Projeto: Correios – 350 anos aproximando pessoas
Depoimento de Joziane Rodrigues Moro
Entrevistada por Lucas Lara
São Paulo, 12/06/2013.
Realização Museu da Pessoa
HVC_013_Joziane Rodrigues Moura
Transcrito por Cristiana Sousa
P/1 – Primeiramente eu queria agradecer a sua participação e para começar eu queria que você dissesse para a gente o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – O meu nome completo é Joziane Rodrigues Moro, eu nasci em 3 de Outubro de 1987 em Santa Maria no Rio Grande do Sul.
P/1 – Qual o nome dos seus pais?
R – O meu pai chama Valdir José Moro e a minha mãe é Ana Lúcia Rodrigues Moro.
P/1 – Você pode falar um pouquinho sobre eles para a gente?
R – Eu posso falar que não vejo eles há um tempo, (risos) a última vez que vi eles foi em março. De uma maneira geral eles são bastante tranquilos, são pessoas até bastante comuns eu acho. A gente é muito próximo apesar de não conseguir se ver tanto, eu consigo ir para lá algumas vezes por ano, eles conseguem vir algumas vezes por ano. Eu tenho uma irmã também, que chama Mariana, que é um pouquinho mais nova do que eu, que também mora com eles.
P/1 – Quantos anos?
R – Ela tem 23 anos agora e eu tenho 25 anos, mas para mim parece que ela tem cinco anos para sempre, eu acho (risos).
P/1 – O que é que os seus pais fazem?
R – Eles trabalham no Fórum, eles são oficiais de justiça, os dois.
P/1 – Você sabe me dizer como eles se conheceram?
R – Eles se conheceram no aniversário da minha tia, na época o meu pai trabalhava para a minha tia, quando ele fazia faculdade de Zootecnia, ele era monitor de uma disciplina de História para ganhar dinheiro e a minha tia era professora de História, acabaram se conhecendo assim. Eles são casados há 25 anos já, 26 esse ano fez.
P/1 – E você só tem uma irmã? É isso?
R – Só uma irmã.
P/1 – E você chegou a conhecer os seus avós?
R – Eu conheci as minhas duas avós e o meu avô por parte de pai, que faleceu há algumas semanas.
P/1 – Você saberia contar mais ou menos a origem da família?
R – Toda a família é de origem italiana, do lado do meu pai tem toda a árvore genealógica da família documentada por causa da cidadania. Por parte de pai eles são da região de Friuli e por parte de minha mãe eles são do Vêneto, então a gente sabe (risos).
P/1 – E você sabe por que essa família veio para cá?
R – Eu acho que na época da guerra, esse tipo de coisa, o que eu sei é que na época que a gente estava tentando fazer a documentação, a gente não conseguia comprovar de jeito nenhum. Aqui no Brasil o nome do meu bisavô era Luís e não existia nenhum Luís que tinha saído da Itália naquele dia, que teoricamente ele tinha saído, na realidade ele chamava Giuseppe e ninguém sabia disso, (risos) isso foi milhões de documentos até conseguir encontrar algum que tivesse o Giuseppe e se dá conta de que era a mesma pessoa e depois provar isso, que eles eram a mesma pessoa, para a gente poder ter a dupla cidadania. Ele eu não cheguei a conhecer, ele morreu bem jovem, assim, nem mesmo o meu pai chegou a conhecer ele. Minha avó até hoje, quer dizer, até pouco tempo atrás ela não conseguia falar o “ão”, ela não conseguia pronunciar, fazer essa pronúncia, ela falava: “Pom”,“nom” era assim (risos), nunca ela aprendeu a falar português direito, nasceu no Brasil, enfim, nunca aprendeu, ela sempre tinha esse sotaque meio italiano. O meu avô um pouco menos, ele já falava melhor.
P/1 – Você pode falar um pouco sobre a cidade em que você nasceu? Como é essa cidade?
R – Santa Maria é uma cidade universitária, uma cidade que sempre tem gente nova chegando, muita gente vai lá para estudar. Fica bem no meio do estado, então, é um acesso fácil de muitos lugares. Eu nasci em Santa Maria e morei em Santa Maria até os nove anos, quando eu fiz nove anos eu mudei para Dom Pedrito, que é uma cidade que fica quase na fronteira com o Uruguai, porque a minha mãe passou num concurso, a família inteira foi para lá por causa disso. Dom Pedrito é uma cidade bem diferente, uma cidade bem pequeninha, uma cidade rural, é uma cidade que tem um vocabulário muito diferente daqui, daqui de São Paulo e Santa Maria também, as pessoas usam termos extremíssimos para falar as coisas, é tudo muito portunhol, assim, a adaptação lá no início foi um pouco difícil por isso. Eu fiquei cinco anos lá, depois eu voltei primeiro para Santa Maria e depois todo mundo foi voltando gradativamente. Em relação a essa questão dos Correios, a primeira carta que eu recebo na minha vida foi em Dom Pedrito, foi quando eu mudei de cidade e na época, sei lá, telefone não era uma coisa tão comum como é hoje, pelo menos não lá e eu tinha uma amiga de infância, a Lize, que era a minha vizinha e nós éramos as melhores amigas do mundo até os nove anos de idade, a gente se escrevia cartas para contar como era minha escola nova, o que é que eu estava fazendo, o que é que ela estava fazendo, a gente passou muitos anos trocando cartinhas assim, depois que eu mudei. Eu ia lá às vezes também, a gente se encontrava, mas sempre rolava a história de ficar escrevendo por cartinhas para contar o que estava acontecendo, porque não tinha e-mail, não tinha outra comunicação, a gente só usava isso.
P/1 – Você acabou de comentar para a gente sobre as cartas que você trocava com a amiga, contando até da nova escola da mudança, eu queria que você falasse para a gente qual é a sua primeira lembrança desse período escolar. Você tem uma primeira lembrança da escola?
R – Tenho. Eu tinha um sonho na escola, o meu sonho era participar da fila, porque eu sempre chegava atrasada, eu nunca participava da fila, tinha fila, na minha escola tinha filas, era um pátio grande assim, e as salas de aula ficavam na volta desse pátio, então, todo mundo fazia fila na porta da sala e eu nunca fazia fila, porque não estava lá na hora, porque era uma correria para todo mundo sair de manhã, era o meu sonho fazer a fila eu nunca conseguia fazer, nenhuma vez, todas às vezes a minha mãe tinha que entrar e pedir autorização para eu entrar atrasada e tal. Quando eu me mudei para Dom Pedrito eu ia a pé para a escola e aí eu conseguia pegar a fila, porque era muito mais perto, eu estudava duas quadras da escola, então eu ia para a fila, eu era a primeira da fila, a escola nem tinha aberto e eu já estava lá (risos). Essa é a primeira lembrança que eu tenho, assim, de escola, do tanto que eu queria ficar naquela fila e nunca conseguia chegar. De uma maneira geral, nesse início escolar eu me dava bem, eu não brigava com ninguém, não incomodava ninguém, aprendia mais ou menos o que precisava para não causar conflitos.
P/1 – Você tinha alguma professora preferida? Alguma matéria?
