P/1 – Boa tarde, Elizabeth, eu gostaria que começássemos nossa entrevista com você falando seu nome, data e local de nascimento.
R – Bom, eu sou Elizabeth Carvalhaes, eu nasci no Rio de Janeiro, em 14 de março e vivi lá até os sete anos, mais ou menos.
P/1 – Como foi assim, até os sete anos no Rio, você falar um pouquinho da sua família, dos seus pais, dos seus avós.
R – Bom, eu venho de uma família muito grande. De um lado são, minha mãe tem 10 irmãos, a família do meu pai é um pouco menor, são três. Dessas famílias portuguesas que cada tio tem 10, 12 filhos, então uma família enorme hoje em dia. Meus avós, por parte de mãe, são portugueses, são fazendeiros no Rio de Janeiro. Pelo lado do meu pai não, trabalhavam no comércio, meu pai trabalhou toda vida na indústria de cinema, na indústria cinematográfica, então ele viajava muito, às vezes era transladado de uma cidade para outra e isso motivou a nossa mudança para São Paulo. Então eu tinha na época oito anos e ele sempre trabalhou em companhias americanas onde era a indústria de cinema e minha mãe não trabalhou fora, ela cuidou só dos filhos, nós somos quatro irmãs mulheres e a última é temporã, é muito mais nova do que as três mais velhas, essa já é paulista, a última e a coisa aconteceu mais ou menos assim. Nós até hoje vamos muito ao Rio de Janeiro, a família continua sediada no Rio de Janeiro, depois naturalmente na minha geração, então minhas irmãs, meus primos casaram, tiveram filhos e ficaram sediados no Rio de Janeiro e nós nunca mais voltamos pro Rio. Depois meu pai faleceu, faleceu até extremamente jovem, mas nós estávamos com a vida bastante organizada em São Paulo e nunca mais fomos embora pro Rio e moramos em São Paulo, até hoje, e naturalmente a gente vai ao Rio com extrema frequência.
P/1 – Que é uma cidade maravilhosa.
R – É, continua muito boa.
P/1 – E eu queria que você...
Continuar leituraP/1 – Boa tarde, Elizabeth, eu gostaria que começássemos nossa entrevista com você falando seu nome, data e local de nascimento.
R – Bom, eu sou Elizabeth Carvalhaes, eu nasci no Rio de Janeiro, em 14 de março e vivi lá até os sete anos, mais ou menos.
P/1 – Como foi assim, até os sete anos no Rio, você falar um pouquinho da sua família, dos seus pais, dos seus avós.
R – Bom, eu venho de uma família muito grande. De um lado são, minha mãe tem 10 irmãos, a família do meu pai é um pouco menor, são três. Dessas famílias portuguesas que cada tio tem 10, 12 filhos, então uma família enorme hoje em dia. Meus avós, por parte de mãe, são portugueses, são fazendeiros no Rio de Janeiro. Pelo lado do meu pai não, trabalhavam no comércio, meu pai trabalhou toda vida na indústria de cinema, na indústria cinematográfica, então ele viajava muito, às vezes era transladado de uma cidade para outra e isso motivou a nossa mudança para São Paulo. Então eu tinha na época oito anos e ele sempre trabalhou em companhias americanas onde era a indústria de cinema e minha mãe não trabalhou fora, ela cuidou só dos filhos, nós somos quatro irmãs mulheres e a última é temporã, é muito mais nova do que as três mais velhas, essa já é paulista, a última e a coisa aconteceu mais ou menos assim. Nós até hoje vamos muito ao Rio de Janeiro, a família continua sediada no Rio de Janeiro, depois naturalmente na minha geração, então minhas irmãs, meus primos casaram, tiveram filhos e ficaram sediados no Rio de Janeiro e nós nunca mais voltamos pro Rio. Depois meu pai faleceu, faleceu até extremamente jovem, mas nós estávamos com a vida bastante organizada em São Paulo e nunca mais fomos embora pro Rio e moramos em São Paulo, até hoje, e naturalmente a gente vai ao Rio com extrema frequência.
P/1 – Que é uma cidade maravilhosa.
R – É, continua muito boa.
P/1 – E eu queria que você falasse um pouquinho aqui em São Paulo da sua juventude, um pouco da escola, da faculdade.
R – Bom, eu estudei num único colégio, eu e minhas irmãs, porque minha avó estudou num colégio francês chamado Sacre Coeur de Marie, na Europa, depois minha mãe foi educada nesse colégio no Brasil, no Rio de Janeiro e todas nós, minhas irmãs e eu também, entramos no jardim e saímos no último ano de colégio. Esse colégio hoje em São Paulo até fechou. Era ali na Nove de Julho. Eu tive uma infância ótima, sem muitas preocupações, acho que meus pais tiveram uma vida sócio econômica bastante tranquila. Então nós aqui em São Paulo frequentávamos o colégio, feriados, Natal, sempre fomos pro Rio de Janeiro, passamos lá com a família. Aqui normalmente, nos fins de semana, naquela época nós íamos para Santos. Meus pais tinham um apartamento de veraneio lá e minha juventude foi tranquila, colégio só de mulheres e depois eu fui para a faculdade, fui fazer a Faculdade de Letras, estudar, alemão, inglês e português. Bom, depois em seguida eu saí pro exterior. Eu ia bastante de férias e tudo, às vezes a gente viajava e o exterior não era assim uma coisa super nova. Aí quando eu estava na Universidade de São Paulo, aqui em São Paulo, eu consegui uma transferência para Universidade de Viena, que para mim foi ótimo. Eu fui para Viena e estudei mais três anos e meio, então eu completei a faculdade, eu fiz a escola de tradutores e intérpretes da Áustria. Bom, concluído isso eu voltei pro Brasil e justamente eu tinha o conhecimento de idiomas. Eu nunca tinha trabalhado fora, aí eu fui um pouco ajudada pelo idioma. Eu fui procurar emprego e uma colega me indicou, perguntou se eu queria fazer uma entrevista na Volkswagen. Eu fui. A minha entrevista foi extremamente rápida porque eu nunca tinha trabalhado, então quando o gerente perguntou qual era a minha experiência profissional, a resposta foi super rápida. Eu disse: “Nenhuma.” Terminou a entrevista, porque eu não tinha nada para oferecer. Eu tava super tranquila, tava chegando aqui no Brasil depois de três anos e meio, não sabia muito, não sabia direito, na realidade eu tinha intenções em dar aula na pós graduação da Universidade de São Paulo. Essa era um pouquinho, até a expectativa da Universidade porque eles sabiam que eu fiquei muitos anos na Áustria, na Universidade de Viena onde eu cheguei a dar aula, como professora convidada, de literatura portuguesa e brasileira. Então criou-se um pouco essa expectativa. Quando eu cheguei, era 1981, o país era muito fechado, uma ditadura militar e tudo, a Universidade era muito pouco equipada em relação ao que eu tinha conhecido na Europa. Aí eu achei que dar aula, não sei se era o que eu queria porque eu não tava muito ligada nos movimentos políticos e eu acho que ia acabar me envolvendo nisso. Aí a indústria, eu achei que não ia entrar, mas a pessoa que foi escolhida, não fui eu, porque eu não tinha nada, a pessoa desistiu, então sobrou só eu de candidata. Aí eu fui trabalhar na Volkswagen. Era muito estranho, eu nunca entrei numa fábrica na minha vida, também nunca tinha trabalhado, é difícil uma indústria dessa... A experiência que eu tenho, se eu conhecesse uma pessoa hoje que tivesse entrando, eu ia dizer para ela se tranquilizar porque esse período, chegar numa empresa grande assim, no Brasil da época, a empresa era maior ainda, leva um ano, pelo menos, esse processo de chegada, de entender mecanismos, entender como se movimenta uma indústria dessa, grande dessa maneira. Eu sei que depois de um ano, o meu primeiro ano foi muito confuso, eu trabalhava na indústria automobilística, mas eu ia e voltava com todos os livros de literatura alemã, que eu fiz língua e literatura alemã. Daí eu lia, lia e a cabeça não tava focada ainda. Eu tinha um mundo acadêmico muito forte, então eu ia e voltava com livros. Aí no fim do ano, com menos de um ano de trabalho, eu achei que era melhor voltar para Áustria. Acho que indústria automobilística não era o foco. Voltei para Áustria, mas não pedi demissão, voltei para ver um pouco, voltei e fiquei na Áustria pouco tempo, naquela época. Porque era meio férias assim arrumadas, um mês e meio, dois meses na Áustria. Aí naquela época, eu vi um pouco e pensei: “Acho que eu venho definitivamente para Áustria, eu vou ao Brasil, eu vou sair do trabalho e venho embora para Áustria e vou seguir mesmo orientação acadêmica”. Quando eu voltei e conversei com o então chefe da época, ele disse: “Não, imagina você tem um baita talento para fazer o que você tá fazendo. Não é isso. Voltar para Áustria, para quê? Você não é austríaca não tem nada a ver, você gosta...”. Eu recebi tanto elogio, eu não sabia que eu sabia trabalhar. Eu fiquei sabendo aquele dia. Aí eu conversei com outro colega, um senhor alemão que cuidava da produção internacional e ele conhecia muito a literatura alemã e eu só conversava com ele, e ele disse: “Olha, você tem que pôr a sua cabeça no lugar, larga esses livros de literatura e olha para Volkswagen e é isso que você vai fazer, aí você vai se orientar, você tá completamente desorientada”. Aí eu fiquei sem jeito porque eu falei: “Meu Deus, eu falei que quero ir embora eles ficam falando que não.” A gente é novo, inexperiente, tudo isso, resumo, mais dois meses, mais três, faz 22 anos, aí eu segui uma carreira, continua a historinha?
