Projeto VALE MEMÓRIA
Depoimento de: Shigeaki Ueki
Entrevistado por: Rosana Miziara
Código: CVRD_HV119
Realização: Museu da Pessoa
Transcrição: Jurema de Carvalho
Revisão: Nataniel Torres
Não teve claquete
P/1 – Vamos começar pedindo para que o senhor fale seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Shigeaki Ueki, nascido em Bastos, 15 de agosto de 1935. Bastos é no estado de São Paulo.
P/1 – Seus pais são dessa cidade também?
R – Não, não. Meu pai nasceu na cidade de Nagano, no Japão em 13 de janeiro de 1909 e minha mãe nasceu na cidade de Sendai no Japão em 1º de janeiro de 1913.
P/1 – Você sabe porque eles vieram para o Brasil?
R – O meu pai tinha 10 anos de idade quando imigrou do Japão para o Brasil, acompanhando o pai dele, que é o meu avô, por causa da grande crise na agroindústria de seda. A região de Nagano produzia muito fio de seda, e meu avô era proprietário de uma fiação de seda. E por causa da crise, logo depois da Primeira Guerra Mundial ele resolveu imigrar para o Brasil, como muitos outros imigrantes de vários países do mundo. Então ele era industrial.
P/2 – Você tem lembranças dessa imigração dele? Como que foi essa vinda para o Brasil?
R – Ele contava, mas nada diferente de quase todos imigrantes, não tem nada de especial. Houve uma pequena diferença talvez, o fato de que, a grande maioria dos imigrantes japoneses, como de outros países, vieram como trabalhadores numa lavoura, sobretudo de café. No caso de meu avô, ele tinha um pouco mais de recurso, apesar de industrial falido, certamente, ele conseguiu comprar uma propriedade relativamente grande na cidade de Registro. Então ele veio ao Brasil como proprietário de uma gleba de terras, e lá ele viveu toda a sua vida no Brasil, faleceu em Registro e ele está lá.
P/1 – A sua mãe conheceu seu pai aqui no Brasil?
R – Conheceram aqui no Brasil, na cidade de Bastos.
P/1 – Como eles se conheceram, você sabe?
R...
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Depoimento de: Shigeaki Ueki
Entrevistado por: Rosana Miziara
Código: CVRD_HV119
Realização: Museu da Pessoa
Transcrição: Jurema de Carvalho
Revisão: Nataniel Torres
Não teve claquete
P/1 – Vamos começar pedindo para que o senhor fale seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Shigeaki Ueki, nascido em Bastos, 15 de agosto de 1935. Bastos é no estado de São Paulo.
P/1 – Seus pais são dessa cidade também?
R – Não, não. Meu pai nasceu na cidade de Nagano, no Japão em 13 de janeiro de 1909 e minha mãe nasceu na cidade de Sendai no Japão em 1º de janeiro de 1913.
P/1 – Você sabe porque eles vieram para o Brasil?
R – O meu pai tinha 10 anos de idade quando imigrou do Japão para o Brasil, acompanhando o pai dele, que é o meu avô, por causa da grande crise na agroindústria de seda. A região de Nagano produzia muito fio de seda, e meu avô era proprietário de uma fiação de seda. E por causa da crise, logo depois da Primeira Guerra Mundial ele resolveu imigrar para o Brasil, como muitos outros imigrantes de vários países do mundo. Então ele era industrial.
P/2 – Você tem lembranças dessa imigração dele? Como que foi essa vinda para o Brasil?
R – Ele contava, mas nada diferente de quase todos imigrantes, não tem nada de especial. Houve uma pequena diferença talvez, o fato de que, a grande maioria dos imigrantes japoneses, como de outros países, vieram como trabalhadores numa lavoura, sobretudo de café. No caso de meu avô, ele tinha um pouco mais de recurso, apesar de industrial falido, certamente, ele conseguiu comprar uma propriedade relativamente grande na cidade de Registro. Então ele veio ao Brasil como proprietário de uma gleba de terras, e lá ele viveu toda a sua vida no Brasil, faleceu em Registro e ele está lá.
P/1 – A sua mãe conheceu seu pai aqui no Brasil?
R – Conheceram aqui no Brasil, na cidade de Bastos.
P/1 – Como eles se conheceram, você sabe?
R – O meu pai tinha um amigo que era da mesma província de Nagano e ele já estava casado com uma – que é minha tia – e minha mãe era irmã dessa minha tia. Meu pai acabou conhecendo através desse amigo. Isso foi em 1933 provavelmente porque eu sou o primogênito, sou o primeiro filho. Está bem?
P/1 – Quantos filhos sua mãe teve?
R – Minha mãe teve cinco filhos, eu sou o primeiro e mais dois homens e duas mulheres. Somos ao todo cinco.
P/1 – Como era Bastos nessa época?
R – Era uma cidade de imigrantes japoneses e é uma região com uma terra muito fraca. Os lavradores sofreram muito pelo fato da terra não ser de boa qualidade. Entretanto, graças ao trabalho e sobretudo, com vontade de vencer, a cidade prosperou. E mesmo hoje, enquanto na Alta Paulista temos várias cidades quase fantasmas, Bastos é uma cidade próspera. A característica da cidade, acho que foi o fato deles se dedicarem muito à educação, então nós sempre tivemos boas escolas, e o próprio ginásio – isso foi logo depois da guerra – nós tivemos vários professores que vieram de Porto Alegre, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, professores muito bem preparados, e tivemos a sorte de fazer um curso ginasial, primeiro ciclo secundário, um bom nível, e apesar de ser uma cidade pobre, por exemplo nossa classe de 29 alunos, 16 vieram para São Paulo para prosseguir nos estudos e quase todos trabalhando durante o dia e freqüentando o segundo ciclo secundário à noite. Na época, era muito fácil conseguir um emprego, mesmo com 14 – 15 anos de idade. Desses 16 que vieram, com exceção de um que faleceu, todos terminaram o curso superior. Médicos, engenheiros, advogados e economistas. Não teve nenhum que deixou de terminar o curso superior. Isso na década de 50 porque nós viemos pra São Paulo em 1950. Então eu acho que a característica da cidade foi o fato da sociedade, da coletividade se dedicar à educação, que é da cultura japonesa.
P/2 – Você tem contato com essas pessoas ainda?
R – Temos, eu fui criador dos estudantes de Bastos residentes em São Paulo, eu fui o primeiro presidente. O segundo presidente foi um colega meu, que somos muito amigos. O primeiro escritório de advocacia eu tive, junto com ele, logo depois nós desfizemos o escritório de advocacia porque ele passou no concurso para juiz de direito e foi o primeiro filho de japonês a ser juiz de direito em São Paulo e chegou a ser desembargador e hoje é aposentado como desembargador. Então é uma turma mais ou menos de pioneiros. Eu segui uma carreira um pouco diferente, mas o meu amigo chegou a juiz, como tantos outros depois vieram.
P/1 – Porque surgiu a idéia de criar uma associação dos estudantes?
R – Porque nós éramos de um município pobre, conhecíamos desde meninos e São Paulo era a metrópole. Nós vivíamos cada um em uma pensão, na casa dos parentes e nos fins de semana não havia muita coisa a se fazer. Aí que um médico famoso da cidade que também transferiu a residência para São Paulo tinha um amigo que tinha uma casa velha na Rua Galvão Bueno e cedeu pra nós, pra uso temporário até que o proprietário decidisse fazer alguma coisa, algum empreendimento imobiliário. Ele ofereceu para nós, para usarmos a casa nos fins de semana. Então nós resolvemos fundar uma entidade, o nome se chama (Geseps?) e ainda hoje aparece esse nome porque eles tem um bom time de Beisebol, e o time de beisebol do (Geseps?) foi campeão várias vezes, ainda hoje. Porque na cidade nós praticávamos muito o beisebol. Não sei se vocês sabem, recentemente no Campeonato Internacional de juvenil, no juvenil o Brasil foi campeão americano. Então o que o futebol está nos desgraçando, de certa forma, ultimamente.
P/1 – Lá em Bastos você praticava beisebol?
R – Todos nós praticávamos beisebol que é um esporte popular nos EUA, mas o segundo país que pratica é o Japão. E nós, na época, mais que futebol, nós praticávamos o beisebol.
P/1 – Que outra brincadeiras sem ser essa, de infância?
R – Nós não éramos muito de brincadeiras, nós somos a primeira geração, mais ou menos, de filhos de imigrantes e numa época difícil de crise em Bastos porque a agricultura passava por uma fase muito difícil. Na época, a cidade era eminentemente agrícola, então todos nós tínhamos que trabalhar para estudar. Então brincadeira era muito pouco, mesmo nesses encontros, depois nossa turma de Bastos começou a freqüentar muito a Biblioteca Municipal aqui em São Paulo e criou uma outra turma da biblioteca, uma turma grande, mais ampla, de outras cidades, já com a mistura de raças. Já não era só de descendentes de japoneses, e lá fiz grandes amigos. Até hoje tenho grandes amigos da biblioteca.
P/1 – Vocês se conheceram na biblioteca?
R – Conhecemos na biblioteca. Eu não sei hoje como que é, mas na época, na década de 50, era muito comum, nós estudantes, passarmos sábado e domingo, todos juntos, na biblioteca conversando, debatendo os problemas, etc. Nós não fomos muito de brincar não. Acho que perdemos o tempo para brincar.
P/1 – Existia alguma expectativa na sua família para que você seguisse alguma carreira?
R – O meu pai achava que eu deveria, depois do ginásio, fazer o curso técnico de contabilidade, invés de fazer o colégio normal. Curso clássico, científico, que era comum. Eu segui o conselho de meu pai e terminei o curso técnico de contabilidade na Escola Álvares Penteado, da qual eu sou membro do conselho hoje. E a escola, pra mim, foi muito útil. Estudar comércio, como segundo ciclo. Quando terminamos o curso, o Kazuo Watanabe, que foi meu colega na época, também no curso de comércio, e depois fez curso de Direito como eu fiz e passou no concurso para juiz. Naquela época, quando nós terminamos o curso, em 1953, pela primeira vez o Ministério da Educação permitiu que o que terminasse o curso técnico de contabilidade, poderia prestar exame vestibular para qualquer faculdade – Medicina, Direito, Filosofia. E eu e ele, o normal era seguir o curso de Ciências Contábeis ou Ciências Econômicas. Mas eu e Kazuo resolvemos fazer curso de Direito. Para prestar vestibular para Direito nós tínhamos que nos submeter a um exame nacional de equiparação para o curso clássico. Então, se não me falha a memória, era filosofia, história universal e mais uma matéria, acho que era lógica. Três cadeiras, prestamos exames e passamos. Aí criamos o direito de prestar o vestibular.
P/2 – Prova escrita só?
R – Prova escrita só. Ele entrou na São Francisco, eu entrei na Católica, mas prestei também um exame para Filosofia, para Ciências Sociais na USP. Freqüentei alguns meses, mas resolvi ficar só no curso de Direito. O curso de Direito, na época, só tinha curso de manhã. Não tinha curso noturno de Direito. Então normalmente... todo o curso técnico de Contabilidade eu fiz trabalhando durante o dia e estudando a noite, mas na faculdade não foi possível arrumar um emprego pra trabalhar meio expediente. Aí é que eu comecei a trabalhar, depois da faculdade, junto com um empresário japonês, que se chamava e já é falecido, Katsusu Yamamoto, com quem eu fiquei muitos anos. Depois eu me tornei sócio dele e juntos iniciamos algumas empresas. Algumas fracassamos, outras tivemos sucesso. E como ele não tinha herdeiro, e todo o bem que ele conseguiu acumular ele doou para uma fundação. E eu que estou dando continuidade aos negócios que juntos implantamos, no setor químico, no setor agrícola, no comércio exterior. São todas empresas pequenas, mas felizmente com resultado positivo e ainda continuamos trabalhando.
P/2 – No tempo que o senhor estava na escola técnica e trabalhava, qual era o trabalho?
R – Bom eu, aliás na minha vida, sempre procurei aprender coisas novas. Então, considerava o trabalho um meio de vida, mas também um prolongamento da escola. Eu tive algumas passagens interessantes porque durante o curso ginasial em Bastos eu aprendi a escrever a máquina. Na época escrever a máquina era aprender a mexer no computador hoje. Fiz o curso de datilografia, etc. eu me preparei para procurar emprego aqui em São Paulo. O meu pai era amigo de um diretor de um pequeno banco, ele mandou uma carta de recomendação. Eu fui lá, logo ele me arrumou um emprego, tirei a carteira de trabalho e fui trabalhar. Mas só trabalhei um dia. Entreguei a carteira, comecei a trabalhar. Ele me deu um serviço – não ele, o gerente do banco porque ele era o diretor, arrumou o emprego pra mim. Eu tinha que datilografar envelopes, escrever o nome do cliente, o endereço pra mandar algum aviso de cobrança, alguma informação do banco. Eu achei que na época, com 14 – 15 anos, o meu conhecimento era muito maior do que ser um simples datilógrafo. Eu fui lá falar com o amigo do meu pai: “Olha, eu vim aqui, eu agradeço, não precisa me pagar o dia que eu trabalhei, mas eu não pretendo trabalhar nesse banco porque eu quero fazer algo mais importante.” “Você mal começou a trabalhar, como você tira conclusão tão rapidamente.” Isso no primeiro dia. “Eu me preocupei que se o senhor registrasse na carteira, como que eu vou explicar para outra empresa que eu só trabalhei alguns dias com o senhor. Aqui eu não fico mais.” Meu pai ficou muito bravo quando soube disso, mas achei que era uma decisão acertada. Depois procurei um outro emprego e consegui um emprego num cartório. Fiz o teste, tinham vários candidatos. Passei e o escrivão lá me deixou na sessão, no setor de reconhecimento de firmas. Vocês não são dessa época então não sabem, mas na época não se reconhecia firma com tanta facilidade. Tinha que ver a ficha, se realmente o cidadão tinha ficha, depois carimbava o papel para reconhecer. Tinham vários selos que você tinha que colar e carimbo, cheio de formalidades. Eu trabalhei dois dias, agüentei dois dias. Pensei muito, eu não vou, esse não é meu emprego. Fui lá e pedi demissão. (risos) Aí o terceiro emprego, houve concurso no Banco Moreira Salles, já estava no terceiro emprego. Mas no meu currículo só coloquei o primeiro emprego que eu arrumei, no Banco Moreira Salles e aí passei no concurso, eu já preocupado, queriam me dar um serviço. Concurso não, foi um exame que eles fizeram, me submeteram a um exame muito simples. Eu sempre fui forte em matemática, quase todas as provas eram de cálculos etc, e pra mim foi facílimo. Aí eu resolvi impor condições: pensei muito e falei com o contador. Eu me lembro o nome dele, não sei se ele está vivo. O nome dele era Martins. Eu contei a história: “Eu já trabalhei no Banco Cruzeiro do Sul, já trabalhei no Cartório tal e agora estou aqui para trabalhar. Eu queria aprender, estou no primeiro ano do curso técnico de contabilidade, eu queria aprender. Então o senhor pode me dar qualquer serviço até para limpar o banheiro da agência, mas se eu for o melhor limpador de banheiro, por favor, me dê um outro serviço, assim eu tenho oportunidade de correr todos os setores de uma agência bancária, eu sei como um banco funciona. A minha intenção é saber como é um banco por dentro, os problemas, desafios, etc. Aí o Martins disse: “Então você vem comigo.” E me levou pra sala do gerente. Era uma agência grande de Mogi das Cruzes. Aí o Martins disse para o gerente, esse gerente até hoje é meu amigo, vive, tenho contato com ele, ele acompanha minha vida desde 15 anos. Chama-se Antônio Argentino. Aí o Martins disse: “Aqui está um menino que diz que pode limpar privada, mas se for o melhor limpador de privada ele quer fazer outro serviço e conhecer todo o banco, toda a agência.” Aí o Antônio Argentino disse: “Está aceito o desafio, mas você não vai ser o limpador de privada, você vai atender os clientes no balcão, já tem três e você vai ser o quarto. Se for o melhor atendente, então nós vamos prestar a atenção e vamos dando outros serviços.” Aí fui ser o atendente, na época mesmo com 14 –15 anos tinha que andar de gravata. Não é como hoje, pra ir ao restaurante tinha que ir de gravata, para andar de trem tinha que andar de gravata – primeira classe, não na segunda. Cinema você tinha que usar gravata. E no banco então, nem se fala. Aí então, no primeiro dia eu peguei um colega e pedi: “Por favor, eu quero que você faça uma lista dos dez principais clientes do banco. Dez principais clientes – dono da farmácia, dono de uma agência de automóveis, e quando vier um dos dez, você me diga o nome e me indique a pessoa, para eu gravar a pessoa para que na próxima vez que ele vier, puder cumprimentar falando o nome dele.” Em uma semana eu fiquei de longe sendo o número um porque meus companheiros não davam nem bom dia, nem boa tarde. Na época, você recebia cheques, às vezes você tinha um monte de cheque para ir para a tesouraria, caixa na época, e não informavam para os clientes quanto tempo ia durar. Tinha uma viúva riquíssima “Olha, se a senhora tem outra coisa pra fazer, vai fazer porque vai demorar uns 15 minutos.” “Não, meu filho, eu espero e tal.” Pessoas como ela, me viam de longe, tinham outras pessoas esperando cliente e tinham umas três pessoas na minha frente para ser atendido e ela fazia questão de ficar na fila para ser atendida por mim. Aí uma semana depois, o gerente ou o contador, não me lembro quem foi, disse: “Você, de longe é o melhor atendente que o banco já teve.”
