P/1 – Bom, seu Ricardo, primeiramente eu gostaria de agradecer a sua participação nesse projeto. E para começar eu gostaria que o senhor dissesse para gente o seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Meu nome é Ricardo Wagner Tavares, nasci em São Paulo em 1946, 13 de agosto. Estou à disposição.
P/1 – O senhor poderia dizer para gente o nome dos seus pais?
R – Guilherme Tavares e Nair Tavares.
P/1 – O senhor pode descrever um pouquinho eles para gente?
R – Ahhhmm, meu pai faleceu muito cedo, com 46 anos. Ele era jornalista, trabalhava também como gerente de um cinema e era redator das partes amadoras da seção Esportes da Gazeta Esportiva. Faleceu muito cedo, e com isso, com 17, 18 anos eu fui obrigado a ir para luta mais cedo porque até essa época eu só estudava. Minha mãe, professora, parou de trabalhar, principalmente depois que papai faleceu, e foi a que cuidou da luta. Uma baixinha guerreira mesmo. Nos meus livros eu escrevo muito sobre ela.
P/ - E o senhor tem lembranças dos seus avós?
R – Sim. Por coincidência, a vó Lúcia faleceu na minha casa. Gozado, eu ficar falando só de morte, em vez de falar coisas boas deles, mas foi uma coisa marcante para mim porque eu tava próximo quando do último suspiro dela, então, me marcou muito. Meu avô, João Tavares, era esse português bem tradicional. Eu convivi pouco com ele, mas eu lembro que ele dava broncas terríveis em todo mundo da família, principalmente em horário de almoço. Não podia atrasar! Aquela coisa bem típica, lusitana. E gostava de um vinho (risos). E é isso. Sobre os avós maternos, eu não os conheci, são de família italiana, mas eu não os conheci, foi mais o lado do meu pai.
P/1 – E você tem conhecimento da origem da família, de onde vieram, de quando vieram?
R – Não. Se não me engano vieram de Porto, meus avós paternos, o sobrenome Tavares, talvez por isso. Aliás, Tavares tem uma família muito grande, viu? Eu nunca vi igual, você encontra várias pessoas com o sobrenome Tavares. A árvore cresceu muito, né? A minha avó também, se não me engano era da mesma região, de Porto, centro mesmo de Portugal. Mas grande cozinheira!
P/1 – E o senhor tem irmãos?
R – Tenho. Tenho uma irmã e um irmão.
P/1 – Qual é a ordem?
R – Eu sou o mais velho. O meu irmão é três anos mais novo e a irmã mais dois anos nova que ele.
P/1 – Algum deles é comerciante?
R – Não, não. O meu irmão é vendedor aposentado já, e a minha irmã também foi professora, hoje trabalha com corretagem de imóveis, corretora de imóveis.
P/1 – O senhor falou agora há pouco para gente que o senhor nasceu aqui em São Paulo. O senhor poderia descrever um pouco a sua casa na sua infância, o bairro em que você morava?
R – Então, de início eu morava com meus avós na Rua Apeninos, no bairro Paraíso, atrás da fábrica da Brahma, extinta hoje. Bem atrás. Você vê que comigo as coisas são bem vinculadas com bebida, né? (risos). Morava bem próximo. E ali era uma rua com uma subida enorme, e era perto também do Esporte Tênis Clube, era onde talvez tenha iniciado grandes jogadores de tênis. De lá, viemos morar na Vila Mariana, na Rua Carneiro da Cunha, próximo à Praça da Árvore, lá do Jabaquara. Moramos talvez uns dez, 12 anos, se não me engano, nessa rua. Depois lá, numa travessinha dessa rua também, na Rua Nogueira Martins, número 70. Isso eu não esqueço. Porque foi ali que eu comecei a ter o vício do cigarro e eu ficava na janela esperando meu pai chegar, vigiando, para ele não flagrar. E eu roubava cigarro da minha mãe (risos).
P/1 – E desses dois lugares que o senhor morou, algum marcou mais, o senhor lembra da casa, como ela era? A parte que o senhor mais gostava da casa?
R – Ah, sim. Da Nogueira Martins era um sobrado muuito grande, e tinha um quintal no fundo que a gente fazia um campinho de futebol. Meu pai, se não me engano, levou o irmão dele para morar com a gente no fundo da casa, que era enorme também. Essa me marcou muito porque foi a primeira televisão que chegou, se não me engano foi em 1960 e pouco que meu pai conseguiu comprar a televisão. Lógico que em branco e preto, mas essa foi uma das marcas. E eu adorava essa casa também porque eu ficava aguardando meu pai chegar com uma pizza, que era tradição da família, ou com algum souvenir para gente. E eu gostava de conversar com ele a respeito de futebol. Acho que a casa da Nogueira Martins foi a que mais me marcou.
P/1 – E o senhor tava falando para gente desse campinho de futebol, como era o Ricardo criança? O que ele gostava de fazer, do que ele brincava?
R – Nossaaaa... Eu não gostava de estudar. Meu lance era futebol! Eu adorava campinho. Tinha um campinho nessa Rua Carneiro da Cunha chamado Serragem, porque o chão era muito duro, era terra, mas muito duro, e a gente punha serragem nos gols pra não machucar. Eu passei uma boa parte da infância ali jogando futebol, eu adorava futebol. Estudava, era muito inteligente, mas era preguiçoso para o estudo em si, né? E de lá cresceu essa paixão por futebol, e não cheguei a ser profissional porque me contundi, porque eu cheguei a treinar em vários clubes, de 17, 16. Profissionais. Cheguei a ser cogitado a ir para o interior de São Paulo, mas por ter perdido meu pai muito cedo e para não deixar minha mãe sozinha, eu fiquei próximo à família.
P/1 – E do comércio, o senhor tem alguma lembrança de infância do comércio? Alguma loja que o senhor gostava de ir, alguma vitrine?
R – Sim, sim. Eu cheguei a trabalhar com o meu pai de office-boy em uma loja de esportes, aquelas tradicionais que faziam troféus, gravavam os troféus e tinham vários. Meu pai gerenciava essa loja, depois que ele parou com o cinema. Eu era office-boy da loja, limpava os troféus também, era uma outra loja que me marcou, mas isso eu trabalhando. Antes, tinha uma mercearia, chamava-se Mercearia do Donque. Eu adorava porque tinha aquelas fileiras de sacos de cereais, tinha feijão, arroz, até as farinhas ficavam naqueles sacos que a gente pegava com as conchas, assim, pra pesar. Ali também eu me lembro, eu me lembro também que marcava na cadernetinha, aquela antiga caderneta.
