Votorantim Fercal
Depoimento de Tereza Ferreira da Silva
Entrevistada por Márcia Trezza e Andreia Aguiar
Fercal, 06/05/2015
Realização Museu da Pessoa
VOF_HV001_Tereza Ferreira da Silva
Transcrito por Mariana Wolff
MW Transcrições
P/1 – Tereza, bom dia.
R – Bom dia.
P/1 – Nós vamos...Continuar leitura
Votorantim Fercal
Depoimento de Tereza Ferreira da Silva
Entrevistada por Márcia Trezza e Andreia Aguiar
Fercal, 06/05/2015
Realização Museu da Pessoa
VOF_HV001_Tereza Ferreira da Silva
Transcrito por Mariana Wolff
MW Transcrições
P/1 – Tereza, bom dia.
R – Bom dia.
P/1 – Nós vamos começar a entrevista, fala o seu nome completo.
R – Tereza Ferreira da Silva.
P/1 – Tereza, você nasceu onde e em que data?
R – Nasci em Natividade, antes era Goiás, agora é Tocantins, uma das cidades históricas de Tocantins. E nasci no dia 15 de outubro de 1951.
P/1 – Essa cidade, você disse para gente antes que é histórica e que tem uma construção lá, conta essa história para a gente.
R – É, é uma cidade histórica porque lá vivia e ainda tem hoje lá muita gente descendente de escravos e na época da abolição, os escravos estavam construindo uma igreja, que é a Igreja dos Pretos, que é chamada lá, né? E aí, quando aconteceu a abolição da escravatura, eles largaram tudinho e não terminaram a igreja, mas ficou, lá é tombado pelo IPHAN e é uma cidade pequenininha, no pé de uma serra, parecido com Fercal, talvez por isso que eu tenha vindo morar aqui… Talvez, não, foi um dos motivos de eu ter vindo para cá, escolhido Fercal para morar porque parece um pouco Natividade. Então, Natividade é uma cidade pequena, mas uma cidade agradável.
P/1 – E seus pais também nasceram lá?
R – Meu pai e a minha mãe eram baianos, já são falecidos, né, e vieram… Na Bahia a vida era muito muito difícil, eles vieram para Goiás, na época era Goiás lá, para tocar a vida, né, melhoria. Aí, chegaram em Natividade, já tinham um filho, que é o meu irmão mais velho e em seguida, eu nasci. E aí eles... De natividade… passamos em seis anos em Natividade, fomos para Porto Nacional, onde nossa família mora hoje lá, a maioria.
P/1 – Também Tocantins?
R – Também Tocantins.
P/1 – E Tereza, qual é o nome do seu pai?
R – Vergílio Lino da Silva.
P/1 – E da sua mãe?
R – Doralice Alves Ferreira.
P/1 – Você falou que eles já são falecidos.
R – São falecidos, os dois faleceram já… Minha mãe vai fazer dez anos e o meu pai vai fazer 12 anos de falecido.
P/1 – Que lembranças você tem do seu pai, marcantes?
R – Bem, a lembrança que eu tenho do meu pai é de uma pessoa muito rígida pela vida que ele levou, tanto é que nós não sabemos a origem do meu pai. A gente conhece muitos parentes da minha mãe, inclusive muitos estão aqui em Brasília, e do meu pai a gente não sabe, eu tenho um irmão que é padre, ele ficou um tempão em Candeias para descobrir e não conseguiu. Aí, nós estamos marcando para irmos nós dois na Bahia para descobrir as origens do nosso pai, porque a gente não sabe. A gente sabe que tem o nome da mãe dele no registro, mas a gente não conhece assim, nada da vida dele.
P/1 – Nada?
R – Nada, nada.
P/1 – E como a sua mãe conheceu o seu pai, você sabe dessa história?
R – Lá na Bahia, naquela época, os pais eram quem arrumava o casamento para as filhas, né? E aí, quando chegava que era trabalhador de roça, o pai achava que aquilo ali era o ideal para a filha. E aí, foi assim que eles se conheceram.
P/1 – Seu pai trabalhava na roça?
R – Trabalhava na roça.
P/1 – Ele era da mesma cidade da sua mãe?
R – Não, minha mãe era de Barreiras e o meu pai, a gente não sabe assim, a gente sabe que ele é…
P/1 – Não sabe nem se ele é de lá também?
R – Falava de Riachão das Neves, na Bahia, mas a gente vai para lá para procurar, sabe? Eu e o meu irmão.
P/1 – E da sua mãe, que lembranças você tem dela?
R – Ah, da minha mãe eu tenho muita lembrança. Minha mãe foi muito sofrida, teve um casamento muito ruim, tanto é que a minha decisão de não casar foi por ter acompanhado essa vida que a minha mãe tinha. E aí eu saí de casa muito cedo, justamente para não conviver com essa situação que ela vivia. O meu pai era às vezes, até agredia ela e eu falei: “Não, não é isso que eu quero para mim, eu quero conviver num outro ambiente”. Toda vida fui muito decidida assim, meio compenetrada, mas assim, eu tô calada mas eu tô pensando o quê que eu quero da minha vida e foi assim que eu segui a vida inteira.
P/1 – Tereza, e quando você era criança, você lembra assim de brincadeiras que você fazia?
R – Eu lembro, a gente era pequeno e a gente morava em chácaras, fazendinhas. O meu pai criava muito bode, os vizinhos também, o quê que nós fazíamos? A gente montava nos bodes e saía (risos) visitando as casas vizinhas, né? Então assim, era uma diversão muito gostosa, brincava de subir em árvore. Eu tenho uma cicatriz na perna ainda, porque na época não dava pontos e aí essa cicatriz, eu tenho ela até hoje de brincadeira de subir em árvores. Eu subi numa árvore, caí, entrou um pau e eu fiquei escondida debaixo da mesa com medo da minha mãe me bater. A sorte que o meu padrinho chegou e falou assim: “Não, a sua mãe não vai te bater, não, vamos tirar esse trem aí da sua perna”. E aí tirou um pedaço de pau da minha perna. Então assim, brincava de boneca de pano, minha mãe fazia ou a gente mesmo fazia as bonecas de pano. Era tão gostoso, a gente nem vê mais, só na Bahia ou em Recife que a gente vê essas bonecas de pano, mas em Brasília, Goiás, a gente não vê mais. Dá saudades, né?
P/1 – E tinha muitos amigos?
R – Tínhamos, era assim, cada família era numerosa, minha mãe tinha nove filhos, os outros vizinhos tinham por aí também, nove, 12 filhos. Então era assim, vivíamos uma vida muito gostosa, parecido com o que a gente vive aqui na Fercal.
P/1 – Tereza, e vocês só brincavam ou também trabalhavam?
R – Trabalhava! A gente brincava à noite, enquanto os pais… Que os pais da gente assim, eles trabalhavam até seis horas, depois iam para casa, tomava banho e sentavam na porta. Chegava o outro vizinho, iam conversar. Enquanto isso, a gente também se reunia e ia brincar, mas a gente trabalhava também, desde os seis anos você ajudava os pais na roça, né?
P/1 – Na roça?
R – Na roça.
P/1 – E vocês plantavam além de criar animais, vocês plantavam...
R – Plantava arroz, feijão, mandioca, tudo assim… Porque era um pouco distante da cidade, meu pai plantava não só para consumo, como ele plantava para fazer farinha, aí ele fazia aquela farinha, levava para a cidade e trocava por mercadoria, por roupa, por essas coisas assim que não tinha na roça, mas era mais para consumo. De um ano pro outro, a gente tinha o arroz, tinha o feijão, nunca faltava, graças a Deus.
P/1 – E ele trocava a farinha por outras coisas…
R – Por calçado, por roupa, por remédio... Quer dizer, já tinha os comerciantes na cidade que ele já tinha conhecimento, chegava lá, ele já levava aquele produto e eles davam… Ou davam o dinheiro, ou trocavam por outras mercadorias.
P/1 – E você ia para a cidade com ele? Você chegou a ir alguma vez, assim?
R – Cheguei. Ia poucas vezes, porque era muito longe. Ele botava cela nos animais, era jegue, era burro, os cavalos. E isso viajava um dia, um dia e meio. Então assim, era muito difícil para você ir com ele, ia mais ele e os meus irmãos…
P/1 – Os meninos?
R – É, que naquela época, filha era para… Não era para estudar, era pra aprender a fazer coisa domésticas, ajudar na roça e fiar, que tem aqueles… A minha mãe ensinou a gente a fiar, tecer, tecer roupas no tear…
P/1 – Você aprendeu a fazer?
R – Aprendi. Só que eu não sei se eu ainda sei, mas eu aprendi. Então assim, era uma vida dura, mas era gostosa, a gente lembra isso com muita assim…
P/1 – Mesmo o serviço… Esse serviço todo que você fazia…
R – Não, de noite, nem tava cansada, ia brincar, correr pra lá e pra cá, montar nos cabritos. Eu tenho uma cicatriz aqui olha, do chifre de uma cabra que ela meteu o chifre no meu queixo e aí ficou essa cicatriz, ainda de menina, são todas lembranças… Foi uma infância gostosa, assim.
P/1 – Pelo jeito, você era levada, né?
R – Era um pouco (risos).
P/1 – (risos) E como era com seus irmãos? Você é a… Era o seu irmão…
R – A segunda.
P/1 – Você era a menina… Uma das mais velhas.
R – É, tenho um irmão mais velho e eu a segunda. A gente era tranquilo assim, depois que a gente foi para a cidade, ficou mais… Assim, distanciou mais, porque logo, logo, eu saí da casa dos meus pais…
P/1 – Com que idade? Como foi? Conta!
R – Eu fugi. É porque eu estudava e o meu pai, um dia, ele arrumou um noivo para mim, sabe?
P/1 – Quantos anos?
R – Eu tinha 14 anos, meu pai queria me casar. Aí, eu falei: “Eu não quero casar, eu quero estudar, meu sonho é outro”. E aí eu falei para minha mãe. Aí o meu pai trabalhava na roça dos padres, ele passava a semana para lá e final de semana ele vinha. Aí no meio da semana eu falei para a minha mãe: “Olha, eu vou fugir...” Eu conversei com umas colegas minhas, que a mãe delas tinha hotel, elas serviam mesa, elas falaram: “Então, vamos morar com a gente lá na casa da minha mãe, ela vai gostar que você vai ajudar a gente a servir mesa”. Aí eu falei: “Tá”. Aí, cheguei para minha mãe: “Olha, eu vou fugir de casa, eu vou sair, a senhora sabe para onde que eu vou, mas fala pro meu pai que você não sabe”. Aí quando ele chegou, nossa, ele mandou ela na hora me buscar.
P/1 – E ela?
R – Aí, ela chegou lá, eu falei: “Não, eu queria estar aqui”. Aí falei para dona Hilda, que é a minha segunda mãe, me adotou como filha, mesmo assim, não no registro, mas no amor, no carinho, na formação. Toda formação que eu tenho eu devo muito a essa pessoa, que eu fui para casa dela. Aí, eu falei: “Dona Hilda, se eles vierem me buscar na marra, a senhora deixa eu ir?” Ela falou: “Não, minha filha, você só vai se você quiser”. Aí eu falei para mãe: “Então pronto, eu não vou não”. Aí fiquei…
P/1 – E o seu pai, foi lá, não?
R – Não, ele era muito durão, ele não cedia, sabe? Ele botava a minha mãe na frente, como ele viu que eu não ia, passei um mês sem ir na casa deles, quando eu voltei na casa dele foi quando ele tava pra roça só para ver a minha mãe. Depois, ele foi amaciando, mas ele queria me casar porque ele achava que eu era muito danada, que se ele não me casasse, eu podia me perder na vida, né? E aí, eu falei: “Não, não é por aí, eu tenho um sonho na minha vida”. O meu sonho era ser o que eu sou hoje.
P/1 – Tereza, você disse que tinha 14 anos nessa época…
R – Foi.
P/1 – E você estudava?
