P/1 – Boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Tudo bem?
R – Tudo bem.
P/1 – Bom, pra gente começar a gente queria saber o seu nome completo, seu local de nascimento, data de nascimento.
R – Então, meu nome completo é Alexsander Costa Magalona, sou conhecido como Lecão, todo mundo me chama de Lecão, eu nasci em Duque de Caxias e minha data de nascimento 14 de janeiro de 1988.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Ângela Maria Costa Magalona e Paulo Jorge Teixeira Magalona.
P/1 – Você tem irmãos?
R – Tenho.
P/1 – Quantos?
R – Tenho três, quatro, quer dizer, cinco comigo.
P/1 – Qual é o nome deles?
R – Então, um é Alexandro, outro é Maria Aparecida, a outra Rosângela e a outra é a Kelly e tenho um que faleceu.
P/1 – E os seus pais são do Rio?
R – São do Rio.
P/1 – E eles moram, você nasceu aonde? Você nasceu em Duque de Caxias.
R – Duque de Caxias.
P/1 – Os seus pais sempre viveram em Duque de Caxias?
R – Não, na verdade Duque de Caxias já faz parte de outro município, entendeu.
P/1 – Sim.
R – Assim, é perto, mas já é outra, outra.
P/1 – Ta, mas os seus pais sempre viveram em Duque de Caxias?
R – Ahã, viveram no Rio mesmo, eu só nasci em Caxias, entendeu?
P/1 – Ah, tá. E os seus pais, qual o trabalho deles, o que eles fazem?
R – Então, na verdade o meu pai já é falecido e minha mãe, ela não trabalha, minha mãe sempre trabalhou, assim, pras pessoas e tal, uma longa história, tipo lavando roupa pra poder sustentar nós de casa, minha mãe não teve estudo, que na época dela não dava pra ela estudar, ela conta que não tinha tempo pra estudar, que ela tinha que ficar com a mãe dela, que já tava doente e tal, tinha que trabalhar pra poder sustentar os filhos, que na verdade meus irmãos mais velhos, que eu sou o caçula, então ela nunca, assim, trabalhou de carteira assinada, sempre trabalhando ali, lavando a roupa aqui, lavando a louça pra alguém, carregando balde d’água naquela época pra poder ganhar um dinheiro pra poder sustentar meus irmãos.
P/1 – Você falou que a sua avó tava doente?
R – É.
P/1 – E os seus avós?
R – Então, na verdade eu não peguei essa época, entendeu,porque eu sou mais novo, mas eu to falando isso porque a minha mãe conta pra gente, na verdade conta pra mim às vezes algumas coisas do que ela já passou.
P/1 – O que a sua mãe conta mais?
R – É esse lance que eu tava falando de trabalhar pra poder sustentar, a gente morava num barraco, entendeu, porque, assim, quando o sol batia dava pra ver que era os pedacinhos de sol, que era tudo esburacado, tal e assim e a minha mãe sempre foi batalhadora pra poder sustentar a gente lá em casa, na verdade mais os meus irmãos, que eu vim muito depois, então ela fala que já deixou de comer pra poder sustentar eles e tal, já comeram farinha com açúcar e água, pão com água e angu todo dia, que era o mais fácil de poder, entendeu, pra não deixar eles passarem fome, entendeu, então ela já passou muita coisa, lavando roupa, essas coisas todas, pros outros.
P/1 – E a sua infância, conta um pouco mais sobre ela, como é que foi?
R – Então, minha infância, cara, eu sempre fui, eu sempre fui uma pessoa tranquila, tipo sem arrumar problema, sem briga e minha mãe, conforme ela é uma pessoa muito preocupada com os filhos e tal, qualquer coisinha ela se preocupa, minha mãe é muito medrosa e, assim, eu não brincava muito, ela não deixava muito eu ficar na rua tipo brincando, então quando as pessoas perguntam da minha infância eu não tenho nem muito o que falar porque, tipo, se tu me perguntar se eu rodo pião, eu não sei rodar pião, eu não sei jogar bola de gude, eu não jogo futebol, sério, sério, eu não solto pipa, porque tudo que a gente, se eu aparecesse com um pião em casa minha mãe dizia: “Não, larga isso aí que isso aí é perigoso, você vai rodar isso aí, pode pegar no vidro da casa dos outros e eu não tenho dinheiro pra pagar”, se aparecesse com pipa: “Não, você não vai soltar pipa não, o cerol pode cortar o pescoço dos outros e essa vareta pode entrar no olho de alguém”, então sempre tinha alguma coisa, então ela não, então eu ficava com aquilo e não brincava, o negócio mais era ficar andando de bicicleta e tal, só, mas não tive essa infância de jogar futebol, não entendo nada de futebol , é incrível, não vejo jogo, não é que eu não gosto, eu acho legal, mas não vejo, não jogo futebol, então essas experiências, o lance de videogame também eu não, minha mãe nunca teve condições de me dar um videogame, então hoje eu não jogo também videogame, não é porque eu não gosto, porque eu não, até hoje também não me interessei também pra aprender e ta jogando e tal, que antigamente minha mãe não tinha condição de comprar e tal, entendeu, então minha infância sempre foi mais tranquila, ficar andando de bicicleta, brincando ali com os amigos, ali correndo, brincando de pique, mais essas coisas, entendeu, e eu não tive muita coisa, assim, muita coisa pra falar.
P/1 – Tem algum amigo, amiga que desde de pequeno, um grupo que você andava, grupo da escola, alguém dessa época?
R – Então, é, nessa época eu andava com o Buiu, o falecido Felipe, o Rafael, que é o meu primo, o Baia, Serginho, eu andava com o grupo e tal, mas sempre ali perto do portão de casa, quando eles cismavam de ir pra outros lugares eu sempre, eu: “Pô, vou não, mano, por causa da minha mãe, não sei o que”, porque qualquer coisinha a minha mãe olhava no portão e eu não tava, ela ficava procurando, então eu também tive, sempre tive essa preocupação que a minha mãe teve comigo, eu ficava preocupado também dela tipo, sei lá, sair me procurando, entendeu, eu ficava: “Não, não vou sair se não minha mãe vai ficar me procurando, vai ficar preocupada comigo”, então sempre fiquei ali mais no portão de casa e tal, dava um role de bicicleta, mas dava a volta rapidinho, sempre fui mais assim, mais quieto, mais travado, entendeu?
P/1 – E com os seus irmãos na sua infância, brincava, fazia alguma coisa com eles?
R – Então, com meus irmãos, cara, eu não brincava, até porque eles são muito mais velhos que eu, entendeu, não tive essa coisa de brincar com eles, sei lá, de boneca, não sei o que, mas sempre me dei bem com os meus irmãos, entendeu, e tenho minha irmã mais velha também que sempre gostou de mim, sempre me fortaleceu, entendeu, na hora que minha mãe mais precisou, na hora que eu mais precisei também, era material de escola, porque ela tinha arrumado um namorado, que hoje eles tão casados até hoje, eu era bem pequenininho e ele era gerente de posto e, assim, ele, através dele, hoje se a gente tem aquela casa de tijolo, porque ele e o meu irmão também, que trabalhava no posto, ajudaram a fazer os dois, colocando dinheiro, andando com a mesma roupa todos os dias pra poder fazer aquela casa lá que hoje a gente ta morando, então minha irmã sempre foi de fortalecer, porque ele, assim, ele é gerente, naquela época ele tinha dinheiro, entendeu, e a gente lá em casa não tinha nada, então ele sempre fortalecia e isso eu não tenho vergonha de dizer, qualquer pessoa que me pergunta eu falo mesmo, sempre fortaleceu, era material de escola, era roupa pra sair, me levava pra passear, minha irmã sempre me chamava pra poder passear, então foi sempre assim desse jeito.
P/1 – E você mora na mesma casa?
R – Moro na mesma casa onde era o barraco, tinha uma casa de tijolo assim na frente do meu pai e tinha um barraco também, na verdade tudo no mesmo quintal, minhas tias moravam tudo no mesmo quintal, a família morava tudo ali e aí derrubaram o barraco e tal, a gente ficou morando muito tempo no barraco e fizeram essa casa, mas antes disso o barraco era tão, ele era amigo da chuva e do sol, velho, eu to rindo aqui, mas é sério, ele era amigo da chuva e do sol, já tava torto, já, quando chovia era goteira, minha mãe ficava pegando uns baldes assim, colocando assim, balde aqui, balde ali, caneca aqui e aqui, porque era muita goteira, então, tipo, minha mãe cedia algum lugarzinho: “Pode ficar todo munda aqui nesse canto que eu vou ficar aqui”, minha mãe não dormia, ficava assim o tempo todo, pegando água, jogando fora e a casa ficava cheia de sapinho, cara, porque no quintal tinha tipo uma valinha, ali dava muito sapinho pequenininho, pererequinha e quando chovia elas vinham pulando e a casa ficava cheia, assim, entendeu, e era, tipo, um cômodo só, assim, pra todo mundo, tipo, tinha uma cama, minha mãe botava quem desse pra colocar na cama, ela botava, o restante dormia no chão, mas quando chovia, tipo, todo mundo tinha que ficar ali sentado, ali na cama, porque a casa alagava e ficava cheio de sapinho, tal, e todo mundo ficava ali na cama, outros dormia sentado e tal, minha mãe sempre ali tentando tirar a água, aquela coisa toda, então, assim, é uma história que eu não passei muito por isso, até porque eu era muito, eu era muito pequeno, eu sou o mais novo de todos, mas minha mãe contando, cara, assim, é uma tristeza, entendeu, do jeito que ela conta, muito perrengue.
P/1 – E no mesmo quintal moravam outras pessoas da família?
R – É, no mesmo quintal morava a minha tia, na verdade tia da minha mãe, a gente considera também como tia, tia da minha mãe, ali sempre morou a família da minha mãe, entendeu, ai o meu primo foi morar lá na casa de trás, que hoje também vendeu pra esse meu cunhado que agora tem um quintal lá atrás e sempre morou a família ali, minha mãe, meu pai, a tia da minha mãe, meus primos, tudo no mesmo quintal, era como se fosse uma vilazinha assim, bem pequenininha, com um barraquinho aqui, outro barraquinho aqui, outro aqui, entendeu, e lá era lama, velho, como eu posso dizer, tipo, o barraco da minha tia, ele era alto, ele era alto assim, com umas madeiras assim, porque em baixo era mato, era lama, entendeu, era assim, e lá em Vigário era como se fosse um manguezal, eles falaram, na época, era um manguezal, não tinha passarela, não tinha chão de cimento, era tudo manguezal mesmo, eles mesmo, os moradores improvisavam as pontes e tal, fazia ponte pra poder passar, eles mesmo colocavam a luz, tudo eles improvisavam naquela época ali, então ali dava cobra, sapo, tudo, e aí foi melhorando.
P/1 – Essa é a família da sua mãe, e a família do seu pai, você tem contato?