R – Ah, eu tinha algumas, na época de Santa Maria quando eu estudava no Dom Luís, eu conhecia todas as professoras, tinha a tia Lena que era diretora, que depois a filha dela virou minha colega de faculdade, eu acho que ela é diretora até hoje dessa escola, ela era incrível assim. A Marcia também, todos os professores, porque como o meu pai e a minha mãe trabalhavam, eu ficava mais tempo na escola do que as outras crianças geralmente nessa época, a minha escola era longe da minha casa, então, mesmo quando não tinha aula, tinha reunião de professores, eu ia para a escola, e ficava eu e os filhos dos professores brincando por ali, fazendo alguma coisa para passar o tempo, porque não tinha onde me deixar, eu tinha que ir para a escola. Então, eu me lembro de fazer várias coisas, era eu, a Clara, a Nádia, que eram as minhas amigas da escola, a gente ficava juntas, às vezes tinha reunião de professores e a gente estava lá, iam pintar a escola a gente estava lá, coisa que não precisava era só para não ficar em casa sozinha.
P/1 – Você comentou da sua mudança para outra cidade, como era no meio desse processo de alfabetização conviver com todos esses trejeitos, formas de falar?
R – Nossa, isso era muito complexo naquela época, porque tem uma palavra que eu me lembro que foi o que mais me causou, assim, problemas nessa época de escola; eu cheguei na escola e a professora me falou: “Olha, a gente vai ter um trabalho dia 2, que o trabalho é para fazer isso, isso e isso” e eu fiquei sentada, tipo: “Ok” e todo mundo começou a se reunir, dia dois quer dizer em dupla, é de a dois, era um trabalho em dupla, era para fazer naquela hora, não era dia dois e eu era a única assim parada, eu não entendia o que era falavam. Falavam assim: “Você quer ir para a campanha?” “Campanha? Não!” “Não, vamos, vai ser legal, lá a gente anda a cavalo e tal” campanha quer dizer uma fazenda, uma chácara, esse tipo de coisa, isso era ir para a campanha, eu achava que todo mundo era vereador, alguma coisa assim, eu perguntava: “O que o seu pai faz?” “Ele trabalha na campanha” como assim? Era todo mundo publicitário? (risos) Que lugar é esse? Demorou um pouco para eu entender o que eram as coisas que as pessoas falavam. Mas depois que passou esse choque foi uma experiência legal, eu acho que eu aprendi muito tendo morado lá, sei lá, eu tive a oportunidade de viver coisas que eu não teria em Santa Maria, embora não seja uma cidade tão grande, mas não tem cavalo em Santa Maria, não tem galinha, as pessoas não criam vacas, não tem essas coisas. E lá tinha, eu ia para casa das minhas amigas, trabalho de criança é isso, interior é isso, cuidar dos bichos e tal, que é um trabalho mais leve, dá banho no porco, que era a parte que eu não gostava, dar banho em porco é horrível.
P/1 – Como é que dá banho no porco?
R – Você tem que pegar uma mangueira e lavar mesmo ele, só que ele fede muito, você fica cheirando a porco duas semanas, daí, ele fica limpo e você não (risos), você continua com aquele fedor por semanas. Fazia corrida de galinha, também é coisa de criança, não existia vídeo game.
P/1 – Isso que eu ia te perguntar agora. Quais eram as brincadeiras seja na época de Santa Maria ou mesmo na outra cidade? Do que você brincava?
R – Em Santa Maria eu brincava muito em casa, a gente brincava pouco na rua, eu brincava de boneca, de jogo, essas coisas assim. Em Dom Pedrito não, em Dom Pedrito a gente brincava muito mais na rua, a gente estava sempre na rua, sei lá, pega-pega, esconde-esconde, vôlei, a gente jogava muito vôlei no meio da rua, assim, eu não sei como os carros não passavam por cima, era uma rua bem movimentada até, a gente jogava no meio da rua, botava assim um negócio numa árvore para outra e virava uma rede e jogava vôlei, era legal. Eu também brincava disso de corrida de galinha, lavar o porco, essas coisas.
P/1 – Você disse que a diferença sua para a sua irmã é bem pequena, vocês eram próximas? Brincavam juntas? Estudavam na mesma escola?
R – Estudava na mesma escola, em Dom Pedrito eu estudava de manhã e eu acho que ela à tarde ou o contrário, a gente não estudava no mesmo horário. Em geral a gente se tolerava assim, brigava muito, o tempo inteiro, quando a gente era pequena a gente brigava muito por coisas bestas de criança mesmo. Depois quando a gente foi ficando um pouquinho mais velha, foi ficando um pouco melhor, assim, agora a gente se dá muito bem. Depois que a gente não precisou mais dividir o quarto, eu percebo que melhorou muito a nossa relação, (risos) eu acho que o ano que a gente morou separadas também acabou, de alguma maneira acabou nos reaproximando de outro jeito quando a gente voltou a morar juntas, então a gente não ficou mais brigando, a gente brigava, sei lá, porque eu queria dormir e ela queria assistir TV, uma jogou roupa na cama da outra, essas coisas bestas, não era nada importante, briguinha de irmão.
P/1 – A Jozi criança já tinha uma ideia, um sonho do que queria ser quando crescesse?
R – Não, nem na faculdade eu não sabia o que eu queria ser (risos), eu não queria ser nada, eu queria ficar de boa (risos).
P/1 – Me fala um pouco sobre a sua juventude, você passou ela em Santa Maria? Como foi?
R – Quando eu tinha 14, 15 anos eu fui para Santa Maria, foi quando eu fui morar com a minha avó, na verdade era para todo mundo ter ido para Santa Maria, tinha uma casa lá, enfim, deveria ter saído a transferência do meu pai em fevereiro, em fevereiro não saiu, em março não saiu, eu tinha que estudar, então eu acabei indo morar com a minha avó em Santa Maria com a ideia, assim, de uma coisa de um ou dois meses, porque logo todo mundo já ia e acabaram se tornando seis meses, até sair a transferência do meu pai e demorou mais seis meses para sair a transferência da minha mãe. Então, por seis meses eu fiquei com a minha avó, depois mais seis meses eu e o meu pai, aí, depois veio a minha mãe e a minha irmã. A gente ficou um ano nessa transição assim, na época em que fui morar com a minha avó foi a época mais difícil, eu acho. A minha avó achava que, não sei, alguém ia me matar se eu saísse de casa, então, eu não podia sair de casa, eu tinha que ir da escola para casa, se eu atrasasse, sei lá, se eu perdesse o ônibus para voltar, ela já estava fazendo pico hipertensivo na janela, já chamando a polícia para me procurar. Então, eu não podia sair nunca, nunca, eu só podia sair com o tio Mário e com a Fabi. O tio Mário é o meu tio e a Fabi na época era namorada dele, então, às vezes eles me levavam, assim, para comer fora, pelo menos eu sair de dentro de casa, qualquer coisa estava valendo nessas alturas, era a única coisa que ela deixava eu fazer só se fosse com eles, senão eu não podia sair. Isso foi difícil, porque eu estava acostumada em Dom Pedrito, que eu ficava na rua até a hora que eu quisesse, eu podia sair de noite, não tinha essas coisas, aí, eu fui morar com a minha avó que não podia sair de casa nem de dia, nem de noite, nem para lugar nenhum que não fosse a escola. Na época eu também não podia brigar com a minha avó, como é que eu ia brigar com a minha avó? Não dava para brigar com ela, essa época eu ficava muito sozinha, muito sozinha, por que como é que eu ter amigos? Eu não tinha amigos, porque eu não podia fazer nada, quem iria querer ser meu amigo? Ninguém (risos). Eu lembro que um dia ela deixou ir no aniversário de 15 anos da Clara, porque a Fabi e o tio Mário foram lá, falaram com ela, explicaram que iam me levar e me buscar, meia noite está de volta, aí ela acabou deixando. Aí, eu conheci o Diogo na festinha, que era o amigo da Clara, tão bonitinho o Diogo, eu fiquei apaixonada pelo Diogo. Aí, o Diogo me ligou para a gente ir no cinema e a minha avó não me deixava ir ao cinema, eu me arrumei toda tentando sair escondida, me arrumei, não sei o que, mas não dava ela percebeu: “Não eu só vou ali comprar não sei o que” “Ah não, eu vou junto então” “Não precisa vó, é aqui pertinho” “Não, sozinha não vai” acabou que eu não fui, o Diogo até hoje deve achar que eu dei um bolo nele, coitado! Deve ter ficado me esperando por sei lá quanto tempo. Ele nunca mais me ligou obviamente depois dessa situação (risos). Eu fiquei muito triste. Aí, quando eu fui morar com o meu pai eu estava bem, porque o meu pai não ficava assim controlando tanto, com ele era mais tranquilo. Agora eu entendo também, para ela imagina, ela recebe uma adolescente com 15 anos em casa com alguém dizendo: “Olha, cuida dela até eu aparecer e dá um jeito de não acontecer nada errado?” era isso, ela me trancou em casa, ela não sabia de outra coisa para fazer e funcionou, eu sobrevivi. Era isso que ela queria. (risos)
P/1 – Nessa época em que a sua família estava separada, digamos assim, como você se comunicava com os seus pais?
