P/1 – Bom, pra começar, eu gostaria que você dissesse seu nome completo, data e local de nascimento.
R/1 – Hugo Perez, Hugo Roberto Martinez Perez. Ninguém me conhece por esse nome. É Hugo Perez. Eu nasci no dia 22 de fevereiro de 1941. Os documentos estão aí, 23 de fevereiro, mas o nascimento mesmo é 22. Eu nasci em Cambará. Uma cidade no norte do Paraná. E cheguei a São Paulo no dia primeiro de janeiro de 1947. Desde então, eu moro em São Paulo. Portanto paulistano que muitos paulistas.
P/1 – O senhor tem irmãos?
R/1 – Tenho. Meu pai foi casado duas vezes. A primeira esposa faleceu, depois ele se casou com a sobrinha dela. Então, já criou aí uma coisa de irmão, primo ao mesmo tempo. Ele, o primeiro casamento, ele teve quatro filhos, três homens e uma mulher, dos quais dois estão vivos. Os dois últimos. A última é a mulher. Depois, no segundo casamento, nasci eu e uma irmã, que aos dois anos ficou doente, teve meningite tal. E ficou na cama até os 35 anos, quando ela morreu.
P/1 – O senhor se lembra dos seus avós?
R/1 – Me lembro avós maternos. Aliás, a avó materna. O paterno não. O meu pai, a diferença de idade, quando eu nasci, meu pai tinha 54 anos, mais ou menos. De modo que não cheguei a conhecer meus avós paternos. Espanhóis, eram espanhóis de nascimento. Meu pai também era espanhol de nascimento, da Galícia. Agora, por parte de mãe, eu conheci minha avó, convivi com ela até depois de casado já, quando ela faleceu. E ela ficou viúva. Não conheci meu avô materno. E ela se casou a segunda vez, que eu considero até hoje, foi o Carlos Nogueira, meu padrinho e eu considero avô. Convivi muito com ele, pessoa espetacular. Aliás, tem um dado aí. Ele foi motorista da Companhia Municipal de Transporte Coletivo [CMTC], antes de existir a CMTC. Ele foi dos primeiros motoristas dos ônibus elétricos da CMTC, fazia a linha da Aclimação. Praça João Mendes,...
Continuar leituraP/1 – Bom, pra começar, eu gostaria que você dissesse seu nome completo, data e local de nascimento.
R/1 – Hugo Perez, Hugo Roberto Martinez Perez. Ninguém me conhece por esse nome. É Hugo Perez. Eu nasci no dia 22 de fevereiro de 1941. Os documentos estão aí, 23 de fevereiro, mas o nascimento mesmo é 22. Eu nasci em Cambará. Uma cidade no norte do Paraná. E cheguei a São Paulo no dia primeiro de janeiro de 1947. Desde então, eu moro em São Paulo. Portanto paulistano que muitos paulistas.
P/1 – O senhor tem irmãos?
R/1 – Tenho. Meu pai foi casado duas vezes. A primeira esposa faleceu, depois ele se casou com a sobrinha dela. Então, já criou aí uma coisa de irmão, primo ao mesmo tempo. Ele, o primeiro casamento, ele teve quatro filhos, três homens e uma mulher, dos quais dois estão vivos. Os dois últimos. A última é a mulher. Depois, no segundo casamento, nasci eu e uma irmã, que aos dois anos ficou doente, teve meningite tal. E ficou na cama até os 35 anos, quando ela morreu.
P/1 – O senhor se lembra dos seus avós?
R/1 – Me lembro avós maternos. Aliás, a avó materna. O paterno não. O meu pai, a diferença de idade, quando eu nasci, meu pai tinha 54 anos, mais ou menos. De modo que não cheguei a conhecer meus avós paternos. Espanhóis, eram espanhóis de nascimento. Meu pai também era espanhol de nascimento, da Galícia. Agora, por parte de mãe, eu conheci minha avó, convivi com ela até depois de casado já, quando ela faleceu. E ela ficou viúva. Não conheci meu avô materno. E ela se casou a segunda vez, que eu considero até hoje, foi o Carlos Nogueira, meu padrinho e eu considero avô. Convivi muito com ele, pessoa espetacular. Aliás, tem um dado aí. Ele foi motorista da Companhia Municipal de Transporte Coletivo [CMTC], antes de existir a CMTC. Ele foi dos primeiros motoristas dos ônibus elétricos da CMTC, fazia a linha da Aclimação. Praça João Mendes, Aclimação. E aposentou-se como tal, motorista da CMTC.
P/2 – Qual o nome dos seus pais?
R/1 – Meu pai é Hugolino Perez Sobreira e minha mãe Iracema Martins Perez. Foi registrado errado, ficou Martins.
P/1 – O senhor falou que chegou muito cedo aqui a São Paulo, já se considera um paulistano. Qual era o bairro que o senhor morava, a sua rua?
R/1 – Olha, cheguei, ou a família chegou, ali na Rua Perdões, na Aclimação. Você pega, sai da praça João Mendes, mil 450 metros é a rua Conselheiro Furtado. Até hoje está lá, famosíssima. No fim dela, tem a Pires da Mota. Se você virar 20 metros para á esquerda e 5 metros para a direita, você entra na Rua Perdões, quer dizer, ela é quase em frente à Conselheiro Furtado. Quando eu cheguei, a Rua Conselheiro Furtado era calçada. Mas a Rua Perdões era de terra ainda. Tudo aquilo era terra, dali para á trás, e não tinha iluminação elétrica. Não tinha. Então, quando eu cheguei ali, moleque, seis anos, ali embaixo, a ruazinha, é uma rua de 150, 170 metros só. E ali embaixo já tinha várzea de futebol, campo de futebol, aquela coisa toda. E isso, eu estou falando, há mil e 500 metros da Praça João Mendes.
P/1 – E como era dia a dia na casa do senhor, ali na Rua Perdões?
R/1 – Olha, na verdade, foi o seguinte: meu pai foi um homem muito rico. Ele foi dono de uma das maiores fazendas. Ele foi o maior plantador de café lá da zona de Ribeirão Preto. Getulista, recebeu das mãos do Getúlio, como um dos maiores de plantadores de café daquela região. Quando veio 1929, o craque da bolsa de Nova Iorque, os cafeicultores brasileiros tocaram fogo nos cafezais e ele aí plantou cana e montou lá uma usina, que fazia pinga e açúcar. Bom, em 1943 ele arrendou, nós saímos de lá e fomos para Cambará no Paraná. Eu já havia nascido, voltei para Cambará. Quando foi em 1947, acabou o arrendamento, nós estávamos chegando a São Paulo, meu pai vendeu a fazenda. E por conta da doença da minha irmã, meu pai nunca foi de farra, de jogo, de nada, mas o dinheiro acabou. Acabou por conta de algumas coisas e a doença da minha irmã também. Então não usufrui nada dessa época que meu pai tinha muito dinheiro. Mas, aí, quando viemos para São Paulo, minha avó, minhas tias, com a minha mãe, na Rua Perdões, era um sobrado de dois andares. Quer dizer, tinha o térreo, a garagem, tinha no meio, sala, cozinha, tal. E em cima eram os quartos. Tinha quarto de empregada, tinha quintal, muito bonita a casa. Mas, eles montaram uma pensão. Então, eles alugaram, alugavam os quartos. E eu dormia na garagem, eu saí da garagem, que eu dormia ali junto com uma irmã de criação e minha prima. Aí, a gente vai ficando mocinho, 15 anos, aí a minha mãe separou e eu fui dormir no quarto de empregada. E fiquei lá, muito bem instalado, por sinal. Saí de lá para casar. Saí de lá com 24 anos para casar. Então, aquilo era uma pensão. E o que que isso afetou minha vida? Infantil e jovem? Eu não tinha um lugar para levar meus amigos. Não tinha uma sala, não tinha, porque até a sala transformou-se em quartos. Então, eu não tinha como levar amigo. Eu vivia... Brincava na rua ou ia na casa dos outros. Não tinha como acolhê-los. Então, isso, claro, jovem, adolescente, dava sempre um probleminha, tal. Mas essa foi a nossa vida. Dali a minha mãe montou outra pensão na Pires da Mota, outra na Conselheiro Furtado. Vende aquela, perde essa, tal. Mas, enfim, aí volta para Rua Perdões e, como eu disse, de lá eu já saí casado. Vinte quatro anos já, me casei cedo. Saí de lá para casar já. Fui morar em São Caetano do Sul. Que era o lugar melhor porque eu trabalhava já na Light e ali é pertinho da Estação da Luz, na Rua Mauá. Até hoje está lá, é uma grande subestação tal. E então, o melhor para mim era morar em São Caetano, perto da estação de trem lá. E eu peguei um local, um apartamento novo lá e ótimo, porque ficava quase que exatamente entre onde passavam as linhas de ônibus que vinham para São Paulo, pro Parque Dom Pedro, que era o que precisava, e entre o trem, a estação de trem. Pegava o trem, descia na Estação da Luz, descia a Rua Mauá a pé. Então, já foi a minha, a segunda moradia para onde eu fui, mas aí já casado.
P/2 – Queria voltar um pouquinho, daquela época sua, da juventude. Um pouco até depois, o que marcou você?
R/1 – O que me marcou, na verdade, foi primeiro essa vida de relativa dificuldade. Por outro lado, eu percebia o esforço que a minha mãe fazia. Na verdade, a minha mãe usava uma expressão que era verídica: ela vendia feijão cozido. Tinha quarto de hóspedes e dava refeição lá. E foi com isso que ela conseguiu me ajudar, educar, tal, até quando eu entrei na escola técnica e dali. Aí, eu comecei a trabalhar, passei a estudar à noite e me formei eletrotécnico. Mas, isso me marcou muito, quer dizer, o meu pai, a diferença de idade muito grande. Meu pai já bem velhinho, bem velhinho. E minha mãe ali ainda, com a pensão, tocando a pensão. Isso marcou mesmo. Mas, por outro lado, marcou também a amizade que a gente fez. Tinha lá uns 15, 20 companheiros. Porque ali na Aclimação, você subindo um quarteirão dali, tinha um bar chamado, o famoso Bar Natal. Ali, a turma era muito grande, de rapazes. Mas, ali começou a primeira divisão natural que foi acontecendo. E ela não foi por classe social não. Porque na nossa turma tinham companheiros que tinham casa própria. Naquela época que era dificílimo ter carro, ainda não existia nem Volkswagen. Todos os carros eram importados. E tinha amigos ali que tinham carro. Então, jogávamos bola juntos etc. Mas, a divisão marcante no Bar Natal foi que, pra dizer a verdade para vocês, ali nasceu a figura do playboy. Playboy nasceu ali. Que era turma do morro da Aclimação, que já é gente de dinheiro, de posses, classe média alta. E eles desciam pro Bar Natal. Por quê? Porque ali começou a aparecer realmente, ali começou a maconha, tóxico. Então, na verdade, era só maconha aquela época, tal. E aí, houve essa divisão da turma. De quem jogava bola, pá, e não se metia com aquilo. Continuamos amigos. Mas, você chegava lá, você via. Uma corriola encostada num muro aqui. E outra corriola encostada lá. Oba, oba, oba, mas aquilo não dava mais liga. Aquilo virou água e azeite. E, infelizmente... Felizmente alguns companheiros de lá acabaram voltando para cá no bom sentido, não é que voltaram. Mas estudaram, terminaram cursos, foram trabalhar. Hoje eu conheço muitos, que aliás não posso nem citar o nome, são até conhecidos aqui. Não no meio sindical, mas no meio empresarial. E outros realmente se perderam, acabaram morrendo por conta disso, de tóxico. Depois, a coisa ficou mais pesada. Aí, chega cocaína, essas coisas e alguém... A gente acabou perdendo alguns amigos ali. Então, foi uma época que marcou muito. E daqueles amigos que ficaram, hoje morreram acho que uns dois ou três só. O resto está tudo aí, como a gente, cabelo branco, barba branca. Alguns mais velhos já arrastando chinelo, tal. Arrastando o sapato no chão. Mas estamos vivos todos. Felizmente.
P/1 – Há pouco, o senhor falou que fez o curso técnico. Como foi a sua ida para escola? Em que escola o senhor estudou?