R – E continuei estudando, eu estudava e o maior incentivo dessa senhora que eu fui morar na casa dela era que eu estudasse, que eu continuasse estudando, estudava de dia. Aí fiz o primário, que nessa época eu fazia a quarta série primária. Aí terminei o primário, fiz o ginásio. Aí quando foi pra fazer o ensino médio, eu fiz o primeiro ano lá, aí tinha um filho dessa senhora, que ele tinha muito ciúmes de mim com ela, porque ela me tratava como filha mesmo e eles eram muitos e eram bem de vida, então ele queria me fazer de empregada. Aí um dia, ele chegou e falou assim… Ele queria que eu botasse a mesa, ele chegava sempre depois do horário do almoço e queria que eu botasse a mesa, eu fazia o prato, botava no forno quentinho, igual a esse aqui, e aí ele falou: “Eu quero a mesa posta”. Eu falei: “Você não vai comer?” Ele falou: “Não”. Aí eu peguei a comida e botei para os porcos, né, aí ele: “Cadê a minha comida?” Eu falei: “Ué, você disse que não vai comer, eu dei para os porcos”. Aí chegou para a mãe dele e falou assim: “A partir de hoje, ou eu ou ela em casa”. Aí, ela falou: “Não, meu filho, se eu te ceder essa, depois você vai exigir outra coisa maior, ela não tá exigindo nada, ela me ajuda, como você também pode me ajudar”. Aí ele no mesmo dia veio embora para Goiânia.
P/1 – Ele veio embora?
R – Veio embora para Goiânia. Aí, quando eles tiveram que vim, porque os filhos estavam todos fazendo faculdade para Goiânia, aí eu falei para ela: “Não, dona Hilda, agora eu não vou para Goiânia com vocês, porque o Tarcísio não vai morar separado de vocês por minha causa, então vou morar...” “Não minha filha” “Vou para Brasília”. Aí eu descobri que tinha as irmãs da minha mãe aqui, escrevi e vim para cá.
P/1 – Tereza, e quando foi para você morar na casa da dona...
R – Hilda.
P/1 – Hilda. Era lá mesmo na sua cidade ou era em cidade…
R – Era em Porto Nacional. Nessa época, a gente já tava morando em Porto Nacional.
P/1 – Ah tá!
R – Já tínhamos saído de Natividade.
P/1 – E essa cidade e Natividade eram parecidas? Ou tinha muita diferença?
R – Natividade fica num pé de serra, é longe do rio e Porto Nacional fica ladeada com o Rio Tocantins, tanto é que onde é a casa da minha família em Porto Nacional fica como daqui ali no portão do local que tem eventos, tem show de Paula Fernandes, tem show de um monte de artistas grandes e pequenos. Vai ter um padre, um padre bonitão que vai cantar agora em julho lá no aniversario da cidade. Então assim, é uma cidade bonita,Porto Nacional. Tem praia artificial, vai gente de tudo que é lugar do Brasil no mês de julho. Então assim…
P/1 – Que idade você foi para esse lugar, Porto Nacional, Tereza, mais ou menos?
R – Eu fui para Porto Nacional eu devia ter uns nove para dez anos, para Porto Nacional.
P/1 – E no rio assim, você tem histórias no rio lá?
R – Tenho, tenho, nossa!
P/1 – Conta uma pra gente.
R – A gente estudava no ginásio de Porto Nacional estadual e as aulas de física eram no rio, a gente… Era tipo natação, então assim, chegava final de semana também, o nosso lazer era nas praias do rio, praia que ia gente de tudo quanto é lugar do estado para lá, né? Então assim, um local até bastante visitado por outros locais do Brasil e tem muitos eventos assim, que vai gente de tudo quanto é lugar. Eu fui num show na mesma época, no ano passado num show da Paula Fernandes que tinha… Que foi o show do Trio da Huanna também. Nossa, foi lindo demais! Aí o show do Trio da Huanna foi do outro lado, na praia e na hora de voltar para o lado da cidade, a gente entrou numa canoa que era uma canoa para oito pessoas, entraram 16. E eu: “Eu vou morrer, vou morrer”. E minha neta junto, minhas irmãs. E aí a gente conseguiu, quando chegou do outro lado, eu: “Ufa, não vou morrer dessa vez”. É muito legal lá Porto Nacional. Eu fui lá agora em fevereiro.
P/1 – Tereza, você falou que estudou sempre, mas assim, a primeira escola que você foi, você lembra?
R – Foi na roça, a gente andava assim, quando eu vejo as histórias do Eduardo Costa é bem parecida com a nossa. A gente saía cedinho e andava quase que duas, três horas para estudar e o primeiro professor dava aula por conta própria mesmo, debaixo de uma árvore. Depois, ele fez uma areazinha com choupana de palha na frente da casa dele, tudo era roça! E a gente estudava. Então assim, era todo mundo, não tinha aquela coisas assim de quem já sabia ler e quem não sabia ser separado, era tudo junto. Aí, ele dava atenção para um, dava atenção para outro. Agora, escola mesmo…
P/1 – E você gostava desse professor?
R – Gostava, porque até o trajeto nosso de sair de casa cedinho e chegar lá era diversão, a gente corria dos gados, a gente… Tinha os bois que corriam atrás da gente, atrás das vacas, tinha medo de cobra, de pisar em cobra. Então era assim.
P/1 – Eram duas horas, praticamente?
R – Eram duas horas praticamente.
P/1 – Para ir e duas para voltar?
R – É.
P/1 – E vocês iam todos os dias?
R – Era todo dia, todo dia.
P/1 – E você não tinha vontade às vezes: “Ah, não vou porque é longe”, não?
R – Não, porque a gente queria aprender, né, a gente… Quer dizer, apareceu alguém que quis nos ensinar, que o nosso pai não tinha estudo, a minha mãe ainda tinha um pouco, mas não tinha tempo de ensinar a gente e nem iniciativa para dizer assim: “Vou pegar esses meninos que moram aqui e vou ensinar”, né? Igual a gente que pega um monte de adulto que não sabe ler e ensina, como eu já fiz aqui na aula de alfabetização de jovem e adulto, a gente já teve essa iniciativa, mas nessa época não tinha, né? Então a gente tinha que andar a distancia, mesmo, mas era bom.
P/1 – Era bom?
R – É.
P/1 – E já em Porto Nacional?
R – Aí, depois dessa época, a gente foi para Natividade, estudei num grupo escolar, tanto é que esse grupo, quando eu fui presidente do Conselho do Negro, voltei lá, contei história, levei material, fiz material especificamente para essa viagem, a Nemaura foi comigo, que é uma amiga minha que faleceu, lá da Rua do Mato. Então assim, depois fui para Porto Nacional, lá estudei, cheguei até o ginásio. Depois do ginásio, vim para Brasília e continuei fazendo ensino médio aqui. Estudava lá na Sapolândia, lá no Núcleo Bandeirante que é uma escola que fica na beirinha do córrego, o povo chamava de Sapolândia…
P/1 – Tereza, quando você foi estudar no grupo, que você falou, primeiro era dessa forma, embaixo da árvore, com esse professor que não fazia mal que um era mais adiantado e menos. Quando você foi para o grupo escolar, você percebeu alguma diferença?
R – A gente viu que a gente já tinha material, né, porque a gente só levava os papéis, os cadernos para aprender o bê-a-bá. E aí, no grupo lá, a gente já tinha material. Se você não tinha condições de comprar, eles davam um jeito e arrumavam e faziam também com o mimeógrafo, parece, né? Faziam aquele material e a gente aprendia. Então, foi bem… Nossa, a gente já tava bem… Progrediu bastante, né?
P/1 – Tá certo. E teve algum professor no grupo que te marcou ou professora, que você lembra, assim, de alguma coisa?
R – Teve.
P/1 – Ou pro bem ou pro mal que marcou…
R – Eu tinha uma professora, sempre fui danada mesmo, namoradeira, eu tomei o namorado da professora. Aí ela ficou com raiva de mim, o nome dela era Alice, ela ficou com raiva de mim…
P/1 – Você tava no ginásio?
R – Não, ainda tava no ensino…
P/1 – Primário?
R – Primário, ainda.
P/1 – E como foi essa história?
R – Mas era coisas assim, de adolescente mesmo, tanto que nem vingou…
P/1 – Como foi que você conseguiu?
R – A gente tinha uma praça, uma praça que a gente… Na cidade de interior, você anda na praça, roda e roda. Aí toda vez que eu passava por ele, ele dava um sorriso para mim e eu dava um sorriso para ele. Daqui a pouco, ele largou ela em casa e voltou. Aí no dia seguinte, ela ficou sabendo. Aí ficou com raiva e tal, mas foi uma coisa assim, que só aventurazinha, não vingou muito, não.
P/1 – E você era muito namoradeira, Tereza?
R – Eu era. Eu sou ainda (risos).
P/1 – Tereza, teve algum namorado… O primeiro, o primeiro namorado, conta pra gente.
R – Eu nunca tive assim, o primeiro que marcou. Em adolescência, não, não tive. Porque eu era muito de trabalhar e eu era focada no meu sonho, assim, eu tinha medo de me dedicar a um namorado e perder aquele caminho que eu trilhei para mim. Então, eu preferi não dar muita atenção para essa coisa de namorado, não. Namorava mesmo assim, mas não me dedicava tanto. Eu vim namorar firme mesmo aqui em Brasília, assim que eu cheguei.
P/1 – E lá, quando você trabalhava… Não sei se trabalhava na casa da dona Hilda, você disse que ajudava…
R – No hotel, ajudava a servir mesa, era eu e as filhas dela.
P/1 – Sim.
R – Mas ela me tratava como trata as filhas dela, né? Ela faleceu há dois anos em Goiânia, tanto é que me ligaram pra eu ir para o enterro, tudo.
P/1 – E quando você veio para Brasília, como foi quando você chegou aqui?
R – Bom, quando eu cheguei, eu fui morar na casa de uma tia. Aí, quando eu cheguei na casa dessa tia, irmã da minha mãe, aí fiquei sabendo que ela era espírita e aí, eu não dormia de noite com medo dela, que eu achava que ela ia virar bicho de noite, virar lobisomem. A gente não tinha convivência com esse negócio de gente espírita e aí, eu fiquei uma semana, assim, sem dormir quase, trancava a porta do quarto, que ela me botava para dormir, mas não dormia direito. Aí um dia eu comentei com uma prima minha que morava com a filha dela lá na Candangolândia, aí ela contou para a Maria, a Maria falou: “Você quer vir morar aqui?” Aí eu falei: “Eu quero”. Aí foi quando eu fui morar lá com a Maria e estudar no Núcleo Bandeirante.
P/1 – Maria era a prima?
R – Era a filha dessa senhora, minha prima.
P/1 – Certo. E você quando chegou em Brasília, você já conhecia?
R – Não, eu cheguei em Brasília com um malotinho, daqueles malotinhos duros, não conhecia Brasília, mas eu vim assim, determinada: “É aqui que eu vou…” Tanto é que o meu pai, quando ele soube que eu vinha para Brasília, ele falou: “Deixa ela ir para lá”, isso foi em 71, né, “Deixa ela ir para lá, porque lá tem muito homem e tem pouca mulher, ela vai virar…” E aí você já sabe o quê que é que ele disse, né, que eu ia virar. Aí, eu cheguei e falei para ele: “Um dia, o senhor vai querer se orgulhar de mim e não vai poder”. Mas essas palavras dele foram assim, crucial, talvez para eu ser o que eu sou hoje, porque eu sempre muito danada, então quando eu via que eu tava perdendo aquela trilha, eu lembrava das palavras dele, eu pensava: “Eu não vou dar esse gostinho para o meu pai, porque ele disse que eu vou virar isso, e não é isso que eu vou virar, eu quero ser alguém na vida”. Então assim…
P/1 – Seguiu…
R – Segui direitinho.
P/1 – E chegando aqui, Tereza, qual que foi a sua sensação?
R – Aqui onde?
P/1 – Quando chegou em Brasília, qual a tua sensação?
R – A minha sensação foi assim: eu vou à luta! “Eu vim para cá para ir à luta e eu vou à luta”. Aí fui, procurei emprego, procurei... Aí, a minha tia não queria que eu trabalhasse em loja nem nada, porque ela queria que eu trabalhasse em casa de família para dormir na casa da família e só ir para casa no final de semana, para a casa dela. Aí, eu fui para a casa dessa minha prima e de lá eu consegui trabalhar em loja, trabalhei em casa de família também, de babá e tudo, que graças a Deus também foi um aprendizado muito grande, mas eu queria ser alguém na vida e consegui…
P/1 – E você foi trabalhar em lojas, também?