R – Ah, a gente se falava muito pouco nessa época, eu tentava ir, às vezes eles conseguiam vir, o meu pai vinha. Porque também nessa época tinha toda a função da casa, que tinha que arrumar algumas coisas da casa, então ele ficava sempre vindo e às vezes eu ia, por telefone às vezes, muito pouco a gente não falava por telefone, porque também era muito caro falar por telefone, então não dava para ficar ligando, na época também e-mail não era uma coisa popular, então ninguém tinha. Basicamente a gente não se falava quase nada, era uma época em que a gente ficou bem distante mesmo assim, bem distante.
P/1 – Jozi, você fez faculdade, você se lembra quando você decidiu o curso? De você ter pensado o que queria fazer?
R – Lembro. Tem que ser honesto aqui. Na verdade foi o seguinte, eu peguei a lista de opções de cursos que tinha, eu risquei todos os que tinham matemática, todos que tinha física e todos que tinha química, todos que fossem para dar aula de alguma coisa e basicamente todos os que tivessem conteúdos que eu já tivesse aprendido na escola, não sobraram muitas opções. Sobraram algumas opções, sobrou Publicidade, alguma coisa de Design, com as minhas habilidades artísticas eu achei que isso não ia render muito, o que ficou foi na época, sei lá, Psicologia, Jornalismo, não sei, tinha mais algum, tinham sei lá umas três opções, eu meio que fiz um uni duni tê e foi. Na verdade a Psicologia no início foi isso, aí eu comecei o curso, a minha turma era legal, basicamente, porque a minha turma era legal eu fui continuando assim até o terceiro semestre, que aí já fazia um ano, enfim, eu ainda estava na dúvida, eu ainda não sabia se eu queria fazer isso ou não. Aí, eu fui trabalhar num projeto com catadores de materiais recicláveis e, aí, eu conheci outra psicologia que era trabalhar com a comunidade, a gente fazia visita, a gente trabalhava dentro do galpão, fazia parcerias com outros equipamentos, enfim. E, aí, eu comecei a gostar, e aí eu comecei a achar outra psicologia, que não tinha a ver com consultório, que não tinha a ver, sei lá, com RH, essas coisas assim, aí, eu comecei a achar legal Psicologia e resolvi continuar. Mas antes de estudar não foi bem uma decisão assim: “Ah, eu quero ser psicóloga, porque quero ajudar as pessoas” eu nunca quis ajudar as pessoas, eu não tinha essa intenção, eu só não queria estudar as coisas que eu estudava na escola, porque eu não gostava daquilo, só.
P/1 – Você pode falar um pouco mais desse projeto que você comentou dos catadores de lixo? Como é que era?
R – Ah, esse era um projeto muito legal, era um projeto multi profissional, eu trabalhava, principalmente, com a Larissa que era do serviço social, a gente fez muita coisa, assim, nesse projeto. A ideia era montar uma cooperativa, transformar uma associação em uma cooperativa e a gente tinha verba do CNPQ para comprar máquinas, prensa, eram máquinas simples, não era nada muito complexo e a universidade entrava com o recurso de RH, de estagiários e bolsistas, enfim, então, a gente tinha bolsa para fazer o projeto. No início a gente não tinha a mínima ideia do que a gente ia fazer lá, basicamente o meu orientador na época falou: “Ah vão lá e vejam o que é que, vão conhecer as pessoas”. Aí, a gente começou a montar alguns grupos, começou a fazer alguns atendimentos no terceiro semestre, eu nem sabia o que eu estava fazendo, a gente devia ser muito louca naquela época também de topar, assim, algumas coisas, porque para aquela comunidade não importava o quanto a gente já tinha estudado, era uma referência, é a assistente social e a psicóloga, não importava se ela vai se formar daqui há quatro anos, vai se formar o que dirá se aprender alguma coisa. Enfim, trabalhava juntas e dava à cara a tapa mesmo, o que aparecesse a gente fazia, chegava gente às vezes para conversar sobre o filho que usava drogas, às vezes para pedir orientação sobre o benefício, às vezes, porque estava triste e não sabia o que fazer, às vezes, porque a casa caiu, choveu e o barraco caiu, tinha que levantar o barraco de novo. Era uma comunidade muito pobre, a renda mensal das pessoas era de uns 50 reais por mês, então assim era nada, hoje em dia já seria muito pouco, na época já era pouco, mas a gente conseguiu fazer trabalhos bacanas, a gente conseguiu fazer parceria com PS, que tinham lá perto e tinha um grupo que era o grupo dos jovens, que era com os catadores mais jovens da associação, que a gente fazia com eles, um grupo muito bacana, a gente fez para um ano uma, eles tinham que construir propostas de melhorias da associação, isso surgiu porque eles tinham uma questão, que eles achavam que não sabia falar, porque para eles saber falar tinha a ver com eles falarem e as pessoas não entenderem, porque quando os professores iam lá e falavam coisas eles não entendiam o que os professores estavam falando, então, eles achavam que quem falava bonito eram eles e falar bonito era falar de um jeito que os outros não entendem, era uma fantasia muito esquisita aquela, eu disse: “Olha, a gente tem que mudar, vamos fazer isso, eles vão escrever as propostas e eles têm que apresentar as propostas para todo o resto da associação e vai ter uma eleição de quais são as melhores propostas e depois eles vão ter que colocar as propostas em prática” foi isso que a gente fez e, aí, o projeto quase acabou depois disso, porque eles começaram a falar mesmo e começaram a falar daquilo que não estava certo no projeto, daquilo que eles não concordavam. Teve um encontro específico, que foi o último que eu participei, que foi o dia em que a gente fez uma reunião geral assim e, aí, uma dessas meninas mais novas pegou e disse: “Olha, hoje eu preciso falar alguma coisa, você eu sei, você vem aqui para fazer tal coisa” e apontou um por um, os professores, os estagiários e o que cada um fazia ali e falou para um grupo: “Vocês, eu não sei o que vocês vem fazer aqui, faz um ano que vocês vem aqui, vocês olham para a gente como se fosse bicho de zoológico, vocês nunca nem deram bom dia para a gente. Então, eu acho que é um desperdício pagarem vocês para virem aqui só para ficar olhando para gente, a gente nem é tão bonito assim” e nossa! Aquilo pegou assim, as pessoas não entenderam aquilo, reagiram muito mal, essas pessoas para quem ela falou, disseram: “Eu também não acho que vale a pena vir aqui, vocês também não prestam!” eles não entenderam e era verdade, realmente as pessoas que eles falaram que não faziam nada, não faziam nada mesmo, ficavam o tempo inteiro lá sentados olhando para o nada e reclamando que estava fedendo, porque a gente estava num lugar cheio de lixo e nunca se prestaram a dar bom dia mesmo para ninguém que passasse por ali. Isso acabou de certo modo enfraquecendo também o projeto em alguns aspectos, para o outro ano várias bolsas não foram renovadas a minha foi uma delas que não foi renovada, a da Larissa foi, a Larissa acabou continuando, mas a psicologia acabou saindo fora, eu não sei por que, a Universidade achou que não valia a pena manter esse projeto.
