Rio – eu estou falando primeiro da parte paterna – não é que não havia proximidade, mas é que nunca foi de frequentar muito. Era em determinadas ocasiões, como aniversário etc. Eu devo dizer que até por conta disso, eu tenho pouca memória, pouco conhecimento dessa parte da família. Eu acabei buscando mais algumas coisas, quando eu fui para Portugal. E da parte materna era um convívio muito grande. Eram seis irmãos. Minha mãe tinha seis irmãos, todos com filhos, exceto um, então, eu tenho muitos primos. A maioria não morava no Rio de Janeiro, morava em outras cidades do Rio, mas era sagrado Natal e Ano Novo eles virem passar com os meus avós. A gente morava perto e éramos muito próximos. Além disso, eu passava férias com eles, vendo qual primo eu iria visitar, porque eram da mesma idade que a minha, às vezes, nós íamos para Miracema, às vezes, para Campos, e eu também tinha uma casa de praia perto de Campos, que juntava todo mundo. Uma família muito unida e eu acho que o libanês tem essa coisa de ser muito apegado à família, como o italiano também, o que eu vim descobrir depois. A partir dali, eu passei a viver bastante essa questão da família com muito interesse.
P/1 – E qual era a ocupação dos seus pais?
R – Meu pai era dentista, agora é aposentado, e minha mãe era inicialmente professora e, depois, ela trabalhou, durante muitos, anos como Diretora, em uma imobiliária, em sociedade com um tio meu. Mas ambos são aposentados hoje.
P/1 – Você falou um pouquinho do contato com os seus avós, da sua família grande, mas agora a gente queria que você contasse a sua infância no Rio de Janeiro, a região em que você morava... Fala um pouquinho para a gente.
R – Sim, eu passei a minha infância toda e minha adolescência no Rio de Janeiro, em Copacabana. Sempre moramos na mesma área de Copacabana, que é o Posto 6, que é uma área específica de Copacabana, é o finalzinho de Copacabana antes de chegar à Ipanema. Toda minha infância foi lá. No início, eu estudava também em Copacabana, depois fui estudar no Leblon, no Colégio Santo Agostinho, que é um colégio também bem conhecido no Rio de Janeiro. Mas, passei a minha infância frequentando a praia por ali e depois por Ipanema e tal. Meus amigos, fora os da escola, eram daquela área, por ali. Foi uma boa parte da vida ali.
P/2 – Como era Copacabana nessa época? Conta um pouquinho para a gente.
R – Nessas horas a gente só se lembra das coisas boas, não é? A memória é muito boa mesmo! Não sei. A gente ainda conseguia ter ainda amizade de rua, e havia ruas perto de onde nós morávamos que praticamente não havia trânsito nenhum. Eu me recordo, por exemplo, de fechar a rua para jogar futebol, na própria rua mesmo. Coisas que hoje em dia não dão para considerar... A vida muito, como todo carioca que está perto da praia e em função dela, os programas são: “Ah, depois da praia, vai fazer o quê?” “Vamos nos encontrar na praia.” Sempre frequentando aquela área, mas também indo muito para as festas. Minha infância para a adolescência foi nos anos 1970, tinha muita discoteca, boate etc. Também gostava muito de esporte, jogava futebol com os meus amigos frequentemente, a gente era sócio de um clube na Lagoa, fim de semana também passava por lá. Foi essa fase das festas da escola, os primeiros namoros... E dali vai seguindo adiante.
P/2 – Você sempre morou com seus pais em Copacabana, na fase de infância?
R – Sim. Sempre moramos lá. Nós só moramos em dois lugares diferentes em Copacabana. Têm dois endereços da minha infância e minha adolescência. Até os meus estudos na Universidade, eu continuava morando com os meus pais. Já adiantando um pouquinho, eu só passei a morar sozinho acho que depois de um ou dois anos de formado. Aí eu resolvi a passar a viver por conta própria, vamos dizer assim.
P/1 – E qual é a tua memória mais marcante dessa primeira infância?
R – Eu acho que foram justamente essas épocas de Natal e Ano Novo, que se repetiam e que eram aguardadas por toda a família, quando estávamos todos reunidos na casa dos meus avós, que era a oportunidade de estar com toda a família, com meus primos, e era muita alegria. Depois dali, durante uma época, parte da família ia para essa casa de praia também. Essa época coincide com o verão, era Natal, Ano Novo e o verão. É uma questão que, até um tempo atrás, eu fiquei pensando sobre isso, eu passei muitos verões com o pessoal e eu até lamentava: “Pô! Eu podia ter feito mais coisas que ir todo ano indo para o mesmo lugar (riso)”. Mas foi muito bom. Foi uma coisa que me marcou bastante, foi durante uma fase, obviamente, que não foi a vida toda. Foi principalmente até os 16, 17, 18 anos, e a memória é muito boa nesse sentido.
P/2 – E do que ficou da convivência com os avós em termos de costumes e hábitos, sendo de outra cultura. O que ficou para você?
R – Eu acredito que ficou uma questão muito forte da união da família, dos valores ligados à família, quase que uma coisa: “Ah, a família vem sempre em primeiro lugar.” Então, se você tiver que fazer uma escolha, você tem sempre que pensar na sua família primeiro, seja uma escolha individual, pessoal ou profissional. Ao mesmo tempo, ficou uma questão de poder contar com ela quando fosse necessário. Eu acho que os valores giram em torno dessa questão da proximidade com a família. Eu vejo também um lado voltado para a identificação de certos valores, também ligados a sua cultura e, nesse caso, não é só uma questão de família, mas talvez até de preferências de coisas que você vai fazer da tua vida, profissionalmente, de que maneira aquilo vai impactar na tua vida e na tua família. Se você vai fazer uma mudança, se aquilo vai ser bom para todos ou não. Todos, nesse caso, já entendendo mais a tua família, a tua esposa e teus filhos. E eu acho que isso, de fato, em algumas partes da minha vida, acabou me influenciando muito em determinadas escolhas.
P/1 – Eduardo, agora, conta um pouquinho para a gente as suas primeiras lembranças escolares. Você falou do Colégio Santo Agostinho, mas de seu primeiro dia de escola...
R - Coisas a lembrar ainda... O Colégio Santo Agostinho já foi numa segunda parte, não foi no Ensino Médio. Foi no Científico ou um pouquinho antes. Praticamente o meu primeiro contato com a escola foi no Colégio São Sebastião, em Copacabana. E era quase uma família, porque era pequeno, conhecíamos todos, praticamente só existia uma turma por ano, então, você crescia junto com aquela turma, enquanto no Santo Agostinho eram várias turmas. Nossos pais eram amigos dos diretores, que eram donos da escola e a gente conhecia todo mundo dentro da escola. A memória é muito boa daquela época. Em função disso até, uma das memórias tristes que eu tenho, mas também marcante, foi quando anunciaram que a escola ia fechar. Eu não me lembro mais muito bem dos motivos dos proprietários da escola. Ah, Eu me recordo! Eles não conseguiram renovar o aluguel, o contrato que eles tinham com a casa que ocupavam. Não conseguiram um estabelecimento novo lá e eu acho que estava ficando muito mais caro para eles, para aquilo que eles esperavam e tinham um contrato muito antigo. Eles tiveram que fechar a escola e a gente teve que partir para outras escolas. Vários amigos meus, até os mais íntimos, que os pais conversam um com o outro, foram para a mesma escola: para o Santo Agostinho. Naquela época, aquilo ali foi, para mim, um choque muito grande, principalmente, porque eu tinha 13, 14 anos e não esperava aquilo.
P/2 – Você falou das brincadeiras. Eu vou voltar um pouco para a infância. Você nos colocou que Copacabana propiciava essa coisa de se estar na rua, de brincar e ir à praia. Quais eram as brincadeiras preferidas e com quem você brincava?
R – Eu acho que em função de ser tudo na praia, era tudo mundo ligado ao que a gente pode fazer na praia ou podia, hoje em dia não pode mais. A gente jogava muito futebol de areia, fazia brincadeiras de infância que eram... Não me lembro mais como a gente chamava, eram duas equipes, onde uma tinha que invadir o território da outra para tocar em algum lugar lá e havia, vamos dizer, essa divisão. A gente também brincava ou praticava esportes ligados ao mar: pegar onda, mas também pescar siri. Você pegava prancha de isopor na época, a gente era pequeno (riso), ia para o fundo do mar e aí jogava o pulsar para poder pegar o siri, ou mergulhava com máscara etc. e tal. Havia umas confusões, que eram muito engraçadas, até porque nós éramos crianças ainda... O futebol não era permitido, nem naquela época, uma vez, jogando futebol, demos uma bolada em um casal e ele chamou a polícia. A polícia veio atrás da gente e aí foi todo mundo para dentro do mar, nadamos mais de cem metros para dentro do mar para se esconder, e a polícia ficava lá, falando: “Nós vamos ficar esperando vocês aqui até vocês voltarem!” Depois, eles desistiram, porque a gente não voltava (risos). Ou então, quando a gente ia pescar siri, os pais davam por falta da gente e, naquela época, eles frequentavam a praia não necessariamente junto com a gente, mas estavam também lá, em função disso. Aí, “Cadê o Eduardo?” Quando olhavam, não dava nem para me ver onde eu estava no mar, embora, em Copacabana, no Posto 6, a água é mais calma. Ficava em função dessas brincadeiras aí. A gente vai crescendo e aquilo ali vira uma rodinha de amizade, de namoro, de paquera, marca o que vai fazer para a noite, o que vai fazer à tarde. Nessa época de infância era principalmente isso: era em função dessas brincadeiras e da praia.
P/2 – E na escola, quais eram as brincadeiras?
R – Eu não me recordo muito bem das brincadeiras. Havia, né? A gente usava o recreio e eu me lembro de que tudo era em função de bola. Acho que um pouco dessa questão das turmas, o que vai fazer depois ou dos namoros que começavam ou das paqueras, das festas principalmente, quem ia dar festa e aonde, convidados e etc. As brincadeiras já eram nesse sentido (risos).
P/1 – E tinha alguma coisa que você queria ser ao crescer?
R – Eu sabia que eu não queria ser médico nem nada voltado à área de biomédica. Não, não era uma coisa que me atraía muito. Não via nenhuma profissão, sendo que o meu pai era dentista e eu tinha médicos também na família. Eu sempre tive uma facilidade maior para Ciências Exatas, na parte de Matemática, Física, Química, mas eu acho que essas escolhas - foi até uma experiência que eu tive com o meu filho depois - essas escolhas que a gente tem que fazer, eu não sei se você tem uma ideia muito clara, não uma ideia, mas um talento que você “Ah, eu quero ser veterinário. Quero ser isso ou aquilo.” Também é muito influenciado por amigos ou por pais ou por pessoas que te miram como exemplo. Eu tinha um tio que era engenheiro químico e, como eu gostava de algumas dessas matérias daí, na época, ele me incentivou: “Ah, não, por que...” E contava as histórias dele da Engenharia Química. Engenharia, na minha época, era uma carreira que muitas pessoas jovens, especialmente homens, seguiam, uma das escolhas mais óbvias era a escolha da Engenharia, então, eu falei: “Eu vou fazer Engenharia Química.” E fiz, passei, não sei se eu estou adiantando um pouco a história, mas... Acabei passando até para a UFRJ, Universidade Federal do Rio de Janeiro, que era bem disputada e acabei fazendo toda a Engenharia Química mesmo.
P/1 – Nessa primeira fase escolar ainda, antes do Santo Agostinho, teve algum professor que tenha marcado ou alguma lembrança?