R – Então, a família do meu pai, eu tive, eu tenho um tio, que ele ainda é vivo, que é irmão dele, tem a irmã dele, que já faleceu também, que eu conheci, tem uns filhos dele, tem um filho dele, na verdade meu irmão, ele, muito tempo também, eu era pequeno e ele mora, não sei se morava, nem sei também se faleceu, não sei, Roberto o nome dele e ele mora em Macaé, quando ele foi lá ele tava morando em Macaé, mas eu também não lembro mais da feição dele, que eu era pequeno, mas foi lá um dia só também e eu não sei se tem, se ele tem família ainda, eu sei que tem ainda o meu tio vivo, que é irmão dele, mas da família dele não fui muito achegado não, até porque eu não conhecia e tal. Mas esse meu tio que é vivo, ele já foi traficante de lá de Vigário, ele, as pessoas falavam que ele era ruim, tipo, ele bebia sangue, entendeu, matava mesmo as pessoas, às vezes andava todo cagado e caraça, tipo doido, entendeu, só que eu não lembro, o que to falando é que as pessoas dizem e tal, então se perguntar lá em vigário tipo: “Você conheceu o Feijão?”, todo mundo conhece: “Pô, conheceu o Sabará?”, todo mundo conhece, que é o meu pai.
P/1 – Sabará é o seu pai?
R – Ahã, aí todo mundo dizia que ele era meio doido, aí ele entrou pra igreja, ficou um tempo na igreja, não sei o que.
P/1 – O Feijão?
R – É, entrou na igreja, ficou na Igreja Universal e depois ele saiu, até porque teve lance de guerra, de invasão lá, de facções rivais, ele não ficou na favela, mesmo na igreja, mas ainda tinha aquela coisa de, não sei, acho que era medo, tipo, sei lá: “Os caras podem implicar porque na época eu fazia parte e tal” e ele saiu da favela e aí ficou mais um tempinho na igreja e agora saiu, não é bandido, mas ta, também não sei o que ele faz.
P/1 – Sabará, por que esse nome, você sabe?
R – Cara, eu não sei dizer o porquê Sabará não, não sei nem o que é Sabará , eu não pesquisei não, mas eu não sei o porquê também.
P/1 – E escola, qual a lembrança que você tem dos seus anos de escola, você chegou a frequentar, quando?
R – Então, escola, eu comecei a estudar, assim, na escolinha que se diz particular, mas não era escola particular cara, não, era uma pessoa conhecida da gente, que é a tia Maria e é bem amiga do meu também e eu estudava lá, comecei a estudar lá primeiro e tal, aprendi muita coisa lá, que é a mãe do Buiu, do meu colega e quase todo mundo estudava lá na tia Maria antigamente e aí eu fui crescendo, eu comecei a estudar na República, que era uma escola do lado de fora e, assim, nas escolas também sempre fui tranquilo, depois que eu fui crescendo e eu comecei a fazer bagunça por causa dos amigos vai chamando: “Vamos tacar bolinha de papel, não sei o que”, na escola eu dava uma aprontada de leve, mas nunca também deixei, assim, vacilei pra diretora poder tipo chamar minha mãe, sempre fui responsável, assim, eu zoava, mas na minha, mas nunca deixei, entendeu, a diretora chamar minha mãe, essas coisas todas. Sim, eu estudei, mas, cara, na verdade eu nunca gostei de estudar, pra ser sincero, nunca gostei de estudar, mas eu terminei graças a Deus, estudei, ficava com preguiça, às vezes eu faltava pra caramba e aí quando eu tava na sexta série eu mudei de escola, uma escola mais perto e aí esse meu parceiro, que é o Baia, ele estudava, ele estudava no Brizolão nessa época, então ele tava na quinta, o que que eu fiz? Ó o meu pensamento, eu falei: “Eu vou ser reprovado na sexta, que eu vou praquela escola e ele vai passar, vai ficar na sexta e pode ser da minha sala”, entendeu, essa é a doideira.
P/1 – Deu certo?
R – Fui reprovado, acabou que ele também foi reprovado, foi pra escola, mas foi reprovado, não ficamos na mesma sala, eu falei: “Caraca” e acabou que daí, quando eu fui reprovado essa primeira vez eu falei: “Ah, não to com vontade de estudar mais não”, na sexta série: “Ah, ta chato, escola”, não sei o que, porque eu tava muito empolgado com o, também com o AfroReggae, entendeu, eu faço parte do AfroReggae, então eu tava muito empolgado, era show, não sei o que, aquela coisa toda, só que lá no AfroReggae eles não deixam ficar sem estudar, então ali tem que estudar, tem que terminar, então eu tava muito empolgado, tipo, queria saber só de música, música e fazer show e tal e a escola tava começando a relaxar e acabei que eu fui reprovado novamente na sexta por ta faltando muito, muita falta, era show, era palestra, era reunião, que tinha que fazer, tinha que assistir, só que eles não sabiam que eu faltava a aula, eu ia pras paradas: “E aí, como é que ta na escola?”, “Não, ta tranquilo” e fui reprovado, depois tomava esporro no final, às vezes era até descontado, mas depois eu pensei bem e tive que estudar, tive que terminar e terminei.
P/1 – Na sexta série você já fazia parte do AfroReggae?
R – Do AfroReggae.
P/1 – Como é que você conheceu o AfroReggae, como é que você entrou no AfroReggae?
R – Então, na verdade o AfroReggae, ele foi pra Vigário em 93, o AfroReggae já existia em 92, só que não tinha música, era AfroReggae Notícia, era um lance de jornal que, então o nome desse jornal era AfroReggae Notícia, porque em 92 eles tinha um baile funk, era um funk, eles faziam uma festa de funk e tal, só que não sei se a polícia implicou, alguém implicou, não sei se denunciou, não sei, eles do nada fizeram uma festa de reggae, cara, tipo assim, o pessoal todo bombado pra ir: “Caraca, ta maneiro, toda festa que tem enche” e nesse dia tipo deu ruim e eles: “Cara, a gente tem que fazer alguma coisa”, isso aí foi o José Júnior, a ideia de José Júnior e o Teco Rastafári e aí: “Cara, a gente tem que fazer alguma coisa porque todo mundo já comprou convite e aí a gente não tem o dinheiro pra devolver e caraca e, cara, vamos botar reggae, mas será que o pessoal vai gostar, não sei o que”, conclusão, chegou lá, tal, o pessoal foi chegando e aí era reggae, eles falaram que o pessoal ficou meio assim, tal: “Pô, era funk, agora é só reggae”, só que a festa bombou e deu certo e aí eles começaram a fazer essa festa de reggae, reggae, reggae e aí cismaram de, pra poder divulgar a festa, fizeram um jornal e aí começou a se chamar AfroReggae Notícias esse jornal, em 92. E logo após, em 93, aconteceu a chacina de Vigário, eu tinha cinco anos e eu não, também não lembro muito de muita coisa, mas eu lembro só que tinha um corpo quase na esquina da minha rua, perto do Seu Murilo ali, pra quem conhece sabe onde é, e o AfroReggae foi pra Vigário em 93, eles parece que iam fazer lá no amarelinho em Acari, ia ser lá, mas conforme o clima tava tenso ali em Vigário o José Júnior deu a ideia de poder fazer ali em Vigário, tal, pra poder ter, distrair um pouco os moradores, o clima tava muito tenso, que morreu 21 pessoas e tal, inocentes e aí foi isso. E o AfroReggae foi indo, foi indo e começou a ter aula de oficina de capoeira, oficina de percussão, oficina de dança, lance de reciclagem e tal, eu era pequeno, só que eu sempre, tipo, falava: “Nunca vou entrar no AfroReggae não”, porque eles ficavam batucando, eu falava que era coisa de macumba: “Isso aí é coisa de macumba, não vou entrar nisso aí não, não sei o que, ta maluco, ta amarrado em nome de Jesus”, então novão e aí depois o Anderson Sá, que é vocalista da banda AfroReggae, que hoje é a banda R21, que mudou o nome e ele me convidou pra poder fazer oficina de capoeira, na verdade minha mãe falou com ele porque minha mãe não queria, queria ocupar o meu tempo, minha mãe sempre queria ocupar meu tempo e aí ele me convidou pra poder fazer a oficina de capoeira, comecei a fazer a oficina de capoeira, fiquei fazendo um tempo e tal. Depois o Picucha, um amigo meu que é ex-cavaquinista do Afrosamba, ele me chamou pra poder tocar percussão do grupo Afrosamba, que fazia parte do AfroReggae, que é um grupo de samba hoje, na verdade antigamente tocava mais pagode e aí ele me chamou, eu falei: “Cara, eu não sei tocar não, cara, eu arranho um pouquinho aqui, mas não”, ele: “Não, cara, não, vamos tocar, vamos tocar”, fui me envolvendo com o pagode ali, a gente ensaiava no portão da casa dele, a gente tinha até dançarinas, um bocado de menininha lá dançando e a gente se sentindo artista, ensaiava todos os dias, sério, de segunda a segunda, o pai dele tinha que brigar com a gente pra poder parar de: “Vocês tão maluco, cara, não é assim não, ensaio não é assim não”, a gente tava muito empolgado, era muito e aí, cara, quando eu fui ver já tava envolvido no AfroReggae, nesse lance de ensaio e capoeira, ensaio, capoeira, ensaio, capoeira, é porque eu já tava no AfroReggae.
P/1 – Isso você tinha quantos anos?
R – Cara, foi em 98, eu acho que eu tinha uns dez anos, cara, hoje eu tenho 24 se foi em 98 eu acho que eu tinha uns dez anos, por aí, dez ou nove anos, 11 anos, por aí, então eu entrei no AfroReggae bem novinho, entendeu, com essa idade e to lá até hoje.
P/1 – Então muitas coisas que você fazia também depois da escola era com o grupo do AfroReggae, você se ocupava muito.
R – Ahã, sempre ocupava o meu tempo com essas coisas, fazia aula de dança também às vezes, daqui a pouco eu, tipo, enjoava: “Ah, fazer aula de dança mais não, vou ficar só tocando mesmo, tal”.
P/1 – E tinha tempo pra namorar?
R – É, na verdade, cara, eu comecei a namorar mesmo com 15 anos, tipo, quando eu entrei tinha dez, 11 anos, por aí, então não namorava, mas comecei a namorar mesmo com 15 anos, mas tinha tempo, tinha um tempinho à noite, tinha um tempinho à noite.
P/1 – E você lembra da sua primeira namorada?
R – Lembro, a minha primeira , minha primeira namorada era a back vocal do Afrosamba, que é o grupo que eu canto lá hoje, que é a Magdala, então a gente era do mesmo grupo e tal e aí ela namorava com um outro, com um outro rapaz do AfroReggae, que era do outro grupo, na verdade do Afrolata, só que aconteceu um problema lá com eles e tal, aquela coisa toda e aí a gente, tipo, a gente, meio que a gente não se falava muito porque tinha ela, a Ana Paula e a Raquel, então o nosso coordenador sempre chamava elas pra poder, tipo, tudo era pra elas, pra fazer cabelo: “Tem show, vamos lá fazer cabelo”, pagava pra elas: “Vamos lá, vamos comprar roupa e a gente ficava assim: “Pô e a gente”, tipo novinho: “E a gente”, então a gente acabava ficando com raiva delas, entendeu, e aí nessa raiva toda, nessa raiva toda, daqui a pouco a gente começou a se conhecer melhor, não sei o que, conversar e tal, aí começamos a sair, beijinho aqui, beijinho ali, daqui a pouco quando foi ver: “Pô, cara, vamos lá pedir a minha mãe”, só que ela já tinha separado desse rapaz e aí eu fui lá na casa dela pedir a mãe dela, tomei um banho, cheirosinho.
P/1 – Você lembra da roupa?
R – Não da roupa eu não lembro, não lembro, mas fui lá, cheirosinho e tal.
P/1 – O que você falou pra mãe dela?