R/1 – Eu estudei num monte. Estudei num monte. Morando ali em Aclimação, eu comecei estudando no colégio Anglo Latino, que era na Rua São Joaquim. Hoje... Era até uns tempos atrás, corpo de bombeiros ali. Agora, eu não sei mais o que é. Acho que não é. Não, não é mais corpo de bombeiro. Colégio Anglo Latino, muito afamado, muito bom, tal. Ali, eu aprendi a ler e a escrever. Do Anglo Latino, eu fui pro colégio Macedo Soares, ali na Loureiro da Cruz, ainda Aclimação. Já mais próximo do Paraíso. De lá, fui pro Externato Irmã Catarina, na Rua Conselheiro Furtado, na Rua Pandiá Calógeras. E ali terminei o primário. Do primário, eu fui para o colégio Piratininga, que era na Avenida Angélica. Também famoso Colégio Piratininga, lá eu estudei até a segunda série e depois eu fui terminar meu curso no Colégio Santo Agostinho, que subindo a Rua Pires da Mota, lá em cima, no Paraíso, a igreja Santo Agostinho e a escola é vista tanto da hoje Rua Vergueiro, bruta avenida. Naquele tempo, não tinha nada ali atrás. Mas, hoje tem a Avenida 23 de Maio ali, Rua Vergueiro etc.. Ali, eu terminei o curso ginasial. Aí tem uma coisa que eu fui fazer que muita gente não sabe. Pouca gente, pouquíssima gente sabe. No ano de 1958, eu fiz o curso da es... Um cursinho para fazer vestibular para Escola Preparatória de Cadetes e a minha... Eu queria ser da aeronáutica. O meu sonho era pilotar avião. E estava preparado porque no vestibular da aeronáutica só tinha, naquela época, matéria português e matemática. E no exército tinha mais, tinha matemática, um monte de coisa. E quando foi na época de prestar o vestibular, a minha mãe me implorou. Implorou para eu não cursar aeronáutica. Ela não queria que eu fosse piloto de jeito nenhum. Aí, eu fiz, o vestibular foi aqui, era na Escola Caetano de Campos, na Praça da República, que hoje é Secretaria da Educação, aquele prédio maravilhoso. Mas, já perdi todo o interesse. Perdi tudo, nervoso. Eu me lembro que uma prova, eu não sabia se eu sabia, não sabia, peguei, entreguei, tal, e desisti dessa carreira. Aí, quando foi no ano seguinte. Dois anos depois, aliás, em 1960, dois companheiros daquela turma da Aclimação, eles estavam trabalhando e naquele momento eu estava sem emprego. E eles disseram: "Puxa, vai para nós procurar um curso técnico para gente poder fazer". E naquela época curso técnico conhecido mesmo só existia um: Química Industrial. Só Química Industrial. Volto à Rua Piratininga, onde tinha lá o que eu não sei qual é mais, não me lembro, o curso mais famoso de Química Industrial. Quando eu vou lá, não tinha mais vaga, tinha encerrado as inscrições. Aí, eles falaram: "Procura qualquer outro curso". Aí, eu saí procurando e achei o curso de Eletrotécnica. Expliquei para eles, expliquei que era na Escola Técnica Bandeirantes, o Colégio Bandeirantes. Ali no Paraíso. Esqueço o nome da rua ali, é conhecida. E aí matriculei. Fiz a matrícula dos três. E estudamos juntos os três. Curso técnico à noite, né, Eletrotécnica, 1961, 1962, 1963, 1964. E dali saímos, eu já estava trabalhando como eletro industrial na Elevadores Atlas. Aí, quando nos formamos, eu já estava... Passei pela Elevadores Atlas, depois pela Vapsa, que é uma metalúrgica. E eu fui encarregado de seção. Aliás, na ficha preenchida aqui, eu botei supervisor. Não é verdade. Eu era encarregado de seção. Supervisor era acima. Na verdade, ali eu fui me esconder. Por causa do golpe militar. Eu fui mandado embora da Villares. Era metalúrgico. De lá, fui pra Vapsa. Na Vapsa já pego o cargo, cargozinho, porque já estava no final do curso. Mas, a Vapsa era muito pequena naquela época para gente estar se escondendo, entendeu? A Vapsa, na época, devia ter uns 400 operários, só. Aí, eu fui para um dos amigos meus. Um desses que estudamos juntos. Vai e presta lá um exame na Light e entra na Light. Eu fui, 30 dias depois, eu fui no vácuo. Fui na Light também. A Light enorme. Empresa canadense. Falei: "Lá eu vou estar bem abrigado das coisas que a gente sabe." Que aconteciam com ativistas etc. E lá me aposentei. Mas, interessante que um dos três, dois foram para Light e um permaneceu na iniciativa privada, chegou a diretor de uma empresa de embalagens, tal, ficou muito bem na vida e tal. E outro está lá, aposentou-se junto comigo na Light, também. Entramos juntos e saímos quase juntos. Está lá aposentado, até hoje. E o que mais me impressionou foi quando nós terminamos o curso, que é um fato pitoresco também. Todo mundo termina o curso e vai procurar emprego. Naquela época, nos ônibus, tinha uma propaganda, Escola Ubiratan Eletrotécnica. E aparecia um rapaz de avental, enrolando motor, numa bancada. Essa era a Escola Ubiratan. E falava Eletrotécnica. Aí, saímos nós, formados, e a profissão nossa não era conhecida. Aí, um amigo meu, estudamos juntos, também foi para Ligt esse. Vai de gravata, terno e gravata, numa empresa, empresazinha, achou o anúncio no jornal. Quando chegou lá, o dono da fábrica mediu ele de cima embaixo e falou: "Você quer ser o quê? Eletrotécnico? Mas, você conhece isso?" "Conheço. Me formei agora, tal." "E quanto você pretende ganhar? Um exemplo." "Bom, eu acho que no mercado, o salário inicial hoje está por volta de uns 800, mil reais." "Você está louco, o que é isso. Ah, não. Eu quero é para enrolar motor." Falei: "Então, eu vou esclarecer o senhor. Tira o anúncio que vai vir aqui um monte de gente aqui te aborrecer. Eletrotécnico é um curso técnico de nível médio. O que o senhor quer é um eletricista enrolador de motor. Isso o senhor pode pagar 350, 400, 500 reais, tal. Um técnico, o senhor não vai achar por esse salário, não." Então, a profissão não era conhecida, foi... Mas, na Light, claro, conheciam. Tudo bem. Mas, empresas em geral, ninguém sabia o que era eletrotécnico. Só conhecia como técnico o químico industrial. Eletrotécnico e eletrônico. Quando o companheiro nosso formado em Eletrônica, técnico eletrônico, a primeira coisa que se perguntava: "Ah, que legal, você conserta rádio. Conserta televisão." "Não, amigo, não é isso que eu faço. Sou técnico eletrônico nível médio..." Aí, tinha que explicar. Eu posso até consertar, mas eu não estudei quatro anos para consertar televisão, entendeu? Então, era um negócio assim. E isso acabou tendo uma... Não influência. Mas, tive que muitas vezes dar muitas explicações no movimento sindical. Porque a gente ganhava um salário... Eu, para dizer a verdade, fui operário antes de me formar técnico. Depois, eu só trabalhava como técnico. Vou para Light, trabalho 30 anos como técnico. E ganhava um salário acima da média. Nossa, tinha que explicar para todo mundo porque que eu estava no movimento sindical e eu tinha carro. Aí, vem a luta sindical e vem a patrulha. Olha a patrulha: "Pó, você está... O que é isso?" Ter carro é pelego. Então, é pelego. O pelego tinha carro. Tinham dois pelegos. O Augusto, presidente dos bancários, uma das pessoas mais inteligentes que eu já vi naquela época era o Augusto. E o Augusto era funcionário do Banespa, também ganhava bem. E tinha carro. Nossa, o Augusto também tinha que dar explicação. Até que, aí vem a questão partidária. E essa coisa toda. Porque enquanto foi só movimento sindical, a gente era daquela ala chamada autêntica. Então, era Lula, Arnaldo Gonçalves, Jacob Bittar, João Paulo Pires Vasconcelos de Minas, Negão do petroquímico do Rio de Janeiro, Duque de Caxias, aquela “tchurma” toda. E tudo bem. Aí, quando entra já fundação de partido, tal. Tinha que dar explicação. Era pelego, pelego, tem carro, tal. Então, a patrulha. Eram inevitáveis as patrulhas. E eu me enchia o saco disso. De toda hora, tal. Aí, até que aprendi. "Pombas, você tem carro, cara?" Falava: "Ó, vamos fazer o seguinte, pergunta pro Augusto primeiro. O que o Augusto te explicar vale para mim? A mulher dele trabalha, a minha também trabalha. Ele ganha um salário bom no Banespa, eu ganho um salário bom na Light, sabe? Pô, mas era um saco isso, entendeu?
P/2 – Só uma coisa, você falou que quando você saiu da escola, você já trabalhava.
R/1 – Já.
P/2 – Então, esse foi o seu primeiro trabalho?
R/1 – Não, não. Eu, antes disso, eu trabalhei numa indústria de borracha, tá? O meu primeiro emprego, mesmo, foi numa indústria de borracha. Em seguida, eu fui trabalhar numa... Não era confecção. Mas lá, na época, eles faziam, eles tinham confecção também. Mas, o bum dessa microempresa, na verdade, foi uma febre que deu moda de saia de mulher plissada. E o plissê era permanente. Plissê que não saía. Porque veio junto com o tergal, o raiom, aquelas coisas, tal, e ficava um plissê permanente. E esse homem, o filho dele era da minha "tchurma" de garotos, estudei junto com ele no segundo, terceiro ano primário. Então, eu morava ali, tudo junto ali, no final da Conselheiro Furtado. No fundo, o pai dele construiu essa microempresa, botou lá uma caldeira e um autoclave, que é como se fazia. Então ele me chamou, me convidou. Eu fui para lá. Eu riscava, riscava os desenhos na cartolina, vincava depois, dobrava tudo, que ali que você botava a saia no meio, fazia assim, e ela ficava entre duas cartolinas. E aí, você enrolava num rolo de alumínio e punha na autoclave. Aí, eu virei folguista de caldeira. Por quê? Porque eu é que tocava fogo na caldeira, controlava e depois soltava o vapor para dentro da autoclave. Dentro do vácuo. Porque era vácuo. E fazia o plissê permanente na saia. E dali, isso foi em 1961, começo de 1962. E ganhava lá meu salário. Mas, o que eu ganhei lá mesmo foi minha primeira esposa. Casei com a filha do dono que era irmã do meu colega de bola. Colega de futebol e tal. E acabei namorando com a menina, tal. E foi a minha primeira esposa que foi essa. Depois disso, aí eu já fui direto para Villares. Aí, já fui direto pra Indústrias Villares, na Elevadores Atlas. E lá, eu fazia ensaio de... Ensaio elétrico de quadros. Porque o elevador é comandado lá em cima, se vocês vão lá em qualquer prédio, tem aqueles armários de aço, está cheio... No meu tempo, agora nem sei, mas não deve ser. Hoje é tudo eletrônico, deve ser. Mas, eram todos aqueles relés. Centenas de relés e a gente fazia um ensaio nisso aí. Aprovado. Você assinava, pendurava lá. E ia para obra. Aí, já era um a outra turma que ia instalar os quadros e botar o elevador para funcionar. Eu fiz esses ensaios lá, durante um tempo. Aí, como eu disse, aí fui mandado embora em 1964, tal. Aí, fui pra Vapsa. Na Vapsa, eu era encarregado da seção de relés também. Foi sem querer. Aquele regulador de voltagem do carro. Muita gente chama do relezinho, na verdade é um regulador de voltagem de corrente. Ele que é o intermediário entre bateria, o alternador. Então, no meu tempo, eram dínamos. Dínamos. Então, tinha, fabricava dínamo, motor de arranque, e esse regulador de voltagem etc. Quando eu estava lá, começaram os primeiros ensaios para fabricar os alternadores. hoje, não é mais dínamos os carros. Hoje é alternador, entendeu? Então, os primeiros testes eu até participei lá, junto, acompanhando a fabricação dos primeiros alternadores, época em que saí e fui para Light. Trabalhava na seção de proteção. Lá vou eu de novo trabalhar. O que que é proteção? Relés. Tem instrumentos de medição: amperímetros, voltômetros, registradores etc., etc., etc. E tem também os relés de proteção, mas aqueles não são relezinho de elevador, não. Tem relés desse tamanho. Super sensíveis, super refinado etc., eles protegem linhas de transmissão, geradores, circuitos na rua, transformadores. Então, infinito o... Desculpe, infinito não. Mas, uma gama muito grande de relés. Cada um com uma finalidade de proteção de equipamentos. Então, comecei minha vida... Quase começo com relés e termino com relés, aposento com relés.
P/1 – É mais ou menos por esse período que o senhor começa a se envolver com o movimento sindical?
