P/1 – Bom, senhora Miriam, bom dia.
R – Bom dia.
P/1 – Primeiramente, muito obrigado por ter aceitado o nosso convite e participar do nosso projeto. Pra começar essa entrevista eu gostaria que a senhora falasse pra gente o seu nome completo e a data e o local do seu nascimento.
R – Meu nome completo é Miriam de Oliveira Lima, eu nasci no dia dois de dezembro de 1966, no Ipiranga, em São Paulo.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Vera Lúcia Peres Lima e Alcides de Oliveira Lima.
P/1 – E a senhora tem irmãos, irmãs?
R – Eu tenho. Eu na verdade sou a mais velha, aí eu tenho dois irmãos: tenho uma irmã e um irmão.
P/1 – Qual que é o nome deles?
R – A irmã é Márcia de Oliveira Lima e o irmão Marcelo de Oliveira Lima.
P/1 – E a senhora teve bastante contato com seus avós seja materno ou paterno?
R – Sim, tive. Na verdade o paterno não muito porque ele morreu um pouco cedo.Mas os maternos até pouco tempo, na verdade; e a avó materna também tive muito contato.
P/1 – Qual que era o nome dele?
R – Então, dos avós paternos é Amélia Marquesine Lima e o meu avô (pausa) nossa, já começou o primeiro branco (risos)... Amélia Marquesine Lima e Antenor de Oliveira Lima. E os avós maternos é Nancy Dias Peres e Elizardo Peres.
P/1 – E a senhora sabe um pouquinho da história deles, com o que eles trabalhavam, o que eles faziam?
R – Então, na verdade é assim:a parte da minha mãe meu avô veio da Espanha com cinco anos de idade, vieram fugindo até da ditadura do Franco, na Espanha.E eles trabalhavam no campo, então, quando eles vieram pra cá, a família começou a trabalhar também no campo.E aí depois eles foram pra Santos, e lá meu avô começou a ser cozinheiro, trabalhou 40 anos como cozinheiro em hotéis; minha avó também fazia bolo, então, ele sempre trabalhando com isso. Do meu lado, do lado paterno a minha vó era dona-de-casa, mas também os avós, os pais dela, vieram da Itália.Aquela vida sempre muito difícil, todo mundo trabalhando em fábrica, meu avô também.Depois é que ele começou a seguir mais a carreira assim de trabalhar em indústria mesmo, mas sempre nesse ramo.
P/1 – E a senhora nasceu no bairro do Ipiranga.
R – É.
P/1 – Tem alguma relação com esse trabalho dos seus avós, que Ipiranga é um bairro que nasceu como um bairro industrial, de classe operária?
R – Não, na verdade não teve porque meus avós maternos sempre moraram em Santos, e os paternos em Sorocaba. Então meu pai veio de Sorocaba pra estudar em São Paulo, na FAAP, pra fazer Economia. E aí ele veio pra cá e aí ele conheceu a minha mãe em Santos, eles casaram, aí que ele veio pra São Paulo e foi morar no Ipiranga porque ele trabalhava em São Bernardo, e ele não queria morar em São Bernardo, trabalhava na Ford em São Bernardo. Aí foi a história da gente começar mesmo no Ipiranga.E realmente, há 45 anos atrás era um bairrocom muitas fábricas e tal.
P/1 – E o que seu pai fazia lá na Ford?
R – Então, meu pai na verdade começou com...ele cuidava dos distribuidores, então tinha a rede dos distribuidorese ele que fazia esse contato com eles. Então depois da Ford ele foi pra Chrysler, depois ele foi pra Volkswagen, depois ele foi pra área de exportação.Então, ele sempre teve ligado com pessoas e fazendo muito a parte de relacionamento.
P/1 – E a sua mãe também trabalhava?
R – Não, minha mãe não. Minha mãe, três filhospequenos e tal, ficava em casa, mas ela sempre se virava assim, vendia chocolate, vendia cosméticos, sempre buscando fazer alguma atividade paralela.
P/1 – Vamos falar um pouquinho agora da sua infância, do bairro da sua infância, a senhora falou que o Ipiranga algum tempo atrás tinha muitas fábricas.Mas quais são as lembranças que você tinha de você na infância, brincava na rua, tinha muita gente na rua, como é que é?
R –Minha infância realmente foi na rua.A gente morava em frente a uma praça grande que chamava Praça Monte Azul, e eram três ruas, quatro ruas em volta da praça com muitas crianças, então, na verdade, era o tempo inteiro na rua, direto. Muita criança e muita brincadeira.
P/1 – Você lembra quais eram as brincadeiras que você mais gostava lá?
R – Era muito... a gente brincava muito de queimada, que aí como a praça tinha um espaço grande, e brincava muito de esconde-esconde, que durava o dia inteiro a brincadeira (risos) porque era tão grande que entrava todo mundo, e muita coisa com bola, bicicleta, porque ela era bem espaçosa. O espaço era muito bom, da praça. Então, uma infância muito boa.
P/1 – E você morava numa casa, num apartamento?
R – A gente morava em casa, e aí inclusive a minha avó materna morava junto com a gente, e aí ficava, era uma casa, um sobrado. Tinha cachorro, tartaruga.
P/1 – E como é que a senhora descreveria o seu pai e a sua mãe na infância?Eram pessoas que pegavam no seu pé pra você estudar ou deixavam você brincar na rua, mais solto, como é que eles eram?
R – É, na verdade a gente tinha uma relação bastante aberta em que desde o início trazia já a responsabilidade que você pode brincar, mas você sabe que quando tiver prova aí tem que estudar. Então, não tinha essa coisa assim tão forte do pegar no pé, né.A gente sabia que ia pra escola, tinha, de manhã, tudo muito assim, com relação ao horário...de manhã tinha x horas pra brincar, depois tinha que entrar, almoçar, estudar, ir pra escola, e depois voltava da escola. Então era aquela coisa meio assim parecendo até de interior, as pessoas saíam, ficavam nas portas das casas conversando, era uma coisa assim bastante informal, de todo mundo muito próximo.
P/1 – E a senhora acha que isso é uma característica do bairro na época ou era coisa da cidade na época, ou era específica do bairro, como é que era?
R – Eu acho que era.Eu não sei, mas eu acho que já era mesmo da cidade porque se fala de 45 anos atrás era tudo muito tranquilo, as pessoas não tinham o medo e a insegurança que elas têm hoje, né? Então, o ficar na rua era assimdas pessoas colocarem cadeiras às vezes, “ah, não sei quem tá conversando”, e as crianças brincando na praça. Acho que era, o Ipiranga tinha muito disso.
P/1 – E como, onde você estudou quando era criança, qual era a escola que você frequentava?
R – Então, agora eu já mudei bastante de escola, mas era tudo ali no bairro, né.Comecei, fiz o pré numa escolinha, depois fui pra uma outra escola que era na Avenida Nazaré, que também nem existe mais; aí depois eu fui pro Colégio Modelo, que também era perto da Anchieta, que também não existe mais; aí depois eu fui pra um colégio de freiras, não, depois eu fui pra um colégio de método Montessori, e de lá eu fui pra um colégio de freiras aqui, esse tem hoje, que é o Regina Mundi, que é no começo da Anchieta. Então eu mudei várias vezes de escola, mas todas meio próximas do bairro, né?
P/1 – Era próximo o bastante pra você poder ir sozinha a pé?
R – Não, na verdade não. No começo era, como a minha mãe não trabalhava ela levava e ia buscar, então ela sempre cuidou disso.Mas depois no Regina Mundi eu comecei a ir de ônibus, aí já tava maiorzinha, já ia de ônibus, ia e voltava.
P/1 – E nessa época da sua infância, entrar na escola, você já pensava no que você gostaria de ser quando crescer, você tinha algum sonho, alguma coisa?
R – Não, absolutamente. Aliás, eu tive muita dificuldade pra saber o que eu queria ser. Na escola não tinha, eu só sabia... quando chegou na época também do ginásio eu ia muito pelas matérias que eu gostava, mas eu não tinha muita ideia essa coisa de profissão, não, tanto que eu sofri um pouco pra chegar naquilo que eu queria. Foi difícil.
P/1 – E quais eram as matérias que você gostava?
R – Então, na época da escola eram coisas também muito relacionadascom o esquema do professor, né? Então tinha a professora horrorosa de matemática, e aquilo te dá um medo, e a professora de português era legal, o professor de ciências era o máximo.Então a área de biológicas eu gostava, que tá muito ligado com isso; agora matemática era aquele monstro, física, aquela coisa.
P/1 – E do outro lado, os seus pais tinham algum sonho pra você, algum objetivo pra você ou eles não interferiam nisso?
R – Não, não interferiam porque na verdade meu pai sempre me falava a história de que eu tinha que ser independente, qualquer coisa que eu buscasse eu tinha que buscar independência. Então nunca, ele sempre assim: “Olha, que área que você quer?”, sempre me apoiaram: “Olha, você quer mudar?Você quer fazer, o que que você vai? ”, nunca teve uma imposição. Também nunca teve na família: “Ah, porque o avô era isso, o pai era isso,então continuidade”, nunca teve nada disso, ninguém, era tudo muito tranquilo.
P/1 –E de alguma forma o trabalho do seu pai chegou a ser alguma inspiração sua, você achava interessante ou não?
R – Chegou, chegou, acho que até influenciou bastante. Quando ele passou pra exportação, que aí ele foi pra Volkswagen caminhões, passou pra exportação... eu adorava viajar, sempre gostei muito, e aí eu comecei a ver esse negócio que ele viajava bastante, mesmo na época que trabalhava com os distribuidores no Brasil ele sempre viajou bastante. Então, isso era uma coisa que eu achava muito legal. Eu falei: “Bom, eu queria achar um trabalho em que eu pudesse viajar, conhecer pessoas de outros países, outras culturas”.Eu tinha isso muito forte. Então influenciou. Aí quando eu resolvi fazer Administração com habilitação em Comércio Exterior eu já tinha, eu já falava inglês, já tinha uma facilidade pra isso e tal. Então, de alguma forma sim, e era um trabalho que trazia uma liberdade.Isso era uma coisa que eu queria bastante.
P/1 – E você já tinha feito viagens também quando você fazia esse curso?
R – Então, eu tinha feito. Na verdade, quando eu resolvi tinha feito, tinha ido duas vezes pros Estados Unidos, pra ver, pra ir pra Disney, tanto que aí eu queria morar lá, eu queria fazer intercâmbio, eu tinha essa coisa de sair do país e fazer alguma coisa. Mas aí ele falava: “Ah não, depois que você fizer a faculdade você resolve o que fazer da vida”, mas eu já tinha isso forte, de viajar.
P/1 – E nesse período da adolescência já notava em você essa facilidade pra lidar com pessoas, pra falar outras línguas, ou foi uma coisa que você aprendeu depois, com o tempo?
R – É, não, já tinha. Na verdade assim, eu já comecei gostar de inglês logo.E aí eu quis com 12 anos fazer fora porque na escola sempre foi fraco, a gente fazia inglês fora.Com 14, quando eu fui a primeira vez pros Estados Unidos, aquela história de ou festa de 15 anos ou viagem eu falei: “Não, então vamos, nada de festa, vamos viajar”, e aí foi legal porque eu tava há dois anos aprendendo e vi que eu podia fazer alguma coisa ligado com o inglês, com línguas que eu tinha facilidade. Então já começou daí uma ideia. Mas ao mesmo tempo eu gostava de biológicas, então fiquei um poucodividida, o que eu vou fazer, então foi meio, mas no fim, é, influenciou.
P/1 – E além de viagens, o que mais que você gostou de fazer pra se divertir nessa época de pré-adolescência, adolescência?
R – Olha, na época começou a história de patins, então eu tinha uma turma, a gente saía pra patinar direto, ia pro Ibirapuera e tinha muito aqueles rinques de patinação, né.Eu adorava fazer isso, a gente também tinha uma...como a turma da praça era muito grande foi muito legal que a gente foi crescendo junto, então começou aquela história de fazer esporte, de jogar, de começar a sair junto. Mas que eu me lembro bem dessa fase de adolescência foi coisa de patinar, eu adorava patinar no gelo, então sempre gostando de esporte, de coisas assim.
P/1 – O Parque da Independência era ali perto?
R – Não, na verdade quando eu ia patinar eu vinha no Ibirapuera, ou minha mãe me levava, ou ia de ônibus, ou tinha uns amigos que iam; geralmente a gente ia de ônibus, pegava sábado, domingo e ia. Mas de parque perto, que o museu também não dava pra ir, então. O Museu do Ipiranga eu ia quando criança, mas depois de adolescente não.
P/1 – E, bom, nessa época da infância, adolescência, você lembra de algum comércio forte ali na região, onde se concentrava, ou não existia, onde é que vocês faziam as compras de casa, de roupa, esse tipo de coisa?
R – É, então, na verdade tinha. O Sacomã era um bairro próximo que até hoje tem muita loja, então a gente sempre ia comprar lá. Tinha várias lojas e uma coisa que depoisa gente não tinha e que começou era um supermercado logo atrás de casa que chamava Superbom.Aí começamos a entender essa coisa de supermercado, de ir comprar. Minha mãe falava: “Vai lá no supermercado, compra tal coisa e traz”. Foi legal, foi uma coisa de entender como é que funcionava isso, criança, né?