P/1 – O senhor estava falando pra gente que não gostava muito de estudar...
R – Não é que eu não gostava, eu tinha preguiça. Por incrível que pareça eu só tive o ginásio completo, e hoje eu adoro escrever, ler. Leio livros, assim, em uma determinada data, em dois, três dias eu devoro um livro de 200, 300 páginas. E antigamente eu tinha uma preguiça enorme para isso, talvez por ter coisas mais prazerosas pra eu fazer.
P/1 – E qual é a sua primeira lembrança da escola?
R – Ah sim... A primeira lembrança?
P/1 – O senhor tem alguma lembrança marcante da escola, do período de escola?
R – Tenho. No primário eu não passei de ano porque eu era muito pequenininho, e com dez anos eu tive que voltar a fazer a quarta série, admissão, naquela época era bem assim. E estudava na escola Irmã Teresa, ali na Rua Carneiro da Cunha mesmo. Tinha uma professora, dona Marina, que dava umas reguadas em mim porque eu era muito brincalhão na escola. Naquele tempo o castigo era na mão, batia a régua na mão, se você fizesse uma coisa que merecesse isso. Mas eu era muito esperto em termos de brincadeira. Sempre que no final do ano tinha os teatros, as músicas, eu participava como um dos principais. Não tô com falsa modéstia, mas foi acontecido mesmo (risos).
P/1 – E como o senhor ia pra escola?
R – Em uniforme, querido. Tinha uma irmã adotiva que me levava. Por sinal ela casou por minha causa. Ela conheceu um taxista no caminho da escola (risos) que me levava. Não deu certo, lógico, mas ela me levava, ela que passava meu uniforme, lembro muito bem disso.
P/1 – E o senhor lembra-se de comprar os uniformes, os materiais para a escola, onde é que vocês compravam?
R – Sim, a Rua Carneiro da Cunha era muito pródiga porque tinha quase tudo, e na própria rua tinha uma loja de cadernos, não tão ampla como hoje, mas a gente comprava aquelas brochuras e minha mãe ia comigo comprar. E era tipo de um magazine, vendia até roupas, outras coisas assim, tinha discos. Eu me lembro que tinha uma loja de discos perto também.
P/1 – Indo um pouquinho mais para frente, na juventude, o que o senhor gostava de fazer para se divertir? Para onde você ia com seus amigos?
R – Bom, fora o bendito futebol eu gostava muito de dançar. As nossas baladinhas. Dentro do time de futebol que era feito pela turma do bairro, nossa juventude, a gente fazia festa junina. Então, ensaiava quadrilha, como tem tradicionalmente hoje em todas as escolas, né? A gente fazia uma coisa assim. E por incrível que pareça, bebia muito refrigerante, só! Sempre fui meio, talvez por ter perdido o meu pai muito cedo por causa disso também... A gente participava muito de festas. Nessa época não tinha também a violência que tem hoje. Você podia chegar em casa às duas, três horas da manhã de um bailinho tranquilamente que não tinha drogas pesadas também como tem hoje, era completamente diferente a coisa. Era mais liberto! Era mais liberdade. Lógico, liberdade que eu falo é com respeito ao horário, chegar em casa. Era bem assim a coisa.
P/1 – O senhor falou que começou a trabalhar cedo, onde é que o senhor começou a trabalhar, como é que foi?
R – Primeiro por causa do cigarrinho que eu queria parar de passar a mão no cigarro da minha mãe (risos), eu comecei a trabalhar em uma marcenaria em frente, eu lixava pés de mesa. Eu estudava de manhã e à tarde eu ia para marcenaria lixar as peças, ajudar o velhinho lá, para ele me dar uns troquinhos e eu poder comprar meu cigarro e minhas tubaínas, tudo. Depois, deixa eu ver... Volta a pergunta porque eu esqueci.
P/1 – Como o senhor começou a trabalhar com comércio?
R – Acho que foi alguma coisa que mexeu com respeito às vendas. Eu trabalhei na Abril Cultural, fui vendedor de livros, e de lá eu recebi um convite de um primo meu para ir trabalhar no depósito de bebidas da Brahma, em Moema, na Rua dos Jamaris, se não me engano. De lá comecei como faturista, passei a vendedor. Faturista tira nota fiscal na mão, era cada pilha que eu saía com os dedos inchados (risos). Depois passei a ser vendedor, de lá eu conheci um senhor que me deu a grande oportunidade da minha vida que foi ser sócio do filho dele no O Barricão, atual. Ele comprou para o filho, e eu ajudava o filho, porque eu fazia esse setor de vendas em Pinheiros, na Brahma. E ele me deu essa oportunidade de ficar junto com o filho e ele não se interessou. Foi embora e eu fiquei só lá. Ele me deu sociedade, isso em 73. Em 76 ele queria vender, eu gostei de ser patrão, e passei a negociar com ele. Ele me vendeu a parte dele, e desde 79, quando eu acabei de pagar a última promissória eu tô sozinho lá. Mas antes, de 71 a 79, tinha ele como sócio.
P/1 – E voltando um pouquinho, o senhor falou que o primeiro trabalho foi numa marcenaria, como é que...
R – Isso como um trabalho não registrado. Depois, com 14 para 15 anos eu trabalhei numa cutelaria. Fazia alicates para cutícula, cortar unha, alicates profissionais também. Eu trabalhava na parte de niquelação. Deixava os pezinhos, os móveis, tudo brilhando. Era niquelação. Fazia também a parte de metalúrgica. De lá eu fui vender livros. Eu trabalhei em poucos lugares, mas depois o ramo de bebidas me empolgou mais.
P/1 – E o que o senhor acha que te empolgou mais no comércio, com relação a esses outros tipos de serviço que o senhor fez?