R/1 – Foi, foi, foi. Foi como ativista. Então, por exemplo, ia lá um diretor do Sindicato dos Metalúrgicos não precisava nem entrar. Falava: "Você quer, eu faço aqui dentro". E fazia. Eu mesmo distribuía lá dentro, tal e o diretor passava por lá, já me conhecia: "Ô, chama o Hugo aí, tal". E pegava o pacote. Ou depois telefonava: "Olha, vou passar aí". Eu já pegava. Não distribuía na Villares inteira, mas no meu andar, com certeza. Porque aquilo era um monstro, um andar imenso. Então, eu que distribuía, tal. Aí, talvez por conta disso tenha sido mandado embora. Aí, quando chego na Light, na Light... Olha, esse negócio de movimento sindical, fale quem quiser, você pode formar um bom dirigente, tal. Mas, a pessoa que, aquele que se destaca, a liderança, aquele que fala, aquele que vai, que tem mais audácia, tal, é outra coisa, tá? Aquilo já vem. Vem do ovo, já. Vem do ovo. Então, já veio, aquilo que a gente falou da cachaça, entendeu? Às vezes, o sujeito está quieto no canto dele, aí mexem com ele, vão lá, provocam e levam. Mas ele já vem do ovo, ele já tinha aquilo. Aí vira um puta de um dirigente, entendeu? Mas na verdade, só dá uma burilada nele. É natural que ele se torne liderança, entende? O resto, burocratas, tal. Bons dirigentes, bons negociadores. Agora, não tira ele dali pra ele ir pra porta de uma fábrica falar ou dá, não consegue não. Isso é dom. Bom, então, eu não tinha mais, não tinha nada a ver o Sindicato dos Eletricitários, tal, mas já começa o movimento dentro da minha seção. A minha seção era muito pequena. A Light era enorme, mas a minha seção tinha 45 homens, entre engenheiro, técnico, calibrador, ajudante de calibrador e ajudante de técnico e o motorista. Então, entre tudo isso era 45, só. Mas aí já começa reivindicação. Injustiça, eu via. Eu descobri que mutretavam a minha hora extra. O burocrata lá na hora de bater à máquina lá no escritório central, fazia, sabe? Fraudava nossas horas extras. E aí, quando eu comecei a pegar aquilo, já começou aquele troço. Quando chega nessa época, aí nós chegamos em 1971, e o nosso sindicato foi fundado em 1945. E o presidente, com raras exceções, foi o mesmo: José Cabral. Até hoje o prédio tem lá o nome dele, José Cabral. Ele não foi o presidente três anos, uma época, porque a legislação proibiu a reeleição. Depois, tal. Mas era tudo oposição não teve uma lá, tal, tá bom. Bom, e o pessoal já tava muito aborrecido com isso, muitos e muitos anos lá. Aí, passa um companheiro, da operação, e fala: "Olha, eu tô a fim de fazer uma chapa de oposição. Você participaria?". Falei: "Participo. Com o maior prazer, participo". "Então faz aí uma eleição da sua seção". E eu fiz a eleição. Eu tenho esse papel guardado até hoje, de cruzinha, o pessoal vinha e riscava. E eu fui eleito. Eleito. E guardei o papel lá. Guardei e fiquei esperando. Quando é um tempo depois, eu morava ali em São Caetano, como eu disse a vocês, pertinho da onde eu morava, pra ir pra estação de trem, tem que passar na Terminal São Caetano, que é um monstro, também, de enorme. E lá tinha um operador, um autodidata. Como eu ia trabalhar lá sempre com ele, ficava conversando com ele. Sujeito quieto, tal, mas... Puta duma cabeça, entendeu? Ali eu tive contato, os primeiros contatos, com teorias. Com livros. Aí, ler mesmo livros de políticos etc. E ele... Engraçado, ele não era do, da esquerda, não era do Partidão. Só tinha Partidão, mas não era. Nunca passou por perto. Mas era muito crítico da estrutura econômica do país, né, da política, etc. Principalmente nessa época da ditadura militar. Bem, conversava muito com ele. Eu às vezes chegava mais cedo, mas chegava em casa mesmo 11 horas da noite, porque eu ficava lá conversando. Às vezes, eu jantava junto com ele ali, tal. E eu adorava conversar, uma, uma sede de aprender muito grande nessa época, sabe? Essas coisas, tal. Teorias econômicas, essas coisas todas. Bom, aí ele, ele... Um dia, ele me telefona: "Oh, Hugo, tal, você não quer fazer chapa, parte da chapa de oposição?". Eu falei: "Claro, eu já fiz até eleição aqui". "Que eleição?" "Não, passou aqui o fulano de tal: 'Faça eleição. Quem vencer a eleição aí vai integrar a nossa chapa de oposição'". Porque a seção era pequena, mas ela estava, primeiro... Primeira coisa, ela tava encravada ali na Paula Souza, que chama Paula Souza até hoje. Ali tinha construção de estação, operação, manutenção de estação e proteção. É o lugar politicamente estratégico. E então, eu falei pra ele: "Olha, já fiz a eleição". "Não, mas não tem nada a ver com fulano de tal. A chapa que eu estou te falando é do Sílvio Guimarães que trabalha no Despacho da Carga", que nós, técnicos, tinha que se reportar sempre para o Despacho da Carga. Porque ele que controla o sistema. Um puta painel desenhado, aquelas coisas toda. Hoje, também, é computador, tal. Naquela época, eles controlavam o sistema todo por ali. Então a gente não podia fazer uma manobra, mexer com nada, sem antes falar com o Despacho da Carga. Certo? E ele que nos avisava: "O equipamento está livre, está desligado e isolado, você pode mexer." Ou, senão: "Não mexa aí que está ligado". Bom. E aí, o Sílvio Guimarães trabalhou lá. Trabalhava lá, no Despacho da Carga. Aí ele falou: "É do Sílvio". Falei, então: "Quero conhecer". "Não, vamos nos encontrar". E aí, tal, me apresentou e começou o trabalho da oposição, certo? E ganhamos aquela eleição. Eu fiz parte do conselho fiscal da época. Parte do conselho fiscal. E tomei posse em novembro de 1971 nos Eletricitários de São Paulo. Já, em 1973, ou 1974? Eu fui eleito Secretário Geral da Federação dos Trabalhadores das Indústrias Urbanas. Que é energia elétrica, água e gás, no Estado todo. Bom, dali, Secretário Geral, quando chegou em 1977, em abril, acho que foi em abril, houve eleição. Mas aí, os sindicatos filiados já não queriam mais o Navas presidente, velhinho. Aquele sistemão que todo mundo conhece do movimento sindical, tal. "Nós queremos renovar", tal. E o meu era o maior sindicato da federação, o mais poderoso, o Eletricitários de São Paulo. Aí o Guimarães chegou e falou: "Não, o presidente vai ser o Hugo". Todo mundo aquiesceu, concordou, e então eu fui eleito vice-presidente da federação pra assumir a presidência. Porque o que ficou acertado entre os sete sindicatos filiados foi que o Navas, seria eleito presidente, ia cuidar da aposentadoria dele na Light até novembro. Novembro, ele se retiraria. Ele só participaria das reuniões mensais e quem tocaria a federação era eu. Então, eu... Todos os documentos da época, você vai lá, "Hugo Perez, vice-presidente no exercício da presidência". E foi nessa qualidade que eu cheguei como secretário geral do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos [Dieese], em 1977, convidado pelo que iria ser o presidente, Augusto Lopes, diretor da Federação dos Químicos. É, e o Augusto me convidou e eu vim como secretário geral do Dieese. Quando foi em junho de 1977, aconteceu o célebre fato da história do Banco Mundial que se pegou pela primeira vez, de uma maneira oficial, um órgão oficial afirmando que a inflação que o governo havia adotado pros seus cálculos em 1973 não era de 13 %, e sim de 26,62 %. Só que o Banco Mundial não botou 26,62%. Acho que ele falou: "Os cálculos acima, nós adotamos a inflação de 26,60%". Então, tá na cara que usou o número do Dieese. Por dois centésimos. Então, ele usou o do Dieese. Muito bem. Com isso, o Barelli nos chama e diz: "Olha, agora nós temos aqui um jeito de começar a luta." Oficialmente, tal. Por quê? Porque o governo havia decretado o reajuste: 13%. A metade! A metade do que tinha sido a inflação, entendeu? Foi aí que, então, convidamos um companheiro. Era um companheiro que não era conhecido no movimento sindical como um todo etc. Mas já se sabia quem era mais afeito, quem tinha militância política, ativismo. Na luta contra a ditadura, aquelas coisas todas, tal. Já tinham ouvido falar. Então, foi chamado um companheiro chamado Luís Inácio, entendeu? Luís Inácio da Silva. Ele veio ao Dieese, o Barelli chamou e ele aceitou encabeçar, ou puxar, essa luta do que ficou conhecido como luta pela reposição salarial. E ali foi interessante, porque travou-se... Os sindicatos convidavam porque o Lula dizia: "Eu quero negociação direta, não quero mais saber de Justiça do Trabalho, tribunal. Tribunal não pode, está proibido de dar reajuste maior do que o decreto". E estava mesmo. Aconteceu um fato interessantíssimo naquela época, o Delfim Netto era o Ministro da Fazenda e mandou um telegrama ao Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo recomendando ao Tribunal que não desse reajuste superior ao decreto. Quer dizer, é a ditadura mesmo. Quer dizer, "Não dê mais do que nós estamos interpretando". E o Tribunal pss, baixou a crista e só dava aquilo. Bom, aí em 1977 começou-se essa discussão. E o Lula dizia: "Não, o que importa é a negociação direta". Eu me lembro bem que os sindicatos convidavam a gente e a gente ia lá, fazia palestra. Por quê? Isso saía em jornal. "Luta pela Reposição Salarial, os sindicatos estão lutando", tal, pá-pá. E eu me lembro de um fato... Outro dia, perguntei ao Lula e, num encontro assim, ele não lembrava disso. Se eu não me engano, foi no Sindicato dos Bancários. Eu acho que a oposição não tinha ganho a eleição lá ainda. Mas o presidente nos convidou. E aquele debate grande e tal. E o Lula dizia: "Tem que ser negociação direta. Negociação direta porque aí nós vamos obter bá-bá-bá-bá". E eu dizia: "Pois é, e nós já fazemos negociação direta. Desde 1964, mesmo com o golpe militar, a gente sempre fez negociação direta. Nós não conhecemos o endereço, aonde fica o Tribunal Regional do Trabalho. Nunca instauramos um dissídio". E tudo o que eu falava era verdade. A gente ia para negociação direta. Aí tinha um companheiro que perguntava: "E então, companheiro? O que vocês conquistaram na negociação direta?". “É, porra nenhuma.” [risos] Aí, o pessoal: "Pô! Mas como?" "É, a gente negocia, negocia, mas não muda nada. Então, o de lei e acabou". Aí, claro, os militantes ativistas: "Ah, claro, pô! Mas precisa ter poder de fogo, pô! Tem que fazer greve, caramba. Se não tiver greve, também, não adianta negociar!" Eles falavam. Nós, ó... Claro, porque senão, pss! Entendeu? Então a massa, ali, de trabalhadores e ativistas, falava: "Ah, tem que fazer greve mesmo. Nós temos que fazer uma greve! Senão, não consegue nada. ". E aquilo foi, foi, foi num crescendo. Nesse ano mesmo, no dia sete de novembro de 1977, foi um negócio interessante. Naquela época, o governo militar bolou uma coisa, o Ministério do Trabalho, e eles davam cursos pra dirigentes sindicais. O Ministério do Trabalho, oficialmente, ele dava cursos. Está bom. Iam pra lá 200, 300 dirigentes sindicais. A cada mês era um Estado diferente que mandava sindicalistas. E nós já estávamos aqui em São Paulo na luta pela reposição. Quer saber de curso oficialista, curso nada. Deixa lá. E o delegado do trabalho naquela época, que era Vinícius Ferraz Torres, já morto, também. E era um homem bom, rapaz. Mas o cara era tão bom, tão bom que ele era ingênuo. Caiu na ingenuidade. Na inocência. Eu conto. São Paulo manda lá 250 dirigentes sindicais para fazer o curso. E vai lá, tal. A minha federação não indicou ninguém. Ah, nem, nem sabia disso. Aí, o Vinícius me chama na Delegacia do Trabalho: "Oh, Hugo, preciso que você fizesse uma coisa. Por mim, pela delegacia e, porque não dizer, por São Paulo". "E o que é, doutor Vinícius?". "Não, é que tem esses cursos assim, assim, assim. Eu gostaria... Porque depois, quando acaba o curso, eles vão visitar o Presidência da República. E lá precisa um orador, e eu queria que você fosse fazer o curso". "Ah, doutor Vinícius, por favor. Eu não vou fazer esse curso". "Não, você está nessa luta aí, mas... Faz isso. Vai pra lá! Vai no último dia, que é pra você ser o orador". "Doutor Vinícius, o senhor está... O senhor sabe o que o senhor está pedindo pra mim? O senhor tem certeza do que o senhor está pedindo pra mim?" "Não, claro! Você vai ser o orador". Eu falei: "Está bom. Eu vou." Porque a macacada aqui já era, (Loro ?), Jacó, não, aqueles todos... Já tava no... O caldeirão já tava fervendo. Aí o homem me pediu isso. Eu: "Bom, tá bom". Não deu outra. Cheguei lá no último dia, de manhã, falei um pouco pra mostrar um pouco da voz. Falei um pouco aí e tá-tá. Mas já tem carta marcada. "Não, é o Hugo Perez que vai ser o orador, tal, bá-bá-bá-bá". Está eleito. Acabou o curso, pá-pá, cada um foi pro seu quarto, banho, tal, e vamos pro Palácio. Isso foi no dia sete de novembro de 1977. Então, falando em nome desses 250 dirigentes sindicais, foi que eu lancei a idéia, fiz a proposta, e mais do que isso, reivindiquei que os trabalhadores tinham o direito de fazer o seu congresso nacional. Porque os patrões tinham acabado de realizar o seu e, na verdade, parece que a história depois mostra que a Conclap que já existia, Congresso Nacional da Classe Produtora. Aquele ano, acho até que nem tinha tido, não sei se foi uma reunião que teve, acho que no Rio de Janeiro, tal. Mas eu peguei o gancho e falei: "Ah, patrão tem direito de se reunir intersindicalmente, porque os trabalhadores não tem. Então eu estou reivindicando aí essa, essa possibilidade da gente..." E ali nasceu a idéia do Congresso das Classes Trabalhadoras, Conclat. Eu não tinha idéia do que tinha feito. Vou falar a verdade pra você. No dia seguinte, foi manchete dos jornais de Brasília, Folha de São Paulo, Estadão, aqui em São Paulo. No outro dia, seguinte, editoriais, eu tenho todos guardados. Editoriais: "Porque, afinal de contas, a classe trabalhadora tem seu direito mesmo", tal. E aí, a mídia começa a usar a gente. A gente falava qualquer porcaria, era manchete, entendeu? Por quê? Porque tensionando contra a ditadura e a imprensa nos ajudando: "Blá-bão, tem que fazer mesmo, bá-bá-bá". Isso foi no dia sete de novembro. No dia 19 de novembro, eu me casei. Foi meu segundo casamento. 19 de novembro. E viajei, fui na Praia Grande, na nossa colônia de férias, pra ficar lá acho que quatro, cinco dias, tal. Quando eu voltei, o Vinícius, cheguei lá: "A Delegacia do Trabalho está te procurando". Eu liguei. "Não, o doutor Vinícius quer falar com você". "Não, não, eu vou pessoalmente". Aí eu fui lá, falei: "Oh, doutor Vinícius, o que houve?". "Não... doutor Aloísio Simões teve aqui..." O doutor Aloísio era o ex-diretor da Dele... Ex-delegado do trabalho, de São Paulo. Naquele momento, entra o Vinícius e ele vai pro Ministério. Ele é o Secretário de Relações do Ministério, nossa! E o homem era um aristocrata, só faltava usar um monóculo. Bigodinho branco, coisinha e tal. Chegava na delegacia, funcionários, dirigentes, todo mundo tinha que descer. Ele subia sozinho no elevador. Na hora de descer, mesma coisa, só descia sozinho. Aristocrata, parecia aqueles alemães da Gestapo, aquela coisa, sabe? Um radicalzão de direita mesmo, tal. Aí, ele falou: "Doutor Aloísio Simões de Campos teve aqui. Veio falar com o senhor, pro senhor parar com essas reuniões". Falei: "Não, eu vou a Brasília falar com ele". "Ah, não, não, não. Não precisa. Imagina! É só o senhor parar com as reuniões", tal. E eu falei: "Não. Não dá pra parar". Porque a imprensa caiu em cima, querendo saber quando vai sair essa tal de Congresso da Classe Trabalhadora. Quando é que pá-pá-pá? E aí surge a palavra Conclat. E surgiu porque o... Ah, rapaz! Eu não posso esquecer. É uma injustiça esquecer o nome dele. O que foi Assessor de Imprensa lá do Lula, metalúrgico de São Bernardo. Ele morreu num acidente, há poucos anos. A mulher dele, a, a irmã dele foi assassinada pelo, aquele cantor...
