P1 - Bom, então agora gravando, né, vou pedir pra você repetir o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome é José Henrique dos Santos, né, hum, moro em Lençóis, rua da Bela Vista, número 36, bairro Altina Alves. E hoje sou guia de turismo, cheguei aqui por volta de 17 anos de idade, né, e praticamente tô aí envolvido à seita, esse ano to passando pelo um estágio e praticamente já assumindo a casa do meu ex-pai de santo, aí junto a um grupo que faz parte da Associação Palácio de Ogum. E aí junto do Grão de Luz, uma grande parceria de trabalho, né? E no Grão de Luz eu faço papel de _____ e estamos aí juntos, trabalhando o dia a dia.
P1 - Então tá. Vamos voltar um pouquinho, assim. Seu apelido é Muçum, né?
R – Isso.
P1- Como é que veio esse apelido?
R – Esse apelido de Muçum foi, é devido, foi devido à minha vivência em Lençóis, porque eu fui assim o tipo de uma pessoa, e ainda faço parte um pouco ainda, de estar em todos os folclores, sabe? Em todas as festas eu estava. Quadrilha eu tava por ali, jogo de futebol eu estava por ali, é, mutirão, eu pelo meio, passeio em trilha. E aí eu tenho uma irmã que chama Carminha, ela levou o nome de Xuxa Preta, que era eu e ela que fazia toda essa correria, né, pela cidade, e aí ela levou o nome de Xuxa Preta e eu carreguei o nome de Muçum, dois artistas, né? E aí quando eu trouxe esse nome, eu ainda fiz até uma brincadeira, Muçum, que grande artista Muçum, né, que existiu primeiro, que era Muçum do Rio de Janeiro, né, trabalhava com Didi, e aí eu passei a ser assim um vilão na cidade, em tudo eu tava. Só em quadrilha que festa junina, eu fui campeão em quadrilha oito anos. E futebol, hoje eu sou federado, trabalho pela Federação Baiana, e aí pegou esse apelido de Muçum que tá aí hoje na ativa e praticamente, não, é assim um apelido que tem quase nome registrado no Lençóis. O pessoal chega em Lençóis e...
Continuar leituraP1 - Bom, então agora gravando, né, vou pedir pra você repetir o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome é José Henrique dos Santos, né, hum, moro em Lençóis, rua da Bela Vista, número 36, bairro Altina Alves. E hoje sou guia de turismo, cheguei aqui por volta de 17 anos de idade, né, e praticamente tô aí envolvido à seita, esse ano to passando pelo um estágio e praticamente já assumindo a casa do meu ex-pai de santo, aí junto a um grupo que faz parte da Associação Palácio de Ogum. E aí junto do Grão de Luz, uma grande parceria de trabalho, né? E no Grão de Luz eu faço papel de _____ e estamos aí juntos, trabalhando o dia a dia.
P1 - Então tá. Vamos voltar um pouquinho, assim. Seu apelido é Muçum, né?
R – Isso.
P1- Como é que veio esse apelido?
R – Esse apelido de Muçum foi, é devido, foi devido à minha vivência em Lençóis, porque eu fui assim o tipo de uma pessoa, e ainda faço parte um pouco ainda, de estar em todos os folclores, sabe? Em todas as festas eu estava. Quadrilha eu tava por ali, jogo de futebol eu estava por ali, é, mutirão, eu pelo meio, passeio em trilha. E aí eu tenho uma irmã que chama Carminha, ela levou o nome de Xuxa Preta, que era eu e ela que fazia toda essa correria, né, pela cidade, e aí ela levou o nome de Xuxa Preta e eu carreguei o nome de Muçum, dois artistas, né? E aí quando eu trouxe esse nome, eu ainda fiz até uma brincadeira, Muçum, que grande artista Muçum, né, que existiu primeiro, que era Muçum do Rio de Janeiro, né, trabalhava com Didi, e aí eu passei a ser assim um vilão na cidade, em tudo eu tava. Só em quadrilha que festa junina, eu fui campeão em quadrilha oito anos. E futebol, hoje eu sou federado, trabalho pela Federação Baiana, e aí pegou esse apelido de Muçum que tá aí hoje na ativa e praticamente, não, é assim um apelido que tem quase nome registrado no Lençóis. O pessoal chega em Lençóis e fala: “Onde é que mora o José Henrique?”. Tem mais uns três colegas aqui, o endereço só sai pra outros colegas. Agora Muçum, pronto. “Onde é que mora Muçum”. Aí é fácil demais me localizarem aqui em Lençóis.
P1 - Então tá. Pra tá registrado também, eu gostaria que você falasse o nome dos seus pais e falasse um pouquinho, assim, é, da profissão deles, o que que eles faziam?
R – É, meu pai é (Germino?) Henrique dos Santos, minha mãe, Firmina Maria de Jesus. Ah, praticamente, é, agricultor, trabalhava na agricultura, e hoje a minha mãe é falecida há dez anos já, fazendo 11 anos, e meu pai hoje, ah, encostado, né, tá com 85 anos, aposentado, mora aqui em Lençóis, e é isso, né? A correria da vida, né.
P1 - E você tava falando da Carminha, né, a sua irmã.
R – Tava falando da Carminha.
P1 - Quantos irmãos vocês eram, como que era o cotidiano da casa.
R – Nós tinha, é, todos, em 14 irmão. Hoje aqui em Lençóis tem seis irmão, aqui em Lençóis, e o restante se encontra nesse Brasil afora né, trabalhando no dia a dia. E aí eu vim pra Lençóis, foi quando eu cheguei em Lençóis, e aí, desde da idade de 10 anos de idade eu comecei a ter, assim, um, uma vivência muito forte, né? Eu já tinha um fechamento, assim, que a minha família foi, assim, muito chegada à seita. E tinha, assim, que eu sou herdeiro, assim, de Nagô, né? Praticamente, eu tenho um pouco de sangue de africano no corpo. E a minha vó, quando ela faleceu, ela faleceu com 117 anos, aqui em Lençóis, Conceição. Ela era parteira e trabalhava, assim, com uma grande parteira que é a Nanã Borocu, né, é uma iorixá. Ela, por volta de seus 112 anos, ela ficou cega, sem as vista, e continuava fazendo parto. Quando chegava que, naquele tempo não existia levar pro hospital, isso, aquilo, tinha as parteiras que ia nas casas e fazia, fazendo o parto daquelas pessoas, daquelas senhoras, né? E aí eu sei que tinha um momento que a mulher começava a sentir a dor, ela se levantava do quarto onde tava lá descansando, vinha trazida por alguém, chegava ali no momento ela se manifestava com o iorixá, né, que é essa Nanã Borocu, fazia todo o parto dessa criatura, pegava a criança, cortava o cordão umbilical, fazia tudo direitinho. Depois de tudo, ela se levantava, o que a gente ia dar apoio, ela: “Não, pode deixar que eu vou sozinha”. Ela saía sozinha pro quarto dela, chegava lá se sentava e suspendia o iorixá, aí daí por diante ela voltava a ficar no tato de novo, né. E vai, eu sei que ela pegou todos os filhos da, das filha dela. E aí ela faleceu. Minha mãe, ela faleceu por volta de... É muito difícil, eu era bem... Isso tem mais de 20 anos atrás. Aí minha mãe começou essa caminhada, né, fazendo a mesma caminhada, pegando criança, isso e aquilo. Daí a pouco, minha mãe herdou Costanagô, que é um parteiro, é da seita, trabalha na mesma seita, é da linha do Jejo. Quando minha mãe faleceu, eu tava encaminhado pra fazer uma obrigação, que por volta de 10 anos eu já tinha um fechamento com a entidade, já manifestava a entidade e eu não sabia o que me dedicavam, eu tinha medo do que começou, começasse a passar por mim. E aí foi quando eu cheguei em vários pai de santo, assentando búzios, e aí teve um deles que falou: “Olha, você vai ter que cuidar de uma obrigação, é, seu anjo de guarda vai pedir o pai de santo que vai cuidar de sua obrigação”. Tudo bem. Aí foi quando eu vim embora pra Chapada, pra Lençóis, eu vim aqui por volta de 1977, e aí passei a freqüentar essa casa de santo, que hoje eu ocupo ela, né? Vai, vai, um dia sim, um dia não, aí eu passei a conhecer o pai de santo de perto, o nome do pai de santo, apelidi, Pedro de Laura era o apelidi dele, o nome dele: Pedro Florenço Bastos. Aí vai, vai. Teve que cuidar da obrigação de minha irmã, cuidou da obrigação. E aí eu dei caminho na minha obrigação. Aí foi aonde ele falou: “ó, meu filho, você tem que cuidar de toda sua obrigação porque você é um menino muito fechado no santo, você é um menino médium. E você não pode fazer por metade, você tem que fazer toda a caminhada de uma vez”. Mas eu muito verde, né, novo, não dedicava nada, ficava naquela: “Meu Deus, que caminho é esse que eu vou tomar? O que é um pai de santo, né? O que é um médium? O que é...”. E foi aonde eu tive que, tomei a obrigação nesse dito ano, que foi 1995, isso, por aí, que era pra fazer minha obrigação, um dia minha mãe faleceu, né? Aí não deu, tardei um pouco, não, no ano, em 1996, finzinho de 95, eu fui pra obrigação, fiz a obrigação, e aí um deles já deu caminho: “olha, cuida de pegar, comprar suas obrigação, que o senhor vai passar a tomar conta da sua casa e o senhor tá sendo feito pra ser um pai de santo, porque o seu destino é esse”. Tudo bem. Aí vai, vai, vai, quando foi por volta de 2000, é, 1998, aí já tava com tudo comprado, foi aonde a gente teve assim um acidente muito forte, né, que foi a, o falecimento do, do meu ex-pai de santo. E aí foi aonde eu tive que parar tudo, porque quando o pai de santo, ele é falecido, a casa entra-se de luto um ano, pára todo o regime da casa, fica tudo parado por um ano. Aí fomos ficando parado pelo um ano, depois de um ano a gente começou a dar segmento na casa, mas sem saber como ia seguir essa caminhada, porque ele foi uma das pessoas que se foi e não deixou apontado nenhum filho de santo pra tomar conta da casa.