P/2 – Com uma semana?
P/1 – Quantos anos você tinha? 15?
R – É. Agora você vai para Conta Corrente. E assim fui para Conta Corrente, para Diário. Só não fiquei Caixa porque eu não quis. Esse negócio de contar dinheiro. E terminei na Carteira de Descontos que é a carteira mais importante de uma agência bancária, é onde o banco ganha dinheiro, emprestando dinheiro. Aí aprendi a calcular juros, de cabeça. Na época não tinha máquinas como hoje. Era tudo, na maioria, feito na mão, ou então naquela máquina Facit que girava pra frente, pra trás. De vez em quando o gerente Antônio Argentino, que ainda está vivo, eu ficava ao lado dele e ele gritava: “Ueki, juros de tantos dias, promissória de tal, quanto é?” eu respondia na hora. Ele dizia: “Eu não sei como você calcula isso.” Aí quando eu completei um ano, pedi demissão. Ele ficou bravíssimo se ele tinha cumprido o acordo. “Agora eu aprendi tudo que eu queria aprender” e me empreguei num escritório de engenharia Vicente Nigro Junior, infelizmente ele já é falecido, mas até a morte dele ele acompanhou toda minha vida. Era uma firma de engenharia, ele era arquiteto e construtor, relativamente conhecido em São Paulo. Fui auxiliar dele durante um ano.
P/2 – Como você conseguiu esse trabalho?
R – Eu fui na época, praticamente o tesoureiro dele, com 16 anos de idade, aí eu fiquei quase dois anos. Quando terminei o curso técnico de contabilidade, tinha um professor de contabilidade industrial que era diretor do laboratório do Licor de Cacau Xavier. Ele me convidou, eu tinha menos de 18 anos, a ser contador de custos do Laboratório do Licor de Cacau Xavier. Então, com 18 anos eu estava chefiando um departamento de 25 pessoas. Todos eles com muito mais idade do que eu. Eu trabalhei no laboratório enquanto fazia o cursinho pra prestar vestibular. Esses foram os primeiros empregos que eu tive, mas sempre com intenção de aprender. O fato de ter trabalhado na contabilidade me foi útil, e ainda é útil até hoje. Nas várias funções que exerci me foi útil. Mas eu pretendo falar sobre VRD. Eu acho que é o motivo de nosso encontro. Eu gostaria de dividir em três partes: de 1969 a 1974, quando fui Diretor Comercial e Financeiro da Petrobrás. Depois de 1974 a 1979, quando fui Ministro das Minas e Energia. E depois, de 1979 a 1984, quando fui Presidente da Petrobrás. Eu acho muito importante dividir em três partes porque a minha participação na gestão na VRD foi de 1974 a 1979. Mas a fase que precede ao meu período de Ministro, fui Diretor Comercial e Financeiro quando o Presidente da Petrobrás era o Presidente Geisel, que posteriormente passou a ser o Presidente da República. Esses cinco anos, de 1969 a 1974, foi um período importantíssimo para a indústria do petróleo. Eu, antes de ser diretor da Petrobras, fui vice presidente de uma Indústria petroquímica chamada (Bracol?), que depois essa empresa foi vendida para a Dow Chemical. Então eu tinha algum conhecimento da área do petróleo, mas não tinha nenhum conhecimento da área de mineração, conhecia o (Alfio?), CVRD, uma grande empresa nacional, sabia da sua importância. Mas tive os primeiros contatos em 1969 com a VRD e eu acho importante fazer alguns comentários, principalmente para vocês que estudaram história, estão preparando a história da Vale, registros que podem ser úteis para administradores de hoje e de amanhã. Eu gostaria de 1969 a 1974, essa primeira fase, fazer alguns comentários, vamos dizer, históricos, para entender em que época nós estávamos vivendo, com que preocupações, etc. É um período importantíssimo porque depois da Segunda Guerra Mundial que terminou em 1945, e com um estabelecimento de uma nova ordem mundial, em que havia por parte dos EUA, uma grande preocupação para a recuperação da economia da Europa, principalmente da Alemanha destruída e do Japão, também derrotado na guerra. Mas pelo fato do mundo dividir em dois grandes grupos: capitalistas e comunistas e socialistas, início em 1946, 1947, já logo depois do fim da guerra, uma Guerra Fria, que não foi tão fria assim em alguns períodos. A Primeira Guerra foi a da Coréia, Coréia do Sul e Coréia do Norte, mas era uma guerra entre capitalistas e comunistas. A Segunda Grande Guerra, dentro da Guerra Fria, nunca, Graças a Deus, tivemos uma guerra entre as duas superpotências. Se tivesse, nós não estaríamos aqui hoje dando essa entrevista. Houve a Guerra do Vietnã, é muito importante falar sobre a Guerra do Vietnã, porque exatamente em 1969 –1970 – 1971 era o auge da Guerra do Vietnã e nesse período, de 1969 a 1974, foi um período em que o mundo estava acostumado a uma estabilidade financeira, passou a ter um mercado financeiro bastante volátil. Por exemplo, a moeda japonesa era um câmbio fixo, como a Argentina tem hoje que era de 360 ienes por dólar. Tinha o marco alemão também com câmbio fixo e o dólar também com praticamente a paridade, mas os EUA fazendo um esforço de guerra grande, gastando mais do que arrecadava, começou a ter um problema sério de equilíbrio fiscal nos EUA. Eu fui ser Diretor financeiro da maior empresa brasileira que era a Petrobrás.
[Fita 1 - Lado B]
...começou a ter um problema sério de equilíbrio fiscal nos EUA. Eu fui ser Diretor financeiro da maior empresa brasileira que era a Petrobrás com projetos de ampliação de refinarias, com investimento de exploração de petróleo que dependia do financiamento externo e aí então, já atuava na área financeira, mas me obrigou a ter mais contato com bancos internacionais para me inteirar do que estava acontecendo no mundo. E foi exatamente nesse período que nasceu o Euro-Dólar, que era dinheiro de empresas estrangeiras depositadas nos EUA, que sem se submeter as regras do Federal Reserve poderia os bancos estrangeiros, ou norte americanos emprestar esse dinheiro estrangeiro a outras empresas estrangeiras sem se submeter ao recolhimento compulsório do Banco Central, etc. É a primeira vez que os EUA admitiu a sua moeda, dólar, podia ter curso livre no mercado internacional sem se submeter às regras domésticas do Banco Central Norte Americano. Isso criou de imediato, uma preocupação, que estaria talvez, iniciando um processo de inflação em dólar. E preocupou é lógico, quem tinha muitos dólares, principalmente os países exportadores de petróleo, mesmo com o petróleo barato, eles tinham preocupações sobre o dólar porque os árabes sempre consideraram o dólar como uma moeda que tinha um poder de compra – por U$ 35,00 podia comprar uma onça de ouro. Então os árabes têm uma certa... por ver vários períodos, durante séculos de pouca estabilidade no Oriente Médio, na Índia, outros países, o ouro tem um significado muito maior que no ocidente. Então, quando eles vendiam o petróleo a U$ 1,20 o barril, eles calculavam: 30 barris de petróleo dá para comprar uma onça de ouro. Então eles tinham essa maneira de pensar. Aí nessa fase, nesse período, como o preço do petróleo vinha caindo, na década de 1950, chegou a custar mais de U$ 2,00, na década de 1960 veio caindo também, ainda em 1969 o preço do petróleo era muito barato. Mas já por causa da instabilidade financeira, sinalizava uma possibilidade de aumento do preço do petróleo e eu, preocupado com isso, achava também que ia subir o preço. A Petrobrás tinha o hábito de comprar todo o petróleo, em contratos de um ano só. Fazer uma concorrência internacional, porque todo ano o preço ia abaixando, então era melhor comprar por período curto e através da concorrência internacional comprava petróleo por 360 dias depois no ano seguinte fazia uma nova concorrência internacional. Mas se você julgar “se o preço pode subir, é natural que é mais interessante comprar a longo prazo, porque você acaba comprando mais barato’. Então conversando com o Presidente Geisel, eu propus que nós deixássemos de comprar por um ano e começaríamos a comprar por 3 anos, 5 anos. De preferência com preço fixo, se não fosse possível com mecanismo de reajuste, etc, mas que daria condições mais favoráveis à Petrobrás. Essa mudança de critério que o Presidente Geisel entendendo bem, me autorizou a seguir, essa política que eu sugeri, foi muito importante para o entendimento entre a VRD e a Petrobrás. Na época, fiquei sabendo que já havia antes vários conflitos entre a VRD e a Petrobrás no setor de transporte marítimo porque para o minério de ferro, o custo do transporte é fundamental para a conquista de novos mercados. É onde na minha opinião, Eliezer Batista, compreendendo esse problema, fez um belíssimo trabalho e deu um primeiro impulso para a Empresa, sempre com a preocupação de que a logística é tão importante, ou mais importante que a própria mineração para ser competitivo. Porque nós tínhamos, na época, concorrentes importantíssimos como a Austrália, como a Libéria na África, como a Índia, como a África do Sul na África, Suécia na Europa, Canadá, etc. Pra diminuir o custo do frete do minério de ferro, a CVRD, o próprio Eliezer Batista e outros diretores, sempre procuraram a Petrobrás para ver se conjugava uma política de transporte no sentido de diminuir o custo do frete marítimo do minério de ferro e ao mesmo tempo diminuir o frete do petróleo que o Brasil importava. Aí então, a Docenave era da VRD e a Fronape da Petrobrás. Normalmente as duas frotas eram dirigidas por um oficial da marinha, da reserva. Era um Almirante. Era um Almirante na Docenave, era um Almirante na Fronape. Era impossível o entendimento porque a Docenave, pela própria natureza, buscava contratos de longo prazo e um volume de cargas grandes, milhões de toneladas, para um destino certo, para o Japão, para a Alemanha, para os EUA, etc, então o navio tinha a rota já definida. A Petrobrás, querendo comprar petróleo a um preço mais barato possível, no prazo curto no contrato, de um ano só, nunca podia assumir um compromisso de transporte de petróleo por 10 anos, por 5 anos quando a VRD podia. E para o pessoal da Petrobrás, exatamente por causa disso, só tinha petroleiros, não navios mistos que poderiam ser usados para transportes de minérios, de grãos e de petróleo. Na época já havia no mercado, navios que nós chamamos de (OO?), O de Oil pedra e oil, petróleo (?) e (obo?) que era óleo, (balc?) para grãos, carvão etc, e oil. Navios mistos. A Petrobrás não queria nenhum navio misto porque perdia a flexibilidade. A VDR queria muitos navios mistos, se possível, todos os navios, porque o Brasil exportava um grande volume de minério de ferro e importava um grande volume de petróleo. Aliás, na época, em termos de tonelagem, quase se equilibravam, mas por causa dessa divergência de política de comercialização, no caso da Petrobrás, de compra, na VRD de venda, as duas frotas não se entendiam. Eu então, apesar de na Petrobrás ter diretor de transporte, o Presidente Geisel, entendendo a importância da VRD para a economia do país, disse para mim que eu deveria fazer o maior esforço para colocar os interesses do país em primeiro nível e conciliasse os interesses das duas empresas. Eu acho que consegui isso porque, em primeiro lugar, com a autorização do Presidente Geisel, comecei a comprar petróleo a longo prazo. Então eu já sabia o volume do petróleo, a quantidade que eu tinha que transportar para o Brasil. Já a VRD tinha vários contratos de exportação a longo prazo. Então começamos a desenvolver projetos para a construção no Brasil, de navios mistos. O primeiro navio misto Oro oil que se não me engano o nome foi Docepolo, construído na Ishikawajima da Ishibrás, no Rio de Janeiro. Foi graças a essa cooperação da Fronape e a Docenave. Nessa ocasião, é importante lembrar, que com uma tonelada de minério de ferro exportado, você tinha dinheiro suficiente para comprar quase 10 barris de petróleo.
P/1 – É mesmo, a proporção é essa.
R – Vocês exportavam por U$ 10 – 12,00 o minério de ferro, dependendo do tipo e o petróleo custava U$ 1 – 1,20. a relação era 10, uma relação de troca muito boa. Aí, com essa instabilidade, Guerra do Vietnã, e o Déficit do Tesouro Americano, no dia 15 de agosto de 1971, o Presidente Nixon desvalorizou a moeda americana. A conversibilidade do dólar em ouro, de U$ 35,00 deixou paras existir, desvalorizaram para U$ 38,00, mas sem obrigação de cumprimento, depois foi a U$ 42,00, logo depois passou a U$ 80,00 e aí então já a questão séria entre Israel e os países árabes, a situação dos palestinos, fez com que países como a Líbia, países como Iraque, tomassem iniciativas agressivas e tudo isso com o ambiente da Guerra do Vietnã, criou um clima no mercado mundial, de instabilidade, principalmente no mercado financeiro. Aí então o petróleo começou a ser reajustado praticamente na mesma proporção do preço do ouro e assim o petróleo acabou, na Primeira Crise do Petróleo atingindo U$ 17 por barril ______ em 1974 e em 1975 já estava quase U$ 5,60, mas o preço oficial era U$ 12,00. o minério de ferro continuava o mesmo preço, U$ 10-12,00 a tonelada. Então a relação de troca entre o minério de ferro e petróleo passou a ser de 1 tonelada de minério de ferro para 1 barril de petróleo. Em 1973, o Presidente Geisel já tinha sido eleito Presidente da República, em plena crise do petróleo, junto com a crise financeira internacional e aí na época, na formação do governo do Presidente Geisel, ele me convidou primeiro para ser Ministro da Agricultura. Foi interessante o convite que ele me fez: “Eu sei que você não entende nada de agricultura - nem eu, nem meu pai que foi comerciante, não entendemos nada de agricultura - mas eu sei que você é muito capaz, na área do mercado, na área do marketing, do mercado. Como eu vi você trabalhando na Petrobrás. Então você vai ser Ministro da Agricultura porque eu quero dar uma grande ênfase na agricultura.” Como ele acabou fazendo com o Ministro Alysson Paulinelle, com o desenvolvimento do cerrado etc, dando um salto na produção agrícola. E ficou acertado, em plena crise do petróleo, depois do convite que eu recebi, ainda tinha que viajar para o Oriente Médio, para manter a continuidade do fluxo do petróleo e com uma preocupação maior: imagine se a crise vier no Brasil, e faltar suprimento, que julgamento o povo vai fazer do ex-presidente da Petrobrás, Presidente da República, não ter gasolina no posto de gasolina.
P/1 – Nossa, era de uma responsabilidade...
R – Enorme. E aí, enquanto eu estava trabalhando, ele me chamou para a casa dele e disse: “Olha Ueki, para o Ministério da Agricultura, tem uma pessoa que eu conheci, que é o Alysson Paulinelle, e você vai deixar de ser Ministro da Agricultura e vai ser Ministro da Indústria e Comércio. Você já foi assessor, você entende do assunto, você pode ajudar o Ministério da Agricultura na parte da comercialização.” “Está bem Sr. Presidente, não tem problema.” E voltei ao meu trabalho. Mais ou menos 10 ou 15 dias antes da posse, ele me chama: “Você não vai ser mais Ministro da Indústria e Comércio, você vai ser Ministro das Minas e Energia porque é um setor onde eu não posso falhar, e eu estou vendo que a crise é muito maior que eu estava imaginando e ninguém melhor que você para assumir o Ministério das Minas e Energia. Então você vai ser Ministro das Minas e Energia.” Então eu fui o último a ser indicado em termos definitivo, mas já tendo anteriormente mais ou menos como eu comecei minha vida, passando em todos. Aí, quando eu fiquei Ministro das Minas e Energia, com essa relação de troca de 1 tonelada de minério de ferro com 1 barril de petróleo, uma relação de troca horrível, que depois na Segunda Crise do Petróleo foi pior ainda, porque você praticamente precisava de 4 toneladas de minério de ferro para comprar 1 barril de petróleo. Quando chegou a U$ 42,00 spot, o minério de ferro continuou quase no mesmo preço e o barril de petróleo subiu para U$ 42,00. mas naquela ocasião, conversando muito com o Presidente Geisel, tanto que todas as decisões tomadas no meu ministério, foram tomadas após exaustivas conversações com o Presidente da República e com plena convicção que estava fazendo alguma coisa certa e necessária para o país. Então, com essa relação de troca horrível, se você pegasse petróleo com café seria a mesma coisa, com açúcar. Uma deterioração horrível de troca para um país dependente de petróleo. Mas como o assunto é VRD, eu quis fazer esse apanhado como era antes de eu assumir a gestão da VRD, naturalmente junto com novos administradores da Vale. Aí, em 1974, então vamos passar para a segunda fase quando eu fui Ministro.
P/2 – Eu tenho uma dúvida com relação a esses contratos a longo prazo com o petróleo, já tinha precedente disso?