R - Teve professores sim. Eu acho que até o professor de Química me marcou muito, mas eu também tive professores que por uma questão, não da própria disciplina, mas da maneira... Aquela identificação que a gente tem com professores, da maneira como eles lidavam conosco, enquanto jovens e adolescentes, influenciaram a nossa maneira de pensar. O professor de História e tive um professor de Português também, que depois viraram paraninfos da turma, que eu acho que naquela época me influenciaram sim. A maneira de ver algumas coisas, porque a gente ainda é muito novo e começou a perceber algumas questões do mundo, das dificuldades do Brasil, onde havia uma outra realidade dentro do próprio país. Um aspecto mais humanístico que só aquela questão voltada ao material, voltada às questões não necessariamente importantes.
P/2 – Me fala uma coisa: você frequentou escola durante a Ditadura Militar. E como era dentro da escola, até em função disso que você está trazendo? Os professores traziam um olhar diferente para isso, eu queria que você falasse um pouquinho sobre isso.
R – Sim. De fato, isso é uma coisa que de alguma maneira marcou. Há algumas histórias voltadas a isso. O ambiente do Rio de Janeiro, na Zona Sul, eu acredito que era bem polarizado: ou você era de esquerda mesmo ou naquela época, infelizmente, você estava escondendo suas posições ou você estava sendo perseguido ou tinha algum problema ou era uma questão, não de ser de direita, mas do silêncio ou compactuação com o que estava acontecendo. O interessante é que eu tinha parentes, da minha família por parte de mãe, que haviam sido presos pela Ditadura, primos meus mais velhos, não eram da minha idade. Naquela época, a gente está falando de 1976, 1977, eu tinha 14, 15 anos e eles tinham dez anos a mais ou mais, já estavam em grupos acadêmicos voltados à universidade que era, onde, de fato, havia toda a manifestação ou todo movimento contra Ditadura, partindo principalmente da UNE, da União [Nacional] dos Estudantes e etc. e eles eram dali. A gente sabia daquilo de perto, haviam sido presos e até torturados. Eram dois irmãos, na verdade, havia mais de dois, mas eu estou falando especificamente de dois primos meus, que voltaram, passaram por aquilo, e tinha histórias que a mãe deles foi lá bater na porta – não me lembro agora – do gabinete do General com foto de santo, com foto deles, dizendo que eles tinham que voltar, então, a gente sabia disso que acontecia. Meus pais até, em um determinado momento hospedaram, na verdade, esconderam um deles lá em casa. Eu não me lembro disso, ele passou um tempo lá em casa. Por outro lado, frequentávamos escola, já voltando para o Santo Agostinho, de elite, onde isso aí não acontecia. Nada se conversava. Era uma escola católica, nada disso era trazido. Um ou outro professor, dentro disso, mencionava, mas eles tinham de ter muito cuidado do aluno não comentar com o pai e o pai vir a se queixar para a Diretoria da escola que “Ah, subversivos!” Que era a polarização. O engraçado é que um dos melhores amigos meus, que era também da mesma escola, mas que a gente vinha desde a época de infância... Eu trago esses amigos da época de praia, do começo da escola, de quando nossos pais se conheceram na praia... O pai dele era militar da Marinha e totalmente envolvido com o que estava acontecendo, a gente tinha até informação de quem ia ser o novo presidente do Brasil, porque no grupo militar, eles já falavam quem era: “Ah, vai sair o Geisel e vai ser o Figueiredo.” Eu era muito novo para poder discernir as coisas, mas imagino que era uma situação difícil. Ao mesmo tempo em que na minha família havia pessoas que se mostravam tão contra aquilo que estava acontecendo, os meus pais eram contra também, embora mais temerosos de se envolverem até porque tinham filho pequeno, por outro lado, a gente frequentava escola e até amigos que compactuavam ou eram parte da Ditadura ou, pelo menos, preferiam não se manifestar. Sentia também. E o que eu sentia mais, principalmente, quando comecei a sair mais sozinho, à noite. Hoje é a violência, naquela época você tinha que andar com documento, a polícia militar pode te parar e você tem que explicar quem você é. E não era uma questão de “Ah, você pode ser um criminoso.” Talvez você seja um subversivo, como eles chamavam uma pessoa de esquerda. A gente tinha esse medo: “Tem que levar a identidade.” “Qualquer coisa, lembra que meu pai é isso...” Tinha umas referências de quem era o quê, para mostrar que não estava envolvido com nada que não deveria estar envolvido. Isso aí eu tenho na memória. Essa época era em função da Ditadura.
P/1 – E essa passagem de colégio, a ida para o Santo Agostinho, você sentiu alguma diferença? Como foi a adaptação?
R – Bastante! Foi complicado no início, porque era uma escola dez ou 20 vezes maior que a que eu frequentava. Eram quatro ou cinco amigos e a escola tinha cinco turmas por ano e cada um de nós começava com uma inicial diferente, cada um foi parar em uma turma: um era da Turma A, eu era da Turma B, outro da Turma C, outro da Turma D e outro da Turma E (riso). A gente assim: “O que é que houve?” Eu era Eduardo e na minha sala tinha uns seis Eduardo, entendeu? Eu perdi um pouco da minha identidade. E eu entrava em uma escola, com 13 para 14 anos, em que a maioria, não todos, já era dessa escola há muitos anos, eu era a pessoa nova junto com mais dois ou três que tinham entrado. Mas isso foi o primeiro ano, naquela idade tal, e eu sempre fui uma pessoa fácil de se relacionar nesse sentido e, aí, fiz as minhas amizades lá. Óbvio que, o fato de a gente se encontrar em determinadas horas da escola: no recreio, na entrada e na saída, eu não estava perdido naquele mundo. Eu tinha ainda os meus amigos ali. A gente podia estudar juntos, porque os professores eram os mesmos, só que em turmas diferentes. Mas, depois, a gente vai conhecendo as outras pessoas da própria escola mesmo, que eram de lá e fizemos as amizades. Tudo em função da adolescência, de festa, de futebol. Eu fui jogar no time da minha turma, aí já você já tem outra maneira, que é pelo lado do esporte, e acaba se adaptando... Eu acho que foi mais complicado no primeiro ano, mas, depois, foi mais tranquilo.
P/1 – Eu queria que você falasse um pouquinho mais da sua afinidade com a Engenharia e com a Química. Conta para a gente como foi esse processo de escolher, de prestar o vestibular...
R - Vestibular no Brasil ainda é uma fase bem complicada para todo mundo. Marcante! Talvez, na minha época, por só existir praticamente um vestibular, no caso do Rio de Janeiro, era o vestibular da Cesgranrio e mais algumas universidades, era a PUC [Pontifícia Universidade Católica], que era particular e não fazia parte. O último ano de escola era em função do vestibular, não se aprendia mais nada de novo, era decorar, estudar, fazer provas para você ficar o mais treinado possível para aquilo ali. A pressão é muito grande por parte de todos, da escola, dos amigos, dos pais que você vai passar. Como existia essa possibilidade, na época, de você até ingressar em uma universidade pública, obviamente que seus pais... É óbvio que eu não vou comparar com quem não tinha recursos, mas sendo de classe média, você saber que você não tinha mais que pagar os estudos de um filho teu, era algo que impactava. Nesse sentido, não que da parte dele existia essa pressão, mas existia uma pressão do tipo: “Ah, estudou em boas escolas e deve passar em uma boa universidade.” A escolha da Engenharia Química foi muito em função do que eu falei: Ciências Exatas, era uma área em que eu me identificava, influência de professores nessa área de Química, de um tio... Meio que por eliminação: “Engenharia Civil eu não gosto. Engenharia Elétrica não gosto, então, eu vou fazer Engenharia Química.” Também eu não gostaria de fazer alguma coisa que fosse muito genérica. Prestei vestibular e acabei ingressando e passando na minha primeira opção, que foi a UFRJ. Foi um mundo novo que se abriu de várias maneiras. Primeiro que a universidade, não sei se vocês conhecem, é na Ilha do Fundão. Hoje em dia, o acesso é mil vezes mais fácil que na minha época, mas por ter passado para a turma da tarde... Só existia um ônibus direto de Copacabana, na parte da manhã. Eu tinha que pegar um ônibus, que não é nada demais, todo mundo faz isso, mas, para mim, que tinha 17 anos, eu tinha que pegar um ônibus para o Centro da cidade, esperar um ônibus que ia para a Ilha do Governador e que, possivelmente, havia um ônibus daquelas linhas que entravam na Ilha do Fundão. Se não, eu tinha que descer na porta da Ilha do Fundão e, daí, pegar um outro ônibus e esperar uma carona. Para mim, aquilo ali era uma coisa: “O que é isso?” Nunca tinha feito isso na minha vida. Meus pais não iam me levar para lá, não fazia sentido, eles trabalhavam e era longe. Foi um choque, mas, ao mesmo tempo, uma descoberta, porque eu tinha que me virar, tinha que aprender como eram as coisas. Depois de mais ou menos seis meses ou um ano, eu encontrei uma outra realidade. Enquanto eu frequentava escolas em Copacabana e Leblon, que eram só de pessoas Zona Sul, ali, na Ilha do Fundão, na minha turma e também em toda a faculdade, eram de todos os lugares do Rio de Janeiro e de fora. Havia gente que havia prestado vestibular e estava morando no Rio pela primeira vez, outros eram de áreas do Rio de Janeiro que eu nunca tinha ido ou nem conhecia direito. E eu vi uma outra realidade ali. Para mim, aquilo marcou a minha vida, por ver tudo isso acontecendo, conhecer pessoas de outras origens, também gente que estudou em escola pública e teve um sacrifício muito grande para entrar lá, teve que se desdobrar ou que, de alguma maneira, conseguiram frequentar escolas melhores por conta de bolsa. Não tinha cota, não tinha nada disso naquela época. Você tinha que passar mesmo, só quem tinha tido bons estudos entrava. Conheci essas pessoas e fiquei amigo delas, tão delas como de outros ali. Aquilo foi muito marcante, mas, apesar de tudo, eu continuava morando na Zona Sul e tinha que me virar. Eu tirei a minha carteira. Era muito caro você ir de carro todo dia, uma pessoa dirigindo para o Fundão, indo e voltando, aí, a gente estabelece lá, quem morava na Zona Sul, e expandia essa Zona Sul: não era mais só Copacabana, Ipanema e Leblon, era Botafogo, Flamengo, enfim. Era uma turma que na época não [tinha] tanta intimidade de uns seis amigos que a gente é amigo até hoje, se mantém, inclusive, amanhã eu tenho um chope de fim de ano com eles (risos). É o mesmo pessoal que eu conheci em 1980, que a gente começou sem afinidade ainda, foi “Olha, a gente mora no mesmo lugar...” E começamos a estabelecer essa carona. E aí você começa a frequentar diariamente e também está na mesma turma e, aí, começa a fazer amizade. Foi uma amizade grande com os colegas, mas com eles virou uma coisa muito marcante até hoje. E o que existe na faculdade, na universidade, é que você entra na mesma turma, mas no semestre seguinte... Você reprovou, perdeu um crédito, mudou, vou estudar à tarde, vou estudar de manhã. Então, a gente nem frequentava a sala quase juntos. Lógico! A gente ainda pegava algumas matérias, mas à medida que os anos foram passando, era uma questão mesmo... A gente se via na faculdade, mas a gente já não era mais da mesma turma. Mas continuou essa amizade muito grande desse grupo que, depois diminuiu um pouquinho, porque algumas pessoas se mudaram do Rio, eu também, mas eu continuei frequentando muito, outros até se desapegaram um pouco. Mas esse seis amigos, ex-colegas de turma, ainda mantém uma amizade muito forte até hoje. Não é um encontro anual não, a gente se encontra quase sempre, com bastante frequência.