P1 - Normalmente você deixa apontado?
R – É. Normalmente o pai de santo quando ele tá, sabe o dia que ele vai seguir a caminhada dele, ele tá aprontando, tem vários filhos já trabalhando, ele aponta um: “Você vai tomar conta da casa”. Mas o único pedido que ele deixou foi esse, um único pedido: “Não deixa as obrigação da casa cair, faça o festejo da minha casa como vem sendo feito. A casa são de vocês”. Aí depois de tudo isso a gente falou: “Que caminho nós vamos tomar?”. Então imediatamente a gente fundemos alguma associação, aí demos caminho nessa associação, e tamos aí, né. Andando com essa associação, ela hoje tem na faixa de 150 pessoas associadas, a maioria todos de filhos de santo da casa. Ele foi, assim, um pai de santo na Chapada, trabalhou por 55 anos, por aí, na Chapada, teve assim média de 1800 filho de santo. E aí é onde a gente começa hoje a encontrar um e outro filhos de santo e estamos crescendo a nossa organização e nascendo parceria de trabalho com outras ONG, né, como hoje encontremo o Grão de Luz, eu falei assim, veio de braço aberto pra essa caminhada nossa. Aí me fui ao Grão de Luz, me associei, hoje sou sócio do Grão de Luz, sou um dos griôs lá do Grão de Luz, faço essas caminhadas junto, e nós temos essa parceria de trabalho assim muito interessante, né? Como eu to passando assim um ano muito, meio complicado pra minha caminhada, porque eu tenho que cuidar de muita coisa e tá chegando o final e antes do final eu tenho que estar pronto pra passar a tomar conta geral dos movimento da Casa junto com o grupo, que tem um filho, ele tem um filho hoje que é presidente da Associação, o nome desse rapaz é Sandoval Amorim, tem a mãe pequena, que chama Maria Aura, né, e nós temos, assim, a associação nossa hoje tá toda legalizada, toda arrumadinha, e a nossa casa, desde quando ele faleceu, a gente estamos continuando a caminhada, né? A única coisa que ele deixou comigo, que é um segredo muito grande da casa, é, três meses antes dele adoecer, ele me chamou na casa dele, falou: “Ó, passa em casa que eu quero lhe ver”. Aí passei na casa dele aqui na cidade, ele foi no quarto do santo e veio com a mão fechada, falou: “abre a mão”. Eu abri a mão, ele (põe), deixou uma chave. “Que chave é essa?”. Ele falou: “essa chave é de tal lugar”, lá de Capivara, que é onde fica o terreiro, né, a casa de obrigação, “é pra você cuidar até quando você puder, quando você não mais puder, você procura uma pessoa da sua confiança e coloque lá pra cuidar, mas não deixa, é, dar descaminho. Essa chave é sua pra você tomar conta”. Olha o que eu (tô?)... “Tudo bem. Olha, o senhor acha que eu to pronto pra tomar essa estrada”. Aí ele olhou: “Falta pra você uma das obrigação, se eu não puder fazer você vai procurar um pai de santo que seu anjo de guarda pede e termina a sua obrigação”. Realmente, é esse caminho que eu to acabando de tomar agora pra tá recebendo bandeira e continuar minha caminhada. Aí logo depois de dois meses ele adoeceu. Adoeceu, foi pro hospital, e aí a gente ficou com ele no hospital. Ele foi e falou: “Meu filho, olha, ó o pedido que eu te fiz”. Aí um dia, no outro dia eu tinha que cuidar da casa de santo. Eu fui e falei com ele: “E aí, velho, eu tenho que cuidar de lá, o senhor tá aqui...”. Ele falou: “Não, me deixe aqui, vai cuidar da obrigação sua, porque eu chego em Lençóis, mas não desço mais em Capivara. Avise meus, avise lá pra...”, essa pessoa também hoje é falecido, “pra Silva, que cuide da minha carneira, tire os osso da minha mãe, bota no lugar dela, e que eu vou ocupar minha carneira na semana que vem”. Eu falei: “Ah, velho, larga de (toniça?)”. “Não, meu filho, eu to consciente”. Tudo bem. É, fui, é, distante, é, o que, na faixa de uns 80km, foi em Wagner, onde ele tava internado. Aí eu vim, passei o recado pro rapaz, imediatamente no outro dia o rapaz foi e cuidou de tudo direitinho. E foi esse recado. Ele chegou aqui por volta de... Ele saiu daqui, foi pro hospital do Ceabra, aí por volta de três, quatro dias ele retornou, pediu pra vir embora, e depois daqui, cinco, seis dias, ele faleceu. E aí depois disso nós estamos aí, né? Dando caminho, dando, entendeu? Continuando com os festejos da casa. E esse ano é um ano de correria, é um ano que Muçum tem que acabar de chegar ao ponto final dele pra começar a tomar conta do meu povo. Hoje eu já tenho, assim, uma quantidade de filho de santo, é, cuidando dos meu, cuidando dos dele, e a gente, hoje, pensando bem é um grupo, porque eu não vou dizer “lá eu sou o chefe da Casa de Pedro de Laura”. Eu acho que o chefe tá lá dentro, que é os oruxá dele, os guia dele. É como se diz a história, vai o anel e fica os dedo. Então foi a matéria dele, mas os oruxá tá lá dando a mesma qualidade, não mudou nada, junto aos filho de santo da casa. Então eu to lá sendo, fazendo meu trabalho de pai pequeno, como tem a mãe pequena da casa, e cuidamos dali donde ele deixou pra cima, cuidando dos meus. E dando apoio a alguma pessoa, filho de santo dele que precisar, né? Mas não dizer: “ah, eu sou o chefe da Capivara”. Não, eu to lá junto a um grupo, associação. Agora, amanhã, eu vou ter minha casa de santo, ou aqui ou em qualquer outro lugar, aí sim eu vou ser o comandante, a graça de Deus da minha casa de santo. Mas até o momento, eu sou o zelador da casa de santo do meu ex-pai de santo. É, que eu tenho muito respeito nesse momento pela pessoa dele, aonde se descansa, e pelas pessoas que anda assim em minha volta, que é o presidente da associação Palácio de Ogum, a mãe pequena, é, toda a direção, como todos os irmão de santo e aquele povo que tá aí junto conosco, né, fazendo essa correria do dia a dia.
P2 - Muçum, eu não sei se você pode explicar um pouco o que que é uma obrigação e quais que eram as suas obrigações que você tinha que, que alcançar pra você se tornar um pai de santo.
R – Olha, veja só, eu tive que, o, hoje eu tenho um corpo, a limpeza de corpo é, o significado é quando a pessoa tem um fechamento com a entidade da esquerda, seja ela o que for. Que seje Bombagira, que seje Tranca Rua, Colodina, Maria Padira, ela é da esquerda, ela, a pessoa pode ser evocada por essa entidade. Então essa entidade, quando começa a apoderar na pessoa, muitas vezes ela, a pessoa é muito fechada no santo, então naquele momento o oruxá não dá apoio porque ele tá precisando de uma obrigação, pra tomar conta da matéria dele e dar, começar a dar qualidade. Então a esquerda chega, tem mais apoio, porque acha o corpo dele desativado, então ela ali tem apoio. Desde já, que ele passa a cuidar daquela limpeza, essa limpeza se diz um buri. É um buri, ele recebe esse buri, recolhe aquela entidade e leva ela lá pro lugar dela, entendeu? Depois da, que recolhe aquela entidade, ele tem, começa a ter um fechamento com o oruxá ou caboclo, né, que eu sou feito em umbanda, né, eu sou filho de, em Açã e Ogun de (ronda?). Então em cima disso, quando ela recebe essa oferenda, ela vai pro lugar dela, o orixá já começa a tomar caminho, junto com a matéria. Ali, em cima daquela obrigação, ele tem a matança pra oruxá e tem o batizado de oruxá, dentro da casa do pai de santo, entendeu? Então ali ele vai passar a batizar o oruxá, fazer o corte do oruxá que é pra, é, igualmente o menino pagão. Não tem a história, o menino quando é pagão diz que não é gente, corre o risco, tal tal. Então tem que, depois de batizado ele volta a tomar outro mundo. Então é isso, a gente tem essa mesma caminhada. Passa pelo...
P2 - A obrigação é pra purificar então?