P/1 – Era uma novidade na cidade ainda esse tipo de comércio?
R –Era, porque antes era aquela coisa de comprar em comércios menores, tipo quitandas, essas coisas.Quando apareceu o supermercado falou: “Nossa, supermercado, Superbom”.
P/1 – Criou um alvoroço.
R – É, um negócio diferente, com monte…um lugar grande, com um monte de prateleira, com um monte de coisa. A gente não tá meio acostumado, que eu lembro que criança foi um negócio diferente. Depois minha mãe fazia compra numa cooperativa que a Volkswagen, os funcionários podiam ir, mas não era tão grande quanto esse supermercado.
P/1 – E de alguma forma isso mudou os hábitos de consumo da família, dos vizinhos, as pessoas começaram a consumir mais e consumir coisas diferentes, mudou de alguma forma isso?
R – Eu acho que sim, porque esse supermercado era muito aquele esquema de feira, todo mundo indo nessas quitandas, tal, então acho que o supermercado trouxe essa coisa de diversidade de produtos, né? Então de você ir, ver várias marcas, várias coisas. Eu lembro que criança isso, a gente começou a prestar atenção mais nisso, conhecer.
P/1 – Bom, e ainda pra finalizar essa parte da infância e adolescência, esse é um período que geralmente a gente é muito influenciável por amigos, por namoro, né? Teve alguma pessoa ou algum grupo de amigos que te influenciou a seguir um caminho, a não seguir a carreira de Biologia, seguir a carreira de Administração, tem alguma pessoa ou algumas pessoas que te influenciaram dessa forma?
R –Na verdade assim, eu olhava muito a história do biológico, as lutas das profissões ligadas a isso, muito a coisa do cuidar. Então algumas pessoas que... amigas que queriam seguir essa área você já via que tinha um perfil diferente, que tavam mesmo... então, me influenciou dizendo...eu tinha muito essa coisa da comunicação, do relacionamento, de facilidade de falar com as pessoas e tal.Então, acho que sim, o grupo de amigos e o que cada um mesmo queria fazer me influenciou de alguma forma.
P/1 – E bom, quando você começou, como é que você decidiu pelo curso, e em que momento, se você lembrar, se foi no período do colégio, e qual faculdade você escolheu pra entrar?
R – Quando eu comecei a pensar o que fazer, eu achava que Administração era um curso muito geral, mas como tinha o Comércio Exterior, a importação, a exportação, me interessou muito isso. E aí, a primeira coisa que eu comecei no Comércio...antes de entrar na faculdade eu tinha uma amiga e a gente resolveu então começar uma confecção pequenininha. Eu tinha 21 anos, ela vendia e eu então ia atrás pra ver modelo, pra comprar tecido e tal, isso tudo antes de entrar na faculdade. E aí a gente ficou assim mais ou menos uns dois anos. Depois ela casou, engravidou e tal, ela falou: “Ah, eu vou sair”, aí eu vi que eu não ia tocar, mas eu vi que eu tinha isso, essa coisa da compra, da venda, que eu tinha isso, que ia bem pra mim, que eu conseguia.
P/1 – Espírito empreendedor?
R – Isso, já tinha essa coisa de espírito empreendedor. Quando eu entrei na faculdade eu vi que eu ia poder aliar tudo isso: o fato de saber, de gostar de línguas, de viajar, de ter contato com pessoas de outros países, mas trazendo essa coisa da compra e venda. Então foi bacana.
P/1 – E em que ano você entrou na faculdade?
R – Eu entrei na faculdade, minha vida acadêmica eu acabei fazendo outras duas faculdades pra chegar na terceira. Primeiro eu fui pra Nutrição porque eu achava que Nutrição era a área de biológicas e tal. Aí quis sair. Aí falei: “Não, mas eu gosto da área de alimentos”, e fui tentar Engenharia de Alimentos.Aí foi um desastre, porque justamente a área de exatas era uma coisa que eu não tinha nada que entrar, mas fui lá, aí repeti, deu tudo errado.Aí quando eu cheguei na Metodista eu cheguei um pouco mais tarde, eu entrei lá em 1990, que hoje é a Universidade Metodista, mas na época era Instituto Metodista de Ensino Superior. Aí eram quatro anos, eu fui estudar a noite, porque aí eu queria fazer estágio, e começar já logo a trabalhar pra sentir mesmo o quê que era a área. Então aí já fiz estágio no terceiro ano, e aí no quarto ano eu já consegui ser efetivada numa trading, que era exatamente o lugar que eu queria trabalhar.Então foi super bom de experiência, logo de cara.
P/1 – E, bom, a Metodista era em São Bernardo, né?
R – É.
P/1 – Foi a proximidade que te levou até lá, a proximidade com o Ipiranga ou não tem nada a ver?
R – Não, na verdade eu...na época, o curso era muito novo, né, Administração com habilitação em Comércio Exterior eram poucas faculdades que tinham. E ela era uma das melhores, mais bem conceituadas, por isso que eu quis ir pra lá. Claro que também tava próximo, que nessa época eu não morava no Ipiranga mas morava na Saúde, que também era próximo, então as duas coisas, mas mais por ser uma faculdade bem conceituada na época.
P/1 – E na Saúde você já morava sozinha ou morava com seus pais?
R – Não, morava com meus pais. Então sempre morei, só saí ali da Saúde...a gente mudou bastante também: do Ipiranga pra Saúde, depois pra Aclimação.Aí depois eu saí só depois que eu casei.
P/1 – Sempre naquela região ali?
R – Isso, sempre ali, Vila Mariana, Aclimação, Ipiranga, aquela, né, criando ali todas as nossas raízes ali, todo mundo lá.
P/1 –Então vamos esmiuçar agora esse período da faculdade. Quando você entrou o que que você esperava, que tipo de emprego você tava esperando arrumar depois, o que você esperava dos seus professores, confirmou as suas expectativas ou não, como é que foi?
R – Então, o começo eu achei um pouco chato porquealgumas matérias de Administração, Contabilidade, tudo ligado à matemática eu não gostava, matemática financeira achava chatíssimo, né? Mas aí depois que começaram as matérias de Comércio Exterior mesmo eu adorei: comércio internacional, marketing internacional. Quer dizer, eu queria muito essa coisa, e aí a minha grande vontade era trabalhar numa trading, porque trading traz essa... justamente fazer pontes, né? Então você fica no meio entre o comprador e as fábricas.Eu fui fazer estágio numa empresa pequenininha pra aprender, depois eu quis ir pra uma maior, e aí depois da maior que eu fui pra trading, então houve influência dos professores que trabalhavam nessa área mesmo de negócios. Sempre queria isso, trabalhar no negócio, então sim, teve.
P/1 – E como é que foi essa experiência do primeiro estágio, o que que você achou, aprendeu muito, alguma coisa que você usa até hoje ou não, como que foi, e onde foi também?
R – Foi engraçado porque eu comecei no estágio tava no terceiro ano, e aí era uma empresa pequenininha, chamava GC Optus Systems, também no Ipiranga, e eu cheguei lá, eles não entendiam nada, eles tavam começando a importar algumas coisas e exportar, é uma empresinha, era uma empresa que mexia com fibra-óptica. E aí o gerente de vendas falou pra mim assim: “Olha, é o seguinte: o que você sabe de comércio exterior é o que eu sei”, eu falei: “Não, mas eu tô na faculdade, eu não sei quase nada”, ele falou: “Então, eu não sei nada”, eu falei: “Ah, então tá” “Olha, aqui o telefone do despachante, do Banco do Brasil, não sei quem, e você então se vira”.Quer dizer, eu tive que aprender na raça mesmo, então foi muito legal porque perguntando pra todo mundo, indo atrás, errei um monte, era a época ainda que batia à máquina, eu não sei nem bater à máquina, as guias de importação eram tudo na máquina e era um horror. Computador uma coisa ainda muito assim, ainda era aquele Lotus um, dois, três, eu nem usava, isso foi em 93. Não, 92. E aí era engraçado porque eu não tinha apoio, eles não sabiam nada. Aí eu falei: “Pô, mas eu sou estagiária”, ele falou: “Não, mas você vai”, aí eles resolveram me efetivar, eu falei: “Não, mas eu não vou ficar aqui porque eu quero ter experiência numa empresa maior”, então fiquei lá seis, sete meses, fui pra uma outra empresa que chama ICTAP, que trabalha com embalagens plásticas.Aí tinha o departamento de importação, exportação e eu era estagiária. Aí foi bom, porque aí tem ideia de empresa grande, de processos, que eu era aquela coisa salve-se quem puder, né; Aí a minha chefe pegava no meu pé, ela falou: “Pô, você é meio sem disciplina”, eu falei: “Não, é que eu tinha que me virar”, então aqui não, aqui ela vinha com os post-its tudo no processo, aí pra mim era difícil aquele negócio de ter que ficar tudo regradinho, ela pegava bastante no meu pé, mas eu sabia bem o que eu queria, quando eu cheguei na área eu falei: “Não, agora eu quero trabalhar numa trading”, aí comecei a batalhar, batalhar aí deu certo de entrar, que meu pai conhecia o diretor lá, então deu um jeito, me ajudou, um amigo nosso também facilitou a entrada. Aí foi muito legal, eu já aprendi tudo. Muito jogo de cintura, de realmente lidar com vários tipos de pessoas: o cliente, o comprador, as exigências e também o pessoal da fábrica,lidava com todo o tipo de gente.Foi muito bom.
P/1 – É um aprendizado que você carrega até hoje, você ainda usa muito o que você aprendeu nessa época?
R – Ah, sem dúvida, eu acho que, na verdade, você aprende muito a lidar com as pessoas e relacionamento humano. Quando você trabalha com negócios você tá o tempo inteiro lidando com expectativas, então acho que tanto o estágio quanto esse primeiro trabalho, esse primeiro trabalho foi onde eu realmente aprendi tudo, é a coisa do se virar, tiveram algumas experiências interessantes, da minha chefe falar: “Bom, tem um negócio, vai ter que acompanhar o cliente”, eu falei: “Pô, mas eu não sei, como é que eu vou fazer?”, ela falou: “Eu também não sei, então vai e aprende”, então tinha coisa de soltar, de ter muita liberdade.Foi ótimo, hoje eu uso tudo isso.
P/1 – E qual que era o panorama do comércio exterior no Brasil nessa época? Era desenvolvido, ou então não dá pra dizer dessa forma, depende da empresa, como é que era, como é que você via isso?
R – Então, na verdade o Brasil era muito fechado.Até a única coisa boa que o Collor fez foi isso, em 90, quando ele entrou, ele começou com essa ideia de abrir. Então pra importação, exportação, porque como o Brasil sempre teve um mercado interno muito forte, então eram poucas empresas, assim, que eram mais agressivas em importação, exportação. Ele trouxe isso, começou a entrada de muitos produtos importados e tal, nos anos 90. Porque até então a empresa mandava pra Alemanha Oriental, exportava muita coisa da Hering, então assim, começou, eu peguei uma fase interessante de abertura do país pra isso.A gente basicamente lidava com Estados Unidos, exportava calça jeans, exportava tecidos, exportava jaqueta, exportava pra Europa, então começou uma abertura interessante.Só que aí quando chegou 95 começou a história do...aí entrou o Fernando Henrique, aí quando veio a história do Real, aí equiparou o Dólar com o Real, aí deu uma quebrada violenta, então a gente perdeu todos os negócios, então de novo veio vindo mas o Brasil já tava se abrindo, né, então foi uma época interessante.
P/1 – A sua trading lidava somente com vestuário?
R – É, era uma trading têxtil, também tinha a parte de autopeças, mas basicamente têxtil. E eu tava no departamento de confecção, então a gente importava e exportava roupa, e fazia que em várias fábricas no Brasil inteiro exportava, comprava o tecido daqui, aí então da tecelagem ia pras confecções, aí fazia a produção e exportava.
P/1 – E como é que era esse caminho aqui dentro do Brasil, onde é que vinha, de onde vinha a matéria-prima, onde é que era produzido o vestuário, como é que era esse caminho?
R – Então, o caminho era assim: o Brasilsempre foi forte na produção de algodão, então tinha, ou importava também algodão, então vinha, tinham várias tecelagens, né, então, que já faziam índigo, faziam a sarja, e tinham as confecções, né, então justamente a nossa ponte, aí o nosso cliente final era nos Estados Unidos. Então o que que a gente fazia? Ia atrás desse, fazia a negociação com essa tecelagem pra comprar o tecido que ia pras confecções e a gente desenvolvia tudo, etiqueta, tal, e os modelos, aí tava aprovado, começava a produção. O Brasil sempre foi forte na área têxtil, né, e então começaram a crescer também o número de fábricas, né, então começaram a, então a gente tinha, era, a gente era forte nisso.
P/1 – Mas essas confecções de tecelagem se concentravam no estado de São Paulo, na cidade de São Paulo ou tavam espalhadas?