P/2 – Julinho de Grammont?
R/1 – Julinho de Grammont! O Julinho foi me entrevistar, na época ele trabalhava na Bandeirantes, e ele falou: "É, por que que você não, não fala", ah, me entrevistando, falou: "é, então vamos realizar a Conclaper né?" "O que é Conclaper, Julinho?" Falou: "é, o Congresso da Classe Realmente Produtora" [risos].
P/1 – [risos]
R/1 – Realmente produtora, que são os trabalhadores. Falei, "Não, esse nome não dá". Mas aí surge a idéia da Conclat, né, Congresso Nacional da Classe Trabalhadora. Aí, eu vou pra Brasília, vou falar com o doutor Aloísio. Do jeito que ele tava sentado, ele ficou. Eu entrei, parei de pé na frente da mesa dele. Nem levantou os olhos. Só quando eu entrei, ele fez assim e continuou assinando pastas. Aí, tirou o óculos, então botou a pasta assim, e falou: "Senhor Hugo, vamos direto ao ponto. O senhor anda fazendo reuniões intersindicais". "Sim". "O senhor sabe que isso é proibido por lei"."Ah, sim. Proibido. Mas é... Na verdade, nós estamos tentando organizar a Conclat." "Que Conclat?! Que que é isso? É proibido por lei reunião intersindical! Eu não admito!" Falei: "Doutor Aloísio, o senhor viu a entrevista do ministro Arnaldo Prieto dizendo que achava justo..." "Isso tudo é coisa pra imprensa! Nós estamos falando de lei, senhor Hugo. Ou o senhor pára com essas reuniões intersindicais ou eu vou intervir na federação". Falei: "Doutor Aloísio, eu vou dizer pro senhor. É difícil parar. Impossível. Porque tudo quanto é sindicato agora está se reunindo, vai lá e quer saber das coisas. Mas eu gostaria de dizer uma coisa pro senhor. Não intervenha na federação, não. Se o senhor fizer isso, o senhor vai... Amigos seus de muitos anos. O meu secretário geral é o doutor José Cabral. Foi juiz do trabalho, foi presidente dos Eletricitários, grande amigo seu. O meu tesoureiro, presidente do Sindicato do Gás, advogado, juiz classista, juiz, não, vogal na Justiça do Trabalho. Grande amigo seu. O senhor vai prejudicar e aí, isso aí. Faz isso não, Doutor Aloísio. Se o senhor quiser, cassar meu mandato. Mas não intervenha na federação, não. O senhor vai prejudicar amigos seus. É só isso, Doutor Aloísio?". "O senhor verá!" Eu falei: "Passar bem, senhor." Virei as costas e fui embora pra São Paulo. Ah, e louco pra ele me cassar. Opa! Cassou nada. Claro que não cassou. Aquela altura eu já tava como presidente do Dieese, pô. Sabe? Aí, se me cassar, imagina o rebu. E aí, eu ia virar mártir. Opa! Eh, eh. O primeiro! Nossa! E então, é claro, não são burros, não cassou e a coisa continuou. A coisa continuou. Mas, quando chega dia 12 de maio, eclode a primeira greve. 12 de maio. E aí, aqui...
P/2 – 1978?
R/1 – 1978, na Scania-Vabis. Um diretor lá, do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, era o Gilson Menezes. E aí, aquilo vai, um rastilho de pólvora. São Paulo, interior, depois, outros Estados, tal. Na verdade, logo depois em 1978, isso eu estou falando 12 de maio. Em junho, teve o V Congresso Nacional da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria [CNTI], no Rio de Janeiro. Quem era o presidente da CNTI? O decano dos pelegos do Brasil, Ari Campista. Um homem que era um enólogo, um “connoisseur” de vinhos, entendeu? Matérias de revistas importantes, tinham entrevistas com ele, falar de vinho. Pois esse é o grande líder operário. E nós fomos pro Rio de Janeiro, nos organizamos aqui, lá nos Metalúrgicos de São Bernardo. Bolamos lá um estatuto mais democrático, um regimento mais democrático pro congresso, e fomos pra lá. E lá, eu me lembro da manchete de um jornal, eu não lembro qual o jornal na época, "Geisel..." O Geisel foi abrir o V Congresso. Presidente da República. Foi lá e abriu. E o jornal definiu muito bem numa manchete: "Geisel virou as costas". A guerra começou, o Geisel virou as costas, chutaram a mesa, não sei. Foi a manchete do jornal. Quando o Geisel virou as costas, o pau comeu. O pau comeu. E é aquilo que eu comentava até a pouco. Eu me lembro que convidado para palestrante do congresso, o ministro Arnaldo Sussekind. Entendeu? Jurista do trabalho, reconhecido e respeitado, tal. E me coube a tarefa de subir no palco, e o pau comendo, aquelas coisas todas no plenário, e eu pedi. Eu pedi desculpas a ele: "Doutor Arnaldo, eu lamento, mas o senhor não vai falar. Não vai. Nada contra o senhor, como senhor está vendo. Tudo a ver contra o congresso. Aliás, desculpa, contra a forma que o congresso vai se realizar. Então, enquanto a gente não resolver essa pendência, o senhor não fala". E ali rolou, né, esse negócio todo. Primeiro dia, realmente não houve congresso. Não me lembro mais se no segundo teve. Mas ali aconteceu um fato também pitoresco. Foi no campo, foi no ginásio de esporte do São Cristóvão. E lá dentro do ginásio, o Ari Campista montou uma tenda de plástico, de lona, muito bem feita, muito bonita, com ar condicionado. E o pau come daqui, de lá, pá-pá-pá, e ele sempre acompanhado daqueles guarda-roupas. Nossa senhora! Cada homem desse tamanho, tal. Aí, nas tratativas todas, já no outro dia seguinte, acho que foi, fim do dia: "Precisamos conversar". Então, o Ari Campista falou: "Tira aí uma delegação e pode vir conversar comigo, então". Aí, fomos lá. Então. Lula, eu, Jacó, o Arnaldo. Nós quatro é certeza que estávamos nessa comissão. Aí, o Ari Campista sentado, como sempre muito elegante, terno, gravata, piteira:"Como vão companheiros? Por favor, sentem-se".
P/1 – [risos]
R/1 – Era! O homem era fino. Nossa.