R – Cheguei lá, cara, legal, não deu nem tempo de falar muita coisa porque ela já tinha falado pra mãe dela que eu ia lá pra poder pedir, aí eu cheguei lá, tal: “Tudo bem?”, “Tudo bem”, “Então eu vou logo falando logo porque eu sou assim – a mãe dela – eu sou assim, posso falar a verdade pra você, menino? Eu não te conheço direito, entendeu, mas eu não gostaria que a minha filha ficasse com você não”, assim, aí foi um choque, primeira vez, cara, eu nunca pedi mãe de ninguém pra namorar: “Eu não queria que minha filha ficasse com você não”, aí eu só fiz assim, mas o coração batendo forte, tava nervoso, mas não tinha reação, não tinha o que falar, aí ela, eu na minha mente: “Por quê?”, eu não tinha coragem de perguntar a ela: “Mas, por quê?”, só tava na minha mente, ela: “Cara, o que aconteceu com a minha filha, que não sei o que, que vocês do AfroReggae não prestam, porque o Anderson fez isso – que era o ex-namorado dela – fez isso e fez aquilo e não sei o que, eu não gostei, que não sei o que, vocês do AfroReggae não prestam, não sei o que, eu não queria a minha filha contigo não, só que ela quer, ela gosta, agora mesmo, se aconteceu mesmo aí eu não quero saber de nada, entendeu”, ficou falando lá, eu falei: “Ta bom”, levantei.
P/1 – Mas começou a namorar?
R – Não, levantei, não falei nada, só levantei, fiquei olhando o quintal, aí eu fiquei meio assim com ela, tipo, pô, a primeira vez ela falar uma coisa dessas, então eu fiquei meio assim, tipo, sei lá, eu não sei se era um receio, sei lá, não gostava muito também de ir mais na casa dela por causa daquilo, a primeira vez, mas depois ela foi me conhecendo melhor e foi querendo se achegar, viu que eu não era nada daquilo: “Não sei o que, tu é um menino legal, vou lá conhecer a tua mãe, que não sei o que”, então, assim, ela foi conhecer a minha mãe, minha mãe às vezes, minha mãe não é de sair muito também, minha mãe às vezes ia lá na casa dela que ela chamava: “Pô, fazer churrasco aqui, só a gente, família, não sei o que”, mas eu também nunca fui muito chegado a ela por causa disso, porque foi o primeiro baque, ela já, eu falei: “Caraca, mano”, entendeu, então na verdade a maioria das namoradas que eu tive , que eu tive eu não, sei lá, acho que não precisou de eu pedir muito, eu nunca, tipo, cheguei e falei: “Poxa, queria namorar com a sua filha”, assim, porque as mães já sabiam o que eu ia fazer lá, então eu só chegava, elas falavam: “Ó, espero que você respeite a minha filha, não sei o que, tal e tal”, tudo bem, então eu não falei muito, nunca falei muito, assim, esse lance de pedir mãe, se chegava, se ela falasse: “Fala aí”, aí eu falava, mas eu chegava.
P/1 – Mas você é muito namorador?
R – Cara, eu agora to mais relax, quando eu tinha 16, 17, 18, assim, eu tava muito, muito acelerado , muito acelerado, mas agora eu to mais, to mais tranquilo, eu cheguei já a noivar também uma vez.
P/1 – Conta isso pra gente.
R – Então, eu tive uma namorada que é irmã de um parceiro meu de grupo, entendeu, e a mãe dele sempre me considerou assim como filho, tipo assim: “Você é meu filho”, entendeu, e parceiro mesmo e tal, sempre e ele é muito, muito alterado, sei lá, o santo dele é muito, qualquer coisinha ele fica com raiva, tipo muito, entendeu, e ele é e eu sou, eu era a única pessoa que conseguia acalmar ele, tipo: “É assim, desse jeito, faz assim não, mano”, ele parava pra ouvir, entendeu, o resto ele não queria saber não, eu sempre chegava: “Qual é mano? Fica tranquilo”, então a mãe dele qualquer coisa: “O Jonathan ta aprontando, ta fazendo isso, ta fazendo aquilo, conversa com ele, não sei o que”. Então foi sempre isso e a irmã dele era muito pequenininha, eu juro, eu não tinha maldade com aquela garota, era sempre tranquilo, só que aí eu fui crescendo, crescendo, ela também foi crescendo e criou corpo, mas ela era muito nova, mas já parecia que tinha, sei lá, 17, 18 e aí quando eu tinha 18 anos eu comecei a namorar com ela, mas antes dela eu tive a outra ainda, que também é irmã do outro parceiro do grupo, entendeu, aí, mas com ela, com essa que eu noivei foi que durou mais, durou quatro, a gente ficou quatro anos e pouco, a gente chegou a noivar e tal, mas eu era novo, assim, 18 anos e aí eu noivei mais, não era uma coisa assim que eu queria naquele momento, era mais porque a mãe dela queria porque: “Quero ver minha filha noiva, não sei o que, be be be” e botando pilha, botando pilha, botando pilha e acabou que eu falei: “Ah, vou noivar”, mas, assim, pra noivar tem que casar, certo, tem que ter casa, tem que ter as coisas tudo direitinho e eu já sabia disso e muita gente falou: “Cara, tu é muito novo, não faz isso não, noiva não, não sei o que”, mas eu tava empolgado com a mãe dela e aí eu noivei e aí depois passou um tempo, começou a dar ruim e a gente separou.
P/1 – E na sua infância, juventude, você teve alguma formação religiosa, a sua família era religiosa, algum contato com religião, frequentava?
R – Não, na verdade o meu pai, minha mãe dizia que o meu pai ia pra esse lance de candomblé, o meu pai ia pra esse lance de candomblé e a minha mãe sempre foi assim, lance de Igreja Católica, entendeu, então eu fui batizado na Igreja Católica e tal, mas aí eu fui crescendo e, tipo, coloquei na minha mente que eu não tenho religião, entendeu, eu falo: “Ah, qual a sua religião?”, às vezes eu falo: “Pô, sou católico”, mas talvez porque eu fui batizado lá e a igreja que eu mais frequentava era a católica por causa da minha mãe, da minha família, assim, da parte da minha mãe era muito católico. mas hoje em dia eu gosto muito da igreja, assim, receber oração e comigo não tem porque é católico, porque é evangélico, porque é universal, eu vou nas igrejas, eu penso assim, eu sou muito aberto, sou muito, é a casa de Deus então eu vou, entendeu, eu gosto de, tipo, muito oração e tal, não tenho essa hábito de ler bíblia, essas coisas todas, mas eu gosto de ir à igreja, quando tenho tempo eu vou: “Mãe, to indo na igreja”, vou na igreja lá, receber uma oração, tal, fico lá, eu recebo, assistindo o culto, às vezes vou na Catedral Mundial da Fé, Avenida Suburbana também eu vou, vou na católica também, então eu sou muito assim, entendeu, eu ficou com esse lance de, pô, eu tenho muita fá em Deus e eu tenho que receber uma oração e eu não vou na igreja, porque tem muita gente que vai na igreja quando mais ta precisando, tipo: “Caraca, pô, to precisando, to sofrendo”, aí vai pra igreja, eu não, eu já sou, posso ta precisando ou não, eu vou na igreja, recebo uma oração e fico tranquilo.
P/1 – Como você começou a fazer parte do AfroReggae cedo, bem cedo, acho que você fazia algumas apresentações pelo AfroReggae, não é?
R – Muitas.
P/1 – Esses foram os seus primeiros trabalhos, seus primeiros empregos, primeiro dinheirinho, como é que era?
R – Então, o primeiro trabalho foi sim, foi o AfroReggae, o AfroReggae e mesmo eu estando no AfroReggae eu trabalhava num posto de gasolina lavando carro, na Estrada dos Bandeirantes, mas era dia de domingo, meu irmão trabalhava, meu irmão trabalhava, meu irmão agora, meu falecido irmão trabalhava lá e meu cunhado trabalhava lá, os primos do meu cunhado, os filhos do meu cunhado, então, assim, o posto parecia que era um posto assim, ó, só família, ninguém mais entra, entendeu, parecia família, sério, parecia família, o irmão do meu cunhado trabalhava, mas eu ia mais dia de domingo lavar carro, é aquele lance que eu te falei, minha mãe sempre queria me jogar em alguma coisa, ela não queria me ver parado na rua porque, assim, ela, não sei, talvez o medo dela seria, sei lá, me espelhar que é uma coisa mais próxima, que é o tráfico, ta aqui do lado, então é uma coisa mais fácil que você tem, tipo, olhou: “Caraca, ta no cordão de ouro, o tênis do cara é maneiro, vou ficar com os caras”, então talvez, não sei, talvez a preocupação dela era essa. Então eu comecei a trabalhar no posto, ia de domingo, na verdade dia de domingo eles abriam assim pra poder lavar carro, vinha os outros meninos, que tinha tipo uma favelinha, assim, perto do posto ali também, então a gente lavava carro, no final dividia o dinheiro, entendeu, assim, e o meu pensamento era ajudar em casa com esse dinheirinho que a gente ganhava, às vezes era 30, às vezes era 25, às vezes conseguia fazer 40 num domingo, então pra mim ali aquela época ali era dinheiro pra caramba, tipo assim, foi mais ou menos tipo 98, 99, por aí, esse ano, mas pra mim, assim, era muito dinheiro. Então o meu pensamento de ir pro posto era ajudar em casa, sei lá, comprar meu hambúrguer, que eu gostava muito de hambúrguer e talvez o pensamento da minha mãe era outro, entendeu, que quando eu dava o dinheiro: “Não, pode ficar”, eu: “Não, mãe, toma aí, compra alguma coisa aí”, então sempre fui desses de, tipo, dividir, colocar as coisas em casa, sempre tive essa preocupação, entendeu, de poder ajudar em casa, que eu via que a maré tava baixa, então, mano, minha mãe não trabalhava, minha mãe tinha que fazer, fazendo comida pra gente, carregando água, essas coisas todas, tudo que eu precisava a minha mãe fazia, não só pra mim, pros meus irmãos, até hoje minha mãe é assim, cara, minha mãe difícil pra caramba pra dormir, ela dorme de madrugada, ta lá varrendo, mas eu trabalhava dia de domingo lá e dentro do AfroReggae, entendeu.
P/1 – No AfroReggae era o que, show, apresentação, o que era?
R – No AfroReggae, no AfroReggae a gente fazia show, o meu primeiro show que eu lembro, show mesmo, que eu lembro o meu primeiro show foi no Teatro Carlos Gomes, foi o aniversário do AfroReggae, agora não sei, cara, se foi oito anos do AfroReggae ou nove anos do AfroReggae, agora eu não to lembrado quantos anos foi, mas foi ali a comemoração do aniversário do AfroReggae no Teatro Carlos Gomes e a gente, cara, o grupo era muito ruim, cara, assim, o Afrosamba, era, sério, o grupo é Afrosamba, então, assim, o grupo muito ruim mesmo, as dançarinas e tal, a gente crente que tava abafando, tocando ali pra caramba e quando chegou no palco a primeira vez, cheguei no palco: “Caraca”, minha irmã até comprou roupa pra mim, comprou roupa pra esse amigo meu que é o Picucha do cavaco, que é falecido e primeira vez ali que eu subi no palco, aí todo mundo: “Lecão, Lecão”, tipo amigos e tal, eu falei: “Caraca, mané”, eu não sabia o que fazer, aí eu comecei, a música lá bregona, mas ali pra gente tava bom pra caramba, depois que a gente às vezes vê o vídeozinho assim: “Caralho, merda”.
P/1 – Mas você tocava o quê?