R – Não, tinha em São Paulo, tinha no Rio, a gente trabalhava no Rio Grande do Sul, trabalhava em Fortaleza, trabalhava no Piauí, então viajava controlando toda a produção dessas fábricas. Mas tinha então....atrading até tinha uma dessas tecelagens aqui em São Paulo, mas era no Brasil inteiro.
P/1 – E vocês que atuavam muito no comércio exterior, vocês tinham alguma influência também nessa região do polo têxtil do Bom Retiro, do Brás, ou é uma coisa completamente separada?
R – Não, era separado porque na verdade o Bom Retiro e o Brás eles faziam muito mais a história da importação.Eu peguei o começo até dessa coisa de importação da China.O Brás, o Bom Retiro, eles importavam camisa, tecido; a gente tava mais ligado na exportação, nosso forte era exportação, de fomentar um produto brasileiro lá fora. Então era um pouco diferente, a gente teve pouca relação com eles, quando a gente começou a trazer alguns tecidos da Argentina, que aí quando a exportação começou a ficar ruim, porque sempre flutuou muito, o Brasil sempre na sua inconstância: uma hora era bom pra importar, outra hora era bom pra exportar. Então tive alguns contatos com esse pessoal quando nós importamos o índigo. Mas aí...
P/1 – Da Argentina.
R –É, da Argentina, mas também não foi muito bom porque as pessoas tavam acostumadas a comprar daqui, então é um pouco complicado isso de mudar.
P/1 – Quanto tempo dura essa experiência nessa empresa?
R – Então, nessa empresa, na trading, foram dois anos e meio. Foi muito bomporque me pegou justamente saindo da faculdade e aprendendo.Quando eu saí de lá eu me senti assim, aí eu saí preparada mesmo pra mercado de trabalho e com condições de melhorar.
P/1 – Nesse sentido você já se via em condições de trabalhar em qualquer área, não só do têxtil mas qualquer área de comércio exterior, não importa o produto?
R – Isso, pelo fato da trading você ter que...mas eu gostava muito da área têxtil, no final a minha vida profissional acabou sendo toda dentro da área têxtil porque eu gostava muito, e é natural das pessoas falarem: “Ah, que ramo que você tem experiência?”. Eu tentei trabalhar no ramo alimentício, tentei algumas vezes trabalhar com commodities, mas aí no final acabou não dando certo, então eu acabei indo, trilhando por empresas mesmo da área têxtil.
P/1 – E você já mencionou que se casou.
R – Isso.
P/1 – Foi nesse período, foi depois, que período que foi quando você se casou?
R – Foi nesse período, quando eu tava inclusive na trading, então foi no último ano que eu tava lá que eu me casei e aí no ano seguinte foi que eu saí de lá porque realmente as coisas tavam muito difíceis pra exportação, foi um período muito complicado. Então aí eu saí de lá.
P/1 – E como é que foi esse casamento, era uma pessoa que trabalhava com você, como foi?
R – Não, é uma pessoa totalmente diferente, ele era da área da saúde, fisioterapeuta, nada a ver comigo.
P/1 – Ah, foi aí que você voltou às biológicas.
R – (risos). Ah é, acho que sim. Aí voltar pra área de biológicas, então era totalmente diferente. Foi por intermédio de uma amiga de infância que apresentou, que estava fazendo faculdade de fisioterapia, não tinha a menor chance de conhecer, morava na Mooca, totalmente fora do que eu... Da minha vida do Ipiranga, a Mooca. Foi uma área, então não influenciou nem eu na dele nem ele na minha, né?Quando a gente se conheceu eu estava na faculdade ainda e ele também, então foi...
P/1 – Mas o casamento de alguma forma influenciou na sua atividade profissional ou você sempre separou muito bem as duas coisas?
R –Eu acho que foi interessante porque ele nunca me tolheu. O fato de eu viajar bastante, porque eu viajava bastante, né...Depois, na outra empresa que eu fui trabalhar, comecei a viajar muito, e depois fiquei seis anos, sete anos viajando muito. Então estava interessante, porque como as áreas eram muito diferentesnão tinha muito... Havia muito respeito do que cada um gostava de fazer, né? Ele tinha uma clínica, dava aula na faculdade, era uma outra situação, né?
P/1 – E bom, e nessa época da trading têxtil você ainda não viajava muito, você ficava muito sediada em São Paulo ainda.
R –É, eu ficava em São Paulo. Eu viajava muito no Brasil, né, então ia pro Rio, ia pro Sul. E fiz uma primeira viagem internacional, que foi pra Nova Iorque, que eu fui com a minha chefe na época pra gente visitar, pra visitar os clientes. E aí foi, né, aonde eu falei: “Nossa, é exatamente isso que eu quero”.
P/1 – É justamente isso que eu queria perguntar, alguma viagem dessas foi especial? Que te marcou? Porque que te marcou? Que seja no Brasil ou fora, teve alguma que foi especial, que você lembra de uma história muito boa?
R – Então, foi essa.
P/1 – Foi essa?
R –Porque eu queria desde que eu estava estagiária, tinha uma promessa - a gente trazia uns equipamentos dos Estados Unidos - de “Ah, você vai, você vai”. Mas eu nunca fui, né, quer dizer, quando ia, ia o chefe, e a estagiária... A estagiária só ralava, e na hora do ir é o chefe, né, claro. Aí eu falei: “Pô, quando que eu vou, né?”. Quando chegou lá... Aí quando eu estava nessa trading também era a chefe que ia. Aí um dia ela falou: “Olha, é o seguinte: nós vamos então agora visitar os clientes, vamos ficar uma semana em Nova Iorque e você vai comigo”. Nossa, eu não dormi, porque era... Agora...
P /1 – Era um sonho.
R – Era um sonho. Isso era um sonho, de viajar a trabalho, era algo assim que eu sonhava desde o começo da faculdade, como é que ia ser isso, aí foi o máximo, né, porque a gente tinha uma relação super próximas, né, a gente é amiga até hoje, então a relação, então foi de chegar lá e ter que me virar em inglês, e tratar de negócios e tal, foi assim, um desafio e tanto, muito interessante, muito.
P/1 – E deu tempo de passear também ou só trabalho?
R – Não, deu tempo, a gente conseguiu pegar o dia, e também a noite a gente assiste os musicais, né, então saía, assiste os musicais, aí eu fiquei um sábado, que até não deu muito tempo porque a minha irmã casou justamente naquele final de semana, então eu um dia consegui, numa sexta-feira a tarde, dar uma volta, tal, mas o fato de ter saído do Brasil e visto como é que, né, conhecer as pessoas, foi assim, aí eu tinha a absoluta certeza do que eu queria fazer.
P/1 – Então aquela vontade de não só viajar mas morar fora também?
R – É, essa vontade eu sempre tive na verdade, né, desde que eu fui a primeira vez pra Disney, aquela coisa, eu falei, com 14 anos eu já queria morar fora, queria ter essa experiência, né, diferente, e aí lá, mas aí quando eu tava trabalhando na trading eu achava bacana essa coisa também do viajar, conhecer, trabalhar, mas voltar, trazer tudo que tinha aprendido lá pra cá. Então, acabou não tendo tanto essa vontade de morar fora, mas mais de viajar com uma certa constância, isso sim.
P/1 – Bom, e aí na trading você ficou dois anos e meio, né?
R – Dois anos e meio.
P/1 – E aí como é que foi essa saída, por que se deu e pra onde foi?
R – Então, aí a saída se deu porque quando, justamente, em 95, o Fernando Henrique, com o Plano Real, aí equiparou o Dólar com o Real, ficou um pra um, aí a gente perdeu todos os negócios, então a trading teve que enxugar, então o meu departamento foi embora inteiro, aí foi terrível porque eu adorava aquele trabalho, era mesmo aonde eu queria ficar assim, anos. E aí tive que sair. Minha chefe também saiu, e aí foi um período muito complicado, porque eu não conseguia encontrar, eu queria trabalhar exatamente na mesma coisa, e aí eu não conseguia encontrar porque justamente as empresas tavam todas, tavam todas na mesma dificuldade. Então fiquei seis meses desempregada e foi super complicado, porque fazia entrevista mas não conseguia me encaixar. Aí eu fui trabalhar com uma amiga que tinha uma confecção. Como eu não tava encontrando nada, então também já não aguentava mais ficar em casa, e também tinha acabado de casar, cheia de dívidas, cheia de coisa, eu falei: “Bom, então vamos fazer alguma coisa”, aí ela falou: “Olha, vem trabalhar comigo enquanto você tá procurando você vem me ajudar”. Aí foi bom, porque também trabalhar dentro de uma confecção, e aí foi onde também de relacionamento humano aprendi muito, porque trabalhar com pessoas dentro da fábrica, né, com suas dificuldades, com todas as suas, né, aquele distanciamento de patrão, então eu era muito amiga das patrões, mas ao mesmo tempo eu queria uma aproximação com eles, então de relacionamento humano eu aprendi muito. Então fiquei lá um ano, então também era, eles trabalhavam, né, pra uma marca que na época era HD, que era uma marca de surf super famosa e tal, então eu peguei bem o crescimento da empresa, então foi muito interessante. Aí fiquei lá um ano e pouco, aí, mas eu queria voltar pra área, quero voltar pro comércio exterior, é isso, é isso, é isso que eu quero. Tá bom. Aí eu fui trabalhar na, consegui um trabalho na Zoomp, que aí também era confecção, só que aí eles tavam abrindo o departamento de comércio exterior, porque com a ideia de trazer tecidos importados e algumas roupas. Aí então foi muito legal porque eu era, fazia exatamente a ponte entre os estilistas e as fábricas no exterior. Então, aí eu comecei a viajar mais. Aí ia pro Uruguai, porque a gente trazia coisa do Uruguai, aí fui pro Peru, fui pro Chile, fui (pausa) pra onde mais, aí era mais América do Sul, né, que a gente trazia algumas coisas, porque também as viagens eram mais interessantes era o chefe que fazia, então eu ficava (risos) eu ficava aqui, né, mais América do Sul, “ah, Uruguai, ah a Miriam vai”, “ah, Paraguai, ah a Miriam vai”, então era tudo assim, mas também foi legal porque também aí que outro público totalmente diferente, né, porque aí tinham as pessoas com egos mais inflados e o pessoal da fábrica, quer dizer, também então de aprender a lidar com gente. E aí outra coisa marcante foi a viagem, aí falou: “Bom, agora vai ter uma viagem, a gente quer começar aquela história da China, China, China, a gente não pode tá fora, vai pra China”, aí eu fui pra China, pra gente pensar em comprar, né, então trazer produtos de lá, né, desenvolver e trazer.
P/1 – Produtos já prontos lá?
R – Prontos, isso. Então eu já chegava, falava: “Bom”, desenvolvia, os estilistas desenvolviam o modelo, a gente já ia pra lá e aí trazia.
TROCA DE FITA
P/1 – Então, a gente tava falando sobre essa passagem lá na China, essa viagem pra China, né?
R – Isso.
P/1 – Vocês foram buscar os produtos prontos.
R – Prontos.
P/1 – E como é que foi a viagem lá?
R – Então, aí foi, então como é que funcionava? Então fui, viajei com os estilistas pra Nova Iorque primeiro, aí dentro disso então eles já tinham algumas ideias dos modelos, algumas ideias o que a gente via lá nas ruas, eles principalmente. E aí eu fui como compradora pra China, pra chegar lá, levar os modelos todos e aí ver quais seriam os tecidos e desenvolver as peças. E aí foi um choque, na verdade, né, porque chegar num país daquele tamanho e ver o absurdo, como os preços são baixos e como as pessoas vivem. Então aquilo realmente me chocou muito. Então, falar... Eles moram todos próximos das fábricas, ganham 30 dólares por mês. Então, aquela coisa do chinês, que na verdade dá muito valor pra educação, então o resto... Sabe? Condição de vida. Então era assim, eu fiquei assim, muito mexida quando eu voltei. Eu falei: “Bom, então quer dizer que nos Estados Unidos você está pagando... Ou aqui no Brasil você está pagando um valor que é absurdamente maior do que é comprado, ou do que essas pessoas ganham por mês”. Então aquilo mexeu muito comigo, dessa desigualdade, dessa...Esse pseudo trabalho escravo, né, com eles. Então foi uma experiência muito muito interessante. Então, aquela coisa de achar que só o Brasil que era grande, né, e chegar na China onde eu estava numa praça que eu fui pegar o... Fui ver umas lojas que a Zoomp até estava com uns produtos lá... Mas era tanta gente, era bicicleta, era gente, era carro, era moto. Então se tem uma noção mesmo de mundo, né, então foi muito, a experiência foi muito forte.
P/1 – Foi uma coisa que mudou sua avaliação que você tinha da sua própria atividade.