R – Trabalhei em lojas, vendedora de livros, e vendia bem, viu?
P/1 – É? Nas portas? Nas casas?
R – Isso, tinha a Palace, eu era uma das vendedoras que mais vendia, sabe? Vendia enciclopédia, vendia livros mesmo, livros tipo coleção. E aí, a gente vendia em todas as satélites, de porta em porta assim. Batia, falava do livro, você divulgava o que que o livro podia te proporcionar ou ao seu filho na escola. Então eu vendia bem. E tanto vendi bem que eu fui morar em república no Plano Piloto com outras meninas que trabalhavam nessa livraria. A gente morava bem, em república no Plano Piloto.
P/1 – Foi quando você mudou, saiu da casa da sua prima?
R – Foi. Aí, morei um tempão em república. E aí, foi lá que eu conheci o pai do meu filho, foi lá que eu conheci ele, que também morava no Plano, na casa da irmã dele.
P/1 – E como foi assim, esse dia que você conheceu ele? Apesar de que você já falou que não é muito de…
R – Eu conheci ele na casa de uma amiga. Eu sempre ia para lá, porque a gente mora em república, chega final de semana, você quer mais é mudar o seu ambiente, né? E aí eu ia sempre para casa dessa minha amiga Neusa e lá… Ele era amigo do esposo dela, a gente acabou se conhecendo, mas não rolou assim logo no inicio, depois é que foi, com o convívio, foi rolando e aí, ele inclusive, veio para Brasília… Ele deve estar lá nos arquivos do Ermírio de Moraes, porque ele foi motorista particular da família Ermírio de Moraes, do velho Ermírio, ele dirigia para ele. Então, quando ele veio para Brasília, ele veio com uma recomendação do Ermírio de Moraes para trabalhar aqui. Ele morava lá no Plano e trabalhava aqui na fábrica, logo no inicio. E foi assim que a gente se conheceu e também foi um dos motivos de eu vim morar aqui na Fercal, porque conheci aqui através do trabalho dele e do meu trabalho, porque quando eu saí da livraria, eu fui trabalhar numa… GRUPPE (?)
material de construção que era de propriedade do dono da Mundo das Tintas e isso aqui era tudo dele, essa área. E aí, quando eu saí, eu trabalhei cinco anos e meio no Mundo das Tintas e aí, quando eu saí, eu falei para ele: “Seu Vicente…
P/1 – Onde era esse lugar?
R – Era lá na Basevi, na vila lá em cima, onde fica perto do Lago Oeste, ali perto do Colorado. E aí, eu falei para o seu Vicente: “Seu Vicente, eu…” Eu tinha muito medo de morar de aluguel, né? “Eu não quero dinheiro, eu quero um pedaço de terra lá na Fercal, porque lá parece muito com Natividade, a cidade que eu nasci”. Porque parece bastante aqui. E aí, ele falou assim: “Então tá bom, pede ao Gerson para medir”. Aí ele mediu. Mediu 800 metros, aí ele falou: “Não, mede três mil metros lá para ela que ela foi uma boa funcionária.” Então essa área aqui onde é essas casas aqui tudo eram de minha propriedade. Aí eu fiz essa vila, fui vendendo, virei uma… Como que é? Fracionadora de terreno, mas foi… Mas tenho orgulho disso, porque são todos vizinhos muito bons, né?
P/1 – E você, quando recebeu essa terra, é porque você saiu da loja?
R – Eu saí da loja, mas saí amigavelmente, porque ele vendeu para outro e aí eu vim para cá, construí um barraquinho bem ruinzinho aqui, mas era meu, né? E aí, vivi com o pai do meu filho um tempão, como ele bebia muito, eu falava: “Ah não, não é isso que eu quero para mim”. Só tive um filho…
P/1 – Como chama o seu filho?
R – Fábio. Fábio da Silva Venâncio. Aí eu falei para ele: “Vamos separar, você vai para o seu lado, eu vou para o meu, porque o meu sonho…”. E também não aceitava a vida que eu levava, porque assim que eu vim para cá, eu comecei a trabalhar pela comunidade, que o povo aqui não sabia nem o que que era reunião, na época, né? E aí, ele achava que eu tava no mundo perdido, aí bebia, vinha atrito e tal. Falei: “Não, vai para o seu…”
PAUSA
P/1 – Tereza, para você participar de todo esse movimento, fala um pouco das coisas que iam acontecendo na sua vida, na sua casa, como que era assim, para você dar conta?
R – Uma coisa ia puxando outra. Como eu já estava no movimento, eu criei isso para tentar trazer o melhor para cá, porque aqui que eu pensei em viver até os últimos dias da minha vida, eu pensei: “Não se deve parar, porque tudo é uma sequência”. E aí, a gente trabalhou a questão da mulher, da melhoria da comunidade, do futebol, pelo fato de ser presidente da Associação, criar um time de futebol vinculado a essa associação. Eu tinha que dar todo suporte, tanto é que aqui dentro de casa, depois se a pessoa quiser fotografar, tá cheio de troféu do ASFOR Futebol Clube, que eu era presidente do Conselho da Mulher, mas ao mesmo tempo, presidente do time, que eu saía de casa às sete horas da manhã no domingo e às vezes, quando tinha torneio em Sobradinho, eu chegava de noite, mas proporcionava aos meus atletas o que eu podia de melhor. Jogar no Agostinho Lima, que era o sonho de qualquer atleta que joga em campo de terra. Então assim, de jogar num clube no Plano Piloto pelos relacionamentos que eu tinha de levá-los. Então assim, foram várias vertentes que eu tive que ir atrás do lazer, porque o futebol é o maior lazer aqui da região, então foi… Não foi fácil, porque eu trabalhava…
P/1 – Nessa época, você trabalhava no quê?
R – Nessa época, eu tava trabalhando no Conselho da Mulher, que era um órgão já vinculado ao gabinete do governador e aí eu já era uma executiva, eu saí da mulher… Que eu entrei no GDF trabalhando na Proflora. A Proflora era uma empresa de economia mista de reflorestamento aqui de Brasília, eucaliptos, pinus, ainda tem ali na estrada do Paranoá, que era essa empresa que fazia com cento e poucos funcionários, então a gente trabalhava, eu era chefe de turma. Depois, quando Roriz chegou em Brasília, que ele veio para Brasília, a gente acompanhava ele em Goiânia, que ele era vice-prefeito, depois assumiu a prefeitura e a gente viu que ele vindo para Brasília, nós íamos pressioná-lo para ter melhorias aqui, porque na época, a gente discutia, discutia e não conseguia êxito. E aí, quando ele chegou em Brasília, a gente foi o primeiro fechamento de pista aqui na Fercal e na mesma semana, nós tivemos o fechamento na frente do Buriti, que me colocaram presidente do conselho… Da associação dos servidores da Proflora. Pela vida que eu tinha aqui, então eles acharam que eu podia fazer uma coisa também pelos funcionários, que recebiam salário dividido, porque a empresa não tinha como pagar de uma vez. Então a gente falou: “A maioria dos chefes chega capengando, daqui a pouco tá comprando carro, apartamento, não sei o quê. É por que os funcionários…” Aí quando Roriz chegou em Brasília, a gente começou a fazer esse movimento em cima dele e ele achou: “Que essa mulher me persegue”, né?
P/1 – Você fazia campanha para ele? Fez campanha para ele?
R – Depois, fiz.
P/1 – Mas antes? Antes, não?
R – Não, porque ele era de Goiás, ele não era de Brasília. Aí quando ele veio para Brasília, nos primeiros 15 dias, a gente já começou os movimentos para pressionar, porque lá ele viveu sob pressão e conseguia fazer as coisas e aqui, a gente pressionou também.
P/1 – Como que você sabia de tudo isso, Tereza?
R – Porque eu sempre acompanhei a política, eu sempre fui membro do PMDB, conheci o movimento jovem, tudo, eu sempre participei de um movimento político, porque na minha cidade, Natividade, Porto Nacional, eu admirava isso, vivia em cima dos pau de arara. E aqui, vindo para Brasília, a gente continuou. E eu via também que através desse movimento eu ia conseguir realizar aquilo que eu vim buscar em Brasília, que foi ser alguém na vida, né? E aí, fechamos aqui numa segunda-feira, deu Jornal Nacional, deu Fantástico, deu tudo, e lá foi numa sexta-feira. Quando a gente fechou aqui na segunda-feira, na terça-feira ele pediu para vir aqui na Fercal…
P/1 – E vocês reivindicavam o quê?
R – Tudo, porque nós não tínhamos nada: água, luz, telefone, nada, nada, segurança, escola ruim… então, ele veio… Energia… Aí, quando ele chegou, ele falou: “O que que o povo da Fercal quer?” Aí todo mundo falou para ele o que queria. Isso na terça-feira… Não, na segunda-feira à tarde, que o fechamento foi de manhã. Quando foi terça-feira já estavam aí, poste chegando, perfuração de poço artesiano, porque o povo bebia água do córrego, pegava às cinco horas da manhã: “Ah, eu vou buscar água às cinco horas da manhã, porque a água é limpa”. Só que os cachorros mortos, as galinhas mortas, os esgotos estavam lá na nascente, que é o córrego que escorre aqui do Engenho Velho. E aí, já veio perfuração de poço artesiano que o povo chamava de água salgada, mas foi um meio na época que ele encontrou de atender as pessoas, né? E aí a gente nessa corrida toda, né, logo veio telefone, veio um monte de coisa…
P/1 – E não tinha nem luz?
R – Nada! Não tinha luz, eu tinha aqui umas lampadazinhas que eu puxei lá do Mundo das Tintas, mas…
P/1 – Mas a maioria…
R – A maioria não tinha, as comunidades, ninguém tinha, era escuro…
P/1 – Nem luz, nem água?
R – Não tinha asfalto nas ruas, só tinha esse asfalto que vai até o Colorado por causa das fábricas, mas não tinha asfalto. E aí, foi ele o principal que ouviu a gente através dessa pressão. Aí, quando foi na sexta-feira, a gente fechou Buriti. Já lá... Porque o pessoal da Proflora, eles trabalhavam com máquinas, com foice, com tudo negócio de campo, né? A gente pegou esse povo todinho e levou para frente do Buriti: “O que que essa mulher quer comigo? Ela quer acabar comigo!” O governador, né? Mandou o secretário, doutor Rubens Dutra lá falar com a gente: “Olha, governador mandou você fazer uma comissão e ir para lá”. Eu falei: “Não, ele vai ter que vir aqui”. Aí daqui a pouco vem ele lá, bonitinho, ele era lindo, ele tá bem acabado, mas ele era muito bonito, aí vem ele lá: “O que que vocês querem?” “Nós queremos que o senhor acabe com a Proflora e coloque os funcionários num lugar onde eles possam ter tratamento digno e um salário para sobreviver.” “Eu nunca vi uma associação pedir para acabar com o seu órgão.” “Nós estamos querendo que acabe, mas a gente quer que o pessoal permaneça no trabalho”. Foi assim. Ele acabou com a Proflora, aí a gente entrou na comissão, aí o pessoal foi para a Zoobotânica, que era uma fundação vinculada a mesma secretaria que a Proflora pertencia, chegando lá a maioria teve ganho salarial de 300%, porque eles ganhavam complemento de salário, quando foram para fundação, além de ter estabilidade, eles tiveram o dobro, triplo de salário…
P/1 – E a empresa caiu fora?
R – E a empresa… Não, a empresa foi… Teve o processo de extinção, que era uma empresa vinculada ao governo. Então assim, tudo para dizer que a Proflora foi o meu primeiro emprego dentro do GDF, antes de Roriz.
P/1 – Fala que é GDF.
R – Governo do Distrito federal, isso antes de Roriz, porque dentro do PMDB eu tinha um vinculo com a filha do Juscelino Kubitschek, o ex-presidente da república. Ela morava aqui, era do PMDB, participava das coisas que a gente fazia, participava do Conselho da Mulher e aí, ela falou: “Você não tem emprego”. Eu falei: “Eu trabalho assim, assim, assim”.
P/1 – Você trabalhava em que na época?
R – Na época, eu era diarista.
P/1 – Entendi.
R – Com toda essa força, na época… Não, eu trabalhava no…
P/1 – Antes do GDF.