R – É pra purificar, exatamente. Ali, naquele momento que você vai pra _______, é, quem não é pra tomar o caminho pra pai de santo, pode ter uma caminhada ali de 48h, de 120h. Como meu caso mesmo, meu caminho foi muito forte, eu fiquei 7 dias deitado numa esteira sem travesseiro e me cobrindo com uma cobertinha be fininha. Como agora eu to indo pra última obrigação, devo ficar 21 dias isolado. Mas a obrigação é mais ou menos isso. Então cada pai de santo tem um sotaque, o sotaque nosso aqui na Bahia é buri ou oferenda ou obrigação. É, significa-se a mesma coisa, né? E o fechamento nosso aqui, é, umbanda, filho de Ogun em Açã. É feito na, numa corrente assim muito, muito bem fechada com as água, né? Aqui em Lençóis. É, é diferente de Salvador, Rio de Janeiro, até o ritual nosso, que é... Aqui em Lençóis, na chapada é jarê. Você só vê jarê na chapada...
P2 - O que que é o jerê?
R – O jerê é o nosso ritual de festa. E você fê, em Rio de Janeiro você chega na casa de um pai de santo, você vê as atabaqui, é, levada de parafuso, tocada de baqueta e praticamente, ah, trabalhado em esquema de fábrica, né? E a nossa aqui, você encontra uma oca. Não sei se vocês chegaram a ver ali no Griô, no Grão de Luz, uma oca cortada no mato, ela é bem comum, às vezes ela pode estar lavada com machado pra afinar ela, e por dentro ela é rompida através de fogo e ferramenta pra fazer, pra ela ficar rombuda, né? Quanto mais ela fica rombuda, ela deixa o som bem mais solto. Aí você vai cortar o lado dela, pra ela sair o vácuo do som, e vai usar um couro de, um couro de animal. Aquele couro é colocado, costurado numa roda de arame, né, você vai isiolar um ferro e vai costurar aquilo em mão, e o aperto vai ser de corda daquele ferro pra outro arco em cima que segura aquele, aquele couro. E depois você dar o tom dela com um martelo batendo aquelas cunha. E é tocada de dedo. O tom você tira no dedo. É, alguém tá, puxa uma música, você é que tem que ter ouvido pra pegar o tom aqui no dedo. E como hoje em Lençóis nós temos, assim, pessoas que toca muito bem, mulher, tem mulher aí que toca, sete, sete, oito horas da noite, amanhece o dia ali tocando. Agora tem que saber tocar, porque se não saber, logo logo começa os, as _______, né, e chega e estourar mesmo o sangue mesmo (à vontade). Então levou o apelido de jerê nesse sentido, que é, foi assim uma coisa bem acostumada, foi bem mais bruto, hoje tá mais, mais, mais dedicado, mais educado, porque a gente diminuímos o nível das ocas, né? Mas elas, muito, muito trabalhosa. E hoje tá assim meio difícil de, pelo que a gente hoje não pode estar, é, devido, devido ao esquema do parque hoje, a gente não pode tá correndo atrás de animal, isso e aquilo, não pode. Aí tá difícil, porque você tem que ir lá, ou buscar lá fora onde, fora do parque, correr atrás de um couro de animal pra trazer.
P2 - Pode ser qualquer animal?
R – Não. Só o veado ou catitu. Ou couro de bezerro novo pra fazer esse tipo de, de couro pra dar tom, né, a gente tem o sotaque. Couro ou atabaque. É, vocês (vai) conhecer melhor, é, que na sexta-feira vocês vai estar por aqui, eu, eu to fazendo apresentação no domingo, no mercado cultural, e aí vocês vão sentir, como se fala, fala muito mesmo. Aí acompanha assim, tem os, os cantores que acompanha o rito, o ritmo do couro e o ritual deles cantando, aí fica um tom só. Então naquele momento ali, que é onde você vai conhecer o jarê, o pessoal bolando no salão, é totalmente diferente de Rio de Janeiro, de Minas Gerais, o ritual, né, totalmente diferente. Às vezes tem pancada parecida, assim, com Cachoeira, Cachoeira é bem parecido o ritual nosso, mas ainda não é igualmente.
P1 - Se você fosse descrever o ritual aqui, né, o que que caracteriza o ritual daqui? Se você puder descrever, falar pra gente o que que caracteriza, o que que é forte.
R – Olha, o ritual nosso aqui, o forte é que esse ritual, a gente tem assim uma pancada muito forte daquele povo que veio do outro lado do mundo, né, dos africanos, que foi que trouxe essa vivência pra Lençóis junto ao índio. Lençóis também já tinha a sua (arnagô?), porque Lençóis tem uma vivência muito forte na seita. Aqui, por aqui passaram, assim, muitas, muitas nagô, muito sábias, sabe? E morou aqui muitas. É, a gente conhecemos aqui ainda uma Pode Crer, o nome da senhora chamava Pode Crer, é, uma Maringraça, um Zé Rodrigues, um Coloque, tem o filho dele hoje aqui, mora, né, em Lençóis ainda, e antes da, antes da vivência de meu pai de santo. Passaram por aqui muitas pessoas, muito, muito mesmo sábias. Então em cima disso, a gente teve assim uma vivência muito forte, que tomou conta da Chapada. As vindas desses escravos pra Lençóis, que veio também muitas pessoas sábias, né, e por aqui teve suas vivências, como tem ali o Salão de (Areias?), não sei se vocês já foram ao (Serrano?) ou essa caminha ainda deve fazer amanhã, é aonde foi, assim, um salão que foi criado, há seu, seu espaço pra suas festa, seus (toque) e as suas, as suas crença, né, muito interessante. Então eu vejo hoje, em Lençóis, essa fala jarê é um símbolo muito forte, muito, muito forte.
P1 - Que que significa jarê?
R – Jarê significa, pra mim, dentro da minha origem, significa, jarê é quando você tá... eu tô em Lençóis, “vamos no jarê de Muçum, vamos no jarê de Muçum”. Então significa um samba de caboclo. Então pra não, “ah, um samba de...”, então jarê, jarê é um samba de couro. Então você vai chegar lá. “Ah, ver o que no jarê”. Você vai encontrar lá pessoas virando no santo e praticamente falando (musga?), que não é em qualquer lugar que a gente acompanha, né? É, a gente acompanha naquele momento ali, o oruxá que vai, que fala vários tipos de língua. É, Nanã Borocu mesmo, se ela chegar no salão, ela tira a musga dela que é difícil, ninguém, é mesmo muito difícil. Só mesmo ali a mãe pequena, que já tá por dentro, né, do esquema, já tá mais ou menos baseado na língua dela, é que puxa o toque. É, o Jejo Nagô, Preto Velho, né, e por aí vai. É muito complicado. Tem oruxá que é praticamente, é, grego, a língua praticamente grega. Chega, ah Muçum, você tava praticamente no santo e falando totalmente diferente, mas eu to praticamente longe. A minha matéria tá ali bolando, mas praticamente o meu sentido, meu anjo de guarda tá em meu corpo, mas eu to fora de mim. Naquele momento em que ele tá ali comandando a minha matéria, é o ioruxá que tá manifestado naquele momento, né? Então pra chegar esse ponto, o couro, você, como você vai falar pro iorixá, vai chamar o iorixá? Tem muito, é, hum, semana passada eu tava com um turista lá em Capivara, ele falou: “Como é que você chama o ioruxá”. Aí quando eu passei ensinamento, “esse couro aqui e você vai no ____, fala pro ioruxá, tem um toque de campa, e você fala a música e chama ele no couro. Ele vem atender o pedido do, da chamada, né”. Se ele tem festa, ele vem pra festa. Se tem obrigação, ele vem pra obrigação. Ele, se ele vem pra festa, ele vai chegar ali fazer a vez dele, falar três, quatro, cinco, seis música, e desocupa logo o espaço, que numa noitada de festa desce quantidade de ioruxá vem atender uma festa, né? Então cada um chega, faz o seu tempo de festa e vai liberando espaço pra outros, entendeu? Então o costumo forte é esse, que eu fui em uma festa, em Minas Gerais, e aí eu vi, assim, uma diferença do jarê de Lençóis pra o candomblé de lá. Muito estranho, muito estranho. Eles têm assim um fechamento muito estreito que eu não sei, eu acho que é, é quibanda, eu acho que é quibanda. E ali eu fiquei um pouco estreito. Pai de santo vai tirar o toque dele agora. Eu falei: “Rapaz! Não é bem meu mundo. Que, praticamente, eu to, essa vivência aí existe na minha casa, mas da porta pra fora”. Aí eu vi lá dentro, bolando dentro do salão. Eu fiquei, falei: “É, não é meu mundo”. E aí a gente fica um pouco estreito, sai do mundo da gente, né, é como o dizer do povo, boi arado na terra dos outro é bezerro, né?
P2 - Muçum, deixa eu te fazer uma pergunta. Você tá colocando que, é, as práticas, né, os conhecimentos de regiões são diferenciados.
R – Isso.
P2 - E isso tem a ver com a, com, você trouxe lá da cultura que veio dos africanos que vieram pra cá, mas tem a ver com a região, com um solo, com a mãe terra, cse tá ligado ao rio, se tá ligado ao mar, se tá ligado... Então, assim, eu queria que você colocasse se existe essa diferença em relação à região também, né. É, por exemplo, Minas, Rio, ou mesmo São Paulo ou aqui na Bahia, se isso tá ligado também à região.