P/1 – [risos]
R/1 – Aí, nós começamos: "Não, vamos fazer assim, não sei o quê". O Ari Campista olhando, tal: "Bom, eu sugiro que os senhores pude..." "Não!" Aí eu falei uma coisa, o Lula falou outra: "Não, pá-bá-bá-bá!" E uma pequena discussão entre nós. [risos] Disso o Lula se lembra até hoje. O primeiro tapa na bunda, viu? "Um minutinho, por favor, companheiros. Eu pediria aos colegas da imprensa que não registrassem essa distinção entre nós, que é muito desagradável". [PALMA E RISOS]. Ai, ai. Eu nunca me esqueço! Na hora, deu vontade de bater nele, mas depois a gente ria muito. O Ari Campista era fogo. Aí, aí, sim vai mostrar como é que é o negócio. Fomos todos, acertamos como é que era: "Nós vamos apresentar a nossa proposta de regimento, você apresenta a sua, que você já tem, tal. Mas deixa a gente colocar a nossa proposta, defender a nossa proposta, depois você põe em votação, Ari". "Não, claro, claro. O que nós estamos combinando aqui está combinado. Está fechado". "Então, vamos pra lá". Fomos pro palco, subi no palco, tal. E os companheiros me indicaram pra fazer a leitura de regimento, tal, e, não me lembro mais, mas dois ou três de nós faríamos a defesa do regimento. Está bom. Aí o Ari Campista, pediu silêncio, plenário todo em silêncio. Ele virou e disse assim: "Companheiros, eu queria dizer que nós conversamos aqui com os companheiros fulano, fulano e fulano, grandes lideranças, e nós vamos proceder da seguinte maneira. O nosso, o meu regimento, o regimento da CNTI vocês já tem, já conhecem. Então, o Hugo Perez vai ler o regimento deles, e em seguida eles irão defender a proposta. A votação se dará da seguinte forma. Quando for votar, quem estiver favorável ao regimento da CNTI, virá pra cá com a..." Quando ele fez esse gesto. Ah, mas quando ele fez isso, eu parti pra cima dele e fui abraçado por um daqueles trogloditas, entendeu? Ali eu perdi a cabeça, ali eu perdi, entendeu? Daí é jogada demais. E aí, eu parti, mas parti de uma distância razoável, em cima de um palco enorme, mas eu não dei, acho que não dei três passos, quatro passos. Pá! Ele me abraçou. Eu ia pegar o Ari aquele dia, mas ia. Mas eu fiquei cego de raiva, a manobra que ele fez. "Primeiro eles vão ler, entenderam? Depois que eles lerem e defenderem, aí nós votaremos. E a votação se dará assim, ó! Não vai ser levantando a mão. Os que forem favoráveis a CNTI virão pra cá e os que forem contrários..." Mas não precisou nem fazer o segundo gesto.... Vuuuuu.... Ele bateu os olhos e falou: "Ganhei!" Pronto. [risos] Esse era o velho Ari Campista. Isso foi em junho. Em junho. E coisa estava feia, porque no setor de energia elétrica, nós agitávamos muito. Estávamos fazendo uma agitação muito grande. É, o presidente do sindicato nessa época ainda não era o Magri não, era o Guimarães mesmo. Mas o Guimarães, também, começou a ver a pressão que era. Quando vinha a idéia de Conclat, aquela coisa toda... Ah. Pra começar que já ficaram abespinhados, porque na luta pela reposição salarial, quando ela começou, se não me engano foi o Lula mesmo, metalúrgico de São Bernardo, é só olhar aí os documentos do Dieese, vocês verão que eles pediram o estudo pra ver qual tinha sido a perda, havia sido a perda. Ah, se não me engano, a minha entidade, a federação, foi a segunda que pediu. E quando pediu, ela não pediu Eletricitário, ela pediu Eletricitário, Água e Gás. O da Água não chegou a ser feito porque eu retirei o pedido porque o presidente do Sindicato da Água, na época, da Sabesp, ele era do Partido Democrático Social [PDS], era Malufista. "Não põe meu nome no meio disso, eu não autorizo, pá-pá-pá". Então está bom. Não foi feito a perda deles, mas foi feita a do Gás e de Energia Elétrica. E de Energia Elétrica teve várias empresas. Light, Companhia Energética de São Paulo [Cesp], Paulista de Força e Luz e outras menores, particulares etc. Bom, é, e aí começamos a fazer trabalho na base. E, pelo atropelo, não dava tempo de fazer aquela, aquela senhora organização de base. E o movimento foi decrescendo. Muito bem. Quando a coisa... Voltei do Rio de Janeiro, a base aqui em São Paulo da Light já tava razoavelmente inflamada. A gente mesmo fazia. Eu ia almoçar no Cambuci, que é o local de concentração operária da Light naquela época lá. Então eu ia almoçar lá no Cambuci, tal. Almoçava."Bá, e aí, meu? Saiu o aumento de São Bernardo, saiu o aumento de não sei o quê e aqui nada?" Falei: "Claro que não. Você está ganhando bem, pô!" "Que está ganhando bem?" "Claro, se não tivesse ganhando bem, você estava lá no sindicato. Por que você não vai lá no sindicato pressionar? Ué, sinal de que você está ganhando bem. Ou você acha que São Bernardo saiu assim?" E aí, pá, e aquilo foi fazendo rapidamente a cabeça das pessoas e saindo negociações e aumento aqui e acolá. Isso foi inflamando... E ao mesmo tempo, eu fui pra o interior. Por quê? Eu, presidente federação foi junto com o Sindicato de Campinas, de Energia Elétrica de Campinas, que o presidente era o Felício. E aí eu começo a correr quem? Cesp. E fomos até Água Vermelha, que tava em construção ainda, Ilha Solteira, Juquiá, Primavera, ali nessa época tava também em construção. Barragem ainda. Aí veio subindo pelo Paranapanema, que aí já é o Sindicato de Ipaussu , mas ali tem a usina de Capivara, tem a usina de Itapaci ... Vem subindo. Então, eu diria pra vocês que o pessoal tava muito mobilizado, entendeu? E aí, é que começa, abre as negociações. Sempre botando, ou tentando botar a Light como, né, o carro-chefe. E a Light diz que: "Não. Carro-chefe, não. Eu sou empresa privada. Se qualquer empresa estatal der, a gente está junto. Eu não vou dar não. Nós já estamos na mira do governo, por ser empresa privada. Já não temos remuneração adequada do capital, já até está pum-pum. Sei lá o que querem fazer com a Light". Claro, porque nos bastidores já devia estar aquele negócio de comprar a Light, aquelas coisas. Então, "Não dou, não. Não dou, não". Aí, ele chegou numa dessas negociações e disse: "Olha, vocês façam o que vocês quiserem, vocês podem até mudar o nome da empresa, mas eu não dou um tostão". Quando acabou a reunião, fomos pro corredor, tal. Quer dizer, aí já é informal, e aí que as coisas acontecem. Doutor Rui Bessoni Pinto Correia, diretor da Light no Rio. Na verdade, eu acho que esse homem nunca foi presidente porque ele não quis, sabe? Porque ele começou como advogado, pequenininho lá. Chegou a diretor. Ele tinha a Light aqui na cabeça. É, ele olhou, eu falei: "Doutor Bessoni , afinal, porque vocês não dão?" "Não dou, mesmo. Claro que não dou. Faz a Cesp. A Cesp não é do governo? Ué, o governo é governo, dá o aumento pra vocês. Não precisa nem vir no Rio. Só telefonar e falar, ó: 'O aumento foi de 13,1%? 13,1%! Foi de 12,8%? 12,8%! Igualzinho. Não precisa nem vir aqui, tá? Se a Cesp que dê. Eu não dou". E quem que mandava na Cesp? O vice-presidente executivo, Capitão Guimarães do exército. É o homem que mandava, era executivo. Como se diz, presidente executivo. Eu nunca me informei na história, é, então fica... Mas precisavam checar. Falavam na época que foi um dos fundadores, idealizador da operação Bandeirantes, a Oban. Que foi um órgão anterior ao Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna [DOI-Codi]. Dizem, mas não sei. Mas esse era o homem. E eu, eu não batia com ele, rapaz. Era os dois se encontrar, saía faísca. Porque um dia ele disse, numa mesa de negociação: "Sindicato, pra mim, é pra cuidar de colônia de férias e dentista. O reajuste é decretado. Por que vocês ficam enchendo o saco?" E eu me levantei da mesa, eu não era presidente da federação ainda, o Navas era presidente, dali começou. Aí, a gente começou a incendiar a Cesp. E nada de negociação. Aí eu me lembrei daquele episódio da Scania-Vabis que não queria negociar. Aliás, ela queria negociar e a Volkswagen não deixava, pra não abrir precedentes. O Lula falou: "Bom, então vamos parar a Volkswagen, ué". Parou a Volks. Aí sentou. Aí sentou, ela e a Scania e o que mais veio. Eu me lembrei desse episódio e falei: "Puxa vida, eu, eu nunca procurei, eu vou procurar o sindicato patronal". Nunca tivemos contato, não sabia nem o nome. E o presidente do sindicato patronal era o presidente também da Associação das Empresas de Energia Elétrica, que era mais conhecida, tinha revista, tudo, que o próprio sindicato. E ele era dono de três... Dono na época, acho... Não sei se ele era dono ainda, hoje é dono. De três empresinhas de energia elétrica. A sede é na Alameda Campinas, fui lá, marquei com ele. Falou: "Ó, pode vir conversar". Cheguei lá, era um moço. Moço. "Que você quer?" Eu falei tal, tal, "Você não me conhece?" "Não". "Eu tenho visto você, tenho ouvido falar etc. etc." "Que você precisa?" Falei: "Negociar". "Ué, e por que não estão negociando?" Eu falei: "Mas a empresa não quer negociar. Nem a Light, nem Cesp." "E agora?" Eu falei: "Ué, a base está conflagrada", para usar uma palavra. "Sei, mas, você tem controle disso”."Nenhum. Não tenho nenhum". "Mas, como não tem?" "Não tenho. A gente sai fazendo assembléia. Você acha que dá tempo de organizar militantes bons, cabeças, tal? Eu vou te contar um episódio que o senhor não sabe. Na usina de Capivara, fiz assembléia quatro horas da tarde. Parou a usina, pararam assim. Parou tudo. E veio pra assembléia". "U-hum. E daí?" "Eu estou lá falando com o pessoal, explicando, tal, a idéia da negociação, que a gente tinha tido tal perda, tá-tá-tá. O senhor não sabe quem se levantou na primeira fila, não tendo nenhum conhecimento do que é regra de assembléia, nada, ele falou: 'Dá licença, aí, companheiro!' Levantou e virou pra trás: o engenheiro. E disse assim: 'Oi, turma. Lá em São Bernardo, pararam um torninho. Já imaginou aqui nós parar a máquina?' Falou desse jeito. Pô, uma máquina geradora". Eu falei: "Ó, doutor fulano. Quando ele falou isso, a água da represa fez assim, ó. Mesmo sem desligar, ela balançou sozinha". "Mas eu acredito". "O que o senhor pode fazer? Dá pra chamar o pessoal? Pra negociar, tal?" "Me dê dois dias". "Está bom". No final de dois dias, ele me ligou e falou: "Hugo, vamos negociar!" Eu falei: "Aonde?" "Aonde você quiser". Falei: "Aqui na federação". "Está bom". "Quem?" Ele falou: "Todos! Todos. Cada empresa mandará um diretor". "Ah, é? Depois de amanhã? Está bom". Desliguei o telefone e disse: "Muito obrigado, doutor Carlos Eduardo Moreira Ferreira". E depois veio a ser o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo [Fiesp], deputado federal e agora é o presidente da Confederação Nacional da Indústria [CNI], né, nesse momento. É o presidente em exercício da CNI. E ele realmente trouxe o pessoal. A gente tem que falar as coisas. História é história. Ele trouxe o pessoal e falou: "Vai lá porque não é nem o Hugo mais", isso ele me contou depois. "O Hugo você pode matar, fazer o que você quiser, não tem importância. Mas parar o (mundo ?). Fizer assim, pá, vai ser..." E assim foi, essa foi a negociação. Então, no dia 15 de setembro, na hora chamei o Dieese. Chamei o Dieese pra me assessorar. Eu não me lembro, na época, se foi o Maurício, Maurício de Souza que está aí. Maurício Soares.
P/2 – Soares.
R/1 – Maurício Soares! É, acho que foi o Maurício, sim, que foi nos assessorar nessa negociação. E foi feito o acordo, o primeiro em, desde 1964. No dia 15 de setembro de 1978, saiu o primeiro aumento salarial dos eletricitários do Estado de São Paulo. Entendeu? Isso foi 1978. Aí, essas lutas, então, como estão vendo, não deu pra, tal. Até que, a coisa vai caminhando. 1980, 1979, greve de novo, 1980, aquela bruta greve outra vez, tal. E quando foi em 1981, e eu tenho esses documentos, houve uma reunião em São Bernardo e o Lula veio conversar comigo e disse: "Ó, ou a gente vai fazer a Conclat ou então pára de falar nessa [porcaria]!". Porque aquilo virou bandeira de movimento de oposição sindical, de situação: "É, a nossa chapa vai fazer a Conclat" ou "vai participar". Bom, aí, eu vim de São Bernardo, acho que foi na prefeitura, viu? Nós tivemos que ir lá, pra um outro negócio, e subiu todo mundo lá. Eu tenho esse papel, quem participou dessa reunião também. E lá decidimos fazer uma grande reunião pra eleição das comissões já. Essa reunião aconteceu no Sindicato dos Químicos da Tamandaré. Tava lotado o plenário. E ali foram eleitas as comissões de Imprensa, comissão da... E a mim coube a organização, né, a Secretaria de Organização foi montada na federação, na Rua Machado de Assis. Dessa comissão, me lembro bem de quem participava, Edson Campos, que hoje é assessor da Central Única de Trabalhadores [CUT] e está em Brasília. Ele era bancário em São Paulo. A... Que não me falhe a memória... Assessora da CUT, agora, nem sei se está... Não está mais na CUT, mas está lá assessorando no Mercado Comum do Sul [Mercosul]. Puxa, toquei nela ontem.
P/2 – Carla Arantes
R/1 – Não, Carla Arantes tá lá na Presidência da República. Ontem falei dela. É Sílvia Portela! Poxa, perdão. Esqueci. Sílvia Portela lá. Edson Campos, Sílvia Portela, mais alguns companheiros, tal, tal, e eu, e eu lá. A gente organizou a Conclat. E ela foi realizada no dia 22, 23 e... Não. 21, 22 e 23 de agosto de 1981. Compareceram 5036 delegados. Nós estávamos preparados para 2500 delegados. Na colônia de férias, tudo pronto pra 2500. Muitos companheiros não quiseram ceder a colônia pra gente fazer a Conclat. Receio da ditadura, aquela coisa toda, tal. Mas Deus não é só brasileiro. Deus também é sindicalista. Em agosto fez um calor, rapaz. Um calor na praia. Aqueles que não tinham acomodações, dormiram na praia, na praia. Se vocês conseguirem esse filme, vocês vão ver. De manhã cedo, o cinegrafista está lá filmando, está aquela turma assim parada, olhando o mar. Solzinho ainda fraquinho. Aí você, de repente um faz assim, ó. "Salgado". Não conheciam o mar. Veio gente dos mais distantes rincões desse país. Delegados da Conclat. Grande momento! Grande. Ali houve o famoso racha. Só soldado e consolidado com a eleição da Comissão Nacional Pró-CUT e os companheiros não queriam de forma nenhuma que o Joaquinzão fizesse parte lá. E se vocês olham a delegação, a representação de São Paulo, na Comissão Nacional Pró-CUT, não está o Joaquinzão. Somos, acho, que em cinco lá, cinco. Eu tenho uma revistinha dessas. Foram feitas poucas revistas também, é a única também, é a única. Não vi outra. Eu tenho. Tenho. Quero deixar à disposição do Dieese de maneira oficial, formal. Que eu acho que eles não têm. Como eu tenho duas, eu deixo uma aí. Então lá está o nome de todas as categorias, o nome da comissão, os documentos aprovados, entendeu? Na Conclat etc e tal. Isso foi, foi aí em 1983. Eu saí da federação. Fui, na verdade, fui derrubado, né, da federação. O Magri já, em 1978, lá pra junho, meio do ano, por aí, tal, o presidente aposentou e o Magri assumiu a presidência do sindicato. E aí, ele fez lá um... Movimento não. Ele persuadiu, diria assim, uma maneira educada e delicada de dizer. Persuadiu, de sete sindicatos, persuadiu quatro. E algumas persuasões têm ainda sindicato aí que está aí, o presidente está aí até hoje. Por sinal, foi pra CUT agora. Ele tem vergonha de me olhar na cara. Ele me vê, ele vira, fica doido. Tem vergonha de me olhar na cara. Pela forma que ele foi persuadido a votar contra mim.