R – Não, a Petrobrás não tinha contrato de longo prazo, não havia precedente. Nós fomos os primeiros a assinar e depois, durante a crise do petróleo, esses contratos passou a ter um grande valor. O Brasil foi o único país do mundo – e há literatura sobre o assunto – que não comprou petróleo no mercado Spot, que era muito mais caro do que no contrato. Como nossas necessidades estavam todas contratadas, aliás, nós tínhamos contratos acima das necessidades do país e chegamos a vender no mercado Spot para países vizinhos: Argentina, Uruguai e até para África, com lucro. Então foi realmente uma decisão acertada e foi ao encontro do desejo da VRD de combinar o transporte com o petróleo importado, carvão importado e com a exportação do minério de ferro, o que permitiu a VRD, na época até 1974, a acrescentar novos mercados. Mas em 1974, a não ser que você tenha uma pergunta nessa fase ainda de 1969 a 1974 porque vocês são especialistas em história, é muito importante entender o contexto que eu vivi intensamente no mundo e no Brasil e como é que o Presidente Geisel assumiu a Presidência e eu assumi o Ministério das Minas e Energia. Se tiver alguma pergunta desse período, pode perguntar. Porque esse período vivi intensamente e conheci. Muita gente não sabia o que era Euro-Dólar. O que é Euro-Dólar, é um dólar diferente do dólar? Eu também no início, porque o mercado começou em 1968, também tive que procurar saber o que era esse dólar e assim por diante. Eu estou às ordens.
P/1 – Como funcionava a integração dessa política junto com o governo Geisel, como que vocês discutiam isso, a posição do Brasil nessa conjuntura?
R – Na época o Presidente Geisel era Presidente da Petrobrás, entre 1969 e 1974, então o Presidente Geisel tinha um estilo de administração que depois copiei, segui o exemplo dele, que é um estilo – aliás, fiquei sabendo que grandes empresas internacionais fazem isso também – Nós tínhamos encontros informais e encontros formais da diretoria. Os encontros informais eram diariamente às 8:00 horas da manhã, mas não eram 7:59 ou 8:01. Era 8:00. E esses encontros informais diários, nós sentávamos informalmente e conversávamos vários assuntos de interesse da Empresa, inclusive a conjuntura internacional, para responder a sua pergunta. Onde eu tive a oportunidade de várias vezes comentar sobre o Euro-Dólar, que muitos não conheciam, sobre – eu me lembro, depois conheci o Ministro da Fazenda da Alemanha, que propôs isso. O Presidente Nixon precisava desesperadamente de mais recurso e pediu empréstimo para a Alemanha. Quatro bilhões de dólares, eu me lembro dessa importância. Aí, pela primeira vez, uma autoridade da Alemanha, derrotado na Segunda Guerra Mundial, responde publicamente ao pedido do governo americano dizendo: “A Alemanha pode emprestar sim, mas tem uma condição, que os EUA assine cláusula Ouro. Ainda era U$ 35,00 por onça ____. Nessa reunião de cafezinho, mostrei o artigo para o Presidente: “Olha o que está acontecendo, e eu acho que vai haver desvalorização do dólar.” Isso em 1970. Um fato que aconteceu na época, para responder a sua pergunta, o quanto a reunião informal do cafezinho era importante, eu comecei a defender dentro da Empresa, que nós deveríamos, a medida do possível, tomar empréstimo em dólar e não tomarmos empréstimo em yen japonês ou marco alemão. E tomar só empréstimo em dólar porque certamente o dólar vai ser desvalorizado. E se você dever em dólar e a moeda desvalorizar, você tem vantagem, se a moeda valorizar você tem prejuízo. E o Yen certamente ia se valorizar e o Marco também ia se valorizar. Eu me lembro de um episódio em 1970, o Diretor de Transporte da Petrobrás era o Almirante
Faria Lima, irmão do ex-prefeito. Ele tinha ido ao Japão para comprar um grande super petroleiro de 300 mil toneladas, um navio enorme com 350 metros de comprimento, quase 60 metros de largura. Para andar ou dar uma volta tem que andar de bicicleta ou motocicleta. Eu disse para o Almirante: “Eu concordo como Diretor Financeiro, mas peça aos japoneses para venderem em dólar, se eles venderem em yen, ou condicionarem em yen, eu prefiro comprar o navio de outros países como Alemanha Oriental ou a própria Alemanha Ocidental, de países que vendem em dólar, mesmo que o preço seja mais caro, com a taxa de conversão de hoje. E o Almirante foi a Tóquio negociar. Eu me lembro que eu estava com o Presidente Geisel em Porto Alegre quando o Almirante me liga de Tóquio, para o Presidente Geisel: “Eu não estou conseguindo convencer os estaleiros japoneses a vender em dólar, só vendem em yen.” E Ueki, como Diretor Financeiro, não aceita. Aí o Presidente disse: “Porque você não aceita?” “Eu acho que é melhor nós comprarmos 10 –15% mais caro em dólar de outro país do que comprar em yen do Japão porque nós vamos pagar esse navio em 10 anos, 12 anos, eu não sei com que taxa em vou pagar, pode ser o dobro.” “Mas você está tão convencido que o Yen vai valorizar, a imprensa toda diz que não vai valorizar.” “Se a imprensa que indicasse o que vai acontecer, não haveria necessidade de se estudar, era só seguir a imprensa.” “Então, já que você não concorda e o Faria Lima quer esse navio e precisa, você pega o avião amanhã ou depois e vai a Tóquio e ajuda a ele.” E fui. Fui e negociei com o estaleiro o seguinte: se a variação for dentro dos 8%, que era mais ou menos o que eu teria que pagar em dólar num outro estaleiro na Espanha ou na Alemanha. Pra cima ou pra baixo, nós da Petrobrás assumiríamos, mas se a valorização do Yen fosse acima de 8%, todo meu pagamento das minha prestações em Yen seria convertida a essa taxa de Yen fixada no nosso contrato, não no que o mercado ou o banco converteria. Eu só sei que na primeira, em 15 de agosto de 1971, houve essa desvalorização, logo depois o Yen se valorizou, saiu de 360 ienes e antes de receber o navio, o preço do navio em dólar, já tinha caído em 30 – 40%, quer dizer, se nós não tivéssemos negociado a clausula, nós íamos pagar 30-40% mais caro do que isso. Então o Presidente Geisel testemunhou tudo isso e ele disse: “Você, ao assumir o Ministério das Minas e Energia, sobre petróleo não preciso dizer mais nada, mas eu gostaria de aumentar e muito, a produção mineral do país, que pela dimensão do país é medíocre.” Essa reunião informal, depois tinham as reuniões formais, mas nas reuniões formais, eram pautas, assuntos bem específicos. Mas nas reuniões informais permitia discussão da conjuntura mundial e definir a linha. Eu acompanhei, fiz essa política dentro do Ministério e na Petrobrás e, certamente todos que trabalharam comigo e que continuaram comigo deve a esse exemplo do Presidente Geisel, que é muito importante para administrar uma Empresa ou Ministério.
[Fita 2 – Lado A]
P/1 – Bom, a gente podia sequenciar, como você entra pro governo, como se dá essa entrada?
R – Como advogado, além de meu escritório, eu prestava serviço para a Câmara de Comércio Japonesa e representava a Câmara na Associação Comercial de São Paulo. Na Associação comercial de São Paulo tinha um Conselho: As Câmaras estrangeiras, Câmara americana, Alemã, Holandesa, de todos os países do mundo aqui em São Paulo e essa Câmara reunia-se mensalmente para debater os problemas nacionais. Eu representei a Câmara Japonesa por muitos anos. Era um período difícil da história do país, começo de 1960, com a guerra fria, com o movimento comunista muito forte, com várias revoluções, inclusive Cuba, um pouco antes. Um movimento lógico, anticomunista muito grande em São Paulo e no Brasil todo. E na Associação Comercial havia esse movimento anticomunista. E quando houve a Revolução de 1964, é óbvio que todos nós apoiamos a Revolução diante da ameaça socialista e comunista e conheci várias pessoas. O Presidente da Associação Comercial na época era o Daniel Machado de Campos, é um grande amigo meu, acho que foi Daniel Machado de Campos que me introduziu, vamos dizer assim, na vida pública, porque na Associação Comercial, eu gostava muito de participar de reuniões, realizar pesquisas, estudos e representei a Associação Comercial em várias conferências, das Associações comerciais, Congresso das Associações Comerciais, a última que eu participei foi em Belo Horizonte onde eu, publicamente, defendi uma tese para criação de um Conselho Nacional do Comércio Exterior, em nome da Associação Comercial de São Paulo. Era no meio do governo João Goulart, bastante tumultuada, economia do país com grandes problemas. Daí o Daniel Machado de Campos falou que eu devia conhecer o Paulo Egydio Martins, que era o Ministro da Indústria e Comércio, ele organizou um almoço, com Paulo Egydio, eu só me lembro que nós começamos almoçar em torno de meio dia e o Paulo fazendo várias perguntas. No fim ele disse: “Eu preciso de você como meu assessor. Deixe o seu serviço, o seu escritório e preste algum serviço para o seu país. Venha trabalhar comigo.” Eu ainda jovem, recém-casado, mas o meu escritório relativamente movimentado, mas tinha colegas, meu sócio de escritório. Deixei o escritório e fui trabalhar com Paulo Egydio. Foi assim que eu comecei, como assessor de Paulo Egydio.
P/1 – O senhor tinha, antes desse convite, assim alguma intenção tipo “algum dia eu gostaria de participar do governo do Brasil”. Existia essa intenção?
R – O que eu tinha como estudante, sempre me interessei pros assuntos nacionais, quase todas conferências que na época, existiam muitas, na biblioteca e em outros auditórios. Eu procurava assistir. Freqüentei alguns dias o Congresso Nacional no Rio de Janeiro, Assembléia aqui como estudante e participava da política acadêmica. Então eu não posso dizer que nunca me interessei, sempre me interessei. Mas nunca pensei em disputar uma eleição para ser vereador ou deputado. Eu nunca pensei que ia ser Ministro de Estado. Mas terminado o período Castelo Branco como assessor, aí eu recebi convite do João Gonçalves de Souza, que foi Ministro do Interior de Castelo Branco e que deixando o governo foi Diretor dos Estados Americanos em Washington. De lá ele me telefonou dizendo que precisava de uma pessoa como eu que preenchia o perfil para Consultor da OEA e se eu não estava disposto a trabalhar na OEA em Washington. Achei que fazia parte do aprendizado. Então, casado e com dois filhos bebês ainda, com dois anos e um ano, morei um período em Washington. E depois então, o Presidente Costa e Silva ficou doente e o Paulo Egydio me telefonou dizendo que possivelmente o novo Presidente seria Ernesto Geisel e que haveria então, possibilidade dele, Paulo Egydio, voltar para o governo e se eu não estava disposto a voltar para o Brasil. Eu não estava muito satisfeito em viver fora do Brasil e resolvi voltar. Voltei e fiquei Diretor da Petrobrás e fiquei até o fim do governo Figueiredo. Assim foi, mas eu nunca pensei em ser Diretor, Presidente. Aliás, as coisas foram acontecendo naturalmente. Eu fiz questão, eu nunca me empolguei com o poder. Sempre considerei uma função temporária, e tive uma grande preocupação na educação de meus filhos. Sempre, eu e minha mulher, comentávamos naturalmente, porque eles eram crianças, vamos pra nossa casa em São Paulo. Sempre a casa onde nós moramos fora de São Paulo, como se fôssemos hóspedes, em uma posição temporária. Os dois, graças a Deus cresceram considerando assim, que a casa deles era a casa onde eu moro há 35 anos, que sempre foi a nossa casa. A casa que eu recebi do governo, que era uma mansão com empregados, segurança, tudo, aquilo tudo era temporário. Achei isso muito importante para a educação dos filhos e quando deixei o governo em 1984, eu já estava com 50 anos de idade, achei que era época para parar e que eu devia cuidar da minha vida. E foi assim. Qual a outra pergunta sua?
P/2 – eu queria perguntar para o senhor, Ueki, pensando no Ministério da Indústria e Comércio depois a sua trajetória no Ministério de Minas, o senhor foi construindo, imagino, uma idéia de desenvolvimento...
R – Eu sempre achei que o país, e ainda acho, tanto que o Presidente Geisel costumava dizer pra mim: “Ueki, você é um incorrigível otimista.” E continuo otimista. Considero o país, um dos melhores países do mundo, temos todas as condições para sermos um país desenvolvido. Nós, brasileiros atrapalhamos um pouco o processo, mas eu acredito que o país tem todas as condições. Enfrentamos, nos últimos anos, vários períodos de crise, e o próprio desenvolvimento vai fazer com que o país enfrente novas crises, mas se fizermos um exame do que aconteceu em nosso país ao longo dos anos, o país sempre progrediu. Naturalmente nós todos gostaríamos que progredisse muito mais. Mas nos últimos 50 anos, nós tivemos dois problemas muito sérios que deixamos de resolver como deveríamos, apesar do esforço dos sucessivos governos. Um é o setor de educação, vendo hoje os países mais desenvolvidos do mundo, mesmo tendo condições mais difíceis que o nosso país e registraram um progresso ao longo dos anos, um progresso muito maior do que o nosso país, na minha opinião se deve principalmente a educação da nova geração, dos jovens, do preparo do homem. E aí nós falhamos um pouco, não somente nós, mas todos nós brasileiros, ao longo desses 50-60 anos. Mas hoje eu vejo, que se compararmos com o passado, em que criança entre 7 a 14 anos, somente 60% freqüentavam a escola, há 20 anos atrás, hoje, apenas 4% não freqüenta escola, de 7 a 14 anos. Então, sem dúvida, nós vamos ter para os próximos anos, um povo mais preparado para a produção, mais preparado para absorver novas tecnologias e assim por diante. E um outro problema sério foi a explosão demográfica. Eu me lembro muito bem, quando ainda Diretor da Petrobrás, no governo Médici, nós éramos 80 milhões de habitantes, hoje somos mais do que o dobro. E em 1950, nós não tínhamos 50 milhões de habitantes, quando o Japão tinha 80 milhões de habitantes em 1950. Em 1950, Brasil com menos de 50 e Japão com 80 e hoje o Brasil tem 170 milhões e o Japão tem 120. Então, ao longo de 50 anos, o crescimento da população foi de 50% no Japão e no Brasil nós mais que triplicamos a população brasileira. Isso tudo foi, de certa forma, uma das razões porque que nós não conseguimos educar 100% das crianças com essa explosão demográfica. Mas eu tenho que lembrar, que em 1973-1974, quando nós levantamos o consumo de energia no país, traduzido em barris de petróleo, era de 1 tonelada de petróleo por habitante/ano. E a projeção da população brasileira para o ano 2000, que foi o ano passado, mantida a taxa de crescimento que estávamos registrando na época, a população brasileira poderia atingir de 220 a 230 milhões no ano 2000. Depois houve revisão, caiu para 200 milhões, nova revisão para 180 e não chegamos a 170 milhões. Essa redução de 50-60 milhões a menos, graças a diminuição da taxa de crescimento populacional é outro fator positivo para o nosso país, de maneira positiva. E na época, se a população brasileira atingisse 220-230, mantida aquela mesma taxa de crescimento, somente para suprir as necessidades de energia de 1 tonelada/ano equivalente, ou seja, nenhuma melhoria de qualidade de vida para a população, só para manter o mesmo nível, na época, nós calculamos que a necessidade de capital seria na ordem de 400 bilhões de dólares, que era impossível. Então houve no país, um milagre, essa diminuição dessa taxa de crescimento. No ano passado o nascimento de crianças no país foi menos do que há 20 anos atrás, com uma população muito maior. Esse é outro aspecto positivo, porque muito mais do que quantidade, o problema de qualidade de gente. Então eu vejo de uma maneira muito positiva. Respondendo ainda sua pergunta, com os números na cabeça, na minha opinião, não há motivo para um brasileiro ser pessimista. É lógico que enfrentamos muitos problemas hoje de desemprego, de segurança, mas mesmo com o mundo em crise, eu acredito que temos todas as condições de sermos um grande país.
P/1 – Vamos voltar lá, você estava falando desse jeito de governar que você aprendeu com Geisel, que você tem essa conversa informal com essas pessoas de confiança, enfim os cargos chaves e depois você tem uma pauta e que numa dessas conversas ele falou “Agora a gente precisa, tem um grande desejo de desenvolver o setor mineral.” De onde que vem aquele desejo e porque isso estava colocado naquele momento?