R – Eu tocava repique de mão, percussão, aí comecei, ali foi o meu primeiro show mesmo, ali foi o meu trabalho mesmo, o AfroReggae sempre foi o meu trabalho e eu tenho o meu salário também no AfroReggae e teve vários shows, cara, e aí foi indo, foi indo, o grupo foi mudando de formação e tal, teve uma hora que o José Junior falou: “Ó, ta na hora de acabar com o Afrosamba, os cara, não rola, tipo não rola, ta muito ruim, bota”, assim, ele não queria acabar e, tipo, jogar a gente, tipo assim, sair do AfroReggae, não, ele falou: “Vai uns pra trupe de teatro, bota outros no Afrolata, bota outros não sei aonde, entendeu, e vai permanecer no AfroReggae”. Só que aí veio o Écio Salles, que foi o nosso ex-coordenador, ele falou: “Não, cara, eu vou assumir isso aí”, assumiu e aí ele falou: “Ó, vamos mudar tudo” e aí foi o dia que eles fizeram, eu lembro que eles fizeram uma fila, uma fila pra gente, pra poder tipo quem cantava bem, quem cantava era a Raquel e o falecido Picucha na época, então, assim, velho, cantava nada e aí foi fazendo teste, um de cada vez, eles deram a música: “Vamos ensaiar essa música aqui” e a música, eu lembro até hoje que foi Vapor da Paraíba, do Jango da Serrinha e aí cantando a música: “Só você”, acabava a música: “Só você”, aí: “Você é da percussão, vai fazer aula lá com o outro lá” e foi definindo assim, tipo, cara, mudaram tudo, a Raquel, que era a vocalista, começou a tocar percussão, eu, que era da percussão, comecei a cantar: “Lecão, tu que vai cantar a partir de hoje, você vai tocar isso, você vai tocar aquilo”, os caras transformaram a parada toda. Só que eles colocaram, cara, samba de raiz e na época a gente assim: “Samba de raiz, música de velho”, na época a gente não cantava: “Ó, insensato destino pra quê”, se cantasse isso: “Pô, música de velho, isso não rola” e a gente tudo menor, a gente queria música nova, a gente queria ouvir Pique Novo, a gente queria ouvir Os Travessos, essas coisas: “Ih, música velha, Zeca Pagodinho que nada”, mas os caras falaram: “Velho, a gente vai fazer essas músicas, vocês vão ver” e aí começamos a ensaiar, o Écio falou assim: “Ó, vocês têm um mês, não, vocês têm dois meses – uma parada assim – dois meses pra tirar essas dez músicas” e era tudo samba de raiz, tipo Cartola, Nelson Sargento, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, só essas músicas assim, aí: “Vocês têm dois meses pra tirar essas dez músicas e se vocês tirarem eu vou fazer um show, vou alugar um ônibus, vou fazer um churrasco lá em casa, churrascada mesmo, pra vocês chamar amigo, família, todo mundo”, aí nós: “Caraca, mano, e aí, mano, vamos fazer”, fizemos, cara, menos de um mês, velho, sério, fizemos as paradas todas e deixamos de pensar naquela coisa de samba de velho, fizemos, depois dali daquele churrasco ali que a gente fez na casa dele, que ali já foi outra formação do Afrosamba, depois daquele churrasco ali a gente: “Velho, é isso aí mesmo”, o bagulho foi maneiro, ele levou, conseguiu levar o Nelson Sargento pra lá também, que é um cara forte no samba e aí dali começou, cara, mais shows, mais shows, mais shows, antes disso a gente se apresentava muito em escola, em teatro, a gente sempre foi de fazer show assim pra patrocínio, entendeu, no AfroReggae.
P/1 – Deixa eu te perguntar uma coisa, quando você passa do repique pra fazer a parte toda vocal, como é que você fez essa passagem, o que você sentiu, como é que você, você já tinha a noção de ter uma voz boa pra cantar?
R – Então, na verdade eu sempre gostei de cantar, mas eu nunca, tipo, me considerava como vocalista, sempre tive, sempre gostei de cantar, mas também nunca tive oportunidade de, tipo, cantar em outro lugar, tipo: “vem cá, você vai cantar”, sempre gostei de cantar, cantar e antigamente eu imitava muito o vocalista da banda AfroReggae, que é o LG, até hoje eu falo, teve uma época que eu tava imitando tanto ele que eu queria, ele é meio gordinho, tem um dente separado, cara, eu pegava uma parada pra separar o dente, sério, sério, separar dente pra poder ficar, eu: “Pô, vou comer hambúrguer, fala que hambúrguer engorda” e tipo, eu imitava mesmo, tanto que quando eu comecei a cantar eu cantava igual ele, que ele não canta samba, a parada dele é mais é pop, é o reggae, é outra parada, outra levada, então quando eu fui cantar samba eu cantava cantando igual ele, não tinha aquela voz de samba, dava pra cantar, dava, mas eu fazia umas firula igualzinho ele, os cara falava: “Cara, aqui você é o Lecão, você não é o LG, vamos fazer dessa forma”, eu: “Cara, mas eu to acostumado, não sei o que”, então a gente, os cara tiveram muita paciência com a gente porque a gente, a gente tentava tipo: “Não, cara, vamos fazer assim”, depois eles viram, começaram a deixar a gente mais à vontade. Mas, então, voltando lá, eu não senti um baque não, tipo: “Caraca, mano, eu tocava isso aqui, agora eu to cantando”, não, assim, pra mim acho que foi super natural, talvez pras outras pessoas, talvez foram um baque: “Caraca, eu tocava isso, fazia isso, agora eu to”, que eu sempre gostei de cantar, então tava esperando uma oportunidade e essa oportunidade chegou, entendeu, não que eu queria tomar o lugar dos meus amigos, mas a oportunidade chegou, eu falei: “Vou fazer”, me colocaram pra fazer aula de canto, não sei o que, foram trabalhando: “É assim desse jeito, pesquisa mais disso aqui”, entendeu?
P/1 – Você foi achando o seu caminho?
R – Eu fui achando o meu caminho, hoje eu posso dizer que eu sou o Lecão, hoje eu tenho minha personalidade, entendeu, mas antes eu imitava muito o Luisinho, mas até hoje algumas músicas, um exemplo, se eu for cantar a música, uma música da banda AfroReggae, não é que eu vou imitar a ele, mas vai ser um pouco parecido, mas da pra definir, não, esse aqui é o Lecão, esse aqui é o Luisinho, mas ainda é um pouco meio parecido, entendeu, e todo mundo fala: “Cara, tu canta um pouco igual o Luisinho”, que depende da música, um samba eu já não canto igual a ele, mas se eu for cantar fica um pouco parecido porque às vezes não tem como mudar, entendeu?
P/1 – E o teatro, você chegou a fazer algum curso, como é que foi essa relação?
R – Então, eu na verdade teatro, curso mesmo de teatro eu nunca fiz, eu, lá no AfroReggae tem teatro, mas eu trabalhei com a trupe de teatro como músico e lá, assim, eu como músico, mas ao mesmo tempo eu era meio que ator, tinha que fazer parte das cenas, se eu to tocando uma guitarra aqui e a cena ta, é lance de guerra, eles tão fazendo ação de guerra, eu tenho que ta aqui com a cara de guerra, assim, se é guitarra faz a guitarra como se fosse arma, então, entendeu, eu também to ali atuando, mas não fiz um curso, mas eu fiz uma oficina pro Cidade de Deus, o filme Cidade de Deus na época, só que eu não fiz o filme, mas eu fiz a oficina, tava ali, tal, esse meu amigo do cavaco, o falecido Picucho, ele fez o filme, a gente sempre ia junto, a gente sempre andava junto também e só isso e o que eu fiz, eu fiz esse lance do Cidade de Deus.
P/1 – Você gostou da oficina?
R – Gostei, eu gostei, ali eu aprendi muita coisa, o lance de, pô, pegava a pistola assim, tinha que improvisar: “Agora o cara vai sair da padaria, você vai ter que enquadrar o cara, vai ter que falar isso e isso pra ele”, na época era, tava o Guti Fraga, o Luciano Vidigal, eu lembro até hoje, tinha uma galera que eu conheço até hoje, tava lá também: “Ó, vou fazer isso, isso e isso”, “Ta bom”, aí dava a pistola assim na nossa mão e aí, velho, eu não conseguia, nessa época eu não conseguia, eu tinha que: “Meu irmão, deita no chão, não sei o que, passa, passa” e aí eu não conseguia, eu começava a rir, eu ria, ria, ria, assim, totalmente despreparado. Isso aí antes de eu fazer o trabalho com a trupe de teatro, eu era novo, então comecei a fazer as minhas coisas assim, muito novo, entrar nesse ritmo todo e aí eu ria muito e tal, mas assim, mas fui aprendendo, cara, o lance de teatro é o seguinte: não pode rir, o lance de filmagem não é pra rir, é assim, desse jeito e aí fui aprendendo algumas coisinhas, entendeu, e isso me ajudou pra caramba, até no palco, na verdade o teatro, a música, dança eu acho que, sei lá, se transforma em um só, um ajudo o outro, se eu entrar pro teatro vai me ajudar no palco, se eu entrar pra dança vai me ajudar no teatro e me ajuda também no palco, então, assim, é uma, aquela sincronia toda, mas curso mesmo eu nunca fiz, assim, entendeu?
P/1 – E a trupe de teatro que você falou, o que era isso?
R – A trupe de teatro é um grupo do AfroReggae, eles fazem vários temas de lance de teatro, então eles fazem uma temporada, tipo, de dengue, falar sobre a dengue, aí vai lá, bota o figurino da dengue, faz a coisa toda, faz nas escolas do Rio, nas escolas municipais do Rio de Janeiro, fazendo em várias escolas, esse eu não participei, era mais percussão, mas eu fiz o lance de sexualidade, que era nas escolas também, falar, falar o lance de sexo, como é que se bota camisinha, que não sei o que, tem que ser assim, desse jeito, que hoje em dia não é igual antigamente, hoje em dia as pessoas começam a namorar e vai logo transar e antigamente não era assim, então vai explicando as coisas todas e eu era músico, entendeu, e eu, lá no AfroReggae eu sou muito, na verdade é um multiplicador e lá na trupe eu era meio que o curinga, tipo assim: “Caraca, faltou o batera”, eu não fazia, eu não era, tipo assim, fixo na trupe, eu era como se fosse meio que contratado, fazia parte do AfroReggae, mas meio que contratado, tipo: “Caraca, faltou o baixista, vamos fazer, mané, a visita ta vindo aí, apresentação”, eu ia lá, fazia o baixo: “E, mané, pô, o batera não deu pra vir, Lecão”, vai Lecão lá fazer batera: “Pô, faltou o guitarra”, então, assim, e nisso eu fui aprendendo um pouquinho de cada coisa, tipo, sei lá, eu sei tocar umas três músicas no piano, por exemplo, guitarra eu toco algumas musiquinhas, mais, umas músicas mais fáceis e tal. Então nesse lance que eu comecei a trabalhar com a trupe, comecei a lidar mais com a trupe, fazer mais aula com o Jô Rayner, que é um cara também excelente que trabalha lá e hoje ele é coordenador do Centro Cultural Wally Salomão, que é de Vigário e ele é diretor artístico geral e aí eu aprendi muito com ele também, esse lance da trupe, de fazer aula, que é muito ensaio velho, então às vezes ensaiava de dez às sete, oito da noite, então não tem como não aprender pelo menos alguma coisinha, entendeu, você ta ali assistindo, você é músico, mas você ta ali assistindo ele falando com os atores, então você ta ali já prestando atenção: “Eu quero assim, rola no chão, vai, que não sei o que”, então ta ali já, caraca, mano, aprendendo e é o que eu to passando hoje um pouquinho aqui nesse lance dessa minissérie, entendeu?