P/2 – Como foi?
R/1 – É... Suborno. Suborno. E... Bom. Aí eu saí da federação. No que eu saio da federação, saio do Dieese. Claro, não podia ficar aqui. Foi aí que saí da presidência do Dieese também.
P/2 – Inclusive, nesse meio tempo, você chegou a fazer o curso de...
[FIM DO CD]
P/1 – O senhor falou bastante da Conclat, de como ela surgiu e de muito que decorreu dela. Eu queria que o senhor fizesse um balanço da Conclat e que o senhor acrescentasse mais algo que o senhor quisesse dizer a respeito.
R/1 – Olha, o balanço, o balanço foi positivo. É evidente que foi positivo. É evidente. Com todos os problemas que pudessem dar e... Será que eu posso chamar isso de problema? Nem sei se posso chamar de problema. É uma luta política. Uma luta política. Você tinha duas grandes vertentes na época. Você tinha os dirigentes que eram próximos, simpáticos ou filiados, ou dirigentes do próprio Partido Comunista Brasileiro, está certo? Que tinha lá uma proposta de condução da luta sindical, dentro de um governo ditatorial etc. E tinha os outros companheiros, que tinham uma outra visão, que achava que tinha que bater mais, que devia tensionar mais, entendeu? Devia fazer greve, mesmo. E se a greve era de dez dias, se pudesse esticava mais um dia. Por quê? Era tensionando a... Até porque nós tínhamos, naquela época, cobertura da imprensa, está certo? Então, essas duas grandes vertentes. E a terceira que eu digo dos independentes ou indiferentes, sei lá como podemos chamar melhor isso. E isso foi desaguar dentro da Conclat, entendeu? então, essa grande disputa que houve. Ainda se conseguiu colar, né, colar. O racha não se deu naquele momento, mas conseguiu-se colar com a Comissão Nacional pró-CUT. Agora, a coisa ficou de tal modo já estremecida, ou o nome que se queira dar, que houve o seguinte. O que levou? Qual foi o pontozinho? Que eu precisava de um pé de frango para fazer um almoço, qual foi esse pé de frango? A Conclat na Praia Grande, o plenário decidiu realizar o congresso por quê? Porque aí tem um detalhe. A Conclat virou Conferência Nacional da Classe Trabalhadora, que o nome oficial não é congresso, não. É conferência. Por quê? Porque claro, nós, entre nós, chegamos à conclusão que a gente não tinha competência para convocar ninguém, ué. Tinha federações, confederações. Está bom. Então, nós vamos fazer um convite. Então, virou uma Conferência Nacional da Classe Trabalhadora, certo? Ela reunida, imagina se não, está uma conferência daquela com cinco mil e 36 delegados, ela aprova o que no ano seguinte? Um congresso. Nasceu. Nasceu a Comissão Nacional pró-CUT, nasceu. E ela convoca um congresso. A Comissão Nacional pró-CUT convoca um congresso pro ano seguinte que é 1982. Está aprovado, está aprovado, acabou. Está bem. Quando chegou em 1982, naquelas reuniões que a gente se reunia sempre, lá na Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura [Contag], em Brasília, um dia vem à baila: "Bom, o seguinte, vamos fazer o congresso esse anos?" "Ahn, ahn, vamos não." E eu fui um dos que fui contrário à realização. Fui contrário à realização. Porque aquele ano muitos saíram candidatos, inclusive eu, candidato a deputado, tal, entendeu? Então, decidiu-se adiar para 1983. Ah, mas foram discussões infindas na base, de tudo quanto é lugar. Porque a conferência tinha aprovado 1982. E nós, Comissão Nacional pró-CUT, por maioria aprovamos que fosse adiado para 1983, tá? Bem, uns avaliam que: "Ah, não, se tivesse feito em 1982, não tinha dado o racha". Brinca não. Não tem nada. Imagina. Isso é bobagem. Ia dar o racha de qualquer jeito. Ia dar, uma hora ia dar. Porque questão de concepções, ué. Não é? Concepções diferentes. Então, determinado momento não dá pra eu ficar junto de você. Ou não dá para você ficar junto de mim. Então, não tinha jeito. Bem, aí o que que acontece? Ficou esse mal-estar por um ano. Quando chegou em 1983, a organização, eu já estou olhando de longe que é a época que eu estou saindo da federação já, entendeu? Já não estou mais participando nem da organização. Mas via, eu via a coisa pegar lá. Puxa, rapaz, a porta batia: "Foi você". "Não, foi o vento, tal." "Não, não, foi você, não." Qualquer coisa que acontecesse, um apontava o outro, entendeu? Não tinha jeito. Aí, nem me lembro mais. Foi uma questão de inscrever entidades sindicais. Ou essa não pode ou essa pode. Vává, bum pá. Aí, rachou mesmo. Aí, dividiu. A CUT, os companheiros que dessa visão sindical realizaram o congresso. Em São Bernardo do Campo no estúdio da companhia cinematográfica Vera Cruz e fundaram a CUT. A outra parte não realizou nada naqueles meses, parece que foi realizar em novembro de 1983, a segunda Conclat. Não sei se deram esse nome, mas ficou conhecida como Conclat outra vez. Quando foi em 1986, eles novamente fizeram outra Conclat. E nessa outra Conclat fundaram ou refundaram a CGT, está certo? A Central Geral dos Trabalhadores. E quando foi em 1989, outro congresso da CGT muda o nome para Confederação Geral dos Trabalhadores. É isso aí.
P/1 – Passados todos esses anos, já faz 20 anos da Conclat, o senhor comentou há pouco de que era necessário uma comemoração.
R/1 – Ah, foi, foi. Estava chegando a data, estava chegando a data. eu falei: "Puxa vida, tem que." Aí, com quem eu falei: "Puxa, só tem um órgão capaz de conduzir isso, unificar essas forças todas, chamar velhos camaradas, velhos companheiros, né, para uma comemoração dessa. É o Dieese, claro." O Dieese paira acima de tudo isso, dessas questões que sejam maiores ou sejam menores, sejam nacionais ou sejam regionais, o Dieese sempre paira acima disso. Aí, o Dieese topou essa tarefa. E aí, se realizou. Eu ajudei procurando companheiros por esse Brasil afora, por telefone, aqui, ali. Uns não puderam vir, outros eu não consegui localizar. O Dieese localizou um monte. Mas, o importante disso é que você veja a importância que teve. Mesmo que não tenha vindo todo mundo, mas estava lá o companheiro Lula, foi. Foi na assembléia legislativa aqui em São Paulo. Bom, Olívio Dutra. Por quê Olívio? Porque é governador. Governador do Rio Grande do Sul e se abalou do Rio Grande até aqui e veio naquele dia, ali, se confraternizar com os velhos companheiros. E esse trabalho que, presente momento, vocês estão fazendo, o Dieese está querendo resgatar essas coisas, é importante. Porque a memória da gente falha muito. Eu tenho certeza absoluta que foi assim. Aí, chega meia dúzia de gente, fala: "Sabe por que não foi? Por causa disso." "É mesmo, não foi." Então, a memória falha. Complica, tal. Por exemplo, quando se comemorou lá os 20 anos, o Lula levantou e brincou, todo mundo brincou com o Olívio Dutra. Disse: "Ah, Olívio Dutra eu me lembro bem, votou contra a chapa que estava reelegendo o Hugo Perez presidente do Dieese." "Oh, oh, Lula, não houve isso, pô." Não houve isso, entendeu? A chapa ali todo mundo junto, tal. Ele pode ter divergido de um nome ou de outro, coisas e tal, mas, mas a chapa foi única. E dentro do Dieese foram contempladas todas as partes, não é? Uma coisa importante que o Dieese, pra mim foi uma história de vida, uma lição de vida. Eu aprendi, levei isso lá fora, para minha vida política, profissional, o que eu aprendi aqui dentro. Aquela história do Dieese fazer o mesmo documento. O mesmo documento. Ele faz com duas com duas vias. Uma para você, uma pra: "Você faça o uso político que você quiser. E você também." Os caras vai lá e faz uma puta greve por causa daquele documento. E ela fala: "Não, está ótimo. Eu não vou pedir nada. Só me reajusta. Está ótimo." O documento é o mesmo. A análise é a mesma. São idênticos e você faz o uso que quiser. O Dieese não se mistura nisso. Eu me lembro que no meu sindicato, um diretor lá não tinha esse tipo de experiência, um dia vai o técnico do Dieese lá, assembléia lotada, ele pergunta: "Puxa, rapaz, esses números aí, que você acha? Devemos ir à luta, fazer greve?" Rará. Falei: “Ô, não, não, não." E eu corri, me abalei, falei: "Não pega o microfone e explica. Aproveita o gancho, aproveita o gancho." Ele teve que falar: "Olha, o Dieese faz esse trabalho. Nós não podemos opinar, não vamos opinar sob hipótese nenhuma, o que vocês devam fazer. A luta é de vocês. O Dieese só auxilia nas negociações. Vocês querem as perdas, querem os ganhos, nós fazemos tudo. Agora, a decisão da luta política é de vocês." Ele aproveitou... Muita gente não tem essa noção. Uma vez, foi na minha época que a gente começou a fundar os escritórios regionais. E, andanças por esse Brasil afora, chega no Paraná, eu me lembro, acho que era um cinema enorme. E eu estou lá, falando, explicando, da importância do escritório ou não. Se eles tinham condições de ter um escritório lá etc. e tal. E eu nunca me esqueço, uma japonesinha lá, levantou lá do meio e falou: "Eu queria saber primeiro o seguinte: por que o Dieese fica com essa pelegada aí no meio, hein?" Mas, eu, eu já ia responder e um companheiro não deixou. Companheiro do plenário. "Ô, companheiro, esse é o presidente do Dieese, dá licença, deixa eu explicar." Entendeu? Eu falar, talvez, ela não fosse acreditar muito. Para fazer essa pergunta estapafúrdia é porque ela não tinha... Então, deixa um companheiro dela, do Paraná lá, que ela provavelmente conhecesse, foi lá e explicou: "Lá não tem isso. Não tem pelego, não tem autêntico, não tem sindicato grande, sindicato pequeno. Não existe isso." E isso me foi importante na vida, que eu fui diretor do Instituto de Assuntos Fundiários [IAF]. Reforma agrária do Estado de São Paulo. E eu cheguei lá no IAF, era o IAF. Hoje é Instituto de Terras, né, que chama. Era Instituto de Assuntos Fundiários. E aquilo lá estava de um jeito... Lá só tem engenheiro agrônomo, arquiteto, técnico agrícola, aquilo estava absolutamente... Um não falava com o outro. Um técnico não falava com outro. Porque um era Partido do Movimento Democrático Brasileiro [PMDB], outro era Partido Comunista Brasileiro [PCB], outro era Partido Comunista do Brasil [PC do B], outro era Partido dos Trabalhadores [PT], outro... Ah, acabei com a brincadeira. Baseado em quê? Na minha eleição aqui. Cheguei, fiz reunião com o pessoal do escritório, depois fiz reunião com o pessoal do campo, dos assentamentos. E disse para eles: "Doravante, vocês só poderão falar de: calcareamento, adubação, financiamento, tratoramento." Acabou. Quando um assentamento diz: "Olha, vou ter que consultar vocês", e falar: "Nós vamos fazer uma grande marcha lá na cidade porque o prefeito tirou o ônibus que passava aqui. O que você acha?" Você não acha mais nada. Nada. É uma luta política contra o prefeito? É. De que partido que ele é? Essa cidade prefeito é de tal partido. Na outra é outro, ôôô. "Vocês não se metam mais nisso. Tudo bem? Concordam assim?" Todo mundo: "É, não, é assim mesmo". Então acabou. Foi lição do Dieese que eu levei para lá. Acabou. Quando eu saí de lá, que todo mundo estava, se respeitava etc.. Lição de onde? Do Dieese. Do Dieese.
P/1 – Só retomando, mais outra pergunta de campo pessoal, nesse meio tempo todo, o senhor fez curso de Direito. O que levou para essa opção?