R – O contato com o público. Pra mim, até hoje não é uma rotina ir todo dia pra loja, abrir, tal. Que eu me lembre eu tenho pouquíssimos dias de folga, de férias, mas eu me empolgava de abrir a loja porque eu sabia que não ia ser rotina, era sempre um cliente diferente, o dia era diferente, e você fazia grandes amizades com os clientes, fornecedores também. Até hoje eu tenho grandes amigos que estão nessa área. Mas o que me deixava muito feliz era o contato com o público, de eu poder oferecer um serviço com, sei lá eu, com simpatia, com brincadeiras. Eu adorava contar piadas, adoro até hoje, e eu fazia grandes amizades, por isso eu gosto demais de abrir a loja de manhã, ficar 12 horas direto ali dentro. Tanto é que minha cor é branco adega (risos). E aprender. O mundo da bebida é muito mágico! Falar sobre vinhos, então, é muito legal. Cada vez eu aprendo mais, porque antes a gente vendia o produto mais caro como o melhor, mas não é isso que acontece, né? Às vezes você compra bons produtos com um custo-benefício muito bom.
P/1 – E o senhor pode descrever um pouco da loja para gente? Como ela é por dentro, a fachada?
R – Antiga?
P/1 – Pode ser.
R – A antiga não tinha as coisas descartáveis como tem hoje, então, era tudo vidro, vidro mesmo. Aquelas Coca-Colas de um litro, de dois litros, de vidro. As caixas de cerveja eram de madeira. Era um peso enorme! E que eu me lembre, nessa época os caminhões entregavam direto. Eles faturavam na hora, não é como hoje que passa o vendedor, ele te entrega no dia seguinte, com a nota já prontinha, fatura prontinha. Naquela época era pronta entrega, era bem assim. É isso.
P/1 – E o senhor lembra como era a disposição dos produtos, se eram prateleiras...
R – Sim. Existia um espaço que a gente reservava mais para garrafaria que era retornável, que era cerveja, água, Coca-Cola, essa parte ficava sempre no fundo da loja. Na frente, a gente procurava demonstrar os produtos com beleza de rótulos, que naquela época deixava a loja mais bonita, e aprendi também que enfeitar prateleira não adianta nada. Tinha uma clientela enorme, tanto é que tinha um espaço pra garrafões de vinho. A gente fez umas prateleiras para deixar eles deitadinhos, para molhar a rolha e eles não estragarem cedo. Tinha esse espaço para garrafão de vinho e tinha um barril de vinho que a turma vinha buscar, isso na época já falada do começo da loja. A turma vinha buscar os vinhos em garrafões. Mas nós paramos de trabalhar com esse produto porque além de tomar um espaço enorme da loja, os barris eram de cem litros, tinha pouca vida, a duração do vinho. Ele azedava com o clima de São Paulo, faz muito pouco frio, é mais calor. Então, no clima o vinho azedava logo. Apesar de eu não perder, eu vendia como vinagre, mas, lógico, você não vai vender um vinagre com o preço de um vinho. Então, a disposição dela na fachada, se não me engano, eu comecei a bolar a coisa do Barricão, fiz várias. E trabalhava com fornecedores para eles montarem a fachada para mim. Eu já tive várias fachadas: tive da Ambev, da Antarctica, teve da Coca-Cola, teve várias fachadas ali. É mais ou menos isso a disposição da loja, cheguei a ter muitos funcionários e hoje é só eu e o meu filho.
P/1 – E o que mudou nesse espaço físico da loja para hoje, como ela é hoje?
R – Ah sim. A disposição hoje, lógico, você sofisticando uma loja, você passa a ter menos produtos. Você vai partir de uma linha de venda. Como eu te falei, não dá para ficar enfeitando a prateleira hoje. Hoje o produto tem que ter um giro rápido. Então, você sofisticando a loja, você vai parar com produtos. E também o problema dos descartáveis, não? Que hoje ocupa bem menos espaço. Você tem condições de ter mais rótulos com o mesmo espaço que tinha antigamente. Lucas, me desculpa, às vezes foge a pergunta, eu volto na outra...
P/1 – Não, claro. Eu estava perguntando para o senhor como é a disposição na loja hoje. Os produtos ficam em prateleiras? Existe um balcão, como é que é?
R – Sempre em prateleiras e não pode ficar direto no chão, sempre em estrados, e em prateleiras. Fora o serviço de refrigeração, que são produtos que você pode vender gelado.
P/1 – E que tipo de produtos são vendidos?
R – Bom, de maneira geral, cerveja, água, refrigerantes, essa parte também tem gelados. O meu forte mesmo, hoje, é vinho. Vendo algum licor, algum destilado em geral, whisky, vodka, e as cachaças que cresceram bastante no mercado. Mas é mais vinculado a vinho, o meu forte é vinho.
P/1 – O senhor estava falando que conforme a sofisticação da loja, o estoque acaba sendo menor. Como é que funciona o estoque da loja?
R- Hoje em dia, devido a modernidade, tudo você tem mais fácil, você não tem necessidade de ter estoque, você pode comprar, adquirir o produto de um dia para o outro. Antigamente, para vir uma carga de vinhos do Sul demorava um mês, 35, 40 dias. Hoje não, em três, quatro dias eles já estão te entregando. Então, não tem essa necessidade de você ter um espaço enorme de um armazém de 500 metros para você ocupar. O espaço físico hoje é muito relativo, então, você pode ter um espaço menor com os mesmos produtos.
P/1 – E quem são os fornecedores do senhor?
R – Devido a todo esse tempo enorme de vida útil lá da loja, a gente tem muuuitos fornecedores. Mas você acaba se vinculando a determinados, aquele que você consegue fazer uma amizade, que você não precisa, como eu tava te falando, de você ligar e ele já te entregar. Mas as tradicionais, lógico, Coca-Cola, Ambev em matéria de cerveja. Você tem várias marcas de cervejas artesanais hoje que também passam vendedores diariamente, você tem águas em geral, várias, Minalba, que é uma das mais concorridas, a Prata. Tudo, por incrível que pareça, você tem terceirização. A fábrica, a fonte pode ser lá na Águas da Prata, Águas de Lindóia, mas você tem representantes em São Paulo. E não é só um não! Tem três, quatro. E é aquele negócio do melhor preço, melhor oferta. A sua compra é feita assim. E as visitas semanais. Teve uma época que a Coca-Cola passava todo dia. Todo dia! Quando era entrega imediata.