P/2 – Você trouxe muito uma questão, digamos, operacional da escola, no sentido de como você ia para lá, e que foi choque para você. Agora como é que foi frequentar uma universidade pública e no Fundão? O que mudou em termos de ensino para você?
R – Mudou muita coisa e foi de um ano para o outro. Eu saí da minha escola, onde praticamente tudo é preparado para você e na universidade você tem que buscar as informações que você quer. Você tem que correr atrás das matérias que você quer, do estudo que você quer fazer, até disso que eu falei, de como você vai e de como você vem. Eu tive que, de fato, me virar para eu conseguir o que eu queria. Você entra também nesse aspecto politizado, a UFRJ era, com certeza, um reduto de esquerda do Rio de Janeiro e do Brasil. A maioria da esquerda no Brasil vem de lá, como vem da USP [Universidade de São Paulo], como vem da Universidade de Brasília e ali eu passei a ter uma visão muito mais politizada do Brasil, que eu não tinha, frequentando grêmios e todo esse movimento. Não que eu participava mais ativamente, mas eu estava ali vendo greve dos professores, greve dos alunos, greve de funcionário público e por quê? Manifestações contra o poder, contra a Ditadura, Diretas Já, pegou o final... Houve duas grandes manifestações, quando a gente era da universidade, eu entrei no final de 1980 e aquilo tudo foi se abrindo... E até o convívio, embora a UFRJ seja “departamentalizada”, mas os departamentos eram próximos, mas você ia para Arquitetura, era outra mentalidade. Às vezes, a gente tinha aula de determinadas matérias no Departamento de Ciências Humanas, onde frequentava outro tipo de pessoal, que já tinha outro tipo de conversa. Eu acho que foi a grande escola da minha vida a UFRJ nesse sentido. Não do curso em si, mas de ter essa possibilidade de conhecer novas realidades, conhecer outras maneiras de pensar. Apesar das dificuldades que eram ir e vir, e do curso de Engenharia Química que era muito difícil... Eu acho que da minha turma entravam 50, que era o máximo que entrava na turma, a gente acabou se formando em épocas diferentes, mas ao todo dessa turma, a gente já até teve uma festa de confraternização de 25 anos, não de quem que se formaram, mas de quem entrou (risos), eu acho que não se formaram dez desses 50! Mudaram ou abandonaram. Era difícil, porque tinha que estudar muito. Às vezes, pensava: “Nossa! O que eu estou fazendo?” (risos).
P/1 – Eduardo, conforme os anos foram passando na faculdade, você foi se direcionando para alguma área específica da Engenharia Química?
R – Na Engenharia Química a gente não tinha muita matéria que a gente pudesse escolher. Algumas matérias a gente podia escolher, as facultativas, mas eram poucas as opções. Como todo universitário, eu comecei a estagiar. Comecei até cedo, tive algumas oportunidades e, por acaso, eu acabei estagiando em uma empresa, em uma área, que queria contratar engenheiros químicos, mas era uma área mais voltada à administração, marketing, comercial, que foi a Coca-Cola. Depois estagiei em outras. Na verdade, estagiei em outras anteriores à Coca-Cola, na própria Petrobras. Na Petrobras, eu estagiei em fábrica e odiei! Eu falei: “Eu não vou trabalhar dentro de fábrica. Esse tipo de trabalho não é a minha praia. Eu quero trabalhar em escritório, não quero ficar rodando chão de fábrica e ficar em função disso aí.” Eu não gostei mesmo daquilo ali. E tive dois estágios: um nessa área comercial da Coca-Cola, comercial e marketing, e outra foi em projetos, que era Engenharia de Projeto. Bem, aí, eu estou passando um pouco para frente, porque eu me formei e fui meio que direcionado para essa área. Voltando mais especificamente à sua pergunta, algumas matérias, que eu não tinha muito contato e fazem parte do currículo da Engenharia, como questões ligadas à administração, e até algumas matérias com Finanças. E aquilo me chamou um pouco atenção: “Interessante isso!” Eu tenho uma base para essas matérias. Alguma coisinha ali foi o primeiro passo para a área que eu viria trabalhar no futuro. E estudar também, na verdade. Foi a continuação dos estudos, depois da Engenharia Química.
P/2 – Esse processo que você nos colocou, da questão do estágio e tal, quando você se forma, você já tinha uma clareza muito grande: “Eu não quero trabalhar em chão de fábrica” e vou me direcionar para isso. Como se deu a sua entrada no mercado de trabalho? Olhando mais para a coisa de marketing... Você mesmo falou que você foi se aperfeiçoar ou complementar seus estudos, não é?
R - Isso. Na verdade, o que aconteceu foi o seguinte: como eu me formei um ano depois de alguns amigos que se formaram com cinco anos de universidade, alguns deles já estavam trabalhando. Na época, existiam muitos projetos nessa parte de Engenharia, de Engenharia Química, ligados à Petrobras, acontecendo no Brasil. E a maioria deles estava trabalhando em empresas de Engenharia de Projeto, que existem até hoje, como a Promom e outras no mercado. Assim que eu me forme... Eu já tinha feito estágio em uma delas, mas não continuei nele, foi mais para o final da faculdade. E assim que eu me formei, uma delas me chamou para trabalhar de imediato, na parte de Engenharia de Projeto; e foi o meu primeiro emprego como Engenheiro Químico.
P/2 – Onde foi?
R – A empresa se chamava Dyna Engenharia, era uma empresa menor, e eu tive um período de menos de um ano com eles, porque existia uma empresa de Engenharia de Projetos maior, que estava recrutando muito na época, até pegando gente da Dyna, e eu saí dela, antes de completar um ano, para trabalhar nessa empresa de engenharia maior, que se chamava Natron, que era uma concorrente da Promom e que, por acaso, existe até hoje. Trabalhei lá por cerca de dois anos, um pouquinho mais de dois anos. Só voltando um pouco para essa questão do marketing e da administração. Na época, eu tinha feito uma entrevista para trabalhar em uma multinacional americana, nessa área comercial, também estava contratando Engenheiro Químico. Tinha um amigo meu, ex-colega de faculdade, que estava trabalhando lá, e acabei fazendo uma entrevista e não fui chamado, porque eles estavam mudando a estrutura no Rio de Janeiro, mas eu tinha adorado! A entrevista, o escritório, as pessoas, o que eles faziam, essa questão de ser uma empresa de origem americana. Eu achei interessante essa área e continuei com Projetos mais um tempo, mas querendo fazer alguma coisa nesse sentido. Logo depois, surgiu novamente a oportunidade nessa mesma empresa, de uma entrevista, e eu acabei entrando para lá. O cargo era Executivo de Contas, se eu não me engano, mesmo eu sendo Engenheiro Químico. Eu era responsável por contas, por clientes da empresa, onde ela fornecia os produtos para essas empresas aí. E aquilo era voltado a tudo: eu tinha que fazer o controle dentro da própria empresa, também os contatos comerciais, eu frequentava aquele pessoal, eu comecei a entrar muito nessa área comercial, tinha que ter um conhecimento de marketing e até pelo de fato de eu me apegar bastante a essa questão, ou me identificar, melhor dizendo, eu resolvi fazer uma pós-graduação em Marketing na PUC. Isso foi depois de cerca de dois ou três anos que eu me formei. Eu fiz a IAG, que é o Instituto de Administração e Gerenciamento da PUC, foi um curso de um ano e meio a dois anos, e acabei tendo essa pós-graduação em Marketing. O que me ajudou muito e me impulsionou muito para essa área. Eu continuei trabalhando por lá mais um tempo e, depois, vim a mudar também de emprego.
P/2 – Deixa-me voltar um pouquinho. Você disse que a turma se formou em cinco anos e você acabou fazendo um ano a mais, por quê? Você pegou alguma DP [Dependência], o que foi?
R – É, eu peguei alguns créditos e e não deu para passar mesmo (risos), estava muito difícil e aquela coisa de Engenharia Química, em que você atrasa um, é um dominó , você atrasa outro. Como eu estagiei muito também, logo no início, eu não pude também, como algumas outras pessoas fizeram, para compensar, estudar mais, por exemplo: dois turnos, de manhã e à tarde. Eu fiquei mesmo preso a um turno só, seja manhã, seja à tarde. Tive que me manter, eu não consegui recuperar as disciplinas em que eu acabei me atrasando. E elas acabaram impactando na hora de formar. Foi até bom que eu me formei fazendo três matérias só. E no último semestre eu não estava nem estagiando, eu tinha completado o meu estágio, foi quase uma miniférias. E foi bom, porque depois eu tive que trabalhar muito (risos).
P/2 – E a empresa em que você foi trabalhar nessa área comercial, como se chamava?
R – Era a Monsanto, que, hoje em dia, é uma empresa de péssimo nome no mercado, não sei se eu posso falar isso, por conta de muitas coisas: produtos transgênicos, ela foi para a biotecnologia. Na época, eu não trabalhava nessa área, mas estava começando de fato. Hoje em dia, existem batalhas contra a empresa (risos). Essa época, realmente, foi uma escola para mim: em termos profissionais, a maneira como eles trabalhavam, a parte gerencial. Eu tive a oportunidade de conhecer pessoas que trabalhavam aqui no Brasil, mas que eram de outros países, começou a me abrir um pouco a visão para esse mundo mais globalizado e fiz experiências em outros países também.
P/1 – Depois dessa pós na PUC, eu queria que você contasse onde que se insere a história de você morar no exterior e fazer mais uma especialização.
R – O que aconteceu? Depois da experiência da PUC e de ter trabalhado na Monsanto, eu fui trabalhar em uma multinacional americana, na área de essências e fragrâncias e, depois, em uma holding brasileira na área de petroquímica, mas sempre nessa área comercial. Essa empresa estava se reestruturando e eu senti que aquela oportunidade ali não ia ser muito boa para a mim, a partir de determinado ponto, até porque a empresa em que eu estava locado possivelmente seria vendida. Surgiu a oportunidade nessa época e juntando a questão pessoal, para mim e junto com a minha esposa de morar no exterior. Eu era recém-casado e vi a possibilidade de aproveitar essa questão e fazer um MBA, fazer um Master de Administração de Empresas, um Master of Business Administration fora do Brasil. Fomos morar em Londres. Eu parei com o meu trabalho naquele momento, tirei um período sabático na minha carreira e fui fazer o MBA. Estudar em Londres, fazer na universidade de lá um curso de Administração de Empresas, que durou dois anos. Voltamos para o Brasil quando eu acabei. Eu me recoloquei e comecei outra história na minha vida, que foi a história da AFS.
P/1 – E como foi essa experiência em Londres?
R – Foi marcante, obviamente. Foi a minha primeira oportunidade de morar fora do Brasil. Foi o meu intercâmbio que eu não fiz na época, mas, na verdade, já em outra fase da minha vida. Você está em outra cultura, com outro idioma, a universidade Raw University, que era uma universidade no norte da Inglaterra, mas mantinha o curso deles de MBA, em Londres. Havia pessoas do mundo inteiro: japoneses, tailandeses, um colega meu colombiano, eu como brasileiro, tinha italiano, tinha até americano. A turma, talvez, tinha 10% de estudantes ingleses e o resto eram internacionais. E, por ser um MBA, naquela época, você tinha que ter uma experiência profissional, senão você não conseguia cursar. Não dava para ser só recém-formado e ir direto fazer o MBA. Tinha esse lado também: todos nós tínhamos experiência profissional para compartilhar. E uma outra cultura, outra realidade, muito impactado pela educação inglesa e pelas experiências que eles tinham nessa área de Administração. Foi uma transformação muito grande que a Inglaterra teve na época da [Margaret] Thatcher, que saiu do movimento que era tudo sindicalizado, difícil etc. para uma coisa meio ferro e fogo que, depois, uma nova maneira de se trabalhar e de se pensar. Aquilo impactava muito o curso, a nossa maneira de ver essa área. E aquilo era muito marcante para os professores também. Foi muito significativo para o meu futuro a partir dali.
