P/1 – Então Nurievi, pra começar eu vou pedir pra você falar seu nome completo.
R – Nurievi Minguta dos Santos Peçanha.
P/1 – E a data do seu nascimento?
R – 23 do três de 1979.
P/1 – E você nasceu aqui mesmo, Nurievi? Você nasceu onde?
R – Eu nasci em Ponto de Cacimbas.
P/1 – Você ficou lá na infância e depois veio pra cá?
R – Não, o Ponto de Cacimbas é uma localidade que tem aqui, onde tem o Hospital Manoel Carola, que é o hospital do município. Eu nasci e sempre morei aqui na Barra, mas passei uma temporada fora.
P/1 – Você conheceu seus avós Nurievi?
R – A minha avó por parte da minha mãe conheci, assim, mas eu tenho uma vaga lembrança dela porque eu tinha cinco anos quando ela faleceu. A minha avó por parte de pai eu já conheci mais um pouco, quando ela faleceu eu já tinha uma idade um pouco mais avançada e deu para eu guardar bem e ter um pouco de contato com ela.
P/1 – Que lembranças que você tinha dela de infância, de ir na casa dela, de comidas que ela fazia?
R – Olha só, da minha avó por parte de pai, ela morava em Arraial do Cabo, então ela sempre viveu mais lá do que aqui. Então, não tinha muito contato, era uma vez ou outra, não tenho muita lembrança. Era uma avó boa, agradável, mas não tinha aquele contato direto. Com a minha avó por parte da minha mãe a gente já teve mais aquele contato porque ela morava em uma localidade bem no interior mesmo, que se chama Barão, que é a Tipity. Lá a gente tinha mais contato porque a minha mãe ficava muito lá. Era roça mesmo, era bolandeira, o pessoal fazia farinha. Por ter convivido pouco com ela, menos, devido a minha idade e ela morreu acho que com 49 anos, mas eu lembro de algumas coisas, vagamente, mas eu lembro.
P/1 – Você falou dessa coisa da bolandeira. Explica um pouco mais o que é a bolandeira.
R – Bolandeira era uma fábrica de farinha que tinha o...
Continuar leituraP/1 – Então Nurievi, pra começar eu vou pedir pra você falar seu nome completo.
R – Nurievi Minguta dos Santos Peçanha.
P/1 – E a data do seu nascimento?
R – 23 do três de 1979.
P/1 – E você nasceu aqui mesmo, Nurievi? Você nasceu onde?
R – Eu nasci em Ponto de Cacimbas.
P/1 – Você ficou lá na infância e depois veio pra cá?
R – Não, o Ponto de Cacimbas é uma localidade que tem aqui, onde tem o Hospital Manoel Carola, que é o hospital do município. Eu nasci e sempre morei aqui na Barra, mas passei uma temporada fora.
P/1 – Você conheceu seus avós Nurievi?
R – A minha avó por parte da minha mãe conheci, assim, mas eu tenho uma vaga lembrança dela porque eu tinha cinco anos quando ela faleceu. A minha avó por parte de pai eu já conheci mais um pouco, quando ela faleceu eu já tinha uma idade um pouco mais avançada e deu para eu guardar bem e ter um pouco de contato com ela.
P/1 – Que lembranças que você tinha dela de infância, de ir na casa dela, de comidas que ela fazia?
R – Olha só, da minha avó por parte de pai, ela morava em Arraial do Cabo, então ela sempre viveu mais lá do que aqui. Então, não tinha muito contato, era uma vez ou outra, não tenho muita lembrança. Era uma avó boa, agradável, mas não tinha aquele contato direto. Com a minha avó por parte da minha mãe a gente já teve mais aquele contato porque ela morava em uma localidade bem no interior mesmo, que se chama Barão, que é a Tipity. Lá a gente tinha mais contato porque a minha mãe ficava muito lá. Era roça mesmo, era bolandeira, o pessoal fazia farinha. Por ter convivido pouco com ela, menos, devido a minha idade e ela morreu acho que com 49 anos, mas eu lembro de algumas coisas, vagamente, mas eu lembro.