R – Da própria atividade, é, porque aqui, claro, trabalhando mais na Zoomp, que na época era uma marca top, então meio que uma visão muito glamorosa da coisa, né, e aí, da marca, das roupas, de quem podia ter Zoomp, de status, e aí vai, quando eu fui pra China, quer dizer, a gente então comprando, chegando lá é uma realidade totalmente diferente, uma realidade de trabalho, fiquei extremamente incomodada com isso, eu falava: “Mas tem certeza que a gente precisa disso? Não, vamos ficar fazendo aqui” “Não, mas é preço, é preço, é mercado, é mercado”, então isso me incomodava, dessa agressividade de mercado, e ter que ir lá pensando numa pessoa que não tinha liberdade, trabalhando muito, e ganhando 30, 40 dólares por mês, né? Isso era muito ruim, assim.
P/1 – E na sua cabeça você já começou a fazer planos pra tentar mudar isso,
Como é que você saiu de lá, pensando em que? Primeiro foi a indignação.
R – Isso.
P/1 – Mas e a indignação, o que surgiu da indignação?
R –Então, da indignação, assim, veio uma... Começou ali, eu acho, começou um pouco a vontade de trabalhar com algo que pudesse agregar mais, né. De sair daquele mundo um pouco, sabe, só de marca, de roupa, de status. Aí eu quis sair de lá mesmo, eu fiquei até um tempo tentando sair. Então, dos quatro anos e meio que eu fiquei lá, dois eu fiquei tentando sair, porque aquilo me incomodava bastante. Então, depois da viagem da China, aí eu tinha certeza mesmo que eu não queria mais aquilo.
P/1 – Você queria partir pra uma outra coisa.
R – Isso, partir pra uma outra coisa.
P/1 – Só uma questãozinha técnica antes da gente partir pra essa nova etapa da sua vida. Essa questão dos preços, imagino que o algodão é a grande matéria-prima da indústria têxtil.
R – Isso.
P/1 – E tem algum lugar que se caracteriza, eu imagino que o algodão também tem categorias, tem um lugar que ele é top, que ele é menos, que ele é pior. Quais são os grandes polos produtores de algodão que vocês iam buscar essa algodão, onde é melhor, onde é pior?
R – É, assim, o processo fabril têxtil, ele é muito complexo, né, porque então começa desde a, então chega lá o algodão, né, aí do algodão vem toda a parte de fiação, pra chegar então no fio, aí do fio vai pra fazer no tear, pra fazer então o tecido, aí sai do tecido, aí vira o rolo de tecido, e aí depois vai pra confecção, que depois vai pra cortar, pra confeccionar, por exemplo, no caso do índigo, lavar, aí dá acabamento e a peça tá pronta. Então quando você vai numa loja você não tem noção de todo esse processo. Então o algodão, o Brasil era, sempre foi produtor mas nunca foi muito grande, agora, mas era meio parelha essa coisa, né, então de comprar, tinha algodão dos Estados Unidos, tinha algodão também, que eu me lembre, da, acho que a China também produz, também é produtor de algodão, então tá muito ligado o preço com a qualidade do tecido, então o tecido prime, um tecido mais básico, e tá muito ligado com o tear, a batida do tecido, então é um processo assim, bastante, complexo.
P/1 –Mas é, qual que é o grande produtor do tecido premium, ou todos os outros produtores produzem todo tipo de tecido?
R – Isso, é.
P/1 – Como é, assim, dessa forma?
R – Então, por exemplo, você vai balizando então o preço dos tecidos, então, pela qualidade dele, pela batida, pela, então, a maioria produz os mais básicos, até uma coleção premium que é onde, né, tem, aí tem de tudo, gente que só produz mais coisa com algodão, sintético, lycra, poliéster, nossa, é uma infinidade de coisas.
P/1 – Entendi. Agora acabando esse parênteses, vamos lá. Então, seguiu o caminho. A viagem da China você ficou lá dois anos tentando sair pra procurar alguma outra coisa.
R – Outra coisa.
P/1 – Já sabia o que que era isso que você tava procurando, já tinha uma ideia formada ou foi uma coisa que levou tempo pra você perceber o que era?
R – Não, é, na verdade é assim, o tempo que eu fiquei na Zoomp eu ficava com a ideia de voltar o que eu fazia na trading, que era exportação, que sempre foi a minha, né, eu achava legal a importação, porque na Zoomp era muito mais, 90% do meu trabalho era importação, era o tecido importado, as roupas que a gente fazia fora e trazia. Então, eu tinha certeza que eu queria voltar pra exportação, porque na exportação tava ligada com a área de vendas, e o outro era compras, então ok, achava legal a parte de compras, mas eu queria mesmo vendas. Aí apareceu a oportunidade de trabalhar na tecelagem, então, na Jauense, que é do grupo Camaro Correa, e voltar pra exportação. Aí foi outro pico meu de realização profissional, porque aí quando eu cheguei lá o diretor falou: “Olha, a gente precisa crescer no mercado. Você vai pra onde você quiser, você tem absoluta liberdade pra fazer isso, agora você tem que fazer negócio”. Nossa. Aí eu pensei, eu falei: “Agora, agora finalmente eu vou colocar pra fora toda a minha, né, todo o meu desejo de ir atrás”. Nossa, aí viajei muito. Europa, América Central, América do Sul, e aí ele falava, né, era, viajava, e aí, o que que aconteceu, comecei a abrir negócio, né, mercados, que era o que eu mais gostava. Chegava no lugar, eu não conhecia ninguém e tinha que me virar. Aí ia, contato com não sei quem, com agente, com representante, então, essa visão de mundo eu realmente tive nesse, lá na Jauense, porque muita liberdade pra fazer isso, e a gente começou mesmo fazer negócios em outras partes, né, então viajei, viajei muito pra Europa, muito pra América Central, América do Sul, então foi onde eu expandi mesmo, né?
P/1 – E esses lugares onde você abriu os mercados, era um trabalho que você planejava, fazia um estudo de onde poderia ocorrer isso, era uma coisa que dependia só e você ou tinha uma orientação do seu chefe, quem que orientava essas viagens pra você abrir mercado?
R – É, eu tinha, o meu chefe na verdade era um amigo que tinha trabalhado comigo na trading, então o que a gente fez, a gente começou a pontuar quais seriam os lugares que a gente poderia exportar o tecido, né, que seriam interessantes como mercado, e aí começamos a buscar, então os representantes, então muito eu e ele fazendo esse trabalho, e aí tinha uma feira na França, duas vezes por ano, que a gente ia, e lá vinha compradores do mundo inteiro. Então ali a gente já conseguia balizar qual que eram os mercados interessantes. Então a ideia de ir pra Espanha pra vender pra Zara, por exemplo, e de tentar ir pra Itália, que eram mercados que compravam tecido e eram os mercados de moda, que eram os formadores de opinião. Então, foi muito trabalho com ele, agora muita busca, né, de ter que, e o diretor, por trás, ele na verdade dava essa liberdade, agora o resto era tudo eu e ele, esse meu amigo, que era o gerente, que fazíamos. Então foi mesmo de garimpar, né, de prospectar, mas tudo isso a gente fazia aqui, e depois já organizava, “Bom, vamos pra qual país, quem que a gente vai visitar, quais são os contatos?”, sempre tem um contato, né, nunca chegamos sem nada, mas fazendo essa, e aí, a partir desses contatos...
P/1 – Desbravar.
R – Desbravar, exatamente, total. Desbravar. Aí esses contatos dos representantes vinham com os clientes, a gente visitava, né, e aí via, né, ai “Quem que você pode indicar, se isso não é pra você?”, era desbravar, e aí, então desde a primeira viagem, acho que eu tava lá, fiquei quase três semanas, nós visitamos nove países, né, 15 cidades. Então aquela coisa, né, era trem, ônibus, avião, carro, indo atrás. Então era exatamente o que eu queria, né, de desbravar mesmo.
P/1 – E como é que, tem uma conclusão essa aventura, como é que foi?
R – Olha, na verdade é assim, eu fiquei seis anos fazendo isso, porque aí o que que aconteceu, eu fiquei dois anos e meio na Jauense, aí a Camargo Correa comprou a Santista Têxtil, e aí, aí nós fomos parar na fusão, né, também foi um período de aprendizado porque a gente vinha como comprado, né, então, aí eles me deram o mercado da Itália, aí eu tive que aprender italiano, então eu já falava espanhol, já falava inglês, mas aí eu tive que aprender italiano, porque você chega na Itália, eles tem uma preguiça de falar inglês, não sabem, né, e aí o representante só falava italiano, aí eu falei: “Pô, eu não viajo, cruzo o Oceano Atlântico pra chegar aqui e ficar calada, né?”, aí eu comecei a aprender. E aí foi muito legal porque aí eu desenvolvi a Diesel, que é a marca mais top do mercado de moda, uma exigência, assim, tenho que me virar no italiano, quer dizer, então foram seis anos nessa vida, né, de realmente de trabalho na área comercial em exportação, e viajando. Foi muito bom, mas eu senti, assim, foi acho que me expandiu muito profissionalmente, e também na área pessoal, né, de conhecer pessoas e de respeitar mesmo a maneira como cada um faz negócio, como cada um enxerga o seu negócio, então foi um aprendizado muito grande.
P/1 – E na Itália, a sede ali era Milão, aquela região da moda ali?
R – É, então, região norte que é o Veneto, né, então não chegava até Milão, né, mas era, então, tipo era (pausa) Verona, era, eu ia muito pra Padova, era mais aquela região do Veneto mesmo, né, então tinha um representante italiano, aí ele, a gente rodava mil e quinhentos quilômetros de carro, porque cada confecção, cada marca tava numa cidade diferente, mas tudo norte da Itália, então, porque o sul da Itália já era outra coisa, né, mais agrícola e tal. E aí também, aí você lidava com gente assim, né, o estilista da Diesel, né, aí a pessoa da qualidade, a diretora, então, e a gente Brasil, né, aquela coisa meio de sul-americano que, né, meio um pouco de preconceito, né, e brasileiro então é pior, né, aquela imagem de que você era, os portugueses principalmente, que a gente era muito simpático e tal, mas pouco sério, né, eu ouvi isso várias vezes, né, dizer :”Bom, vocês vem aqui, vocês falam”, a gente tinha essa, então eu queria muito provar que a gente era sério sim, que, né, não era aquela coisa só samba, mulher futebol e carnaval, que era isso que, né, lá fora, nossa.
P/1 – É a imagem, né?
R – Não, a imagem, aliás, eu tinha que saber, as primeiras conversas com os clientes era sobre o futebol, então eu tava sempre muito atualizada sobre o Ronaldinho, na época era o Ronaldinho, era o Rivaldo, o que eles tavam fazendo de tal, porque, né, não tinha muito jeito (risos) não tinha muito jeito, tinha que saber isso, né?
P/1 – A receita da feijoada (risos).
R – Isso, a receita da feijoada, caipirinha, e aí, né, aquela coisa do carnaval, se era bom, se era seguro vir, como é que era, ai, sempre a mesma história. Então foi… foi, né, de trazer uma profissionalização, né, então, realmente eu chegava aqui na fábrica, nossa, aí quando eu voltava eu falava: “Ah, quer vender pra Diesel, né? Então agora vai ter que cumprir”. Então assumia vários, assumia muito risco, mas foi bom, foi um aprendizado, assim, de jogo de cintura mais ainda.
P/1 – Você chegou a ter que morar na Itália por um tempo por causa desse trabalho ou só viagens pontuais?
R – Não, só viagens, só viagens. Na verdade teve quase uma experiência de morar fora que aí tava com a ideia de ter uma pessoa na Europa, porque, né, ir e voltar, ir e volta tava ficando caro, aí no final eu fui cotada pra ir, mas no fim eles preferiram escolher um argentino, que a Santista tinha fábrica na Argentina, que ele já tinha morado fora, então ele que foi. Mas cheguei a ser cotada mas no final não deu certo.
P/1 – Mas a sua vontade era ir?
R – Era, era. Eu tinha vontade de ir. Principalmente na Espanha, né, porque eu já falava muito bem o espanhol, e meu avô espanhol, então tinha aquela ligação, assim, de que eu chegava na Espanha, eu me sentia muito em casa, né, de um país assim, eu gostava de tudo, a comida, da forma deles trabalharem, tanto que eu ia assim, quatro, cinco vezes pra Espanha, era o meu principal mercado, na verdade, então era muito bacana ir e tal. Mas aí acabou indo essa pessoa, então eu fiquei, aí eles compraram, aí a empresa comprou uma fábrica a Talex comprou na Espanha, aí foi muito ruim porque de um dia pro outro todos os mercados da Europa que eu tinha desenvolvido, eu perdi tudo, porque aí foi uma pessoa, as pessoas de lá que começaram a tocar. Aí fui pra América Central. Aí outro mundo, né, que aí você sai daquela história do produto, pra ir pra preço, aí era só China, China, China, aquilo começou a desgastar, o trabalho, porque era só isso, aí perdeu aquela coisa legal de você desenvolver o produto, só preço. Aí eu falei: “Ah, não”. Aí foi quando eu comecei a querer sair.
P/1 – Aí, quanto tempo durou esse desgosto assim, quanto pra você se decidir realmente a sair, como é que foi esse período, que ano que foi, que período que foi?