R – Antes do Conselho, eu trabalhava de diarista. Só voltando um pouco, ela foi a responsável por eu entrar na Proflora, depois do almoço que tem umas fotos aí do almoço aqui na escola da Fercal, que ela estava, aí ela falou: “Vamos dar uma oportunidade para essa moça que nesse trabalho todo ela precisa ter pelo menos…” Mas eu não queria um emprego só para eu trabalhar na comunidade, eu queria trabalhar lá e disponibilizar os meus horários de fazer o trabalho voluntário. E aí depois da Proflora foi que eu fui para o Conselho da Mulher. No Conselho da Mulher foi que eu tive essa progressão maior, porque foi através do Conselho da Mulher que eu fui conhecer muita gente e que me incentivava, porque muita… Às vezes, a pessoa vê uma mulher humilde igual a mim, né: “Essa mulher tá querendo…” Não, eu tive muita gente que me incentivou e o povo daqui que me calçava, o pessoal daqui da comunidade, muitos têm orgulho de falar: “Muitas coisas que temos aqui foi… Não foi a Teresa. “Foi iniciativa dela que puxou os demais para irem atrás”. Tanto é que eu tenho foto aí que eu não me reunia com o governador sozinha. A gente reunia... Quando eu marcava com ele... O órgão que eu trabalhava era vinculado ao gabinete dele. Então eu tinha mais facilidade em marcar com ele, então eu levava o pastor, levava as lideranças, levava o jovem, levava a dona de casa, levava todos os segmentos, o do futebol. E aí, ele criou uma pasta no gabinete dele para atender as coisas especificas da Fercal, por quê? Porque nós éramos atendidos por Sobradinho I, na época, Sobradinho II ainda era vinculado a Sobradinho I. E aí, por ciúmes dos administradores: “Eu não vou atender essa mulher, porque amanhã ela vai sair candidata”. Então a gente chegava para o governador: “Governador, nós não estamos conseguindo êxito em Sobradinho, nós precisamos ter uma linha direta com o seu gabinete”. Aí ele criou, fez um evento e criou a pasta da Fercal, tem um jornalzinho aí com a foto dele e tudo. Criou a pasta da Fercal e aí, todas as reivindicações que a gente tinha, nós reuníamos as lideranças, eu nunca ia sozinha falando em nome da Fercal, não, porque hoje em dia, infelizmente, o pessoal perdeu o incentivo de acompanhar os seus líderes e às vezes, ele anda sozinho a vida inteira, isso acontece…
P/1 – Isso depois, eu queria saber mais, Tereza. Mas antes, quando você fala “pasta” é que Fercal virou uma cidade também satélite?
R – Não, isso foi o primeiro passo. Quando a gente reclamava que não tínhamos acesso com a pessoa mais próxima que era para atender que era o administrador, então criou-se a pasta da Fercal e naquele momento, a gente pensou:
“Um dia nós vamos virar cidade e a gente vai ter realmente onde reivindicar as coisas”. E foi como ele criou essa pasta e todas as reivindicações que nós tínhamos, levávamos lá para essa pasta, era até a Dagmar que era presidente do Procon, que era a responsável por passar para ele o que a gente tinha conseguido já realizar, o que estava em andamento e o que não tinha avançado. Então assim, aquela pasta era importante, não era só a Tereza que ia lá para cobrar, ia o pastor, ia o presidente da associação, todos tinham esse acesso, mas ele fazia muita questão assim, da gente estar… Pelo fato de eu ter uma ligação maior com ele, da gente estar na frente.
P/1 – E Tereza, no caso, a associação da Fercal continua existindo?
R – Essa associação, ela ainda tem domínio na região da Fercal toda, mas como eu deixei e fui passando, o pessoal deixou ela morrer, não tem CNPJ mais, não tem nada, mas ela existe não funcionando. Na época, a gente tinha um representante de cada comunidade, aí a gente viu que era muito difícil e muita gente pensou que ser presidente de associação era privilégio, por tudo o que eu consegui assim, através desse… Esse passo a passo, muita gente achava: “Não, ela tá só se dando bem, eu também vou criar uma”. Então, a gente incentivou, vamos incentivar que todo mundo crie a sua associação na sua comunidade, porque também é difícil pra gente se locomover, ir lá, a realidade quem conhece é o morador, aí a gente foi incentivando que cada um criasse. Aí, foi onde entrou a Maria Alice, a esposa do Salviano, que era da LBA e ela deu apoio para que essas associações fossem registradas através da LBA sem precisar pagar.
P/1 – O que que é LBA?
R – É Legião Brasileira da Assistência. Então foi assim, aí depois que criou essas associações, muita gente viu que para você conseguir as coisas, é com muita luta, tem que abrir mão da sua vida própria, você tem que se expor à humilhações. Tem muita coisa boa que a gente consegue, eu consegui tudo ao mesmo tempo, as coisas boas, onde que eu imaginei que eu ia conhecer Argentina através do trabalho, porque é assim, foi através do trabalho do Conselho da Mulher, mas tudo começou na Fercal. Tudo começou aqui, foi devido a minha insistência em trabalhar por aqui foi que eu tive o privilegio de conhecer tantos outros estados que eu não ia ter condições de arcar com as despesas para chegar até esses locais, né?
P/1 – Tereza, e você falou agora a pouco que hoje fica mais difícil do pessoal participar, não, eles não estão participando, né? Está tendo uma dificuldade das pessoas da comunidade participarem. Fala um pouco disso, como era antes, como é hoje, por que será que é assim? Ou se tem a ver com a liderança...
R – Eu acho que tem muito a ver com a liderança, não quero fazer aqui uma crítica. Quando você se propõe a fazer alguma coisa, você tem que analisar principalmente as dificuldades. Você sabe que vai ter privilégios também, você sabe que vai conhecer pessoas boas que vão te ajudar, mas tudo vai depender de você também, né, mas é preciso que a pessoa vá sabendo: “Eu vou lutar porque eu vou conseguir, isso aqui não é para mim, eu vou conseguir para a população, para a comunidade e eu vou ser reconhecido por isso, isso e isso”. E aí, a pessoa vai a primeira vez, vai a segunda, como ele não tem resultado, ele se recua e não é por aí, você tem que insistir. Eu estou no Conselho Comunitário da Fercal, várias vezes eu pensei: “Podia sair”. Mas se eu sair, eu sou menos uma pessoa no Conselho. Eu vou estar também incentivando as outras pessoas a saírem: “Se a Teresa saiu, que já lutou tanto, também vou sair”. Então não saio. Então, eu acho que tem que ter persistência com aquilo que você se propõe a fazer, porque a maioria das associações quando alguém encontrou não foi igual a gente que não tinha centro comunitário, que não tinha algumas conquistas. Hoje, às vezes a pessoa assume uma associação que tem centro comunitário, mas fica lá desativado. A maioria das associações estão dessa forma, não deram continuidade aquilo que alguém começou, pelo primeiro não, ou às vezes, eu vou atrás de alguma coisa para o meu beneficio próprio e não consegue: “Ah, não vou atrás”. Não quer dizer que a maioria seja assim, mas existe muito disso, desestimula a pessoa. E as dificuldades mesmo, você lidar com a política não é fácil, você lidar com a política, você chega, tem aquela questão do toma lá dá cá, se você não tiver jogo de cintura para você ir atrás do seu verdadeiro objetivo, você se perde no caminho. Você não tem que dar benção para o primeiro político que aparece sem saber quem ele é, que existe assim, alguém que em vez de te botar para cima, pelo histórico da pessoa, te põe para baixo e a pessoa: “Não vou seguir, fulano porque tá com ciclano”. Então você tem que ir por alguém que fala: “É para ajudar a Fercal, eu vou ajudar, eu vou estar com você”. E aí é onde muita gente, infelizmente, se perde.
P/1 – E você falou que tinha momentos de humilhação, isso no movimento, mesmo, Tereza?
R – É, porque muita gente não entende, quando você chega pedindo alguma coisa, muitos acham que você quer aparecer, muitos te dão uma cantada para você ser o representante dele na sua comunidade, você não vai, já começa a te detonar para os demais. Uma das maiores humilhações é você chegar no lugar e você ficar aguardando e a pessoa fazendo de conta que não tá te vendo e você ali, botando a cara de lado e vai lá, e pede, e lembra: “Olha, eu to aqui, olha, aquele pedido, aquele negócio da escola, aquele negócio da direção que precisa mudar, que a comunidade não quer porque tá assim, assado.” Então tudo isso, é humilhação, muita humilhação. Mas as conquistas são boas.
P/1 – E Tereza, e as pessoas, além dos líderes, as pessoas da comunidade, os moradores, essa participação deles, fala um pouco como era, como é.
R – Bom, na minha época, eles participavam assim 80%, por quê? Você para estar representando a entidade, ela precisa estar em movimento, ela precisa mostrar que existe.
Na minha época, eu fazia reunião com a diretoria, que eram pessoas da comunidade: “Não, eu vou ser só diretor, eu não quero ir para a reunião, mas no que eu puder ajudar aqui no mutirão, eu vou fazer”. Então a gente reunia uma vez por mês com a diretoria e uma vez por mês com a comunidade para você não perder esse contato da comunidade, de até mesmo, muita gente quando chega com as coisas já chega: “Olha, eu resolvi isso assim, assim”. Não é, você tá falando em nome de uma população e que você mesmo que ele não vai te dar a opinião dele, que você tenha que provocar a opinião dele, mas é interessante você: “Fulano, eu vou tratar desse assunto assim, assim, você quer ir conosco? O que que você acha disso?” Então isso é de fundamental importância, você atrair a população para participar com você das coisas, porque: “Não vou lá não, não. Fulano vai lá, volta e não fala o que que aconteceu. Fulano vai lá, chega lá só ele fala e a gente fica lá só para bater palma”. Não é isso. As pessoas têm que ir… Eu dou o maior dez quando eu vejo uma liderança jovem ou não jovem começar, porque você tem que começar um trabalho e dar oportunidade para as outras pessoas, é rico demais pra gente quando você vê jovem assumindo e falar: “Eu tô aqui porque eu quero continuar, eu quero contribuir com essa história”. Eu acho isso a maior riqueza.
P/1 – E você falou uma coisa que eu queria recuperar, que você falou: “A pessoa vai lá só para bater palma, ela desiste de ir”.
R – Desiste! Fala: “Eu não tô aqui para ser escada para ninguém”. Quando você não dá oportunidade para o outro falar ou para o outro se manifestar, seja lá o que seja na comunidade, ele já logo vê que você sozinho quer aparecer, mesmo que não seja, mesmo que você faça isso, você não tá nem percebendo que você tá errando dessa forma, mas as pessoas às vezes: “Não vou não, porque o fulano sozinho quer aparecer, ele não deixa a gente falar”. Então assim, é complicado.
P/1 – E hoje em dia Tereza, eu pelo menos tenho ouvido muito assim: “As pessoas não querem mais participar. Chama para reunião, mesmo que seja reunião na comunidade, as pessoas não vão”. Tem um jeito de lidar com isso?
R – Depende do seu argumento da chamada, do convite. Se você chega… Para você chegar e convidar: “Fulano, olha, eu vou fazer uma reunião com fulano de tal, assim, assim”. “Eu vou fazer”. Então se você vai fazer, você vai fazer, tá? “Fulano, olha, fulano de tal quer vim na comunidade para tratar do assunto assim, assim. Eu acho interessante você ir lá, dar a sua opinião, cobrar, porque não sou só eu que tenho que cobrar, você tem que cobrar, você também mora aqui, você também quer o melhor para você, para os seus pais e para os seus filhos, então, vamos lá? Você não vai lá só para escutar, não, você vai para falar.” Então é assim que você tem que agir com as pessoas da comunidade para ele se sentir parte daquilo ali. “Conseguimos o ônibus, eu tava lá e eu cobrei, eu falei isso e isso, tá?” Então é isso.
P/1 – É uma lição, né?
R – É. Vai do convite. Qualquer convite. Se você vai chamar as pessoas para uma missa, aqui a gente tem as igrejas que infelizmente estão um pouco vazias, mas não existe, até dentro da tua igreja, seja ela qual for, você tem que ter carisma para fazer um bilhetinho, botar uma mensagenzinha, não custa nada ir lá na casa da pessoa: “Olha, vai ter a missa, todo final de semana tem missa, mas vai ter agora, vamos lá”. Então assim, tudo depende...