P/1 – Como é que você foi chamado pra participar?
R – Da minissérie?
P/1 – É.
R – Então, na verdade quando tem algo assim que eles se interessam por alguém de comunidade ou de ONGs como o AfroReggae, CUFA, Nós do Morro, então eles foram lá, não sei quem foi, mas o pessoal do AfroReggae me comunicou e falou: “Ó, tal dia vai ter um teste aí e o Jô Rayner queria que você fizesse, eu não sei o teste pra que, não sei se é filme, se é novela, eu não sei o que que é, mas o Jô Rayner queria que você fizesse”, aí eu fui e nesse dia eu tava atravessando a ponte, tava vindo o Nelsinho e o Carnevalli atrás, mas eu não sabia que era eles, vim, tal e aí cheguei lá, fiz o teste e, assim, esqueci, tipo, fiz, mas: “Vou fazer, já to aqui mesmo também, vou fazer”, eu fiz, perguntou minha idade, minha altura, não sei o que, aquela coisa toda e esqueci dessa parada. Depois eles me ligaram, pô, cara, mandaram eu ir pro AfroReggae: “Ó, tu passou no teste lá, vai fazer outro teste lá no Projac”, eu falei: “Caraca, é mesmo, mané? Porra, maneiro”, fiquei feliz, mas, assim, tinha outro teste, então eu não podia ficar feliz cem por cento, mas eu, já bateu aquela felicidade, já orei, agradeci a Deus, entendeu, e aí depois fui pro Projac, fiz esse teste, foi eu, o Lulu, foi eu, o Dudu que é o personagem, foi mais dois parceiros nosso, fizemos o teste lá junto, eu falei: “Cara, algum de nós vai ter que passar, velho”, que eu penso muito assim é um ajudando o outro, tipo, eu penso um dia, se Deus quiser, tipo, a minha carreira pode ser, sei lá, como ator ou como cantor, o que seja, se eu tiver lá em cima a minha ideia, eu quero, tipo assim, eu não quero subir pra ser, caraca, o Lecão famosão, não, eu quero ter essa coisa de conhecimento pra poder puxar aqueles que ficaram, entendeu, esse é o meu pensamento, de puxar, entendeu, e aí por mais que não dê pra eles trabalharem comigo, mas eu vou ter um bocado de contatos, entendeu: “Pô, cara, bota meu amigo aí nessa parada, bota aqui, não sei o que”, então eu penso muito nisso, eu falei com os moleque: “Ó, algum de nós vai ter que passar, velho, e aí conforme for o lance de contato vai puxando o outro, um ajudando o outro, vamos nessa”. Aí passou e tal, não sei o que, aí depois eles ligaram, o Neli foi e me falou: “Velho”, que é o Neli, me ligou: “Velho, não fala pra ninguém, velho, pra ninguém, pelo amor de Deus não fala pra ninguém”, eu falei: “Fala, cara”, nisso eu tava tocando pagode, falei: “Fala, cara”, “Velho, não fala, eu recebi um email, velho, nós passamos no teste”, eu falei: “Ah, para de graça, cara, uma hora dessas, to aqui tocando, trabalhando, tu ta de”, “É sério, velho, mas não liga pra ninguém, deixa que a produção te liga, não sei o que, pá pá pá”, eu falei: “Tá bom”, só que eu não levei muita fé, aí depois o irmão dele me ligou, que também fez o teste, mas não passou: “Pô, velho, ta ligado, vocês passaram no teste, aí, cara, parabéns, mano, não sei o que”, eu falei: “Ah, para de graça”, aí só acreditei quando eu fui no AfroReggae no outro dia, aí eles falaram: “Não, o email ta aqui, teu nome ta aqui”, eu falei: “Caraca, mano”, fui pra casa, mas também, assim, não falei pra ninguém em casa, tipo, esperei, eu não tava, não tinha caído a ficha e aí eu fui deixando rolar, deixando rolar, fui deixando rolar, começando a resolver as coisas e tal: “Ó, tem que vir aqui tal dia pra se conhecer” e aí que eu fui ver que a parada era aquela mesmo. Quando eu comecei a ensaiar que eu fui falar pra minha mãe, quando eu comecei, quando começou os ensaios, aí teve o primeiro encontro, depois começou os ensaios, eu falei pra minha mãe: “Vai pra onde?”, “Vou lá na cidade resolver um negócio lá”, eu gosto de falar quando ta tudo certo, aí depois falei pra minha mãe, ela: “Ta indo pra onde?”, “Eu to indo ensaiar”, “Ensaiar aonde?”, “Pô, eu to indo lá em Jacarepaguá ensaiar lá, eu passei no teste aí”, “Teste de quê? Tu não me fala nada, não sei o que, be be be”, “Passei no teste aí, vou fazer uma minissérie aí, uma participação, tal, não sei o que”, ela: “Isso mesmo?”, o olho já começou, aí o olho dela já começou a encher d’água, não sei o que, minha mãe é muito, começou a encher d’água: “Isso aí, meu filho, segue o seu caminho, não sei o que, be be be, que Deus te ajude”, aí já dá vontade de chorar também, mas eu sou muito, às vezes eu sou muito durão, eu fico controlando ali, eu gosto de chorar tipo sozinho, entendeu, tipo, sei lá, ir pro quarto, botar uma música e chorar sozinho, lembrar das coisas, coisas boas, coisas ruins e eu gosto de chorar sozinho, mas tem uma hora que não dá tipo cai.
P/1 – Você chorou?
R – Cara, eu chorei mais porque, assim, não foi de emoção, assim, de eu ter passado, fiquei muito feliz, mas eu chorei mais pela felicidade da minha mãe, assim, parecia que ela tava muito mais do que eu, assim, tal, aí eu fiquei na minha, depois fui pro quarto e comecei a chorar também, aí de felicidade, eu fui lá, comprei uma cervejinha e bebi sozinho dentro do quarto, é sério, comprei uma cervejinha, fiquei lá dentro do quarto, assim, sozinho. É, fiquei assim: “Caraca, mano, passei, não to nem acreditando”, sozinho.
P/1 – O que passou na sua cabeça nesse momento?
R – Como assim?
P/1 – O que você pensou?
R – Cara, passei a aí seria...
P/1 – O que você imaginou?
R – Assim, mais uma porta se abrindo, tipo, abriu essa da Suburbia, porque na verdade antes disso eu fiz uma participação do filme Cinco Vezes Favela, eu participei do episódio Deixa Voar e antes do Cinco Vezes Favela o Afrosamba foi na Portelinha, na novela Duas Caras, fazer uma participação na novela Duas Caras, passou uma porrada de tempo, aí eu vim, fiz essa participação no Cinco Vezes Favela e agora Suburbia, então, tipo assim, as coisas, eu penso: “Cara, as coisas tão andando”, entendeu, eu pensei: “Caraca, mano, daí vai se abrindo várias portas e tal” e aí depois comecei a comentar com todo mundo, todo mundo gostando e tal, até postei depois no Facebook, mas no Facebook eu comecei a postar agora que esperei começar a gravar primeiro, postei, todo mundo feliz, amarradaço. E eu pensei, cara, eu penso só nisso, nesse lance que eu tinha falado de poder ta ajudando, meu negócio é mais ajudar, chegar e ajudar, um dos meus sonhos é, assim, não é ser rico, não é ter dinheiro pra caramba, ter um carrão pra tirar onda e um apartamento não sei aonde, um casarão, uma mansão em outro lugar, não, meu pensamento não é esse, claro, claro que eu gostaria de ter, mas esse não é o foco, eu queria, sei lá, cara, ajudar as pessoas, tipo: “Pô, ta precisando de que, cara?”, “Pô, to precisando de, sei lá, trabalhar não sei aonde”, “Pô, vamos aqui, vai, vai lá trabalhar”, tipo, sei lá, tirar minha família da comunidade, entendeu, eu gosto de comunidade, eu gosto pra caramba, eu sempre falei: “Eu nunca vou sair da favela”, só que eu aprendi uma coisa lá no AfroReggae que eles falavam, que na época a banda AfroReggae gravou um disco, um CD, Nova Cara, o primeiro disco deles e antes eles falavam assim: “Eu nunca vou sair da favela”, entendeu, e depois que eles gravaram esse primeiro disco deles, então começou a aparecer uma granazinha, show aqui, show ali, muita viagem e aí a maioria não mora mais na favela, entendeu, saíram, outros teve carro, não sei o que. Então aí eu fui aprendendo essa coisa, cara, tu nunca fala que nunca vai sair da favela, quer dizer, nunca fala que nunca vai sair da favela porque quando começar a pintar um dinheiro você vai querer comprar casa fora, só que eu penso, cara, eu tenho vontade de ter casa fora, mas sei lá, eu não queria sair, eu gosto de ficar no meio do povo, entendeu, no meio do calor ali, eu gosto de favela, tipo, ficar no meio do pessoal, chegar, falar com todo mundo: “E aí, e aí, traz o cavaco, vamos fazer um pagode aqui agora” e tal, daqui a pouco vai chegando gente, daqui a pouco o negócio ta lotado, gosto, eu sou muito assim, muito povão, eu sou mais, eu sou muito na minha, passo, cumprimento todo mundo, mas eu sou povão, entendeu e sei lá, porque na favela, eu penso assim, se eu for morar fora, a gente mora fora, num apartamento, não sei o que, um prédio e aí você entra no elevador, às vezes entra a pessoa, não te dá nem um bom dia, nem um boa tarde, você não sabe nem quem é, entendeu, chega, só isso aqui, acabou e na favela não, você praticamente sabe o nome de todo mundo, sabe onde mora, esse aqui mora lá naquela rua lá: “Pô, tu conhece fulano?”, “Conheço, vira aqui, tu vai sair lá”, chama o vizinho: “Pô, não tem um pouquinho de açúcar não, quando eu comprar, bota num copo aí, quando eu comprar”, “Pô, já é”, que é muito assim, mano, ta precisando: “Pô, mano, fortalece aí, mano, um arroz aí, um feijão, quando eu receber”, então tem muito essa coisa de ta ali, de emprestando, às vezes: “Não, não precisa me dá não, irmão, ta tranquilo”, entendeu, tem muito essa coisa. Então no asfalto jamais, é diferente, tipo cada um no seu quadrado, irmão, entendeu, nunca morei no asfalto, mas, assim, o que as pessoas muito dizem que moram no asfalto, até as pessoas que moram mesmo falam isso: “Pô, cara, eu moro num prédio, mas não conheço ninguém, não sei se o cara é polícia, não sei se o cara é matador, não sei, não sei de nada, eu só entro, só balanço a cabeça, acabou”, agora, na favela não, por isso que muita gente que mora fora gosta de ficar lá na favela, um exemplo, lá no AfroReggae, um exemplo, Jô Rayner, ele, pô, cara, ele mora em asfalto, mas ele adora: “Cara, se eu pudesse eu morava aqui, bicho”, eu falei: “É, por que tu não mora?”, ele: “Não sei, cara, eu quero comprar uma casa aqui, cara”, então o pessoal, eles ficam mais ali, às vezes não tem nada pra eles fazerem ali, eles vão pra Vigário, ficar ali em Vigário, tipo, caraca, cara, só as crianças brincando, tipo, o pessoal tipo viaja com as crianças, não sei o que, entendeu, mas que tem essa coisa de tráfico e tal, mas isso é ruim, esse lance de tráfico e tal, mas, cara, eu gosto muito de favela, entendeu?