R – Período que foi, então o que aconteceu foi assim, então eu trabalhei na Zoomp de 97 a 2001, aí 2001 eu fui (pausa) 2001 eu fui pra Jauense, aí quando chegou 2004 foi quando eu fui pra Santista, aí 2006 as coisas começaram a, foi quando a empresa comprou a fábrica na Espanha, aí 2006 as coisas começaram a ficar mais difíceis, né, que eu me lembro que a gente foi numa feira, e aí eles falaram: “Olha, agora você vai começar América Central”, então 2006 eu comecei a não ter mais aquela... Sabe, aquele entusiasmo mesmo pelo trabalho e tal. Aí as coisas começaram a mudar, eu comecei a sentir que eu estava num fechamento de ciclo. Porque na verdade, eu nunca trabalhei muito tempo numa empresa, como eu sou extremamente movida a desafios, quando começava aquela coisa da rotina, tudo muito igualzinho, aí eu já começava a perder o interesse. “Ah, então, vou começar a pensar em outra coisa”. Aí foi a grande mudança da minha vida, na verdade, que foi a história de sentir um ciclo que estava fechando, do corporativo, né, de trabalhar 15 anos em empresa. E eu comecei a sentir uma vontade de fazer alguma coisa na área social. Então eu pensei que... Mas não sabia direito o quê, né, então eu comecei a falar: “Bom, eu tenho que conversar com pessoas que saibam”. Quando chegou 2005, mais ou menos, 2005, 2006, como a Camargo Corrêa estava com... Tinha o instituto Camargo Corrêa, eles tinham uma coisa do funcionário voluntário. Eu fui ver o que que era isso. Aí quando eu fui ver – eu já tinha feito um trabalho num orfanato, né, de ajuda pra uma obra lá – eu falei: “Nossa, quer dizer quedá pra trabalhar com isso, né?” Eu não tinha ideia, era uma coisa totalmente fora do mundo que eu vivia. E aí eu fui conversar com uma pessoa, com a Melissa, que era a superintendente de lá, ela falou: “Olha, você tem dois caminhos: vai ser voluntária pra ver se é isso mesmo e vai estudar. Tem que começar meio de novo”. E aí eu fiquei nas duas coisas, né, então em 2006 eu comecei só a ficar na busca, vendo o que que eu ia fazer, e aí eu conheci, então, no final de 2006 a Monte Azul, que é a Associação Comunitária Monte Azul.
P/1 – Só uma pergunta, então você acabou se desligando da Camargo Correa pra ficar só no Instituto ou como é que foi?
R – Não, não, não. Na verdade eu continuei lá na Santista.
P/1 – Fazendo esse trabalho com a América Central.
R – Isso. Fazendo esse trabalho com a América Central, viajando.
P/1 – E ao mesmo tempo buscando esse...
R – Isso, ao mesmo tempo. Porque eu sabia que não podia simplesmente, né, sair.
P/1 – É.
R – Né, tinha que continuar trabalhando. Então eu fui fazendo paralelo. Aí eu fui conversar com ela, e aí, que era do instituto, aí ela falou: “Olha, continua lá na Santista”, porque eu não conseguia casar nada que pudesse usar o que eu fazia com o trabalho com essa, né, alguma coisa de voluntariado na área social. Então eu fiquei lá, no ano de 2007 inteiro, e aí eu fui ser voluntaria mesmo no começo de 2007, então eu fiz, eu fiquei quase um ano nas duas coisas. E aí foi fácil porque a Monte Azul é perto do centro empresarial onde eu trabalhava, e aí foi assim, aí o ano de 2007 foi que aconteceu tudo, né, na verdade eu me divorciei em 2007, (pausa) eu sabia que era um novo ciclo de vida que estava começando, né? Então eu ficava muito lá na Monte Azul, então aproveitava hora de almoço, ia pra lá, muito no telefone, porque eles estavam justamente fazendo um trabalho de renovação na área de comunicação, que não era a minha área, mas eu fui com uma amiga minha, e aí a gente ficou, né, se envolveu. Aí eu me envolvi muito, tanto que chegava nas reuniões da empresa eu não conseguia pensar mais no trabalho, e aí vinha chefe: “E aí, tá cheio de estoque, o estoque tá alto, o que você vai fazer, vender?”, e minha cabeça: “Nossa, o que eu posso fazer, captação de recursos”, aí eu comecei a fazer coisas na Monte Azul que eu nunca tinha feito, comecei a escrever pra ajudar, comecei a pensar em coisas que não fazia nada, não tinha nada a ver com meu mundo. E eu, então o desligamento da empresa aconteceu todo nesse ano de 2007.
P/1 – Só pra gente deixar bem claro, a Monte Azul é uma associação que age ali na região do próximo ao Morumbi, né?
R – Isso.
P/1 – Você sabe um pouquinho da história da Monte Azul pra falar bem brevemente pra gente, o que que eles faziam, como é que eles agiram ali?
R – Então acho que até pra finalizar como é que eu saí disso, aí eu fiquei então 2007, né, como voluntária e tal, aí fui fazer um curso na FIA, né, de responsabilidade social e terceiro setor, e aí quando chegou no final de dezembro, novembro eles fizeram um corte na empresa, e eu fui no corte, porque estava muito ruim a parte da exportação, então, e aí foi onde eu saí. Então a Associação Comunitária Monte Azul, ela já, né, ela começou com a pedagoga Ute Craemer, que morava no Jardim São Luiz, então que corresponde então tinha a favela lá do Jardim São Luiz, a da Peinha, que é perto do Panamby, e o Núcleo Horizonte Azul. E ela começou justamente com essa ideia de fazer pontes entre as pessoas da comunidade e as pessoas que ela dava aula na escola, né, que era de um público de classe média, classe média-alta. Então, quer dizer, acreditando em que você pode transformar a vida das pessoas por meio de conhecimento, de educação, de saúde, então hoje a associação já existe há mais de 30 anos, atende um público de mil e quinhentas pessoas por dia, então, nas áreas de educação, de saúde, de alimentação, de (pausa) de todos os níveis, né?
P/1 – E quando você chegou lá, conheceu então o projeto, o que que mais te atraiu, o que que você mais gostou, e o que que você já pensou “isso eu posso fazer”, como é que foi?
R – É, eu então, quando eu cheguei lá que foi na visita, primeiro eu fiz uma visita monitorada, né, pra conhecer a organização, e aí começou aí, quando eu fui na segunda reunião, eu disse pra ela que eu não era daquela área, vinha uma certa dúvida porque eu pensava, eu falei: “Nossa, né, venho de uma área de negócios, né, eu não sou pedagoga, eu não sou psicóloga, não sou assistente social, sou formada em Comércio Exterior, né, que que eu vou ajudar, né?”, e aí fiquei meio insegura, né, depois eu falei: “Nossa, como é que eu vou fazer essa ponte do corporativo pro terceiro setor, né?”, não tinha a menor ideia. A sorte é que eu fui com essa minha amiga que no fim fez pós-graduação em marketing, ela fez Comércio Exterior comigo mas fez pós-graduação em marketing, aí eu fui com ela, falei: “Bom, então é o seguinte, eu sou faz tudo, você bola, vê com a galera da Monte Azul e eu corro atrás”. Mas aí, no fim, eu comecei me envolver que quando eu, a gente tava fazendo o novo folder até da organização, quando eu vi eu tava escrevendo texto, fazendo coisas que eu nunca tinha feito, porque é um envolvimento aí de pensar em ações pra captação de recursos, é, nossa, foi assim um monte de ideias, assim, que eu comecei a ter, que eu tava, era um mundo novo que tava se abrindo, né, mas eu fiquei bastante insegura porque eu não tinha experiência nenhuma, né, era muito ruim.
TROCA DE FITA
P/1 – Então a gente tava falando da Monte Azul e você começou a fazer coisas que você nunca tinha feito, antes, né?
R – Que eu nunca tinha feito antes. É, então eu comecei realmente a me envolver nessa área de comunicação, que estava também... A gente ia, eles resolveram fazer um novo site, então o que eu aprendi de coisa... Mas ao mesmo tempo, a Monte Azul tem também a área de geração de renda, eles tem uma lojinha, então eles trabalham também a parte de marcenaria, bonecas, eles tem essa área. E aí eu já comecei a me interessar, então fui conversar. Eu, logo pra pensar mesmo o que eu ia ser, fazer do voluntariado, eu tirei cinco dias de férias e mergulhei cinco dias na organização, conheci tudo, conversei com um monte de gente. Porque era um mundo muito novo. E aí eu comecei a ver a geração de renda. Falei: “Nossa, então tem geração de renda”. Quer dizer, você pega então os jovens, capacita e ensina, e aí eles podem então vender esses produtos e começar a viver disso. Aí começaram a acender umas luzinhas na minha cabeça, eu falei: “Opa, não tô tão fora desse mundo, de repente eu posso pensar em alguma coisa nisso”, aí comecei a ter essas ideias.
P/1 – E nesse caso a Monte Azul, ela entrava com o espaço de capacitação, fornecia o material e fornecia as condições pra que as pessoas pudessem vender os próprios produtos, ou era a própria Monte Azul que vendia, como é que funcionava?
R – Então, é, na verdade eles tem lá então o projeto, né, que é a padaria, eles tem a padaria, a marcenaria e a confecção das bonecas. Então eles capacitam, né, fazem toda a parte de formação pra esse pessoal, e aí a própria Monte Azul vende, então a padaria tá dentro da comunidade, aí eles tem uma lojinha também dentro da comunidade, e eles, como eles fazem brinquedos educativos de madeira, então tem lojas que compram deles, né, e aí muita gente que vai visitar acaba comprando, então muito dentro, no esquema da Monte Azul, não uma coisa assim mais agressiva de venda pra fora, isso nunca teve, é mais internamente. Então a gente até agora eu tô vendo como é que a gente pode até ampliar isso.
P/1 – E essa renda que era gerada era reinvestida na própria associação pra se expandir?
R – Na própria associação, isso.
P/1 – Geração de outros cursos.
R – Isso, geração desses cursos, das pessoas que estavam envolvidas, né, dessa, então, tudo que entra é reinvestido nisso mesmo, né, na própria geração de renda.
P/1 –E dessa forma, é isso que a gente pode entender pelo menos nesse caso da Monte Azul, isso que a gente pode entender como economia solidária, no seu modo de ver, ou existe outros tipos que você já conhece? O que exatamente seria essa economia solidária?
R –Eu acho que assim, né, hoje a economia solidária está bastante diversificada. Então, por exemplo, quando a gente fala de organização social, ela está muito dentro do que é a geração de renda, de você possibilitar que pessoas busquem alternativas de trabalho, de conhecimento... Pra que elas possam viver disso. Só que na organização social, tem muito a arte do pedagógico, então são os jovens em situação de risco, são mulheres que na verdade sofrem algum tipo de violência, ou de dificuldade mesmo, de entrada no mercado de trabalho, né. Então, tem a parte pedagógica e tem também pensar na sustentabilidade não só dessas pessoas, mas também das organizações sociais. Então isso é uma coisa que está sendo também muito discutida nesses últimos tempos. Porque a economia solidária, na verdade, ela o que é? É um jeito diferente de você produzir, vender, comprar e fazer trocas, por meio de uma forma em que haja cooperação, que haja solidariedade, que haja...
P/1 – Inclusão.
R –Inclusão social. E não ter essa relação de hierarquia, de patrão e empregado. Então a igualdade dos gêneros, então a igualdade... Entre os homens e as mulheres, em que as mulheres então ganhem a mesma coisa, que isso ainda não acontece. Então a economia solidária, ela traz então... Ela tem como estratégia a inclusão social, o respeito ao meio-ambiente, a não-degradação do meio ambiente, e o respeito e valorização do trabalho humano, de uma forma que seja coletiva e global. Então, acho que as organizações sociais, os próprios movimentos sociais... Porque a economia solidária não foi alguém que criou, ela veio exatamente desses movimentos sociais, da sociedade civil, das organizações sociais. Pensando de você então ter uma maneira mais justa e equilibrada do trabalho, de geração de renda. Então o meu primeiro contato com isso foi na Monte Azul, e aí depois eu fui ser também voluntária na Associação Lua Nova, que é uma associação que trabalha com meninas adolescentes que ficam grávidas, em situação de risco e vulnerabilidade social.Lá também tem um trabalho de geração de renda, que elas fazem as bonecas, né, fazem as bonecas e vendem as bonecas. Fazem bolsas... Então, elas chegam com seus filhos, e vão aprender alguma coisa pra justamente aprender uma... Ter uma capacitação pra justamente vislumbrar um futuro diferente, um presente e um futuro diferente. Então, lá também eu tive uma experiência super interessante, porque quando eu comecei a ser voluntária lá elas estavam justamente num processo pra exportar bonecas pra Itália, e eu peguei todo o processo, fiz tudo. Agora, é muito diferente você trabalhar com uma fábrica, que... Os processos todos ali, as pessoas... E com meninas adolescentes, que estavam fazendo as bonecas. A relação de tempo, né, e até do meu ritmo e da minha exigência, foi um... Eu fiquei enrolando os italianos um tempão porque elas atrasavam, né. “Não, na semana que vem”. “Não, olha, a fulana não veio porque o filho está com dor-de-barriga, e aí o trabalho vai atrasar”. E eu: “Ai meu Deus, na empresa não tinha isso, né?”. Ligava lá, gritava com todo mundo e pronto. Ali não podia, né, eu: “Ah, entendo”. Aí eu chegava pro italiano e enrolava, né, na verdade: “Olha, então, a entrega essa tal vai ser na outra semana”. Também trazendo... Que aí eu vi a grande diferença, pensando nessa economia solidária, dessas meninas... Realmente virarem então uma cooperativa ou uma empresa social em que todo mundo ganha, e que elas mesmas comecem a gerir o negócio. Então,entra muito dentro disso, também eu fui aprender isso, lidar com meninas que não... De um público difícil de tratar, porque vem de um ambiente de violência, vem de um ambiente de tudo muito difícil, complicado, as relações principalmente, né? Então também veio um trabalho que eu aprendi bastante.