R/1 – Ah, é. Eu comecei a fazer Direito em 1972. Porque eu não... Foi logo no comecinho. Eu mal ouvia falar de Dieese, dessa importância. Mas, que a gente ouvia falar muito era direito dos trabalhadores. Direito lesado, direito não sei o quê. Falei: "Ah, então, vou estudar direito." E terminei o curso em 1976. E fui fazer estágio num grande escritório, muito respeitada aqui em São Paulo, que ele era advogado do meu sindicato. "Não, vai lá pro escritório." E fui estagiar com ele. E cheguei a fazer audiências. Comecei a fazer audiências na justiça do trabalho. Foi quando a perseguição começou. Quando a perseguição começou, eu amarrei todos os livros e nunca mais eu abri um livro de direito, a não ser a Consolidação das Leis do Trabalho [CLT] por obrigação. Por dever de ofício. Mas, aí não cheguei a advogar. Cheguei a advogar no comecinho, depois parei, não fiz mais nada.
P/2 – Só uma questão, então, que tem a ver ainda com a Conclat. Enquanto Dieese, Dieese mesmo, como ele contribuiu pra realização, para aglutinação dos diferentes setores e para realização da Conclat? Você acha que o Dieese teve um papel?
R/1 – Teve, teve. Porque na verdade, na verdade, do jeito que isso pegou fogo. A idéia inflamou no começo, depois teve aquele interregno que eu falei para vocês de 1977 até 1981. Mas, quando houve a decisão: "Vamos fazer", o Dieese, nossa, não havia reunião, não havia... Que o Dieese fosse convocado para falar em outros estados etc. e tal, que não abordasse a questão da Conclat e recomendasse, né, aos companheiros. Puxa vida, afinal é a primeira grande reunião intersindical no Brasil depois de quantos anos de ditadura. E aí, dizia o Dieese: "E você vai perder isso?", entendeu? Então, o Dieese ajudou muito nesse sentido. Principalmente, junto a sindicatos – eu diria assim – menos combativos, sindicatos mais tranqüilos, tal, foi de capital importância. Teve uns que foram renitentes, não foram mesmo. Mas, aqueles sindicatos que, mesmo mais tranqüilos, eram filiados ao Dieese, que eu saiba, não faltou nenhum, pra Conclat, entendeu? Não faltou nenhum. O Dieese sempre tem um papel importante. Qualquer que seja... O que precisa é o movimento sindical saber usar o Dieese. Saber consultar, saber perguntar, lembrar que tem o Dieese. O sujeito é filiado, está lá com problema tal, e se esquece de dar um telefonema às vezes. Se esquece de pedir um técnico para dar um (palpite?), um pitaco qualquer, entendeu? E o pessoal daqui faz isso com a maior satisfação, né, sempre, quando requisitado, quando solicitado, tal. Então, qualquer que seja a luta sindical, os companheiros não podem pedir e hoje a maioria já introjetou isso. Se quer fazer um negócio abrangente, põe o Dieese na organização. Às vezes, até mesmo na condução, entendeu? Porque daí você, você agrega, aí você agrega. O Dieese é agregador.
P/1 – Antes de passar pelo Dieese, o senhor já conhecia a instituição, o senhor já tinha uma noção de que ela existia?
R/1 – Tinha. Tinha [riso] porque num jornal, eu não me lembro o nome. Esses jornais, assim, não tão grandes. Jornais menores, né, mas de circulação diária, tinha lá uma coluna do Dieese, todo dia ou toda a semana, mas eu acompanhava, eu pegava aquilo. E eu disse a você, eu trabalhava na Paula Souza. Aí, a Rua das Carmelitas tão perto e vou fazer uma confidência aqui que é chato para mim. Mas, um dia eu peguei aqueles dados, olhei: "Puxa, que legal, tal." Aí, liguei para cá, liguei para cá, não, liguei para Rua das Carmelitas e atendeu o Barelli. "É Barelli." "Ô, Barelli, tudo bem, tal? O que que você é aí?" "Eu sou diretor técnico, tal. E você?" Falei: "Ah, eu sou da Light, sou empregado, sou um técnico, estou olhando aqui a coluna, estou papapá papapá." "É interessante, pá, mas você é dirigente?" "Não, eu não sou dirigente, sou da base, tal. Eu sou técnico, tal." "Ah, Paula Souza, por que que você não passa por aqui?" Eu vim, cheguei na porta, olhei, olhei, peguei e fui embora. Não subi. Não, não subi. Não foi ali que eu conheci o Barelli. Peguei e fui embora. Não sei o que que me deu, eu fiquei meio assim, a gente... É um órgão intersindical, quer dizer, sabe? O que que eu conhecia de sindicato por dentro. Isso era: "Vou lá, vai me perguntar coisas da minha categoria, eu nem sei se meu sindicato é filiado ao Dieese." E é. Era fundador. Foi fundador. Meu sindicato está entre as 21 entidades que fundou o Dieese. Na época, se chamava Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Hidroelétrica de São Paulo.
P/1 – Quando o senhor participou da direção sindical do Dieese, que atividades eram exercidas aqui? O senhor se lembra?
R/1 – Ah, acho que não me lembro mais não. Mas tem a pesquisa. A pesquisa, nossa, o levantamento aí do custo de vida, onde o Maurício é o responsável. Nós tivemos aí, no período que eu estava na direção. Nós tivemos o... Como é que chama a grande pesquisa que se fazia de dez em dez anos? Tem um nome. Que era para mudar, se fosse necessário, mudar a pesquisa, mudar o local de pesquisar. Mudar que o comportamento do povo vai mudando. Então, se fazia como um censo, vamos dizer assim. Um grande censo. Eu peguei isso aí. Dificuldades infindas até para fazer. No meu ano, acho que a gente demorou três anos para fazer porque não tinha dinheiro. Não tinha dinheiro. Acabava o dinheiro, parava. Aí começava de novo, tal, entendeu? Essa bruta dificuldade. Isso é falta de... Eu acho que o Dieese, sei lá, vou chutar um palpite aqui, assim. O Dieese devia chegar pro sindicato que não é filiado, sabe, ir à direção nacional e falar: "Vamos convidar o companheiro para ser diretor. "Pô, mas esse cara, pô, o cara não é sócio do Dieese." "Isso." É um diretor ouvinte, um diretor qualquer coisa, entendeu? Para participar. Isso não precisa ser toda a reunião, isso uma reunião ou outra, tal. Para ele conhecer, porque se ele não respirar esse ar aqui, ele não fica aquele defensor intransigente do Dieese, sabe? Vem, conhece, tal, depois lá fora solta cada batatada, fala cada besteira contra o Dieese, entendeu? Ou depreciando o Dieese, tá? Aliás, por falar em depreciando, quando houve a luta pela reposição salarial, lá atrás, em 1977 – eu gosto de citar esse fato porque me marcou – o governo dizia: "Não, temos nada que repor nada." O Veloso era o ministro do planejamento, Reis Veloso: "Não, porque... Porque já foi reposto." E fazia aqueles números complicados de estatística, sabe? Nem sabia que... Todos nós sabíamos que não tinha reposto nada. E ficou essa discussão. Logo no comecinho da luta pela reposição salarial. Aí, vem um deputado, o Dieese por uma razão ou por outra, acabou provando. Aí, vem um deputado, dono do Banco América e dono da Gazeta Mercantil, deputado federal, Herbert Levy. E dá uma entrevista depreciativa, altamente depreciativa. Mas, pegou o Dieese e colocou onde ele merecia. Primeiro, a primeira página da Folha e depois todo mundo... Ele disse assim: "Quer dizer que esse tal de Dieese tinha razão?" Emocionado, sabe? Emocionante ver isso. Ele veio de forma depreciativa, mas deu razão ao Dieese. E o Dieese dali, novamente, voltou pro...
P/1 – Com o surgimento das centrais sindicais, como o Dieese seguiu com suas contribuições para o movimento sindical?
R/1 – Olha, como eu disse, eu estava afastado. Eu não acompanhei isso de perto, não. Em 1983, saí da federação, saí da direção. Saí da direção, fiquei assessorando o sindicato. Logo depois, eu voltei para base. Fiquei três anos na base. Depois fui à Secretaria do Trabalho, fui ser diretor. Depois, assuntos fundiários, fui ser diretor. E voltei para ir base outra vez, entendeu? Voltei para base. De modo que eu fiquei, assim, porque desse dia a dia, desse dia a dia, mesmo que você acompanhe, você telefone ou leia jornal, você acaba perdendo esse contato, né, diário. Agora, eu acho que o Dieese continuou na mesma trilha que ele tinha. Na mesma, na mesma... Ou na mesma ascendência. Tanto que quando eu volto para, anos depois – eu voltei para executiva, né, do Dieese – não sei se foi no ano 2000 ou 2001, voltei para direção do Dieese e encontrei um monte de gente nova etc. Mas, eu notei muitos sindicatos novos aqui. Muitos. Na direção, isso que eu quero dizer. Na direção. Sindicatos de todos os estados do Brasil aí. Que no meu tempo não tinha. Um negócio mais... Não porque a gente fechasse a porta, mas por falta de interesse mesmo. Aí, o Dieese vem nesse crescendo, nesse crescendo, tal. E pelo... Eu sendo da CGT, eu posso testemunhar que, nossa, não vejo a mínima diferença. Não preciso ser eu, não. Você vai dizer: "Ah, mas você é amigo da casa." Não, hoje é outro diretor aí, o presidente do sindicato é outro, mas, nossa, entendeu? Na hora, pediu, eles atendem, conversam, chamam vão lá etc. e tal. É que infelizmente pegamos a gente... Nos pegou agora numa... Todo o movimento sindical, né, fase difícil de grana aí. Mas, nós estamos com uma proposta já, há um tempo, de abrir um subseção do Dieese lá também. Porque primeiro de tudo, porque me interessa, porque eu preciso deles junto da gente. E segundo que também é uma forma de contribuir, né, com o Dieese pagando uma subseção.
P/1 – Como o senhor destacaria a importância do Dieese pro movimento sindical, esses anos todos?
R/1 – Ah, fundamental. Condição sine qua non. Foi, foi. Com absoluta certeza, foi. Primeiro, que é um movimento único no mundo. Acho que ainda é. Não sei. Depois de tantos anos, não sei se alguém copiou. Mas, é uma instituição única no mundo. Agora, você veja, com os números, com os estudos, com os dados, né, que o Dieese, que o Dieese produz. Eu te pergunto ao contrário: o que seria do movimento sindical sem o Dieese? Entendeu? E vou dizer uma coisa para você, também espectacular, que absoluta certeza não foi por vontade do Dieese, e que assim que puder foi fundamental pro Dieese. E é fundamental para nós. Aí, a história de uma mão lava a outra. Foi o Programa de Capacitação para Dirigentes e Assessores Sindicais [PCDA]. O Programa de Capacitação de Dirigentes de Assessores Sindicais, dirigentes e assessores. Você não imagina como isso repercutiu. Porque são cursos de nível elevado. É uma preparação sindical mais científica e, eu diria, mais refinada. Então, assim que o Dieese tiver, ou naquelas bases que existiam propostas, ou em novas bases, mas continuar o curso de capacitação, entendeu? Faz com que essa direção sinta a importância do Dieese, sinta que ele é realmente necessário. Porque você precisa estar sempre motivando. Porque na, na... A gente fala tanto em renovação, renovação. Está bom. Mas, dependendo da renovação que haja no movimento sindical, também não corre o risco também de vir gente nova demais que nunca ouviu falar no Dieese. Ou ouviu falar muito pouco. É, corre esse risco. Então, é preciso que o Dieese se mantenha constantemente junto, chegando junto com essa turma nova etc. E a melhor forma é capacitando, entendeu? A outra é essa idéia que eu tenho há muito tempo aí: pega sindicato que não é sócio, mas sindicato importante. Vai lá, pega um cara lá e fala: "Ô, cara, você vai acompanhar as reuniões de vez em quando lá. Você vai conhecer a nossa 'tchurma'". O cara vai o que é o Dieese, de perto, para não correr esse risco no futuro, aí, sabe? De vir... Fechar, não fecha. Mas, cada um nós que já estiver nas respectivas tumbas, viraremos e nos levantaremos. Claro, não vamos deixar. Mas, pôxa, não pode chegar num ponto de fragilidade. Nenhum. Então...
P/1 – Extrapolando do movimento sindical para sociedade, qual a importância do Dieese para sociedade, do ponto de vista do senhor?