P/1 – E o seu relacionamento com os fornecedores é bom? Como é que é?
R – Ah, sempre foi, sempre foi, nunca tive problema com ninguém, é raro, muito raro. Mas já passei dissabores por isso, né? De uma entrega não ser efetuada no dia certo, ou corretamente o que você pediu. Já tive problemas. Mas a maior parte, vendo, analisando, tenho amizade até hoje, com turmas que já saíram, estão trabalhando em outros empregos e tal, e às vezes me visitam. Teve um gerente da Coca-Cola Kaiser, no tempo que a Kaiser era da Coca, que eu nunca me esqueço, ele me conseguiu um monte de jogos de cadeira. Não aquelas de metal, de madeira mesmo. E essa semana atrás ele passou lá me visitando, ele está trabalhando com cremes. Meu Deus, como é que chama? Produtos cosméticos, mas famoso! Eu não tô me lembrando o nome, e ele é gerente lá. Eu falei: "Como você mudou, hein? Trabalhava com Coca-Cola, agora tá trabalhando com perfumes e cosméticos".
P/1 – E por se tratar de uma adega, muitos produtos vêm do exterior, não? Como é que você adquire esses produtos?
R – Ah, você compra através de representantes, importadoras. Então, você tem grandes importadoras nesse setor, tem a Santar, Casa Flora, Flórida, tem Palluani, Calva atacadista, fora os Makros e os Carrefours que você também tem acesso e às vezes pode comprar uma boa oferta neles para poder revender na sua loja. Mas os produtos importados, inclusive, têm uma fiscalização muito forte a respeito de destilados, selos e cigarros. Há pouco tempo foram na loja procurando saber a respeito, mas como a gente trabalha sempre num ritmo, só com nota, bonitinho, porque não adianta você comprar sem nota hoje e pagar uma multa braba amanhã. Tudo o que você ganhou a multa vai acabar, quer dizer, o seu trabalho foi inútil. Mas fornecedores, fora de cerveja, refrigerante e água, os tradicionais são mais para vinhos. Cheguei a comprar direto da Johnny Walker, o Red... Você sabia que o Red é o whisky mais consumido do mundo? O vermelhinho. Primeiro é aquela bebida chinesa, tipo saquê. Acho que por causa da população, lógico, é mais consumido. E a 51 já chegou a ser a quarta do mundo. Verdade, isso é fato.
P/1 – E existe algum país que o senhor importe mais, vinhos de algum país?
R – O sul americano, pelo custo-benefício. Chile, Argentina. E é muito bem aceito pelo público brasileiro. Mas na Europa fazem grandes vinhos. E tem muita coisa deles também. Na Itália tem belos vinhos, na França também. Europa em geral.
P/1 – E o senhor trabalha por encomenda? Como é que é? Até por essa facilidade de pedir em um dia e eles entregarem no outro, como é que é?
R – Justamente. Eu trabalho muito vinculado a pedidos. Pela amizade já adquirida no setor, um cliente tá atrás de algum produto, às vezes eu não tenho esse produto, eu dou para ele o telefone, o endereço, onde ele vai encontrar com melhor qualidade. Esse é um outro serviço que a gente presta, parece que não, mas dá frutos. Porque fora o cliente ficar grato contigo, ele passa a te respeitar mais nesse sentido. Eu costumo fazer pesquisas de preço, como a gente recebe muitos emails de vários fornecedores, nesse segmento eu faço uma pesquisinha de preço. E o que o cliente pede a gente consegue ir atrás. Essa é uma coisa que eu falei da carta de vinhos que é feita pelo cliente. Um produto que ele gosta, conhece, que não tem no mercado, ou ele está com dificuldade dele achar, a gente procura para ele e oferece por um bom preço.
P/1 – E qual o produto da adega que o senhor mais gosta?
R – De um tempo para cá eu virei um grande apreciador de vinho. Eu adoro o ritual, a magia de você tomar um vinho, daquilo de abrir, decantar ele, tal. Mas, como um bom brasileiro, e meu filho me inspira muito nisso, eu adoro cervejinha também (risos), uma boa cerveja. Principalmente as artesanais, tem cervejas muito boas. Tão boas quanto as de fora, das alemãs, belgas, e outras mais.
TROCA DE FITA
P/1 – Bom, senhor Ricardo, o senhor tava falando um pouco dos produtos da adega, o senhor falou até um pouco sobre molhar a rolha para o produto durar um pouco mais, ou não colocar no chão... Quais são os cuidados que tem que ter com acondicionamento com esse tipo de produto?
R – Bom, para a cerveja, água e refrigerante, qualquer produto, muita claridade, sol, não é apropriado. Mas para o vinho em si, para ele durar mais, você deixa ele deitadinho. Porque ele umedecendo a rolha, é a mesma coisa quando você vai abrir um vinho, se você furar a rolha inteira, você não tem a possibilidade de virar a rolha. Ele vai ter sempre mais duração, se você abrir só até a metade, quer dizer, tira a rolha, sem precisar furar ela inteira. Você virando ela, ela vai tapar e não vai deixar entrar ar, e com isso ele terá uma duração maior, porque não é toda pessoa que toma uma garrafa de vinho de uma vez. Às vezes, ela guarda para outro dia metade, talvez não. E assim ele tem mais vida. E nunca pode deixar bater claridade no vinho que altera, é frágil nesse sentido.
P/1 – E a preocupação com temperatura, como é que faz na loja, nesse Brasil com esse calor todo? Como é que é?
R – Existem hoje várias adegas climatizadas, que a turma costuma comprar. Os brancos sempre embaixo para ficar mais fresquinho, para o chão, e os tintos mais acima. Mas você tem que evitar isso que eu já falei, o calor é totalmente contra esses produtos, de uma maneira geral, claridade também, tem que estar sempre atento a isso. E sempre procurar deixar deitado, os vinhos principalmente.
P/2 - Ricardo, diante da gama de produtos que existem, tanto de vinho como de cerveja, como é que o senhor escolhe os que quer vender?