TROCA DE FITA
P/1 – Então, nesse caso a diferença grande que você sentiu foi que a abordagem com quem produz e com quem compra é totalmente diferente do mundo empresarial.
R – Sim.
P/1 – E isso na verdade foi um alívio pra você, foi uma coisa que te fez ficar mais satisfeita com o seu trabalho, como é que você enxerga isso?
R – Na verdade, eu acho que foi uma forma diferente de enxergar o comércio e o negócio, porque até então a minha visão era lucro, aquela visão da empresa de que eu tinha que ter margem sempre, aquilo era uma coisa que martelava, e o chefe: “Qual é a margem? Qual é a margem? Qual é a margem?”, porque era o lucro pros empresários, pros acionistas.A minha ideia era sempre focada em quanto eu poderia ganhar mais de margem de lucratividade, então quando eu fazia um belo negócio é porque eu tinha vendido com uma margem maior, tanto que quando era época da Diesel, por exemplo, todo mundo fazia assim pra mim na empresa porque era onde eu tinha conseguido a maior margem. Um dia um tecido lá eu consegui 30%!Nossa, sabe! E aí quando eu comecei a fazer esses dois trabalhos de voluntariado que eu faço até hoje caiu tudo isso. Então eu falei: “O que, tem uma outra forma diferente de fazer negócio”.Então foi aonde eu conheci a economia solidária e o comércio justo, quer dizer, você não precisa ter lucro, você inclui as pessoas, as pessoas aprendem com isso, elas resgatam a autoestima, elas resgatam o valor do trabalho, muda tudo. Muda tudo. Mas ao mesmo tempo, eu trazia um ritmo e uma velocidade do segundo setor que eu sabia que eu tinha que mudar porque daquele jeito não dava.Mas abriu pra mim um novo horizonte, sem dúvida, do negócio. Como é que você poderia fazer de uma forma que fosse justa e inclusiva.
P/1 – Então agora eu vou fazer uma pergunta que é bem pessoal, você pode responder do jeito que você quiser. Dessa forma, pelo que eu entendi, você enxerga que tem formas de aprimorar esse trabalho que é feito pelas associações, ainda tem coisas a melhorar, né?
R – Sim.
P/1 – Qual seria a sua sugestão, o que você proporia pra isso? Assim, não precisa nem pensar o quanto isso é utópico na sua cabeça, o que poderia ajudar as associações?
R –É, eu acho assim, o que tá acontecendo...as organizações sociais depois da crise de 2008 nos Estados Unidos e que começou também na Europa, todo esse período que a gente tá vendo o que que aconteceu, as organizações sociais lá atrás recebiam muitos recursos, então hoje os recursos então mais escassos.A sustentabilidade tá muito ligada nessa ideia também de geração de renda. Eu penso muito que tem a área pedagógica, tem a área de formação, mas eu acho que seria muito interessante pras organizações começarem a ter um pouco mais essa visão desse negócio social, da parte de geração de renda que aí você fala, “Não, não tem fins de lucro”, mas ela tem algo de empresa, porque se você não pensar como empresa não funciona, porque aí você só gasta e não sabe como ir atrás dos clientes, não sabe como fazer preço.Então assim, uma coisa que quando eu comecei a ver isso é essas organizações sociais realmente estando mais inseridas nesse mundo do negócio social.
P/1 – Com uma visão um pouco mais empresarial, no caso.
R – Isso, um pouco mais, um pouco mais empresarial, não deixando de lado, claro, o que elas fazem, mas enxergando a possibilidade de....não é nenhum demérito ganhar dinheiro ou sobreviver disso, pelo contrário, é você fazer mas de uma forma que seja inclusiva, né? E importante pra que essas pessoas também vejam outras alternativas. Então isso é mesmo um sonho, né?
P/1 – Vamos voltar pra hoje, então. A sua participação na Monte Azul e na Lua Nova continua, como é que tá hoje essa situação?
R – Continua, na Monte Azul eu tô agora vendo com eles a parte de geração de renda, tentar ajudar. Então ver o que é possível ajudá-los pra que.O que acontece hojetem essa dificuldade de vender, de fazer uma venda mais reativa, ainda hoje tudo é muito passivo, então eu tô ajudando lá; na Lua Nova eu faço também muitos contatos em São Paulo, faço a ponte entre, por exemplo, os possíveis clientes e contatos e as meninas, o pessoal da coordenação lá. Então continuo, não muito, mas continuo atuando de forma, tento atuar com os dois porque foram extremamente importantes nessa minha mudança, mas continuo fazendo alguma coisa sim.
P/1 – E nesse período todo você de alguma forma foi remunerada, tinha alguma, você conseguiu também tirar um sustento disso tudo ou foi uma atividade totalmente voluntária, como foi?
R –Quando chegou 2007 eles fizeram corte na empresa, e aí eu pensei: “Bom, agora se eu quero mudar de área eu tenho que ir”, mas sabia que eu ia precisar de um tempo como voluntária pra aprender e saber se eu tinha mesmo vocação pra isso, se era isso que eu queria fazer, né?Que até então era tudo muito novo. Então, com a rescisão da empresa eu fiquei oito meses como voluntária na Monte Azul, na Lua Nova e mais uma outra rede. Aí quando chegou em agosto de 2008 eu fui conversar com essa mesma pessoa, a Melissa, que tinha saído do instituto Camargo Correa e tava na rede América - que a rede América é uma rede de institutos e fundações latino-americana- e eu cheguei pra ela e falei: “Olha, acho que agora eu preciso trabalhar, porque não dá pra ficar vivendo só como voluntária, eu preciso”.Aí ela tava na rede América e me convidou.Então eu fiquei esses oito meses só mesmo como voluntária, e aí eu fui pra ser remunerada.E era um trabalho que ia durar cinco meses, porque depois a rede América ia pra outra organização, mas aí eu fui porque eu falei: “Bom, eu preciso, né?”, as reservas tavam diminuindo. Aí eu fiquei cinco meses lá, tava remunerada, e de lá eu conheci o FICAS, que é a ONG que eu trabalhei por três anos, como trabalho aí remunerado.
TROCA DE FITA
P/1 – Bom, então a gente tava falando desse período que você conheceu o Instituto FICAS, a ONG, uma ONG.
R – Isso, a ong FICAS.
P/1 – Como é que é essa ong, onde que ela atua?
R – Então, o FICAS é uma ong, hoje ela está na Vila Madalena, aqui pertinho.E o FICAS atua fortalecendo outras ongs, outras organizações sociais por meio de formação e gestão e no pedagógico.Porque o que aconteceu?A fundadora também percebeu que as ongs começam sempre por amor a uma causa e aí fica pra trás a parte da gestão, então, como articular melhor seus parceiros, captação de recursos, então fica, entra justamente fazendo essa ponte.
P/1 – Dá uma visão empresarial pras ongs.
R – É, trazendo, capacitando, trazendo um olhar mais pra gestão, né?Então, eu fui trabalhar lá e foi super interessante.Eu fiquei três anos lá, porque aí eu entendi o que era a área social, né? A primeira reunião dou risada até hoje porque cheguei lá, primeira reunião, e elas falaram assim: “Ah, então vamos refletir”, eu falei: “Refletir?”, eu falei: “Olha, eu nunca refleti na minha vida, sempre fui paga pra resolver e solucionar problema, tem algum problema, o que que você vai fazer, refletir, né?”, aí eu falei: ”Nossa, acho que eu não vou me dar bem muito nisso aqui”. Aí foi engraçado, que aí falava fortalecer, palavras que eu nem sabia, tive que aprender linguagem, fortalecer, legitimar, eu não falava essas coisas na empresa. Aí falava: “Ah, vai legitimar não sei o que” ou “fortalecer as organizações”, eu falei: “Pô, mas como é que é fortalecer organização social?”Então até então eu era só voluntária, a minha ideia era outra. Aí lá entrei fazendo na área de articulação, justamente fazendo a ponte entre as organizações sociais, os institutos, as fundações empresariais.Porque o FICAS na verdade não tem atendimento, é uma ong, são hoje doze pessoas que trabalha o tempo inteiro em projetos, dando assessoria, consultoria, cursos.Então, foi muito interessante porque aí eu comecei lidar com outro público, das fundações, trazer uma visão do investidor, então quem investe, como é que é, a história.Até então essa viagem que ele fez pra Santista lá, é do instituto pra onde a empresa tem fábrica, pra trabalhar no entorno da fábrica, então também na parte da comunidade, tem isso até que o Adilson foi fazer tava ligado com esse projeto, né? Então me abriu mesmo a ideia do terceiro setor. Aí eu aprendi mesmo o que que era o terceiro setor. Aí conheci muita gente, aí você vai circulando e muitos eventos.A gente fez um seminário lá - também outra coisa que eu nunca tinha feito na minha vida, organizar um seminário - e foi um trabalho totalmente diferente, de articulação com pessoas, montar o seminário; e aí também fazia um pouco a captação de recursos, de buscar parceiros, de buscar projetos e tal. Aí eu fiquei lá três anos, mas desde que eu comecei lá eu tinha muito essa, sentia muita falta de produto, porque o que que acontecia, a vida inteira trabalhando ou confecção ou tecido, então produto pra mim era uma coisa assim, sabe?E aí trabalhar só serviços, chegava uma hora que eu falei: “Ai, não, tá me faltando alguma coisa”. Aí o que que aconteceu, eu fui conhecer o comércio justo. Então eu entrei no FICAS em 2009, em 2010 teve um curso na Faces do Brasil sobre comércio justo e economia solidária, economia solidária e comércio justo. Nossa, aí que eu realmente entendio que que era. Aí pensei: “Eu quero trabalhar com isso. Eu quero trabalhar com isso, eu quero trabalhar com isso”. Mas sabia que no Brasil era uma coisa ainda muito nova principalmente essa ideia do comércio justo, tal. Ai no curso eu conheci uma colombiana que tinha trabalhado na OxfamIntermón lá na Espanha; a Oxfam é uma organização social que também tá em vários países, e eles têm então a parte do comércio justo, que é em inglêso fair trade. Aí eu pensei, eu falei: “Nossa, eu preciso ir lá ver o que que é isso. Quero ver, quero saber melhor”, porque o que que eu pensava: como é que eu ia trazer, aliar a minha experiência com algo que é totalmente novo? Como é que eu ia fazer isso, eu não tava de novo, tava naquela desde de dez anos antes, como é que eu ia participar disso? Aí eu fiz o curso, gostei muito, comecei a ler sobre o assunto, mas não tinha mais nada aqui no Brasil, não tinha mais curso, não tinha mais nada disso. Aí apareceu a oportunidade de ir pra Espanha pra ver lá como é que era. Ela me indicou a pessoa que me mostrou tudo, eu vi lojas de comércio justo, então quer dizer, de você comprar o café que vem de uma comunidade do Equador, o chocolate que vem de Gana, sabe, o artesanato que vem da Índia, tudo numa loja só. Aí eu fiquei enlouquecidade coisas, eu falei: “Meu Deus, né?”, só que aí eu fui descobrir que na verdade isso o Brasil tá 20 anos atrásporque já há na Europa muitos lugares. Por exemplo, na França o pessoal, 75% da população sabe o que é comércio justo ou já comprou algo de comércio justo. Aqui você pergunta, fala: “Comércio justo? Mas o comércio não tem que ser justo?”, já a primeira, o que é o negócio diferente do comércio justo, economia solidária. Quando eu voltei, eu comecei a procurar quem é que tava fazendo isso, mas encontrei poucas pessoas fazendo. E eu não tava conseguindo ver como é que eu ia me encaixar num trabalho, aí eu falei: “Bom, preciso trabalhar”, pra sair então de onde eu tava eu tinha que encontrar alguém pra poder me recolocar e ver como é que eu ia direcionar até a minha vida, mas forte de novo, “não, vou achar, vou ver tudo outra vez” busca do que que seria interessante, trazer o lado social que eu não queria mais mudar, mas também trabalhar com produtos. Então isso foi 2010, 2011, na verdade.
P/1 – Super recente.
R – Super recente.
P/1 – E aí o que é que resultou dessa sua busca?