R – Você veja só, é, hoje em Salvador a gente tem, assim, dois festejo muito interessante, muito interessante. É Oxalá, que é a lavagem do Bonfim, porque na Igreja, que apresenta Oxalá na Igreja, é o Senhor do Bonfim. E quem é Senhor do Bonfim no jarê? Ele é Oxalá. Entendeu? Na, na Igreja, Santa Bárbara é Santa Bárbara. E no jarê, no candomblé? Ela é Iansã, Iansã é a dona das águas. Você vê que tem, é, final de ano tem aquela entrega que eles fazem ali no farol da barra, muito interessante, né? Então o fechamento dela já é um fechamento muito bonito, porque ali tá de junto ao mar, então a entrega é muito linda. Como a gente faz aqui também, a barquinha, que entrega a barquinha nas água. E hoje, porque Lençóis? Lençóis, hoje, ele tem um fechamento mais, mais forte, devido às, às rocha, ao chapadão, porque Xangô, Xangô ele é dono dos raio, ou dos trovão, Iansã é dona dos raio, mas Xangô, ele gosta muito de pedreira, então Lençóis é onde tá a força pra esses oruxá poderoso. É, aonde vem também a vivência do diamante. O diamante, ele é vivo e ele traz, assim, uma nação de iorixá muito potente, muito interessante, né, ah, o segmento da, do jarê também, por onde passou, onde teve mais Nagô em todo, em todo o Brasil quasimente: na Chapada. Saiu da Chapada, desceu pra Cachoeira. Então teve uma ocasião que trabalhou assim uma ligação, quando Lençóis chegou a 30 mil habitante, em mil novecentos e, não, 1845, 1846, até 1850, Lençóis tinha uma ligação muito forte com Cachoeira. Passava, como eu acabei de falar, passou por aqui muitas pessoa sábia na seita que vinha de Cachoeira pra Lençóis e ia de Lençóis pra Cachoeira. Então é aonde tá muito forte essa, essa, essa crença. São Paulo, por que São Paulo já tem uma vivência diferente, Rio de Janeiro? Porque lá os pai de santo dessa região, eles trabalha muito pouco com iorixá, trabalha muito pouco com iorixá. O fechamento deles trabalha com mais quibanda e, praticamente, é, trabalha muito em cima de dinheiro. É, vivências que se corta, encruzilhada fora de hora, não precisa quase de fechamento com água, é fechamento da esquerda. Porque quando fala quibanda, quibanda é esquerda, esse pai de santo, se ele falar: “Eu sou da quibanda”, ele só trabalha com a esquerda. Então hoje Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, é o forte de quibanda.
TRANSCRITO POR VANUZA RAMOS
Você chegar em São Paulo hoje sair, esse pai de santo aqui é filho de Ogun e de Iansã. Esse jogo de búzio aqui é um jogo de búzio de Iansã. Pode ver que a maioria deles, o jogo de búzio é de trancar rua, outro jogo de búzui é de Zé Pimenta, outro jogo de búzio é de bombagira, que é ela que comanda aquilo ali. Cê chegou na casa de um pai de santo, chegou no ponto dele, acompanhou um cigarro, sentado, uma champanhe ou se não charuto, pode ver que ele tem fechamento com a esquerda. É um cinco salamão no meio, uma pontuação, pode ver que ele tem fechamento com a esquerda, ele não é um pai de santo diretamente que trabalha com a linha branca. Não é dizer que o pai de santo aqui da Chapada trabalha só na linha branca, ele trabalha com a linha branca, a linha da direita e a linha da esquerda. Agora dentro da casa dele não bola esquerda. A esquerda na minha casa, ela comanda do batente da porta pra fora, ela é guardiões, lá tem o lugar de receber a entrega e entregar o assentamento aonde for. Cuidou de um filho aqui dentro, pega esse levantamento, entrega essa oferenda lá, esse ebó, pra depois levar pro lugar aonde for servido. Mas se bolou aqui dentro da casa, imediatamente tem que ser suspenso aqui e tem que suspender. Porque não é, não bola.
P/2 – Mas é ruim? Qual a diferença?
R – É. A diferença, porque você começa a sair de linhais pra linhais. Você já sai de uma linha que você já tá falando pra orixá que naquele momento vem uma entidade da esquerda, vem, pode descer uma bombagira, ela praticamente ela tira o talento de um orixá de luz. E praticamente ela desconcentra tudo ali naquele momento. E pode chegar também educada e pode chegar também mal-educada. E ela chegando mal-educada, ela mexe com tudo. Então desde já, pra não acontecer, então já não aceita. Porque preto velho, preto velho ele diz das 6 horas da noite até a meia noite, preto velho ele é um orixá, ele é um curandeiro. Mas de meia noite por diante, preto velho é zepelim, ele é um esquerda, ele é um escravo, agora um escravo comandante, que zepelim é chefe de toda esquerda "fema". Ele é um homem terno de branco que comanda tudo. Mas praticamente ele é um escravo, quando ele chega ali, ele quer falar os toque dele, aonde vem já bebidas diferente, que dentro da casa de santo você não ver fantasia de bebida. Tem um lugar lá na despensa pra oferecer sua bebida. O coreiro tá aqui tocando, às vezes quando ele dá vontade de tomar a bebida dele, ele se levanta, vai lá, toma lá na despensa. E várias casas que trabalha com quimbanda, a bebida rola que sai mulher com garrafa de cerveja tomando, sai homem com litro de uísque tomando, vem engradado de cerveja gelado pra aqui e aqui começa... Então vira, assim, uma coisa totalmente diferente. Então por que quando eu falo que a Chapada ela tem mais qualidade na seita? Porque esse tipo de movimento você não acompanha. Toda bebida tem o seu lugar e escravo tem o lugar dele comer e beber fora do corpo aonde tem a incorporação pra orixá.
P/1 – Deixa eu tirar uma dúvida, Muçum. Uma frase que você falou de que teve uma troca muita grande de diferenças entre a Chapada e Cachoeira e isso coincidiu em 1840, que foi quando tinham cerca de 30 mil pessoas aqui, que foi o auge da procura do diamante também, né? Tem alguma ligação?
R – Tem.
P/1 – Você quer tocar?
R – Então vamo tocar e depois você responde. (risos)
P/1 – Você fez um comentário de que teve uma troca muito grande entre o pessoal da Chapada e de cachoeira que isso foi por volta de 1940, que coincide com o auge do ciclo do diamante, né? Que foi quando a Chapada tinha cerca de trinta mil habitantes.
R – É que você ver que naquela ocasião Lençóis tinha muito potente, muito potente mesmo, a crença que eu vivo hoje. Naquela ocasião era muito, muito interessante, você chegava em Lençóis, mês de setembro é o mês de Cosme e Damião aqui em Lençóis. Você chegava aqui em Lençóis, sete de setembro você ficava já sem tomar até café de manhã, porque sabia que meio dia você ia passar por dez, quinze casas pra comer o vatapá. Então quando dava meio dia você escutava fogos pra todo canto da cidade, cada um, numa casa daquela tinha uma festa, uma entrega de comida e sambava por três dias. Então você via à noite, Lençóis se estremecia, já na minha vivência já, quando eu cheguei em Lençóis. E no antepassado, a gente como tem os livros que deixou essa história, a força do diamante foi aonde trouxe pra Lençóis quantidade de pessoas e, assim, muitas vivência de natureza de pessoa: português, europeu, aonde veio o africano trazido pra servir, né? Os coronéis aqui na Chapada e por aí também começou a vir aquelas pessoas sábias de toda região, mas o lugar que mais vazou foi dessa região de Cachoeira. Chegando na Chapada, aí cada um aproveitando e botando seus pontos de movimento. E aí onde se invocar o garimpo como até hoje o garimpeiro, pode ver que ele é bem colado à casa de obrigação, porque ele é uma pessoa católica. Pra terminar, filho do padroeiro que é Senhor dos Passos, que o Senhor dos Passos é o padroeiro dos garimpeiros, a gente vai chegar nessa fala. E praticamente ele vive dentro da crença da seita que praticamente a gente tem hoje um caminho pra ajudar o garimpeiro quando tá no seu garimpo, que tá, assim, fora de sorte, né? A gente tem um dizer aqui na Chapada, fala assim: "Poxa, você tá cabojado, não consegue pegar um diamante. Então, rapaz, vamo na casa do pai de santo, jogar um búzio". Quer dizer, com toda essa fala nossa, a baixo de Deus, né, que em primeiro lugar ele, né, nosso grande pai. E aí tem o caminho, que o garimpeiro tomava aquele caminho que praticamente chegava lá com pouco tempo ele começava se acertando. Então foi aonde a crença criou muito respeito pela Chapada e às vezes até pessoas que não acreditava e chegava brincar com aqueles senhores que vivia na seita e na saída eles começavam a pagara pela aquela brincadeira, né? Então a gente tem essa história, hoje esse respeito muito grande, essa crença em Lençóis, o jarê de Lençóis na Chapada foi muito poderoso e onde ele ainda tem os seus poder. Porque a gente hoje que tá aí no fim da meada, as finas raiz, porque as raízes grossas já se foi, mas têm as finas raízes que não tá deixando essa crença sumir do país. Praticamente é uma cultura muito interessante, né? Como não é só o jarê, Lençóis tem várias culturas, vários grupos de cultura que tamo lutando pra não deixar cair porque é a grande vivência da cidade. Aí aonde chegou hoje o Grão de luz com um grande grupo que, uma grande pessoa que é Márcio, né? E ele deu o caminho, cuidando praticamente cuidando das crianças e evitando dessas crianças começar a crescer com outros pensamentos negativos na mente. Hoje tão lá no Grão aprendendo a amanhã ser um grande professor, né? Que hoje, você vai ver lá tem vários tipos de oficinas e essas crianças como já tem hoje professor que ontem já foi criança dentro do Grão e hoje já é executante, né, já é professor. E a gente acompanhando o dia a dia também na sala de aula que a consciência negra o ano passado, eu fui numa roça fazer uma palestra numa escola e chegando lá eu encontrei, assim, fiquei muito estreito porque eu me senti, assim, falei "meu deus, onde é que eu tô aqui?". Que o pessoal fala muito bem da minha crença e eu me vejo muito, assim, satisfeito com o que a gente encontra pela frente, né? Quer dizer que não perdemo o respeito pelas religiões, não desfazemo, mas a gente dentro da nossa religião, quando a gente se ver, assim, bem dedicado, a gente fica, assim, muito empolgado. Então o que eu sou hoje, respeito todas as religiões que passa na minha frente, que eu vejo dentro da minha cidade, isso é até quando não vier falar da minha. Eu respeito qualquer uma até quando vier falar da minha. Sou católico, vou na igreja, mas tenho a minha crença que eu adoro. Então chegando no Grão de Luz eu encontrei essa ONG que me fez esse convite, a gente, eu me associei, depois hoje a associação Palácio de Ogum é parceira de trabalho junto ao Grão de luz. E praticamente eu tô aí fazendo essas caminhadas junto com o Veio Griô, né? Que aí veio o convite do Veio Griô pros griôs e a gente começa andando junto, viajando junto e fazendo muitos trabalhos. No ano passado fomos à Brasília e fizemo um grande trabalho. Agora há dois meses atrás retormemo e se não me engano, parece que tem uma viagem de fim de ano pro México, né? Pra gente fazer essa caminhada lá, tá junto nessas oficinas e contando história, fazendo história e aprendendo história, muito interessante.