R/1 – É importante também. Embora, a sociedade seja beneficiada com isso tudo, não tem a mínima idéia de onde vem essa ajuda. A mínima idéia. Você vai fora do movimento sindical, fora do meio acadêmico, quem conhece o Dieese? E o movimento sindical também é culpado por causa disso. Ó. Quais os jornais sindicais que falam do Dieese. Está aqui, aproveitando isso para lançar um ____ Por que os... A maior imprensa do Brasil é a sindical. São milhares e milhares de jornais e boletins. Porque que não cria lá uma coluna do Dieese. Cada um se obriga, sou filiado, e muitos colocam lá: filiado à central tal. Porque que não bota lá: sócio do Dieese. E cria uma coluninha lá. Coluninha. Tantas publicações, tantas coisas. Põe a história do: você sabia quem é o Dieese? Tatatá. Olha, companheiros, esse sindicato aqui é filiado ao Dieese. Você sabia que na última negociação... E põe lá Dieese. Põe por escrito, não é falar. "Ah, mas nós falamos na assembléia." "Ah, tua assembléia vai 100% dos trabalhadores na base, é? Não sabia. Então, não precisa pôr nada escrito." Cem por cento vai na assembléia, houve assembléia. Na assembléia, você sabe quanto vão. Certo? Então, põe no jornal: fomos assessorados ou o Dieese nos forneceu os seguintes dados para negociação. Porque que não põe isso no jornal? Essa importância, então, a sociedade como um todo sentiria. Até o trabalhador que não é sindicalizado, ele vai ouvir falar de Diesse, vai falar de Dieese, entendeu? Aí, sim, eu estou atingindo o cidadão. Não é o trabalhador e não é o sócio do sindicato, é o cidadão. Está lá no boteco do bairro dele, fala: "Não, porque o Dieese..." Ele conhece. "Você o Dieese?" "Conheço. Conheço o Dieese, sim." Entendeu? Então ele acaba beneficiando indiretamente a todo mundo e recebe de uma ínfima parte. Porque a hora que uns trabalhadores desses, ligados: "Escuta, você está pagando o Dieese?" ou "Eu não estou vendo o timbre aqui do Dieese, o logo, vocês não são sócios do Dieese?" "Não, não somos sócios." "Ah, que é isso, cara?" Quando o trabalhador começar, por divulgação, dessa... Começar a falar pro sindicato dele: "Não, você tem que entrar sócio." "Pô, mas não temos dinheiro." "Vai lá e negocia qualquer coisa, pô, você não pode ficar sem pagar alguma coisa pro Dieese. Você não pode ficar sem estar filiado no Dieese" Entendeu? Isso aqui tinha que ser como é suprapartidário, supracentrais, supra correntes ideológicas. Não é para ser um órgão unânime? Ué, se é para ser unânime, eu quero todo mundo, ué. E aí, está aí uma unanimidade inteligente. A unanimidade é burra. Na unanimidade, todo mundo se filiando ao Dieese, é uma unanimidade inteligente.
P/1 – Quais os principais desafios que estão colocados pro Dieese?
R/1 – Dinheiro, sempre. Dinheiro. Vamos começar falando assim, de cara. Existe uma coisa que só quem passou por aqui sabe. Quem se preocupa com as finanças do Dieese são os funcionários do Dieese. Quem não dorme à noite, que tem conta para pagar, é o funcionário do Dieese. Não é o dirigente sindical. O dirigente sindical discutiu, conversou, tal: "Ah, vamos botar uma campanha aí, vamos arrecadar não sei o quê, fazer aquilo, tal." E vai, tal, entendeu? E, pô, isso só vou cuidar amanhã, não depois de amanhã vou cuidar e tal. E o funcionário do Dieese fica aqui. O Clementes da vida: "Como é que eu pago isso? Como é que eu pago aquilo? Nossa, vai vencer não sei o quê?" Entendeu? Então, a responsabilidade, na verdade, está em cima dos funcionários. Perdi, me perdi porque eu perdi a pergunta que você fez. Qual é?
P/1 – Os principais desafios que estão colocados para o Dieese e a primeira palavra que você falou foi: dinheiro.
R/1 – Dinheiro. Isso. Então. Então, já que os funcionários são tão, assim, preocupados, claro. Tem que ser. Que esse primeiro desafio seja vencido. E para vencê-lo, para vencê-lo é preciso que o movimento sindical contribua. Pague o Dieese. Pague a sua mensalidade, se filie e pague. Depois, daí, é que nós vamos ver quais os desafios que eu vou criar, tá? Os desafios da sociedade como um todo estão aí, políticos, econômicos, estão aí. A gente sabe com enfrentá-los etc. Agora, o que é preciso é que o movimento sindical crie desafios. E quem é o órgão gabaritado para fazer isso? Para ajudar o movimento sindical a propor desafios? É o Dieese. Mas, o Dieese não se mexe se não tiver um mínimo de condições.
P/1 – Qual a sua perspectiva em relação ao Dieese para um futuro próximo?
R/1 – Boas, viu? Boas. Estou sabendo aí de projetos etc., que começaram a discutir co... Discutir comigo, não. A me informar. E mais por curiosidade minha. Mas, eu acho que o Dieese está caminhando bem, entendeu? O Dieese volta novamente a ter uma razoável tranqüilidade. Nós precisávamos ter aqui uma comissão permanente de relações públicas. Essa também tem que ser suprapartidária. Porque eu pegaria, eu pagaria dirigentes dos mais diversos sindicatos ou correntes partidárias, próximas desses sindicatos etc., para conversar com candidatos. Sobretudo com candidatos favoritos, tá? Por exemplo, você bola debate com todos etc.. O Dieese, essa comissão de relações públicas do Dieese, no caso em tela aqui. Não sei quem na frente, não importa, tá. Quais são os candidatos, os candidatos dos principais partidos. Ôpa, do Partido da Social Democracia Brasileira [PSDB], esse do PMDB, esse do tambaba. "Vamos lá conversar." Essa comissão de relações públicas vai lá. Eu tenho certeza que será ouvida. "Eu queria conversar, eu não sei se você... Claro, você já ouvia falar de Dieese. Imagina. Mas, a gente... Você tem uma proposta pro Dieese, se for eleito governador? Se for eleito presidente? Se for eleito prefeito?" Entendeu? Então, essas... Por isso que eu chamei de permanente, entendeu? Uma comissão permanente dessa. Mudam seus elementos, mas a comissão existirá permanentemente para conversar com candidatos e tentar se inserir na pauta, na preocupação do candidato. Tentar ser uma preocupação. Você já ouviu falar que quem a boca do meu filho beija, a minha adoça? Já ouviu falar nisso? Então. Estou dizendo pro senhor que é candidato, se o senhor beijar a boca do Dieese e como se estivesse beijando a nossa. Entendeu? É essa a idéia.
P/2 – Quais foram as principais lições que o senhor tirou da sua atividade no movimento sindical e da sua participação na direção do Dieese?
R/1 – Vida. Foi a minha vida. Foi e está sendo até hoje. Eu já era para estar aposentado, mas vejo aí... Já estou aposentado profissionalmente, mas da luta política também. Primeiro que gosto e segundo que vejo com preocupação, aí, uma renovação em ritmo não tão acelerado quanto eu desejaria, tá? Nós temos grandes desafios aí, em função da reestruturação produtiva, né, da globalização etc.. E precisaria ser mais acelerada essa renovação. Agora, o que o Dieese influenciou na minha vida? Bom... Eu diria, mesmo, para você o seguinte: olha, eu não teria chegado aonde cheguei – eu não sei se fui longe – mas, se cheguei em algum lugar, foi por conta do Dieese. Claro, claro. Ser presidente de uma federação é uma coisa. Ser presidente da federação e presidente do Dieese é outra. É evidente. Isso eu devo ao Dieese. Isso eu devo ao Dieese. Certo? Inegavelmente. E mudou a minha vida? Mudou. Eu já falei: aprendi aqui e usei na minha vida profissional lá fora, né, o que eu aprendi no Dieese. E continua me influenciando. Continua influenciando pela questão da retidão, da ética, da moral. E, sobretudo, sobretudo, pela eqüidistância que eu procuro manter nas discussões. Eu ser de uma central não significa em absoluto que eu não converse com outras, sempre conversei. Eu vou falar para vocês: quando eu fazia parte do movimento sindical, não se falava. Quando eu voltei, que eu vi CUT, que eu Força, Central, falei: "Nossa, que avanço." Não se falava. Claro, logo depois não se falava. Então, a vida me encaminha para isso. E eu, graças a Deus, acho, penso que se me conhecem em qualquer central, se têm um pouquinho de respeito por mim, foi pelo Dieese, porque passei por aqui. Porque aprendi a manter essa eqüidistância. Houve uma época, que até o Barelli dizia: "Cara, você é o fiel da balança". O fiel da balança. Entendeu? Porque ao mesmo tempo em que eu estava naquele grupo de companheiros que surgiram para luta sindical, né, pro renascimento – gosto de falar assim – da luta sindical, eu também tinha que conversar com todos os demais. Bastava o Lula sentar o pau no Joaquinzão, que o Joaquinzão dizia: "Vou parar de pagar o Dieese, hein?", falava. Ia correndo eu e o Barelli conversar com o Joaquinzão, falar: "Não, Joaquim, [puxa], o Lula estava bravo, deixa aí, tal, mas..." Entendeu? E isso, isso fez da gente, né, ter esse papel. Depois do racha, claro, não teve mais esse... Fundação de novas centrais, não tive mais esse papel, evidente. Mas, ainda agora, passada a tormenta, passado aquele rompimento da barragem que avassalou tudo. Aí, as águas voltam à calma e voltam pro curso normal. Então, a gente volta a encontrar companheiros novos. E: "Ah, eu ouvi falar de você". Por conta de quê? Por conta do Dieese, claro. Está certo? Então, parece que não, mas isso aí você... A gente tem que ser grato a essas coisas, sabe? A gente não pode esquecer as coisas, não. "Ah, eu cheguei porque eu era inteligente, combativo, bravo, valente, eu era..." Pára com isso. Pára com essa bobagem. Dá o outro lado. Você não era tão valente, tão inteligente, tatatá. Mas, você estava no lugar certo, na hora certa. Não era o outro que estava ali, era você. Vide lançamento da Conclat. Quem estava lá naquela hora era eu, pô. Talvez outro tivesse feito melhor, muito maior. Tá. Mas, não era, era eu. Então, a partir dali, eu. Que eu? Eu, eu. Aí, você tem esses órgãos, você participa, você é chamado, você conhece gente etc.. Então, eu devo, sabe? Se não for 50%, é isso, do que fui como dirigente sindical, por ter sido secretário, diretor, presidente do Dieese.
P/2 – O senhor falou que era casado. O senhor tem filhos, o que eles fazem?
R/1 – Tenho cinco filhos. O mais velho, 39, jornalista. Depois, tem uma menina formada em Direito, mas é dona de casa só, 38. Tem a outra que é biomédica, trabalha em laboratório, é gestora de laboratório, 37. E tem um outro que só trabalha, não é formado em nada. E o caçula de 28 agora, que é jornalista também.
P/2 – Qual o seu maior sonho hoje?
R/1 – Ó, pessoal, pessoal é ver essa coisa andar, sabe? É ver o movimento sindical fazer uma grande concentração. O país chegou num ponto que não se agüenta mais, esse estado de coisas. Eu acho que é possível. Eu acho que as centrais poderiam dar o exemplo disso. Já deram um bom exemplo no fórum nacional do trabalho, quando pelo menos três... Eu falo de três porque eu estava na comissão de sistematização. E lá eram só três que se acertavam. E nas outras comissões, todas. Mas, eu acho que elas deram bom exemplo nesse sentido. Eu acho que vale a pena caminhar nesse sentido. Assim, desprovido de vaidade pessoal, de coisas, entendeu? De uma querer engoli outra etc.. Então, é um respeito mesmo, aquilo sendo respeitado do fundo da alma. Ter essas discussões, a partir daí a gente extrapola, conversar com partidos etc., porque por incrível que pareça, pelo menos na ponta do iceberg que aparece, nós temos gente decente. Temos gente decente. Seja em qualquer setor da sociedade. Precisava buscar essa gente. Grandes juristas, grandes, né, sindicalistas, políticos decentes, nós temos, para fazer um grande conserto nacional. Isso já é (realidade?). É utópico nãnãnã. a gente é utópico quando é muito jovem. E a gente vai ficando mais velho, a gente volta a ser utópico, volta a sonhar com as coisas outra vez, sabe? Esse é o... Para mim é um projeto de vida. Isso é um projeto de vida. Meus filhos, família está bem, todo mundo encaminhado, trabalhando, tal. Estou realizado. Continuo amigo deles, isso pronto. Agora, no movimento sindical... E tenho uma grande queixa. Essa pessoal com os meus filhos. Nenhum veio pro movimento sindical. Nenhum veio para luta política ou movimento sindical mesmo. Mas, paciência. Eles estão contribuindo com a sociedade. Cada um do seu jeito, cada um do... Na sua profissão.
P/1 – O que o senhor acha de participar desse projeto de 50 anos de memória do Dieese?
R/1 – Eu quase que te devolvo a pergunta. O que você acha? Participei dos 25. [risos] Eu era presidente quando se comemorou os 25. Bodas de prata. E agora, participo dos 50, bodas de ouro. Atravesso dois séculos, participo de duas grandes comemorações de um órgão único no mundo, no planeta. Que maravilha, que honra, gente. Que honra ter sido lembrado para dar um depoimento, enfim ter sido lembrado.
P/1 – Obrigado
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