R – Porque as necessidades do Brasil para atender o setor energético, a necessidade de importação com novo preço do petróleo era de tal magnitude que nós deveríamos fazer um esforço muito grande para sermos menos dependentes de importação, não somente de petróleo, mas de tudo. Então precisávamos adotar de imediato uma política de substituição de importações, em primeiro lugar, do petróleo e de outros energéticos como o carvão mineral e também de aço, alumínio, e assim por diante. E além disso, não somente substituir as importações, mas ampliarmos as nossas exportações para buscar equilíbrio no balanço comercial e o equilíbrio no balanço de pagamento mas para termos a nossa economia menos dependente de capital externo. Sofremos isso na carne, pela necessidade de importação de 85% do petróleo que nós, na época, a produção doméstica era somente 15 %, nós tínhamos necessidade de 85% de importações. Então essa era a mensagem, a ordem e aí há muita crítica que o Governo Geisel foi estatizante e que o maior estatizante dentro do Governo Geisel era o Ueki, porque nós criamos muitas empresas no âmbito da Petrobrás, no âmbito da VRD. Se vocês pegarem a lista das novas Empresas criadas dentro da Petrobrás dentro desse período, realmente foi muito grande. Mas nós tínhamos um objetivo pra alcançar muito claro, de substituir as importações e aumentarmos as exportações. E aí vale a pena comentar a política industrial que o Brasil sempre adotou, que na minha visão, uma política industrial não muito adequada a um país como o Brasil e uma política financeira também não muito adequada para o Brasil. A política financeira sempre o Brasil procurou manter a sua moeda sobrevalorizada e essa política financeira de manter a moeda sobrevalorizada é uma política para estimular as importações e desestimular as exportações. A outra parte da política industrial foi de que, desde que não tivesse similar nacional então poderia ser importado com imposto mais baixo. E outra, de acordo com a essencialidade do produto. Se era um material, uma coisa necessária, o imposto seria baixo. Uma coisa desnecessária o imposto seria alto. Então o que houve no setor industrial, nós implantamos primeiro a fábrica de automóveis ou a fábrica de geladeiras, sem termos produção de aço suficiente, sem termos produção de alumínio suficiente, nem de cobre e começamos pela ponta, pela indústria de montagem, dando incentivos fiscais e atraindo as montadoras. O que houve com isso? Então o Brasil passou a ter uma indústria de montagem de automóvel, importando chapas de alumínio ou lingote de alumínio, de cobre e de aço. Se vocês verificarem o processo de industrialização que o Brasil adotou em 1950, em 1960, você vê exatamente isso. E qual foi a política que foi adotada, que tiveram êxito na sua política industrial, como Japão e Alemanha. Eles adotaram uma política diferente. Vamos dizer que um produto novo foi descoberto, vamos dizer o polietileno, um produto petroquímico de uso múltiplo, uma matéria prima fantástica, boa. No caso brasileiro, como não tem similar nacional, poderia ser importado. Mas no caso da Alemanha e Japão, não, essa matéria prima é uma matéria prima tão versátil, tão boa, mas o nosso país é pobre, ninguém pode importar polietileno com tarifa zero. No Brasil podia, então importava com tarifa zero. A Alemanha e Japão decidia-se por importar polietileno, e não tinha similar nacional, não tinha nenhuma fábrica de polietileno na Alemanha ou no Japão, só tinha nos EUA. A tarifa é 100%. Ora, se a tarifa é 100%, então uma Bayer, uma Basf, uma indústria química alemã resolveu fabricar polietileno na Alemanha. No Japão aparecia a Mitsubishi Chemical, a Sumitomo Chemical para produzirem polietileno. No Brasil não apareceu nenhum empresário brasileiro para produzir polietileno porque polietileno você importava sem pagar tarifa, porque não tem similar nacional, não tem produção nacional, então vocês podem importar. Então essa diferença na política industrial atrasou muito o processo de industrialização mais equilibrada do país. Então nós tínhamos industrias que montavam automóvel, mas não tínhamos matérias primas, mesmo autopeças, nós continuamos importando por muitos anos. Ainda hoje se aplica essa política, na minha opinião não adequada porque para importar automóvel você paga, não sei o imposto hoje – não estou no governo, mas vamos dizer 50% - mas para importar auto-peças você não paga imposto. Então é um processo de desnacionalização. Combinada essa política com moeda valorizada, então você vai fechando as indústrias, como nós acabamos fechando ao longo desses anos. Mas voltando a Alemanha e ao Japão, eu conversava muito isso com o Presidente Geisel: “Presidente, depois de implantada as indústrias na Alemanha e no Japão, vinha o governo e dizia: Bom, agora daqui há 5 anos a tarifa vai ser zero. Vocês já ganharam dinheiro, com 100% de tarifa de importação, quer dizer, um setor protegido. Todos os anos o imposto de importação vai caindo 20%. Daqui há 5 anos a Mitsubishi Chemical e a Sumitomo Chemical teria que concorrer com a Union Carbide Dow Chemical dos EUA ou a Dupont em igualdade de condições. E na Alemanha o governo disse que daqui a 5 anos a tarifa é zero. Daqui há 5 anos, qualquer um pode importar do Japão, da Alemanha, de qualquer lugar, com tarifa zero. O que aconteceu? A Basf, a Mitsubishi Chemical investiram em pesquisa, melhoraram em qualidade. Antes dos 5 anos estavam exportando seus produtos para os EUA que foram os pioneiros no desenvolvimento da tecnologia. E assim aconteceu com tudo, com nylon, com tudo, até de automóveis. E no nosso caso, como nós protegemos a indústria de ponta e deixamos a base, quando o Governo Geisel assumiu, eu conversei muito com o Presidente, nós éramos uma economia relativamente, entre os países subdesenvolvidos, mas que nossas pernas eram de pau porque nós importávamos aço, importávamos alumínio, importávamos petroquímicos. O Presidente Geisel concordou e disse: “Não, você tem toda a razão, agora nós não podemos fazer agora o que a Alemanha e o Japão fizeram depois da Guerra porque se nós adotarmos essa política agora, nós vamos criar um problema tão sério na nossa economia, que nós, governo, temos obrigação de investir para atender as necessidades de substituições das importações e depois de maduras nós podemos transferir essas indústrias para a iniciativa privada. Como aconteceu na Alemanha e no Japão. Por exemplo, na década de 20, a borracha natural era um produto essencial, estratégico, e na década de 30 a Inglaterra assumiu quase o monopólio do comércio mundial de borracha natural, com a planta brasileira, mas desenvolvida na Ásia. E aí os EUA tentou competir com a implantação do plantio de seringueiras no Brasil, mas fracassou, mas a Alemanha partiu para produzir a borracha sintética, foi uma iniciativa estatal. O Japão partiu também para produzir borracha sintética, também foi uma iniciativa estatal. Depois de implantada as indústrias, transferiram para a iniciativa privada, e até hoje existem as duas fábricas, privadas hoje, mas tiveram início estatal. As primeiras grandes empresas marítimas de navegação do Japão foram estatais, da Alemanha também. Então todos os países, depois dos EUA procuraram ter um espaço na economia mundial, só puderam desenvolver com forte presença do Estado na economia. E nós não tivemos preocupação nenhuma de que a presença do Estado na economia, na produção do alumínio, na produção de fertilizante, na produção de aço era mandatória, principalmente para um país que na nossa opinião, ao longo dos anos, não tinha adotado uma política industrial adequada e mantendo quase que artificialmente a moeda valorizada, tanto que, o mercado livre das moedas sempre custaram 20, 30, até 100% do valor do oficial, que é a melhor indicação de que a taxa de câmbio não era correta, adequada para as condições do país. Então quando o Presidente assumiu o governo, tudo isso já tínhamos conversado muito, o plano do álcool tínhamos conversado muito também. Mas vamos a VRD que é fundamental. No setor de mineração, você tinha uma pergunta, eu vi que no Brasil há uma tendência, que quando se discute um problema, invés de pegar objetivamente o assunto, discute-se primeiro a regulamentação, o código de mineração, achando que com o código de mineração dos EUA, o Brasil passa a ser igual aos EUA. Ou então achar que com o Código Penal da Inglaterra, vai resolver o problema da criminalidade. Eu, quando assumi o Ministério, saiu vários editoriais, em quase todos os jornais que o novo Ministro devia desengavetar o Código de Minas e levar avante porque o país estava muito atrasado no setor mineral. E aí eu fui, como de hábito, procurar conversar com as pessoas que entendem. E tive bons assessores nesse setor, e eles me convenceram que o problema não era de inspiração, mas o problema era de transpiração, era o problema de trabalhar porque os pedidos de pesquisas que tinham no Ministério, somavam dezenas de milhares de pedidos, tinham alguns com pedidos de mais de 6 ou 7 anos em andamento e o governo ainda não tinha respondido sim ou não. Então, o primeiro objetivo, antes de discutir o Código, vamos colocar em dia isso. Qualquer empresário ou pesquisador que for interessado em realizar pesquisa em uma determinada área, o governo responderia em menos de 60 dias, sim ou não. Ora, para cumprir uma meta dessa, você tem que trabalhar. E trabalhamos e muito. De dezenas e milhares de processo, em cerca de um ano e meio, mais ou menos, colocamos rigorosamente em dia. Então, qualquer um que requeresse uma pesquisa, ele tinha uma resposta em menos de 60 dias.
P/2 – Resolveram todos os casos pendentes.
R – Todos os casos pendentes. Eu passei fim de semana vendo processos e processos.
P/1 – Você tinha uma equipe?
R – Lógico, mas trabalhei fim de semana...
[Fita 2 – Lado B]
De dezenas e milhares de processo, em cerca de um ano e meio, mais ou menos, colocamos rigorosamente em dia. Então, qualquer um que requeresse uma pesquisa, ele tinha uma resposta em menos de 60 dias.
P/2 – Resolveram todos os casos pendentes.
R – Todos os casos pendentes. Eu passei fim de semana vendo processos e processos.
P/1 – Você tinha uma equipe?
R – Lógico, mas trabalhei fim de semana também e muito. Bom, e tinha também decretos de lavra, já autorização para lavrar e que as empresas mineradoras não estavam lavrando, não estavam produzindo, extraindo minério. Daí eu levei ao Presidente Geisel que nós deveríamos decretar a caducidade porque por lei, o não cumprimento do prazo para a explotação mineral, para produção mineral, por lei, o governo teria que cassar, mas nunca foi cassar. E nós começamos esse processo e ativou-se a produção mineral, o Brasil era importador de estanho, por exemplo, importava da Bolívia. Passou a ser exportador. O Brasil era importador de fosfato passou a ser auto-suficiente. O Brasil passou de importador de alumínio para exportador de bauxita, alumina e alumínio. Então, realmente... e aí, quando nós colocamos em dia, ninguém mais quis discutir o Código Mineral porque achou que o Código Mineral era adequado para as necessidades do país. Então repetindo, muito os problemas nacionais são muito mais de transpiração do que inspiração, é como a Constituição de 1988, eu não posso criticar muito essa Constituição porque é considerada a Constituição Cidadã, mas foi, na minha opinião, um retrocesso. Eu acho que o país não melhorou com a Constituição de 1988, na minha opinião. Eu acho que nós deveríamos manter a Constituição, mudar alguns artigos, sou favorável ao Regime Democrático, todos hoje reconhecem que a abertura se deve a autoridade do Presidente Geisel, ele foi sempre contra a Ditadura, mas ele defendia a tese que a Democracia era relativa, de acordo com o estágio de desenvolvimento de cada país e eu concordo. Hoje, até os americanos que nos criticavam na época, devem estar de acordo com o Presidente Geisel. Veja hoje os EUA, nesse caso que houve, achando que exportando o regime político, econômico dos EUA até para a tribo da África você vai ter um mundo melhor, vai chegar a conclusão que não é bem assim, que nós temos que desenvolver de acordo com cada país, seja no campo social, político, econômico. E aí então, no setor mineral, o que nós procuramos ser de forma mais sintética, (interferência) Posso continuar? Logo no inicio do governo, em março de 1974, no setor de mineração e melhor dizendo, da VRD, tudo estava mais ou menos ligado à VRD, nós tivemos que resolver três problemas: o primeiro era um grande projeto para o desenvolvimento da Amazônia, era a Usina Hidrelétrica de Tucuruí, a mineração Rio do Norte de bauxita, onde a VRD é a principal acionista, a Alunorte-Albrás, era o grande projeto minero-energético na Bacia Amazônica e com forte participação do fundo do governo japonês. Esse projeto, para levar avante, precisava, é lógico, o governo brasileiro tomar uma série de medidas e tomar iniciativas. Eu achei que esses projetos todos eram adequados porque a Usina de Tucurui ia substituir o petróleo importado, a produção de bauxita para exportação ajudaria a pauta do comércio e a produção de alumínio para o consumo interno, substituindo as importações e para exportação. Mas esse projeto integrado, ainda mais com fundo de um governo com juros favorecidos, daria contribuição para o balanço de pagamentos porque vinha o capital estrangeiro para investir e com a exportação ou com a economia nas importações, nós teríamos divisas para pagar de volta, geraria empregos, fortaleceria nossa economia e tudo. Então recomendei muito que a VRD desse toda atenção a esse projeto e logo no inicio do governo, nós verificamos que era impossível tomar a decisão ao mesmo tempo em todos esses projetos que estavam interligados porque o tempo de maturação era diferente. Uma Usina Hidrelétrica nós estimávamos 7 ou 8 anos para terminar, para começar gerar energia elétrica. Uma mineração, em 30 meses, em 2,5 anos você abre desde que tenha um projeto. Uma fábrica de alumina 4 anos, uma fábrica de alumínio 3 anos. Então eram todos tempos diferentes de maturação. Então o governo tinha que tomar a iniciativa de construir a Usina Hidrelétrica de Tucuruí para substituir o petróleo que se queimava em Belém do Pará e daí a dois, três anos, ainda na nossa gestão, já as indústrias de alumínio, alumina, menos a mineração, que não precisava de energia, poderia já ter inicio, desde que tivesse mercado para a bauxita brasileira. Mas, consideramos que nós tínhamos que desatar o nó que tinha com essa iniciativa. E no governo sempre, você tendo vontade de executar um projeto, você defronta com falta de recursos. E como eu tinha sido Diretor da Petrobrás, e no período do Governo Médici, a Petrobrás estava devendo aproximadamente 500 milhões de dólares para o Banco Central por causa do subsídio que o Governo Médici resolveu dar para não transferir aos consumidores, uma elevação brutal de preço do petróleo na época do governo Médici. E eu como novo Ministro da Energia, defendi junto ao Presidente que não fazia sentido nenhum manter subsídio para consumir petróleo importado, que nós tínhamos que eliminar o subsídio. Não somente eliminar o subsídio, mas também dar uma receita adicional à Petrobrás para pagar os U$ 500 milhões. E esses U$ 500 milhões que a Petrobras pagaria de volta não estava no orçamento, então eu pedi autorização, consegui convencer o Ministro da Fazenda, que não era fácil, o Mário Henrique Simonsen, o Ministro do Planejamento que ainda está vivo - aliás quase todos os meus colegas de Ministério já morreram – João Paulo Veloso, para concordar comigo na proposta de que todo o pagamento da Petrobrás, em vez de entrar nos cofres do Tesouro, fosse transferido para o setor elétrico, para implantar a Usina Hidrelétrica de Tucuruí e com isso então, dali há dois anos, três anos, daria condições para outros projetos começarem a andar, inclusive a fábrica de alumínio, posteriormente, de São Luís, a Alumar e sobretudo o projeto da VRD, da Albrás-Alunorte e realmente os dois concordaram com minha observação, dizendo que a crise do petróleo, que não tinha sentido subsidiar o consumo do petróleo e assim que nós demos partido a esse grande projeto de desenvolvimento da indústria de alumínio no norte do país e fazendo com que o país fosse um dos grandes exportadores de alumínio hoje, dando contribuição para o desenvolvimento do país e como item importante na pauta de exportação, é a VRD. Muito importante na abertura da mina de bauxita no Rio do Norte que é a AMZA e também na Alunorte com a forte participação da VRD e da Albrás. Eu trouxe a fotografia. O Joel assumiu no começo de 1978 e eu estou falando de março de 1974. eu sou um dos pouco brasileiros que teve a felicidade de muita coisa, de pensar, de discutir, elaborar um plano e ver dar os primeiros passos e depois acontecer de acordo com o planejado e hoje uma grande realidade que transformou a economia do norte do país. se você tirar hoje Tucurui, Rio do Norte, Mineração Rio do Norte, a Albrás e a Alumar, é um outro Norte. Então esse é um projeto logo de 1974. O outro projeto, também é muito importante, aí eu agi contra a VRD na defesa dos interesses do país. Vou dizer o que é. Existia, como existe em todas as Empresas um certo corporativismo na defesa de seus interesses, que é um corporativismo sadio, desde que não conflite com os interesses do país. Eu vi, que apesar da VRD ser importante, não era tão importante como os homens da Vale pensavam: que eles eram os donos do mundo, que eram grandes exportadores de minério de ferro e em tonelagem provavelmente era o primeiro do mundo, já naquela época. Mas se você visse a estatística do consumo mundial de minério de ferro e a presença da VRD no mundo, era uma presença, pela potencialidade brasileira, modesta. Nessa ocasião, um ano antes, o governo do Peru tinha nacionalizado uma mina de minério de ferro chamada Marcona Mine, é uma empresa americana, e a exportação de minério de ferro do Brasil para os EUA era ridiculamente baixa, porque a exportação de minério de ferro para os EUA era muito mais da Venezuela, do Peru, do Canadá, da Libéria e da Austrália e uma pouca participação do minério de ferro brasileiro nos EUA. Aí eu fiquei com surpresa que o governo brasileiro aceitou as argumentações da CVRD e foi contra o Projeto da abertura de uma mina da Samitri junto com Marcona e a Empresa se chamava Samarco que apresentou um projeto ao governo para investir U$ 400 milhões para abrir uma nova mina, transportar por um mineroduto até o mar, até o porto e exportar esse minério principalmente pro mercado americano, porque como eles foram nacionalizados no Peru, procuraram o Brasil e se associaram com a Samitri. A VRD trabalhou tanto contra que o governo acabou cedendo às pressões e esse projeto foi arquivado. E eu recebi uma visita, logo no começo, de uma delegação da Samarco, dizendo, que na opinião deles, era de interesse nacional, porque ia aumentar o mercado para o minério brasileiro e eu resolvi advogar a causa e conversei com o Presidente que, neste caso, nós devíamos decidir contra a posição da VRD. E o Presidente concordou, mas ele disse: “Eu só concordo se você seguir o mesmo trâmite do governo anterior que mandou arquivar. A decisão do governo anterior não foi do Ministro, se fosse do Ministro que me antecedeu, eu podia decidir como Ministro. Mas ele além de decidir contra, ele levou o assunto para o Conselho de Segurança Nacional e o CSN rejeitou o projeto. Então eu tinha que levar o assunto ao CSN para reabrir o projeto. Eu defendi esse projeto e todos se convenceram que eu estava certo, por unanimidade consegui desarquivar o projeto e essa empresa começou a investir e tornou-se realidade e eu tive o prazer de inaugurar e com isso o Brasil ampliou a exportação de minério de ferro para um mercado onde a nossa presença era muito baixa e com isso aumentar o Marketing _____ do minério brasileiro. Então esse era o segundo grande projeto no inicio do governo e o terceiro era um projeto de exportação de minério de ferro e de bauxita, um projeto pequeno, mas haviam empresários argentinos no meio, lá em Corumbá, inclusive da VRD, que exportava minério de Tubarão para a Argentina e não queria que ampliasse as exportações de minério de ferro pro Rio Paraguai. Achei também essa posição da Vale não muito válida, isso não foi preciso uma discussão tão séria, porque era um projeto pequeno, eu mesmo aprovei e ampliamos a exportação via fluvial. Outro grande projeto que estava em curso era Carajás, a US Steel já tinha investido um bom dinheiro e o projeto estava andando num passo, num ritmo que eu não considerei satisfatório, achava muito importante o distrito mineral de Carajás, logo no inicio do governo eu visitei e resolvi acompanhar esse projeto muito de perto, ao longo dos 5 anos, como Ministro. O investimento previsto na época, era de mais ou menos 1 bilhão e 100 milhões de dólares no Carajás. E o que era favorável no Projeto Carajás é que a qualidade do minério era melhor, a proximidade dos mercados europeus e americanos, mais competitivos, mas para o aumento da oferta em Carajás, o investimento era significativamente maior do que qualquer acréscimo na produção da região sul, na região da mina de Cauê, mina de Conceição, que nós acabamos ampliando também no sul. Mas isso, esse Projeto Carajás, mesmo que o investimento fosse, na época nós estimamos que seria 4 ou 5 vezes maior do que seria no sul para ampliar a extração e exportação do minério, eu achei importante por causa de outros minérios que certamente teria na região. E pensamos, no inicio, em uma alternativa, que seria de Carajás até Marabá, nas margens do Rio Tocantins, transportar em chapas, até Vila do Conde, onde ia ser construída a fábrica de alumínio e de lá, fazer o transbordo para navios médios que atracava em Vila do Conde, para exportação para os EUA e para a Europa. Seria um investimento relativamente comparável ao investimento sul, mas com uma produção menor. Mas para manter o Projeto Carajás vivo, em 1974 e não abandonar. E nessa ocasião mesmo, em maio, um mês depois, a Venezuela nacionalizou as mina da US Steel na Venezuela. Quando nacionalizou as minas na US Steel na Venezuela, despertou de imediato na US Steel em, abrir Carajás e veio com intenção de levar avante o Projeto Carajás, diante da nova realidade, um mês depois dessa nossa decisão, de estudar essa alternativa Projeto Carajás, vamos dizer Carajazinho, um projeto menor.