P/1 – E qual é a Universidade?
R – Chama Centro Universitário Franciscano, é uma universidade particular que tem lá, lá tem uma federal também, mas eu estudei na particular.
P/1 – Eu queria que você dissesse como esse período influenciou você, assim, profissionalmente mesmo pessoalmente?
R – Olha, esse projeto eu faço um trabalho muito parecido com o trabalho que eu faço hoje. Eu trabalho no NASF, que é Núcleo de Apoio a Saúde da Família e muitas coisas que eu fazia lá eu faço hoje, essa coisa de fazer visita domiciliar, de trabalhar com grupos, de fazer atendimento em lugares que talvez não são tão bonitos, agradáveis e confortáveis. Acho que essa é a principal questão, teve um dia nesse projeto, que foi de sexta para sábado, alguma coisa assim, eu sei que foi um dia do final de semana que choveu muito a noite, na cidade choveu demais, choveu de alagar ruas, eu acordei de manhã pensando: “Nossa, a gente vai chegar lá na segunda e as casas estarão todas destruídas” sempre que chovia destruía as casas, eu liguei para a Larissa: “Larissa, a gente tem que se articular com os projetos de moradias, com os programas de moradia, porque não dá, eu acordei e não consegui nem dormir, porque eu estou só pensando nisso, estou pesquisando aqui o que é que a gente pode fazer” “Não, vamos ver sim, eu também vou pesquisar” a gente assim, na maior pilha todo o final de semana, a gente chegou na segunda-feira e todas as casas já tinham sido reerguidas, era a primeira vez para mim que aquelas casas desabavam, mas para eles não era a primeira vez que a casa desabava, eles sabiam construir de novo a casa, eles se organizaram lá durante o final de semana mesmo, mutirões e construíram as casas de novo, eles não iam ficar esperando pela gente, não era a primeira vez que isso acontecia com eles, era a primeira vez com a gente, aí a gente ficou: “Nossa, a gente ficou o final de semana fazendo nada” é isso, a gente conseguir lidar com um ponto de vista que é completamente diferente da gente, tem que trabalhar a partir disso, então, era nosso desejo, meu e da Larissa, que eles tivessem casas fantásticas e que tivessem casas arrumadinhas, mas não era o desejo deles, eles queriam outras coisas, mas não isso, era uma preocupação nossa. No trabalho isso que acontece todo dia, tem coisas que eu fico pensando: “Nossa, se essa pessoa fizesse isso, isso, isso e aquilo, a vida dela seria tão melhor por que é que não faz?” porque ela não quer isso, ela quer outra coisa, mesmo que para mim isso parece mais difícil, sei lá, menos produtivo, não sei. A diferença que no trabalho que eu faço hoje eu tenho que explicar isso para as equipes da Saúde da Família, porque é uma dificuldade que eles também encontram e tentar ajudar eles a entenderem isso que aquilo que a gente como equipe pensa não é a mesma coisa que o usuário está querendo e que a gente vai ter que respeitar o que o usuário está querendo, não dá para forçar o que a gente quer, eu acho que isso é um trabalho, assim, árduo, porque todo dia a gente tem que fazer isso e parece que ninguém nunca entende isso direito, eu acho que não entende mesmo, eu acho que nem eu às vezes entendo (risos).
P/1 – Depois de formada você decidiu fazer outra coisa? Alguma especialização?
R – Depois de formada eu vim para São Paulo, aí, eu fiz especialização na USP de psicopatologia em saúde pública e, aí, quando eu cheguei em São Paulo eu comecei a trabalhar com marketing, porque foi o que apareceu, até que não era tão ruim, até que dava certo. Aí, eu fiquei um tempo trabalhando com marketing, completamente fora da área e depois fui trabalhar aqui em São Paulo num projeto de moradores de rua, eu trabalhava ali no Butantã. Aí, saí desse projeto, era um contrato de três meses que depois não foi renovado e eu acabei saindo um pouco antes disso, eu voltei para o marketing um tempo e, aí, comecei a trabalhar numa clínica lá em Santana, aí, foi isso, eu trabalhava 12 horas por dia, das oito a oito e, aí, chegou uma hora que eu já estava muito de saco cheio, porque eu não via o dia, eu ficava o dia inteiro, eram 12 horas numa sala fechada que praticamente não tinha janela, negócio insalubre aquilo, eu fiquei um ano lá e, aí, depois de um ano eu comecei a trabalhar na NASF mesmo.
P/1 – Antes de falar no NASF eu queria voltar para ver com você como é que foi essa vinda para São Paulo? Decisão de vim? Como é que foi chegar aqui? Meu Deus onde eu estou!
R – Na verdade, assim, na época eu namorava o Diego, que foi por causa dele que eu vim para São Paulo, a gente se conheceu lá em Santa Maria mesmo, ele fazia faculdade, mas ele era de Santos, ele se formou, começou a trabalhar em São Paulo e eu ainda estava estudando, então, continuei lá estudando e, aí, quando eu me formei eu vim, foi mais ou menos isso, foram dois anos que a gente namorou lá, dois anos que eu vinha para São Paulo uma vez por mês. Então, eu conhecia alguma coisa de São Paulo, meio turista, eu conhecia São Paulo do ponto de vista de uma turista, eu conhecia a 25 de Março, (risos) os lugares óbvios, o Masp, lugares óbvios eu conhecia. Primeiro eu morei um tempo com a minha sogra em Santos e aí depois a gente veio para São Paulo, a gente foi para o Centro, tinha vários dias que eu ficava assim parada, o meu apartamento dava para a Rua da Consolação, eu olhava para a Rua da Consolação e falava: “O que eu estou fazendo aqui mesmo? Que besteira é isso?” eu ficava muito cansada isso que eu lembro assim, se eu tinha que ir na farmácia, que não era longe era perto, mas sair na rua era tanta gente, era tanto barulho, eu tinha que prestar atenção a tanta coisa, que isso era muito cansativo para mim, uma coisas simples assim tipo: vou a farmácia e volto, era muito muito cansativo, eu ficava exausta com o barulho, com a quantidade de gente, eu me perdia muito, eu já fui parar em tanto lugar que eu nem sei como eu sai de lá, mas eu ia. Primeiro só sabia pegar metrô, eu não sabia andar de ônibus, só sabia andar de metrô, a primeira função foi com a Eletropaulo, eu fiquei um mês sem luz aqui em São Paulo, morando sem luz, deu pau na Eletropaulo, sei lá o que eles fizeram, eu ia na Eletropaulo todo dia, eu morava no Centro só que eu não sabia onde que eu estava direito, então, eu pegava o metrô lá na Consolação, eu subia praticamente toda a Rua da Consolação para ir para o Anhangabaú, se eu pegasse o ônibus iria dar dois pontos de ônibus (risos) ou podia até ir a pé, eu não tinha ideia de onde eu estava, eu fazia isso todo dia, eu ia lá, brigava, chorava, enfim, até que um mês depois eles ligaram a minha luz. Nessa época, principalmente, eu achava que eu não deveria ter vindo, que isso deveria ser um sinal, você já começa a virar até católico, isso deve ser um sinal. Enfim, ficou o mês mais trash, depois eu comecei a andar de ônibus, aí, foi quando eu comecei a entender que se eu mais ou menos perguntasse as pessoas respondiam e quando eu entendi mais ou menos onde era a zona norte, a zona sul, zona leste, zona oeste, onde era o que mais ou menos isso, o que era o que, então aí foi ficando mais fácil de transitar por aqui, agora isso tranquilo, isso é bem tranquilo.