R – De uma maneira geral são produtos já tradicionais. Conforme a carta de vinho quem faz é praticamente o cliente. Às vezes, você consegue comprar um lote bom e faz um marketing na promoção. Por exemplo, a gente comprou um vinho do Porto muito barato, e então, eu passei a oferecer para o meu cliente muito barato. A faixa dele de mercado é 49 reais, eu estou vendendo por 30. Então, a venda é feita com mais rapidez, você tem um fluxo grande de venda mais rápida. Mas eu vou muito pelo cliente. O que ele me pede eu procuro atende-lo da melhor maneira possível. Agora, com respeito a gama de produtos, por ler muito também, você tá sempre atento, você vai a eventos, feiras de vinhos. Tem feiras de vinhos, e lá você fica conhecendo algum outro produto que possa te engrandecer na loja, pode ser um produto a mais na loja.
P/1 – O senhor comentou agora de promoções. Como é a principal forma de atrair os clientes hoje para o O Barricão? O senhor faz promoções constantes, como é?
R – Faz vinculada à compra coletiva, internet. A gente tem parceria com alguns sites que ajudam a promover um determinado produto. Às vezes, a loja é usada só como uma retirada, você só vai retirar o produto lá. Nós usamos também para isso. Uma importadora faz uma parceria com um site, e a retirada é no O Barricão, por já ser reconhecida, tal. Principalmente no setor onde o poder econômico é bem razoável, né? Então, essa é uma das formas. A outra é telemarketing mesmo, mandar emails para os clientes, das promoções, das coisas. Hoje está bem vinculado a isso.
P/1 – E essa venda por internet é feita em parceria com esses outros portais ou ela também acontece no site de O Barricão. O cliente pode comprar o vinho através do site?
R – Pode, pode comprar o vinho através do site.
P/1 – E é uma parcela significativa das compras ou...
R – Não, não. É por causa da tradição do O Barricão, o cliente, não aquele "mais acomodado", que quer que faça a entrega na casa dele, ele gosta de ir lá no O Barricão para escolher os produtos. Então, fica assim.
P/1 – Existe um perfil de cliente do O Barricão, uma faixa etária?
R – Não, já teve época que eram mais pessoas de idade, os quarentões, cinquentões (risos). Hoje é um público em geral. O jovem hoje, se não está atrás de um energético, ele está atrás de um presente para um pai. E as datas! Dia das Mães, Dia dos Pais, são bem generosas para a gente no ramo de bebida. Não que os pais e as mães bebam tanto, mas as festas que eles proporcionam pra eles geram um veículo maior de pessoas que consomem mais bebidas.
P/1 – E o senhor acha que dá para dividir esses clientes por tipo de produto que consomem, por exemplo, os jovens consomem mais determinado tipo de produto?
R – Ah dá, apesar do jovem de hoje ser bem versátil, toma tudo, desde a cachacinha, que é o destilado mais forte, ele toma também muita cerveja, e está aprendendo a tomar vinho. Mas o público do vinho já tem uma certa idade, é dos 30 pra cima, isso com certeza.
P/1 – E o senhor se lembra de alguma história engraçada que tenha passado com algum cliente, algum fato que marcou?
R – Tenho. Tenho várias histórias nesses 40 anos. Meu Deus do céu! Uma vez eu fui, em um dos clientes, e era inclusive vinculado a assessor de governo também. Ele fez um aniversário e eu procuro marcar as datas dos aniversários dos clientes para no ano que vem ligar cobrando, "Ó, não vai comprar em outro lugar, eu tenho uma oferta para o senhor", tal. E eu não fui convidado por ele. Eu não me lembro de ter sido convidado. Mas eu fui entregar a bebida na casa dele, tal, e na volta, conversando com a minha esposa eu falei: "Poxa, a gente podia ir lá levar um presente para o seu Arlindo" "Ah, mas você foi convidado?" "Claro que eu fui". Mas realmente eu não me lembrei de ter sido convidado, mas peguei uma garrafa de vinho e fomos lá no aniversário. Chegando lá, nego, um apartamento, uns cem metros só de sala. Só tinha a alta sociedade. Entreguei o presente, cumprimentei, ele gostou pra caramba do que eu fiz, do meu gesto tudo, mas, lógico, a classe era mais embaixo. Então, eu fiquei deslocado durante uns 40 minutos, a água que me ofereceram tremia assim na minha mão porque... (risos) E minha esposa ficou de mal comigo bem uns 10, 15 dias, viu? (risos). E eu não tinha sido convidado realmente. Depois, conversando com ele, eu falei: "O senhor se lembra, seu Arlindo, tal, assim, assim". Ele falou: "Ricardo, você foi a maior surpresa da minha vida. Eu não esperava você lá, mas foi muito bom". E olha, estreitou bastante a nossa amizade, viu? Que Deus o tenha, seu Arlindo.
P/1 – O senhor também comentou da sua esposa, como vocês se conheceram?
R – Bailes. A gente tinha um time de futebol, chamava-se Palestra, da Vila Mariana. E a gente fazia bailes para angariar fundos, comprar uniformes, poder alugar um ônibus para poder ir jogar fora, tal, tudo aqueles papos. E fazia bailes que eram promovidos e a turma pagava. E eu conheci ela em um baile, mas eu já tinha visto ela porque um amigo meu namorava a irmã dela. E como ela era mais velha, para irmã mais nova poder sair, namorar, ir ao cinema, tinha que ter um acompanhante para a mais velha. E felizmente naquela época (risos) eu fui escolhido. Mas brigávamos muito. Eu era muito espoleta, ia a outros lugares. Ela também, uma mulher independente, esperta. Mas estamos juntos até hoje. E de lá, cresceu um amor muito bonito por eu ter perdido o meu pai cedo, ela foi uma grande companheira. Mas ela sempre gostou de estudar, eu já era meio... Teve épocas que ela até me obrigou a voltar a fazer cursos e tal, para enfrentar uma faculdade para frente, mas eu não consegui. Mas namoramos três, quatro anos, e estamos casados desde 71 também. Coincidentemente, bem próximo a loja. Temos três filhos. Ela é uma mulher guerreira, capricorniana. Para aguentar não é fácil, não! (risos). Mas é numeróloga, taróloga, sacoleira, sai vendendo roupa, vai nas confecções, tem uma grande carta de clientes. É uma mulher muito interessante, muito inteligente.
P/1 – Tá certo. Então, voltando agora para loja, gostaria que o senhor falasse como são as formas de pagamento, como eram antes, se tinha esse esquema da caderneta que o senhor comentou ou não.