P/2 – Você disse que “surgiu uma oportunidade”, mas eu queria entender como se deu essa ida para Londres?
R – Na época, eu estava trabalhando, aí entra um pouco do lado pessoal, e minha esposa é italiana e ela trabalhava, e trabalha ainda até hoje, para o Ministério das Relações Exteriores da Itália. Eu a conheci no Rio de Janeiro e ela estava trabalhando no Consulado. A gente se conheceu, um tempo depois a gente passou a morar juntos, a gente se casou e, essa época coincidiu com o tempo em que ela estava terminando o período dela no Rio de Janeiro e eu com essa questão do trabalho. Para ela, surgiu a oportunidade de ir para outra sede do Consulado da Itália, e essa sede foi em Londres. Poderiam ser outros lugares, mas na hora eu escolhi e falei: “Olha, vamos para Londres que, para mim, vai ser uma ótima oportunidade acadêmica e de estudo de fazer um MBA lá”. Bom, a gente foi em função disso. Foi um combinado, vamos dizer. Ela tinha essa oportunidade de trabalho, não necessariamente em Londres, havia outros lugares que ela eventualmente poderia ter escolhido, mas pelo meu interesse também em Londres e também estudar lá e morar naquela cidade até porque, outro aspecto pessoal, eu sou um Beatlemaníaco, para mim era um grande sonho conhecer Londres e conhecer tudo, viajar pela Inglaterra. Eu uni o útil ao agradável e fui para lá (risos).
P/1 – Nesse período em Londres, como foi o seu período de reflexão, como você ia reestruturar a sua carreira depois, os próximos passos...
R – Obviamente que, para mim, existia um lado muito positivo do estudo, mas existia um lado também que me pesava, porque eu tinha parado de trabalhar. Eu ficaria sem trabalho durante uns dois anos e meio, pelo menos, até eu voltar a me adaptar e ficava aquela questão: como é que isso vai ser percebido pelo mercado, quando eu voltar? Era um agregador ou era uma coisa que vai me dificultar? Era um medo, um receio, mas a minha ideia – sempre pensando pelo lado positivo – era que aquilo ali iria contar a meu favor. Apesar de eu não estar trabalhando, eu estava me dedicando a uma coisa voltada para a minha carreira. Mas sempre fica aquele receio. O que vai acontecer? Como vai ser essa volta ao Brasil? Se no caso eu fosse voltar ao Brasil... Em termos de carreira, a única coisa que me deu foi a certeza que era a área que eu queria seguir, essa área mais voltada à Administração e, aí, eu tive outra visão, porque passou a incluir a parte de RH [Recursos Humanos]. O MBA, embora eu tenha feito uma especialização em Relações Internacionais, você tem toda uma noção de RH, de finanças, de gerenciamento de mudanças, áreas que eu não tinha tanto conhecimento, aquilo me deu mais certeza que era a área que eu gostaria de trabalhar e que era a área que, eventualmente, eu poderia ter estudado desde o início. Mas a Engenharia, de alguma maneira, me ajudou muito a conseguir algumas coisas na carreira. Por ser uma formação mais forte em Ciências Exatas, algumas empresas davam preferência a essas pessoas do que as já vindas diretamente da Administração. Outra questão que eu acho que o MBA me ajudou a ver é que eu não necessariamente precisava voltar agora para o mercado da Engenharia Química: “Ah, tem que ser Engenheiro Químico, tem de estar ligado à indústria química”. A Monsanto era uma indústria química, a outra empresa, a I.F.F., também era na área de fragrâncias, essências e mais indústria química, a empresa brasileira que eu trabalhei depois, a holding da Norquise é petroquímica. Eu pensei: “não, agora...” Lógico! Talvez, haja uma maior possibilidade, pela minha formação original ser Engenharia Química, mas eu estou aberto a outras empresas, a outros mercados, se eu quiser continuar nessa área. Na minha continuidade de carreira, eu já tinha assumido duas gerências, que a gente chamava de Gerência de Marketing e outra de Gerência de Produto. Eu estava buscando uma coisa mais nessa área, que era o comercial/marketing, vamos dizer de gerência pelo menos. Começou alguma mudança que veio trazer o AFS futuramente na minha vida profissional.
P/1 – Conta para a gente como foi o seu retorno?
R - Eu retornei para o Rio de Janeiro. Teve uma passagem que eu não mencionei. Terminando em Londres, nós tivemos uma passagem por Roma, porque, no retorno para o Brasil, que a gente esperava voltar para o Brasil, a minha esposa teve que voltar para Roma, que era sede do trabalho dela. Na verdade, eu fiquei pouco tempo lá, posso dizer que a gente morou lá, mas eu já comecei a vir mais para o Brasil, para já começar a procurar alguma coisa, mas passei uma boa temporada por lá também, enquanto as coisas não estavam acontecendo. E ela conseguiu, para nossa sorte, pelo menos no momento, o lugar de volta no Consulado do Rio de Janeiro. Voltamos para o Rio de Janeiro, em 1994, 1995, mais ou menos. 1995, aliás.
P/1 – E como o AFS surgiu nessa história?
R – Quando eu voltei, já comecei a procurar... Eu já estava com algumas coisas em vista, em algumas empresas, fazendo entrevistas... Tinha uma empresa de recrutamento que estava cuidando da minha recolocação e uma das empresas que estavam contratando, que eu vim saber depois, era o AFS. Dentro dessa expectativa da perspectiva de trabalho, era um cargo interessante, que já era um cargo de diretoria, eu estava concorrendo (e assumi) um cargo de Superintendência e aquilo me chamou muita atenção, até dentro daquela linha, que eu pensei: “Não preciso trabalhar na área em que eu estava trabalhando anteriormente. Quero ter uma visão... Cuidar de uma área mais abrangente”. E a missão que o AFS fazia, na hora em que eu tive o primeiro contato, me chamou muita a atenção, até pela experiência de ter morado no exterior, vendo com o que eles trabalhavam, também a missão e o trabalho voluntário que existiam dentro da organização. Principalmente, mais essa questão internacional dela, onde eu sentia que a minha responsabilidade era não só de cuidar do AFS, de administrar e cuidar dos interesses do AFS no Brasil, mas eu representava o AFS para uma rede internacional de mais de 50 países na época; aquilo, de fato, me chamou bastante a atenção. Aí, eu falei: “É interessante. Eu gostaria de participar de fato das entrevistas etc.” Como eles tinham me identificado como possível candidato continuei o processo e acabei sendo escolhido pelo AFS.
P/2 – Quem foi que te entrevistou? Você passou por esse headhunter, mas também passou por alguém do AFS, quem foi?
R – Sim. Várias pessoas me entrevistaram. Existia o Conselho de Diretores, então, eu fui entrevistado por um Comitê de Recrutamento, que eram de pessoas que não necessariamente todas estavam no Conselho. Tinha um funcionário, tinha duas ou três pessoas do Conselho Diretor, o Conselho Diretor representa a Diretoria do AFS, tinha um voluntário, representante também, que estava nessa Comissão. Esse foi o primeiro Comitê que praticamente me indicou para o Conselho Diretor e eu tive uma entrevista com todo o Conselho. Teve uma ocasião em que eu fui chamado para uma entrevista, foi até na casa de um deles, no Rio de Janeiro. E todos eles estavam lá, foi um clima... Eu já estava com o processo bem adiantado, mas ainda precisava passar por aquilo ali. Um clima informal, porque foi até um jantar, mas que eu estava sendo entrevistado por sete ou oito pessoas, que eu me lembro. E o Tachi [Cazal] foi uma das pessoas que me entrevistaram na ocasião, representando o AFS Internacional. É que, na época, embora o AFS Brasil, como todos os escritórios do AFS têm uma independência. Mas a gente sempre gosta de ter alguém do AFS Internacional fazendo parte dessa entrevista. E, na época, ele era Diretor de Consultoria do AFS, e ele era quem cuidava do AFS Brasil, mas como representante internacional. Se eu não me engano, eu tive umas duas entrevistas com ele também.
P/1 – E nesse primeiro contato, como foi para você ser entrevistado por um Conselho que também é formado por voluntários? E como foi isso: trabalhar para voluntários?
R - Foi novo para mim. Eu confesso que eu demorei um pouco a entender como funcionaria mesmo a organização e aquelas pessoas de diferentes formações, como elas dedicavam tempo ao AFS, mas eu já conhecia algumas organizações sem fins lucrativos, obviamente, mas eu não entendia bem como elas eram estruturadas, especialmente a parte de governança. Mas conversando com eles, eu passei a entender qual era o meu papel, qual era o papel deles. Eles eram um Conselho de voluntários, não eram remunerados, dedicavam o tempo deles para a organização. Havia questões que a gente tinha que tratar e requeriam reuniões periódicas, mas ali eu estava sendo o representante do Conselho no sentido de que eu era o funcionário, remunerado, que cuidaria dos interesses da organização, de modo geral, do Conselho para a organização. Aquilo ficou claro para mim, mas o que me marcou muito era de ver gente tão jovem com essa responsabilidade. Eu entrei no AFS com 33, 34 anos e tinha gente ali com 20 e poucos anos. Eu via nelas uma maturidade, pessoas formadas, a maioria já trabalhando, encontrando tempo para se dedicar àquilo. E, na época, existia uma coisa na entrevista que marcou também, porque era um desafio, o AFS estava passando por grandes dificuldades aqui, no Brasil, e aquilo preocupava muito essas pessoas. Não era uma continuidade, era uma escolha para trazer a mudança que eles queriam obter. A gente estava em uma situação, que eu entrei sabendo que era complicada e de, eventualmente, não continuar o AFS no futuro, se as coisas não se encaminhassem como o esperado ou se não se encaminhassem bem. Havia esse desafio também nessa entrevista. E foi uma coisa que me estimulou. Trazia uma preocupação, mas me estimulou, porque eu via uma possibilidade de fazer coisas novas ou de entrar com uma filosofia nova de trabalho. E aquilo foi marcando uma nova era na minha carreira e também para o AFS, acho que acabou marcando para os dois lados esse meu período de AFS Brasil.
P/1 – Eu acho importante se você puder deixar registrado para a história da AFS seus primeiros desafios e qual era sua tarefa principal?