P/1 – Eu queria que você falasse um pouquinho que você entrou na área de exportação.
R – Ah sim, isso foi na área de exportação. Naquela ocasião, anterior a minha chegada, a área de exportação começou a se expandir, o Brasil começou a exportar um carro, outro ou tinha já mercado, aliás tinha eu tô diminuindo muito a atividade da empresa, tinha... Eram até regiões da América do Sul, América Central, Ásia, Oriente, Oriente Médio. Tinha assim quatro regiões que eles chamavam e eles tinham aberto essa região do Oriente Médio. Então aí eu entrei, porque na realidade eu sabia falar alemão e literatura ainda por cima não tinha nada haver com automóvel, mas eu entrei nessa região que cuidava dos países do Oriente Médio e pensava todo dia, eu falava: “Eu sou mulher”, países do Oriente Médio, imagina em 1981, se hoje é o que a gente conhece imagina em 1981. Numa indústria totalmente masculina que é a indústria automobilística. Num país completamente fechado, numa ditadura militar, então eu ficava em dúvida, mas tinha muito que aprender. Eu não sabia nada, aí me diverti um pouco e mais tarde esse pensamento se incorporou. Aí foi a primeira fase assim da minha vida, que eu quase me separei mesmo da Volkswagen e aí eu mudei a função, então, para poder continuar. Então, eu fiquei na exportação de 1981, quando eu entrei, até 1988. Eu tive dessas coisas que o destino faz e que ninguém é responsável, nem mérito nem demérito para ninguém: nessa ocasião a empresa ia muito ao Iraque, um país totalmente muçulmano; aí eu gostei desse idioma; ninguém queria fazer, ficava depois da hora. Meu primeiro chefe era um sueco que tinha vivido na Áustria, ficamos juntos nove meses, passamos nove meses falando da Áustria e nada de Volkswagen. Ele era filho de diplomatas, a gente conhecia meio mundo na Europa, então era uma delícia. Esse homem foi muito bom para mim. Tem esse aspecto da minha vida e foi uma pessoa extremamente paciente, acho que ele viu que eu estava sofrendo horrivelmente por ter chegado no Brasil meio deslocada, não entendia nada de automóvel, não entendia nada de indústria, uma adaptação um pouquinho difícil, e ele resolveu ser psicólogo e nós ficamos nove meses juntos e depois ele foi embora, o que me fez sofrer também. Aí eu comecei a trabalhar com outra pessoa que é o Roni Geraldini, hoje é meu grande amigo mesmo de muitos anos, e aí nós começamos a trabalhar no Iraque. Uma pessoa muito agressiva pro trabalho, muito agitada, um italiano todo ligado. Aí a empresa começou a tomar lugar na minha cabeça um ano e meio depois, a substituir as coisas que eu gostava, que era o mundo acadêmico, que era estudar língua e literatura. Aí foi a primeira vez assim que eu vejo muito claro isso na minha carreira, no meu trabalho, quando o tema começou a me interessar. Então eles entraram numa negociação. Eu adorava ver. Era uma negociação literária, como eu chamo. Papel para lá, papel para cá, aqueles telex compridos, literatura pura, sabe, e eu ficava fazendo análise do que eles escreviam, como ia acontecer e isso me atraía muito. Aí eu me prendi a isso, ao negócio, às coisas. Eu era a menor de todas porque todos eram executivos. Aí quando esse contrato saiu, dois anos depois, foi um contrato muito difícil; foi a maior venda automobilística no mundo de uma só vez; foi muito no único contrato com o Oriente; não era pequeno o negócio, era bem grande. Aí eles separaram o grupo que trabalhou nisso desde a produção até a exportação e criaram uma área na empresa que só fazia isso: as relações com o Iraque. Aí eu evoluí muito, aprendi muito, gostei muito dessa negociação. Ela é quase assim visionária, completamente, pro Brasil. Ela não podia, eles não tinham dinheiro para pagar, queriam pagar com petróleo. O Brasil não podia comprar petróleo, então eram onze contratos, tudo isso. Aí eu fui posta nesse grupo de pessoas, eu tinha estudado literatura, quer dizer que ler para mim não era problema, o que os homens não gostavam de ler contratos desse tamanho, eu lia sem problema nenhum, sabia numa página inteira exatamente o que era relevante ou não. E aí eu comecei a me dedicar, a estudar petróleo, porque era contra petróleo, imagina. Quem faz carro não quer entender de petróleo. Eu falei: “Eu faço isso.” Aí fui estudar, trabalhei muitos anos com a Petrobrás dentro da Volkswagen, é claro. Então eu estudei tudo que vocês podem imaginar: contaminação de petróleo, densidade de petróleo, petróleo estancado em navios de estocagem mesmo, 400 mil toneladas de petróleo em tanques diferentes, de acordo com a qualidade do petróleo... Bom, lá eu fazia tudo, menos carros. Eu estudava petróleo o dia inteiro e negociava. O preço do barril começou a subir, isso mudava muito a relação comercial. Aí dois anos depois de eu fazer isso, eu fui promovida a executiva.
P/1 – Eu gostaria de entender essa relação das vendas dos carros e o petróleo.
R – Pode, até porque é muito fácil. Você vai trocar um carro por números de barris de petróleo. Evidentemente esse fecho tá relacionado ao preço dos dois bens. Então o carro tinha um preço fixo. Se eu pegar o preço do barril que, aliás, era internacional, nem era nacional, porque não podia ser fixado em contrato, eu vou ter um número de barris equivalente ao número do carro. Então quando nós negociamos o contrato do Iraque, um barril de petróleo valia 28 dólares, então nessa relação entre o preço do carro e 28 dólares você tinha um número x de barris. Com a queda do preço do petróleo, essa foi uma experiência muito grande que me fez trabalhar um milhão de vezes mais – eu, meu chefe e todo mundo – o preço do petróleo começou a cair de tal forma que dois anos depois que nós tínhamos assinado esse contrato, o mesmo carro que tinha o preço fixado em contrato de 100, 150 mil automóveis, de preço fixado, o barril do petróleo custava 17 dólares, ou seja, 11 dólares a menos do havíamos negociado. Isso significava comprar uma quantidade espetacular a mais de petróleo para que nossos carros fossem pagos. Isso, do ponto de vista financeiro, do ponto de vista operacional – Petrobrás muito recentemente vem perdendo o monopólio das operações no país e nessa época, evidentemente, não – então a Petrobrás era a única entidade que podia comprar ou vender petróleo. Então esse produto quando entrasse em águas brasileiras tinha que ser de propriedade da Petrobrás e não de uma empresa privada. Isso muitos contratos no mundo são pagos com petróleo, no comércio internacional com essa área. No caso brasileiro, nós comprávamos o petróleo e tem um terceiro fator, o Irã e o Iraque estavam em guerra e nós não podíamos utilizar o estreito de Hormuz. Você tinha que utilizar a Jordânia, o porto Al Aqabah. Então o Iraque caminha 1.500 quilômetros no deserto e depositava o petróleo no navio, num navio de estocagem mesmo. Era de uma firma holandesa, mas era um navio japonês, o que nós usávamos e aí nós estocávamos, mais ou menos, 400 mil toneladas por mês. Aí do outro lado vem um navio da Petrobrás e numa mangueira pipeline o navio da Petrobrás levava 135, 150 mil toneladas por embarque, mas o petróleo que está lá era de propriedade da Volkswagen. Então nós tínhamos que vender o petróleo enquanto o navio navegava e documentar de forma que quando o navio entrasse em águas brasileiras o petróleo fosse de posse da Petrobrás. Isso tudo no meio de uma guerra. Então esses onze contratos que cobriram a operação da Volkswagen com o Iraque, eram os dois contratos principais. A Volkswagen vendia carros pro Ministério do Comércio e a Volkswagen comprava petróleo do Ministério do Petróleo do Iraque; e no meio tinha a Petrobrás que comprava petróleo da Volkswagen e pagava os carros que a Volkswagen havia vendido. Então nós tínhamos que transportar por 1.500 quilômetros no deserto, o petróleo. A empresa de transporte usava caminhões de água, de transporte de água, e faziam comboios de 800 caminhões, 1.000 caminhões, mais ou menos. Atravessavam o deserto, que exatamente isso seria fácil no estreito de Hormuz, mas nós não podíamos usar pela guerra – porque a base era essa cidade onde era focada a guerra com Irã. Aí eles viajavam e nós também, da mesma forma, chegávamos com os navios de veículos na Jordânia. Da Jordânia eles iam pro deserto faziam as inspeções de entrega e vinham rodando pelo Iraque, porque tinha que entrar pelo norte do Iraque e não pelo sul. Bom, a partir daí tem história de todo tamanho, modelo e feitio.