P/1 – Você ia de casa em casa, Tereza?
R – De casa em casa.
P/1 – Sempre?
R – De casa em casa.
P/1 – Sempre pra chamar para…?
R – Para chamar. Eu não… Coisa mais difícil mandar recado, eu ia de casa em casa. E quando eu vou fazer alguma coisa aqui, eu vou de casa em casa, quando tem a Folia aqui em casa, eu vou de casa em casa para chamar o povo.
P/1 – Agora fala da Folia (risos).
R – (risos) Bom, a Folia é uma das tradições que me lembra muito o meu pai, quando eu era pequena, muito pequena, ele recebia a Folia de Reis em casa. E aí, uma das coisas assim bastante ativa aqui na Fercal é a questão da Folia de Reis, Folia do Divino, mas eu gosto mais da Folia de Reis que o meu pai recebia, achava bonito, só que lá, a Folia de Reis andava à noite, e de dia, eles descansavam, lá onde ele tinha o negócio lá, um estaleiro lá, o pessoal armava um monte de rede e dormia durante o dia. Aqui é ao contrário, né? Então assim, quando eu tive a oportunidade de eu participar da Folia de Reis, eu não pensei… Chorei nas primeiras vezes, participei, aí pela minha participação na Folia de Reis, teve um ano que me colocaram de rainha, sem eu saber, eu não sabia nem como me comportar como rainha. Botaram a coroa na minha cabeça, eu falei: “Meu Deus”. Aí comecei
falar com todo mundo: “Gente, me ajuda, eu não quero fazer feio”. Aí foi uma das Folias bastante… Não a melhor, mas foi assim, bem diferente.
P/1 – E você falou que chorou?
R – Chorei porque eu lembrei do meu pai, eu lembrava daquela tradição do meu pai, ele se dedicava o ano inteiro pensando, porque ele era auferis, né, que a gente fala. Pensando naquele Pouso de Folia, a tradição familiar e também pela religião, pelo o que passa a tradição da Folia, da família, sabe, união de família por aquela tradição cultural. Então aquilo ali emociona a gente, a gente fica bastante sensibilizado, né?
P/1 – Quando você começou a participar, já existia a Folia?
R – Já, aqui já existia. Eu ia uma vez ou outra num Poso, aí foi quando eu resolvi participar mesmo.
P/2 – Os valores da Folia, eles continuam os mesmos ou tiveram alguma mudanças?
R – A Folia aqui… Aqui a gente ainda não tem pessoas que tiram a Folia como eles falam, assim, tradicionalmente. O que que acontece? Todo ano, a gente traz pessoas de Goiás, que são pessoas que já estão lá, raízes que passam de pai para filho, de filho para neto. E aí, essas pessoas vêm e os daqui acompanham, mas não sabem ainda aquele ritual para poder ser o gestor mesmo da Folia, nós só temos um casal, que é o Ferreira e a Heloísa que ela é a única que ainda canta na Folia. Mas a maioria são seguidores da Folia, são…
PAUSA
P/1 – Retomando, a pergunta da Carol é se os valores continuam os mesmos, então, conta desde o começo pra gente.
R – Continuam e para nossa satisfação, cada ano a participação jovem na Folia é maior, nós temos jovem querendo aprender a tocar os instrumentos, a participar cantando, até crianças querendo participar cantando na Folia. Então assim, nós trazemos pessoas de Goiás, que vêm de Goiânia, Aparecida de Goiás, vem de Inhumas, vem de Goiás Velho, vários locais. Mas por quê? Porque a gente quer dar o melhor para a população e eles… Não que a gente… Mas eles realmente vivem a Folia, vivem a tradição lá e isso sempre. E aí, o que que a gente faz? Dá uma pequena estrutura, porque não é justo eles virem com tudo deles, a gente agora tá se cotizando desde o ano passado para não depender de ninguém, para depois não ter cobranças de outros interesses para trazer a tradição da Folia para cá, até que a gente tenha essa estrutura com esses jovens, com as pessoas que estão querendo, realmente, assumir essa tradição. Então, a Folia pra gente é uma das melhores tradições, porque a gente vê a família inteira participando, desde o pai, o avô, o neto, o bisneto, é lindo demais e é muito emocionante. Quando for o ano que vem, a gente vai estar convidando mais, se for o caso de participar, porque é muito bonito, sabe, muito bonito, vale a pena você participar de uma coisa religiosa assim, que só te coloca num bom caminho e os jovens que participam, eles veem que é muito bonito mesmo.
P/1 – Aqui já existia. Agora tá crescendo, tem os que vêm de fora para inclusive…
R – É, tá crescendo, no inicio vinha pouca gente de Goiás, né, mas eles ficam tão apaixonados, porque a Fercal, gente, o povo da Fercal, eu tenho orgulho de conviver com o pessoal da Fercal, porque são pessoas… Nós não somos pobres, não, queriam muitas cidades aí ter as condições financeiras que nós temos aqui na Fercal. Todo mundo tem a sua casa, seu carro, sua moto, seu trabalho. Muita gente estuda, faz faculdade, muitos fazem concursos, passam em concursos públicos. Então assim, é um local que você admira as pessoas pela garra que têm, né? E sobre a Folia, né, então a gente quer ver amanhã ou depois, esses jovens assumindo a Folia e esse pessoal que vêm de fora, eles ficam apaixonados por todo mundo, independente da… Porque todo mundo fala: “Folia é onde vai beber, é onde vai ter a prostituição”. Muita gente pensa dessa forma, infelizmente, a cabeça do povo é assim, mas as pessoas que vêm, vêm e eles não querem ficar em hotel, nós já até propusemos: “Nós vamos pagar uma diária, duas diárias para tantas pessoas ficarem num hotel”. Não que a gente não tenha condições, mas para dar uma condição melhor para eles se acomodarem, quem diz que eles querem ficar? Ficam dois na minha casa, a maioria na casa do Ferreira e da Heloisa que é na Nova Colina, mas que… Eles dormem no corredor, mas fazem questão de ficar ali pela receptividade que têm as pessoas da Fercal com esse povo. E nos eventos, tem os almoços onde vai muita gente, tem os pousos onde vai muita gente e não tem uma intriga de ninguém com ninguém porque você tá focado ali naquele evento, naquele acontecimento de todas as idades. Então é assim uma coisa de se admirar. E o povo do Goiás, ele não… Até o Melo falou: “Vamos fazer um galpão para botar…”. Não adianta fazer galpão, porque eles vêm para conviver com a gente, na nossa casa. Aí de manhã, você pega, bota no carro para tomar o café já junto, é tudo junto, depois tem o almoço junto, depois tem a janta junto, você só vai na sua casa para dormir, mas é isso que encanta as pessoas. E a receptividade do povo da Fercal, que é dessa tradição, é muito grande para as pessoas de fora, é apaixonante!
P/1 – Quantas pessoas assim se envolvem, Tereza, dá para ter uma ideia?
R – Esse ano, veio de Goiás mais de 40 pessoas. A gente custeia o combustível deles para eles virem com a segurança do automóvel dele e ir embora a hora que quiser e tá mais seguro com o seu carro, né? E daqui da comunidade, cada dia, tem dia que você almoça no almoço que tem 300 pessoas e não vai lá pelo almoço, não, eles vão pela tradição, num pouso… Tem pouso que tem mais de mil pessoas, duas, três mil. A última vez, no seu Melo mesmo, no pouso de lá devia ter umas três mil pessoas e vão pela tradição, eles vão para fila para pegar aquela comida que… A comida da Folia de Reis é diferente, a comida de Folia, não é só da Folia de Reis, parece que tem um gosto diferente das demais, né? Então o povo vai para ali e você vê que eles vão focados, tem as catiras que o pessoal assiste, é muita paixão, né? E a Fercal tem tudo isso que é de bom, graças a Deus. Eu costumo dizer que aqui é um local bem diferente dos demais, é uma cidade diferente. Primeiro que é uma cidade praticamente operaria, né, mas existe essa outra… Esse outro lado que é o nosso da religião, das pessoas, da afinidade do vizinho com o vizinho, se um vizinho tá doente, o outro já leva um chá, já leva uma sopinha, já leva o caldinho, então isso é muita paixão, melhor do que cidade de interior isso aqui, sabe?
P/1 – Por que será que é tão unida assim, a cidade?
R – Acho que pela migração, tem gente de tudo quanto é lugar, então você vai se conhecendo, você é do Ceará, o outro é do Tocantins, o outro é da Bahia, o outro é de Rondônia e aí, você vai criando… Como a maioria não nasceu aqui, você quer fazer daquele pessoal todinho sua família e aquilo ali vai se agregando. Quem não consegue se agregar com você, vai, mas a maioria… É gostoso.
P/1 – Bacana, né? Quando é a Folia para a gente vir na próxima?
R – Em janeiro.
P/1 – Tereza, conta um pouco pra gente assim, como você foi vendo a Fercal se desenvolver com… Primeiro, por que esse nome Fercal? E aí, parece que tinha uma indústria… Conta um pouco. E depois com a chegada da Votorantim.
R – Aqui onde é… É bem aqui próximo, aqui em frente é a Votorantim Cimentos e antes da Votorantim, existia uma fábrica de fertilizante calcário que além da fábrica, tinha aquele aglomeradozinho das pessoas que trabalhavam na fábrica. Depois, veio o Grupo Votorantim e comprou essa fábrica para montar a empresa que é hoje. E aí, a Fercal continuou, muita gente já veio pela fábrica que comprou o espaço, já para trabalhar, então já foram surgindo outros interesses, mas o local ficou como Fercal, Fertilizante Calcário. Ficou, aí resumiu-se em Fercal. E aí, Fercal antes era só um pedacinho aqui, existia o Engenho Velho, que tem o engenho velho lá desativado, o Queima Lençol, que é a questão do povo que teve aquela doença do tempo que queimava os lençóis, porque não era reutilizado, o Ribeirão, Córrego do Ouro, onde o pessoal extraiu bastante ouro, parecido com a minha cidade de Natividade que a gente catava ouro lá na rua quando chovia, quando pequena, e aí Rua do Mato por ser… Era só uma rua dentro do mato, né, ficou Rua do Mato, então cada lugar tinha. Quando foi para criar a cidade, porque tudo que a gente brigou na vida aqui foi em nome de Fercal…
P/1 – Porque era quem morava mais perto dessa fábrica?
R – Não, era assim: “Você mora onde?” “Moro lá na Fercal, mas lá no Córrego do Ouro”.
Então assim, o nome Fercal soava mais forte dentro dessa luta de melhoria e aí, quando a gente foi para sacramentar a cidade Fercal mesmo, aí a gente falou: “Vai chamar Fercal que é composta por vários núcleos habitacionais”. Núcleos habitacionais urbanos e outros rurais e assim ficou. São oito comunidades urbanas e seis comunidades rurais.
P/1 – Grande!
R – Ficou-se Fercal por causa disso, por causa da luta em nome de Fercal. E aí, as pessoas, quando você chegava para reivindicar, mesmo que fosse no Queima Lençol já colocava lá Fercal, Fercal, mas lá na comunidade Queima Lençol, Fercal lá na comunidade da Boa Vista, que é um local lindo que eles chamam de Boa Vista. Então é isso.
P/1 – Tereza, quando você chegou aqui, você disse que você escolheu esse lugar porque parecia muito com a sua cidade querida, né?
R – É.
P/1 – Que você morava antes.
R – Foi.
P/1 – Não existia essa fábrica ainda, Fercal, Fertilizante Calcário?
R – Já existia, tanto é que o meu esposo veio trabalhar… Já trabalhava aí, sabe? Mas eu não precisava só porque ele trabalhava ali vir morar aqui. É porque eu vim visitar aqui uma época com ele e andar aqui na comunidade, local onde ele trabalhava e aí eu falei: “Nossa, mas aqui parece tanto com Natividade”. E aí quando…
P/1 – O que que parece, você acha?
R – Os morros, essa questão geográfica aqui da Fercal parece muito. As comunidades assim, não são ruas, lá agora tem ruas, mas tinha lugar que era trilha, era tudo, né? Então o córrego que passava assim, igual ao Córrego, Engenho Velho, parecia muito com Natividade, eu falei: “Eu vou viver…” E isso o dia que vocês tiverem a oportunidade de conhecer Natividade, vocês vão ver que eu tenho razão de falar isso.