P/1 – Muçum, como se deu o convite pra ser um mestre Griô?
R – Olha, esse convite veio de uma maneira... Diretamente eu tive um convite pra conhecer o espaço e aí eu fui, esse convite veio diretamente pelo presidente que é Márcio. Aí eu cheguei até o local e onde eu passei a conhecer a vivência como eu já via pela cidade esse esquema de oficina deles, né, em escolas... Aí eu chegando lá da maneira que eu acompanhei, que eu observei muito, e aí eu senti, eu falei: "Moço, é muito interessante, muito interessante o Grão de Luz, cuidando de criança, cuidando de adolescente e também trabalhando com os velhos Griôs". Como eu tenho duas irmãs de santo que elas foram pra São Paulo e aí chegaram falando: "Moço, eu nunca vi o mar, eu tive perto do mar, eu tive como colocar minha mão na água do mar". Eu falei: "Você já pensou? Através do Grão de Luz, a senhora hoje é uma griô. Olha que viagem foi fazer, né?". "Ave Maria, eu nunca andei de avião, quase eu desmaio!" Então isso é uma coisa que a gente sente daquelas pessoas que tá envolvida ali, tá começando a conhecer o outro lado do mundo. O Grão de Luz, da mesma maneira, como fez a viagem pra Espanha levou quantidade criança. Essas crianças que foi lá chegavam cada uma contando sua história. Então a gente ali, acompanhando aquelas histórias, a gente dava... "Poxa, vivemo no mundo..." Mas como não tá colado com uma criança dessa? Animando, dando coragem, levando ela pro melhor, pra um ponto de cultura pra ele conhecer de tudo isso um pouco. Então hoje nós já temos ali criança que foi pra Espanha que hoje tá já no andamento de ser amanhã uma professora. Porque praticamente ela já é uma adolescente que já tá desenvolvendo lá dentro, que já tá assumindo a sua oficina.
P/1 – E pra esses meninos e meninas das escolas, como vocês transmitem esses conhecimentos?
R – Olha, devido a minha seca, a gente, apesar de que é a minha casa, a nossa casa, já é completa de crianças, né? Quando tem um festejo lá, o primeiro povo que chega é a criançada, pra depois chegar os adultos. E a gente tem assim um nível de vivência com eles num nível bem educado, né, mostrar o que é o jarê, qual é o ritual do jarê. Muitas vezes eles estão ali querendo aprender, a gente tem a capacidade de aprender. E também na sala de aula, passar a dizer o que é uma seita, o que uma festa de Cosme e Damião, o que é uma festa de Iansã e o que é um orixá. Tem muitas perguntas: o orixá que veste tal roupa assim, assim. Então a gente tem a capacidade de passar a dizer quem é o sultão das matas, quem é Eru, quem é cabloco índio, quem é Cosme e Damião. E ali a gente termina fazendo caminhadas, aqui na zona rural a gente tem ido fazer vária vezes no ano. E eu chego lá e já encontro as crianças dedicadas: "É vem Muçum curador!", "É vem o pai de santo!". Pronto, aí eu chego na sala, entra todo mundo em minha volta ali: "Professor vai ter samba quando? Na capivara vai ter samba quando?" "Breve vai ter samba." "Eu vou, eu vou!". "Tudo bem." Agora, pra tudo você tem que ter um jogo de cintura, saber viver com as crianças, chegar com eles até onde eles podem chegar, acompanhar. Porque dentro da seita tem vivência que criança não pode acompanhar, sabe? E aí onde a gente trabalha muito forte em cima de disso pra não deixar esse andamento ter um vazamento e a criança não tá acompanhando passagem forte dentro da seita que não pode acompanhar, né? Dedicar, cuidar de um filho de santo, você tá ali com uma pessoa descontrolada, com uma entidade e a criança acompanhando a criança pode se assombrar e carregar, criar um trauma, né? Então naquele momento ali, é um momento que tem que tá pessoas prontas pra tá dedicando àquela pessoa e criança também tem momento também de começo de festa que a gente tá falando pra, falando algum toque que criança também não pode tá ali acompanhando que é sotaque mesmo da casa que não pode. Tem tirar todas as crianças, vai pra um lugar praticamente isolado e depois é que volta, né? Dentro da minha casa, dentro da capivara, a gente tem um sotaque, assim, a crença da casa tem o dividimento, você chegando, você vê logo: lá senta homem, cá senta mulher. Você chega lá com seu esposo, pode tá se falando, mas praticamente você não pode tá ali sentado lá dentro do braço ou senão na hora de descansar ir pro mesmo quarto, não pode. Então pode até dormir no mesmo quarto, mas ele lá numa cama e você em outra, entendeu? Então é mais ou menos assim que a gente começa a dá um bom caminho e um bom exemplo pra que tá e pra quem chega, né?
P/2 – E quando você era criança, como foi o seu primeiro contato?
P/1 – Deixa só eu terminar essa linha? Muçum, só pra terminar essa linha do Griô, qual foi a importância de você ter esses conhecimentos das suas crenças serem disseminadas com essa forte importância cultural?
R – Olha, hoje a minha crença, eu vejo de maneiras muito interessantes porque até quando eu não me dedicava à capacidade que eu poderia ter, assumir a minha crença ou senão a casa de obrigação, eu vivia assustado. "Meu deus do céu, de que maneira eu vou agir? Que orixá é esse?" Já quando eu, teve época de eu ter a corporação e praticamente depois eu ficar praticamente fora de tudo, o que aconteceu, o que é que tá acontecendo comigo, eu ter medo do que tava se passando. Mas desde de quando eu passei a dedicar à minha obrigação e praticamente eu tinha que dá caminho e passei a tomar conta da casa de meu ex-pai de santo junto com meu grupo, aí a gente começa a ver o que é uma vivência, dá respeito e praticamente fazer tudo direitinho. Porque se não fizer, cê tem cobrança praticamente do mesmo jeito que nós em matéria vive, a gente hoje, quem é do santo, vive com o orixá. Entãodessa maneira eu vejo, assim, pra mim eu vejo muito interessante, eu tenho muito respeito por tudo que eu faço dentro da minha casa de santo ou em qualquer outro lugar que eu esteja que for falar pra orixá. Praticamente eu procuro meu lugar pra me impor da melhor maneira.
P/2 – Você estava falando das crianças de hoje em dia e eu fiquei curiosa de quando você era criança. Como era, como foram seus primeiros contatos com a casa de santo? Era desse jeito que você falou de hoje em dia?