P/1 – Antes de chegar aí, quando você fala Projeto Carajás, quando você fala toda hora Projeto Carajás, tinha um projeto claro, foi depois da descoberta, você enquanto Ministro tinha um projeto?
R – Não. O Carajás tinha sido descoberto antes, antes já tinha cubado e dimensionado a reserva. Gigantesca. A qualidade do minério já era conhecida, mas se defrontava com a realidade da recessão mundial por causa da crise do petróleo e a demanda adicional de minério de ferro não justificava a abertura da mina de Carajás para a produção de 20 – 30 ou 50 milhões de toneladas que poderia extrair sem nenhum problema. Mas o custo-benefício do Projeto passou a ser muito modesto e havia um grupo muito forte que defendia que deveria se investir mais na região de Minas Gerais e em Tubarão, e ampliar o porto, etc do que abrir Carajás. Que Carajás seria uma coisa pro futuro. Eu me convenci que o mercado de minério de ferro era completamente diferente do mercado do petróleo, que o mercado era do comprador e não do vendedor e que era muito importante nós avançarmos com o Projeto Carajás para inibir a abertura de novas minas na África e na Austrália. É por isso que nós demos uma atenção maior a Carajás, um projeto existente e pressionar a US Steel, sócia da VRD em 49,9%, praticamente 50 a 50, e a US Steel que não estava muito motivada logo no começo, um mês, depois meses depois, com a nacionalização de suas minas de Venezuela, se interessou. Mas depois a Venezuela indenizou a US Steel, porque com o dinheiro que ganhou com o preço do petróleo, estava sobrando dinheiro na Venezuela, pagou a indenização para a US Steel e assinou um contrato de venda de minério de ferro a longo prazo, em condições favoráveis. Aí a US Steel esfriou, não se interessava muito por Carajás. Por isso que nós defendemos junto ao Presidente, e o Presidente concordou que nós deveríamos nacionalizar o Projeto, pagar o preço, quer dizer, o que a US Steel investiu no Projeto, nós deveríamos devolver o dinheiro, e a US Steel aceitou o dinheiro de volta e o Projeto passou a ser 100% da Companhia Vale do Rio Doce. Essa decisão foi tomada pelo Presidente Geisel, naturalmente assessorado por mim. Mas nessa ocasião, é muito importante que se diga, que nós estávamos com intenção firme de transformar o Brasil no maior exportador de minério de ferro do mundo, que ainda não era. E para isso nós tínhamos que acompanhar o mercado, aceitando aquela regra (Marketing in – Progress Out?), quer dizer, vamos respeitar o mercado. Um dos mercados que estava crescendo e muito era o mercado de Pellets, pelotas. E a melhor maneira de vender pelotas, na nossa opinião, era incentivar a formação de associação com os compradores de minério, que seria no caso da Nibrasco com o Japão, Espanobrasco, com a Espanha, Italbrás e aumentamos, quer dizer, criamos vários projetos de negociação com vários países de Oriente Médio, e durante nosso período, com uma produção relativamente modesta de pellets, no fim do governo Geisel, nós éramos um dos maiores exportadores de minério de ferro e de pellets, ou de pelotas do mundo. Todos esses projetos foram materializados e era uma tendência natural, porque invés de usar o minério normal, usar os auto-fornos, começar a usar as pelotas por causa da produtividade, menor gasto de energia e a VRD desenvolveu uma pelota auto-fundente com ganho de produtividade sobretudo nos auto-fornos americanos, foi um sucesso grande. Assim nós aprovamos, procuramos acelerar os projetos de pellets. Em julho-agosto, mais ou menos de 1974, um projeto que não tinha nada a ver com o setor de mineração, mas por causa da logística de transporte e com o reflorestamento que a VRD tinha feito, foi desenvolvido um projeto para a fabricação de celulose e foi constituída a Cenibra, que é da Vale e foi recentemente vendida. Mas era um projeto muito importante para a criação de emprego e novamente substituir as importações. Importações de celulose o Brasil já era auto-suficiente.
P/1 – Mas quem que idealizava isso, a criação. Por exemplo: Agora nós vamos criar a Cenibra?
R – Essa criação da Cenibra já havia uma proposta dos japoneses para a VRD e o governo não podia tomar duas atitudes – não, isso não é assunto para a VRD.
P/1 – Mas essa proposta tinha vindo dos japoneses?
R – Dos japoneses porque o Japão é um grande importador de celulose. Mas nós achávamos na época, que era muito importante. Logo tivemos contato com os empresários japoneses, seria uma geração de 5.000 empregos, formação de uma floresta de 50.000 hectares, investimento inicial de 170 milhões de dólares e com exportação de 75 milhões de dólares por ano, que hoje é muito maior porque a Cenibra foi ampliada. E também neste mês de agosto, houve uma decisão muito importante, da mesma forma que entre a VRD e a Petrobrás não havia muito bom entendimento, também não havia muito bom entendimento entre a VRD e o Banco do Brasil que era dono da Acesita. Aí eu tive que entrar no meio, junto com o Governador Rondon Pacheco, que era governador de Minas, e conseguimos fazer um acordo entre a Acesita e a VRD, para a VRD desenvolver a mina de ferro da Acesita e usarem toda a logística da VRD e o Brasil aumentou a capacidade de exportação de mais ou menos 5 milhões de tonelada /ano que era mais ou menos 10% da capacidade. Foi uma decisão importantíssima, mas era uma encrenca que vinha entre a Vale e a Acesita. Eu tenho aqui o registro de 12 de agosto de 1975. Nessa ocasião, mais ou menos agosto e setembro, todos os anos eram meses importantes para a VRD, discutia-se o preço que ia prevalecer para o ano seguinte. Preço de exportação; lógico que os compradores querem pagar o preço mais barato e os vendedores querem vender pelo preço mais caro. Faz parte da vida. Nessa ocasião, como no setor de petróleo nós já sofremos muito a formação de cartéis, havia uma tendência, dentro da Empresa, não só dentro da Empresa, tinha no Itamarati, dentro do próprio governo tinha vários Ministros que defendiam a tese que nós, exportadores de minério de ferro, deveríamos formar uma organização semelhante a OPEP – Uma Organização dos países exportadores de Minério de ferro.
[Fita 3 – Lado A]
R – Bom, havia um movimento para a formação da Associação dos Países Exportadores de Minério de Ferro. APEF, também havia um movimento para formação de um cartel de bauxita. E muitos homens do governo defendiam a tese de que, como nós fomos vítimas da OPEP, nós deveríamos aderir fortemente a esse movimento, a Austrália tinha um governo trabalhista, a Índia. Todos querendo formar e pressionando o Brasil, que não era o maior exportador, mas era um exportador importante. Em bauxita nós não éramos exportadores, mas o Brasil tinha a maior reserva de bauxita do mundo. Eu fui sempre contra porque na minha opinião, aderir a um movimento desse, só depois de sermos o primeiro. A minha tese era que o Brasil tinha que ser a Arábia Saudita do minério de ferro, antes disso é prematuro. Então nós não vamos virar as costas para o movimento porque esse movimento é antipático perante aos consumidores e nós vamos atrair a simpatia pelo fato de sermos contra. E vamos buscar o aumento da nossa participação para termos condições de abrir a Serra dos Carajás, e se nós não assinarmos mais contratos de venda, nós não temos condições de abrir a Serra dos Carajás. Então recomendei a VRD de não tomar nenhuma iniciativa nas discussões de preço nem na formação do cartel e que procurasse acompanhar as negociações da Austrália, junto com os importadores japoneses e a negociação da Suécia junto aos importadores europeus. Porque eu não tinha ilusão nenhuma que o que os australianos não conseguissem com os japoneses, que nós brasileiros iríamos conseguir algo melhor, a minha intenção era ter um pouco mais barato que a Austrália, desde que os japoneses aumentassem o volume. Porque como o minério que nós temos é abundante, eu estava mais interessado em quantidade do que o preço. Mas o preço não muito distante dos australianos e não muito distante dos suecos. É uma política que nós adotamos ao longo dos 5 anos, nós nunca tomamos fortemente a iniciativa de pressionar em preço, porque é uma atitude antipática, mas lógico como um bom vendedor, reclamando que não cobria os custos, que sofríamos muito, mas que se comprasse uma quantidade adicional, um aditivo no contrato, etc., era a maneira de nos compensar e poderíamos ser um pouco mais flexíveis em preço e acho que foi uma política, na minha opinião, acertada e que permitiu a ampliação do mercado de minério de ferro brasileiro, da mesma forma que com a abertura da mina da Samarco para os EUA, aumento da capacidade do (DNBR?) e tinha Samitri e a Ferteco também exportando minério de ferro e conseguimos melhorar o preço, indo na onda daqueles que estavam em condições mais favoráveis que era a Suécia na Europa e a Austrália na África.
P/2 – Nessas negociações de preço, além da equipe da Vale, o Ministério enviava também representantes?
R – Acompanhava, e eles nos relatavam e comandavam os entendimentos e é óbvio que as delegações de negociações de compra de minério de ferro vinha e visitava a VRD depois me visitava e esperando que o Ministro interferisse. E sempre, a nossa... você pode ou priorizar preço e diminuir a quantidade, que parecia que era mais ou menos a política anterior. Em termos nacionais, se você foi contra a abertura da mina da Samarco, a condição que impus foi a seguinte: se você for vender para os clientes da VRD, então seu projeto está desaprovado, mas se você for exportar para o mercado para onde a VRD não vende, o projeto está aprovado. E eles venderam para os consumidores que não eram clientes da VRD e com isso aumentou a participação de minério de ferro no consumo mundial. Então, o que eu quero, já passando esses projetos de pellets e em setembro de 1974 nós já assinamos um novo contrato para ampliação do reflorestamento, Cenibra, JBP, Japão-brasil (Palp?) e VRD para aumentarmos a área de plantio e no mesmo mês a VRD e a US Steel concordaram em buscar financiamento para o projeto, como já te contei, animado diante do desastre da Venezuela, então a US Steel já queria começar o projeto e nós interessados porque ia criar um mercado nos EUA e o nosso sonho na época era a US Steel deixar de comprar da Venezuela e comprar o nosso minério. Nessa ocasião, eu achei que era muito importante nomear um diretor só para projetos. Eu vi a VRD no dia-a-dia e não tinha um diretor para projetos. Conheço um profissional, até hoje é muito amigo meu, um profissional competente, tão competente que hoje ele é Presidente da ÚNICA que reúne todos os produtores de açúcar e álcool para exportação de açúcar e álcool do Brasil que se chama Eduardo Pereira de Carvalho, que foi assessor do Ministro Delfim Neto e eu consegui convencê-lo a ser Diretor de Novos Projetos da VRD. Ele prestou um grande serviço em todos projetos. E nós conseguimos um reajuste médio de preços, seguindo aquela política de U$ 3,21 em média por tonelada, que foi um aumento significativo e ainda um reajuste no frete de 38,5% e inclusive esse reajuste médio que conseguimos e tal foi objeto de um artigo de um jornal econômico, e no fim, era um preço ligeiramente menor que os australianos e causou um pouco de ciúmes. Eu ouvi de um amigo de uma empresa de mineração da Austrália: “Você deve ter conseguido isso com seus patrícios porque você é de origem japonesa e dobrou os japoneses.” Não é bem assim, não é pela cara que ele vai concordando, um pouco de transpiração houve para obter isso.
P/1 – Transpiração econômica.
R – Nessa ocasião nós resolvemos também, fazer um acordo com a Polônia. O Brasil era importador de carvão metalúrgico e a Polônia era exportadora. Fizemos um acordo com a empresa estatal da Polônia de exportação de 6,6 milhões de toneladas de minério de ferro, que era significativo e com a importação de 1,6 milhões de toneladas de carvão. Demos um passo mais forte e criamos uma comissão comercial, AMZA que é Amazônia Mineração, que é Projeto Carajás, e a US Steel ficaria com a área financeira, a VRD com a área comercial e o setor de engenharia, projeto, era um trabalho conjunto que já estava bem avançado.
P/2 – Ueki, voltando um pouquinho só na questão do comércio com a Polônia. A relação com o Leste Europeu, nesse momento não havia nenhum problema?