P/1 – E no Suburbia, o seu personagem tem alguma relação com esse local, a favela onde você foi criado?
R – Então, o meu personagem, o personagem acho que eu sou o Lulu, cantor de funk e dança também junto com a Jéssica e o Dudu e acho que tem a ver sim, cara, porque é o lance do funk cara, e na favela nossa é pagodão mesmo rolando e é o funk, Rio de Janeiro é funk, então eu acho que tem a ver sim o personagem que eu to com esse lance de favela, um exemplo, eu moro aqui, o baile é tipo no final daquele muro, entendeu, então já convivi com esse lance de baile, meus irmãos sempre foram pra baile funk, entendeu, sempre foram pra baile funk, sempre frequentaram baile funk, eles só pararam um pouco de ir depois que aconteceu esse lance aí da chacina em 93, então eles ficaram meio devagar, que nesse lance, assim que eles chegaram em casa, minha mãe tinha falado pra eles não ir e eles foram assim mesmo, teimaram, foram, assim que eles botaram o pé em casa começou o tiroteio, então eles deram uma acalmada, mas sempre curtiram funk e sempre ouviram funk, então tem a ver sim, cara.
P/1 – Vocês fizeram uma atividade de desenhar o personagem de vocês e o que você achou dessa atividade?
R – Cara, tem aí pra lembrar? Então, na verdade.
P/1 – Mostra pra gente o desenho.
R – Opa, esse aqui é o Lulu no palco, assim, quando eles falaram pra desenhar: “Desenha o seu personagem, desenha você, mas no personagem aqui”, então eu desenhei, tipo assim, eu cantando, eu não pensei em nada, assim, eu desenhei, só desenhei o palco, luz, o caramba, a caixinha de retorno aqui e eu cantando, fazendo aqui show, eu não pensei nem em eu gravando e aqui é o pessoal dançando, tipo, a Maria Rosa, a Amelinha, todo mundo aqui que, todo mundo dançando e, assim, desenhei, não pensei em nada, só desenhei o personagem, que na verdade é isso, é palco, é luz, é som.
P/1 – Isso foi feito no início?
R – Isso foi feito no início.
P/1 – Se você tivesse que desenhar hoje de novo o mesmo personagem você mudaria alguma coisa?
R – Acho que eu mudaria, eu ia incluir o Costa, eu ia incluir o Costa, o Costa no palco, a Jéssica, porque na verdade a gente ta sempre junto, o Lulu, o Dudu e o Costa, ta muito junto e a Jéssica porque ela é a dançarina, entendeu, e aí eu incluiria eles, mais o Costa porque ta mais junto com o Lulu e Dudu, entendeu, e aí, vocês têm os dois porá explicar, o desenho dois?
P/1 – Não, a gente só achou esse mesmo.
R – Ah, só esse?
P/1 – Você fez dois?
R – Então, vou falar do dois, não ta aqui, mas vou falar do dois.
P/1 – Depois a gente acha pra filmar.
R – Eles falaram assim: “Desenha o seu personagem número dois”, aí eu desenhei o dois, depois que eu desenhei, porque quando, porque eles falaram: “Olhe primeiro o que vocês desenharam, depois entregam a folha e faz o dois” e aí eu fiz o dois, quando eu fiz o dois eu vi que nesse aqui eu fui meio egoísta, tipo assim, caraca, claro, é o meu personagem, mas eu acharia que já tinha que colocar a galera aqui, tipo o Dudu, o Costa e tal, eu falei: “Caraca, velho”, aí eu explique, que ela perguntou: “O que que você achou, qual a diferença?”, eu falei: “Não, a diferença que esse aqui eu me senti meio egoísta agora, porque eu desenhei só eu, pensei só em mim aqui nesse momento”, aí depois eu desenhei o dois e eu botei o Lulu porque eu tinha esquecido do Costa, porque o Costa tava viajando muito, ele quase não ia nos primeiros ensaios, mas eu botei o Dudu e tal, foi isso.
P/1 – Bom, pra gente começar a fechar, olhando pra trás, fazendo uma leitura da sua vida, da sua história, da história da sua vida, você mudaria alguma coisa, você faria alguma coisa diferente?
R – Cara, se eu pudesse voltar atrás eu acho que eu ia, sei lá, me dedicar mais em outras coisas sem ser, tipo, sem ser, tipo assim, música, entendeu, que na verdade é o meu trabalho, a música, esse lance de música, eu acho que eu ia me dedicar mais em outras coisas, fazer mais curso de outras coisas, sei lá, de informática, curso de não sei o que, porque eu fiquei naquele, tanto assim, eu comecei muito novo na música, então eu fiquei ali, música, música, música, música, não queria saber de nada e era só música, então às vezes eu penso: “Caraca, velho, se um dia eu sair da música”, assim, claro, é difícil porque a música já ta já, é a minha profissão, mas, sei lá, não poder mais cantar, nãopoder mais tocar, tipo, caraca, se eu não poder fazer mais isso o que eu vou fazer da minha vida sem ser isso, tipo, vou trabalhar de quê? Entendeu, então eu acho que eu queria fazer mais curso, pensar em trabalhar em outras coisas, entendeu, e cara, tem muita coisa, se eu pudesse voltar atrás eu aconselhava mais os meus amigos que na verdade não estão mais aqui, não faz mais parte da terra, que na verdade foi o falecido Picucho, o Maurício e o Felipe, na verdade o Picucho, aí ele foi dos fundador do Afrosamba, que hoje eu canto e tal, ele que me chamou pra tocar no Afrosamba e aí ele, enfim, a gente tava num baile funk num domingo e ele tava saindo com uma menina, saindo, dando um beijinho, não sei o que e tava indo pra casa dela e aí minha mãe, todo mundo sempre: “Picucho, para com isso, deixa essa garota pra lá, não sei o que, be be be, ela é casada”, só que essa menina acho que tinha separado, uma coisa assim, separado uma semana, não sei. E a gente tava no baile e tal, curtindo, porque ele sempre ajudava o DJ lá, ficava lá ajudando o DJ, mexendo nas parada, ele era muito, pô, um moleque muito responsa, todo mundo gostava dele, ele era chato, ele gostava de irritar os outros, ele ficava gritando, mas, assim, mas ele era responsa, ele era o cavaquinista do Afrosamba e nesse dia, nesse domingo, a gente lá curtindo, eu falei: “Copicus, vou embora”, só que antes disso ele falou: “Aê, veado”, ele me chamava dessa maneira: “Aê, veado, chega aí”, eu falei: “Qual foi, cara”, ele: “Vou dormir lá na Carla hoje, mano”, eu falei: “Qual é, cara, ta maluco, vai pra casa”, mas nem sabia também que ela tinha separado, eu falei: “Cara, vai pra casa dormir, cara, já é tardão já, mano, já é de madrugada”, ele: “Não, velho, tranquilo, vou marcar mais um dez aqui, depois vou partir pra lá, mano, vou ficar lá, vou dormir lá na casa dela lá”, eu falei: “Já é, tranquilo”, beleza. Aí quando foi na segunda, na verdade de manhã, eu tava dormindo, eu escutei uma choradeira, uma choradeira, choradeira, choradeira, eu falei: “Caraca”, eu acordei, cara, minha mãe chorando e o pessoal assim no quintal já de manhã, eu falei: “O que que houve?”, a minha mãe já chorando, falando: “O Picucho morreu, o Picucho morreu, o Picucho morreu” e aí eu não acreditei, eu pensei que era mentira (choro) e aí a ficha não tinha caído ainda (choro), aí depois foi chegando a Raquel, que era do grupo, o Jonathan, (choro) e a gente não tava acreditando ainda e aí a gente tava ali na esquina pensando: “Caraca, mano, essa hora era pra ele ta com a gente” e aí eu consegui falar, eu não chorei na hora, eu fiquei assim normal, normal, não passava nada, assim, todo mundo chorando, mas eu ficava normal, como se nada tivesse acontecido, eu falei: “Caraca, não to acreditando ainda”, passou a tia dele, eu falei, isso ai não, fiquei lá na esquina pensando, fiquei pensando um bocado de coisa: “Por que eu não chamei ele pra dormir lá em casa?” (choro). Ele era novo, cara, tinha 19 anos, assim, da minha idade mais ou menos, eu fiquei pensando um bocado de coisa, tal, não consegui chorar, não fiz nada, aí à noite já foi o velório, o velório, velaram lá no campo o corpo, aí o corpo chegou, fizeram tipo um lance de percussão com o carro da funerária andando e um bocado de gente filmando e tal, foto, jornais, tudo lá, ele era um moleque muito querido por todo mundo e aí eu ainda tava ali indo, mas, assim, eu to vendo o caixão, mas não to acreditando ainda, não chorei, não caiu uma gota, um pingo de lágrima ali ainda, me colocaram no campo, o campo tava cheio, era um moleque muito querido, todo mundo conhecia ele, de todos os lugares, o campo cheio e aí, cara, depois todo mundo foi lá, todo mundo vendo e tal, não tinha entrado ainda, eu fiquei muito tempo lá fora, nenhum de nós entramos, aí depois pedi pra todo mundo se retirar, que era pequeno, assim, o lugar ali, pra se retirar e deixar só a gente do Afrosamba entrar, abriram um corredor, a gente entrou, só olhei, depois começamos a cantar uma música e aí não consegui também mais cantar e a lágrima começou a cair, caiu, caiu, não conseguia mais cantar e todo mundo cantando junto nossa música, foi triste, então se eu pudesse voltar atrás eu chamaria ele pra dormir lá em casa, fazer uma força, falava: “Velho, tu não vai não, tu vai ficar comigo, vamos dormir lá em casa” e é isso aí.
P/1 – Como é que ele morreu?