R – Olha, eu tinha, assim, muito medo. Eu tinha muito medo porque meus pais nessa época sempre falavam: "Olha, criança não pode ir pra casa de jarê, isso e aquilo...". E aí eu tinha, assim, aquela... Entendeu? Eu não sei se era fobia, eu não sei. Chegava ficava, assim, meio assustado, na hora que descia um orixá no salão eu tinha muito medo, muito medo. Fugia. Aí foi aonde eu tinha uma irmã minha que tudo que eu sou hoje era minha irmã que ia pegar esse peso, né? Ela com idade de 15 anos, ela cuidou da obrigação dela. Ela não podia casar pra cuidar de, com 18 anos ela fazia a última obrigação pra pegar a bandeira, mas com a idade de 17 anos, ela praticamente arrumou um namorado e aí foi. Pronto, aí desarrumou tudo, desarrumou tudo e aí é vai, é vai. Aí ficou, saiu do clima. Aí foi aonde eu andando, comecei receber esses movimento. É, não podia chegar em salão de festa que eu já começava a sentir esses movimentos, né? Assustava, arrepio, deitava pra dormir à noite e acordava meu pessoal as noitadas: "Corre, corre que aqui tem alguma coisa tentando me acordar! Corre, corre". Pronto, tinha semana de eu não conseguir dormir. "Que é que tá acontecendo?" Quando vai pra casa do pai de santo, foi aonde ele falou: "Oi, ele tem um fechamento assim, assim, tem que cuidar porque praticamente ele é muito carregado no santo e ele é um menino médium. E aí tem que dá caminho pra com certa idade passar, dominar, porque ele vai tomar o mundo dele". Então desde quando você é médium, é uma pessoa "média", você tem visão, você pode ter um sonho e praticamente trazer o positivo do sonho. Você pode tá andando na estrada e ter certeza que aquela estrada, ela vai até o fim. Então é mais ou menos isso. É, praticamente você já tem aquela noção já bem andada, já nasceu pra aquilo. Aonde sobrou o peso da minha família, a minha avó que tinha Nanã Borocô, a minha mãe que tinha Costanagô. Hoje, depois de minhas obrigações, eu voltei a ganhar todos esses orixás. Então hoje eu tenho Nanã Borocô e tenho Costanagô de herança de minha avó e da minha mãe. Então pela vivência de família, aí eu tive esse superamento. Então hoje eu tenho, assim, uma vivência muito forte e tenho essa crença quando cê fala de criança. Muito interessante que a festa de Cosme e Damião, praticamente você faz ela só com criança. Ela é feita só com criança. Na hora da mesa, a primeira mesa que você entrega, a mesa que se fala é colocar um pano no chão e ali você fazer uma rodada de criança com comida, né? Um vatapá, aí vem tudo: vem banana, vem bala, vem suco, vem o que você colocar. Então a primeira festa ali é das crianças porque Cosme e Damião, ele é dois meninos e praticamente é meninos que comandam qualquer casa de candomblé que é feito em umbanda. Quem comanda é Cosme e Damião. Você começa a festa sete horas da noite, você fala toda alinha de orixá. Quando é de manhã que você vai para a sua casa, a sua festa, quem fecha aquela festa é Cosme e Damião. Você tem que falar pra eles, eles ali vai e vem atender pra eles fazer os fechamento da casa, é eles que comandam. Então o Ogum de Ronda que abre a casa e Cosme e Damião faz o fechamento da casa. Quem é de Iansã e Ogum, quem é feito em Umbanda. Já o outro lado já tem diferença, né? Até por aí onde a gente tem uma vivência muito forte com as criança é devido que dentro de nossa seita a gente já tem Cosme e Damião que praticamente ele é chefe ali dentro, é chefia dentro de uma casa de obrigação.
P/2 – Quando você começou a sentir essas coisas estranhas e percebeu que você tinha essas obrigações, você teve algum problema com seus amigos, com sua família? Foi complicado isso?
R – Olha, praticamente eu fui, assim, um tipo de pessoa que dei poucos trabalhos pra meus amigos e pra minha família. Que eu comecei a ter esse movimento de irradiação, mas movimentos que não me deixava descontrolado, sempre é... Que quando a pessoa chega a ponto de ficar muito descontrolado, é quando ele tá ingerindo alguma bebida. Quem é esquerda, chega o ponto daquela pessoa tá ingerindo bebida e ele precisa de bebida pra dá talento, esquerda vive de bebida. Então quando a pessoa já bebe, aí corre um risco de tá bebendo e com qualquer coisa ele se descontrola, ele pode até passar aqui, olha pra você, se aquela entidade dele não bateu com você, ele pode cismar com você por nada. E por ali começar a criar um clima entendeu bem? Cê ir pra uma festa e lá alguém que tem um fechamento com a esquerda, ali no andamento da festa, ele olha pra você e não gosta da tua presença e por ali começar um clima. Pode sr homem, pode ser mulher. Eu tinha uma irmã, ela hoje mora aqui em Mucugê, ela tinha um fechamento muito forte, essa tinha. Quando essa entidade abaixava nela dentro de casa, a gente tinha que esconder todo tipo de ferramentas dentro de casa porque pra ela era arma. Garrafa, batia aqui, quebrava e ia pra cima. faca, qualquer tipo de coisa. E se for pra cima, toma cuidado porque é problema, entendeu? Então juntava muita gente pra tirar e aí eu tinha que me localizar onde eu tava: "Corre, corre", quando eu chegava, pronto. Ali praticamente eu pedia a todo mundo pra se retirar e quando eu ia acalmar e suspender essa entidade porque praticamente ela chega muito, muito descontrolada e só vem pra fazer besteira. Apesar de que, como tem hoje muitas pessoas que cuida dessas entidades. Se você cuida da entidade é um problema, se você não cuida é outro. Porque se você cuida, o orixá ele praticamente é batizado, ele tem toda vivência, ele respeita todas as suas falas. Mas se ele cismar com você, se descontrolar com você, ele fica mais difícil de você reajustar ele do que mesmo à esquerda. Porque ele já não tem medo de nada porque ele praticamente tá dentro da crença, ele é batizado e tudo o que você faz ali ele sabe que ele tem poder. E a esquerda aqui não. A esquerda aqui, se você faz qualquer tipo de oração na cabeça daquela pessoa, você tem capacidade de tirar a origem da esquerda. Ela tem medo de toda oração que você fala. Cê chegou aqui, até uma água benta, cê foi na igreja, trouxe uma água benta bem manifestada aqui com a esquerda, você pode dá um banho de água benta que no momento ela não tem poder. Ela perde esse poder. Então é dessa maneira. Mas se você se dedica a ela, que tem várias pessoas que dedica ela, mulher dedica bombagira e cuida dela e recebe, o que pede recebe. Agora, tem que ouvir ela. Porque ela dá e quer de volta. Tudo aquilo que ela dá, ela quer de volta. Quando ela fizer o pedido dela, tem que levar. Porque se não levar, perde tudo aquilo avoadinho. Eu tinha uma colega aqui que sempre ela cuidava, cuidava, cuidava. Pra você imaginar, a mesa, tudo dentro da casa dela era vermelho. Tudo dentro da casa dela era vermelho. A pessoa que tem um fechamento com bombagira, você pode ver: na sexta-feira ela só bota vermelho. Porque é o dia dela. Então, cansava de falar: "Menina, tu toma cuidado, se tu vacilar essa moça vai te deixar, praticamente, você falida". "Que nada, eu cuido dela bem", isso e aquilo... Ela se acostumou com ela de um jeito que tava já cuidando dela debaixo da cabeceira da cama dela. "Rapaz, tu não cuida com esse movimento dentro de tua casa. Bota um ponto lá fora, cuida lá fora que..." "Ah não, tem nada não." Ela deu um vacilo, ela foi lá pro zero, avoadinho, avoadinho. Ela deu um vacilo foi lá pro zero e até hoje não voltou a se equilibrar mais. Então é por aí. E o orixá não. O orixá, quando ele dá um tombo, ele dá o tombo consciente. Que ele não pode ser um dos maiores, porque o maior é Deus. Ele anda dentro da crença, tem o superior dele e praticamente ele tem o seu respeito. Você não ver um orixá chegar no salão com (detalho?), entendeu? E já esquerda é o que bola, é o que existe no salão. Quando ela chega é descontrolada, é muito detalho, é muito nome e aí já sabe que praticamente, da maneira que tá agindo. Então é mais ou menos por aí esse sotaque onde a gente começa a ter essas manifestações. Várias vezes eu tô em casa, aí chega alguém: "Corre, corre que ali tem alguém descontrolado". Eu falo: "Pera aí, essa pessoa tava bebendo?" "Não." "Tava normal?" "Tava. Andando e tal..." "Tudo bem." Eu vou lá, faço meu primeiro teste. Se eu sentir que tá sem bebida eu vou cuidar, mas se eu sentir que tá com bebida eu vou pra minha casa, vou me embora, falo: "Leva pro hospital, manda dá lá um amansa leão e deixa lá adornado lá até quando ele voltar ao normal". Porque uma pessoa descontrolada com bebida e uma entidade, ele nunca, a entidade nunca vai deixar ele porque quem dá força é a bebida. Ali tem que dá um sossega leão e deixa lá, dornado até quando ele enjoar e se retirar. Quer dizer que também não é coisa do outro mundo de você: "Ah, é esquerda, vou me assombrar”. Não adianta porque tudo aquilo que vem do outro lado quer intimidar você, quer partir pra cima pra ver se intimida você. Não, a gente vai se intimidar e achar que aquilo é bicho do outro mundo? É movimento desse mundo! Que o pai que deixou o bom, ele deixou esse lado. Agora, você escolha se quer andar desse lado ou se quer andar desse outro lado, né? Então é dessa maneira. E aí eu vou contar pra vocês agora um pouco da história do meu pai de santo. Pedro de Laura aqui na cidade, ele começou como já trabalhar na seita com 22 anos de idade. Ele, chegando em Lençóis, ele morou aqui no Remanso e no Remanso ele trabalhou pela volta de um tempo. E vindo pra Lençóis, ele pegou esse ponto lá embaixo que já era uma casa de um pai de santo e aí ele cuidava desse lugar os fins de semana, porque ele viveu também na arte. Ele era um pedreiro e aí com o andamento ele voltou a ser um mestre de obra. Ele quando faleceu ele era aposentado pela prefeitura e ele foi, assim, um grande mestre de obras em Lençóis. Chegando por aqui por volta de 22 anos ele começou a caminhada dele, com 22 anos de idade. Morreu com 72 anos e praticamente ainda dedicando à seita, né? Chegando, deixou em Capivara uma casa muito grande. Essa casa tem 17 cômodo, né? É toda praticamente feita toda no material, não é taipa, né? E praticamente aqui na cidade ele tinha a sua residência e aonde ele consultava as pessoas. Porque só descia pra lá quando precisava de obrigação. Na casa dele ele era acostumado a festejo de Iansã. É um festejo poderoso, é o banquete de Iansã. A festa dela fica em dezembro, é 28 anos de dezembro. Em agosto ele festejava pra Oxalá que é o dito Senhor do Bonfim, né? E praticamente outros festejos quando tinha ritual de obrigação, ali tinha festejo. Por outro lado, a fechada da casa que é na quaresma e abertura da casa que é logo depois da quaresma pra dá andamento na casa, né? Então foi aonde chegou nessas alturas, dentro de Lençóis foi uma pessoas, assim, muito respeitado por, assim, por modo geral pela Chapada inteira. Tem filho de santo hoje até no exterior. Chegou em média de 1800 filhos de santo, né? E eu acho que amanhã eu posso ser o melhor pai de santo ainda de Lençóis, mas pra chegar à sombra de meu pai de santo, eu acho um pouco difícil, né? Começando por mim que sou filho de santo dele, ele começou com o caminho andado, o que falta é coisa pouca. Mas era um homem muito e muito dedicado na seita.