R – Então, aí o que resultou dessa busca? Aí fui, conversei com várias pessoas, e vai, e fala, e vê.Aí eu já conhecia a ASTA desde 2008, porque teve um evento da Ashoka e eu coordenei junto com a Lua Nova, e a gente convidou então a Alice Freitas, que é a empreendedora social da ASTA, pra falar. E aí, em 2008 eu já tinha achado, adorado aquilo, mas elas tinham começado em 2005, na verdade, no Rio de Janeiro, e em 2007 elas tinham começado a rede ASTA, então elas tavam um ano só.E eu lembro que eu na época até falei pra elas, eu falei: “Olha, quando vocês forem pra São Paulo eu quero, vamos conversar”, aí ela falou: “Imagina, a gente tá só começando aqui, nem tem ideia de ir pra São Paulo”. Bom, tudo bem. Aí a gente continuou, se falava muito de vez em quando. Aí no ano passado teve uma iniciativa do instituto Wall-Mart e da Ashoka pra falar sobre negócio social, porque isso começou ser muito divulgado fora, e aqui no Brasil as pessoas começaram a ver também o que é negócio social, né? Então tudo muito difícil até de dar um significado: “Ah, economia solidária, comércio justo, negócio social, organização social”, então o que que é, então empresa social, né, então. Aí teve um seminário, foram quatro encontros justamente pra falar sobre isso, do que que era o negócio social. Então negócio social é algo em que você faz, que até começou muito pela história do Muhammad Yunus, do Grameen Bank, da história do banco dos pobres, de você possibilitar que a base da pirâmide, o que é?São as pessoas que estão na base da pirâmide poderem se incluir. Então as empresas fazerem algo, ou as próprias organizações sociais que incluísse essas pessoas. E aí eu encontrei com ela e a gente começou a conversar, aí ela falou, em uma hora de almoço ela contou como é que tava e ela falou: “Olha, a gente agora tá bem mais estruturado, e tá no nosso planejamento estratégico ir pra São Paulo”, eu falei: “Então vamos conversar”, aí aquilo, eu falei: “Olha, então vamos conversar, vamos ver o que que a gente pode fazer”, e aí eu decidi que ali eu vi uma luz de que era exatamente o que eu vinha buscando nos últimos quatro anos, que era trabalhar numa organização social, mas que tivesse mais o viés pro negócio, que é o negócio social. Aí o que que a gente pensou? Então a ASTA o que que é? Então a ASTA hoje é uma oscip que ela faz exatamente: gera pontes entre o grupo de mulheres, de artesãs do Rio de Janeiro, que hoje estão basicamente localizadas lá, em comunidades de baixa renda, e os consumidores. Então como é que elas descobriram, como é que poderia ser feito isso, essa ponte? Por meio de uma como Natura e Avon, por exemplo, a venda direta, porque a venda direta resgata o relacionamento humano. Então a pessoa, pela ponte do catálogo, vai, conhece, conversa sobre os produtos, conta; então elas pensaram que isso seria um caminho, uma ideia, porque ter loja, aqui quem tinha loja não conseguia se dar bem, porque é muito difícil. É algo totalmente novo. Então o que que elas fizeram? Um catálogo só com produtos sustentáveis. Então, com a ideia de usar materiais reutilizados, resíduos, mas possibilitando que o talento desses grupos chegasse no consumidor final, trazendo também, fomentando a história do consumo consciente, o que que é, é você comprar alguma coisa que você tem certeza que aquilo tem um valor social agregado, tem transparência, existe ali uma história por trás daquele produto. E aí que que eu fiz? Eu falei bom, eu não podia sair da onde eu tava, e ainda também não tinha nenhuma ideia de realmente ter um lugar fixo, o que fazer, falei: “Bom, vou fazer o seguinte: me dá o catálogo, eu vou começar a vender”. Nossa, aí vendi, vendi muito. No final do ano, em quatro meses, eu fui a segunda maior - que elas chamam, a gente chama de conselheira, não revendedora e nem consultora - a segunda maior conselheira do Brasil em volume de vendas, porque aí comecei amigo, todo mundo, amiga, abri toda a minha rede e comecei a falar da ASTA. Aí a gente chegou a conclusão de que tava na hora. Aí as coisas foram acontecendo, aí as coisas foram acontecendo, aí conseguimos o apoio de uma empresa, aí conseguimos alugar duas salas em uma casa em Moema, aí onde eu montei o showroom, eu montei o escritório, então eu tô sozinha, a gente começou com essa ideia primeiro do crescer as vendas e um time de conselheiras em São Paulo, pra depois começar a incluir novos grupos.Inclusive um dos grupos que eu quero incluir é a Monte Azul, que eles fazem a parte de madeira. Então esse é um dos grupos que eu quero mais. 2013 nós vamos começar a pensar nessa ideia. E aí então foi, eu cheguei naquilo que eu queria desde que eu tava, todo esse processo desses quatro anos que eu vim seguindo chegou na ASTA, que era o que eu queria. Aí montei o escritório, o showroom, tudo; e em abril desse ano, eu entrei em março, abril desse ano a gente inaugurou. Então, assim, aí veio de novo aquela fase da super empolgação, que foi a primeira da trading, depois a Jauense, e agora, profissional, de que eu uso 100% a minha experiência na área do comércio e na área do negócio, mas pra incluir então essas mulheres e realmente trabalhar pra algo que tenha, que eu possa, com meu trabalho, colaborar para a transformação social.Então, eu amo esse trabalho, né?
P/1 – E essa seção de São Paulo da ASTA hoje tem quantas pessoas trabalhando, é só você ainda?
R – Isso.
P/1 – É só você?
R – Só eu ainda. A gentetá, faz cinco meses que eu tô lá.No Riode Janeiro são 17 pessoas, então lá tá toda a equipe, tá marketing, comunicação, pessoa que cuida da logística, dos grupos.Então qual é o diferencial, que aí também é outro princípio da economia solidária, o comércio justo: esses grupos de mulheres, 60% são mulheres, então o talento vem delas, na verdade a gente só potencializa o que elas fazem. Então a gente não chega e fala: “Ai, eu quero que vocês façam esse produto”. Não. Vem delas a ideia, a gente seleciona esses produtos e coloca num catálogo. Então por isso que hoje a maioria dos grupos está no Rio, porque é onde elas fazem toda...hoje essas 17 pessoas fazem toda essa administração desse negócio.O nosso diferencial é que a gente compra os produtos, então elas sabem, esse grupos de mulheres sabem o quanto elas vão receber, porque o catálogo dura três meses, então elas já sabem quanto vão receber e na hora que a gente já faz a encomenda e tem em estoque pra distribuir ou pelo site ou pela venda dos catálogos. Então elas têm condições de saber quanto elas vão ganhar, elas se programam, não é aquela coisa de que eu vou comprar por dois reais e vou vender por 50. Não. Também é feito de uma forma transparente, que é outro preceito da economia solidária e do comércio justo, quer dizer, relação de transparência, inclusão da mulher, então, por exemplo, a gente faz o seguinte, olha no catálogo, 50% do preço é quanto custa pros grupos. Nele tá embutido quanto elas vão ganhar, as compras, tudo lá. 22% fica pra quem vende e 28% é o que fica pra administração da ASTA, que o que entra é tudo reinvestido e aí paga a logística, o catálogo, toda essa parte. Então é dessa maneira que a gente... e a gente já vê os resultados dessas mulheres melhorando de vida, tem uma que começou fazendo fuxico e aí inventou uma almofada que chama fuxicão, que é grandona assim, e aí a vida dela melhorou, o marido, as pessoas da família começaram a respeitar muito mais, porque hoje ela vive da renda que ela gera pelo talento dela. Então é outra história, muda tudo, né?
P/1 – E você já falou, por exemplo, como esse produto é distribuído, né, tem os catálogos.
R – Tem os catálogos.
P/1 – Mas eu gostaria de saber, tem também internet, quais são todas as formas que se distribui esse produto?
R – Tá, então a rede ASTA o que a gente faz? O catálogo são as conselheiras que são as vendedoras, então elas recebem o catálogo e elas começam a vender pra sua rede de amigos e família. A outra é o e-commerce, que é o site, que você também entra no site todos os produtos tão lá, aí paga o frete quando recebe.E outra forma que a gente descobriu, porque como todo negócio social a grande dificuldade qual é? Se sustentar!Porque como é sem fim de lucro, você tem que fazer, não tem o capital de giro, então aquilo tem que vai girando e vai pagando as contas, e vai pagando todas as despesas mensais. Então elas perceberam lá que seria outra ideia vender brindes corporativos, mas qual é o diferencial?Você oferece pra empresa, primeiro qual é o resíduo que ela gera?Ah, a empresa gera muito papel, muito jornal, muita garrafa pet, então tem um grupo de designers, e tem os artesãos também lá que desenvolvem produtos, uma linha de brindes corporativos pra essa empresa. Então essa empresa doa o resíduo, desenvolve essa linha, esses grupos produzem e volta pros seus clientes, fornecedores e colaboradores uma parte daquele resíduo que eles geraram. Então essa é uma outra forma de entrada de recursos da ASTA. Então são os brindes, a rede, a venda direta e o site, o e-commerce.
P/1 – E como você enxerga alguma que seja mais forte agora, alguma que tenha tendência maior a crescer? Dá pra dizer dessa forma ou não?
R –É, eu acho que assim, o site, a ideia de compra pela internet também é algo que no Brasil tá crescendo, em outros países já é super, já tá disseminado isso; tá crescendo, tá começando mesmo as pessoas se interessarem e comprarem.E as conselheiras na verdade são também, tá crescendo, porque mais e mais pessoas começam a se interessar não só pelo produto mas pela causa, então querem participar de alguma forma, não só comprando mas vendendo, principalmente quem sabe vender, quem gosta de vender.Agora o que eu vejo que tá crescendo mais é justamente a parte das empresas, por quê? As empresas, essa parte da sustentabilidade tanto economia, ambiental e social é algo que tá muito forte. E é um caminho sem volta. Então eles tão começando a ver que é uma nova ideia e que é possível fazer. Então quando eu chego nas empresas e apresento os brindes, o que que a gente já fez com jornal: pasta de jornal, porta-copo, porta-retratos, com jornal trançado, eles não acreditam porque fica um negócio que é muito bonito e que você na verdade deixou de jogar no lixo. Então eles acham... porque é tudo muito igual, caneta, caderno, brindes.
P/1 – Chaveiro.
R – Chaveiro, pastinha, ninguém aguenta mais, pega aquiloou dá pra alguém ou guarda e não usa. A gente participou até semana passada de uma feira, Brasil promotion, que é uma feira de marketing promocional, e aí chegavam as pessoas das empresas, parecia que a gente tava fazendo um negócio assim de outro mundo: “Garrafa pet é possível fazer uma bolsa? Uma carteira? Com garrafa pet?”, e aí tira, faz um chaveirinho que é um novelo, vai tirando, e tudo isso os grupos é que vão...na verdade reinventando até seus equipamentos pra fazer isso, como cortar, como fazer as faixas, pintar com giz-de-cera, algo assim.Então, tá crescendo muito, a gente tá sentindo que... e fora essa ideia do consumo consciente, eu acho que as pessoas tão vindo um tipo de...por meio dessa ideia de sustentabilidade, pensar no seu consumo, porque você com o seu consumo pode mudar tudo. Então a importância do consumo, do consumo consciente mesmo, comprar aquilo que você precisa, mas buscar algo que tenha uma história por trás, que tenha um outro valor.
P/1 – Bom, você já falou que tá nos planos da ASTA aqui em São Paulo angariar novos parceiros, produtores de materiais, de artesanato, mas também tá nos planos formar novas conselheiras aqui em São Paulo?
R – Também.
P/1 – Como é que tá mudando isso, como é que você pensa em recrutar, como é que é?
R – É interessante porque a gente tá aqui buscando primeiro aumentar esse time de conselheiras. Então como é que faz?Vai muito dentro das pessoas que eu conheço, então é um trabalho absoluto de rede, de boca a boca. Alguém que eu conheço eu falo: “Olha, você conhece alguém que gosta de vender pra eu apresentar a ASTA?”.Aí eu faço bazares, pessoas novas chegam, agora tudo no relacionamento, tudo. Então das pessoas conhecerem...por exemplo, a gente teve num fórum de mulheres que foi em junho, aí a Alice Freitas veio, ela foi convidada pra falar, aquilo teve uma repercussão enorme, porque eram basicamente mulheres do mundo corporativo que não tinha ideia da possibilidade de um trabalho assim. E aí essas pessoas começam a entrar em contato comigo e a apresentar pessoas, e assim vai indo, todo o trabalho em rede.Aí eu tenho um showroom aqui, eu faço bazares, então pessoas vão lá conhecer, comprar os produtos e tal. E aí, mais pra frente, crescer também, e isso as conselheiras não só em São Paulo mas a gente tem no Brasil inteiro, porque os produtos são enviados pelo correio, dá condição de ter conselheiras em todos os lugares.E aí começar a até ter grupos aqui também, grupos produtivos de mulheres, organizações, cooperativas.A gente também tem esse desejo, mas como ainda é tudo muito novo, eu tô basicamente focando os esforços nas empresas e nas conselheiras.