P/1 – Quem eram os amigos aqui? Tinha amigos aqui?
R – Então, aqui começou com as pessoas da especialização mesmo assim, foram as pessoas que ficaram mais próximas, era com quem eu tinha mais contato mesmo, porque eu acho que no Centro também não existe vizinho, eu trabalhava cada dia com pessoas diferentes, não era uma equipe, eu era chamada cada vez para um lugar com pessoas diferentes, então, eu também não fazia vínculo. Alguns amigos de Santa Maria acabaram vindo para cá também, então eu também convivia bastante com eles, era mais isso, não tinham muitas pessoas não.
P/1 – Me fala um pouco mais sobre essa sua especialização, como é que foi a escolha?
R – Então, esse era um curso que desde o Rio Grande do Sul eu queria muito fazer, eu achava que isso ia ser o curso que ia mudar a minha vida, não foi, assim, não mudou a minha vida, era bem pior do que eu imaginava, talvez eu tivesse uma expectativa muito fora, sei lá, do que qualquer curso de especialização pode ser, também eram aulas à noite, todo mundo já estava cansado, não é a mesma coisa, sei lá, de uma faculdade, não tem o mesmo comprometimento. De uma maneira geral eu acho que algumas disciplinas foram mesmo muito boas e realmente valeram a pena, mas, principalmente, valeu a pena pelas pessoas que eu conheci, conheci pessoas que são amigos até hoje, pessoas que me ensinaram muito, eu acho que eu aprendi mais no intervalo do que eu aprendi na sala de aula, até porque São Paulo tem um desenho de infraestrutura de saúde muito singular, assim, para não dizer bizarro, na verdade é muito bizarro e que eu não conseguia entender, e jamais eu conseguiria entender isso se não fossem com as pessoas que trabalhavam lá também, isso também me ajudou a ter mesmo o emprego que eu tenho agora, enfim, senão eu jamais teria conseguido entender isso. Até entender como procura emprego em São Paulo, quem me ensinou foi a Sara, a Sara é mineira, agora ela está morando no Distrito Federal, eu disse: “Sara, eu não sei o que fazer. Como que a gente procura emprego aqui? Porque nas primeiras semanas de aula¬ eu não sei, com quem a gente tem que falar? A gente vai numa agência? A gente manda e-mail para qualquer lugar?” “Não. Jozi, vamos fazer assim, tem uns sites que me falaram ontem vou te passar” porque ela também estava chegando, ela também não sabia direito, aí, ela me passou alguns sites e enfim, a gente se trocava mandando anúncios de vagas, as duas alucinadas procurando emprego. Eu estava trabalhando, mas eu queria trabalhar na minha área, eu não queria continuar naquilo, então, até nisso. Isso é legal de São Paulo, eu acho que São Paulo trata muito bem quem trata bem ela, a maioria dos meus amigos daqui não são de São Paulo, são pessoas de fora, mas também eu acho que de alguma maneira, passaram por esse estranhamento assim até de vocabulário, de novo foi outra guerra. Agora eu não tenho mais nem sotaque, eu praticamente treinei na frente do espelho, porque na época que eu estava trabalhando com marketing isso era muito ruim, porque as pessoas ficavam mais interessadas no meu sotaque do que no produto que eu estava tentando pesquisar, então, eu perdia muito tempo com isso, explicando de onde eu era, o que eu estava fazendo aqui e de alguma maneira, todo mundo acha que quem não é daqui tem que se justificar. “Mas para que você veio?” De São Paulo ninguém pergunta “por que você ficou aqui? Por que você não vai embora?” mas quem é de fora tem que ficar se justificando, o que está fazendo aqui, “Eu vim porque eu quis, eu vim passear” às vezes dá vontade de dizer isso: “vim passear e fiquei, foi isso” pronto, simples: “E você por que não foi embora ainda?” Mas, enfim, a gente tinha essa turma que a maioria das pessoas não era de São Paulo. Agora a Sara já foi embora de São Paulo, algumas pessoas eu ainda encontro de vez em quando, mas não é a mesma coisa quando a gente não tem essa rotina, assim, dos encontros.
P/1 – E a família como ficou com a sua vinda? Como passaram a ser os contatos?
R – Eles toparam de eu vir porque eles acharam que eu voltaria em um mês, então eles: “vai lá passar umas férias, depois a gente conversa” e eu acabei ficando. Aí, começou uma coisa muito doida, a minha mãe fez uma conta no Face, que ela não tinha, todo mundo agora é TIM para podermos nos falar mais barato (risos), tem essa função das cartas que tinha desde que eu me mudei. Como a gente não consegue se ver, a gente consegue pelo menos se falar bastante, isso a gente consegue. No início, se eu não ligasse todo dia a minha mãe achava que alguma coisa aconteceu, alguém me sequestrou, sei lá. Depois isso foi mudando, agora ela já entendeu que não precisa ligar todo dia, às vezes ela liga: “Ah, só liguei para saber se você está bem. Você está bem?” “Estou bem mãe, eu já falei que quando eu não estiver bem eu te aviso” “Eu sei, mas você nunca avisa, então às vezes eu ligo para confirmar” (risos) “Então, está bom, ainda estou bem, não aconteceu nada“. Essa história da luz eu não contei para ela, imagina o que ela iria dizer: “Minha filha você foi para São Paulo para tomar banho frio? Para carregar o celular na tomada do corredor, você fez gambiarra com o zelador para ele liberar a tomada do corredor para você?” era péssimo, mas por um tempo foi necessário. Na verdade essa coisa das cartas começou na mudança ainda, porque eu trouxe duas malas com as minhas coisas, eu queria trazer os meus livros e não cabia, eu não tinha como trazer, então basicamente eles foram sendo enviados aos poucos, assim, pelo Correios sempre com uns bilhetinhos, é sempre o meu pai quem escreve, ele é responsável pelo pacote, é realmente um pacote, eu não guardei para trazer, porque não é Sedex, é pelo Correios normal, não é a caixinha do Sedex, o meu pai arruma um negocinho, porque depende do que ele vai colocar dentro, então já veio geleia, já veio jabuticaba, já veio amora, essas frutas vem bastante, carambola, pijama que a minha mãe queria me dar de presente, foto das pessoas vem, e a erva todo mês, que é a história eu contei para Isla, todo mês vem um pacote de erva, as pessoas: “meio idiota isso, porque vende erva em São Paulo, ninguém te contou isso?” (risos) então vende, só que vende uma erva velha, a erva na verdade dura mais ou menos um mês boa, depois disso ela serve como adubo, ela não serve mais para fazer mate e o que vende em São Paulo é assim. Então, no início também eu sofria muito, porque eu não conseguia achar erva, eu não conseguia tomar um mate que fosse, eu achava aquilo muito esquisito, eu acordava e não tinha um mate ali para eu tomar, aí, minha mãe, meu pai começou com essa historinha de me mandar todo mês o pacote e sempre acaba vindo alguma outra coisa junto além da erva, vem um presentinho, alguma coisinha, que na hora eles acham que eu vou gostar assim.