R – E aí então ele dormiu na casa dessa menina e o marido dela não sei se tinha chave ou ele pulou alguma coisa, o portão, não sei, ele entrou e viu ele lá dormindo, então ele pegou duas facas e, assim, ele não teve reação, entendeu, o cara virou, sentou em cima dele e esfaqueou, não sei se foi 19 facadas, esfaqueou, o moleque era novo, cara, entendeu, e tenho, aí logo, ele morreu, veio outro cavaquinista pro grupo, que foi o Maurício, depois de dois anos, o Maurício ficou dois anos, quando o Picucho era vivo o Maurício já tava já meio que entrando, só que o Maurício, ele, acho que ele tinha um problema, o lance de sopro no coração, cara, eu acho, alguma coisa assim de coração e aí ficou dois anos, um bocado de show com a gente também e aí a gente tava ensaiando, cara, no estúdio, do nada a corda do cavaquinho dele arrebentou e ele ta assim num banco colocando a corda, do nada ele caiu pro lado, ele caiu, começou a se bater, se bater, se bater, se bater assim no meio do ensaio, a gente sem saber o que fazer, que a gente tava meio que sozinho, o coordenador não tava lá, a gente sem saber o que fazer: “Caraca, mané”, só tinha um holding lá, que era um cara mais velho, que era o Carlão, eu falei: “Caraca, joga água”, “Não, não, não joga água não, não pode jogar água assim não, cara”, pegamos ele, jogamos, botamos ele lá fora pra poder tomar um ar e tal e a gente chamando: “Maurício, Maurício, acorda, acorda”, ele já tava já mole, aquela, uma respiração tipo bem lá no fundo e tal, mas pra mim, assim, sei lá, ele desmaiou, tonteira, alguma coisa, a gente não sabia de nada, que ele tinha algum problema e aí levaram, o coordenador do AfroReggae veio, levou ele, nesse dia a Globo tava até lá fazendo alguma coisa, não sei se era pra Xuxa, alguma coisa, tava lá, esse coordenador pegou esse carro que era até da, pegou esse carro e foi, levou pro hospital, tal, eu falei: “Caraca, mano”, e ele, assim, se mijou, assim, se batendo, depois tava todo mole já e, assim, foi uma coisa rápida, aqui, daqui a pouco do nada já ligamos, o carro chegou, levou, depois nós ficamos sabendo que ele faleceu. Então outro cavaquinista do grupo e aí depois disso a gente queria acabar com o grupo, acabar com o Afrosamba: “Pô, vamos acabar, vamos acabar que não dá, a gente já passou por muita coisa, a parada não, a gente faz show bom, daqui a pouco o negócio ta ruim e ta morrendo gente, então vamos acabar com o grupo” e aí o pessoal, todo mundo: “Não, gente, não pode acabar assim, não pode acabar assim, vocês são bons, você melhoraram pra caramba, agora as coisas tão andando” e aí a gente continuou fazendo e tal e depois a mãe dele contou pra gente que nesse mesmo horário, ele tinha também um cavaquinho em casa, nesse mesmo horário que a corda dele arrebentou no estúdio arrebentou uma corda na casa da mãe dele, ela falou que tava em casa e do nada a corda do cavaquinho, assim, arrebentou sozinha, tim, arrebentou e foi a mesma corda que arrebentou quando ele tava colocando lá, arrebentou, pum, arrebentou a corda, ela contando pra gente depois, arrebentou a corda, ela falou que só, assim, sentiu, tipo assim: “Meu filho, aconteceu alguma coisa com o meu filho”, ela falou que só sentiu isso, ela falou que: “Meu filho já, entendeu, já era”, aí ficou assim e tal, depois já ligaram pra casa dela, aí é aquilo. E teve esse outro amigo, que era o Felipe, ele não fez parte do grupo, mas ele era mais zoeira, mais zoeira, botamos ele lá só pra ele não ficar sem fazer nada, mas é um moleque também que era o meu fechamento, lance de segredo, era ele, fechamento, e aí ele morreu agora há pouco tempo, eu acho que já tem dois anos e, cara, esse aí foi o que tocou pra caramba, até hoje eu lembro dele, sonho com ele pra caramba e, assim, ele trabalhava no McDonald’s, trabalhava no cheddar, então no cheddar, ele trabalhava no McDonald’s, chegava no cheddar, ele trabalhava entregando hambúrguer de moto e tal e ele tava sufocando uma semana: “O meu aniversário ta chegando, meu aniversário ta chegando, mano, vamos pra Via Show”, Via Show é uma casa de show que tem lá perto: “Vamos pra Via Show, mano, a gente vai beber, a gente vai zoar pra caramba, então, ó, não vai tocar nesse dia não, não sei o que”. Então a gente era muito, muito amigo, muito amigo mesmo, muito amigo e aí nesse dia do aniversário dele a gente na verdade, nesse dia do aniversário dele, ele faz junto com a minha irmã e eu fui comemorar o aniversário da minha irmã lá fora, só que antes, quando deu meia-noite, que a gente começou a cantar parabéns, tipo, pô, meia-noite, caraca, deu dia 15 de agosto, que é aniversário da minha irmã, entendeu, e era aniversário dele: “Caraca, meia-noite, já, pô, aniversário”, começamos a tocar pagode, parabéns, todo mundo cantando parabéns e eu, tipo assim, cantando parabéns, mas emocionado, tipo com vontade de chorar, mas não sabia o que era, vontade de chorar, vontade de chorar, vontade de chorar e tocando aqui, todo mundo cantando, eu to tocando, vontade de chorar. Aí depois que acabou o parabéns, aí veio uma colega da minha irmã, falou: “Lecão, tu ta estranho, eu vi que tu ta tocando parabéns assim com emoção, entendeu, eu tava tocando ali com emoção, de olho fechado, vi tua vista enchendo d’água”, “É assim mesmo, não sei o que, be be be”, mas eu não sabia o porquê, falei: “Ah, normal”, daqui uns minuto aí ligaram: “Pô, mano, ó, o Felipe foi baleado, mano, aqui na favela ta saindo tiro, o Felipe foi baleado”, eu falei: “Caraca”, eu falei: “Não, vou lá dentro, vou entrar”, todo mundo: “Não, não, não entra não, que tem caveirão lá dentro, ta saindo tiro”, eu falei: “Não, vou entrar, pô, vou entrar, vou entrar, vou entrar”, peguei a van, entrei, fui lá na casa da mãe dele, tinha um padrasto dele, o padrasto dele: “Pô, cara, o Felipe foi baleado, cara, foi baleado, não sei o que, minha mulher ta lá”, beleza, falei: “Pô, vou lá”, fui em casa, botei uma roupa, peguei o dinheiro, documento, foi o Jonathan lá e aí depois logo atrás da gente veio o padrasto dele mais nervoso, porque quando ele falou com a gente ele tava mais tranquilo, mais nervoso: “Cara, meu filho ta mal, meu filho ta mal, meu filho ta mal”, fomos no hospital, chegamos lá a mãe dele já tava chorando já, todo mundo chorando, eu falei: “Que isso, cara, mais um, não acredito”, entendeu. Então, assim, os meus melhores amigos se foram (choro) e sempre foi nascido e criado ali comigo (choro), então nesse lance de voltar atrás, que a gente não sabe o que vai acontecer mas se a gente soubesse, era ta sempre ta ali comigo, vamos por aqui, vamos por aqui, então ele passou no caminho errado e na hora errada, até hoje na verdade ninguém sabe o que foi, entendeu, uns falam que ele tava passando de moto, um traficante tomou o tiro e aí o outro falou: “Qual é, mané, me ajuda aqui, pegar o cara aqui, o cara ta baleado aqui em cima” e o policial de lá do outro lado da ponte atirou, ele tomou um tiro só, mas não sei se foi nas costas ou foi aqui, não sei e aí outros já falam outra coisa. Então na verdade sei lá, cara, até hoje tem alguma coisa errada ali, assim, pelo jeito que falaram, isso acho que foi aqui, não sei se varou, se foi pelas costas, quando eu acho que a pessoa toma um tiro nas costas acho que é uma covardia, entendeu, a gente fala que é uma covardia quando se toma tiro nas costas, então, sei lá, pra mim eu não sei o que que foi também, a mãe também não sabe, mas eu tenho uma coisa na minha cabeça que eu não falo pra ninguém, eu tenho uma coisa, tipo assim, sei lá, eu tenho uma coisa tipo ele morreu disso e isso aí é uma coisa que eu não tiro da minha cabeça, mas também não falo pra ninguém, entendeu, mas eu tenho uma coisa na minha cabeça, pô, foi isso que aconteceu e é isso aí mesmo e acabou, entendeu, é isso cara, tem muita coisa se pudesse voltar atrás.
P/1 – E os próximos passos quais são?
R – Agora, nesse momento? Cara, o próximo passo, os próximos passos, é aproveitar esse lance agora da minissérie, que vai ta aparecendo mais vai ta aparecendo mais e, sei lá, acho que eu vou conseguir, não sei, talvez vender mais show do Afrosamba e tal, fazer mais músicas, porque também eu sou compositor, fazer mais músicas e tal e me dedicar mais nas coisas, cara, na música e no teatro também, eu vou começar a me dedicar no teatro, que vira e mexe agora ta chamando e eu tenho certeza que outras portas vão se abrir, entendeu, e muita gente, assim, ta dando ideias, tipo: “Cara, por que você não aproveita esse lance e faz na vida real Lulu e Dudu? Pode dar certo. Cara,por que você não faz desse jeito aqui? Aproveitar que a tua imagem vai ta aparecendo”, então não ficar parado. Então tem um bocado de coisas, então tem gente me chamando pra ficar no grupo tal, gente me chamando pra fazer participação aqui, gente me chamando pra ali, só que, assim, eu não posso, tipo, sair abraçando o mundo, porque também não é assim, não posso também aproveitar totalmente porque eu vou aparecer e ta fazendo um bocado de coisa e eu não vou ter tempo, mas, assim, é isso, é continuar aí no AfroReggae, que eu gosto pra caramba, minha vida foi o AfroReggae, não é que eu nunca vou sair, não sei o dia de amanhã, espero que não, que eu gosto pra caramba, o próximo passo é agora bora pra frente, dedicação, estudar pra caramba e é isso, velho, e esculachar agora nas próximas gravações que é o baile funk e só felicidade.
P/1 – Eu ia te perguntar isso, você compõe também? Há muito tempo ou começou há pouco?
R – Então, eu esqueci até de falar, eu queria até falar, não sei se também dá tempo.
P/1 – Dá.
R – Eu também fazia parte de um grupo de uma banda de reggae, também que é do AfroReggae, a banda se chama Kitoto, Kitoto e eu era vocalista, entendeu, da banda Kitoto, mas primeiro eu era do Afrosamba e depois, pô, cara, me chamaram, o Jairo Cliff, baixista da banda AfroReggae me chamou: “Pô, vamos montar uma banda”, eu falei: “Vamos montar, eu vou fazer o quê?”, “Tu vai cantar” e aí começou a chamar os moleques, assim, da rua, que não toca nada, não faz nada, começou a, assim, guitarra, eles começaram a me ensinar: “É assim, desse jeito”, ele falou: “Vou viajar, quando eu voltar eu quero uma música pronta”, eu falei: “Caraca, mano”, aí daí foi a primeira composição que eu fiz, brega, brega, mas fiz e ele ali, tipo: “Caraca”, amarradão, tipo: “Pô, muito bom” e dali eu comecei a fazer, então na banda Kitoto, tipo, a maioria das músicas eram minhas, entendeu?
P/1 – E você lembra dessa primeira?
R – Pô, lembro.
P/1 – Não quer cantar pra gente, não, um trechinho?
R – Então como a gente falava da banda Kitoto, que é o lance de lá da Tanzânia, tal, o lance de negro e o Jairo, não é preconceito com os brancos, mas o Jairo falava muito: “Cara, vamos fazer uma banda, velho, de negão mesmo, só negão na banda”, eu falei: “Ta”, mas, enfim, fiz a música, fui pensando em casa, eu botei: “Nossa banda é de reggae, só tem negão, se liga na letra da música, na batida e no som, eu vou falar agora e não vou falar de novo porque a nossa banda não é banda de bobo”, aí tinha o refrão: “Porque, porque, porque”, aí: “Nossa banda se preocupa com a conscientização, liberdade faz crescer como um bom cidadão, nossa banda é do bem, nossa banda não é do mal, a banda Kitoto de Vigário Geral”, então, pô, a gente se amarrava e até hoje essa música, o José júnior, a música que ele mais gosta da banda é essa, até hoje: “E aí, Pelé”, ele me chama de Pelé porque o apelido do meu irmão é Pelé: “E aí, Pelé, e o Reggae Kitoto”, o nome da música era Reggae Kitoto: “E o Reggae Kitoto”, “É, ta aí, ta rolando”, só que passando o tempo a gente: “Tira isso aí, cara, já foi, nada a ver essa letra”, aí daí eu fui fazendo outras, entendeu, fiz uma também pra esse amigo que faleceu, que é o Picucha e aí fui botando no Afrosamba e tal.