P/2 – Eu só fiquei com uma dúvida. Não era inédito então pagar com petróleo?
R – Na indústria automobilística, sim. Depois, sabe o que acontece, tudo está interligado, esses países que detém grande quantidade de petróleo. O petróleo era tão poderoso, na época, como moeda de pagamento que sempre países como os do Oriente Médio, Nigéria, às vezes Argélia, eles querem trocar produtos contra petróleo. Por outro lado, o Brasil que também é um grande importador de petróleo, tem interesse de exportar produtos brasileiros para amortizar a conta petróleo. Isso existe até hoje. Quer dizer, o governo brasileiro vai muito à Argélia, Nigéria, Oriente, levando empresários porque nós temos aí 10, 15 bilhões de importação de petróleo e o governo quer é pagar com produtos, amortizar essa conta. Você entendeu? Foi inovador, na época, primeiro o volume do contrato. O Brasil jamais tinha assinado um contrato assim. A Volkswagen do Brasil ganhou a concorrência para Mitsubishi do Japão, na época, isso foi histórico porque nós conseguimos, numa soma de fatores. O produto que nós tínhamos para vender era o produto que eles queriam. O Brasil tinha esquema de financiamento favorável através da Cacex e da Interbrás, que, na época era traidding da Petrobrás, e conseguiu fazer um esquema na conta petróleo. Então isso foi muito favorável para nós e isso foi inovador na época, foi muito importante na época, o maior contrato que a gente fez de exportação. Mais tarde veio outro contrato com o Iraque, vieram outros com o Estados Unidos, isso anterior a Autolatina, mas na época foi assim o grande estrondo da exportação.
P/1 – Elizabeth, você ficou nessa área de exportação até?
R – Final de 1988. Em 1986 aconteceu a Autolatina e isso mudou o rumo do mundo da empresa. Na época houve uma grande estruturação, acho que todas as pessoas que terão passado aqui, terão falado do evento Autolatina, porque todos nós vivemos isso, achávamos que era numa via só, na concepção da Autolatina. Depois viemos ver justamente a dissolução da Autolatina. Então, pelo menos, a gente ficou com um currículo completo: a gente sabe como cria joint venture e como desmancha joint venture. Bom, quando fizeram a Autolatina, eu estava na Exportação. Eu ocupava um cargo executivo, o que se chama hoje de Supervisor: é o primeiro nivelzinho hierárquico na área executiva e tava bem aí. Tudo que os americanos modificaram, criaram novos conceitos, tava um pouco no mundo de exportação. Então essa operação Iraque começou a ser questionada dentro do rol de coisas e o destino fez ela acabar porque, independentemente, da Autolatina, em 1991, começou a guerra com os Estados Unidos e então acabaria de toda forma. Nessa fase aí, os meus interesses já estavam sendo mudados porque de fato o Brasil naquele contexto de país, economia fechada, é um país extremamente distante dos focos de comércio, então eu na divisão de trabalho tinha ficado com a área mais longe do mundo, muito embora a gente tenha feito um trabalho extremamente bem sucedido no Iraque, eu fui ao Iraque sem problema nenhum, eu fui favorecida pela guerra com Irã porque então havia quase que uma… O desenho da sociedade iraquiana mudou. Os homens ficaram na guerra durante nove anos. Alguém tinha que trabalhar no país e as mulheres foram trabalhar; muçulmanas ou não elas foram trabalhar, mais as cristãs, até algumas muçulmanas, isso favoreceu o fato de eu ser mulher. Então éramos mulheres numa indústria bastante masculina, em países de relacionamento super difíceis, mas nada disso impediu de eu fazer o trabalho, foi ótimo. Depois eu me recordava um pouco da época que eu cheguei no Brasil, eu falei: “Isso aqui tá muito literário, você escreve para cá, escreve para lá e o foco não é assim. Eu tô fazendo literatura atrás da mesa, eu disse que queria fazer literatura; então faz na Universidade, mas atrás da mesa não.” Aí eu achei que não era para mim, para eu trabalhar em exportação. Eu achava que tinha esgotado, perdi o interesse nessa função e a Autolatina me atraiu, exatamente no dia em que eu vi que se tinha criado uma área de assuntos governamentais. Eu li isso, eu recebi um fax, um papel “Assuntos Governamentais”, aí passou uma circular que ela tinha sido criada, andava com o governo e tal e eu tinha tido muita experiência com o Banco Central, Banco do Brasil, Cacex, Petrobrás, Interbrás. Eu só trabalhava com governo, porque o Iraque é só o governo, não existe importadora. O governo do Iraque, Ministério da Indústria, Ministério do Petróleo... Aí eu me encantei só com o título. Não sabia mais nada. Eu falei: “Não. Precisamos chegar aí. Gostei. Os americanos fizeram uma coisa que eu gostei.” Bom, conhecendo uma pessoa e outra, pedindo um pouquinho de ajuda das pessoas e tendo sorte, têm pessoas na minha carreira, eu fui assim muito feliz nos meus contatos, e tenho obrigação de ajudar outras pessoas também, eu consegui ir para essa área. Conheci o titular da área, fui apresentada através de um colega nosso que estava no Rio de Janeiro, a Volkswagen tinha um escritório de Assuntos Corporativos no Rio, e o que deu abertura para eu passar para aí era exatamente essa experiência comparada com… Hoje ela é muito pequena, na época ela era útil, com os contatos que eu tinha tido com o Governo. E eu fui, então, para área de Assuntos Governamentais, fui trabalhar com Célio Batalha que foi o meu chefe durante muitos anos. Foi a pessoa que mais influenciou a minha vida profissional, marcante na minha vida. Desgraçadamente, ele faleceu muito jovem, no ano passado. Mas ele modificou toda a minha visão de negócio, de empresa, qual é o caminho correto de empresa, como você articula coisas numa empresa. Isso eu devo a ele. Nós trabalhamos juntos durante sete anos e assim que eu fui trabalhar com ele, eu fui colocada no escritório do Rio de Janeiro. Aí foi ótimo. Eu fui transferida pro Rio de Janeiro, licença prêmio. Aí eu fiquei no escritório do Rio durante três anos. Eu conhecia todo mundo no Rio de Janeiro: BNDES, Petrobrás, Interbrás, subsidiárias do Banco Central, do Banco do Brasil e aí eu comecei a fazer o link com Brasília porque só no Governo Collor, o governo foi efetivamente para Brasília. Anterior ao Governo Collor você trabalhava com o governo no Rio de Janeiro. Toda área de comércio internacional era no Rio: a Cacex, Petrobrás, Interbrás, eram no Rio, quer dizer, para o que eu fazia, eu vinha de importação, tava perfeito. Aí abriu todo um outro lado. Fui conhecer o INPI, com marcas, patentes; fui trabalhar para o mercado interno, mas com uma cabeça muito colocada na área internacional, porque primeiro eu tinha estudado fora, eu sempre viajei muito, trabalhei em exportação oito anos, o que eu sabia fazer era aquilo. Aí começava em 1989, exatamente uma coisa chamada Mercosul que ninguém… Juntaram em parte siglas, o Brasil um dia na vida ia assinar um acordo com o Mercosul. Quando eu vi isso, automaticamente, eu me pus no negócio porque o que você sabe fazer é o teu talento, o que eu podia oferecer era nessa área, eu falava muito bem o espanhol, fluentemente, porque na Áustria eu me relacionei muito… Por acaso quando eu era estudante sentou do meu lado uma menina que era filha do Embaixador Argentino e ela não falava nada de alemão, então o que eu falasse era lucro para ela, ajudava, nós ficamos muito amigas, somos amigas até hoje e com isso eu frequentei demais a Embaixada Argentina. Eu cheguei no Brasil e falava espanhol fluentemente. Aí eu comecei os contatos com