P/1 – Tereza, essa fábrica de fertilizantes, a antiga, a Fertilizante… Como é que chamava?
R – Fertilizante Calcário.
P/1 – Você acha que ela interferia muito nessa paisagem que você acabou de descrever?
R – Não. Eu acho que os que vieram depois interviram mais. Só que depois, pela briga com os órgãos ambientais, aí foram vindo as compensações dessa degradação, vieram as compensações.
P/1 – Vocês lutaram em relação a isso?
R – Nossa, demais, porque antes…
P/1 – Conta um pouco dessa luta.
R – Antes, aqui era muita poeira, a gente tava conversando aqui, aí quando você passava a mão aqui, era muita poeira, não só da fábrica que fica aqui em frente, mas tem outra mais pra frente. Aqui, a poeira do asfalto, então assim… E aí, com essa luta toda com as empresas e com o apoio dos órgãos ambientais, as empresas foram se prevenindo com filtros, com tudo, hoje isso é quase que zero. Eu que moro aqui na frente, é quase que zero.
P/1 – Você mora bem perto, né?
R – Bem perto.
P/1 – De qual empresa?
R – Da Cimento Tocantins.
P/1 – Além da Cimento Tocantins…
R – Que é um nome que me agrada muito, porque é o nome do meu estado, né? (risos)
P/1 – Além dessa, Cimento Tocantins, quais outras importantes para a gente…
R – Tem a fábrica de Cimento Planalto [Ciplan], nós temos outra mais afastada, mas ela é a que mais beneficia os moradores daqui que é a Pedreiras Contagem, que é de Sálvio Humberto, uma pessoa que luta demais por essa região. Ele é um dos responsáveis por hoje a gente ter virado cidade, porque ele foi até o governador e brigou e lutou, e fazia imposição a alguns parlamentares que ele ajudava: “Eu só vou te ajudar se você lutar pela criação da cidade Fercal”. Todos os empregados dele, tanto na fábrica que ele tem aqui próxima, como na outra que ele tem aqui próximo de Brazlândia são aqui da Fercal, vai um ônibus levar uma distância de quase duas horas, mas ele faz questão de beneficiar o pessoal daqui.
P/1 – Como ele chama? Fala de novo o nome dele.
R – Sálvio Humberto Safe de Matos, uma pessoa que ajuda demais, ele ajuda com o material para arrumar para um morador que não tem condições de comprar uma pedra, não tem condições de comprar uma brita, ele ajuda e ele é sempre bem… Bem sucedido porque ele ajuda muito as pessoas, sabe? É um paizão aqui da Fercal, todo mundo gosta dele, não tem uma pessoa para dizer assim: “Eu não gosto do Sálvio”. A gente sabe que tem aqueles que têm o interesse, gostam porque ele ajuda, e eu gosto dele pela pessoa que ele é assim, pelo convívio que a gente já teve e de ver o quanto ele se preocupa em ter uma comunidade melhor como é a Fercal, sabe?
P/1 – Tereza, a gente começou a falar e acabou indo para outras histórias, mas você, enquanto mulher que teve toda essa luta. E aí, você começou a falar um pouco do seu cotidiano. Acho que seria bacana você falar também um pouco mais dessas histórias em relação ao seu filho.
R – Bem, meu filho, a única frustração que eu tenho é que ele não quis fazer faculdade, mas o sonho dele era ser motorista de caminhão, trabalha na fábrica do Sálvio, tem um salário bom e mora aqui comigo, não abre mão de morar, só que botei ali do lado, né?
P/1 – Ele é casado?
R – É, mais ou menos (risos), mas é um rapaz trabalhador, não pendeu para o lado errado, muita gente fala: “Você tem que ser feliz, porque o seu filho você soube criar”. Uma criança que ficou em creche, que ficou quase que sozinho a vida inteira para eu poder trabalhar e consegui tantas coisas, dei sempre pra ele aquilo que o pai… Que eu falei para o pai, não queria uma relação comigo, assim, nem com o filho, nem nada para o filho, porque eu ia dar conta de criar e fiz tudo para criar. Vida tranquila, gosto de viajar, eu gosto de namorar, tenho um namorado mais novo do que eu, mas me trata como se eu fosse mais nova do que ele. Então assim,
tenho uma vida feliz, gosto de participar das coisas, gosto de incentivar, eu falo sempre para a mulher: “Olha, melhor marido da mulher é um bom emprego, porque o marido, a gente acaba largando dele ou ele largando da gente, um bom emprego, ele não vai largar, ele só vai te dar satisfação e tudo. E é uma coisa que não te ocupa muito, você tá no trabalho, você tem o horário de se dedicar a ele, mas depois, você volta e é o horário de se dedicar a você”. Então eu tenho assim, uma vida… Eu consegui ter tudo o que eu queria, porque o meu sonho era ter uma vida tranquila, era trabalhar, procurei me capacitar, trabalhei bastante, tenho orgulho de ter trabalhado, de ter contribuído para o Distrito Federal enquanto trabalhei. Hoje sou uma pessoa aposentada, aposentei graças a Deus, bem e também devo a Fercal, porque se eu não fosse Tereza da Fercal, com toda essa luta, todo o sacrifício, embora as pessoas não sabem o quanto que sofri para chegar onde estou, mas se hoje eu tenho a estabilidade que tenho, é graças a esse nome e essa luta que eu tive pela Fercal, que às vezes eu penso: “Será que se eu não tivesse vindo para Fercal, hoje eu era cheia de neto, cheia de filhos, cheia de não sei o quê, mas talvez não fosse uma pessoa reconhecida assim como sou em qualquer lugar onde vou”. Mas isso não serve para eu achar: “Eu sou a Tereza da Fercal”, não. Eu tive o privilégio de ser a Tereza da Fercal por
conta de toda essa luta, mas eu sou essa mulher dona de casa, tranquila, amiga que gosta de rir, gosta de caçoar e caçoar do bem, a vida dos outros não me interessa, o que interessa é a minha e a minha também não interessa os outros porque quem vai resolver os meus problemas sou eu e não os outros. Eu não vou resolver… Se eu me incomodar com a vida da Andreia, eu não vou resolver a vida dela. Então ela que tem que resolver a vida dela, se eu puder ajudar, eu ajudo, se eu não puder, eu fico na minha, que talvez, eu ajude até mais ainda.
P/1 – Tereza, a gente podia até encerrar a entrevista assim, né, porque ficou ótimo, mas eu preciso perguntar mais duas coisas (risos)…
TROCA DE FITA
R – Eu sempre peço para as meninas: “Não me enche muito de compromisso, não, porque eu tenho que me programar para as minhas viagens”. Eu tô preparando... Vou começar a programar uma para Buenos Aires com a minha neta agora esse final de ano, presente de formatura de oitava série.
P/1 – Para ela?
R – É.
P/1 – Ela é filha desse seu filho?
R – É, mas eu que crio.
P/2 – Além de ser super mãe, ela é super vó-mãe.
R – Essa minha neta foi de uma ficada do meu filho, foi para o Sucuri, maior lazer da Fercal, aí apareceu alguém grávida. Eu vim saber, a mãe já tava com oito meses de gravidez. Aí, eu dei uma surra nele, ele tava com 19 anos no quartel, chegou do quartel, eu falei: “Vou te dar um aperto pra você aprender a me contar as coisas”. Bati nele, nunca tinha batido, porque eu acho que bater não é a forma de educar. E aí, fiquei, quando nasceu a criança, eu fui conhecer com 20 dias. Aí, quando eu cheguei lá na casa da Dalva, aí quando botaram a menina no meu colo, ela segurou nesse meu dedo aqui e olhou bem no meu olho, como diz assim: “Você é a minha salvação”. E aí, eu fiquei com aquele negócio na cabeça. Aí eu vi que ela tava com problema no olho, tal, levei para fazer um check-up pelo meu convênio e tal. Aí, depois essa criança se apegou tanto comigo assim, foi crescendo e foi se apegando como se eu fosse a mãe. Aí viajei para Caldas Novas, levei ela, passei dez dias para me adaptar com ela lá em Caldas Novas e aí, ela tava doentinha, voltou bem e a mãe morava de aluguel, tinha um ambiente assim, meio… Aquelas amigas que você vê que não é o melhor para o convívio de alguém da sua família. Aí, eu tava guardando dinheiro, nessa época, não tinha carro não. Eu tava guardando dinheirinho para comprar um carro novo, aí mesmo se não fosse novo, quando eu vi aquela situação… Às vezes, eu ia buscar a menina, que ela ficava comigo, eu ia trabalhar lá no Conselho do Negro, levava ela comigo, as meninas me ajudavam a cuidar. Aí eu falei: “Eu vou é construir uma casa para botar essa mãe morando com essa menina”. Aí, cheguei, chamei o pedreiro e ele fez em dois meses, ele fez essa casinha, casinha como se fosse para eu morar, forrada, cerâmica, tudo arrumadinho. Chamei a mãe e falei: “Olha, você vai morar nessa casa porque o ambiente que você tá proporcionando a minha neta não é o que eu quero, não vou me meter na sua vida, mas você pode arrumar outro namorado, que eu sei que com o meu filho não dá certo, mas eu quero poder criar a minha neta, mas quem pariu o Mateus, que balance”. Eu pensei que trazendo ela para cá, a menina ia viver com ela, mas a menina não se adaptou a mãe, não queria saber da mãe de jeito nenhum. Quando eu deixava ela com a mãe que ela morava no Engenho Velho, quando passava um pouco: “Vem buscar a sua filha que ela tá aqui queimando de febre porque ficou chorando por sua causa”. Eu ia lá buscar. Aí eu pensei: “É a filha que eu não tive”. Meu sonho era ter uma filha mulher, não tive, só tive um filho. Então eu falei: “É a filha que eu não tive”, mas eu não queria tomar ela da mãe, né? Aí, falei para ela: “Se você não quiser morar lá na casa, aí vou ter que ter uma outra atitude, porque se a menina não te quer, ela deve ter os seus motivos”.
A mãe é uma pessoa boa, aí ela veio morar aí. Ela tinha um aninho, hoje tá para fazer 15 anos esse ano. Ela tem um quarto dela lá na casa dela com a mãe, mas ela tem o quarto dela aqui e só mora, dorme aqui comigo. Então, pude criar uma menina boa, estudiosa, querida na escola, sempre foi destaque. Olha aqui, isso aí, ela participou junto com 42 alunos de escolas diferentes e o desenho dela foi o que ganhou, mas ninguém sabia que ela era minha neta, jurados neutros e eu lá caladinha, sem poder falar nada, virava até as costas, né? Aí escolheram três e dos três, escolheram o desenho dela.
P/1 – Lindo!
R – E não é o primeiro concurso que ela ganha assim, participando com outras escolas, não só de uma escola. Então, uma menina que é dedicada, é tranquila.
P/1 – Como ela chama?
R – Fernanda. Nunca namorou, vai fazer 15 anos, nunca namorou, não tem nem pensamento de namorar, tomara que queira só estudar. Ela atualmente, ela com essa idade tá com um metro e 78 (risos), enorme a menina. O Rafael olha para cima, não tô te chamando de baixinho, não…
Rafael – Não, ela é que é alta, pô!