R – Tinha, era bem... Naquela época primava a honestidade, né? Você podia dar um crédito para o cliente que não tinha poder de não receber. Era muito fiel a coisa. Hoje não. Hoje a minha venda é mais intensa, como tem esses cartões. A maior parte hoje, 70, 80% é cartão. Cheque é quando você vai entregar à domicílio, quando você vai fazer entrega à domicílio você consegue receber em cheque, mas na loja normalmente é dinheiro ou cartão. E cartão é 70, 80%. De débito ou crédito. Essa é a forma de pagamento na loja. Mas por não ter produtos caríssimos, o débito prevalece. Cartão de débito é a forma mais usada. Agora, quando tem as parcerias com os sites de compras coletivas, a compra já vem paga. O cara paga quando ele adquire o voucher e depois só vem retirar na loja. E desse pagamento uma parte vai para o importador, outra parte para loja, outra parte para o site.
P/1 – E quais são os sites que tem essa relação?
R – O ClickOn é um parceiro mais chegado a gente, mas já trabalhamos com Bananarama, tem outros. Mas os dois principais são o Bananarama e o ClickOn.
P/1 – Qual é a vantagem de fazer esse tipo de acordo? Vai vender o produto super baixo, mas...
R – Veja bem, conforme eu falei, o site e o importador fazem a parceria. Na maior parte das vezes O Barricão não ganha nada, ele é a retirada do produto. Mas a forma como é retirado o produto que é interessante para nós. A turma vem de vários bairros diferentes, conhece a loja, e dentro desse tempo, me permite a vender para esses clientes que não são meus clientes tradicionais um produto que... Por exemplo, normalmente essas ofertas são feitas com vinho. E como eu tenho bons preços nesse segmento de vinho, eu acabo lucrando, vendendo também. Apesar que, no caso das últimas parcerias que o importador fez com a ClickOn, esse importador é amigo meu. Então, a gente faz essa parceria, essa troca. Eu ofereço o meu espaço para ele para retirada do produto e ele me deixa a própria mercadoria em consignação. Eu vendo o produto, vou pagar ele com um prazo maior, mais tempo.
P/1 – E por ser um ramo de atividade que depende muito de preço lá fora, preço aqui, inflação, dólar, tudo o mais, como é que é quando muda a moeda?
R – Mexe, quando a Economia mexe. Já passei por várias crises... Collor. É difícil. Quando tem crise na China, no Japão, agora nos Estados Unidos também. E o dólar agora está mais estabilizado. Então, você consegue ficar dois, três anos, quando tá estável a coisa, a moeda lá fora, você tem um preço estável, mais estável, apesar do Brasil ter o imposto mais caro do mundo. É verdade. Tem o imposto mais caro do mundo. Até em água mineral, que não tinha há uns dez anos atrás, água, tem imposto. Então, é isso que acontece. Quando está ruim lá fora, há crises econômicas, mexe aqui e mexe com o preço de tudo. Um dos primeiros é sempre bebida, com imposto, alguma outra coisa.
P/1 – Se tivesse que apontar alguma coisa, o que o senhor apontaria como o que mais mudou na sua atividade no decorrer dos anos?
R – Bebidas... Olha, um segmento que cresceu demais foi a cachaça. Eu acho que é um produto que de uns dez anos para cá o consumo aumentou muito. Mas estou falando cachaças bem finas, mais elitizadas. E no segmento de vinhos cresceu muito a variedade. Entraram muitos importadores de países que não eram conhecidos. Austrália, África do Sul, até Bulgária. Tem vinhos de tudo quanto é lugar. Esse foi um dos que eu me recordo assim que mexeu bastante com o mercado de bebidas. E lançamentos de produtos. A H20H é um deles, que entrou pra ficar. Mas é raro ter algum produto de bebida hoje, que tanto consumo, que agrade a todos os paladares.
P/1 – E o senhor estava falando que na loja trabalha o senhor e o seu filho. Existe algum tipo de treinamento ou é mais na experiência mesmo?
R- Não. Hoje mais na experiência. Antigamente você tinha que treinar o seu funcionário para o atendimento, sempre cumprimentando com um sorriso no rosto. Você procurar, eu até orientava eles para saber o time que o cliente torcia, porque é uma forma de você... E sempre saber o nome, ver o nome do cliente. "Senhor Fulano de Tal, tudo bem? E o seu time?". Já é uma maneira de você ficar mais próximo, mais intimo do cliente e ter mais liberdade de oferecer serviços.
P/1 – E o senhor comentou para gente toda a trajetória da loja, que o senhor era sócio, depois comprou a parte da sociedade. Como é essa coisa de ser o próprio patrão?
R – Ah, isso é... Eu me senti muito bem. E quando levei a surpresa para casa minha esposa ficou muito feliz também. Ela me ajudava muito no começo lá, mas essa sensação é vencer, né? Você batalhou, batalhou, batalhou, e tá vencendo. É sempre uma luta, mas você se sente um vencedor, você ganhou algo.
P/1 – E quais são as maiores dificuldades disso?
R – Olha, hoje você ter um nome e deixar ele sempre limpinho é a maior dificuldade. Hoje você não pode errar no comércio. Se você for fazer algum investimento você tem que pensar muito bem antes, porque mexe. Daí mexe com a estrutura comercial, mexe lá em casa, mexe com tudo. Então, você tem que ter muito pé no chão.
P/1 – O senhor comentou que a loja possui um site, tal. O senhor anuncia a loja em algum lugar, TV, revista?
R – Não.
P/1 – É pelo site mesmo.
R – Só o site. Já vinculei em jornais de bairro normais, em revista, a famosa Veja, mas hoje O Barricão, não que não precise, porque é sempre bom, mas ele tá mais maduro. Então, já tem uma clientela e não vinculo mais. É mais no site, mesmo.
P/1 – O senhor estava falando agora do jornal do bairro. O Barricão sempre foi na Rua dos Pinheiros?
R – Sempre.
P/1 – Quais foram as maiores transformações que o senhor viu passar no bairro, na atividade comercial?