esse negócio na Argentina. Aí o Célio sempre me entusiasmando, me estimulando a fazer o contato. Fui conhecer a Volkswagen da Argentina e comecei a fazer o Mercosul. Comecei a fazer uma coisa que no Iraque eu não tive a oportunidade pela inexperiência, pela pouca idade... Eu comecei a fazer negociação. Até então eu tinha visto os meus chefes negociarem, eu tinha lido o resultado do que meus chefes produziram. Claro, dentro da empresa eu opinava, mas nunca estive na frente de uma, eu nunca me sentei numa mesa com um iraquiano para negociar. Aí mudou. Eu tava na mesa de negociação, eu ia à reunião, eu buscava elementos dentro da empresa para eu fazer a negociação. Não sabia se ia dar certo ou se ia dar errado. Foi muito novo. É bem pontual para mim. Eu não consigo ver quando isso começou. Aí eu comecei a negociar com Argentina e Uruguai. Paraguai era pequenininho, até hoje não comerciamos. Foi uma experiência muito nova. É bem diferente você ter tempo de trabalhar todas as idéias em comparação ao fato de você ter que ser precisa na mesa de negociação. São coisas bastante diferentes. Bom, aí evidentemente apanhei muito, devo ter feito os meus erros, refiz o que era para fazer, mas gostei, gostei muito, eu falei: “O que eu gosto é isso, é de estar na frente dos negócios”. Faz o fax, ele vai ler três dias depois… Nada disso. Meu negócio é face to face. Aí gostei muito, me entusiasmei, ia direto para Brasília, comecei a trabalhar bastante e, em 1992, fui transferida para São Paulo. Eu queria voltar ao coração da empresa, o cérebro da empresa, mais que o coração, o cérebro da empresa é onde estiver a matriz. Eu fiquei três anos e meio no Rio, foi ótimo. Eu acho que talvez se eu tivesse feito uma passagem Brasília/São Paulo fosse complementar. Não é mais o caso, mas foi muito bom eu ter voltado, eu gostei. Aí eu estava onde as pessoas montam a estratégia, eu via fazer a estratégia, não recebia só através do meu chefe e depois eu ia trabalhar. Em seguida a isso, o mundo mudou. Eu tive oportunidades bárbaras, no que eu gostava de fazer. Imagina você querer fazer uma conversa internacional numa ditadura militar, tudo fechado. Era expressamente proibido importar veículos. Imagina que confusão. Eu tô fazendo um acordo e não posso negociar o que eu tô importando. Veio o Governo Collor e o Brasil começou a se abrir, aumentaram essas perspectivas de negociação, elas se tornaram reais. Antigamente, elas eram um devaneio, mas elas começaram a ser reais, abrir o Brasil para uma entrada internacional. Me fascinava isso. Aí começamos a negociar, seguir o Mercosul. Com essa experiência fomos ao Chile fazer um acordo com o Chile, vender carro pro Chile, ótimo. Em 1992, eu vim para São Paulo e dei um passo que foi importante para a minha função, meu chefe me abriu as portas que era o Célio Batalha, para eu frequentar a Anfavea que era Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos. Esse fórum era importante, e eu tava nas comissões técnicas, quer dizer, um escalão abaixo do meu chefe. É importante porque eu tinha então a circulação, aí estavam as pessoas e eu comecei a ver o que os outros pensavam, eu saía de casa sabendo só o que nós queríamos e ia conhecer na rua o que os outros queriam. Aí não, aí eu via compor a idéia setorial. Essa circulação foi super importante para minha carreira. Conheci muitas pessoas. Aí aconteceu do Célio ser transferido para outra montadora e foi uma grande oportunidade para mim porque a Volkswagen não substituiu a vaga dele e aí era a minha chance: ou vai ou vou ganhar um chefe já, já. Bom, graças a Deus eu comecei a trabalhar com Miguel Jorge que era um jornalista, uma pessoa extremamente atirada ao trabalho e que sempre deu cobertura a todas minhas loucuras. Com ele eu dei passos adiante também. Bom, aí eu era gerente também, fui promovida, as promoções foram acontecendo, e o espaço foi se abrindo. Eu fui fazer uma função que não existia na empresa, porque o presidente da então companhia era quase um Ministro do Estado, ele tinha circulação total no Governo, o país era uma ditadura militar, deixou de ser uma ditadura, o comércio era aberto, a área de governo foi criada, o país foi se expandindo e uma indústria de ponta super arrojada, ela está na porta para sair. Então as coisas começaram, o meu universo começou a se abrir, as oportunidades estão aí, cabia a mim aproveitá-las ou não. E tive a imensa sorte de estar numa empresa extremamente arrojada, que na realidade, onde estava o meu caminho, tudo isso numa empresa que não tem interesse no comércio internacional não acontece nada. Então quando eu trabalhava com o Célio, ele era um grande tributarista, eu gostava muito do mercado internacional nós fizemos uma soma… Era uma relação bastante complementar, o mercado interno e a área internacional. Depois eu fui trabalhar com um jornalista. Ele tinha o foco realmente mais da imprensa, aí eu tava no grupo da Anfavea. O grupo da Anfavea somava talentos nacionais com pessoas voltadas ao mercado externo, aí a coisa foi andando e eu assumi a representação da Operações do Comércio Internacional da Anfavea. Então nos acordos da Volkswagen, sempre com foco no mercado internacional, houve uma abertura muito grande, um passo muito significativo na presidência do Doutor Demel. Outros presidentes eram, talvez até pelo país em que eles viveram, aqui eles eram um pouquinho mais fechados. A empresa era orientada pelo mercado internacional através mesmo do Doutor Demel e isso abriu um espaço gigantesco. Eu não vendo produtos, eu não trabalho na exportação, o que eu faço é buscar nos acordos governamentais formas, em primeiro lugar, mais baratas, redução de custo para exportação, os países tiram impostos que existem de importação, os facilitadores de comércio e os meus colegas da exportação. Toda a empresa depois viabiliza o comércio. E o mundo foi fazendo blocos econômicos, cada vez mais, quer dizer o Brasil tinha que estar nisso, tá até atrasado com a coisa. Então é isso que eu faço desde então, de um aspecto maior. Depois o Miguel Jorge me facilitou a entrar na diretoria da Anfavea. Foi um passo importante para minha função, virar vice-presidente da Anfavea. Isso é o título que todos os diretores levam, são todos vice-presidentes. Isso foi em 1997, eu acho, alguma coisa assim. Também elaborou o cargo um pouquinho internamente. Porque para estar na Anfavea, você tinha que estar num determinado cargo internamente, agora eu tô com um advogado, o meu chefe agora é um advogado e eu acho que a gente volta a essa composição bastante completa, entre suprir o mercado interno de tudo que ele precisa. Eu hoje faço muita coisa de mercado interno, não trabalho só na área internacional, mas a gente tem uma circulação grande no governo, em Brasília, na América Latina praticamente toda, assim sem nenhuma dificuldade. Então é, mais ou menos, esse o histórico. Nós somos uma equipe, quer dizer, nesses anos todos se criou uma Área de Governo. É uma equipe de gente muito competente, muito capaz. Hoje é uma área que tem um bom trânsito dentro da empresa, na Volkswagen. A Volkswagen é líder de exportação de mercado, quer dizer, para abertura do Brasil eu tava, rigorosamente, numa empresa certíssima.
P/2 – Você disse que foram os americanos que criaram essa relação de governo, você diz que foi no início da Autolatina. Eu queria que você falasse um pouco disso, isso vem de uma cultura americana que não existia nessa cultura Volkswagen européia, como que é isso?