R – Então assim, é uma menina tranquila. Minha companheira, já viajou comigo para tudo que é lado, Rio de Janeiro, não sei o que, e é minha filha, como se fosse. Ela até dizia… O primeiro nome que ela chamou na vida foi “vovó”, tinha seis meses. E ela dizia: “Você não é minha avó, você é minha mãe”. E eu sempre ensinei ela que eu sou vó, a mãe dela é Deusirene e eu sou avó. Ensinei ela dizer, porque se fosse outra, ia criar a menina chamando de mãe, né? Mas eu nunca quis isso não, eu sou avó. E é isso, a vida com a família… Minha família é pequenininha, mas nos finais de semana quando não são amigos meus, são os amigos do meu filho que vêm para cá, assam uma carninha, tomam uma geladinha, a casa aqui, a área é bem adaptada já para isso, quem não quiser ir lá dentro, tem todo o ambiente aqui fora. E as pessoas se sentem bem, eu me sinto melhor ainda convivendo com as pessoas, porque ninguém vive isolado, né? A gente só vive… Você não precisa tá na casa do outro… Porque quem vem aqui nessa área, ele não tá na minha casa, ele tá num espaço de convivência, aqui é um espaço de convivência. Agora, dali pra dentro já é a minha casa, quem sentar comigo no sofá, já tá dentro da minha casa, aqui é o espaço de convivência. Então é assim, a vida é boa demais, eu não canso de dizer, tudo eu devo a luta pela Fercal, se eu tivesse simplesmente chegado aqui como uma moradora, na minha rotina, talvez eu não tivesse saído da cozinha dos outros. Tinha ficado como diarista até hoje, mas eu não comecei luta nenhuma pensando que eu ia chegar um dia e ser convidada por uma embaixada para jantar com o Morgan Freeman, com artista de TV, como eu convivi, que aí já foi através do Conselho do Negro.
P/1 – Então, conta um pouco também dessa luta.
R – Em 1999, quando Roriz ganhou a eleição de novo, ele perguntou para gente: “O que que vocês querem?” Eu falei para ele: “Nós queremos o Conselho da Mulher”, mas por quê? Eu tinha uma assessora que ela dizia que o sucesso meu de estar todo dia dando entrevista na televisão, na rádio, jornal, era ela. Então, eu pensei: “Bom, eu ainda vou ter a oportunidade de ver se realmente é ela”. Aí, ele falou: “O que que vocês querem?”, o governador. Eu falei: “Eu quero o Conselho da Mulher de novo, governador, mas dessa vez eu não quero ser a presidente, eu quero que o senhor coloque a Tânia”. Aí ele falou: “Uai!” Eu falei: “Não, eu quero”. Aí fomos, fui para transição, cuidar e tal e aí foi quando ele nomeou ela, ela falou: “Vou mandar o seu nome”. Eu falei: “Não, meu nome não, não quero ser… Porque fica muito chato, eu ex-presidente ser tua assessora, não é orgulho, é porque você não vai se sentir à vontade, eu acho que você tem que se sentir à vontade para fazer o seu trabalho”. Ela ficou chateada, muito chateada comigo e descobriu que tinha um outro conselho que nunca tinha sido ocupado por ninguém, que existia a estrutura na Câmara Legislativa, que foi criado, mas que ninguém tinha ocupado. A gente levou para o secretário de governo: “Doutor Benjamim, a gente descobriu um conselho e a gente quer esse conselho. Nós não somos de movimento negro, não, mas nós vamos...” Aí ele pegou a estrutura e falou: “É seu”.
P/1 – Era um conselho do movimento?
R – Era Conselho em Defesa do Negro, mas também um órgão vinculado ao gabinete do governador. Ele só não tinha sido ativado, a gente pegou do zero, que Brasília tem movimento negro de tudo que é lugar e a gente falou… Não é peitar, mas nós vamos mostrar para o movimento negro que a causa não é intelectualizar a questão da diversidade racial, da luta contra o negro. Porque a maioria, eles são só na parte da intelectualidade, mas na prática mesmo, ninguém faz nada para mudar. Aí peguei em 99, ele me nomeou presidente do conselho, daí eu botei uma outra pessoa e essa pessoa não deu certo, uma neguinha, neguinha mesmo, que eu pensei que eu não podia ser, né? Aí, ela não deu certo, muito estrela e tal e aí o governador me chamou atenção: “Eu dei para você não foi para você botar ela, você vai assumir”. Aí, depois de oito meses, eu assumi o conselho e a gente começou a trabalhar. Eu comecei a pegar gente, falei: “Olha, você é minha amiga?” Por isso que às vezes eu fico triste quando eu vejo alguém ocupar uma função e não ir lá trabalhar, porque você não tá correspondendo ao voto de confiança que aquela pessoa teve em você, então o que que eu fiz? Peguei pessoas negras ou não negras e falei: “Eu ganhei isso, se você é minha amiga, você vai se juntar a mim e nós vamos fazer com que isso vá existir de fato e de direito”. E aí a gente assumiu o conselho. Peguei a Sônia que trabalhou a vida inteira de doméstica, mas era uma negra que quando ela saía, você pensava assim: “Essa aí é a secretária de estado”, de linda que ela é. Assim, uma autoestima. Fui pegando, peguei gente aqui da Fercal, peguei outras pessoas de outros lugares e fomos trabalhar o conselho. Nós botamos esse conselho do anonimato, que não tinha nenhuma sala, não tinha nada, a gente foi para Papuda, buscamos moveis lá, pintamos e tal, botou no patrimônio do conselho. E aí, a gente tirou ele do anonimato e fizemos do conselho, um conselho reconhecido no Brasil inteiro e até para você ver, a própria embaixada me chamar para jantar com o Morgan Freeman, tudo resultado desse trabalho que nós fazíamos.
P/1 – E qual era o trabalho do conselho, Tereza, em relação ao movimento negro?
R – Em Brasília, havia muita discriminação, principalmente nas escolas e na comunidade assim, as pessoas. O que que nós fizemos? Tinham as assessorias, mas sem definição. Aí o que é que eu fiz? Eu já era um pouco mais sabida, né, tinha uma assessoria boa, sempre procurei me calcar de pessoas que vêm para somar e para crescer. Aí, nós pegamos e mudamos a nomenclatura daquelas assessorias, o advogado que é assessoria jurídica para acompanhamento daquelas vítimas da discriminação racial na delegacia, porque infelizmente, a pessoa discriminada na rua…
PAUSA
R – A pessoa era discriminada na rua, quando chegava na delegacia, ela era discriminada de novo, porque ele falava assim: “Eu vim aqui registrar uma ocorrência porque me chamaram de nego, não sei o quê”. O policial: “Mas você é o quê? Você não é negro, mesmo?” Aí a pessoa, a autoestima vai lá para baixo, né? Então, a gente criou a assessoria com advogado para acompanhar essas pessoas. Um atendimento psicológico para acompanhar aquela pessoa e nem só o negro, mas tinha o índio, tinha o albino, a gente fez um trabalho voltado para todos esses segmentos que sofrem discriminação, só não a mulher que já tinha o seu órgão. E aí, a gente começou a fazer trabalho com as escolas, mapear escolas, porque tinha muita discriminação nas escolas, isso atrapalha o aprendizado do aluno e tudo. E a gente começou mapear escolas, a gente passava a semana inteirinha na escola dando palestra com material, com tudo, slide, mostrando que um negro não é só uma palavra que vai fazer de lá para baixo e não levantar, não. E que isso é natural ser discriminado, mas o que você não pode é deixar de peitar isso aí. Então, a gente fez um trabalho muito bonito, a gente pegava negros na rua, jovens, bem jovens e convidava para desfiles. Eu fiz ali no Pátio Brasil, três anos seguidos o desfile da Beleza Negra na Primavera. E desses desfiles, a gente conseguiu botar meninos e meninas como modelos negros, porque a gente fazia parceria com as agências de modelo, que não tinha condições de pagar e tal, a gente fazia parceria e divulgava o nome da agência e em compensação, a agência preparava aquele modelo e a gente teve gente desfilando até no exterior, gente no Rio Grande do Sul, mandavam correspondência pra gente dizendo que estava vivendo da profissão de modelo negro. Então assim, a gente fez um trabalho, a capacitação do jovem negro, várias conferências que a gente fez, uma das conferências foi para criar a Secretaria da Diversidade Racial que hoje existe. Então assim, foi uma contribuição…
P/1 – A Secretaria da Diversidade Racial você acha que veio desse período?
R – Foi porque a gente que montou. Ela saiu dessa conferência que a gente fez, aí eu não ocupei a secretaria porque já tava saindo, mas a gente deixou todo o quadro, toda a estrutura básica toda pronta e ela foi criada em cima daquilo ali. Então foi uma contribuição boa e eu não pensava que um dia eu ia poder estar contribuindo assim, com o movimento negro, porque quando ele falao: “Você vai asumir”. Eu falei: “Mas eu não sou do movimento negro, o povo vai acabar comigo”. “Não, não vai, você...”
P/1 – E os movimentos, como é que eles reagiram?
R – A principio, eles ficaram meio distantes pelo fato de eu ser muito ligada ao governador Roriz, eles achavam que o conselho iria viver em função do governador Roriz, mas aí a gente conversou com o governador, porque se deixar, o político te põe uma coleira mesmo, mas a gente colocou para ele qual era a realidade do movimento negro de Brasília. E depois, eles foram se aproximando e participavam. A gente fazia eventos onde participavam esses artistas negros, o Milton participou com a gente, tudo e que o pessoal falava assim: “Puxa, nunca imaginei que a Tereza fosse capaz de fazer uma coisa…” Mas não era só a Tereza, era a Tereza, era o grupo e eram as pessoas que acreditavam que aquilo ali podia mudar como mudou muita coisa em Brasília. A questão do negro na universidade. Eu, particularmente, eu tinha assim uma certa restrição a isso, mas se eram os anseios da população negra que aquele projeto fosse para frente, nós tínhamos que ir porque ali eu não tava por mim, eu tava pelo movimento. Então foi isso.
P/1 – Bacana. E o jantar na embaixada?
R – Ah, o jantar… Foi um dos jantares, né, porque de vez em quando a gente era convidado para uns eventos. Tem uns eventos aí, onde as embaixadas, elas têm muita condição assim de ajudar esses movimentos, né? E às vezes, eles chamavam outras embaixadas para jantares e ligavam para a gente: “Olha...” Primeiro era o convite, e segundo para a gente levar esses jovens, esses modelos negros para fazer alguma apresentação de dança, esse negócio todo e a gente levava. E do Morgan Freeman foi assim, uma coisa mais fechada, eles selecionaram a dedo as pessoas e eu fui um desses dedos, né? E aí, até o menino que foi comigo dirigindo era meu assessor, fiquei tão constrangida dele não ter entrado, mas só podia eu, ele falou: “Não Tereza, não se preocupa, eu vou ficar aqui”. Ele era do movimento negro também. Mas eu falei assim: “Eu não vou e tal.” Eu fui convidada também para ir para conferência na África, mas aí quando veio a passagem, o passaporte ficou pronto, a conferência já tinha começado lá. Aí, eu falei: “Eu não vou chegar lá pela metade”, aí não fui. Mas assim, foram…
P/1 – Mas teve outras viagens também pelo movimento?
R – Teve.
P/1 – Pelos movimentos?
R – Pelo movimento negro, eu tive várias viagens de intercâmbio, assim, porque eu costumava bem… Como outros estados já estavam bem adiante do trabalho nosso aqui, eu procurava ir até Rio Grande do Sul, o trabalho lá é lindo, maravilhoso, São Paulo, Recife, então assim, Macapá, esses estados… Tem outros também, Goiás tem um trabalho lindo. Então eu tive muitas viagens assim de intercâmbio mesmo. Você chegava lá, você metia a cara, igual você tá aqui trabalhando, você metia a cara naquilo ali porque você tinha… Tava ali com um objetivo, trazer novidade para o seu trabalho na sua cidade, na sua comunidade, no seu segmento.
P/1 – Tereza, a gente já tá quase terminando, só mais umas duas coisas que a gente queria muito saber. Uma, falar um pouco do movimento da mulher, se eu posso dizer assim, alguma coisa que você foi observando nesse movimento, no envolvimento com as mulheres, que você pudesse deixar registrado pra gente, que você acha importante registrar.