R – Quando eu entrei tinha muita casa residencial na Rua dos Pinheiros. Hoje ela é totalmente comercial. Eu lembro que era paralelepípedo, subia e descia a rua. Eram duas mãos e muita residência. Muito pouco prédio! Eu acho que eu vi nascer a maioria dos prédios ali. Tinha mais sobrados, aquelas casas antigas de sobrados, tem alguma coisa que ainda existe, mas a maior parte já virou prédio. E hoje é uma rua que tem tudo, tudo tudo tudo. Bancos, nas travessinhas têm cinemas, tem uma variedade. Você não precisa se locomover a outros bairros para efetuar compras, apesar que é um bairro caro. Eu, particularmente, acho que é um bairro caro.
P/1 – E tem algo que o senhor acha que existia e hoje não tem mais?
R – Ah sim! Falando em coração, afetividade das pessoas, hoje mudou muito isso. Elas hoje são mais frias, muito mais comercial do que antigamente. Antigamente a turma sorria mais, tinha aquele abraço amigo. Hoje eu sinto isso, está muito comercial a coisa Nas próprias datas festivas, Dias dos Pais, Dias das Mães, a gente nota isso, eles estão bem mais...
P/1 – O senhor disse que a Rua dos Pinheiros era uma rua predominantemente residencial. Em que época se deu essa transformação para um comércio mais efetivo?
R – Dos anos 80, 90 para cá. De 90 para cá eu acredito que começou a crescer mais o bairro em si. Não só a rua, mas o bairro cresceu muito. Mas também cresceu assim, para cima. Muitos prédios e, lógico, mais moradores. E é muito próximo à Avenida Paulista, então, valorizou demais o bairro. Há grandes investimentos ali. Mas hoje eu não moraria ali não.
P/1 – Antes até da entrevista, o senhor estava conversando um pouco comigo, falando de quando teve a pavimentação da rua, que o senhor colocou algumas mesinhas na rua, serviu um pouco como um barzinho. Como é que foi essa experiência?
R – Inclusive existe um projeto para boulevard ainda, da Rua dos Pinheiros. É capaz de sair logo, em um ou dois anos é capaz de sair. A Gazeta de Pinheiros está muito forte nesse sentido, pegando assinaturas e tal. Nessa época, eu lancei o barzinho porque eu sabia que vinha o metrô, né? Uma amiga que trabalhava na prefeitura me orientou que o metrô iria passar na Rua dos Pinheiros. E eu falei: "Bom, tenho que aumentar a minha receita, porque só a loja, o metrô vai passar ali e eu tenho que...". Então, eu montei o barzinho à noite, que funcionou de 2004 a 2008, aproximadamente. E era muito bacana porque a clientela que eu consegui formar, pessoas menos jovens, uma clientela que ia lá para saborear uma bebida, beber um bom vinho, tal, mas não para beber em demasia. Era um barzinho tipo happy hour mesmo. Com isso, em quatro anos nunca teve uma briga no meu bar. E era encostado ao Paulicéia 22, que era uma danceteria que dava briga toda hora. Mas nunca teve uma briga, fora as discussões de casais, de namorados, que normalmente têm, lá nunca teve. Esse foi um fato pitoresco, nunca teve uma briga no Barricão, bar, né?
P/1 – E o senhor tava comentando que essas pessoas iam lá para degustar alguma bebida. Existe essa possibilidade de degustação? O cliente que chega no O Barricão pode provar alguma bebida, como é que é?
R – Olha, tem vários fornecedores que deixam amostras, principalmente de vinho, para que a gente possa oferecer para o cliente. Eu já fiz várias degustações de vinho e de cerveja também. Essas cervejas tradicionais que vem de fora ou que são daqui, às vezes, há possibilidade de fazer isso. A gente sempre marca numa quinta ou sexta-feira, horário de happy-hour, para isso.
P/1 – Agora voltando um pouquinho para rua, para o bairro. Existe uma estação de metrô para inaugurar na Rua dos Pinheiros. Como é que o senhor acha que isso vai influenciar na atividade comercial?
R – Muito, muito, muito. A Rua dos Pinheiros vai crescer muito. O que a gente sofreu a uns anos atrás com ela fechada para que o metrô pudesse existir, agora eu acredito que... Só para você ter uma noção, quando estavam fazendo a obra do metrô, a gente foi falar com o vice-prefeito a respeito dos impostos porque o movimento caiu 50%, 60%, se havia possibilidade dos impostos também serem retardados, ou divididos, parcelados, ou mesmo bonificados para gente nessa época. E eram 60, 70 comerciantes que estavam passando por dificuldades, alguns até fechariam, como aconteceu mesmo. Mas ele alegou que seriam 90 mil pessoas que iriam passar por lá diariamente. Então, a gente está com uma esperança que a circulação de pessoas vai ajudar muito, vai crescer bastante. E parece que tá marcado ou pra final de 2012, ano que vem, ou comecinho de 2013.
P/1 – Agora voltando um pouco para sua família, o senhor falou dos seus filhos. Algum deles é comerciante, tirando esse que trabalha com o senhor?
R – Não, não. Nenhum deles. Uma é corretora de imóveis, a outra é dona de casa mesmo. Mas só eu e meu filho que somos comerciantes.
P/1 – E é uma profissão que o senhor indicaria?
R – Ah, quem ama o público, quem gosta dessa vida sem muitas férias. Acho que não tem muita gente que gosta (risos). Acho que sim.
P/2 - E como era quando os seus filhos eram pequenos? O senhor levava-os para trabalhar com você, mostrava como era o trabalho?
R – Não, não, não. Eu sempre tive funcionários, motoristas, balconistas, isso sempre existiu. Mas os filhos sempre ficaram em casa, apesar de morarem próximos. As minhas filhas pouco ajudam lá por já terem a vida própria delas. Mas o meu filho me deu um exemplo de vida muito bacana porque ele tava trabalhando, começou como barista na Starbucks, e era um dos coordenadores, chegou a ser coordenador, mas trabalhava, não tinha um horário muito específico, ganhava muito bem. Mas o que aconteceu? Ele largou para vir me ajudar porque eu, com todos os altos e baixos, eu não tava conseguindo mais controlar sozinho. Ele veio me ajudar, largou o empreguinho dele, e veio, "Pai, quero um dinheirinho, não da balada, mas da breja". Pago o inglês para ele porque ele tá fazendo um curso, porque ele quer ir para fora e ele tem me ajudado nesse sentido. E só eu e ele mesmo.