P/1 – A banda de reggae ainda existe?
R – Então, na verdade agora no AfroReggae o Júnior fez um lance igual ele queria fazer com o Afrosamba antigamente, tipo, conforme era muita banda, era muita banda, ele foi enxugando mais as bandas, tipo, ó, porque, um exemplo, o Afrolata, que é a rapaziada que só toca lata e a Tribo Negra, que é a galera da percussão e o Afromangue, que é quase igual o Afrolata, só muda o nome, então era quase tudo mesmo parecido, tudo parecido, quase o mesmo ritmo, entendeu, ele falou: “Cara, essas três bandas praticamente vai dar aí uma só, a gente só ta gastando, entendeu, então vamos pegar, vamos crescer mais o Afrolata, entendeu, vamos botar os integrantes da Tribo no Afrolata, os outros na banda Macala”, que é uma banda de percussão também, mais afro e o Kitoto, conforme eu saí e o Kitoto também não tava indo também muito bem, não sei também o porquê e aí tava faltando baixista, não sei o que e tal, aquela coisa toda, não conseguia arrumar baixista, só ensaiava, ensaiava, ensaiava e o mercado também ta sinistro pra arrumar show, aí, sabe qual é, Kitoto também, acaba com o Kitoto e bota o pessoal pra poder dar aula, a batera dá aula de batera, o guitarrista dá aula de guitarra, entendeu. Aí o Kitoto acabou, foi uma tristeza, é porque eu era das duas bandas, cara, só que ele, só que teve um momento que eu tinha que escolher, não dava mais pra ficar nas duas, um exemplo, vamos fazer um show no Canecão, 11 anos do AfroReggae lá no Canecão, era estranho, tipo, era o Kitoto, aí eu to lá com guitarra, com a roupa, guitarra, cantando reggae amarradaço, bum fechava a cortina, daqui a pouco Afrosamba, porra, o mesmo cantor, entendeu, então começava, então muita apresentação colocavam o Kitoto, o Afrosamba, que é bandas plugadas e tal, então já tava perdendo um pouquinho, tipo, dois cantores, caraca, maluco, então aí ele falou: “Pelé, porra, tem que escolher”, eu falei: “Caraca”, ali foi um choque pra mim porque eu gostava muito dos dois, cara, ali foi um choque, eu falei: “Caraca, velho, o que que eu vou fazer?” e o pessoal sempre botando pilha: “Tu é Afrosamba, rapaz, tu é do samba”, só que eu não queria largar o Kitoto, cara, falei: “Pô, velho”, aí fui lá, pensei, pensei, pensei, cheguei no Júnior, falei: “Júnior, deixa eu ficar nos dois, cara, eu gosto do Kitoto pra caraca”, ele: “Beleza, fica lá”, não sei o que, beleza, fiquei no Kitoto, mas depois passou outro tempo, aí já: “Sabe qual é, irmão, agora vai ter acabar de vez, ou um ou outro”, aí só que eu não cheguei nem a escolher, o pessoal já: “Tu é do Afrosamba, não sei o que”, já arrumaram outro vocalista pro Kitoto, mas mesmo assim eu continuei fazendo algumas participações com eles também, fazendo lá voz, guitarra, fazia percussão, eu falei: “Ó, vou ser músico contratado agora, vou ficar lá atrás todo de preto”. Responsa, já fizemos vários shows, cara, no Teatro Municipal, no Canecão com o Arlindo Cruz, o Arlindo Cruz é padrinho, inclusive o Arlindo Cruz é padrinho do Afrosamba, Arlindo Cruz e Dorina, e a gente gravou um disco também com a parceria da Natura, quem produziu foi o Leandro Sapucaí, produziu nosso disco, fizemos a capa toda e é isso, fizemos vários shows por aí a fora.
P/1 – Qual foi o melhor show?
R – Pô, o melhor show? Cara, não da pra, não da pra lembrar, porque na verdade eles botam a gente em showzaço mesmo, tipo, não da pra lembrar porque a gente já fez muito show, cara.
P/1 – E o pior?
R – O pior foi o que nem rolou, a gente foi fazer um show numa parada de abrigo, tipo, sei lá, de menor, não sei o que que era, era um lance de menores de ruas e tal, não sei o que e lá eles vão lá pra comer, ficar lá e tal e aí teve um show lá do Afrosamba e os moleques eram super atentados, tipo, tacava pedra, tinha um bocado de grupo, então os grupos se apresentando e aí os moleques, tipo assim, nem aí, mano, nem aí, tacando pedra, tacando, tacando resto de maçã nos grupos que se apresentavam, os moleques eram super atentados, velho, os caras, os moleques de rua e aí eu vendo aquilo antes do Afrosamba, eu falei: “Caraca, mano”, o som já era ruim pra caramba, eu falei: “Pô, velho, não é marra não, velho, mas vou cantar não nisso aí não, Aécio”, o Aécio era o coordenador, os moleques também falaram: “Pô, não vou cantar não”, maior bagunça, cara, ninguém prestando atenção em nada, tipo, a gente vai chegar lá, os moleque tudo novinho tacando pedra, a gente vai começar a cantar lá Martinho da Vila, os moleque, aí mesmo que os moleque vão bolar, eu falei: “Não vou, não, vai tacar pedra em mim, não vou, não, vou não”, comecei a bater pé: “Não vou” e “Tu vai, que tu não se manda”, eu falei: “Eu não vou, me desculpa, mas tu vai me tirar, mas eu não vou, não vou, não vou, uma pedra dessas vai pegar em mim”, conclusão, não fizemos o show, não só por causa de mim, os moleques do grupo também não queria fazer, tem uma coisa que tu, caraca, velho, não ta se sentindo bem, tu já quer sair daquele local, velho, não dava pra fazer não. Mas já fizemos, assim, já fizemos vários shows ruins também, cara, o lance de som, o lance de não ter camarim, ter que, caraca, se trocar atrás do carro e tal, várias paradas e aí e o AfroReggae também tinha um projeto chamado Conexões Urbanas, só que não é de TV, Conexões Urbanas era um palco gigante, entendeu, e assim, a gente fazia nas comunidades, levava os artistas pra comunidade, então, pô, dava gente pra caramba, lotado e a gente sempre fez esse show Conexões Urbanas, assim, agora deu uma parada, mas já fizemos muito show bom, cara, fizemos São Paulo Fashion Week, fomos pra vários lugares, em 2010 em fui chamado pra ir pra Londres fazer lá uma...
P/1 – Ah, é?
R – É, em 2010 eu fui pra Londres, foi a minha primeira, até hoje foi a minha primeira viagem, assim, pra fora, entendeu?
P/1 – O que você achou de Londres?
R – Pô, cara, muito bom, se eu pudesse, é porque eu fiquei pouco tempo, eu tinha que ficar, eu fiquei lá um papo de três a cinco dias só, que era só pra fazer dois shows e voltar, mas, cara, é outra coisa, mano, é outra vibe, tipo, é outro ar, assim, eu queria ta lá porque a gente curtiu muito, esses poucos dias, assim, parecia que era muito, sei lá, um mês, esses cinco dias, que todo dia a gente curtia, acabava o show, vamos curtir, acabava o show, vamos curtir, assim, cara, muito bom.
P/1 – E a recepção do público?
R – Ih, gostaram pra caramba e lá não foi o Afrosamba, lá a gente fez uma mistura da banda AfroReggae, entendeu, foi fazer um pouquinho deles, mas misturando o samba, então eu fui representando o samba, entendeu e tinha brasileiro lá, tinha um bocado de gente, todo mundo dançou, todo mundo sambou, vamos fazer, fizemos lá um samba doido lá, sabe, misturando, todo mundo dançando, zuanda, todo mundo gostou, mais um, mais um e vamos fazer, cara, muito bom, cara, muito bom, o público muito bom.
P/1 – Pra fechar o que você achou de contar a sua história pra gente, dividir isso com a gente?
R – Cara, assim, foi bom, eu achei bom, eu, tem muitas coisas que eu falei aqui que eu nunca falei, tipo, pra ninguém tipo da minha família, entendeu, assim, eu tinha até mais coisas pra contar, mas eu não, muita coisa que eu falei aqui eu nunca desabafei com ninguém, entendeu, eu sou muito mais na minha, eu chego em casa, eu sou povão e tal, mas eu chego em casa eu sou mais, tipo, entro no quarto, fico no Facebook, tipo, até a minha namorada fala: Pô, tu é estranho, cara, tu é, tu não fica na sala junto com todo mundo, tipo, fica um pouco aqui na sala, cara, quer ficar trancado dentro desse quarto aí”, “Pô, deixa eu aqui, cara, tranquilo”, ouvindo um som e tal, meu negócio é ouvir som e ficar às vezes mais sozinho, mais relax, eu me sinto bem pra caramba, entendeu. E eu queria falar também, rapidinho, eu tenho, acho que é importante pra caramba eu falar isso que é uma coisa de responsabilidade, assim, de assumir uma responsabilidade novo, eu, em 2007 minha irmã teve um filho e, assim, até hoje eu não sei quem é o pai, ela deve saber, mas nunca falou pra gente e eu não sei quem é e também nem me interessa também saber e ela e ele nasceu e ela deu o moleque, cara, com dois meses de nascido e a gente lá em casa começou a sentir falta, tipo assim, ela muito doida, cara, o negócio dela é zuar pra caramba, tipo, encarnar nos outros, muito doida e ela deu e aí eu falei: “Caraca”, eu falei: “Kelly, cadê a neném, cara?”, ela: “Ta ali com a minha colega”, só que já tinha uns dois dias já, mais ou menos, que o neném não tava lá e aí depois acho que ela contou pra minha irmã, minha irmã veio e me contou: “Pô, ela deu o neném”. E eu, pô, gosto de criança pra caramba, cara, eu tenho 12 sobrinhos, fora, sei lá uns por aí se tiver que eu não sei, mas que eu conheço tem 12 sobrinhos e aí eu falei: “Velho, eu vou buscar, mano, vou criar”, acho que eu tinha 18 anos, não sei, por aí, 19, eu falei: “Eu vou criar”, eu falei: “Eu vou pegar, mesmo que eu recebo pouco, mas eu vou pegar” e aí parece que ela também meio que se arrependeu, não sei, e ela falou onde era a casa que tava, que não era na comunidade, era fora, ela falou: “Pô, vou te levar lá, vou contigo mesmo” e ela foi até um certo ponto comigo e aí o meu sobrinho tava nesse dia da festa e foi lá, me levou, falou: “Pô, é essa casa aqui”, eu fui lá, falei com a mulher, só que o cara, ele já tinha já assinado já, já tinha registrado já a criança, só que não registrou o nome dele, essa foi a sorte também, mas ele já tinha assinado umas papeladas lá tipo de autorização, entendeu, que, assim, ela me deu, eu já assinei, já é meu, entendeu, eu falei, eu cheguei lá: “Boa noite, tal, pô, sou tio do neném, vim buscar aí, não sei o que”, a mulher chamou o marido dela, chegou, pá: “Fala aí, irmão, boa noite, senta aí”, aí eu comecei a explicar: “Pô, não, cara, meu sobrinho, eu vim buscar, não sei o que, minha mãe ta passando mal pra caramba”, aquela coisa toda, aquele desenrolo, era oito horas da noite, quando eu fui ver já, pô, já era 11, meia-noite e eu na conversa ainda, o cara...
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