R – Quando começou o movimento, eu até criei aqui uns núcleos na Fercal em que cada comunidade tinha um núcleo com três pessoas. E criamos também, que na época só tinha uma delegacia da mulher, nós criamos as seções regionais do conselho da mulher nas administrações regionais que era uma coordenadora e duas assistentes. Ali elas tinham um posto que se a pessoa fosse discriminada em sua cidade, ele ia até aquela seção, aquele núcleo para registrar uma reclamação e aí, fazer chegar. A gente acompanhou também, naquela época, tinham muitos assédios no trabalho, tinha a questão dos médicos com paciente e tudo isso a gente teve que enfrentar. Enfrentar assim e mostrar que a mulher, por ser mulher, povo dizia ser sexo frágil, nós não somos sexo frágil, nós somos ao contrário, porque além da nossa jornada de trabalho no nosso trabalho cotidiano, nós temos a ser dona de casa e a dedicação, muitas delas como esposas. Então isso tem que ser respeitado como mulher e tem que ser visto com muito respeito. E aí, a gente enfrentou muito, eu contei com a delegada Débora que era forte aqui e era nossa companheira mesmo de luta, que ela pegava os malandros estupradores, trancavam numa cela e ela pegava o chicote e chicoteava mesmo, ela era temida. Ela agora aposentou também, minha amiga, mas ela era temida aqui na delegacia da mulher e outras mulheres que também sucederam ela. Então assim, foi um trabalho bom que além de clarear para a mulher: “Olha, o fato de você participar desse segmento, não é que você vai ser contra o seu marido, não, muito pelo contrário. Se o teu marido te deixar, eu não vou ter condições de te sustentar. Então você tem que conciliar as coisas e tudo que acontecer com você, você tem que ter o seu marido como a pessoa que você vai estar repassando para ele, não pode fazer:
‘O que aconteceu lá?’ ‘Ah, não, não te interessa’”. “Não, interessa e muito, porque quando você sai de casa para ir para um movimento, aquele homem fica com mil e umas minhocas na cabeça:’O que será que ela tá aprendendo? Como será que ela vai voltar?’” Então a gente tinha todo esse cuidado, sabe?
P/1 – Faz diferença, né, Tereza? E o… Como chamava aquele lugar das festas da Tereza? Como que chama?
R – O Barracão da Tereza. Quando a gente criou a associação aqui da comunidade, não tinha lazer aqui na região, tinha uma festinha de casamento ou outra, mas era coisa assim, muito restrito. E aí, eu sempre convivi muito com jovens, sabe, acho que é por isso que eu sou jovem assim, né? E eu comecei a pensar: “O que que nós vamos fazer?”. Aí começamos a fazer as festas. A primeira festa foi com a sanfona, Nonô tocando de sete horas da noite até sete horas da manhã e o povo dançou até sete horas da manhã. Aí, gostamos, essa festa foi lá do lado da escola. Aí a gente não tinha lugar para fazer festa, aí eu pedi ao seu Gerson um pedaço ali para fazer um barracão e nesse barracão, nós não tínhamos condições de construir, eu fui até a Tocantins, tinha o senhor Carlos, que era o chefão lá, ele falou: “Tem um barracão aqui, mas vocês têm que desmontar ele”. Aí, a gente fez o mutirão, desmontamos o barracão, tem até foto aí, viu? Desmontamos o barracão, homem, mulher e viemos e montamos o barracão. E aí, começamos a fazer festa. Era uma festa por mês, a gente não fazia festa assim aleatoriamente, não, a gente fazia para comprar um remédio para alguém, para comprar um uniforme de futebol, para ajudar uma família. A filha da Hilda mesmo teve leucemia, os remédios eram caro, nós fazíamos festas para ajudar. Então a gente fazia assim, com motivo mesmo. E era festa que bombava mesmo. Dia dos Pais, das Mães, a gente sempre fazia alguma coisa, nunca deixou de fazer. Então, foi assim, muito bom, nessa época, não tinha festa aqui, não tinha. Aí depois, todo mundo começou a fazer festa, achando que nós estávamos bombando, ganhando, e tal. Aí a gente abriu mão de fazer festa, porque deixa eles lá com o pensamento deles, mas foi muito bom.
P/2 – Foi uma época muito boa, saíram casamentos, né?
R – Olha, o Doca conheceu a Eliane aí, o Reis conheceu a Lúcia aqui, fora outras pessoas que se conheceram na dança aqui do Barracão da Tereza e que hoje são casados, são pais, são avós e são meus amigos. Então, eles me lembram: “Você tem uma certa participação nessa união”. “Você é culpada de eu estar aguentando essa mulher”, mas é brincadeira. “Você é culpada de eu estar aguentando esse homem.”
P/1 – Tereza, e o seu namorado, onde você conheceu esse?
R – Ele é daqui da região, né, mas ele não gosta muito de participar das coisas, mas eu conheci ele num forró lá em Sobradinho, no Forro dos Veios. E aí, ele se engraçou e eu falei: “Não, rapaz, você tem idade para ser meu filho”, aí ficou. Aí depois, ele foi trabalhar com o meu filho. Eles trabalhavam juntos lá em Niquelândia e ele contou a história para o meu filho: “Eu gosto de sua mãe”, e tal… “Rapaz, você nem chega perto da minha mãe”, porque ele sabendo que era meio namorador e tal. Aí, um dia ele chegou aqui, ele vinha sempre buscar o meu filho aqui para viajar e eu nem dava bola. Aí depois, a gente encontrou de novo em outra festa, dançamos e tal, mas não rolou nada. Um dia ele chegou aqui e falou assim: “Eu quero ser seu namorado”. Eu falei assim: “Ah, rapaz, eu não to nem aí para esse negócio de namorado, eu quero é viver a minha vida”, como se namorar não fosse viver, né? (risos) Aí, passou mais uns dias, ele chegou aqui e falou… O meu filho tem o apelido de Cebola: “Cebola, eu quero conversar com você sobre sua mãe.” “Ah rapaz, você é meu brother”, e não deu atenção. Aí, eu já tava decidida a namorar o cara, falei: “Então tá, vamos namorar escondido”. Aí estamos namorando escondido, um dia ele tava aqui na hora do almoço, meu filho chegou, ainda bem que não entrou, ele quase treme assim. Aí, ele falou: “Esse negócio não tá certo”. Aí ligou para ele: “Cebola, você vai estar onde no final da tarde?” Ele: “Tô aqui no César, então vem aqui no bar do Gerson que eu preciso conversar com você”. Aí chegou e contou para ele: “Olha, estou gostando da sua mãe e é uma coisa assim, eu gosto demais dela, eu sei que ela gosta de mim e tal” “Você tá feliz?” “Tô” “Minha mãe tá feliz com você?” “Tá”, aí se abraçaram e tal. Então assim, é uma pessoa boa, embora que as pessoas nunca entendem que uma mulher mais velha namore um cara mais novo, pensa que há interesses, né? Ele tem a casa dele, ele tem o carro dele, ele tem o trabalho dele, trabalha aqui na fábrica também. É uma pessoa assim, que ele sai, é à moda antiga, você vê, pedir a mão da mãe pra namorar é porque ainda é daquela. Mas é uma pessoa maravilhosa que para mim não tem defeito assim, sabe, a gente tem uma vida tranquila, mas eu falo pra ele: “A minha vida não vou deixar de fazer o que eu tenho que fazer por causa de namorado achar isso ou aquilo, não.” Mas é gostoso assim.
P/1 – Muito bom. É viver também, né?
R – É viver! Tem as suas contrapartidas, né, gente, você luta, luta, luta, mas tem que ter o aconchegozinho também, de vez em quando, né? A ligação todo dia, todo dia ele me liga, todo dia eu ligo para ele, quando ele não liga. Então assim, é muito bom. Nós viajamos juntos, a família dele, gente muito… Me conhece, eu conheço… Aí, quando eu falei para ele que ele era muito mais novo do que eu, 22 anos mais novo do que eu, só que não parece. Ele falou: “Você tá pensando que eu não te conheço desde as festas do barracão? Eu te conheço, eu era menino, eu tinha não sei quantos anos, eu era adolescente quando você fazia aquelas festas, você não precisa dizer que você é mais velha do que eu”. Então pronto.
P/1 – Bacana. Tereza, a gente tá realmente agora encerrando, então, tem alguma coisa assim, que você queria muito contar e que a gente acabou não perguntando, para a gente deixar registrado?
R – Não, é só mesmo, eu só quero encerrar dizendo que eu espero que… Porque tudo o que eu vivi na vida foi fruto de um sonho. Quando eu era menininha lá, aquela menina que brincava montada em cima dos bodes que eu via aqueles aviões, só a fumacinha passar, eu dizia: “Um dia eu vou andar num avião daquele”. Quando eu fui para o hotel, que a gente recebia muita gente de delegação de avião e tal, eu dizia: “Eu vou ser uma dessas pessoas um dia”. Quando eu, nesse hotel, ficava muita gente do Projeto Rondon, que eu não sei se você conheceu, que eu via aquele trabalho que eles faziam com as pessoas das periferias das cidades, eu dizia: “Um dia eu quero ser igual a eles, eu quero fazer o que eles fazem”. E aí, foi assim, quando o meu pai falou que eu vinha para Brasília para virar uma coisa que eu não… Que não vale a pena dizer, eu dizia, eu dizia: “Não, eu tenho um sonho e esse sonho, eu não vou sair da linha.” Então assim, eu não fui fissurada por causa desse sonho, eu conquistei ele, assim, devagar, mas não tão lento porque a vida é passageira, mas eu nunca perdi a fé em Deus, eu nunca quis tirar, eu nunca pensei assim: “Ah, se fulano tem um carro zero, eu quero ter também”, não. “Se fulano tem uma casa boa eu quero ter também”, não. Eu quero ter uma casa de verdade e eu construí essa casa de verdade. Eu costumo falar que aqui não tem um tijolo que um homem tenha pago, tudo foi com o meu suor. E se eu sonhei com a realidade que eu podia alcançar, Deus me ajudou a realizar esse sonho. Então por isso que eu falo para as pessoas: “Nunca queira o que é dos outros, queira aquilo que você pode alcançar e nunca perca a fé em Deus, porque se você perder a fé em Deus, fica difícil para você conseguir realizar os seus sonhos”. É isso.
P/1 – Muito bom. E o quê que você achou de dar essa entrevista, contar essa história?
R – Nossa, eu até me perdi em tudo o que eu falei!
P/1 – É que você já fez muitas entrevistas, né, Tereza, então…
R – Me perdi assim, não, tem muitas outras coisas que a gente devia ter falado, mas acho assim, que sirva de incentivo algumas coisas que a gente tenha mostrado aqui, que vai ser mostrado também em fotografia. Tudo o que eu fiz, isso aqui não é só vocabulário, foi feito, tá registrado, tá registrado em fotografia, na memória das pessoas. Então, que às vezes você conta uma história, a gente vê que aquela história, você não tem certeza que aquilo ali tem algo de real, né? E também não registrei nada pensando que um dia eu ia estar aqui dando essa entrevista ou em outras entrevistas, a gente fez porque alguém tem que fazer alguma coisa. Você ficar só reclamando da vida, só dizendo que eu queria ter isso e não tive, você precisa arregaçar as magas e ir à luta, porque se você não fizer, ninguém é obrigado a fazer por você, nem os seus próprios pais. Então assim, eu falo sempre pra minha neta: “Você tem o comportamento que você tem, você vai ter a sua avó a vida inteira, você quer ser o que eu sou, então você tem que lutar também”. Então é isso que o que posso falar para ela, para os jovens, é isso, é sonhar, porque quando eu comecei a realizar o meu sonho, eu já tava numa certa idade, eu já tinha mais do que os meus 25 anos, que não foi fácil, mas eu posso dizer assim, que eu tô no pedestal. Eu não quero ser rica, não, se você é rica, você não tem sossego em casa. A minha maior riqueza é ter a tranquilidade que eu tenho, amigos para mim, não tem riqueza melhor do que você ter amigos, as pessoas chegarem e te abraçarem de corpo e alma, olhar nos seus olhos e dizer: “Ai que bom, eu estava com saudades de você”, isso não tem preço. Só isso, eu me sinto uma pessoa realizada. Hoje, sou uma mulher aposentada, tranquila, mas eu acho que a vida não encerrou só porque eu aposentei, não. Eu acho que eu ainda tenho muita coisa pra fazer e vou fazer, enquanto eu tiver vida, eu vou estar fazendo.
P/1 – Que bom, né? Muito obrigada, viu Tereza, foi muito importante ouvir a sua história.
R – Eu que agradeço essa oportunidade, e estou sempre à disposição para os jovens, pessoas, de vez em quando chegam pessoas jovens: “Tereza, queria conversar, você tem tantos exemplos e tal”. Eu dou aquilo que eu acho que… Como exemplo, as coisas que eu acho que vão contribuir para a história de vida dele, né, que ele tá começando, a minha já tá bem à frente, né?
P/1 – Muito bom. Valeu. Obrigada, mais uma vez.
FINAL DA ENTREVISTARecolher