R – Sim. Eu assumi a Superintendência da Secretaria Executiva, que era o escritório do AFS. Obviamente que esse cargo é maior do que ele diz, porque, ao mesmo tempo que você tem um escritório, na época, eles tinham um escritório com cerca de 15, 16 pessoas, existia uma estrutura voluntária, com mais de 80 Comitês que esperavam orientação, apoio e preparação por parte do escritório. A minha responsabilidade como Superintendente ia além de estar com aqueles 16 funcionários, mais a preocupação do que acontecia com a rede voluntária e, obviamente, respondendo a um Conselho Diretor. Além, disso, respondendo ao AFS Internacional, prestando contas de como era a situação do AFS Brasil. Eu tinha que ir periodicamente para Nova York participar de reuniões que a gente tinha na ocasião, e era bastante questionada a situação do AFS no Brasil ou pelo menos naquele momento inicial. Aquilo, para mim, não era difícil, mas, sim, um desafio que eu tinha que lidar. Mas eu via, como eu falei antes, como uma oportunidade de rever alguns conceitos do AFS. E todo o trabalho começou, obviamente, onde era mais fácil ou onde eu tinha mais controle, dentro do próprio escritório. A partir dali eu comecei a reestruturar nosso trabalho no escritório. E a maneira como a gente estava estruturada como um escritório em si, como departamentos, a maneira como o trabalho era feito e como a gente via o trabalho em relação ao voluntário, como era a minha visão, enquanto Superintendente, a questão de uma maior profissionalização da equipe, obviamente, que eu tive que fazer algumas trocas. Normal, partindo desse cargo. Principalmente onde requeria mais, que eu acho que era a área Financeira e Administrativa, mas também a área de Gerenciamento de Programas, tentando fazer com que aquilo se encaixasse na minha maneira de trabalhar. Algumas pessoas daquela época continuaram trabalhando comigo até eu sair, algumas trabalham até hoje. Outras também entenderam que não era a maneira que elas gostariam de trabalhar. Mas aquilo ali foi uma questão que, a princípio, marcou. Por outro lado, na questão do voluntário, havia uma maior proximidade, uma maior transparência do nosso trabalho, eu passei a frequentar os encontros dos voluntários. Havia ocasiões que eram anuais e outras regionais, para explicar a eles como era o meu trabalho, como ele estava pautado, na questão mesmo da profissionalização, da seriedade, da transparência, das contas, de mostrar qual era a situação real e do planejamento, aonde a gente queria estar daqui a cinco anos, pelo menos. Vendo aí a luz no fim do túnel para o AFS, e vendo uma outra realidade. Paralelo a esses dois trabalhos, alongando um pouquinho mais, de que maneira a gente trabalhava? O AFS trabalhava com programas de intercâmbio, a ideia era: enviar o maior número de estudantes do exterior, não só de estudantes, mas de participantes, porque nós tínhamos um programa de trabalho voluntário e receber mais participantes no Brasil. Isso se dava de uma única maneira, o AFS é uma rede que a gente chama de parceiros, que são organizações que fazem parte de uma única associação. Essa era a maneira de você trabalhar com os programas: você enviar e receber desses países, que são do escritório do AFS ou, melhor dizendo, que pertenciam à organização do AFS. Eu passei a trabalhar com esses países, com o objetivo de aumentar as possibilidades de enviar e de receber mais estudantes, principalmente para com os países que a gente tinha uma demanda, uma procura muito grande no Brasil, países de língua inglesa: Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia. E outros também de interesse: França, Itália, Espanha, Alemanha. E tentando atrair mais estudantes de vários outros países até de diversidade: Tailândia, Japão, China, enfim, de vários outros lugares também para o Brasil. Isso era a maneira número um de aumentar os recursos da organização. Ao mesmo tempo, passei a trabalhar com a parte de captação de recursos, principalmente de empresas, que a gente tinha um programa de Bolsas Corporativas, onde as empresas apoiavam ou a comunidade ou os jovens da própria empresa, fábrica, que não podiam pagar o programa de intercâmbio, e a empresa financiava essas bolsas. Como eu vinha do mundo corporativo, eu tinha contatos e tinha também facilidade, junto com outra pessoa do AFS Internacional, que era a Diretora de fundraising, que é Captação de Recursos do Internacional. Ela veio ao Brasil e a gente, logo no primeiro ano em que eu entrei, a gente trabalhou um bom tempo até visitando empresa etc. E a gente conseguiu ter um aumento bastante significativo nessa área. Não era nem perto, comparado ao Programa Normal, que os estudantes e as famílias pagavam pelo intercâmbio ou se não ganhavam outro tipo de bolsa. O AFS sempre concedeu bolsas e isso era uma questão muito importante no AFS: de poder conceder bolsas. Começamos a aumentar os programas e, principalmente, vamos dizer: o que trouxe a maneira de consolidar essa mudança foi o investimento no voluntariado. A gente não tinha recursos para fazer muita coisa, mas toda a oportunidade que existia, a gente tentava trazer algum conhecimento novo, algum treinamento novo para o voluntário. Nossas Convenções Nacionais, tivemos grandes encontros nacionais, e eram lugares bastante simples, porque a gente não tinha recursos para fazer em grandes hotéis, muito pelo contrário, a gente ia para lugares do interior de São Paulo, que eram, na verdade, até centros religiosos que alugavam, era uma coisa bem simples mesmo, mas, ali, a gente conseguia trazer gente. Ou o próprio escritório treinava ou gente do AFS Internacional que vinha ou mesmo se conseguia uma forma de trabalhar com outras empresas de uma maneira pro bono, que dava treinamentos para os voluntários e a gente investia e fazia o planejamento junto com eles. Isso aí passou a apoiar essa transformação. Uma coisa que também me marcou, voltando um pouquinho, não foi o Conselho, era o nível de comprometimento do voluntário. Você é um voluntário: você está dedicando seu tempo e não está recebendo nada em troca, do ponto de vista financeiro, ao mesmo tempo, você está acreditando na missão; o mínimo de retorno que poderia ser esperado, em termos de investimento, de capacitação, de uma oportunidade de estar com outras pessoas, ou o que era muito comum, de acompanhar os estudantes em algumas viagens etc. Aquilo ali, quando eu entrei, era muito pouco, era praticamente nada e, eles estavam lá, eles não tinham abandonado a organização, eu falei: “Espera aí! Aqui tem realmente um comprometimento. Eles acreditam mesmo no que estão fazendo. E essa situação, de alguma maneira, a gente tem que trabalhar, porque, obviamente, para algumas pessoas, isso aí vai se esgotar em algum tempo.” Porque você tem que ter alguma coisa em troca! Você não pode ser só ela dando. Só pela questão da missão... Obviamente, o que os movia era a questão da missão, mas um voluntário espera alguma coisa em troca, uma participação maior em algumas questões, e isso começou a acontecer.
P/2 – Você trouxe subliminarmente dentro da sua narrativa uma questão financeira muito grande, que era exatamente isso: a AFS Brasil estava em uma condição muito ruim financeiramente em relação à AFS Internacional. Por outro lado, você está trazendo uma coisa que é muito interessante... Você, que veio do mundo corporativo, como que você viu essa questão do voluntariado? Porque isso chama muito atenção do AFS, esse comprometimento do voluntariado. Como você viu isso? Como um ativo muito grande e tal?
R - Certo. Eu acho que a palavra certa é essa: eu vi como um ativo. Eu não vi como um passivo. Lógico! Eu não os conhecia no início, mas, a partir do momento em que eu comecei a ter contato, eu vi que se essas pessoas tinham um nível de comprometimento que eles tinham para uma organização que estava se perguntando se conseguiria sobreviver ou não? Mostrava que existia um caminho. Eu entendi assim. Eu acredito que o impacto dessa situação financeira era muito maior, impacto no sentido motivacional, no sentido negativo, dentro do escritório que no voluntariado. Porque as pessoas no escritório viam assim: “Amanhã, talvez, eu não tenha mais esse emprego.” Já o voluntariado via: “Não, a gente está aqui. Vamos nos dedicar para isso.” Eu sabia que, com o voluntário, dentro de uma filosofia nova que a gente queria trazer, eu poderia contar. Obviamente que eu tinha de convencê-los que a minha ideia de mudança, de trazer essa transformação para o AFS, era uma coisa factível, era uma coisa em que eles acreditariam e trabalhariam junto comigo, mas só que isso era a minha responsabilidade como Superintendente. E com o escritório também era a mesma, mas, para eles existia uma questão: “Ah, mas será que, de fato, isso vai adiante? Vai dar tempo de a gente fazer essas mudanças?”. E a partir do momento que houve esse comprometimento de novo do voluntariado, do apoio a mim, enquanto, Superintendente, às ideias, ao planejamento e, obviamente, que eu estava representando os interesses do Conselho Diretor, ou seja, aquilo que eu estava colocando em prática estava sendo aceito pelo Conselho, eu senti que houve uma colaboração. Na verdade, os voluntários quase que assinaram embaixo “Nós vamos para esse caminho aí. Nós vamos dar apoio.” Eu falava: “Olha, é difícil, mas a gente precisa receber mais estudantes nos Comitês, porque a gente tem uma possibilidade de aumentar esse número com a Alemanha, mas “Ah, mas a gente já recebe muito tailandês ou muito alemão...”. Alguns exemplos assim... E eles diziam: “É, se é isso que a gente tem que fazer, então, vamos lá!” Aí foi dando o resultado que a gente queria. Eu acho que para o voluntário era muito importante participação, transparência, principalmente na questão financeira, o que estava acontecendo dentro do AFS, qual era o resultado da organização, para onde a gente está caminhando. E a participação era assim: “A gente está querendo crescer aqui, está querendo investir aqui. Vamos precisar de vocês aqui.” Isso trouxe, de fato, os voluntários para o meu lado e para o lado do escritório e eu acho que, a partir daí, as coisas ficaram mais fáceis. Eu sabia que eu contava, os programas eram trabalhados no Brasil com qualidade, existia, da parte deles, todo interesse em crescer, em proporcionar uma boa experiência para preparar os estudantes lá fora. E a gente teve várias mudanças significativas de filosofia da organização em relação a preparar os intercambistas, como na maneira da qualidade, no suporte que a gente dava, que era uma coisa que a gente vinha sofrendo anteriormente. Junto com isso todo um reposicionamento da organização, enquanto, de fato, uma organização sem fins lucrativos no Brasil. Dali, eu gosto de dizer que primeiro a gente tinha que arrumar a casa, porque não adianta você bater na porta de patrocinadores, de Governo ou de tentar outros tipos de trabalho ou de parceria, se as coisas não estão arrumadas ainda. Mas dali a gente voltou, uma vez que a gente começou a trabalhar e trazer os resultados, a gente podia não só aumentar o número de intercâmbio, como a gente poderia tentar buscar outras parcerias e outras formas de reconhecimento do AFS, que foi uma segunda parte. Onde a gente começou a trazer de volta, pessoas que eram ligadas ao AFS e que tinham se afastado, são os ex-participantes do programa, pessoas que, na época, estavam em uma posição profissional privilegiada e que poderiam ajudar o AFS de várias maneiras, não só pessoalmente, de trazer um pouco a experiência deles de volta para o AFS, assim como buscar em relação a governo, seja o que a gente conseguiu em termos de utilidade pública ou de chancelas para projetos que a gente tinha, ali, a gente tinha uma maneira de conseguir. Vamos dizer que essa foi a segunda parte do trabalho, que era a questão mais externa, com o reconhecimento e visibilidade da organização. Tanto externa do AFS, vamos dizer, fora do AFS Brasil, mas dentro da rede, mas também já falando em relação a Governos, às empresas, a outras organizações de intercâmbio. Um trabalho que a gente fez de aproximação com outras organizações de intercâmbio sem fins lucrativos, unindo forças para algumas coisas que eram importantes para nós naquele momento.
P/2 – Deixe-me perguntar só para ficar um pouco mais claro. Você trouxe para mim uma estratégia muito interessante com relação aos voluntários: “olha, os voluntários existem, estão comprometidos com a causa, mas algum retorno tem que ser dado a eles”. Uma estratégia que você fez foi dar uma maior formação para os voluntários ou mesmo permitir que eles acompanhassem grupos de jovens. O que você fez internamente dentro da organização, quando você fala dos funcionários? Quais foram as suas ações, de uma maneira mais elencada e mais clara, que você acha que trouxe resultados diferentes?