R – Os americanos, até hoje, eles são mais arrojados nessas relações de governo, quer dizer, se você for ao Estados Unidos, as montadoras americanas atuam dentro do legislativo fortemente. Elas, na minha visão, tem uma presença maior do que as empresas européias, como conceito. Então, dentro desse cenário, você tem um cenário Brasil com uma economia fechada, uma ditadura militar de poder totalmente centralizado, tanto que não existia trabalho setorial. Não tinha isso: vamos fazer um trabalho setorial. Porque é tudo com mais discrição, o poder é muito centrado pelo presidente da empresa com o ministro tal. Não tinha uma equipe. Em 1986, de 1986 a 1988, você tem um período de muito avanço. De fato concebeu-se a Autolatina, algumas áreas passaram a ter bastante atuação, quer dizer, com os americanos, toda área administrativa, finanças, jurídico e nesse corpo novo as relações institucionais de uma maneira geral. Passando 1988, 1989, a área de Assuntos Corporativos já tava criada, você tinha na Volkswagen, relações públicas uma área menor. Aqui não, era uma área de Assuntos Corporativos concebida nesse modelo que tinha imprensa, relações públicas e assuntos governamentais que eram as relações com o governo, mas era tudo bastante simples. Saindo da relação dessa área, você entra numa abertura do país, a relação do empresariado com o governo muda, quer dizer, você tinha o governo e os empresários em duas pontas completamente separadas. Era uma coisa muito sutil, essa relação, muito cuidadosa. Empresários e governo nunca construíram juntos; na ditadura militar era diferente. A abertura do país ela motiva exatamente a aproximação desses dois blocos. A discussão passa ser social. Dorothéa Werneck, na área automotiva, criou a Câmara Setorial. Isso não existiu jamais, a discussão de todos na mesa de negociação. Então empresários, sindicalistas, governo, fornecedores, toda cadeia produtiva, a voz dos trabalhadores e o governo numa composição daquilo que é bom pro país e para indústria. Então a indústria conheceu isso pela primeira vez através da Dorothéa Werneck, na Câmara Setorial. Era uma diferença marcante de 20 anos atrás, quando você negociava alguma coisa para a empresa. O governo hoje não faz isso. Ele abre ao mercado brasileiro as possibilidades. Então não posso negociar uma queda de imposto, não posso negociar um beneficiamento exclusivo para uma marca; eu posso negociar para um setor, é uma política industrial de país. Então essa é a grande diferença, nisso até hoje eu te diria, os americanos são muito arrojados. Volto a dizer, eles trabalham dentro do legislativo. Nós somos menos, mas em nossa defesa eu não saberia te dar nenhum exemplo, graças a Deus, de alguma coisa que os americanos tenham conseguido no Brasil e que nós não tenhamos ou que tenhamos perdido alguma coisa por força do lobby bem sucedido dos americanos. Quer dizer, ao nível de até Conesul, que não se fala mais em país, se fala em região, a presença da Volkswagen é extremamente forte. Nós temos áreas governamentais expressivamente atuantes, no meu julgamento, no Conesul, no México, muito forte a presença da área de Assuntos Governamentais. Depois mais na Ásia, Malásia outros países, outro desenho de área na Europa, mas essa diferença, como de fato existe, como atua uma área institucional americana ou Volkswagen, jamais atuou em prejuízo da Volkswagen. Nunca tivemos uma perda por isso. Ao contrário, somos líder de mercado e muito bem sucedidos em todas negociações governamentais. Respondendo de outra forma, acho que essa área teria aparecido naturalmente com o tempo. É uma empresa enorme e essa área de Assuntos Governamentais, todas que existem na indústria brasileira, foram criadas nos últimos 12, 13 anos. Não anterior a isso. Então se deu a coincidência de nós estarmos numa joint venture de uma empresa americana. No meu ponto de vista, ela seria criada pelo desenho que o país adquiriu.
P/1 – Você deu uma pinceladinha logo que você começou a falar, eu queria voltar um pouquinho, você falou que trabalha numa, não só numa indústria extremamente masculina...
R – Antes mais.
P/1 – Mas mesmo hoje se você passar por todas as fábricas da Volkswagen o número de mulheres ainda é bem menor. Como é para você, o quanto você sentiu e o quanto você acha, que não você, mas com as pessoas que você foi tratando nesses anos todos elas foram se modificando em frente a uma mulher?
R – Vou tentar responder o mais correto possível. Depois de trabalhar numa indústria masculina, ser mulher e num país muçulmano em guerra e dar certo, eu não posso reclamar de mais nada. Então no meu caso não aconteceu. Você sabe que hoje, com a maturidade profissional, até maturidade da idade, da vida, eu acho que tudo é unicamente uma questão de hábito só isso. Então eu tenho lembranças de comentários um pouco irônicos ou indevidos, até tenho um ou outro, mas muito raro. No momento em que você se apresenta acho que dá aquele choque e isso cai no costume. Eu já passei dessa fase, eu meio que lido, todo mundo já sabe. Eu posso te confessar momentos em que eu tive muita insegurança, se eu ia ser aceita ou não. O mais recente foi em 1997, quando eu fui ser convidada, isso tem aí uma negociação toda de empresa, para entrar na diretoria da Anfavea. Esse foi um momento de insegurança para mim. Era importante pro meu trabalho saber se a minha pessoa ia ser aceita; se não, eu não poderia trabalhar, não podia realizar o que eu tinha para fazer. Já frequentava a Anfavea há muitos anos, mas não na diretoria. Hoje é mais flexível, vieram as empresas novas, tem muita gente nova. Eu vejo a minha insegurança, na época, que foi bobagem. O que eu vejo de gente nova e inexperiente hoje e, tá certo, tem que ser assim mesmo. Era muito importante na época saber isso. As pessoas que eram da minha confiança, eu consultei muito nesse sentido. As montadoras são um grupo tradicional, esses senhores que frequentam os ministérios, Brasília, um nível mais alto na hierarquia de governo. Eu fui conhecer o Presidente da República depois que eu tô aí, porque não era absolutamente do meu acesso, já não é da minha linhagem um relacionamento direto com o presidente da montadora que dirá o Presidente da República. Então era muito importante. Eu tinha certeza que para eu fazer um bom trabalho, eu só poderia fazer se a minha pessoa fosse aceita, se houvesse uma rejeição de entrada à pessoa, eu não poderia, eu iria afundar o nome da marca. Bom, aí fiz na época, consultei os amigos que eu tinha que já estavam aí, e eles fizeram um excelente trabalho de costura, foram muito meus amigos mesmo e eu entrei e sempre achei o lugar onde me colocar e isso me ajudou muito. Qual é o meu nicho neste cenário? É importante, primeiro, você saber se o seu lugar é no palco, é atrás do palco ou na platéia. Tomar muito cuidado. Se subir a escada errada pode dar uma grande confusão. Então aí tinha uns senhores, todos com mais idade do que eu, com muito mais experiência profissional, um fórum bastante autoritário, um fórum até com um pouco de vaidade, pessoas do alto escalão, das companhias e aí eu descobri que eu podia fazer o que eles não queriam fazer que é o trabalho técnico. Alguém precisa conhecer a nota de rodapé. Acho que o meu trabalho saiu, mais ou menos, porque eu sempre fiz isso, eu conhecia os contratos muito bem. Eu sempre fui uma técnica, essencialmente, uma técnica. Então a melhor argumentação que eu achei na mesa de argumentação é conhecer o tema. Se chutar muito... Quando aparecia uma dúvida, eu sempre tinha a resposta. No primeiro ano, assim, depois muda, tem pessoas que me ajudaram muito, eu faço menos isso. Mas, respondendo a sua pergunta, esse foi o momento mais que o outro… Momentos de insegurança todo mundo tem, mas se aceita, era mais do que no governo. No governo o meu relacionamento era individual. Sabia que podia construir, podia refazer, se precisasse. O governo é muito rotativo. Não é assim na Anfavea, as pessoas estão lá há 30 anos. Então era importante que eu conseguisse ficar quando todo mundo passasse. Eu tinha que ficar. Então teve momentos de muita insegurança, mas eu tenho a impressão que a insegurança que eu tive aí, tinha esse pouquinho a mais: era a primeira mulher entrando. Mas eu acho que outras pessoas também se sentiriam entrando nesse fórum, acho que sim.
P/2 – Posso emendar um pouquinho, eu queria um pouco fazer o avesso dessa questão. Eu queria te perguntar o que facilitou ou o que facilita você ser mulher e o que você aprendeu com os homens?