P/2 - E o que o senhor sentiu quando ele decidiu trabalhar com o senhor?
R – Ahhhh, muito orgulho. Eu sempre procurei passar algo, por menos que eu pudesse oferecer para eles, para eles terem uma noção de honestidade, caráter, essas coisas todas. Foi uma demonstração de amor mesmo, né? Porque largar um emprego em que ele tinha benefícios maiores do que eu poderia oferecer para ele, fora o meu amor, a minha amizade, ele não teve dúvidas. Ele largou tudo e falou: "Não, nós vamos levantar tudo de novo". E isso está acontecendo, lentamente hoje, passo a passo, mas ele me dá muito orgulho até hoje. Eu escrevo muito sobre ele. Sobre os meus filhos em geral, mas cada dia ele me dá uma lição.
P/1 – O senhor falou que escreve muito, anteriormente o senhor tinha falado de alguns livros. O senhor escreve?
R – Eu escrevo poemas. Eu adoro escrever, desde a época de solteiro, sempre adorei escrever.
P/1 – Que legal! E quais são as outras coisas que o senhor gosta de fazer quando não está ali no O Barricão?
R – É raro, hein? Não estar no O Barricão é raro (risos). Mas eu adoro um esporte na televisão, onde eu me acho mais.
P/1 – E seu Ricardo, se o senhor pudesse me dizer, quais foram as maiores lições que o senhor tirou da atividade comercial em todos esses anos?
R – Ai meu Deus do céu, são tantas! Mas uma que me marca muito é honestidade. Se você tiver dignidade, caráter, honestidade, você consegue. É só ir atrás que você consegue. Isso com certeza, porque quando me foi oferecida essa oportunidade, foi porque eu tinha sido tudo isso, para provar praquele senhor que tava me dando essa oportunidade de ser patrão, que eu merecia. E sempre passei isso para os meus filhos. E passo para os amigos também isso. Se você for íntegro, você tem muito mais chance de vencer.
P/2 - Eu queria retomar uma coisa que a gente tava falando lá fora, e para falar da tradição do O Barricão a gente tava falando das vendas de domingo, dos horários de funcionamento. Como era isso no começo da loja, a concorrência, a movimentação?
R – Existia muito pouca concorrência com as adegas tradicionais daquela época porque não existiam supermercados, não tinham lojas 24 horas. Hoje você consegue comprar uma Coca-Cola até no jornaleiro, tem aquelas maquininhas. Antigamente não! Era vinculado às adegas. Então, no domingo, o nosso domingo lá era muuito forte, porque os mercados não abriam aos domingos e as padarias tinham um preço maior que o nosso. A gente tinha um poder de compra muito bom. Então, conseguimos em três, quatro horas no domingo fazer mais do que dois dias da semana, às vezes. E domingo é o dia que o homem vai às compras, que ele pode estar em casa comprando, sábado ou domingo, sábado também era forte. E ele gasta mais do que a mulher, isso com certeza. Quer dizer, depende. Em bebida sim! (risos) Em outros produtos não.
TROCA DE FITA
P/2 - E o que precisa ter para ser um bom comerciante? Um bom vendedor?
R – Não diria que é um dom, lógico que você estudando, aprendendo, você consegue ser um bom vendedor, mas eu acho que o primordial é simpatia, o atendimento ser cordial. Às vezes, com um “bom dia” você consegue fazer com que a pessoa que entra na sua loja se liberte daquela defesa que normalmente você tem quando vai comprar alguma coisa. Você quer uma coisa boa e barata, com um custo-benefício normal. Eu acho que você tem que ser cordial e simpático para poder atingir o objetivo.
P/1 – Seu Ricardo, qual o seu sonho hoje em dia, em termos de perspectiva para o futuro?
R – Ah, eu já sonhei em ter várias adegas, já sonhei isso. Hoje é inviável porque é um ramo que está muito desgastado, você tem que inovar sempre, sempre. Mas meu sonho é deixar para os meus filhos e meus netos essa tradição, que eles sigam. Eu adoro o que eu faço! Eu amo de paixão o que eu faço.
P/1 – Tá certo. Para finalizar, eu gostaria que o senhor dissesse como foi ter participado dessa entrevista.
R – Primeiro eu fiquei surpreendido pelo convite e também não sabia o que ia encontrar. Porque realmente eu não cheguei a entrar no site, eu tive problemas na semana que a gente tinha marcado e foi muito gratificante. Aprendi alguma coisa.
P/2 - O senhor falou que escreve, que tem poesias. O senhor tem alguma poesia sobre o seu comércio, sobre O Barricão?
R – Já cheguei a escrever, mas eu não tenho publicado no livro, não. Tenho um rascunho lá.
P/2 – E o senhor se lembra de alguma poesia que o senhor gostaria de deixar registrada, de falar aqui para gente?
R – Ai, meu Deus... (pausa). Eu tenho muita lembrança dos pais, né? E o primeiro livro de poesias que eu escrevi foi muito vinculado à família, amigos. E marca muito quando você escreve sobre filhos, sobre a família. Mas no segundo livro, que está no site, você deve entrar sobre nós, Ricardo, poesias e tal, tá muito mais madura a coisa. E ontem ainda eu escrevi alguma coisa a respeito. “Na disputa da jornada nesta vida, tenho um imenso, um grande prazer de estar junto com vocês, meus filhos”. Foi isso que eu escrevi ontem.
P/2 - O senhor gostaria de falar alguma coisa que a gente não tenha perguntado? Que ficou faltando de registrar sobre a sua loja, o bairro.
R – Não, acho que falamos bastante sobre isso, mas eu acho que tem uma expectativa muito grande do futuro. Eu acho que a tendência agora é de melhoras para frente. Abrindo o metrô, até o final do mês ou comecinho do outro mês vai inaugurar um Bradesco do lado da loja. Já vem mais circulação de pessoas com poder aquisitivo maior. Eu acho que o pior já passou! O pior já passou.
P/1 – Então, tá certo, seu Ricardo. Em nome do Museu da Pessoa e do SESC, gostaria de agradecer o senhor ter nos cedido essa entrevista e ter participado do projeto.
R – Foi um prazer, é bom sempre aprender.
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