R - Sim. Primeiro, que eu acredito que a primeira área que trouxe preocupação foi a área Financeira e eu acreditei, e já foi uma mudança pessoal, que as pessoas que estavam responsáveis pela área ou aquele setor, não eram as pessoas que eu gostaria de estar trabalhando, que aquilo deveria ser feito de outra maneira, entendia de outra forma. Então, houve uma mudança, nesse sentido, de pessoal. A outra questão foi o nosso negócio, se a gente pode dizer desta maneira, que eram programas. Essa questão foi uma estruturação diferente. Nós tínhamos uma forma de trabalhar que era muito específica, porque, ao mesmo tempo, em que nós tínhamos os programas de envio e os programas de recebimento, e a estrutura era baseada em pessoas que cuidavam daquela área, cuidavam da experiência. Desde quando você buscava os candidatos à vaga, recrutava, selecionava até acompanhar a experiência no exterior. O que acontece é que o perfil não é o mesmo de quem busca, de quem seleciona, de quem recruta, da pessoa que acompanha. A ação acadêmica tem que ser outra. E houve essa mudança, que era uma coisa nova, pelo menos para o AFS Brasil. A gente saiu dessa estrutura de envio e recebimento, ou seja, dá para entender dessa forma, para recrutamento e suporte. A gente tinha uma equipe que cuidava de recrutamento, tanto de estudantes quanto de famílias que iriam receber os estudantes no Brasil, e a outra que cuidava do apoio aos estudantes que estavam no Brasil e do apoio aos estudantes brasileiros que estavam no exterior. Isso aí trouxe uma mudança muito... A questão de programa começou, de fato, com a mudança da maneira como a gente entendia o trabalho, mudando uma estrutura que era baseada em programas de envio e programas de hospedagem, para recrutamento e, a gente usa, o termo de admission, que seria o termo para recrutamento, admissão e suporte. Isso trouxe um impacto muito positivo, por quê? Ao mesmo tempo, que a gente conseguiu atrair mais jovens para os programas e mais famílias, porque as pessoas que trabalhavam naquilo ali tinham esse perfil e ajudavam os voluntários nesse sentido. Na parte de suporte, que era uma área que a gente estava tendo problemas de qualidade, com o apoio que a gente dava aos estudantes no Brasil e também no trabalho quando nossos estudantes estavam no exterior, a gente trouxe um outro tipo de formação para aquela área, eram pessoas da área de Recursos Humanos, a maioria formada em Psicologia ou Assistência Social, trouxe uma outra maneira de trabalhar. E os resultados, como eu falei, tanto de número de intercâmbio como da qualidade dos nossos estudantes melhoraram e se ajudavam, era, na verdade, uma coisa que se complementava, porque você melhorava a qualidade, o país está fazendo um bom trabalho. A Suíça falava: “Quero mandar mais estudantes para o Brasil.” E, da mesma maneira, eu conseguia enviar mais para eles. A mudança ou a saída da crise, com certeza, do ponto de vista prático, passou a lidar com o aumento de recursos da organização, por conta do aumento do volume, do número de estudantes que a gente passou a trabalhar nas partes de envio e de hospedagem no Brasil.
P/2 – E que outra ação que você fez com relação aos Comitês? Houve um aumento de Comitês? Você reestruturou os Comitês? Como se deu isso?
R – Foram dez anos e a gente foi em um crescendo... Como eu falei, começou no básico, tentando, de fato, proporcionar para eles um treinamento mínimo, que pudesse ser dado. Quando a gente começou a melhorar a situação, a ter mais recursos, esses treinamentos começaram a acontecer de uma maneira mais frequente e em diferentes ocasiões, não só em eventos nacionais. Por exemplo, nós tínhamos na época, coordenadores de escola, que eram voluntários, onde o trabalho deles era parceria com as escolas. A gente conseguia fazer um treinamento exclusivo para isso. Se era no Rio de Janeiro, que era onde ficava o escritório, ou em outro lugar do Brasil. A gente trazia só essa equipe específica para fazer esse tipo de trabalho. Ou o pessoal que trabalhava com suporte, apoio ao estudante, ou que fazia orientações, começou a, de fato, fazer um treinamento mais específico, e dando oportunidades dessas pessoas também interagirem com outras pessoas do AFS, de outros países que vinham para assistir a esses treinamentos ou tinham a oportunidade deles também de fazerem o acompanhamento de estudantes, os estudantes de estarem juntos com essas pessoas lá e aumentando essa aprendizagem. Isso na questão de capacitação. O plano sempre foi capacitação e aumento da estrutura voluntária, ou seja, vamos trazer mais voluntários, mais Comitês. Obviamente que é uma coisa que depende muito das pessoas que ocupam os cargos, enquanto voluntários, mas acredito que o número sempre se manteve constante durante esses anos, com um significativo aumento depois de expansão do expressivo aumento do número de Comitês. Os Comitês normalmente não acabam fechando, mas eles podem ter um número menor de intercâmbio em determinadas épocas da sua existência, por conta de quem é o responsável por aquele Comitê. Mas, a ideia era de abrir Comitês em lugares que a gente, eventualmente, a gente não estava presente ou que gostaria de ter uma maior presença, isso aconteceu muito no Nordeste, por exemplo, até no Norte. A gente acabou abrindo um Comitê em Manaus e abrindo mais Comitês no Nordeste; outras cidades no interior de Minas, Goiás, Mato Grosso, São Paulo. Isso também foi uma parte significativa do trabalho. Existia todo um processo dentro do AFS, que você não abre direto um Comitê, primeiro tem que virar Representação, ter um número mínimo de envio e de hospedagem, ter pelo menos três voluntários registrados – vamos dizer assim – para depois dali se tornar um Comitê. E isso aconteceu. A gente, de fato, conseguiu aumentar o número de Comitês. Não era uma questão tão importante, porque a gente achava que o AFS tinha bastantes Comitês, mas cada um poderia enviar e hospedar mais; mas em algumas áreas a gente achou interessante aumentar o número de Comitês.
P/1 – E Eduardo, você falou “por cima”, mas eu gostaria que você falasse mais. Nesse tempo seu de gestão as parcerias que foram fechadas e não só das empresas, como exemplos, a Belta ou a empresa do Bernardo...
R – Sim. Eu acho que uma empresa que, obviamente, merece um destaque da minha parte, que antes mesmo de eu entrar a Belo Brasil, que era a empresa que fazia e faz as viagens dos estudantes estrangeiros no Brasil, sempre apoiou o AFS, inclusive, nas situações mais difíceis. A gente tinha que fazer uma Convenção Nacional, era uma questão de que não só havia o interesse, era quase uma obrigação estatutária, mas não tinha dinheiro para isso. E a Belo até antecipava repasses que era dinheiro que ele obtinha dessas viagens, que eram opcionais, e o repasse ia para o AFS. Eles antecipavam o repasse para a gente poder trabalhar. Sempre existiu e eu fortaleci essa parceria ao longo dos anos. A gente aumentou e eu ajudei a Belo a expandir essa parceria até para outros países, onde eles fazem viagem hoje. Existiam as parcerias corporativas, como eu falei, foram várias empresas que apoiavam o AFS, fornecendo bolsas, você teve a Esso, a Klabin, a Cargill, a Deutsche Bank, o HSBC... Olha, foram várias empresas e eu não vou me lembrar de todas elas, e que apoiavam o AFS nesse sentido. Mas, além disso, existiam também outras organizações, no caso, a gente conseguiu trabalhar em parceria com várias delas durante alguns anos. Uma delas foi o próprio Instituto Fonte, onde a gente trabalhou na formação de governança e também de várias outras questões, do próprio voluntariado com o apoio deles. Nem sempre era nesse sentido, era um trabalho que se aproximava de quase um pro bono, na verdade, eles cobravam valores bem abaixo do que eles cobrariam para determinadas outras organizações. E parcerias com outras organizações de intercâmbio, como você colocou, e associações. Foram duas questões aí, que eu cito: uma necessidade que existia já, uma associação de organizações no setor de intercâmbio no Brasil, que se chama Belta, que existe até hoje, e o AFS não fazia parte, assim como outras organizações sem fins lucrativos não faziam parte. Havia um interesse nosso de estar ali e participar, obviamente, que eram questões que não cabiam a gente, mas a maioria era assunto de relevância, principalmente nas questões ligadas a visto, ligados a lobby com o próprio Governo, para obter mais incentivo nessa área de intercâmbio e participar de Feiras e de várias outras atividades, dividir ideias em conjunto. Como as principais organizações de intercâmbio, no meu modo de ver, principalmente as que atuam há mais tempo, sem fins lucrativos não faziam parte da Belta. Havia um interesse muito grande também do AFS de se aproximar delas, que é, na verdade, dentro do Brasil, era o YFU, Youth for Understanding, que é também uma grande organização de intercâmbio, muito semelhante ao AFS, e o Rotary, que tem uma área, um braço de intercâmbio muito forte também no Brasil. Não por acaso, e o Bernardo, da Belo prestava serviços, melhor dizendo, tinha parceria com as três organizações e eu sugeria a ele, um dia a gente estava conversando “por que a gente não faz uma reunião com todos?” Dali começou uma parceria que durou durante vários anos. Enquanto eu fui Superintendente, a gente se via com frequência, marcava pelo menos dois encontros anuais para discutir o trabalho, o que a gente vinha fazendo, ajuda mesmo, por muitas vezes eles não poderiam ou alguma parte tinha alguma dificuldade de poder dar conta de todos os candidatos que estavam procurando e passavam para outro, ou trabalhavam na aproximação com outros setores. A gente teve um evento bastante marcante, foi uma reunião nossa em Brasília e que, por conta até dessa parceria, desses contatos, a gente foi recebido no Palácio do Planalto, pelo Vice-Presidente, que, na verdade, era o Presidente em exercício. O Presidente era o Lula e o Vice-Presidente era o José Alencar. O Lula não estava no Brasil, no momento, então, ele era o presidente em exercício, e nós fomos recebidos e tivemos uma conversa bastante interessante. Dali partiu algumas recomendações, por parte do Planalto, do Ministério da Educação e também nas questões de vistos, no setor do Ministério da Justiça e do Interior, facilitando até trazer estudantes e trazer jovens voluntários para fazer o trabalho voluntário no Brasil. Algumas dessas questões que ajudaram muito o AFS a se reposicionar, principalmente, trabalhando com essas organizações de filosofia e de missões semelhantes as do AFS.
P/1 – Uma coisa que eu gostaria de te perguntar, mas a gente não tem muito tempo, mas eu acho que isso é importante a gente falar. No discurso dos voluntários fica muito claro que até eles terem essa ciência da questão financeira foi uma coisa que aconteceu só um pouquinho antes da sua entrada, que você entra mesmo para também meio que salvar o AFS disso. Como foi construir essa relação de transparência com eles nesse sentido, de eles acompanharem todas essas suas mudanças de gestão ou todos esses caminhos para seguir os objetivos?