R – Aprender, aprendi muitas coisas. Eu só tive esse emprego. Aliás, a minha vida é muito engraçada nesse ponto. Eu venho de uma família só de mulheres, eu estudei num colégio de freiras, aqueles assim sabe? Missa toda primeira sexta feira. Nunca tive um professor homem, que era absolutamente proibido. Bom, eu viajava um pouco, depois eu fui para Europa, mas depois eu caí num ambiente sempre masculino. Foi completamente diferente. Então acho até que eu fiz muita bobagem no caminho e os homens foram bastante condescendentes comigo, em aturar as coisas. Eu aprendi muitas coisas, em primeiro lugar, a estratégia, o cara já sabe onde vai chegar. Só tá escolhendo o caminho e a mulher, sobretudo, com a formação que eu tive, é absolutamente inocente, puritana. Você queima a língua direto. Homem é estrategista, é maquiavélico. Mas eu vejo hoje ainda, o que eu aprendi mais, que me é hoje de mais valia, é ver que na verdade você pode chegar no mesmo lugar por caminhos completamente diferentes. Então eu nunca tive a preocupação de copiar os homens. Eu precisava entendê-los. Eu não sei se copiar, mas entender, saber com quem eu tô falando. Se você não sabe quem é teu parceiro nas negociações, você tá frita. Ou nos seus relacionamentos internos. Você só fica 20, 22 anos numa empresa, se você tá atento, em que corredor você tá andando, porque senão cai num piso falso e aí é complicado. Mas o que eu acho de valia da minha vida profissional, eu tenho uma moça de 22 anos que tem um potencial altíssimo, que trabalha comigo. Eu sempre olho para ela pensando no futuro dessa menina num mundo muito mais aberto. O que é importante entender, é que você não tem que copiar aquele indivíduo, ser bem sucedido como ele. Você tem vários caminhos para chegar no mesmo lugar. Então eu vejo hoje que homens e mulheres atuem igualmente na frente de uma mesma situação, seja ela familiar, seja ela profissional. Os caminhos são completamente diferentes, os valores são diferentes nas cabeças porque o homem dá valor, o que a mulher dá valor, posso te dar alguns exemplos para não ficar falando vagamente: eu olho o poder, por exemplo, não que eu tenha muito, mas ele existe de alguma maneira, em algum momento, muito diferente de um homem; então o poder na cabeça de uma mulher é alguma coisa, se eu pudesse materializá-lo, concretizá-lo, externo a pessoa, ele tá lá; imagina uma prateleira, se você quiser, coloca o poder lá e toda vez que você precisar você vai lá usa e devolve; com o homem não é assim, o homem personifica o poder; ele é o poder. Então a partir daí, eu vejo, não sou psicóloga, talvez precise chamar algum psiquiatra aí para avaliar se é correto, a partir daí você muda a linguagem. Os homens falam na primeira pessoa do singular sempre: o homem diz eu, ele diz a minha empresa, todos eles são acionistas majoritários, todos, a minha empresa, na minha empresa, o meu pessoal, a minha equipe porque ele é o poder. Quando ele tá muito suave, aí a marca entra um pouquinho, divide com a marca o poder. Mas ele é o poder. A mulher não fala jamais na primeira pessoa, nunca, nenhuma mulher. Têm outras, na Renault tem uma grande executiva, na GM tem uma diretora de Compras que é uma grande executiva. A mulher nunca fala na primeira pessoa do singular, elas falam sempre no plural, sempre. Se você pegar os cartões de visitas das mulheres, 80% deles não têm o nome do cargo. Jamais, nunca eu usei um cartão com o nome do cargo, pelo simples raciocínio de que se a minha pessoa não conseguir fazer o que eu preciso fazer, não adianta eu entregar. A mulher usa um pouquinho isso para confundir também “Solta um cartão aí vamos ver o que dá.” Então se beneficiam assim, por exemplo. Os homens te cercam, quem é quem, se puder botar a etiqueta na frente da gravata põe que é para ver se é importada ou não. Como eu nunca tive títulos no cartão, as pessoas nunca sabiam com quem estavam falando, não sabiam muito bem, sabe? Isso foi ótimo, porque centrou a conversa na relação do tema, você entendeu? Ou você cria credibilidade na sua palavra, naquilo que você é capaz de transmitir na sua pessoa ou no seu telefonema, ou pode jogar o cartão fora. Então todo o perfil das mulheres, de como mexer com o tema da indústria, é diferenciado. Por exemplo, os homens dão uma volta muito mais comprida que as mulheres para poder chegar no ponto que precisa chegar, porque na cabeça deles – acho que isso tá no conceito de fazer business, é uma herança meio árabe, que a gente tem aí dos mouros – você tem que criar situação. Então, às vezes, eu acho que eu tô dando uma volta enorme, todo mundo já sabe a resposta: “Nossa, porque eu tô andando para lá para chegar lá?”. Você entendeu? As mulheres são muito mais diretas, eu acho que as mulheres vêem menos necessidade de elaborar. Como a gente acha que precisa de menos elaboração, a gente faz menos devaneio. Isso dá mais credibilidade, às vezes, eu acho… Já ouvi críticas de governo a colegas meus pela elaboração, pelo devaneio. A mulher é mais direta, mas eu vejo ainda, acho que a composição das duas coisas, quer dizer, não tenho a menor dúvida, de que os ambiente mistos trazem melhores resultados pras empresas, porque os ambientes excessivamente femininos ou só masculinos… Porque eu acho que o valor da vida é ser diferente. Se dissesse: “vou tentar ser igual”, perdeu a graça, perdeu a complementação. As relações têm que ser complementares sem que se oponham, mas eu acho que o grande valor para indústria, acho que precisa crescer muito, no Brasil, a participação feminina nas indústrias. Até porque a gente não pode mudar a natureza. Você tem um certo momento, a vida familiar pela frente e não tem como, uma mulher mesmo tem que fazer isso. Mas eu acho que quanto mais misto o relacionamento mais a empresa vai lucrar, mais complementar ele vai ser. Graças a Deus, nunca se conseguiu que homens e mulheres pensassem da mesma maneira, espero que não consigam nunca.
P/1 – Elizabeth, nesses 20 anos, o que foi marcante para você e o que marca a Volkswagen no Brasil?
R – Eu vou começar pela marca. A Volkswagen no Brasil, eu acho, que ela continua tendo… E a gente conversa na rua…. Tem amigos, ela continua sendo uma marca diferenciada na indústria automobilística no seguinte sentido: na cabeça do brasileiro essa é uma marca brasileira, a relação do brasileiro com essa marca ela é diferenciada, então o nome muito embora seja um nome de pronúncia muito difícil, que eu acho que muitos brasileiros não têm a menor noção do que significa esse nome, o brasileiro olha essa indústria como indústria brasileira, quer dizer, uma marca a se colocar dessa maneira num país. Depois o mercado se abriu. Vieram outros, vieram a própria Audi, Scoda, empresas do grupo que absolutamente não têm essa relação, nem com o país, nem com o consumidor. Então essa maneira, como essa empresa se instalou nesse país e como ela circula nesse país, você dizer: “Eu trabalho na Volkswagen”, dentro do governo, o governo não fala com você como a multinacional. Os outros são as multinacionais. Essa é a empresa que dá o fio pro governo, que dá a noção do equilíbrio do governo, as marcas brasileiras estão centradas nessa marca e não em outras, ou menos em outras, não posso falar pelas outras, seria indelicado, mas com essa marca o governo brasileiro faz o planejamento estratégico do país. Sabe perfeitamente, “aí tá o equilíbrio da discussão trabalhista, aí tá o equilíbrio tecnológico, aí tá o equilíbrio para expansão do país para fora.” Então, eu conheço bem o governo brasileiro e sei que é verdade o que eu to dizendo, o que eu acho que é marcante na marca Volkswagen no Brasil é que ela se misturou de tal maneira com as raízes do país… Ela foi menos caracterizada na Autolatina, ela criou uma máscara, um pouco, e quando a Autolatina acabou apesar dela ser mesmo uma multinacional, depois veio a Audi, na cabeça do consumidor, essa é a marca nacional de veículos. Isso é muito forte, isso é muito contundente no negócio, isso é um passo adiante, para mim é um facilitador imenso puxar o cartão da Volkswagen do Brasil e telefonar para qualquer pessoa do governo. Entendeu, então a força desse nome? A força dessa marca vai muito além do veículo que se vê andando na rua. Isso é um nome muito forte, é uma imagem muito forte. O governo sempre quer saber como a Volkswagen pensa, como vê essa questão nacional, o governo se foca no cenário nacional ou como colocar esse país no mundo internacional e para o governo, a colocação da Volkswagen é muito forte, isso foi um imenso facilitador na minha vida. Eu tenho consciência absoluta que todas as portas que me abriram, me abriram pelo cartão que eu usava. Eu não tenho a menor dúvida, até por isso, não precisa de cargo no cartão. Aliás, não precisava nem de nome. Bastava escrever Volkswagen. Pode tirar até o nome do sujeito, leva só o cartão. Esse é o mecanismo de trânsito que eu tenho em toda América Latina. Agora estamos negociando com a Europa, nas mesas de negociação esse é o nome que vai dar peso às coisas. Vai ser sempre ouvida a Volkswagen, sempre. Eu tenho consciência absoluta do transitório que nós somos, porque permanente mesmo é o nome da marca. Depois de mim vieram outras pessoas como vieram outras antes e o que cada uma delas usou foi esse cartão escrito Volkswagen, você entendeu? E a força dessa marca na América Latina... Ela é contundente também no México. Nem se fala na Europa. É a maior marca. Isso é o diferencial em relação às outras montadoras que também tem trânsito, que também tem força, eu não vou diminuir os nossos colegas de mercado, mas a Volkswagen... Os olhos dos brasileiros olham para Volkswagen como uma marca brasileira tamanha é a raiz dela nesse país, você entendeu? E isso, claro, para minha função foi magnífico. Eu acho que até minhas causas se misturam. A defesa da marca, em defesa do país, aquilo que é bom para marca e pro país, acabam se confundindo as duas coisas. E o que a Volkswagen foi para mim? Bom, a Volkswagen foi para mim tudo da minha vida adulta. Só existem duas coisas na minha vida: aquilo que meus pais puderam me dar, que graças a Deus foi uma vida muito confortável, um nível de escolaridade muito alto e um dia meus pais tinham que me colocar adulta no mundo para eu fazer a minha vida e aí eles me colocaram nas mãos da Volkswagen. E aí passaram 22 anos, quer dizer, a Volkswagen na realidade é a história da minha vida, a minha história é a história que eu tenho para contar na Volkswagen. Vale a ressalva que eu seja