P/1 – Você disse que vinham bilhetinho junto?
R – É, então, eu até trouxe os mais recentes, é sempre o meu pai quem escreve e é como se ele contasse o que está acontecendo naquela hora, é como se eu estivesse ali junto na hora que ele está fazendo o tal pacote, ele fala um pouco do que ele está me mandando, do que ele estava fazendo, e sempre ele digita, porque a letra dele é terrível, até o endereço ele tem que digitar, porque jamais vai chegar no endereço se ele escrever a mão o endereço. Quando ele me manda o pacote ele me manda uma mensagem no celular, alguma coisa assim: “Mandei, deve chegar tal dia” para eu poder ir nos Correios buscar. Nesse prédio que eu moro agora também, enfim, esses prédios velhos de São Paulo sempre têm essas bizarrices, a caixa de correspondência é uma caixa inteira para todo o prédio, não tem subdivisões aquelas de apartamento, não é uma caixa inteira, então basicamente a gente deveria ter uma chave e cada vai lá e cata a sua, um negócio grande, não tem chave, eu não sei quem tem chave, tem um cadeado, eu não sei quem tem a chave, eu não tenho, a síndica não tem, então basicamente a correspondência colocada ali ela cai no limbo. Ela não vai sair dali, porque ninguém tem a chave, aí eu tive que pegar uma caixinha postal para eu poder receber contas pelo menos e esses pacotes que o meu pai manda todo mês. Agora no último mês eu acho que foi a única vez que não veio cartinha, foi quando o meu avô faleceu, eu acho que ele não queria dizer nada naquele dia, eu fiquei procurando: “Cadê o meu bilhetinho? (risos) O que está acontecendo que você não me conta?” eu acho que ele não estava a fim de muito papo no dia, ele mandou sem. Por essas cartinhas eu conheci o meu sobrinho, quer dizer, eu digo que é sobrinho, na verdade não é sobrinho, ele é o meu primo, mas para mim é quase um sobrinho, que é o filhinho desse meu tio Mário que me levava para sair, agora ele tem uma esposa, nasceu o filhinho dele e eu não conseguia ir e ele tem todo um negócio, sei lá, que ele acha que no Facebook se colocar fotos, vão fazer alguma coisa com as fotos e que os e-mails todos são “hackeados”, então não pode mandar por e-mail, aí, ele deixou mandar pelo correio, deixou a minha mãe mandar pelo Correios (risos) as fotinhas do Luciano para eu poder conhecer ele, foi assim que eu o conheci o Luciano, bonitinho ele, agora eu já o conheci de verdade, mas ele já andava quando eu conheci ele mesmo, já estava praticamente andando.
P/1 – Como é que era para você receber essas cartas, essas encomendas? No momento que você abria?
R – Ah, até hoje na verdade é uma surpresa do tipo: “Ai o que vai vir dessa vez? O que ele vai escrever? O que está acontecendo?” quando eu morava no outro prédio teve uma vez, tipo, era um pacote grande e aí o meu prédio tinha porteiro, aí o porteiro: “Ah Dona Joziane, a senhora recebeu uma encomenda” “Ah, está bom, que bom! Deve ser a erva” o porteiro falou: “Um pacote desse tamanho?” ele deve ter pensado: “O que é isso? Essa menina é traficante” (risos) eu disse: “É, o meu pai” ele olhou: “Não Dona Joziane eu não preciso saber o que tem aí dentro” “Não, não é isso (risos) é para o mate, o chimarrão” aí depois todo o mês ele já falava: “Ah, chegou a sua erva” (risos) ele já tinha entendido, mas eu sempre fico bem ansiosa com esse pacote e o meu pai é muito cuidadoso na hora de arrumar o pacote para que não quebre e não estrague nada, mandam várias coisas, sei lá, o que eles estão fazendo acham alguma coisa e vai por esse pacote, é tipo uma caixinha de surpresa, ele conta um pouco do por que ele está colocando essas coisas. Eu acho que é uma maneira, não sei, de eles fazerem eu participar dessas coisas, a gente não está junto toda hora de uma maneira material a gente não está junto. Então, quando eu recebo coisas que são da casa, por exemplo, nossa eu fico com tanta saudade! Ele manda jabuticaba, é claro, ela ainda está boa quando chega aqui, mas assim quando eu colhia do pé era muito melhor, era muito mais legal, pitanga também, essas coisas ele sempre manda, as geleias que ele faz ele manda sempre um pouco para mim, a minha tia também manda, teve uma vez que tinha um que estava uma meleca aquilo, era uma geleia de abóbora que abriu, quebrou o pote, não sei, era geleia por tudo, péssimo aquilo, (risos) acontece, faz parte, depois disso ele começou a ficar mais cuidados também, agora ele usa o plástico bolha as vezes, se tem alguma coisa mais sensível, antes não, antes ele só colocava no papel não colocava no plástico bolha, é toda uma preparação de encaixar as coisas e como tem um preço pelo peso, quando eles mandam essas coisas assim, eles fazem o cálculo ou cobram pelo tamanho ou cobram pelo peso, o que for mais caro, então ele também já arrumou alguma matemática que ele consegue pagar menos (risos), eu não sei qual é o esquema, não me explicou direito, mas tem também um esqueminha por causa disso, para pagar um pouco menos para mandar as coisas. Os livros agora já estão quase todos comigo, depois de três anos aqui, recebo constantemente (risos), mas volta e meia aparece alguma coisa que eles lembram e me mandam, algum presente do nada, sei lá, besteiras, às vezes é tipo um chocolate: “Comi esse chocolate e achei que você iria gostar” e mandam.
P/1 – E você vai mensalmente ao Correios buscar essas encomendas?
R – Claro! Bom, a agência dos Correios também que eu vou, que é perto da minha casa também deve ser uma das mais antigas de São Paulo, eu vejo que várias pessoas que chegam lá conhecem os atendentes todos pelo nome, porque vão lá com muita frequência, geralmente quem me atende é uma senhorinha de cabelo branquinho assim. Todo mês eu vou lá para pegar as contas e já pego a minha caixinha, na verdade toda a correspondência eu recebo lá, eu estou sempre lá e às vezes também preciso eu mandar alguma coisa para o meu pai, algum papel, alguma procuração, essas coisas burocráticas, chatas, mas que tem que chegar amanhã. E-mail não serve para tudo, essa semana eu tinha que assinar alguns papéis para alguma coisa de um cartão, que eu nem sabia que eu tinha alguma coisa a ver com esse cartão, eu nem sei o que é, enfim: “Olha, você tem que assinar o negócio do cartão, eu vou mandar e você vai lá você pega” eu fui, peguei e assinei todas as folhas no próprio balcão mesmo e eu disse: “Olha, agora você manda de volta nesse endereço” (risos) e o endereço não batia, nessa agência que eu vou eles são muito bons, porque eles conferem direito, tipo o nome da rua, do CEP e eu tinha colocado errado, não ia chegar e era um papel importante pelo jeito e ela confere, eu gosto dessa senhorinha, ela deve estar lá desde sempre, eu acho, todo mundo a conhece, cumprimentam ela e tal. Essas coisas meio de bairro têm, em São Paulo também tem isso, o bairro que eu moro é antigo, é uma parte antiga do bairro também.