R – Não havia nenhum problema e era de interesse do país. Eu vejo recentemente houve um acordo, caso da polonetas, etc, mas o que o Brasil comprou da Polônia era carvão mineral, tinha condição de comprar. E exportava para a Polônia produtos que não conseguíamos vender para outros, como café solúvel. O que nós deveríamos era importarmos mais da Polônia. A situação começou a ficar mais difícil quando a Polônia resolveu impor condições para exportar produtos que nós estávamos fabricando no país, como navio, por exemplo. Eu recebi muita pressão, no sentido da Petrobrás comprar navios da Polônia, eu fui contra. Comprar carvão eu quero, porque o Brasil precisa, carvão metalúrgico, comprar fertilizantes eu quero porque o Brasil ainda era importador de fertilizantes, mas navio não, navio eu vou desempregar brasileiros. Eu não quis, eu não comprei navios da Polônia. Recebi muita pressão de muitos homens do governo no sentido de comprar navios da Polônia. Nós não compramos. Não compramos, a VRD e a Petrobrás, não sei se alguém comprou. Mas a intenção do governo, na época, eu acho que acertada, no comércio com o Leste Europeu tinha que ser de governo para governo, então eles querem vender produtos que tem dificuldade de vender para outros e nós queremos vender. No fim era quase um _____________ o que talvez deveríamos ter controlado melhor, não sei como que nós acumulamos um crédito de 3 bilhões, mas aí então faltou um gerenciamento numa determinada época. Mas o comércio com a China, URSS, por exemplo, eu fui a China, vendemos minério de ferro e compramos petróleo. Em mais ou menos igual valor. Bom, nós procuramos ampliar, na medida do possível, todos os contratos de venda de minério de ferro continuamos em 1975. Teve também dois casos, isso já em 1975, ligado com a história da VRD: havia propostas que vinha do governo à VRD. Na época, eu me lembro que havia uma proposta do Bozzano, Simonsen junto com a Nippon Kokan do Japão para a abertura da mina de Barão de Cocais, que é uma grande reserva de minério de ferro. Eu, como governo, disse, “Eu estou de acordo.” Não poderia ser diferente, como foi no caso da Samarco, desde que a Nippon Kokan comprasse uma parte substancial da nova mina. Aí então nós poderíamos concordar com a proposta. Na mesma época veio uma grande siderúrgica japonesa, Kawasaki Steel, que acabou implantando a Usina de Tubarão e propondo a abertura da mina de Capanema, em _______ com a VRD. Também dei a mesma orientação, desde que aumente a exportação brasileira com nova mina, eu estou de acordo. No fim, o projeto Capanema se desenvolveu porque a Kawasaki Steel aceitou e aumentamos a exportação com a exportação do minério de Capanema, mas a Barão de Cocais, da Nippon Kokan e da Bozzano, Simonsen não foi pra frente. Essa é a razão do porque o Ministro que gostava tanto de realizar projetos, não concordou com o projeto de abertura de uma nova mina de minério de ferro, era porque não ampliava nenhuma tonelada adicional do mercado e teria então que buscar o mercado e a VRD já tinha capacidade ociosa e teria muito mais capacidade ociosa com a mina de Carajás, não teria sentido nenhum aumento a mais a oferta.
P/2 – O que a gente reconhece nos projetos é uma presença maciça do capital japonês ou dessas associações com os japoneses. No caso da Vale, isso foi intensificado...
R – Isso é muito fácil responder pelo seguinte. O maior produtor de aço do mundo era o Japão, o maior importador de minério de ferro do mundo era o Japão. A Arábia Saudita do aço era o Japão. A produção mundial de aço na época era na ordem de 600 milhões de toneladas, Japão produzia sozinho mais de 100 milhões de toneladas de aço. Então era um parceiro necessário para a VRD natural.
P/2 – Mas havia uma perspectiva do governo de capitalizar essa parceria com o Japão para outros setores?
R – Nós capitalizamos e muito. A VRD foi o catalisador de vários projetos, mas no caso da VRD no setor de fertilizantes, a Vale Fértil não teve participação japonesa, mas em outros setores alumínio, celulose, teve. Agora em junho de 1975, eu como especialista do setor financeiro, trabalhamos muito e conseguimos, pela primeira vez a VRD emitiu títulos, _______ no exterior através do Banc of American. Era muito importante para a VRD porque era um instrumento de captação com custo mais baixo e que é menos sensível à volatilidade do mercado, das flutuações do mercado e ia criar tradição. Da mesma forma que a Petrobras emitiu ________ e eu incentivei muito a VRD e a Petrobrás para captar recurso na emissão de _________. Na época era o pioneirismo, nenhuma empresa brasileira tinha emitido ________. Logo depois, na Alemanha nós emitimos com o ________ 70 milhões de marcos e no Banco _________ 30 milhões de dólares. Bom aí em julho-agosto de 1975, a US Steel fez acordo com a Venezuela e começou a esfriar um pouco a vontade de desenvolver o projeto Carajás. Nessa ocasião, foi uma decisão que eu tomei e achava que a VRD, como eu sabia mais ou menos os carros que a Petrobrás tinha para executivos e tudo, achei que a Vale tinha mais do que o razoável e mandei baixar 200 veículos. O pessoal não gostou nada. 200 automóveis, era a crise do petróleo, dificuldade, eu não via sentido nenhum manter a mesma frota e fui considerado um Ministro chato porque determinei o corte de 200 veículos e diminuição do número de empregados.
P/1 – Nessa época teve um corte no número de empregados?
R – Também, durante todo o nosso período nós diminuímos o número de empregados até no Ministério.
P/1 – Qual foi a porcentagem você sabe?
R – Eu tenho depois. No fim no Ministério eu consegui reduzir 30%. Tinha um prédio que ia ser construído anexo ao Ministério, eu cancelei e diminui em 900 empregados o número do Ministério. Acho que fui um dos poucos a diminuir o número de empregados no Ministério porque todos que viram Ministro gostam de empregar, eu não empreguei ninguém, pelo contrário, só demiti. Não empreguei nenhum parente. Não houve nenhum. Se alguém disser que eu empreguei algum parente é uma grande mentira, eu não empreguei nenhum e não nomeio um por amizade. Todos por competência. Fui buscar no Brasil todo, tanto que meu Secretário Geral era pernambucano, Arnaldo Barbalho, o Subsecretário era um gaúcho, procurando obter informações eu estou muito satisfeito com o critério que eu adotei. Até hoje todos eles são amigos e seguiram a mesma política, não empregou parente, irmão, primo. Nada. E reduzimos o número de empregados. Nós fomos um dos poucos Ministérios que, terminado o período, sempre devolvemos dinheiro para o Tesouro. Não deixamos nada no caixa.
P/2 – Nessa política, como que o senhor participou da decisão da nomeação dos presidentes dessas empresas ligadas ao Ministério?
R – Muito com o Presidente. Por exemplo, na escolha do General Araquém, substituindo o Almirante Faria Lima. O General Araquém era Presidente do Conselho Nacional do Petróleo, entendia de petróleo. Achei que era um nome certo, o Presidente Geisel conhecia também, concordou. No caso do Fernando Roquete Reis, que foi meu primeiro Presidente da VRD, a escolha foi do Presidente Geisel. Eu conhecia, ouvia falar, era um executivo competente e tinha dado uma grande contribuição ao governo Rondon Pacheco e ele se revelou um bom executivo, tanto que todos esses projetos tiveram andamento. Não faltaria com a modéstia, acho que eu tive, entre meus colaboradores, um pessoal de primeiro nível. Todos eles, seja na VRD, na Petrobrás e outras empresas. Mas um projeto que eu me interessava muito e que o Presidente Geisel também, e que nós, em 1975 já no segundo semestre, era a formação da Vale Fértil. O Brasil era grande importador de fertilizante, um país agrícola como o nosso e a Petrobrás já na nossa época nós desenvolvemos vários projetos na linha de fertilizantes, mas na linha de nitrogenados, de amônia, uréia, na área de petroquímico. Mas no setor de mineração, que era rocha fosfática, a VRD era a empresa mais recomendada, tem muitos engenheiros de minas, muitos geólogos e aí nós constituímos a Vale Fértil, já com Eduardo Carvalho, 1/3 VRD e 2/3 Empresas Privadas. Mas o fertilizante, substituindo a importação e pra vender para os agricultores a um preço favorecido, a iniciativa privada tinha pouco interesse, então no fim nós desenvolvemos na VRD todo, durante o período do governo Geisel esse projeto foi inaugurado e depois a VRD não conseguiu ou achou que era conveniente transferir o controle e aí então eu, como Presidente da Petrobrás, a Petrobrás assumiu a Vale Fértil e transformamos em Fosfértil que é um projeto vitorioso aqui de Uberaba. Aliás ontem, eu vim de Paracatu, Minas Gerais, passei em cima desse projeto. Eu sou um dos poucos brasileiros que passa em cima de uma fábrica de fertilizante e se sente feliz. Porque aquele projeto acompanhei, quando escolhemos o local, eu fui a Uberaba, fiquei, fui lá várias vezes, acompanhei a obra e demos inicio a Trombetas, com liderança da VRD para abertura de mina de bauxita. Também tem uma passagem interessante. Convidei todas as empresas de alumínio para participarem do projeto. Tivemos uma reunião num fim de semana, no Hotel Intercontinental lá no Rio e eu como Ministro, disse a todas as empresas de alumínio, com a exceção da Alcoa, que tinha mina própria de bauxita. A Alcan estava presente, a Pechini, a Reynolds, a Kaiser Alumínio. Eu disse: “O Brasil não vai aderir a Organização dos Países Exportadores de Bauxita. Fiquem satisfeitos com isso, mas eu quero que vocês apóiem a abertura da mina de Trombeta e participem do empreendimento. Então, só para vocês saberem como foi constituída a Empresa e depois tornou-se realidade, eu já esqueci os sócios, são várias empresas de alumínio, inclusive a Votorantim participou e com grande sucesso, a Mineração Rio do Norte que vocês devem conhecer. E conseguimos um financiamento, os nove acionistas que eu convidei, três desistiram, seis confirmaram e esse projeto se tornou realidade. Já em 1970, já vamos passar para 1976, já em 1976 vou dar os números: em 1972 a participação do minério de ferro no mercado americano era de 3%, em 1974 era de 13,7%, aumentamos 10% na importação total dos EUA, e 16% em 1975. Hoje eu não sei quanto é. Se eu continuasse estaria acompanhando esses números. Como meu sonho era ser a Arábia Saudita do minério de ferro, o limite para mim seria de 100% do mercado americano. Nessa ocasião nós começamos a negociar um contrato importantíssimo que é conhecido como o Quinto Contrato. Pergunta lá para o pessoal da VRD qual o significado do Quinto Contrato. É o quinto contrato global de exportação do minério de ferro, da VRD ao Japão. Nessa ocasião nós conseguimos aumentar de 5 a 10 milhões de toneladas no Quinto Contrato. Já nessa época, em 1976 nós já estávamos começando a marcar a inauguração da Cenibra para 1976, outubro de 1976 porque eu acompanhava esses projetos e exigia o cumprimento do cronograma, considerava uma guerra a execução desses projetos.
P/1 – Você acompanhava pessoalmente esses programas?
R – Todos esses projetos, todos, senão não tinha anotado isso. E pellets nós já tínhamos aumentado a exportação ao nível de U$ 650 milhões/ano, firmamos um novo acordo entre a Docenave e a Fronape que eram instrumentos de marketing de venda porque com contrato a longo prazo e tudo, compra de petróleo a longo prazo, exportação de minério e o investimento Trombetas que foi de U$280 milhões e começamos já assinar contratos de venda de bauxita e, pela primeira vez, em 1976, vendemos minério de ferro para a Coréia. Eu inclusive fui pessoalmente lá na busca desse contrato e aquele acordo que tínhamos feito antes de eu ter assumido o Ministério, o primeiro navio de 135 mil toneladas estava para ser lançado.
P/2 – Esse acordo com a Coréia foi o primeiro?
R – Foi a primeira venda de 1976, a primeira venda de minério.
P/2 – O senhor foi lá pessoalmente?
R – Fui. Em resumo, em 1974 nossa exportação foi de 59.400.000 toneladas, em 1975 nós conseguimos aumentar para 71.720.000 toneladas. Não era da VRD, era do Brasil todo porque achava que a tarefa era de todas as empresas de mineração e eu dei o mesmo apoio para a MBR, Samarco, Samitri, Ferteco, Vale, todos. O preço médio em 1974 foi U$ 9,61 e o preço médio em 1975 foi de U$ 12,67. Bom, aí é importante. Começou haver crise na Indústria Siderúrgica mundial e pelo fato de nós antes termos tomado a decisão de ter uma posição vendida maior do que nossa capacidade de exportar, na intenção de abrir mais rapidamente o minério de Carajás, também com a recessão que houve foi até providencial porque a redução na exportação foi bem menor do que os outros exportadores. Isso significa que a participação do minério de ferro no mercado mundial, mercado de minério de ferro brasileiro aumentou, se os outros exportadores diminuíram mais e nós mantivemos mais ou menos o mesmo nível de exportação, isso em 1976. abrimos também novos mercados nas Filipinas graças a Kawasaki Steel e resolvemos abrir um escritório em Tóquio. Nessa ocasião houve uma pressão muito grande dos importadores contra o Diretor Comercial da VRD, que eu tinha indicado. Mas eu achei que tinha que manter contra a má vontade de todos porque...
P/1 – Quem que era?
R – Era o (Wolker?) que era, estava seguindo a nossa política, estava obtendo os resultados. Se pessoalmente não era uma pessoa muito simpática era uma pena. Mas na minha opinião ele estava alcançando os objetivos. Em janeiro de 1976, a nossa participação no mercado americano já tinha crescido para 25,9% e a nossa participação na Alemanha tinha passado de 14% para 27%. Isso tudo fruto da Samarco que já estava atuando no mercado. Aí no Projeto Carajás, com a crise mundial, começou haver um esfriamento por parte da US Steel e eu orientei no sentido de ir buscar
[Fita 3 – Lado B]
R - Em janeiro de 1976, a nossa participação no mercado americano já tinha crescido para 25,9% e a nossa participação na Alemanha tinha passado de 14% para 27%. Isso tudo fruto da Samarco que já estava atuando no mercado. Aí no Projeto Carajás, com a crise mundial, começou haver um esfriamento por parte da US Steel e eu orientei no sentido de ir buscar, ser dono 100% do projeto e desenvolver um projeto brasileiro, com financiamento europeu e japonês. Iniciar as obras, abandonamos aquele projetinho via Vila do Conde, Marabá, mas agora já o projeto integral. O ponto crítico desse projeto são os 80 km de um banhado perto da cidade de São Luís. Vocês já tiveram visitando. Aquele primeiro banhado, todos os estudos de engenharia indicaram que era importante você levantar um pouco, cederia porque não é um solo firme, no ano seguinte cobriria mais e levaria 3 a 4 anos para consolidar, seria uma maneira mais barata para vencer o banhado. Então, isso era importante para desenvolvermos o projeto Carajás para inibir a abertura de novas minas no resto do mundo e deu condições para em agosto de 1976, assinarmos o novo contrato. O valor do novo contrato foi de U$ 4,5 bilhões com 300 milhões de toneladas que foi o objeto do contrato. Esse contrato deu condições para alavancar recursos com entidades financeiras internacionais que nós demonstramos que tem mercado. Com isso o Projeto Carajás teria condições de andar, mas ainda a US Steel continuava nossa sócia, como a VRD era encarregada da comercialização e a US Steel do financiamento, nós sentimos que a US Steel não estava tão disposta. Já sabíamos disso. Em 1976 a Austrália começou a reclamar que os consumidores do Japão, as usinas siderúrgicas do Japão estavam dando preferência para os brasileiros. Nesse período nós passamos, a Austrália exportava sozinha 70 milhões de toneladas e passou para 74 milhões de toneladas, em 1976. O Brasil, que exportava 25 milhões de toneladas passou para 44 milhões de toneladas. Quer dizer que os japoneses aumentaram da Austrália 4 milhões e aumentaram do Brasil 19 milhões de toneladas por ano. Um grande impacto que teve, favorável para a VRD ,a conquista desse mercado. Já em julho de 1977, o projeto de U$ 400 milhões da Samarco, nós inauguramos e começamos a exportar e quando já em julho, a crise tinha passado um pouco no setor siderúrgico, a economia mundial já estava razoável. No Brasil, o imposto sobre o minério, na época era imposto único sobre minério, tomei uma decisão de aumentar o imposto que é importante para aumentar a arrecadação tributária. Os exportadores mineradores não gostaram muito, mas nós aumentamos. Pagava por tonelada CR$ 1,27 e aumentei para CR$ 8,89, ainda agora acho que exagerei um pouco na dose, mas nenhuma morreu por causa disso, conseguiu sobreviver e eu achava que as empresas de mineração todas: Samarco, Ferteco, Samitri, ____, VRD estavam ganhando dinheiro demais, então resolvi aumentar os impostos. O projeto Carajás, em 1976, com base no Quinto Contrato, no fim resolvemos indenizar a US Steel pela parte que eles investiram e quem pagou isso foi Joel Rennó, que assumiu no começo de 1978 e deu andamento no projeto, mas é lógico, os sucessores continuaram e hoje é uma grande realidade. Você pode imaginar o Norte sem o Projeto Carajás seria um outro Norte.
P/2 – Como eram as conversas com a diretoria da US Steel?
R – Inclusive a decisão que tomei com o Presidente da US Steel foi uma conversa em alto nível: “Eu vejo que os senhores não estão interessados por causa do acordo que fizeram com a Venezuela, os senhores têm minério de ferro a um preço barato até 1982, tem contrato ainda por 5 ou 6 anos, porque vocês vão investir para ampliar a oferta se já tem minério suficiente para você. Mas para o Brasil é muito importante abrir Carajás e aumentar a oferta mundial, ou aumentar nossa participação porque a gente precisa de divisas e não podemos conciliar o seu time com o time brasileiro. Eles entenderam. Não houve nenhuma pressão: “Agora que vocês estão desinteressados está aqui seu cheque e vai embora.” Não é assim, foi uma conversa de alto nível. Mas fui eu que conduzi pessoalmente. Acho que foi uma decisão histórica, mas com apoio do Presidente Geisel, nós resolvemos pagar exatamente o investimento que eles fizeram e aplicamos uma taxa de juros aceitável, não é simplesmente devolver o dinheiro que eles colocaram, também não seria justo. Você poderia dizer: “Eu vou cancelar a concessão, vocês caem fora, não dou nenhum dólar” e virar as costas, mas depois você vai pagar no mundo inteiro juros mais altos e vai devolver isso dez vezes mais. Você tem que ter uma atitude _____ no comércio mundial.