solteira. Isso é muito mais forte, porque quando o histórico da vida da pessoa, às vezes até momentos difíceis entre o trabalho e a família, a família requisitando mais a pessoa, enfim, toda essa relação que os outros deverão ter feito aí, em muitos depoimentos isso não aconteceu comigo, porque todo tempo da minha vida era para Volkswagen. Primeiro começou sendo só um emprego, ela lá e eu aqui. Por isso que eu digo é o processo de você se integrar, você vê, você pode fazer um acordo com isso, é uma coisa externa minha. A Volkswagen tá lá, aquele é meu chefe, tudo lá e eu aqui. Os anos foram fazendo com que a gente se misturasse. Os interesses dela passaram a ser os meus também. O que eles gostam é o que eu gosto e um dia eu me vi defendendo com toda a crença absoluta aqueles princípios. Então eu passei a fazer parte disso, misturado isso e eu. Como solteira e nessa função, todo o tempo da minha vida foi dado para Volkswagen sem limites: “Tem que ir lá pro outro planeta? Fantástico, vamos lá”. A tua família começa a viver, com quem que eu converso, eu converso sobre o meu emprego. O “nós”, eu e a Volkswagen, já mistura: “Nós vamos, nós temos a intenção, nós não sei o quê”. Então a marca não é mais externa. Você tá dentro daquilo e aquilo tá dentro de você. A relação fica mais forte, o tempo não tem nenhum limite, eu não tenho nenhuma demanda fora da Volkswagen. Cansei de trabalhar fim de semana, não que eu tinha alguma coisa para fazer, porque eu achava ótimo. Venho, ligo meu rádio, ligo o computador, aí depois a tecnologia levou o computador para dentro da sua casa. Então da sua casa você vê tudo o que você quer da Volkswagen, então eu tenho isso para contar às pessoas. Quando eu parar, a minha vida de adulta foi isso, foi a Volkswagen não teve outra coisa. A Volkswagen absorveu, eu me deixei absorver. Isso foi o que eu quis fazer realmente na vida e é o que eu faço. Falta, se Deus quiser, bastante tempo para eu parar. Faço com imenso prazer e não dividi a minha vida com ninguém a não ser com isso porque assim aconteceu, não foi nada planejado também. Então é muito forte a relação. As pessoas elas tem família, elas têm dois, três empregos, elas têm vários históricos. Eu tenho histórico dentro dessa marca, quer dizer, muito importante ver uma joint venture, ver fazer, ver desfazer, sair de uma ditadura, ir para uma chamada democracia, enfim, tudo isso foi ótimo como histórico. Eu já entrei num universo muito grande, quando eu sair não terei esgotado porque a Volkswagen tem a capacidade de oferecer mais do que eu tenho capacidade de absorver, dentro das minhas limitações como ser humano, da área que eu trabalho. Não conheço a empresa inteira, enfim, posso voltar aí muitas reencarnações, para quem acredita, porque dá para trabalhar muito aí. Mas ela se resumiu nisso pelo fato que nada concorria com as necessidades da Volkswagen, elas foram tomando espaço, passaram a ser os meus ideais de vida porque hoje os acordos que eu faço, é natural, você se envolve de tal maneira que aquilo vira pessoal você tem que acreditar nisso porque você acredita nisso, isso é bom para empresa, isso é bom pro país, isso é o que eu preciso como profissional pro meu amadurecimento. Você entendeu? Eu tenho temas altamente contemporâneos. O que eu faço, eu vejo no Jornal Nacional, de noite, você lê num jornal. Então é atualidade. Então, a relação que eu tenho com a Volkswagen é muito forte porque nunca entrou nada na minha vida que não fosse só isso. Você entendeu? Ou eu falo da infância, da juventude ou eu falo da Volkswagen. Vocês podem escolher.
P/1 – A gente tem que fechar, agora uma das questões que nós conseguimos colocar para nós, da nossa pesquisa, agora eu queria misturar um pouco as duas coisas. É que realmente a Volkswagen apesar desse nome ela é brasileira, então a questão é um pouco essa para te colocar, como é que a Volkswagen se fez brasileira?
R – Eu acho que a Volkswagen se fez brasileira graças às grandes figuras que passaram por ela. Grandes executivos, eu não conheci todos. Acho que, em primeiro lugar, ela ter se instalado num país assim há 50 anos atrás, através de um produto, que ela criou a relação do mercado, da indústria automobilística com o consumidor brasileiro. Depois, eu vejo isso como estratégia, que ela soube fazer um produto que era necessário nesse país, que resistiu a tudo o que o consumidor precisava e através do produto ela fez o nome. Depois que ela fez o nome do produto, ela começou a trabalhar a sua imagem. Então a postura ao longo da história da Volkswagen, acho que meus colegas terão falado alguma coisa ou colaborado com o que eles conheceram de grandes executivos que atuaram nesse país sendo estrangeiros, então por exemplo a Volkswagen tem coisas que são eticamente corretas, muito eticamente corretas. Na Volkswagen fala-se português para começar, na Volkswagen escreve-se português. A Volkswagen nunca trabalhou com intérprete, salve-se os 10 anos de Autolatina que era assim: tinha 25 brasileiros e meio americano; você tinha que falar inglês; a coisa mais doida do mundo. Mas salvo isso, houve presidentes da história da Volkswagen que até se nacionalizaram brasileiros, naturalizaram-se brasileiros, que discutiam com chefes do Estado como faz um brasileiro. Que institucionalmente defenderam os interesses desse país como faria um empresário brasileiro. O carro da Volkswagen há muitos anos, é o carro que tem mais índice de conteúdo brasileiro, o menor nível de importações no mercado. Isso muda até um pouquinho com abertura do mercado, está aberto justamente para trocar, não é dogmático que tem que ser assim, mas a empresa providenciou isso. Depois, o perfil da empresa européia, até a crise dos 1980, era um perfil bastante flexível nas relações de trabalho. A grande demissão na Volkswagen veio acontecer na época que eu entrava ou talvez um pouquinho antes, em 1981, mas até lá a empresa tinha gerações de famílias pai, mãe, avô, os filhos. Hoje ainda tem um pouquinho. Você vê na geração nova, filhos, parentes dos executivos mais velhos. Então ela foi se enraizando no país, percebe? Mas se enraizando de Norte a Sul. Ela não se concentrou aqui e ficou no Sudeste. Ela espalhou uma rede. Há 800 e tantos revendedores que vão do Acre até a última ponta do país. E a Volkswagen quase vira uma “gilete”, tá certo? Porque ninguém diz “Eu tenho Volkswagen”, e durante anos a fio “Eu tenho Volkswagen” à toa. A marca ocupou o lugar do nome do produto, como aconteceram outros exemplos na indústria. As outras marcas que vieram, eu vejo postura. Eu não quero falar dos americanos que eu não me sinto experiente o suficiente para isso, mas vejo na minha pouca experiência bastante diferença de postura. Vinte anos depois vieram os italianos. Lógico, tem todo um perfil mais europeu, mas muito diferente dos alemães. Essa empresa andou só nesse país e investindo. Investindo em quê? Investindo na imagem institucional acima de qualquer coisa, abraçando as causas. Sabe, quando você mistura o social um pouco com o econômico, político, aí você já espalha. O nome virou best de marketing para uma série de negociações desse país. Para muitas coisas e acho que ela centrou na estratégia, centrou na imagem institucional fortemente e centrou foco em grandes executivos, grandes representantes da companhia que acho que deixaram um papel de credibilidade muito forte, fosse na sociedade, fosse no governo. A Volkswagen trabalha na minha área, especialmente violentamente, com credibilidade. É muito importante, esse nome é sagrado em termos de ética, luta e isso em 50 anos traz resultados. Quer dizer, você pode ir a qualquer porta de governo, a qualquer hora. Você jamais vai ver no histórico da Volkswagen meio deslize. Nada, absolutamente nada. Então as pessoas são sempre as mesmas. Elas mudam de circulação, os ministros de Estado, os formadores de opinião da sociedade. Agora, o sindicalismo apareceu muito forte no nosso país. As negociações sempre foram, lógico que difíceis, ninguém tá dizendo que é fácil, mas muito claras, muito fortes, sempre a empresa buscando uma solução que acomode um pouco o país. Então essa redução de jornada, que é a grande inovação da atualidade, isso é um modelo Volkswagen que teve um grande reflexo no governo brasileiro como uma solução. Então eu acho que é uma empresa muito centrada nas questões do país. O hambúrguer não é igual em todas as fábricas. Eu acho que isso faz a diferença. Eu me lembro quando eu vi pela primeira vez o diretor mundial de Assuntos Corporativos. Ele fazia o encontro mundial de toda essa área e ele colocava isso: “Um dos princípios corporativos da Volkswagen é respeitar imensamente a cultura e a tradição de cada país”. Ela não pretende se relacionar igualmente, num padrão criado numa sala de trabalho distribuído por e-mail em todos os países do mundo. As necessidades da Ásia são completamente diferentes da América do Sul que se relaciona com seu país diferentemente da Europa e você pode perfeitamente ter princípios corporativos. A empresa tem um padrão mundial sem com isso ultrapassar e ignorar, eu acho que esse é o ponto, a cultura de cada lugar. E eu acho que essa preocupação houve fortemente aqui como em outros lugares e isso diferenciou a relação da marca com o país. Em paralelo, passa um produto que agrade. Isso é, evidentemente, necessário. É super importante a crença no produto, mas a Volkswagen tem, à parte do produto, uma sustentação no nome através da sua imagem independentemente do produto. Ela faz parte do país sem você se preocupar o que tá rodando na rua e isso você faz com outras coisas além do produto e acho que essa relação é muito forte ao longo dos 50 anos. Você também não faz isso em um dia. Então esse respeito que a marca tem por cada país que ela passa, quer dizer, que existe uma cultura... Nós estamos indo com frequência à África do Sul. Começamos a negociar com a África agora e você vê isso na África, que existe uma cultura, existe um padrão, existe uma sociedade, existe um ser humano que pensa diferente. Isso precisa ser considerado dentro dessa empresa. Então eu acho que mesmo sendo uma multinacional passou por épocas difíceis, difíceis de uma recessão do mercado, difíceis de uma economia do país, tudo isso tem que considerar, mas a relação da Volkswagen não é fria como num papel. Ela é ainda dentro do mundo da multinacional, ainda é uma relação com os dois pés dentro das raízes do país. Eu acho que isso abriu muito as portas da empresa aqui. Assim eu vejo.