P/1 – Você ainda mora no mesmo lugar hoje?
R – Então, do Centro agora eu mudei para a Casa Verde, eu mudei para Casa Verde tem um ano mais ou menos, foi quando eu tive que ter essa caixa postal, eu nem sabia direito que isso existia, eu me lembro que meu pai tinha uma caixa postal quando eu era criança, porque também onde a gente morava também não correspondência, era caixa postal que eu me lembro que eu ia e ficava muito feliz quando ia lá, porque vinha as revistinhas da Turma da Mônica nessa caixa postal, então toda semana vinha, toda semana a gente ia lá, ia eu e a minha irmã cada uma com uma revistinha para casa a gente adorava ir lá, porque é um presente. Depois, já adulta eu achei que ninguém mais usava essas coisas, eu ficava pensando: “Para que alguém vai precisar de uma coisa assim? Hoje em dia todo mundo recebe correspondência” e não é verdade, agora eu descobri (risos), precisa eventualmente de uma caixinha postal para poder receber contas.
P/1 – Agora vamos retomar, eu queria que você falasse um pouquinho como você entrou no NASF? Qual a sua função lá? O que é mais objetivamente?
R – Então, o NASF eu entrei lá, eu estudava com a Lia que hoje é a minha chefe, a gente fazia especialização juntas e, aí, teve um dia que ela falou para mim e para várias pessoas que estavam ali: “Olha, mandem currículos, porque abriu uma vaga” que era a vaga dela, ela era psicóloga da equipe e foi promovida a gerente “abriu uma vaga e tal mandem currículos, que vai ter um processo seletivo”. Aí, eu mandei o currículo para ela e dessas pessoas que eu sabia que estavam participando eu era a que tinha menos experiência, que tinha menos tempo em São Paulo, que tinha a me formado há menos tempo, eu disse: “Olha, essa vaga provavelmente não dá, mas de repente aparece alguma outra, fica no banco de dados, alguma coisa assim” aí eu fui fazer a entrevista e foi péssima a entrevista, foi muito péssima, eu não sabia o que dizer, eu não sabia se eu estava falando certo, se estava falando errado, eu tinha uma impressão que a mulher estava detestando a minha cara, ela fazia umas caras feias, fazia umas perguntas íntimas demais, parecia que não combinava com aquilo, eu sai de lá muito mal. Aí passou um tempo, nesse dia tinha uma prova e tinha entrevista, na prova foi tranquilo, na hora eu achei que tinha ido bem, imagino que eu tinha ido mesmo, na entrevista eu achei que eu tinha ido muito mal, aí, depois passou um tempo a Lia falou que não, eu tinha ido muito bem na verdade na entrevista, que a mulher tinha me adorado, que eu era o melhor dela, imagina? Se ela não gostasse de você pensa que cara ia fazer, passou um tempo fui chamada para outra entrevista lá que eu tive que fazer e eu acabei começando a trabalhar depois de dois meses dessa primeira entrevista até eu começar a trabalhar mesmo. É uma equipe multi profissional, é uma equipe que eu conhecia, de certo modo, por ouvir a Lia nas aulas falando sobre o trabalho, então, ela apresentava às vezes algum trabalho sobre o NASF e falava do trabalho que a equipe dela fazia e eu conhecia desse ponto de vista, então de alguma maneira era como se eu conhecesse essa equipe. Eu fui muito bem recebida por eles, é uma equipe muito legal, é uma equipe que todo mundo se mete na vida de todo mundo, até pessoalmente, todo mundo se mete no trabalho de todo mundo, a gente está sempre junto, nós somos em onze, somos nove técnicos, a Lia que é a gerente e uma auxiliar administrativo, mas a gente está sempre junto, a gente convive muito, a gente briga junto, se diverte junto, algumas pessoas se tornaram amigos mesmo depois de um tempo. É um trabalho que é difícil, a gente trabalha na área do Jaçanã e do Tremembé, parece que ficam no extremo norte de São Paulo para o lado leste, pertinho da Serra da Cantareira, deveria ser um lugar lindo, mas não é, é um lugar de muita vulnerabilidade, a maioria dos lugares é feio, não é um lugar arrumadinho, a rua não é bonitinha, não tem placa, as casas são feias, na maioria dos lugares as pessoas em geral são pobres, mas eu gosto de fazer isso, eu acho que o trabalho que eu faço tem um sentindo. Hoje de manhã a gente estava fazendo a conta, eu e o Roger que é educador físico, a gente é referência para mais ou menos 56 mil pessoas, provavelmente um pouco mais, porque os números nunca estão muito atualizados, então se eu penso que eu sou psicóloga de 56 mil pessoas isso é um pouco assustador e ele é o educador físico de 56 mil pessoas, é um pouco esquisito, mas é isso, a referência sou eu não tem outra, como não tem outra nutricionista, não tem outra assistente social, enfim, somos nós e é um trabalho que a gente faz junto com o Programa Saúde da Família, então o nosso trabalho é ao mesmo tempo assistência aos usuários cadastrados no programa Saúde da Família, mas também é um trabalho pedagógico em relação às equipes da Saúde da Família, então, também é o nosso papel orientar eles e ensinar eles sobre técnicas que eles não saibam, coisas que eles não saibam, manejos diferentes, encaminhamento diferentes que seja e fazer articulação entre os equipamentos de saúde, educação e assistência social da região também. Então, basicamente eu tenho muitas reuniões para falar sobre o que eu faço, e para justificar que eu estou fazendo mesmo, o que eu deveria estar fazendo e o resto da equipe também, todo mundo está fazendo o que deveria estar fazendo. Hoje, por exemplo, foi um dia bom, foi um dia legal, essa semana no geral está sendo legal, tem semanas que é péssimo, tem semanas que se eu ficasse em casa e arrumado um atestado eu tinha contribuído mais, mas é isso, eu acho que o trabalho de todo mundo tem isso.
P/1 – Essas 56 mil pessoas que você falou tem, assim, uma faixa etária?
R – Não, elas simplesmente moram na área de abrangência, elas tem que morar dentro desse território.
P/1 – Agora vindo para uma parte mais de avaliação, eu queria saber como é a sua rotina hoje em dia? Que horas você acorda? O que você faz para se divertir?
R – Eu acordo, sei lá, umas cinco e meia, seis horas, tomo banho, café, vou trabalhar, chego no trabalho às oito da manhã, saio às cinco da tarde e depende geralmente dia de semana eu saio, faço alguma coisa, eu não gosto muito de sair, não é que não gosto muito, ultimamente eu não tenho saído muito final de semana, eu tenho saído mais durante a semana, acho que tem rolado coisas mais legais. Sei lá, vejo amigos, eu vou jantar na casa de alguém ou vou num bar, essas coisas normais.
P/1 – Uma pergunta bem ampla, você tem algum sonho hoje?