P/1 – Justamente por ser tudo muito novo talvez a minha pergunta seja um pouco descabida agora, mas tava pensando: existe algum plano de um dia utilizar essas pessoas, essas mulheres de comunidades carentes pra também se tornarem conselheiras, pra poder tá nos dois lados, não só de artesã mas também como uma conselheira? Ou já existe isso no Rio, não sei?
R – Existe. Na verdade o que que acontece, a grande dificuldade é a história dos talentos. Então você tem os grupos de mulheres que realmente tem o talento, a criatividade de fazer o artesanato, que também pouca gente tem isso, e do outro lado é quem tem o talento de vender. Então o que acontece com elas? A grande dificuldade é vender dentro da própria comunidade, porque quando elas vão vender, não existe a valorização do produto, fala: “Ah, mas tá vendendo caro, esse produto não tá dentro do que...”, eles preferem outras coisas, comprar fora de lá. Agora, a gente tem essa ideia, mas a gente tenta fazer, como é um trabalho de rede, então de mais pessoas se envolverem, então as pessoas que são as que produzem, as artesãs, e as pessoas que vendem, e as pessoas que consomem, a gente criar toda essa rede de pessoas. Então, existe, eu acho que até tem algumas que já vendem, mas não é, é uma ideia mas não é algo, assim...
P/1 – É um processo um pouco mais demorado.
R – Isso, é. Agora o outro processo, então a gente, aí eu....o interessante de começar a abrir isso, de pensar ir pra outros estados mais pra frente.A ASTA sendo uma tecnologia social, né? E aí claro que eu formada em Comércio Exterior, o meu grande sonho adivinha se não é exportação (risos), se não é de exportar, de abrir isso, de pensar em exportar pra lojas de comércio justo.Porque isso na Europa, Estados Unidos, gera um valor bem alto, tem muita gente fazendo isso. Então é o meu grande sonhode internacionalizar a ASTA. Aí...
P/1 – E nesse processo vale um investimento em publicidade ou é uma coisa que tá distante de vocês ainda, como é que é?
R – Então, agora existe mesmo, a gente tá até fazendo um trabalho da marca, da identidade da marca. E existe essa necessidade, a gente entende que é super importante, então a gente tem uma assessoria de imprensa, nós saímos lá na Pequenas Empresas Grandes Negócios desse mês, saímos no Valor Econômico do mês passado, de buscar mesmo dar uma visibilidade pra ASTA, porque o que que acontece?Hoje muitos negócios sociais estão ainda muito no início. A ASTA já tá acontecendo, e ela hoje, claro que ela não se sustenta, ainda precisa de patrocínio, precisa de projetos, porque esses 28% que ficam pra manter toda essa estrutura precisa de um volume de vendas.Por isso que eu tenho um desafio enorme aqui em São Paulo, porque precisa se pagar, né?Essa estrutura, então, a gente sabe que é absolutamente necessário o investimento em mídia, em marketing.Então a gente tá mesmo buscando isso também, porque já, por exemplo, a gente saiu na Pequenas Empresas, hoje me ligou uma empresa falando: “Nossa, se vocês em 2005 o faturamento era 5 mil reais e em 2011 foi seiscentos e cinquenta, quer dizer, vocês estão em franco crescimento”. Então é algo que está interessando as pessoas e essa nova forma de você fazer negócios inclusivos, né, então assim.
P/1 – Bom, a gente vai chegar agora numa parte mais final da entrevista, né, e a gente vai falar um pouquinho pro lado mais pessoal. Então hoje em dia você tem esse trabalho, esse super desafio com a ASTA aqui em São Paulo, mas como é que é que o seu dia-a-dia, tem como você narrar pra gente como é que vem sendo o seu dia-a-dia desde que começou esse trabalho?
R – Olha, o meu dia-a-dia é assim...mudou tudo, de novo eu tô aprendendo, né? Então mudança com 40, a mudança pra área social foi com 40 anos, então mudança agora de trabalhar sozinha, eu sempre trabalhei em empresas ou lugares com equipe e agora a equipe tá no Rio de Janeiro. Então, eu tô com um desafio grande de trabalhar sozinha, de realmente ser dona do meu tempo, ser dona, sou a chefe e empregada, eu mando e eu executo, né?Então é um negócio assim meio novo de novo, de virar e falar: “Bom, e agora, né? Como é que...”, porque eu tenho total liberdade, elas lá, São Paulo sou eu que gerencio e eu que faço o que que eu acho que tem que ser feito.Então o meu dia-a-dia é assim: eu fico lá em Moema, no escritório, no showroom, mas saio muito em entrevistas, saio muito pra fazer visitas, eu faço muitas visitas a empresas, converso com pessoas, participo de muita coisa ligada à área, de encontros, seminários.Então eu fico e ainda tô nesse trabalho de que tem muita gente até nem sabe o que eu to fazendo, ainda de divulgar mesmo, de divulgar a história, do boca-a-boca mesmo, né?Então, não tenho muita rotina, é um trabalho assim, uma hora eu tô entregando produto, outra hora eu tô recebendo uma pessoa que quer ser conselheira, outra hora eu tô na empresa, outra hora eu tô na casa de alguém, outra hora eu tô fazendo bazar, então não tem muita rotina.Eu tô fazendo, o dia-a-dia as demandas vem aparecendo, é alguém que quer tirar foto, é alguém que quer falar, que quer comprar pelo site, que não sabe como, então tudo. É um desafio bastante grande, até coloquei uma meta bem alta pra mim. Então, de novo, como eu gosto muito de desafio, é a sensação de tá no lugar certo.
P/1 – Fazer uma pergunta bem aberta agora, você acha que é possível dizer que existe uma Miriam Lima antes desse envolvimento com a economia solidária, comércio justo e uma Miriam depois disso? Você notou muito a transformação em você desde que você conheceu esse tipo de trabalho?
R – Ah, sim, eu acho que sim, eu acho que a transformação...eu, na verdade, sempre na minha vida profissional quis trabalhar de uma forma transparente, responsável, de buscar resultado, mas eu acho que a hora que eu vi que você não precisa trabalhar pra ter lucro, mas sim que você pode incluir outras pessoas que estão na base da pirâmide e que essas pessoas possam viver daquilo, não necessariamente tendo que ser funcionário, empregado, trabalhar numa empresa, e que elas possam viver disso, mudou completamente a minha visão.Porque eu vinha de uma visão empresarial, que você tinha que fazer, sair da escola, fazer faculdade e trabalhar numa empresa, e era isso. Quer dizer, agora você ter essas alternativas e possibilitar condições que as pessoas possam viver de uma maneira totalmente diferente, mudou toda a minha visão.Então acho que a área social me abriu um campo que eu....é um campo totalmente novo, uma nova maneira de enxergar a vida, de enxergar as relações que eu não tinha lá atrás.
P/1 – Te renovou por vários sentidos.
R – Tudo. Tudo. Eu falo que na verdade eu tive um fechamento de ciclo, então a hora que eu saí do segundo setor eu fechei um ciclo e abri outro.A área social é um ciclo novo.
P/1 – Miriam, qual que é o seu sonho hoje, seu objetivo?
R – Meu sonho? Olha, o meu sonho é mesmo crescer na ASTA, que eu quero não só o crescimento do negócio social, mas poder ser uma, como se fosse um catalisador pra que novas pessoas possam conhecer e pensar nessa ideia do consumo, de você começar a ter a real noção de que como você como consumidor tem o poder de transformarpela sua compra; de que mais pessoas conheçam a ASTA, que a ASTA realmente, porque ela tem essa filosofia que é algo muito interessante, e que é possível sim fazer e expandir; aquilo do sonho da ASTA tá em outros países, quer dizer, não ter limites pra isso, deste modelo de negócio, né? Então é isso.
P/1 – E hoje você consegue frequentar um shopping, uma loja de roupas, uma boutique da mesma forma que você frequentava antes, ou hoje os valores que você elenca pra essa atividade comercial te faz viver de uma outra forma, como é que você enxerga hoje entrar num shopping, numa loja de roupa do shopping?
R – É, mudou muito.Na verdade acho que da época até que eu trabalhava numa marca que era superconceituadaeu tinha uma ideia. Agora na verdade, eu sempre de entrar em loja, comprar roupa, eu sempre tive muita noção de quanto custava. Então isso não mudou, eu chegar numa loja e ver que aquilo tá custando quatro vezes, cinco vezes mais do que custa realmente, olhar uma calça jeans que sabia que custa, sei lá, 30 reais, e eles tão vendendo por 500, então nunca quis comprar.Eu sempre tive isso muito certo.Mas agora o entrar na loja de shopping já mudou também, quer dizer, quero saber qual é a empresa, o que essa empresa, o que que ela tá fazendo, também tá me interessando saber o que que ela tá usando de estratégias,até na área de sustentabilidade me preocupa isso agora, de qual é essa visão da empresa também, o que que, e não mais, e aí alia a qualidade do produto ao preço e saber que aquilo tá de alguma forma trazendo benefício pra alguém. Então mesmo que seja numa loja de shopping, eu sei que eu tô trazendo aquela compra, tá dentro daquele preço, tá beneficiando aquela confecção, aquele grupo de mulheres que costuraram, aquela tecelagem, aquela pessoa que colheu o algodão, você pensar nisso mais, e não sair comprando por comprar, não mais.
P/1 – E esse pensamento seu se estende a todo tipo de produto, não só roupas mas também a maquiagem, o calçado, tudo.
R – Isso, o calçado, tudo. Tudo. Na verdade é, e não se ligar mais nessa história de marca porque eu acho que a gente vem dessa cultura da marca, do status da marca, e isso nada a ver, não tem mais, não faz mais parte do meu mundo isso, então é muito aliado ao produto, o que que esse produto, quem é que faz, essa empresa, tal, então tentar buscarcomprar nada mais que seja feito na China, por exemplo (risos), que depois de ter ido lá e ter visto, né, quando olha lá made in China já fala “Hum, não”, então de olhar a qualidade do produto, saber se ele vai ser mais durável ou não, tentar buscar isso. Acho que é mesmo perceber isso e tentar encontrar isso, e aí, por exemplo, presentes, essas coisas.Agora todo mundo só ganha coisa da ASTA, ou de feiras, algumas coisas pra comprar, coisas assim, mudou nisso.Mas não de uma forma radical dizendo “Ah não, não entro mais em shopping, o templo do consumo”, não, nada a ver. Cada um, acho que o importante é o seguinte: tá cada um fazendo o seu trabalho, acho que a gente tem que respeitar, e o segundo setor é fins de lucro, ok.O governo tem o seu, com o setor público, e o terceiro setor tem toda a sua, dentro do seu trabalho e dentro das suas condições.Então sem preconceito e sem dizer: “Ah não, agora vou usar só roupa que não tem, que aí então o algodão é orgânico, que tudo é orgânico”.Não, também sem radicalismos.
P/1 – E sobra tempo pro lazer na sua vida em geral?
R – Ah, sobra, né?
P/1 – Sobra?
R – Sobra. Na verdade, continuo gostando muito de viajar, isso continua, né.Então quando dá sai, e aí gosto muito de teatro, cinema, sair com os amigos.Sobra. Claro que aí onde eu vou o catálogo tá junto, mas (risos) o catálogo, qualquer minutinho que dá falar: “Você conhece?”, não sei o que, aí já saio sempre com uma venda, porque isso é natural meu, não tem jeito, eu sou vendedora nata, não tem como, onde eu vou já tô com o catálogo. Mas assim, sempre ter lazer é super importante senão a gente não vive como tem que ser.
P/1 – Então pra finalizar agora, tem alguma coisa que a gente não perguntou mas você ache que é importante registrar, que a gente tá esquecendo?
R – Não, eu acho que é interessante frisar bastante o que é essa nova forma de fazer negócio, eu acho que é uma alternativa, é uma que até quando se falou, né, que se a gente tem sete bilhões de pessoas no planeta sendo que quase cinco bilhões vivem com menos de dois dólares por dia, então tá na hora mesmo da gente buscar alternativas, uma nova economia, que esse capitalismo, isso agora, hoje, não dá mais. Aquilo que eu aprendi na faculdade de Administraçãonão casa mais, eu acho que agora a gente tá num período interessante de justamente de mudança de paradigma, mudanças de ideias e tal, então acho que isso que, então, a minha vida profissional, acho que até chegar aquifoi um caminho muito interessante por ter passado por tudo isso, e hoje ter me dado a possibilidade de buscar o novo, mas trazendo a experiência do passado. Então acho que é isso, acho que isso é o mais legal.
P/1 – Bom, e o que você achou de ter dado essa entrevista pra gente, como é que você se sentiu de contar a sua vida aqui?
R – Olha, adorei. Na verdade acho que eu nunca tinha feito, trazer essa fala toda lá de trás até agora. Eu nunca tinha feito isso, então foi até interessante. Você fez perguntas da minha vida que eu nunca tinha falado pra ninguém. Então, uma coisa assim muito nova, achei muito legal, acho que até falei demais, mas achei que foi legal (risos).
P/1 – Tá bom, então, senhora Miriam, muito obrigada por essa participação e em nome do SESC São Paulo e do Museu da Pessoa a gente agradece muito.
R – Nossa, eu que agradeço, foi um prazer. Obrigada.
Recolher