P/1 – Você falou dessa coisa da bolandeira. Explica um pouco mais o que é a bolandeira.
R – Bolandeira era uma fábrica de farinha que tinha o pessoal que trabalhava lá fazendo farinha, uns raspavam mandioca pra fazer a farinha. E nesse Barão, a Tipity, era isso! Até hoje tem a farinha da Tipity, eu não sei se vocês já viram, mas tem a marca da Tipity. Não funciona como antigamente, mas existe ainda. E lá a gente geralmente ia de charrete pra lá, o pessoal gostava muito porque era o meio de vida deles, também era uma diversão. A gente ia muito de carona na charrete porque quando a minha avó começou a ficar doente, passando mal, a minha mãe largava tudo e ia pra socorrer a mãe dela. E a gente ia porque o pessoal era tudo conhecido, a gente embarcava na charrete e ia junto [risos], aí chegava lá. Mas, lá era um lugar muito agradável, sabe? Passava uma paz. Eu lembro que a casa da minha avó era uma casa de estuque, de palha, de taboa que o pessoal fala, e tinha uma árvore assim grandona, perto da casa dela e era muito legal, a gente se sentia muito bem lá na minha vó.
P/1 – Você falou um pouco da casa da sua avó. Me conta um pouco da sua casa de infância, como era a casa que você nasceu, que você cresceu.
R – [risos] A minha casa, eu posso dizer assim que eu já morei numa casa melhorzinha, né? Mas meus pais e meus irmãos chegaram a morar numa casa de estuque. Estuque é aquela casa que bota as varinhas assim, todas trançadinhas, que geralmente eles faziam com vara de mangue fininha. Eles iam no mangue e tiravam as varinhas. Isso era antigamente, quando podia fazer isso, hoje em dia já não pode mais devido ao meio ambiente. Eles tiravam, pegavam o barro pra poder embarrear, aí fazia, e pintava de cal e colocava taboa. Eu até cheguei a morar, pouco tempo, mas eu cheguei a morar em uma casa assim de estuque com taboa, às vezes ventava muito. Eu tenho um irmão que adorava fazer a casa, derrubar as paredes pra fazer porque era rapidinho que fazia [risos]. Eu cheguei a morar e depois nós moramos, aí foi mudando.
Meu pai pescava, meus irmãos foram crescendo, foram podendo ajudar. A minha mãe sempre costurou, hoje em dia ela não costura mais, mas antigamente a profissão da minha mãe era costureira, quer dizer, costureira e a gente trabalhava no frigorífico limpando peixe. Aí, depois nós fomos fazendo outra casa, mudamos, colocamos telha. Eu ainda morei um período em uma casa que o chão era aquele, não era cimento, era barro mesmo. Eu cheguei a morar em uma casa assim, eu lembro disso. Antigamente a gente, eu não sei se eu posso dizer que a gente era mais feliz, apesar das dificuldades a gente tinha os momentos felizes, entendeu? Porque eu acho isso muito importante na vida do ser humano, por mais dificuldade você passe, se procurar você ainda consegue ser feliz porque quando a gente tem Deus no coração da gente, as dificuldades e as lutas acontecem, mas um pouco a gente pode chorar agora, mas depois a gente tá sorrindo novamente.
P/1 – Nurievi, você estava falando um pouco do seu pai. Você sabe por que eles vieram pra Barra? Eles já eram daqui, como é que foi isso?
R – Olha [risos], a minha mãe praticamente morou aqui, mas ela não nasceu aqui. Ela nasceu em um lugarzinho, eu não conheço, é perto lá da Tipity, onde o pessoal fala, que o pessoal fala que se chama Luís Alves. Eu não sei muito bem onde é a localidade, mas é pra lá também. O meu pai na realidade era daqui também, era lá do lado do Espírito Santo, era de Iconha quando ele nasceu, mas acho que veio pra cá novo. Tinha aí do outro lado uma casa chamada Copisa, que agora foi desmanchada, e as pessoas antigamente moravam muito do lado do norte, onde é o Espírito Santo, eles moravam ali. Mas desde pequeno sempre todo mundo mora aqui, meus irmãos, praticamente, se nasceu em um lugar veio pra cá.