P/1 – O que ele tinha de especial, de diferente?
R – Olha, de diferente ele praticamente, você chegava na residência dele, você não acreditava que ele era um pai de santo. Era uma pessoa muito simples. Ele recebia qualquer pessoa na casa dele. Ninguém destacava que ele era pai de santo. Ele não usava nada, nada nos dedos, não usava nada. Era praticamente uma pessoa comum aqui na cidade, cê só ia conhecer que ele era pai de santo quando você chegava: "Ah, quero assentar, fazer um jogo de búzio, uma consulta". Aí que entrava pro quarto de santo que você ia ver o que ele era, né? Mas ali, ele te atendia também praticamente norma, não descia nenhum orixá. Agora quando chegava lá no ponto de festa dele, aí você ia ver uma pessoa muito sábia no santo, viu? Muito sábia. Mas poxa, 55 anos dentro da seita, trabalhando, se dedicando, uma pessoa que estudou muito a seita, né? E praticamente toda fala dele foi, assim, positiva. Que quando ele se adoeceu, que ele falou "eu não volto mais lá", foi fatal. Todo recado dele foi, assim, de uma maneira. Então nós hoje tamos aí trabalhando hoje, a gente tá com tombamento dela aí já tá andado junto ao Iphan, né? Um tombamento pelo estado e outro federal. Hoje nós tamo com tudo pronto. Já até mandemos pra o Ministério da Cultura já um trabalho nosso. Mas a gente tem, assim, tamo fazendo três anos de fundamento de associação agora. E aí aonde a gente tem, vai começar a criar os contatos mais interessantes. Mas hoje já junto ao Grão de Luz, que é Lílian e Márcio, a gente tá começando ter, assim, um espaço mais aberto que já tão ais ligado na coisa, como se trabalha, como se... E aí tá assim muito interessante, muito interessante.
P/1 – Muçum, tenho duas perguntas ainda pra gente terminar. Não sei se você já pensou nessa questão, mas o por que você acha que o Pedro de Lara te escolheu pra ser o seu sucessor?
R – Olha, praticamente eu acho que ele não me escolheu. Eu acho, assim, que de todos os filhos, que eu sou o penúltimo filho da casa, eu sou o penúltimo e tem o último que também é zelador de santo. E tem um que mora em São Paulo e tá aqui todo ano que é o Dazo e o Miranilzo. E todos esses depois dele passaram por lá. E praticamente eu fiquei, assim, como teve a reunião e aí foi onde, a reunião dos filhos de santo pra saber: "E aí, ele não deixou ninguém". E aí ele deixou o que? Então a única coisa que ele deixou em mão de um dos filhos de santo dele foi aquela chave que é um segredo e é um segredo forte da casa que só ele tinha contato ou senão o pai pequeno. E praticamente ele deixou comigo há dois meses antes dele adoecer. Então foi onde chegou o ponto da maioria falar assim: "Se ele não deu pra ninguém, ele deixou essa chave com você, quer dizer o que? Que um dia você tem que tomar conta. Seria você. Qual foi o pedido que ele lhe fez?". Eu falei: "O pedido que ele me fez foi esse, que até quando eu pudesse, eu zelasse desse lugar. E quando não mais pudesse que eu colocasse alguém da minha confiança pra eu cuidar." Mas ele falar assim, "é você que vai cuidar da casa", não. O dito filho dele, ele não deixou autoria pra isso. Então o recado foi esse: "Não deixe o festejo da casa cair, cuide. A casa é de vocês". O único recado, uma sabedoria e tanto.
P/1 – E teve conflito pra decidir?
R – Não, não. Não teve reunião, não teve nada. Ele deitado, ele ainda se encontrava no hospital internado, ele chamou a quantidade de filhos de santo que tava aguardando o expediente pra visitar ele, aí nesse momento, todo mundo em volta da cama, ele fez esse pedido: "Me leve pra casa. Cuide do festejo da minha casa. A casa é de vocês, não deixe o festejo cair". Entendeu?
P/1 – Muçum, deixa eu te perguntar uma coisa, você falou qye tava como zelador e você vai assumir como pai de santo. Então um dia você vai ter a sua casa também. E aí como fica a casa de Pedro de Lara?
R – Olha, praticamente eu hoje, se depender da minha pessoa, porque existe atritos e a gente também viver com pessoas que tem o pensamento muito grande ou quer ver demais ou acredita pouco, de pessoa pra pessoa. Hoje eu tenho uma caminhada a fazer que eu tenho que terminar de cuidar de mim pra eu passar a cuidar de alguém e de meu povo. Então, desde de já foi onde eu passei por uma reunião junto a todos e falei: "Olha, u tenho que tomar meu caminho, tenho que terminar e praticamente eu tô aqui entregue à Associação Palácio de Ogum. O que eu puder fazer pela associação e pela casa do meu ex-pai de santo, eu tô aí pronto pra me entregar ao que for possível até o que eu puder", entendeu? Até que eu penso no normal, manter o respeito da casa, como eu já passei pra todos, não cuidar de obrigação dentro daquele espaço que ele deixou, feito por ele. E pensando bem, é um ponto muito positivo e a gente praticamente ficou ali pra terminar, fazer as festas dele: é o pagodô, é o ponto de festas, né? E que eu fizesse meu lugar de um lado, uma sala minha, pra eu cuidar de minhas obrigações. Mas a minha vontade, se depender de mim, eu jamais vou deixar a casa dele, entendeu? Penso em cuidar de minha obrigação, cuidar da casa dele da maneira que eu puder, mas ter a minha casa à parte. Porque hoje eu tenho todas as minhas obrigações pra minha casa de santo comprada. Porque quando ele faleceu, eu já tinha tudo comprado. Eu já tinha tudo em ordem, tudo comprado. Então o que eu vejo hoje é isso, essa qualidade de viver dentro da associação e sentir as pessoas como filho dele, que hoje o frente da associação hoje e de todo o manejo da casa é ele e a minha pessoa, né? Aí segundo vem a mãe pequena e o restante do grupo. Mas nós dois somos os cabeças da correria do dia a dia. Eu espero que isso vá até o fim de nossa caminhada.
P/2 – Eu queria, Muçum, que você esclarecesse o papel do pai de santo que o faz diferente dos outros médiuns que fazem parte da seita. Qual a diferença do pai de santo em relação aos outros médiuns?