R – Foi como eu falei, eu passei a entender que se o voluntário está se dedicando ao AFS da maneira como ele se dedicava, com muito pouco em troca, de volta, a não ser saber que eles, aqui dentro, estavam contribuindo para a missão em que eles acreditavam, que é principalmente a razão deles estarem se voluntariando pelo AFS, no mínimo, deveria haver uma transparência na minha parte do que a gente estava planejando para o AFS de gestão. Quando eu fiz o Planejamento Estratégico, convidei voluntários a trabalhar na Comissão do Planejamento, como todo o evento que a gente tinha, que era a Convenção Nacional principalmente, ou quando tinha que reportar no final de ano, isso ia para todos os voluntários. Qual era a situação financeira do AFS, onde a gente estava pensando em trazer a mudança. De fato, toda essa questão voltada ao planejamento para impactar no resultado financeiro da organização. Eu acho que a transparência em si, tem um poder muito grande, porque a pessoa não só via como questionava: “Olha, é isso que está acontecendo, mas...” Havia perguntas: “O que poderia acontecer se acontecesse dessa forma?” “De fato, eu estou preocupado com esse número.” E a gente conseguia tentar responder o máximo possível. Tinham questões que eu falava: “Olha, gente, agora, vocês têm que estar acreditando, vamos estar do lado, fazer para acontecer. Eu não posso garantir para vocês, que daqui a dois anos, a gente sai dessa, mas o caminho é esse.” E, aí, os resultados, da maneira como iam acontecendo, iam criando mais certezas neles, que esse era o caminho. Eu acho que tem uma questão que a gente aprende quando estuda essa área, mas que eu vejo mesmo o resultado na prática é: se você está trazendo uma mudança, você é o porta-voz dessa mudança, você tem que mostrar o que não está funcionando no modelo atual, o que você está dando ou propondo fazer e trazer uma rede de salva-vidas para as pessoas, se isso aqui não acontecer, a gente consegue garantir isso para o AFS. E tem que fazer, tem que tentar, é uma coisa meio de tentar e ver que aquela coisa está funcionando. À medida que aquilo ali começa a ser entendido pela organização e por aquelas pessoas, aquilo começa a fazer parte da cultura, começa a fazer parte do conhecimento que eles têm do AFS e, para os voluntários novos que entram, eles já entram com aquela filosofia enraizada dentro da organização. Então, foi um trabalho que nos primeiros anos, obviamente, o convencimento era maior, mas na medida em que aquilo ia dando certo, as pessoas que entravam, já entendiam que a filosofia de trabalho era aquela.
P/2 – Fala uma coisa para mim, Eduardo, o que mudou ou o que você propôs em termos da relação da AFS com a AFS Internacional? Como era essa relação quando você chegou e o que você propôs de novo com relação a isso?
R – Eu não sei, é difícil falar do tempo anterior ao meu, que eu não conhecia as pessoas também, acredito que todas elas tiveram oportunidades e também tiveram ganhos nos relacionamentos, mas eu acredito que eles entenderam... Eu procurei trazer também uma transparência, uma maneira... Eu acredito que houve uma profissionalização – profissionalização é uma palavra pesada, porque parece que os outros não eram profissionais – mas eles viram uma seriedade, um profissionalismo, uma maneira de entender a crise como ela estava acontecendo e de trabalhar para solucioná-la, mais até do que só encontrar: “Ah, porque está esta situação...” Ou de lamentar o passado. Então, acho que foi um trabalho de mostrar que, de fato, eu estava ali para tirá-la daquela situação, para mudar aquela situação e, em termos práticos, de trabalhar para aquilo ali. Voltando um pouco ao voluntariado e também para o escritório, eu acho que é uma coisa natural a maneira de cada um liderar. Eu acredito que a minha maneira de liderar ou o que foi a minha maneira de liderar dentro do AFS e, acredito que continua sendo, é por exemplo (ênfase). Eu dava o exemplo de como eu entendia o que era aquilo ali. Então, eu acho que quando eles viram que a pessoa responsável fazia o que ela estava pregando, eles acreditavam que aquilo era possível e que eles deveriam estar fazendo a mesma coisa também. Cada um com a sua responsabilidade. Eu estava ali para fazer aquele trabalho, para estar junto com as outras pessoas, para estar junto com eles mostrava que: “Sim! Vamos botar a mão na massa e vamos fazer.” Também digo isso até com relação ao AFS Internacional, de estar em uma reunião e mostrar as contas, de mostrar qual era o planejamento, qual era a filosofia para poder tirar o AFS daquela situação e de convencê-los de acreditar que aquilo ali era possível e de acreditar no que eu estava planejando fazer. Eu acho que isso trouxe uma confiança. Óbvio que você não consegue isso em um ano ou talvez em dois anos, mas à medida que os resultados começam a ser alcançados e que as pessoas digam que o que ele está falando, de fato, está acontecendo; e ele, como representante da organização, no caso, do Internacional, está dando o exemplo de que aquilo é possível, aí, passa a haver essa confiança, passa a haver esse crédito no AFS. E, aí, os resultados começaram a, de fato, acontecer.
P/2 – Eu queria que você falasse um pouquinho como é que se deu a sua saída durante esses dez anos. Por que você resolveu sair? Conta um pouquinho para a gente.
R - Obviamente, como toda carreira, como toda trajetória, saída, talvez, seja tão importante quanto à entrada. Eu tinha uma maneira de pensar, que eu nunca coloquei para a organização, mas dentro de mim era o compromisso interno que eu tinha que: eu só sairia do AFS quando eu sentisse que a organização estava em boas mãos, no sentido, de que estava organizada, estava preparada, estava recuperada e podendo com todo potencial para continuar crescendo, para continuar brilhando, para continuar atraindo pessoas, empresas, colaboradores, enfim. Coincidentemente, foi talvez o ápice do AFS, o ano de 2006, quando a organização iria completar 50 anos, estava completando 50 anos. Nós tínhamos alcançados todas essas questões que eu coloquei de utilidade pública, não em 2006, mas há alguns anos antes: chancela do Ministério, era o ano que o AFS Brasil tinha alcançado o maior número de intercambistas enviados ao exterior, era o ano de 2006. A gente tinha alcançado o primeiro lugar dentro da rede AFS, em termos de qualidade dos programas, que é uma maneira que a gente mede também. Como eu falei antes, várias outras questões ligadas a parcerias, a organização crescendo em termos de voluntariado. Lógico! Sempre tem desafios etc. A gente tinha estabelecido o Conselho de Notáveis que, uma questão muito importante, foi a profissionalização do Conselho Diretor, no sentido não de remunerado, mas passamos a trabalhar com modelos de governança novo, que era esse Policy Governance, Governo por Políticas, que se chama, e isso foi implementado de uma maneira muito bem sucedida. Eu fiz parte desse processo, mas obviamente que o Conselho Diretor é o principal responsável. EA organização estava bem naquele momento. Ao mesmo tempo, no meu lado pessoal, eram dez anos! Eu nunca vi o trabalho de Superintendente como um trabalho eterno. Eu acho que as coisas funcionam em ciclos. Eu estava feliz, porque dez anos são o que a gente considera uma data importante na vida profissional. Ao mesmo tempo, nesse ano de 2006, até voltando à questão da família, a minha esposa também estava encerrando o trabalho dela no Brasil. Na ocasião, ela já tinha voltado para a Itália e eu continuei no Brasil e dali era uma escolha que gente deveria fazer: “Bom! Ou eu continuo no AFS e ela eventualmente não consegue continuar no trabalho dela e sai e vai tentar alguma coisa nova ou volta para o Brasil? Ou a gente vai ter que buscar alguma coisa fora do Brasil, onde fosse possível.” E, dentro dessa filosofia e também desse pensamento de um ciclo que se fecha e a organização bem em todos os aspectos, a gente gosta de falar de uma maneira organizacional, saudável, as coisas acontecendo do jeito que a gente queria, completando 50 anos. Junto a tudo isso que eu coloquei, ao lado pessoal, surgiu essa oportunidade de uma nova experiência no exterior e, nesse caso, era uma mudança para Portugal. E eu, naquele momento, tentando encontrar uma maneira de fechar todos esses dez anos, eu pensei: “Olha, é uma coisa interessante por tudo isso que está acontecendo, e aproveitar da minha experiência de dez anos à frente de uma organização como o AFS no Brasil, por tudo que ela representa, de buscar novos rumos em Portugal, nessa área. Não digo de intercâmbio, mas na área de tantas outras organizações que existem. Eu vou buscar essa questão internacional.” Aí, bateu aquele clique, tipo assim: “É o momento de eu sair.” E eu comuniquei essa ideia inicial para o Conselho Diretor, explicando as razões pessoais e também profissionais para isso. Obviamente que as pessoas ficaram surpresas, toda essa questão a ser trabalhada, principalmente com o pessoal do escritório, porque a estabilidade é uma questão muito importante dentro do AFS. Então, houve receios: “Ah, mas, uma transição como essa, como vai ser?” Procurei tranquilizá-los, disse que faria a parte e da melhor maneira possível. Era uma coisa planejada para acontecer e não de repente de uma hora para outra, não ia embora noutro dia, tinha um mês ainda que eu ia me dedicar ao AFS. Eu acho que, para mim, foi um momento muito bom de saída. Acabei não saindo do AFS (riso) porque - só abrindo um parênteses - eu fui para Portugal, eu cheguei em março e, em maio, eu já estava trabalhando para o AFS Internacional, porque estavam buscando um Consultor na estrutura nova, baseado na Europa. Na verdade, eles estavam procurando alguém para ficar em Bruxelas, mas quando viram que eu estava me mudando, que era para Lisboa, eles falaram: “Olha, Bruxelas não é por nada, é porque a gente acha que é um ponto central, mas entre contratar uma pessoa que a gente não sabe quem é, em Bruxelas, ou o Eduardo, que a gente sabe quem é, e em Lisboa, então, nós queremos te contratar.” E era um projeto que eles tinham de reestruturação de vários escritórios e organizações do AFS na Europa, que era o meu primeiro trabalho ali. E eu acabei continuando dentro do AFS e continuei muito ligado ao AFS Brasil, até porque continuei fazendo alguns trabalhos, a partir daquele momento, principalmente depois, mas, naquele momento, ainda próximo ao AFS. E, para mim, não pode deixar de ser motivo de maior alegria porque - foi como eu falei - uma decisão pessoal e profissional em relação a um cargo que eu ocupava e não a uma organização. E poder continuar contribuindo para o AFS, de várias outras maneiras, usando minha experiência no Brasil para isso e, agora, eu passo a usar a experiência de tantos outros países e organizações do AFS em outros trabalhos também. Só contribuiu muito para o meu crescimento pessoal e profissional. Eu agradeço muito, de fato, o AFS Brasil ter me proporcionado essa segunda etapa dentro do AFS e a todos outros que contribuíram para isso também.
P/2 – Deixa-me só perguntar uma coisa, Eduardo. Quando você vai para Portugal e você vai trabalhar para o AFS Internacional, nesse rearranjo dos escritórios europeus, qual era o grande desafio?
R – Era muito semelhante ao que eu fiz com o AFS Brasil. Na verdade, o AFS Internacional sempre deu e, naquela ocasião, apoio a todos os escritórios – eu não gosto de falar escritório, porque parece que é só ao escritório – todas as redes, todas as organizações do AFS, onde a gente está presente, que vai do escritório, ao Conselho, ao voluntariado. Porque o escritório internacional é o que coordena, é o que gerencia e que se assegura que a maneira como essas organizações trabalham estão atendendo aos padrões, às políticas do AFS. Por conta da minha experiência no AFS Brasil, bem sucedida etc., meu trabalho inicial foi trabalhar onde havia maiores desafios de reestruturação, de uma nova maneira de trabalhar, dos países da rede do AFS, que eram alguns países da Europa. Não é que eu estava cuidando de uma reestruturação do AFS na Europa. Passei a trabalhar com países como Suécia, Holanda, Letônia, Inglaterra, enfim, vários outros. E, aí, saindo de lá, África do Sul, Costa Rica, depois, na Europa, surgiram outros países, como a Espanha. Eu ia trabalhar onde, de uma maneira ou de outra, havia alguma coisa mais crítica e que necessitava de um apoio maior nosso, de uma presença, de um trabalho de consultoria, que era o que a gente prestava na ocasião. Daí foi essa experiência de AFS Brasil, não necessariamente repetindo o modelo, mas que me fez trabalhar nessa nova área do AFS, com esses projetos que eram ligados à reestruturação.