R – Tenho um sonho de verdade, eu queria muito que tivesse um aeroporto em Santa Maria, que eu poderia visitar a minha família com mais frequência (risos), mas eu acho que isso é um sonho que está longe de ser realidade, eu já falei para a minha mãe: “Mãe, você devia montar uma associação para tentar agilizar isso” já rolaram os projetos, mas nunca foi para frente, isso eu gostaria. Eu não gostaria nem de sair daqui e nem eles queriam vir, mas eu gostaria que ver eles fosse mais fácil, agora eu demoro 12 horas de viagem quando eu vou ver eles, então não dá para ficar indo toda hora, eu preferiria poder ir todo mês e eu ir buscar o meu pacotinho de erva e todos os outros presentes e que eles me contassem pessoalmente as coisas que estão acontecendo, mas por enquanto não dá, é isso, é o jeito que tem de se manter próximos.
P/1 – Como é que esse serviço de cartas, telegramas e mensagens você acha que marcou a sua trajetória?
R – Então, agora o meu pai também já ficou bastante conhecido nos Correios (risos) que ele costuma ir nos Correios perto de casa, todo mês ele está lá, eu também já sou conhecia no meu. Eu acho que essas coisas que a gente meio que inventou desde que eu vim para São Paulo de podermos se comunicar pelas coisas, pelas cartas, de alguma maneira também aproxima a gente, mata um pouquinho da saudade. Eu acho que isso desde a Lize que a gente ficava trocando cartinhas para poder saber uma da outra, para não perder contato, quando eu fui para Santa Maria também eu mandei algumas cartas para as meninas, a gente tinha isso de se trocar cartas, aquilo que a gente não podia falar, então a gente tinha que escrever, eu ficava com vergonha ou sei lá o que, o telefone também era muito caro, não dava para ligar, computador ninguém tinha, também a gente se mandava cartinhas às vezes, principalmente, quando era isso, quando eram coisas que a gente ficava com vergonha de falar ou quando era muito importante, que aquilo tinha de alguma maneira ficar registrado também aquilo. As pessoas sempre falam, a escrever a mão tem outro valor, sei lá, você imprime é outra coisa, eu não acho que isso seja verdade, a minha letra é terrível, do mesmo jeito que a do meu pai, as pessoas agradecem quando eu escrevo no computador e não a mão, porque a mão a pessoa não vai entender o que eu queria dizer, a comunicação não vai acontecer. Mas mesmo que seja no computador, acho que quando eu pego esses bilhetinhos e lembro do que veio junto com eles, e posso saber do que está acontecendo lá, isso faz com que eu me sinta próxima deles, faz com que eu me sinta bem com isso, às vezes eu mando algumas coisas para eles também, eu mando menos, eles mandam mais certinho, às vezes eu mando algumas coisas de café para a minha mãe, porque ela arrumou uma cafeteira dessas Dolce Gusto, enfim, e que lá é difícil achar o negócio que ela gosta, aqui tem em qualquer lugar, às vezes eu mando, eles mandam mais direitinho.
P/1 – O que você achou, quando você até recebeu o convite para dar essa entrevista, desse projeto de resgatar a importância dessas cartas, dessas mensagens através de histórias de vidas?
R – Então, na verdade eu soube disso por causa da Isla, a Isla disse assim, eu estava lá na casa dela e ela disse assim: “Nossa, eu estou com um problema enorme agora” “Ah, por quê?” “Não porque agora tem o projeto dos Correios que a gente tem que achar pessoas que recebem cartas. Gente vocês acham que alguém ainda recebe cartas?” Eu disse: “Eu, por quê?” (risos) “Sério, você recebe cartas?” “Sim, eu recebo todo mês da minha família” ela ficou: “Não acredito!” achando que eu era uma pessoa meio bizarra por causa disso, não é verdade várias pessoas recebem cartas eu vejo isso lá nos Correios, principalmente, quando eu vou buscar as minhas várias pessoas estão indo lá buscar as suas, não é verdade que ninguém recebe carta não. A Isla disse: “Ah, mas você dá uma entrevista?” eu disse: “Claro, isso é super importante” eu acho que a gente tem... Tipo essa coisa do meu tio: Pelo e-mail não porque é “hackeado”, pelo Facebook alguém vai usar a imagem da criança para fazer não sei o que, vodu não sei, mas pelos Correios é confiável, pelos Correios não vai ser violado, pelos Correios vai chegar a fotinha até ela, ela vai poder saber que cara tem o meu filho, eu acho que tem essa coisa de confiança, você manda um documento importante pelo Correios, porque isso é uma coisa confiável, isso não manda de outra maneira, você fica pensando que no e-mail pode ter um vírus, mas pelos Correios você confia, então, aquilo que eu mando, eu também mando sabendo que isso vai chegar e eles mandam sabendo, de repente vai quebrar o pote da geleia, mas assim, tem algum cuidado em relação a isso, tem um cuidado na hora em que eu vou mandar a carta e a moça dos Correios: “Deixa só conferir para ver se está certo o CEP com nome da rua” é um esforço para que isso dê certo, porque aquilo que eu estou dizendo que é importante chegue onde tem que chegar sem ser extraviado ou coisa assim. Eu acho que quando a gente pensa em mandar um e-mail, é uma coisa que é agora, ele chega hoje, eu não preciso eu ir duas, três ver: “Já chegou? Não chegou?” vai e volta e fica nessa, porque também acontece isso, eu vou uma vez e não chegou ainda, aí eu vou no outro dia e ainda não chegou, até chegar. Você tem um encontro com o papel de outro jeito, tipo esforço de colocar no envelope, você tem que ir até algum lugar para poder enviar é um cuidado diferente, você vai a qualquer lugar mandar um e-mail, eu posso mandar daqui, acho que é um cuidado diferente, é uma coisa mais pensada, eu vejo que essas caixinhas, por exemplo, que meu pai manda tem a ver com a rotina da casa com aquilo que está acontecendo, como se eu estivesse ali, como se eu estivesse participando daquilo, ele não fica lembrando de outra coisas, é para eu de alguma maneira participar daquilo, daquele momento, então às vezes ele manda: “Ah, a gente está aqui na lareira, estou arrumando o seu pacote, a maninha está falando que não vão caber as coisas e a sua mãe está fazendo não sei o que” (risos) e ele vai escrevendo tudo isso como se eu estivesse junto, para eu saber o que está se passando com eles, eu acho que eles sentem falta também de mim, por isso é uma maneira de eu estar junto, de eu estar participando disso, sempre que chega é como se eu tivesse participado um pouquinho daquilo mesmo, eu acho que é um pouco isso.
P/1 – E o que você achou de contar um pouco da sua história para gente?
R – Então, eu achei isso diferente (risos), isso eu nunca tinha feito. Eu já entrevistei várias pessoas em relação a várias coisas, mas eu nunca tinha sido entrevistada assim (risos). Eu estou achando mais tranquilo, não teve nada que eu não soubesse responder, pelo menos, senão ia ficar feio alguém que não sabe responder sobre a sua própria história (risos).
P/1 – E tem alguma coisa que a gente tenha esquecido de perguntar e que você queira falar?
R – Eu acho que não, eu acho que é isso. Eu já te contei toda a minha vida.
P/1 – Então está certo Jozi, em nome do Museu da Pessoa e do Correios eu agradeço muito a sua participação.
R – Imagina, obrigada você!
FINAL DA ENTREVISTA
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