P/1 – Vocês discutiam esses projetos de desenvolvimento para a Região Amazônica?
R – Certamente. Durante o meu período nós desenvolvemos o projeto RADAM, para o desenvolvimento da Amazônia. Foi concluído o projeto Radam, já vinha dos governos anteriores, mas concluímos no nosso governo, no nosso período. E lá, nitidamente o desenvolvimento da Amazônia tinha que obedecer um planejamento, respeitando o meio ambiente, a ecologia. Existem manchas de terra boa pra o desenvolvimento da agricultura, você não pode negar isso. E temos que desenvolver a agricultura como está desenvolvendo na região Amazônica. Tem áreas que você tem que reservar, preservar as florestas porque se você desmatar vira deserto, vira uma areia branca como se fosse praia de Copacabana e tem minérios ricos. Ter minérios que tem valor comercial e dizer que não, vamos preservar esse minério para gerações futuras, mas se nós não desenvolvermos agora, amanhã o minério pode deixar de ser necessário para o mercado. Então, desenvolvimento de exploração de minas na Região Amazônica você não vai desmatar uma grande área para isso. Isso tem que ser aceitável. Eu acho que o binômio energia-mineração para o desenvolvimento da Amazônia faz muito sentido. Na Bacia Amazônica tem aproximadamente 200 chaminés alcalinas, 200 antigas formações vulcânicas, onde a possibilidade de existir minério de valor, tanto que aí perto do Carajás, além do ouro, tem o caulim que está sendo explorado. Um pouco longe de Carajás, mas no Pará e tem, parece que é viável, a exportação de cobre. É um novo projeto que eles estão estudando. A primeira exportação da Samarco, já em 1978, era de... em 1977 já, aprovei em 1974, em 1977 já tinha exportado 700 mil toneladas de pellets e 250 mil de pellets fino com U$ 23 milhões de receita. Assinamos contrato adicional com a Coréia do Sul, já em fim de 1977 e também para a Indonésia um carregamento de experiência e com a China Nacionalista, com Taiwan também. Nós vimos que ao lado do Japão, Coréia, China Nacionalista, Indonésia estavam implantando novas siderúrgicas e eles estão, nossos concorrentes australianos, da África do Sul e da Índia estão mais próximos, então já depois de ser Ministro, eu fui Presidente da Petrobrás quando Eliezer Batista era Presidente da VRD e muita vezes, Eliezer Batista pediu que o acompanhasse nas viagens para a Ásia, porque apesar da Petrobrás não ter nada a ver com minério de ferro, mas tem muito a ver com o setor de transporte porque naquele período quando fui Presidente da Petrobrás, o entendimento com a VRD era muito maior. O meu conhecimento sobre Vale era muito maior, uma ou outra opinião contrária dentro da Petrobrás, eu era o Presidente, a autoridade máxima e tivemos um bom entendimento com Eliezer e eu acho que nós dois demos uma contribuição muito grande para uma presença mais significativa pra o Extremo Oriente. Naquela ocasião, já em 1978, o mercado de ferro esponja, ferro esponja se produz com pellets, redução direta de aço, era de 9 milhões de toneladas/pena, 1978. Projetamos para 1975 que seria de 50 milhões de toneladas em 6 anos. Então, naquela ocasião defendi muito que deveríamos fazer associações com firmas importadoras de ferro esponja, não somente no Brasil, mas no país deles, onde tinha gás. Nós desenvolvemos projetos com vários países, infelizmente depois com a segunda crise do petróleo e também por razões de natureza política, quase todos esses projetos nós não tivemos condições de implantar, mas isso já estava terminando meu pedido de Ministro, mas como Presidente da Petrobrás tentei ajudar a Vale, são todos projetos de Eliezer e lamentavelmente nós não conseguimos. Acho que a segunda crise do petróleo é que impediu isso, e depois a Guerra Fria estava quase no auge, conflito entre Israel e Países Árabes também era muito sério. Em 1977 já, nós começamos os trabalhos pra FosFértil e terminamos o projeto em um ano e meio depois. Nós que inauguramos. Eu tenho o dado. Em 1978, quando eu assumi o Ministério tinha 3.108 empregados e reduzimos 916 e estávamos com 2.192 com processo rigorosamente em dia e ninguém estava morrendo de tanto trabalho, vivíasse normalmente. O suficiente. Eu acho que foi uma necessidade, mas depois eu vi com tristeza que hoje tem muito mais. Em 1978 a ______ das Nações Unidas diz que nós exportadores de minério de ferro estávamos judiando demais dos compradores e que deveria haver um encontro entre produtores, exportadores e importadores de minério de ferro pra encontrar um ponto de equilíbrio. Deve ter sido iniciativa da Europa, Japão e EUA que eram importadores e de outro lado a Austrália, Índia, África do Sul, Libéria, Brasil, Venezuela. Indiquei, na época, o Dr. Eliezer Batista, conversei muito antes dele ir: “Olha, tome atitude de baixo perfil, faça média.” E ele é craque nisso, conhecia todo mundo. Já em 1978 começamos já praticamente testar projetos de pellets e com a Mineração Rio do Norte, então a Hispanobrás, a Nibrasco, a Mineração Rio do Norte, Vale Fértil, nesse período resolvi substituir o Roquete Reis por Joel Rennó. O Joel, já no primeiro mês reduziu 135 com a recomendação minha, achava que tinha muita gente. 1978 é um período que já tinha saído da recessão do setor siderúrgico e nós começamos um novo projeto de alumínio no Rio de Janeiro, com a participação da VRD, junto com a Shell Billiton, que é a Vale Sul. Um mês depois que reduziu 135, reduzimos mais 100 funcionários e assim nós aumentamos a produtividade de cada homem, remunerando melhor e dando melhor resultado.
P/1 – Por que você substituiu o Roquete por Rennó?
R – Havia já, eu não me lembro muito bem da causa principal, mas a Diretoria não estava muito homogênea, havia reclamações de um lado e do outro, senti também que ele estava um pouco cansado, numa época em que tantos projetos em andamento e tantos problemas para resolver, eu achei que o Joel, não somente estava em condições como teria mais vantagem. Ele sabia exatamente o meu pensamento, o pensamento do Presidente Geisel. Em maio de 1978 até março de 1979, quer dizer, um período não muito longo, mas foi a época que resolvemos algumas pendências e crescemos muito. A Capacidade desses projetos todos que nós levamos, de pellets. Nós aumentamos a capacidade nacional, não é só da VRD, para 20 milhões de toneladas, que é muito significativo. Inauguramos em setembro de 1978, já estou terminando o meu período, porque fiquei até março de 1979. Inauguramos a Cenibra, já exportando 13.200 toneladas no mês de agosto. Eu não gosto de inaugurar uma obra que não esteja plenamente trabalhando. Esse negócio de inaugurar obra e depois parar de produzir não tem sentido. Então em agosto já tinha produzido e exportado mais de 10.000 toneladas e o minério de ferro para a China também nós aumentamos a exportação e assinamos acordo de venda adicional de minério de ferro e compra de petróleo, em agosto tomamos uma decisão, junto com o Rennó de investirmos U$ 200 milhões para ampliar a mina de Conceição porque vimos que Carajás ia sofrer um atraso e ampliamos a capacidade da mina de Conceição. De 12 milhões de toneladas para 28 milhões de toneladas. Obviamente a mina de Cauê continuou sendo a mais importante. Aí eu tenho um resumo, já no fim do nosso período que a exportação do Brasil para o Japão, em 1973 era de 9,5% de todo o minério que o Japão importava. O Japão importava aproximadamente 150 milhões de toneladas e o Brasil exportava só 15, 14-15. Agora quando nós terminamos o nosso período, nós estávamos exportando 19% de todo o consumo do Japão. Toda a importação japonesa e contratado para 1985, 25%. Então em 5 anos nós conseguimos ampliar a participação do minério brasileiro de 9,5% para 25%. Ainda a Austrália continuava em primeiro lugar, mas praticamente somente nós crescemos e os outros ficaram mais ou menos no mesmo nível,senão reduziram a quantidade exportada. Então em fim de 1978, começo de 1979 o que tinha pendente para inaugurar era a Hispanobrás que foi um dos últimos projetos, mas a Vale e a Vale Fértil estava praticamente pronta pra iniciar o trabalho. Eu não fui à inauguração, mas estava trabalhando e o Brasil com essa Fosfértil inaugurada deixou de ser importador de fertilizantes. O período de Ministro foi isso, todos esses projetos, a participação da VRD no mercado mundial, do Brasil, aumentou de uma maneira significativa. Eu marquei em algum lugar, depois na pesquisa vocês podem ver qual foi, aliás valeria a pena fazer um gráfico da participação do minério de ferro, não somente da VRD porque pode distorcer a realidade do Brasil no mercado mundial. E vocês vão ver que no período Geisel e do governo Figueiredo, porque no Governo Figueiredo nós tivemos a felicidade de ter Eliezer Batista como Presidente da Vale do Rio Doce e eu voltei para a Petrobrás. É lógico que o grande trabalho da execução do Carajás, da contratação tudo é do Eliezer Batista, mas como eu conhecia o projeto e iniciei as fases iniciais, o Eliezer Batista sabe muito bem e quase todos os que financiaram o Projeto Carajás são os mesmos banco financiaram e financiam a Petrobrás, então quando conversávamos com os banqueiros eu dava todas as referências positivas desse projeto da VRD e tenho certeza que Eliezer dava as mesmas referências sobre os projetos da Petrobrás. Eu acho que esse entendimento entre a Petrobrás e a VRD foi muito importante e hoje, com a iniciativa privada, é muito importante para vocês que estão escrevendo a história, que não somente Petrobrás e VRD privada, mas outras empresas, sejam privadas ou estatais se tiverem sempre em conta os interesses nacionais, há muitos setores que podem trabalhar de forma coordenada.
P/1 – Ueki, você acompanhou o processo de privatização da Vale?
R – Não. Eu no início, sou privatista, inclusive sei que o presidente Geisel tomou uma atitude até ele morrer, de ser contra a privatização da Vale porque no Brasil, ainda o setor mineral, acho que ainda temos muita coisa pra fazer. A Vale era uma espécie de TVA norte americana – Tennessee Valley Administration que é uma empresa estatal. Nos EUA, por exemplo, mais de 50% das usinas hidrelétricas são estatais, ainda hoje no país mais capitalista do mundo. Então, você não pode ser tão fanático a favor da privatização. Eu vejo que se não tivesse uma empresa estatal, tipo VRD, nós não teríamos feito muita coisa, conversando ou procurando motivar iniciativas privadas porque não teriam condições para executar esses projetos. Agora o país tem tantos desafios pela frente, para o desenvolvimento de certas regiões, de certas iniciativas porque é preciso que se diga que as empresas estatais brasileiras são diferentes das empresas estatais de outros países. São empresas constituídas pela lei de sociedades anônimas, têm ações cotadas na bolsa. Vale a pena destacar uma coisa que anotei e não comentei com vocês. Logo que assumi o Ministério e assumi dois princípios que o Presidente Geisel concordou e cumprimos: primeiro é publicar o balanço econômico-financeiro a cada trimestre, como publicam grandes corporações internacionais, de três em três meses. Nenhuma empresa brasileira fazia isso com exceção dos bancos que tinham o hábito de publicar mensalmente o seu balancete, que pouca gente consegue ler ou entender o balanço de um banco. Mas de uma indústria, de uma Petrobrás, de uma VRD é fácil de entender, se deu lucro, se deu prejuízo, qual a posição de liquidez, etc. Eu instituí, como Ministro, pela primeira vez no país, a obrigatoriedade, todas as empresas do Ministério das Minas e Energia a publicarem o balanço a cada trimestre em jornais de grande circulação, e obriguei a todas as empresas a pagarem dividendos à união. Tanto que o primeiro grande cheque da Petrobrás de dividendos, fiz questão de pedir ao Presidente Geisel, que chamasse Mário Henrique Simonsen, que eu queria entregar em mãos. Para seguir o modelo capitalista, porque até então, os acionistas particulares recebiam dividendos da Petrobras, mas os dividendos do Tesouro permaneciam na empresa para futuro aumento de capital, com isso a União ia aumentando sua participação no capital e os minoritários iam ficando cada vez mais minoritários. Não havia sentido nenhum, a empresa já era lucrativa. Então entreguei um cheque vultoso da Petrobrás, na frente do Presidente Geisel, para Mário Henrique Simonsen e eu me lembro que Mário disse: “É a primeira vez que eu estou recebendo dividendo, não sei nem como contabilizar no Tesouro Nacional, acho que não tem nem conta pra receber os dividendos das empresas estatais. Estou fazendo lembrança porque depois que saí do governo, 10 anos depois, li uma nota da imprensa dizendo que tal empresa pagou dividendo, que era uma atitude pioneira. Não, em 1974, as empresas do grupo do Ministério de Minas e Energia, todas pagaram dividendos. Então o meu período em que tive que acompanhar todos esses trabalhos, esses projetos de perto e ir buscar ampliar o mercado para o minério de ferro brasileiro e outros minérios, eu fiquei só 5 anos no Ministério, são 1800 dias intensíssimos, ainda bem que tinha saúde e era mais moço e depois na Petrobrás, já é pós-Ministério e eu só viajei junto com Eliezer na busca dos mesmos objetivos, quando Eliezer pedia que eu fosse. Eu me lembro de uma passagem interessante: o Eliezer disse que o governo de Filipinas tinha imposto, tinha multado a Kawasaki Steel em U$ 6 milhões por causa do minério de ferro do Brasil que no Porto de Mindanao foi transferido para navios pequenos para entregar para a Indonésia, Taiwan, China, que não entrava navios grandes. E lá em Filipinas, o Eliezer mandou os diretores da VRD para buscar o cancelamento da multa e a diminuição da tarifa portuária para permitir a continuidade disso. Se não tivesse o porto em Mindanao, não tínhamos condições de competir com a Austrália. Aí o Presidente da República de Filipinas, que morreu inclusive com grande acusação que era corrupto, que era Ferdinando Marcos. A esposa dele ainda está viva, Imelda Marcos, teria dito ao Diretor da Vale do Rio doce, que o Presidente da VRD tem que vir aqui para conversar comigo. Eliezer Batista falou: “eu vou às Filipinas” porque se nós não conseguirmos, e lá ele decidiu por decreto, não tinha congresso, e quando eu estava no Ministério das Minas e Energia, nós não tivemos nenhum negócio com Filipinas, mas eu conhecia o Ministro de Energia de Filipinas. O nome dele era Velasco (?). “Eu conheço o Velasco.” “Então vamos. Você vai perder uns dias”, mas queria que eu o ajudasse. Eu fui com ele, tive audiência com Ferdinando Marcos e aí nós conseguimos o cancelamento da multa e baixou a tarifa pra 5 centavos por tonelada e permitindo o transbordo. Eu quero registrar que nem Eliezer, nem eu, não pagamos um tostão pro Ferdinando Marcos, nem pra ______. Pelo contrário, nós ganhamos presentes, um presente que não lembro o que é.
[Fita 4 – Lado A]
P/1 – Ueki, eu queria te perguntar como foi depois que você saiu de lá, como foi sua trajetória profissional?
R – Como eu disse, sai do governo em 1984, com 50 anos de idade, mas numa idade certa para cuidar dos interesses pessoais e da família porque trabalhei tão intensamente esse período todo, não vi os meus filhos crescerem e resolvi então cuidar dos meus negócios e cuidar da família. Da parte da família, graças a Deus, todos os meus filhos estão com saúde, bem, os dois casados, tenho duas netas e vem o terceiro, que é um menino, daqui há um mês. Uma tem dois anos a outra tem um ano e meio. Essas duas netas estou acompanhando desde quando elas nasceram. Na próxima vida, vou começar com as netas, do que começar com os filhos. Vou pular uma geração, que é muito mais agradável (risos). Uma se chama Isabela, meu filho estudou engenharia mecânica e fez curso de mestrado nos EUA e trabalhou no World Street, vizinho do World Trade Center, prédio vizinho, mas ele não gostou de Nova York e resolveu voltar para o Brasil.
P/1 – Pegou coisa lá de trás.