P/2 – E você ficou quanto tempo em Portugal?
R – Fiquei três anos e meio. E, depois, avisei também o AFS Internacional que estaria saindo de Portugal, não sabia o que eles entendiam a partir desse cargo, até porque existiam alguns Consultores em outros lugares também, fora da Europa, mas que eu estaria voltando para o Brasil. Na época, acredito que isso aí não é segredo, o AFS Brasil estava considerando a ideia de me trazer de volta para a Superintendência que, passados alguns anos daquilo ali, eu estava analisando a possibilidade, se era o caso de voltar ou não. E, quando eu tive o contato do AFS Internacional, na ocasião o Presidente era o Tachi Cazal, ele e o Diretor da área em que eu trabalhava me procuraram e: “Olha, mas a tua ideia de voltar ao Brasil é por que você quer sair do AFS Internacional para eventualmente voltar para o AFS Brasil? Ou não é isso?” “Não. Eu gostaria de fazer o trabalho que eu estou fazendo agora, que eu acho que tem muito a fazer, que tem uma questão de conhecimento e de experiência que estou me beneficiando, estou podendo ajudar...” “É porque eu fui contratado na Europa e, agora, eu estou voltando para o Brasil” “Não, não. O trabalho que você está fazendo, você pode continuar fazendo do Brasil. Até por algumas questões vai ser mais interessante.” Era uma proximidade com os Estados Unidos, que eles estavam já pensando em uma outra estrutura dentro do AFS Internacional, que veio acontecer alguns anos depois. Então, eu continuei. Voltei para o Brasil e continuei a fazer esse trabalho, que, depois, mudou um pouco ao que faço hoje. Ainda dedico metade do meu tempo a essa área, outra metade é dedicada a desenvolvimento de programas e de novos países, de novos países dentro do AFS, enfim, continuo até agora.
P/1 – Eduardo, antes de a gente fazer algumas perguntinhas avaliativas, você falou da tua esposa, eu queria que você contasse para a gente, como foi ser pai?
R – (riso) Dentro daquela filosofia que eu falei antes, a família é uma parte muito forte em mim. Foi sim uma experiência gratificante. Eu tenho dois filhos, a Giulia, que tem hoje, 24 anos, e o Paulo, que tem 22 anos. A Giulia está morando hoje em Portugal, até pela experiência que a gente teve lá, ela voltou para o Brasil, terminou a faculdade aqui, em São Paulo, e, depois, quis voltar para estudar em Portugal. Acabou morando lá, está trabalhando em Lisboa. E o Paulo faz universidade no Rio de Janeiro, faz Administração de Empresas , talvez aquela questão um pouco da influência do pai. A gente está cada um, hoje, em um lugar, quer dizer, eu e a Maria Teresa, minha esposa, estamos aqui, em São Paulo. Passo mais viajando que em São Paulo, um filho no Rio e outro em Lisboa, mas eu acho que essa questão da união da família está muito presente, mesmo a distância, a gente é muito unido, está sempre se falando, sempre se encontrando quando pode. Eu passo muito tempo da minha vida... Vou ao Rio constantemente para poder ver o meu filho e toda vez que eu vou à Europa, eu vou por Lisboa, para poder ver a minha filha, a gente está nessa. Para mim é o grande alicerce da minha vida. Eu acho que algumas pessoas, para quem eu comento, que as minhas decisões forem muitas delas influenciadas pela família e pela minha esposa “Ah, mas é muito difícil alguém pensar assim...” Eu falei: “Graças a Deus que eu tive a sorte ou a bênção ou a competência de conseguir executar o que eu entendo de uma maneira boa, o que eu planejei ou o que eu decidi fazer.” Outras pessoas acham que talvez não fosse o caso: “Não. Você colocou em risco a tua carreira fazendo determinadas escolhas.” Deu certo! Eu acho que deu certo, eu estou satisfeito.
P/2 – E sua esposa continua trabalhando hoje?
R – Sim. Ela trabalha hoje em São Paulo, no Consulado em São Paulo. E a gente continua fazendo as mesmas coisas desde 1996, 1997 (risos).
P/2 – Que bom!!! (risos)
P/1 – Eduardo, fazendo uma retrospectiva de toda essa sua trajetória de vida, desde lá atrás até hoje, desse tempo de AFS, quais foram os seus maiores aprendizados pessoais que você carrega com você?
R – Essa é uma pergunta difícil. Eu acredito que tiveram questões, como eu falei inicialmente, ligadas à vida pessoal, de ter apoio da família, a importância desse apoio, da união mesmo estando a distância. Dentro do aprendizado, como a gente colocou em outra questão da entrevista, a Universidade abriu os meus horizontes para outras realidades do país, para outras pessoas e necessidades ou de maneiras de encarar o mundo. E, depois, a abertura que o AFS me trouxe ao ter contato com pessoas que tinham uma filosofia profissional e também de vida voltadas a dedicar o tempo delas para uma missão nobre, como a missão do AFS, de se comprometer com aquilo, da possibilidade de a gente poder mesmo como é o mundo de hoje, de como a gente pode mudar o mundo, através de experiências, de pessoas, de experiências culturais, educacionais. Esse comprometimento, para mim, foi uma coisa que me marcou muito. E ver que aquilo que a gente se planejou a fazer é possível de se alcançar, da maneira que você também acredita naquilo, que você se dedica àquilo, isso daí também trouxe para mim, também uma confiança para o lado profissional e pessoal de que tudo é possível. Se a gente se esforça, se a gente acredita naquilo, tem as pessoas certas ao nosso lado, mostra o exemplo que está dando, e que é possível de avançar.
P/1 – E o que te faz permanecer ligado profissionalmente ao AFS por tantos anos?
R – Para mim é um privilégio trabalhar com essas pessoas e, de fato, toda essa questão voltada ao AFS, ao comprometimento com um mundo melhor, ao entendimento entre os povos. Quando a gente vê hoje, eu acho que o AFS teve várias fases e, sempre algumas pessoas falam, “Ah, mas isso está um pouco fora de moda...” Não é a questão, obviamente, que há um altruísmo imaginar que você vai viver em um mudo de paz, mas algumas coisas a gente consegue fazer em determinadas épocas. O AFS teve época onde a principal questão era acabar... O AFS surgiu de uma guerra, a gente está falando de um conflito mundial, onde a missão saiu de uma disputa entre duas polarizações do mundo ou da Alemanha principalmente, contra os Aliados, e aquele intercâmbio inicial foi envolvendo aquele povo ou aqueles países, para uma coisa que se encaminhou mais para outras guerras, outros conflitos, depois, até o terrorismo. Hoje, há toda uma questão ligada à xenofobia, à questão religiosa. Isso é a nossa missão hoje em dia: não de convencer fulano ou sicrano, mas você vê que existe ainda muito preconceito, muita falta de entendimento do que são as diferentes culturas e as maneiras de pensar. Não existe uma melhor do que a outra ou uma pior, mas existe sim uma maneira de encontrar de a gente viver junto, de respeitar e, de fato, lidar com uma outra maneira de pensar. Então, eu acho que o mundo... Esperamos que seja melhor no futuro, mas sempre vai ter uma necessidade para uma organização como o AFS estar contribuindo, para poder fazer com que ele seja um pouco melhor, um pouco mais tolerante no futuro. Eu vejo por aí.
P/1 – E quais são seus sonhos?
R – A gente já vai chegando naquela idade em que os sonhos vão sendo realizados pelos filhos (riso). Obviamente, eu ainda consigo me ver podendo me dedicar seja ao AFS seja em outra organização, contribuindo com a minha experiência profissional. Do ponto de vista pessoal, o que eu espero agora é pelo futuro dos meus filhos, que eles consigam também se realizarem do ponto de vista pessoal e profissional, serem felizes. Eu acho que a gente vem aqui para ser feliz, para encontrar nosso caminho e que eles encontrem. Procurei dar para eles todas as condições, mas também liberdade para eles fazerem as escolhas deles. Eu acho que eles estão fazendo as escolhas deles, influenciadas um pouco ou não, o que é normal, mas sem nenhuma coisa muito amarrada nesse sentido. E, através deles, ver a continuidade. Porque eu acho que a gente, quando é pai, a gente passa a ver os filhos como nossa continuidade para as gerações futuras. A gente deixa um pequeno legado dentro da nossa experiência de vida. Eu acho que é isso que eu estou procurando deixar: um pequeno legado.
P/1 – E como foi para você voltar lá atrás para refletir sobre tua história e contá-la para a gente?
R – Foi emocionante! A gente começa a pensar: “Poxa, tem tanta coisa para falar, como é que eu vou lembrar de tudo etc.” E a gente vai falando, vai lembrando de mais coisas, tenta, de fato, focar na pergunta, na resposta que poderia responder melhor a vocês, mas é muita emoção. Foram dez anos e ainda continuando. Hoje tenho 18 anos, quase completando 19 anos de AFS. Então, é muita coisa, foram muitos contatos durante esses anos todos. Muita gente que eu conhecia, encontrando pessoas aqui dentro mesmo, hoje (risos). É uma fase da minha vida que vai marcar. O AFS, para mim, obviamente, vai muito além da minha vida profissional, é vida profissional misturado com a minha vida pessoal, não tem como! Isso aí faz parte agora da minha vida, não tem como.
P/1 – E para a gente encerrar, o que achou desse projeto: de contar a história dos 60 anos da AFS, resgatando a trajetória de vida de vocês?
R – Eu acho maravilhoso! Eu acho que era uma coisa que estava faltando no AFS. Se uma coisa que eu lamento não ter feito melhor na minha trajetória, foi em cima da memória institucional do AFS. Isso é uma coisa que eu vi que se perdeu mesmo antes de mim e, depois que eu saí, muitas coisas que... Eu acho que vocês, que trabalham com isso, sabem que as pessoas mudam... Mudam-se as pessoas, mudam-se os escritórios físicos, as coisas vão se perdendo. E uma organização como o AFS, não desprezando nenhuma outra organização, nenhuma outra empresa, todo mundo tem uma história para contar, mas é uma organização que é baseada em histórias de vida! São pessoas que estão envolvidas não sei quantos anos, décadas. O que a gente trabalha, o que a gente oferece é uma experiência de vida. Quando a pessoa está no exterior ou está aqui, no Brasil, que aquilo ali é transformador, e ter isso através desse testemunho, desse trabalho que vocês estão fazendo, seja na questão comemorativa quanto também no que vai ficar de legado, de depoimentos de pessoas, que sejam publicados ou não, é um trabalho espetacular. E é um motivo de orgulho, porque se a gente parar pensar que são 60 anos de AFS Brasil e que durante, muitas pessoas ficaram muito mais tempo que eu, dez anos eu contribuí em um cargo importante para a organização como esse, fazer parte dessa história é um motivo de orgulho e estou muito contente de poder estar aqui, estar ajudando vocês nesse trabalho. Espero que eu esteja ajudando de alguma forma (riso).
P/2 – Edu, obrigada em nome do Museu da Pessoa e da AFS por você estar aqui.
R – Eu que agradeço ao Museu da Pessoa e a vocês pessoalmente.
P/1 – Parabéns pela sua história!
R – Obrigado
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