P/1 – Você falou desse começo, as casas, eram muitas casas? Como é que era aqui a comunidade, como você lembra daqui? Eram poucas pessoas, eram muitas pessoas?
R – Olha, eu não lembro muito assim, não. Não eram muitas pessoas, eram poucas, mas como era. Geralmente as casas eram de estuque, tinha muita casa assim de palha, essas coisas. Era uma comunidade bem sacrificada.
P/1 – Tinha algum lugar em que as pessoas se reuniam ou era difícil se reunir com vizinho, era tudo muito longe? Vocês se encontravam em algum lugar?
R – Não me lembro. Geralmente o pessoal se encontra mais na igreja, no final de semana, mais assim.
P/1 – E saneamento básico, energia elétrica? Nesse começo vocês já tinham, você viu chegar, como é que era?
R – Não, não tinha energia elétrica aqui. Eu lembro, assim, eu não lembro, a minha conta que eu sempre fui muito loirinha, meu cabelo era quase branco. Então, usava lamparina. Você sabe mais ou menos o que é uma lamparina, né? A gente usava isso, a gente não tinha energia elétrica. Poucas casas tinham energia elétrica. Aí, como ela ficava costurando à noite na lamparina, a gente ficava muito junto. E como eu era muito branquinha, no outro dia ela tinha que lavar o meu cabelo, quando ela lavava meu cabelo [risos] que passava e saía aquela espuma preta. Todo dia tinha que lavar meu cabelo porque de loiro ele ficava preto de tanta fumaça da lamparina. Depois de um tempo que foi começar a ter energia elétrica. A água, geralmente a gente usava muita água do rio.
P/1 – Como é que era essa água do rio? Todo mundo fala que o rio era mais limpo.
R – Era. O rio era mais limpo, não tinha tanta poluição, tanto esgoto. Então usava. Até hoje, se a água do rio estiver doce, porque tem o período que a água salga por causa da água do mar, e tem o período que fica doce. Não tem água melhor pra lavar o cabelo do que água do rio. A gente lavava roupa, louça, panela. Nossa, se você for lavar uma panela com a água do rio, ela estando doce, ela fica assim, maravilhosa, dá até pra você se maquiar na frente de uma panela. Mas teve esse período sim. Muitas vezes. Eu até lembro dessa lamparina vagamente, mas...
P/1 – Você lembra de ver chegar os postes, de chegar a luz elétrica? Você falou que eram poucas casas que tinham luz no começo, né?
R – No início, no início, eu acho que não tinha nenhuma. Eu acho que onde que poderia ter alguma luz, ah, não sei, não posso nem te falar porque não me lembro.
P/1 – Não tem problema. Você já falou um pouco do seu pai e da sua mãe. Me conta um pouco da sua mãe. Você falou que ela era costureira. Com quem ela aprendeu? Como ela era, como você lembra dela de infância?
R – A minha mãe? A minha mãe sempre foi uma guerreira. Ela costurava muito, o meu pai bebia muito, então, ela... Apesar dele ser o homem, ela era praticamente o esteio da casa. A gente sempre se espelhou muito na nossa mãe. Ela costurava pra fora, às vezes ela tinha encomenda e virava a noite costurando, a noite toda pra poder ter ali o pão de cada dia pra colocar dentro de casa porque nós somos em seis irmãos, dois homens e quatro mulheres, então, ela sempre lutou muito. Nós passamos muita dificuldade, quer dizer, eu não passei tanta dificuldade na minha vida.
P/1 – Você é a filha mais nova?