P/2 – Para terminar eu vou as duas perguntas juntas. Primeiro, como você vê a Volkswagen estar resgatando esses 50 anos de história, a importância que isso tem; e a outra, eu gostaria que você dissesse como você se sente vindo dar o depoimento nesse projeto?
R – Bom, começando pela empresa. Se essa é uma empresa que respeita uma sociedade, que respeita uma cultura, que respeita uma tradição, evidentemente ela vai dar atenção à sua própria porque esse é o perfil da empresa. Então eu acho importantíssimo ter feito isso, acho que faz parte dessa cultura. A Volkswagen é uma empresa que dá valor ao passado, sem ignorar suas necessidades de se modernizar, trazer novas tecnologias e tudo isso. Então o valor de comemorar esses 50 anos, para mim é importante, pros que estão vindo depois da gente. Hoje você tem um número de trainees enormes, número de moças super jovens que eu nem sei se elas vão ficar 22 anos numa empresa porque talvez o mundo tenha adquirido outro desenho, mas quando elas se desligarem daí eu acho que é bom, é útil elas conhecerem o que foi essa empresa, o que ela é. E já que elas não vão ter a vivência de 22 anos ou talvez não, é elas saberem como é que você fica 50 anos num país, como é que você faz para ser o primeiro do mercado, como é que você faz para preservar a sua imagem institucional. Eu não sou das pessoas que gostam de viver demais de passado, ao contrário, eu acho que sou mais focada para frente. De qualquer forma, eu acho que é impossível você ignorar as experiências passadas, mesmo na nossa vida profissional. Claro que enfrentar novas negociações hoje, ainda que elas sejam até mais difíceis, mas, você estando um pouco mais seguro, você conhece o caminho um pouco melhor, então mais que essa empresa é na Europa. Os ingleses não quiseram e os alemães fizeram dela o que ela é hoje. Depois, que ela continua fortemente enraizada na América Latina e vai ficar cada vez mais, quer dizer, eu tô plenamente convencida que os pólos de produção são Brasil e México e nesse contexto a Volkswagen está na linha de frente. Então essas pessoas que vem atrás, elas precisam saber como que você faz isso, qual é esse histórico que te coloca nessa posição de vanguarda. Eu volto a dizer, eu acho que as pessoas mais novas hoje, elas vão circular, o mercado de trabalho mudou, as necessidades mudaram, mas da mesma maneira você vai precisar ter ética, seja em que mercado for do mundo. Da mesma maneira eu acredito que você não pode estar num país ignorando as raízes desse país. Você tá fora do mercado se fizer isso. Então os padrões em que esta empresa se sustenta, para mim, eles são transcendentes a qualquer época. Eu acho que uma pessoa que tá aí, eu sei que ela não vai ficar 20 anos, ela tem que conhecer essa raiz, como isso foi feito e ela vai pensar. Daí uma coisa é a sua história estática, ela está lá na prateleira, você vai ler e pronto; outra coisa é você ver esse quadro, dizer o que eu penso daqui para eu continuar. Aqui está a explicação, de que forma você é bem sucedido. Eu julgo essa uma empresa imensamente bem sucedida. Com as queixas, com as perdas, com os balanços, às vezes, não muito favoráveis, mas no cenário brasileiro eu acho que essa é uma grande empresa para se estar. Eu acho que essas pessoas mais novas têm que conhecer essa história. Pegar daqui o que pode ser útil pros meus próximos 20 anos, porque essa é sem dúvida nenhuma, ainda a maior escola do país. Acho que isso contribui nesse material para uma pessoa. para nós, pros que estão, o que fizeram uma parte dos 50, eu fiz 20. Eu falei tão mal dos homens com poder, isso e aquilo, mas eu sinto uma imensa vaidade, uma imensa felicidade de ter dado um pouquinho. Vai ver que eu podia estar até nos 30. Eu tô só nos 20, que pena! E foi muito bom ser bem sucedida. Isso é do ser humano. O ser humano foi feito para conquistar, foi feito para ter vitórias, foi feito para ter um balanço de vida muito bom e a vida profissional tem um forte peso nisso, talvez o maior peso de uma pessoa. E é muito bom fazer parte de uma coisa bem sucedida, reconhecida. Você sabe perfeitamente que a sua aceitação, o seu sucesso, o seu trânsito se deve a essa marca muito mais que você próprio. Todo mundo fala do sofrimento de deixar o emprego, de deixar a vida profissional, de se aposentar e eu acho que deve ser sofrido mesmo. Porque toda a sua energia de vida foi centrada aí. Então você fazer parte de alguma coisa que o mundo inteiro chama de bem sucedido e aonde você chega no mundo… Porque a gente tem circulação nacional, o mundo hoje tá muito aberto, não para mim, para mim, para você, para qualquer pessoa do mundo e você ser imediatamente reconhecido quando você entrega o seu cartão, basta ler, o cara nem lê o teu nome, ele lê só Volkswagen, você já virou ótima. Faz 22 anos que eu trabalho. Nunca me perguntaram: “Essa empresa é do quê?” E eu passo a vida escutando explicação sobre o cartão de visita que eu recebo e nunca fiz isso, entendeu? Então isso é muito bom, isso é o meu lado franco, isso dá muita vaidade, isso dá muita felicidade. Eu, graças a Deus, não tenho histórias negras da minha vida profissional. Uma vida que fluiu super 10 e o fato de ter sido chamada para vir aqui, nós somos tantos, acredito que tenha sido uma seleção. Não sei nem quem fez a seleção, mas me deixa feliz por muitas coisas. Uma, que eu volto a dizer, essa empresa na minha vida tem um peso mais forte do que as pessoas possam imaginar, do que os meus chefes puderam imaginar, exatamente porque a minha relação de vida foi só com ela. Então eu não dividi energia com ninguém, foi só com ela. Depois, eu acho o que eu faço, aí é mesmo uma coisa interessante, eu coloco muita energia no que eu faço, eu faço muitos seminários, eu falo para platéias imensas, sempre, eu vejo nas pessoas o interesse que elas têm nessa função. Então junta função, a marca, o conteúdo, o tema ele é muito atraente, quer dizer, eu acho que contribuo independente da minha vaidade pessoal, de fazer parte, não sei se é um livro, se é um filme, não sei direito, eu tenho a minha vaidade pessoal mas eu acredito piamente que eu posso ajudar a manter o bom nome dessa marca com a função que nós exercemos. Somos um grupo pequeno, mas eu tenho colegas magnificamente competentes. Então eu acho que esse trabalho, esse conteúdo pode colaborar para que essa marca continue sendo a marca mais conhecida do mundo, para que as pessoas tenham interesse, para que isso internacionalmente coloque cada vez melhor essa marca. Então, eu acredito muito que esse trabalho que nos foi delegado é bom para essa marca, então eu acho que é mais uma maneira, mais um fórum, além de todos os seminários, além de todas as viagens, de difundir também esse lado dessa marca, entendeu? É uma coisa recíproca. Para mim é gratificante já que dos 100 anos não vão deixar eu fazer parte. É muito importante para mim estar aqui. Eu não sabia que ia ser chamada, foi super difícil vir. Eu cheguei da China hoje de manhã, eu tô viajando há 24 horas, mas era importantíssimo eu fazer isso.
P/2 – Elizabeth, eu queria te agradecer em nome do Museu da Pessoa e da Volkswagen.
R – Obrigada mesmo, super obrigada.
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