R – Olha, veja só, o meu caso hoje, eu cheguei, eu sou médium. A pessoa "média" é quando ele tem caminho pra cuidar da obrigação e dá seguimento pra ele chegar até o nível de um pai de santo, como se fosse um aluno na escola. Ele vai chegar até o estágio dele pra passar e aprender e amanhã ele voltar e ensinar. Então meu caso, eu cheguei no nível médium já pela vivência de fechamento de linhagem de orixá. Em cima disso que eu fiz minha obrigação, não é só fazer a obrigação que já tô seguindo um caminho pra ser um pai de santo. Eu ali, eu tenho que viver o dia a dia com meu pai de santo. Desde de quando ele fala: "Você é médium, sua obrigação tem que ser feita pra você tomar o seu caminho". Pronto, dali por diante eu vou me colar à ele, eu vou trabalhar junto com ele dentro do pegi para começar a aprender todo sotaque da casa, todos os níveis de obrigação da casa. Então em cima daquilo que eu tô fazendo dentro da casa dele hoje, amanhã eu vou tá dedicando na minha casa. Então o primeiro filho de santo que eu cuidei, eu cuidei do primeiro e do segundo na casa dele. Ele falou: "Olha, você vai aprontar aquela obrigação pra fazer um buri. Faça assim, assim e assim". Pronto, eu fui lá, ele veio pra cá, olhou: "Não é assim! Eu lhe ensinei assim" Pronto, confirmou: "Pronto, é desse jeito. Você vai arrumar aquela pia pra fazer o batizado de orixá". Aí eu vou ter que pegar todos aqueles produtos que coloca ali, colocar tudo, deixar pronto, ele olhando, depois ele fala: "É desse jeito, tá aprovado". Ali a mãe fica (aequede?), anotando tudo que eu tô fazendo pra depois ir pra a minha apostila de trabalho. Quando eu passo por toda essa referência, aí eu tenho um fechamento, já sai de, aí eu sou o Ogan, eu tô trabalhando de Ogan com ele. Pronto, sai de ogan, eu posso entrar no mundo de pai pequeno. P/2 – Vamos trocar a fita. Paramos aonde? Isso. Então desde quando o ogan, o ogan é a pessoa muito sábia, ele trabalha, o pai de santo é o braço direito e ele é o braço esquerdo. Pai de santo, ele não trabalha sem o pai pequeno e sem a mãe pequena ele não trabalha. Porque a mãe pequena cuida de obrigação dentro do corpo da casa e o pai pequeno, ele trabalha em entrega de movimento, de entrega de obrigação. Então se ele já tá trabalhando ali, é, ele já tá praticamente prático naquilo que ele tem que fazer, naquilo que tá fazendo. Ele sobe o grau dele, ele vai chegar a ser, hoje sai de um pai pequeno, hoje ele vai ser um médium, ele já começa a ter um vínculo a mais. Ele já tem uma pessoa que trabalha do lado dele pra tá trabalhando com ele. Ali o pai de santo já fica mais parado e aquele médium é que tá ali com ogan fazendo tudo na casa já. O pai de santo só vai chegar pra reconfirmar, falar: "Pronto, o horário de você entregar tal obrigação, cuidar de tal filho de santo, levar pra tal lugar, dar banho, horário de comer, horário de você dar remédio", tudo tem que tá marcado. Pronto, ali o pai pequeno, o médium vai ser como fosse um enfermeiro no hospital. Ele vai tomar conta de tudo aquilo e dá conta do recado. Pronto, terminou lá? Terminou, vai lá e avisa que vai começar a festa. Pronto, tudo é ele. Até esse momento que leva o pai de santo pra cadeira no pagodô. Aí o pai pequeno vai lá, pega a mãe pequena, vai lá pega o pai de santo e entrega na cadeira. Toda noitada de festa ele fica ali dando apoio ao pai de santo. Todo orixá que chega, pede, tudo que ele pede é por sotaque, ele não fala, ele mostra. Se ele quer tomar água ele faz isso, ou se não faz isso aqui (gesticula). O pai pequeno tem que saber o que ele tá pedindo. Se ele tá pedindo qualquer outra oferenda ou um perfume, ele só pede... Então se o sujeito tá ali e tá fora do clima, ele pode passar muita vergonha. Ele pode passar vergonha porque tem o orixá que chega, bota de joelho ali ou se não manda lá pro pegi. "Eu lhe ensinei e por que que você não aprendeu? Fique lá duas, três horas de joelho."
P/1 – No pegi? O que é pegi?
R – O pegi é onde tem a concentração de todos os orixá e de todas imagem. É ali onde tá a pia de batizado pra batizar orixá. Então ele tem por direito, o pai pequeno e a mãe pequena, é isso, é quando ele pediu, correu lá dentro do templo e trouxe. Então quando ele sai dessa parte que ele começa, que ele fala: "Olha, você tá no estágio. Pronto, você, de hoje por diante, você vai começar, dedicar, você vai começar dedicar um jarê e terminar". Ele tá ali sentado do lado, você tem que começar o jarê no normal de oito horas da noite e terminar cinco horas da manhã. Muitas vez pode descer um orixá dele, brinca, ele volta, ele se retira dali, vai pro quarto dormir e você tá ali, tem que terminar. Se não terminar, se engasgar, se vira. O bicho vai pegar! Então é dessa maneira, né? Então é por aí que vai até quando chega o ponto de cuidar do lugar dele e chega o ponto do pai de santo arrumar tudo, chegar lá e deixa tudo pronto: "Você hoje praticamente compra seu anel de obrigação, você vai receber a sua bandeira pra trabalho". Então ali vem, é um fechamento como fosse mesmo uma formatura, né? Ele tá recebendo um diploma de pai de santo dali do pai de santo pra ele. E praticamente ele aí já vai cuidar da casa dele. Mas toda vez dentro da casa do pai de santo, ele é apoio. Ele chegando dentro da casa do pai de santo, ele tem que trabalhar como ogan. Vai precisar de muitas vezes: "Olha, vá pra casa de meu filho", aponta mais. Dentro da casa do pai ele vai até quando o pai de santo tiver outros que assuma, mas tem que tá nesse nível de qualidade mais ou menos por aí.
P/1 – Pra gente terminar, Muçum, o que você achou de ter ficado esse tempo com a gente, de ter contado sua trajetória, sua história de vida, ter refletido sobre todo o seu próprio processo histórico? O que você considera?
R – Olha, veja só, eu vejo, assim, de maneira, assim, que eu tenho que viver hoje esse mundo e praticamente de uma maneira que pra mim é muito interessante, entendeu? Tá de frente com vocês, vocês escutando as minhas palavras. E praticamente a gente passando a viver, assim, um novo mundo. Porque desde de quando você vive em uma casa de obrigação que ela anda um pouco escondida, não tem praticamente reconhecimento nenhum, você fica, assim, um pouco fora de tudo. Aí você fica, assim, um pouco leigo até chegar... Chegou uma televisão, o pessoal pode se assustar e não querer se apresentar, que em Lençóis acontece esse tipo de casa, que você chega pra fazer uma entrevista, quando eles cobra aquela entrevista pra televisão, uma filmagem qualquer, não aceita. Mas hoje eu já tô vivendo nesse mundo, quase me acostumando, sabe? O que eu sempre que sou, assim, entrevistado... O ano passado, Capivara, o "Na Carona", eu fui entrevistado várias vez. O No Carona foi lá, fez um trabalho muito interessante. Aí 15 dias depois vem essa fita pra gente e acompanhamo pela televisão que mandaram o edital: tal dia, tal data. Não sei se foi pela Record, não foi a Cultura, TV Cultura. Mas é muito interessante isso, a gente hoje começar mostrar um pouquinho do que sabe, apresentar o nosso trabalho e como tem uma casa de santo hoje igual a nossa, hoje em capivara, que é a única casa registrada em Lençóis, é a única casa que uma associação toda legalizada com a quantidade de filho de santo e a gente ter, assim, esse presente de hoje ter uma parceria com o Grão de Luz. Vocês hoje dando o maior apoio, né? Vocês hoje que é Ponto de Cultura. E a gente precisa de muito apoio de vocês que é ponto de cultura, porque a gente precisa crescer o nível da nossa casa e precisa também de chegar lá no primeiro mundo, né? Levar mais a nossa seca, mais além. O motivo em Brasília, fui junto ao Griô, e quero ir lá pra eu fazer um samba dentro do palácio. Quem sabe até o presidente dá umas pernada, né? (Risos)
P/1 – Em nome do Museu da Pessoa e do Grãos de Luz e Griô, eu queria agradecer demais a sua entrevista, foi muito importante o senhor ter deixado o seu relato aqui pra gente. Obrigada mesmo.
R – Não tem de que. Eu tô aí disponível pra qualquer outra entrevista. E se em qualquer tempo, vocês chegando em Lençóis querer conhecer o nosso espaço, esse convite tá de pé. Hoje nós temos, assim, um ponto de visita de turismo lá em Capivara. Porque nós temos hoje essa Ciça, é uma professora que hoje trabalha no Grão de Luz com o projeto Bagagem e tá fazendo essas trilhas, né? A trilha da Iuna, Remanso e Capivara. É assim, muito interessante. E aí esse convite tá de pé. Quando vocês quiser chegar, chegar aqui e querer visitar o nosso espaço, a gente tá aí disponível pra fazer essa caminhada juntos pra vocês conhecer melhor a Associação Palácio de Ogum. Desde já, no nome do presidente, eu agradeço de eu tá falando aqui da nossa associação, do Grão de luz que também é, né? Um agradecimento muito forte ao Grão de Luz e de eu tá aqui falando da nossa associação do Palácio de Ogum e em nome do meu presidente, que é Sandoval Amorim e da mãe pequena e de todos os membros daquela casa, eu agradeço muito a vocês, muito obrigado.
P/1 – Obrigada você.
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