R – Não quis ficar, voltou para o Brasil, e hoje ele é meu braço direito. A esposa dele trabalha no City Bank, é gerente lá e ela também estudou nos EUA, eles casaram lá, ela é brasileira, mas casaram lá. O reitor da Universidade foi padrinho e a esposa do reitor se chama Isabela, por causa do nome dela, minha neta se chama Isabela e essa, graças a Deus está bem. O outro filho estudou Administração de Empresa, inicio de um curso de engenharia eletrônica, não terminou o curso mas fez um curso chamado ____________, uma mistura do curso de engenharia e business. Ele casou-se com uma filha de italianos Tincani, então minha outra neta se chama Daniela Tincani Ueki. As duas são as minha duas princesas e daqui a pouco vem aí um príncipe. Então minha vida particular estou casado com minha mulher há 38 anos e naquela ocasião do desejo de conhecer o mundo. Já conhecia a Europa porque, quando solteiro, andei exportando café e milho para a Europa e já tinha visitado algumas vezes, achei que era minha obrigação levar minha mulher que não conhecia e passei minha lua de mel na Itália. Depois levei meus filhos, várias vezes. Nós gostamos muito da Itália, acho que é por causa disso que meu filho casou com uma descendente de italianos. Nós moramos todos em São Paulo. O meu filho, o segundo, o Daniel, trabalhou em San Diego, também não agüentou e voltou para o Brasil, toda vez eu me lembro do Tom Jobim. Você manda cortar esse pedaço que vou comentar: você conhece o Tom Jobim? Aquele comentário que o Tom Jobim fez? Uma jornalista chegou assim, perguntou pro Tom Jobim: “o senhor que morou tanto anos em Nova York, EUA, e no Brasil, onde é melhor, EUA – Nova York ou Rio de Janeiro – Brasil?”. Aí Tom Jobim parou e pensou: “morar em Nova York é bom mas é uma merda, morar no Brasil é uma merda, mas é muito bom”(risos). Acho que eu e meus filhos achamos que é muito bom, apesar de todos os problemas de segurança. Eu não agüento ficar muito tempo fora do Brasil. Lá é organizado demais, você sabe o que vai acontecer. Agora não, com esse terrorismo, você não sabe o que vai acontecer. Mas então essa é minha vida familiar e minha família. Graças a Deus meus pais ainda estão fortes, meu pai com 93 anos ainda dirige automóvel, vai todos os dias para o Parque do Ibirapuera para fazer ginástica. Aliás, ele cuida da saúde muito mais do que eu. Graças a Deus, tenho pai e mãe vivos e fortes, meus filhos que estão todos bem. Agora minha parte profissional. Apesar de todo meu esforço pra me aposentar por completo, não consegui até hoje. No início, resolvi aceitar pedidos de consultoria na área de energia, sobretudo, na área de petróleo. Conheci tanta gente no mundo do petróleo, e o mundo do petróleo é um mundo pequeno, todos se conhecem mais ou menos. Hoje cada vez menos, porque todos os meus amigos estão se aposentando, mas logo no começo, dois ex-ministros dos EUA, Ministro do Interior e Ministro de Energia resolveram fundar uma consultoria e me convidaram pra ser Presidente da Empresa. Eu aceito, fiquei muitos anos lá, depois fui consultor de várias empresas de petróleo até recentemente, uma grande multinacional norte-americana, e assim fui trabalhando na consultoria. No Brasil, aceitei convites para participar do Conselho de Administração de algumas empresas, não vou citar os nomes, mas grandes empresas. Não aceitei outras porque sou relativamente sério, não gosto de deixar meu nome para ser membro do Conselho só pra assinar, gosto de acompanhar o assunto e então no país eu aceitei isso. E terceiro, isso é uma atividade empresarial, porque mesmo antes de eu participar do governo, já tinha participação em uma empresa de comércio exterior e numa indústria de lâmpadas elétricas que hoje não existe mais. Quer dizer, existe, mas nós transferimos para os empregados da época e nós saímos. E uma indústria agro-química, no setor de resinas para adesivos, para borracha sintética. Temos fábrica no Rio de Janeiro, temos fábrica em Santa Catarina e uma fábrica na Argentina. Temos em Juazeiro uma outra fábrica para exportação de produtos agrícolas e uma indústria de extração de resinas de páprica para exportação. Isso me mantém ocupado. Mas cada vez mais o meu filho que está cuidando, os dois filhos que estão cuidando. Mesmo assim, tenho muitos amigos que, apesar da idade ainda mantém muita curiosidade, muito interesse em vários assuntos e pretendo diminuir um pouco o meu ritmo, não pretendo parar. O país hoje tem tantas oportunidades, na minha visão, exatamente por causa da crise. Com essas dificuldades que estamos tendo no balanço de pagamento, o Brasil vai ter que novamente repetir aquele período da década de 1970, nós temos que buscar, principalmente depois do dia 11 de setembro, produzir as coisas necessárias com os meios que nós temos, com a tecnologia que nós temos. Eu acho que o quadro mundial alterou-se, nós não podemos mais aumentar a nossa dependência externa, nós vamos ter que aumentar a produção nacional, diminuir a dependência externa. Tudo aquilo que nós procuramos fazer no Governo Geisel, aliás lendo os últimos jornais, mesmo declarações daqueles que advogavam total abertura, que nós podíamos manter o mesmo estilo de vida, de tomar dinheiro emprestado e consumir, eu fui responsável pelo plano do álcool, por exemplo. Ontem, por causa do mau tempo, desci no aeroporto de Araras, e tive que guardar o nosso avião no hangar de Araras e o proprietário era ex-piloto da Nestlé, Dito da Nestlé. Aí, ele gentilmente emprestou o automóvel dele para nos levar até um ponto para pegarmos um táxi. Ele não sabia que fui o criador do plano do álcool. Ele disse assim: “Esse carro aqui já está com 150 mil km e é a álcool, é uma pena que o Brasil não fabrica mais carro a álcool, então estou cuidando desse meu Quantum com todo o carinho, acho que esse motor vai durar 300 mil km.” Eu falei: “Eu tenho um cunhado que tem um Santana que tem mais de 300 mil km sem abrir. Mas antes que o senhor comece a falar mal das pessoas, fique sabendo que fui eu que criei o plano do álcool.” “Ah, então o seu nome é Shigeaki Ueki? O senhor não mudou nada. Eu fiquei pensando assim, eu não tive coragem de perguntar se era o senhor ou não porque me lembro do senhor vendo televisão, mas a sua voz me deu uma certa indicação.” Ele falando sobre isso. Eu falei: “Olha Dito da Nestlé, Benedito, pois fique sabendo, que o senhor em usar carro a álcool, está economizando de divisa, U$ 500 por mês. U$ 500 por mês que o senhor está economizando, usando o carro a álcool, e o meu carro é a álcool, equivale a 5 toneladas de trigo, então o senhor está criando emprego no Brasil, está proporcionando economia de divisas de U$ 500,00 que é suficiente para comprar 5 toneladas de trigo.” Então acho que no Brasil, infelizmente, não pode dar certo, porque se dá certo, vem uma oposição contra que acaba com o projeto. EUA, este ano, está fabricando carros a álcool, quase 800 –700 mil veículos perto e o Brasil não está fabricando mais nada. Lá eles estão misturando álcool na gasolina. E outros países estão aderindo, copiando o modelo brasileiro e nós abandonamos o plano do álcool. Eu ainda vou viver o suficiente para ver o revigoramento do Plano do Álcool porque simplesmente nós não vamos ter dólar para importar o petróleo. É bem verdade que hoje a produção doméstica, graças ao trabalho nosso, da Petrobrás, hoje temos aquela situação inversa, na nossa época era 15% de produção nacional, 85% de importada. Hoje é 70% produção nacional e 30% de importado. Mas é preciso lembrar que no Brasil há um sub-consumo de energia, um sub-consumo de petróleo porque nós somos um país pobre, com uma renda per capta baixa, então sermos auto-suficientes em 70% não significa que o petróleo não vai deixar de ser problema no Brasil. Então o plano do álcool, na minha opinião, deve continuar. Mas eu falei para o Benedito: “Eu acho que eu vou viver o suficiente para que o Plano do Álcool que implantei, volte a ser revigorado no país porque simplesmente não vou ter dólar emprestado para consumir gasolina importada, o dólar importado para comprar carro importado. O dólar emprestado pra tomar um bom vinho francês.” Nós vamos ter que melhorar a qualidade do vinho gaúcho. O Brasil era o segundo maior exportador de algodão, e com isso nós tivemos uma cadeia da indústria têxtil, que inclusive eram um dos grandes exportadores do mundo. O Brasil que era exportador de algodão passou a ser importador de algodão nesta década. Agora com a crise, com a desvalorização do nosso dinheiro, o Brasil está voltando a produzir algodão e vai passar a ser exportador. O Brasil era o terceiro exportador de cacau do mundo, hoje é importador. O Brasil importa leite, pra mim é o fim da picada. Aliás meu filho é produtor de leite, e se nós não somos competente para produzir leite no Brasil, vamos ser competente em que? História, filosofia, computador? Eu acho que a supervalorização da moeda no início do plano real, criou uma ilha de fantasia e estamos endividados, temos que pagar juros mais altos do mundo e devolver esse dinheiro. Eu fiz uma palestra em Nova York, acho que foi dia 19 ou 20 de agosto para a Câmara de Comércio Japonesa dos EUA, pediram que eu fizesse uma palestra lá sobre o Brasil. Então vou dizer pra você e vou encerrar. Comecei minha palestra assim, estou habituado a fazer palestra nos EUA. EUA têm um hábito, no Brasil não existe isso. Em todas as conferências você inicia, não digo com uma piada, mas com uma observação que faz o auditório rir. E de acordo com o riso, o Presidente da República faz isso, Ministros. E eu então resolvi, o auditório eram mais japoneses do que americanos, tinham muitos americanos, mas a maioria, eram japoneses: “Olha, todos nós sabemos que o Japão está em crise. Mesmo os jornais do Brasil, escrevem sobre o Japão como se a crise do Japão fosse realmente uma crise muito séria, sem saída, como se já tivesse acabado o país. Eu vou várias vezes ao Japão, tenho vários serviços, tenho um trabalho profissional lá. Eu sei qual o tamanho da crise do Japão. A América do Sul, Argentina, Brasil também é objeto de artigo da imprensa norte americana e do Japão. Também estamos em crise. Mas há uma diferença muito grande: o Japão aprendeu a trabalhar, a produzir, a poupar e a ganhar, mas está em crise porque não aprendeu a gastar. E nós, é o contrário, aprendemos a gastar sem aprender a ganhar, por isso que estamos em crise. Então é a melhor solução seria a América do Sul fazer uma associação com o Japão e nós ensinamos vocês a gastar e vocês nos ensinem a ganhar. Aí nós vamos superar as duas crises. Porque como um país como o Japão que é credor em U$ 1.200.000.000.000 do mundo inteiro pode estar em crise? Está em crise porque simplesmente não gastam, porque a idade média está alta, perto de 40 anos, sente menos necessidade, leva uma vida normal, alimentação frugal, casas modestas. Ultimamente tem melhorado muito. Está em crise porque o governo quer que gaste e reduziu a taxa de juros para 0%, para dizer, por favor, meu cidadão, gastem dinheiro, comprem mais produtos importados para ativar nossa economia. E eles não conseguem. Agora experimente o Brasil abaixar as taxas de juros para 0%. Já trabalhamos pouco com taxa de 19%, você imaginou juros de 0%. Já está assim. Então minha observação está correta, o Japão está em crise porque não sabe gastar e nós estamos em crise porque não sabemos ganhar. Obrigado e agora chega
P/1 – Você disse que no final respondia essa, só mais uma. Ueki, que você achou da iniciativa da Vale estar fazendo um Projeto de Memória, concentrado sobretudo nos depoimentos de pessoas que participaram da construção dessa história?
R – Eu quero perguntar para você, uma outra pergunta: Como foram as outras entrevistas das pessoas que participaram da Vale, da administração da VRD em termos de gestão, de política. Você acha que o registro de destaque desses assuntos pode ser útil para a Vale de amanhã?
P/1 – Muito útil.
R – Então, você está dando a resposta por mim. Eu acho que sim, infelizmente o Brasil tem pouca memória. Eu no governo costumava dizer que tinha três ou quatro lugares no Brasil que tem memória: Itamarati, Petrobrás, VRD, acho, e Forças Armadas. Mas em outros lugares é impressionante a falta de memória. Então você pode cometer repetidos erros. Acho que se meu depoimento for útil para a administração de hoje, futura, em termos de política de desenvolvimento, num setor mineral, com VRD ou de outras empresas porque VRD no nosso período não foi simplesmente exportadora de minério de ferro, vocês devem ter visto. Foi um instrumento do governo para atingir os objetivos de substituição das importações, no aumento das exportações e diminuição, em análise, em síntese da independência externa e foi mais do que útil e eu privatizaria a VRD em alguns segmentos, mas manteria nas mãos do estado como instrumento de desenvolvimento. É possível, como hoje não temos nenhum, uma empresa no setor de mineração que possa atuar. Por exemplo, eu me lembro na nossa época, entre Porto Alegre e Tramandaí, nós temos reservas de carvão mineral metalúrgico, só que é de uma qualidade pobre. Uma empresa de mineração privada não tem condições de minerar o carvão para a siderurgia nacional, eu acho que se a crise cambial ou de balanço de pagamento se tornar mais aguda, alguém vai ter que explorar esse recurso mineral do país pra criarmos empregos. Acho que a grande tristeza que vejo, ando pelo Brasil todo, vejo a população procurando emprego. Eu gosto de golfe, jogo golfe, quando jogava mais, os keds eram mocinhos, rapazes que vinham nos finais de semana carregar a bolsa dos golfistas pra ganhar um dinheirinho. O que me dá tristeza hoje, são homens adultos, chefes de família e mães que vem nos fins de semana e perguntam, toda vez que eu conheço uma pessoa, porque o clube oferece um refrigerante, um sanduíche para as pessoas que vendem, depois carregando as bolsas você ganha de acordo com a categoria. E perguntem quantos desempregados. Eu não sei se com essa falta de segurança, vem muito daí. Então eu acho que inserir o Brasil, com o nível da educação que nós temos, média, com o estágio de desenvolvimento que nos encontramos e com a moeda valorizada, bom agora vocês vão competir no mercado mundial, quantos brasileiros podem competir no mercado mundial? E essa globalização, sou a favor da globalização, mas sobretudo defendendo os interesses nacionais. Naquilo que nós somos mais competitivos, mais competentes. Por exemplo, no setor agrícola, nossa produtividade por hectare de soja é maior que a norte-americana. A produtividade de laranja e de suco de laranja é maior que a norte-americana. A nossa capacidade de produzir frango, boi, porco é igual ou superior à norte-americana. Na Europa então, nem se fala. Naquilo que nós somos competitivos eles não querem globalizar, eles fecham os seus mercados. Querem que nos aceite a economia globalizada de computadores, de outras coisas que não temos condições de competir. Então vamos negociar com um pouco mais de equilíbrio, e para negociar com um pouco mais de equilíbrio, para criar emprego e condições, eu penso muitas vezes, será que a política atual, que o objetivo de cada empresa é o lucro, teremos condições de criar emprego pra milhões e milhões de brasileiros? Agora vão dizer que empresa estatal tem muita corrupção, tem isso, tem aquilo. Eu não me lembro no nosso período, algum problema sério que tivéssemos enfrentado, lógico que um ou outro caso que tomamos conhecimento, demitimos na hora. Teve vários casos dentro da Petrobrás. O Presidente Geisel, a quantidade de pessoas que ele demitiu, é enorme. Vai investigar a vida particular do Geisel, a vida particular de qualquer um dos que trabalhavam com ele. Eu me lembro, ele já morreu, eu era Presidente da Petrobrás. O ministro da Aeronáutica era o Brigadeiro Araripe, almoçamos numa churrascaria em São Paulo com o ex-Ministro e o Presidente e naquele Rio’s, aquele restaurante no aterro do Flamengo... bom, o Brigadeiro, que foi Ministro da Aeronáutica do Governo Médici e do Governo Geisel, aposentado como Brigadeiro, ele veio de ônibus até o ponto e atravessou a ponte e veio andando. Eu era Presidente da Petrobrás, então eu tinha carro meu e com carro de segurança atrás, ainda porque depois eu eliminei. Aliás, eu fui o primeiro ministro a eliminar segurança. Voei no avião comercial. Primeiro Ministro a andar num avião comercial depois do... no Médici ninguém andava em avião comercial por causa do terrorismo e no Geisel eu fui o primeiro. Mas, voltando ao Brigadeiro Araripe, aí eu falei para o Brigadeiro Araripe: “Na volta, vamos voltar juntos?” e eu, como tenho que trabalhar, eu desço na Avenida Rio Branco e o carro leva o senhor para a Tijuca – ele morava na Tijuca. Ele já estava com 80 e poucos anos. Saímos depois do almoço, estilo Geisel, Geisel não aceitaria nunca, desci no Rio Branco e dei ordem ao meu motorista: “Leve o Brigadeiro para casa dele.” E daí a 5 minutos ou 10 minutos vejo no Gabinete o meu motorista. O nome dele era Batista. “Batista, você não levou o Brigadeiro?” “Não, depois que o senhor desceu, ele deu ordem para parar no primeiro ponto de ônibus e disse que voltasse porque não se sentia bem andar com um carro que ele não tinha direito.” Para mim são figuras e graças a Deus no Brasil tem figuras assim, aos montes, tenho vários amigos não somente militares, mas civis que tem princípios. Eu acho que se eu estou falando isso, se você tem um propósito, não é porque... Aliás, muitas vezes, agora que estou na iniciativa privada, muitas vezes tem mais corrupção na iniciativa privada do que no setor público. É um mal, é um cancro lamentável. Mas tem muito a ver com a formação, com o caráter da pessoa. Muito bem amigos, o que vocês acharam?
P/1 – Nossa, para mim foi um privilégio poder participar, compartilhar com você.
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