R – Eu sou quase a mais nova porque depois veio a minha irmã, a Rosana, que é especial, que pegou o meu lugar, então, perdi o posto de caçula e ela ficou no lugar [risos]. Mas, ela fala que a minha família, os meus irmãos, passaram muita dificuldade na vida, entendeu? Então hoje, o que a gente tem, o que a gente vive, não vamos dizer que é uma vida de rico, mas, graças a Deus, a gente tem uma vida tranquila em que não há necessidade de passar pelo que a gente passou. Hoje a gente pode falar que se a gente tiver de ajudar alguém a gente ainda tem condições de ajudar, antigamente a gente tinha necessidade de ser ajudado, mas hoje, graças a Deus, eu glorifico a Deus por isso, a gente estar hoje na vida que a gente está, entendeu? Mas nós passamos muita dificuldade, sim. A minha mãe era costureira, mas antigamente aqui na Barra dava muita peruá, então, ela costurava e limpava peixe no frigorífico. Tinha noite da gente, por exemplo, começar sete horas da noite, e passar a noite toda limpando peixe no frigorífico.
P/1 – Você ia desde criança pro frigorífico?
R – Ia. Desde criança. A gente ajudava. Todo mundo lá ajudava, meus irmãos, minhas irmãs, nem todas, né, porque...
P/1 – O frigorífico era só mulher ou todo mundo limpava peixe, como é que era?
R – Não, todo mundo, era homem, era mulher, porque era o que dava mais sustentabilidade, sempre tinha peruá antigamente. Hoje praticamente não existe mais peruá, a peruá está escassa, mas eu posso te dizer que a peruá antigamente aqui na Barra matou muita fome de muita gente.
P/1 – E você me falou que sua mãe era costureira. Ela costurava pra quem? Costurava em geral pra outras pessoas ou costurava pra alguma empresa, como é que era?
R – Não, pra comunidade mesmo. Não costurava pra empresa não, era pra comunidade mesmo.
P/1 – Você me falou já um pouquinho do seu pai. Ele era pescador, conta um pouco mais sobre ele.
R – Meu pai era pescador. Quer dizer, meu pai, logo no início da vida dele, ele era tratorista, ele trabalhava pra um senhor, que também é falecido, ele trabalhou. Mas assim, a parte da vida do meu pai, mesmo, foi sempre a pescaria, né? Ele pescava, ele tomava conta de um barco. Aí, na realidade ele sempre pescou na vida , né?
P/1 – Na sua lembrança ele já é pescador?
R – Já, já. Eu sempre lembrei. Eu estava até comentando um tempo atrás aí com mamãe, eu lembro que uma vez ele foi botar caída, ele colocou tanto cação, tanto cação, pegou um cação enorme, os barcos tiveram que ir até ali na boca da Barra pra aguardar ele chegar e esperar ele entrar, com medo do barco virar. Então, a lembrança do meu pai, não lembro quando ele trabalhou lá na Tipity, na fábrica de farinha, como tratorista. Eu sempre lembrei, o que eu sei do meu pai é que ele foi sempre pescador na vida.
P/1 – Nurievi, a gente entrevistou muitos pescadores. Mas tem esse outro lado que é ser a família, né? Como é ser a família do pescador, quem fica na terra no final das contas? Não saber se volta, com todas as angústias, como é essa relação?
R – Olha, geralmente quando o pescador, quando a pessoa sai pro mar, quando meus irmãos saem pro mar, quer dizer, hoje eu só tenho um irmão que pesca e o meu esposo. Porque hoje o meu pai já não está mais aqui, vai fazer oito anos agora em junho que ele foi atropelado e ele não aguentou. Mas é sempre assim, às vezes, a gente está em casa, o tempo tá bom. De repente, cai um vento sul, o vento muda, aí fica todo mundo preocupado, fica. Porque a gente vê várias situações de pessoas que vão lá pra fora, pra alto-mar... Aqui na Barra nós já passamos mesmo, em janeiro agora fez um ano que sumiram cinco pescadores! Não apareceram, depois sumiu outro. Então, sempre tem aquela preocupação, né? Ele sai pro mar, mas a gente fica em terra pedindo a Deus pra que eles possam retornar. Eles não estão pescando assim, no caso a minha família, meu irmão e nem o meu marido, eles não estão pescando tão longe igual o pessoal que pesca lá fora, na plataforma. Mas, se acontece alguma coisa, mesmo que não seja um parente nosso mais chegado, mas que seja alguém da comunidade, isso deixa a pessoa triste porque todo mundo é conhecido aqui na comunidade, por mais que às vezes você não tenha um contato direto com a pessoa, mas é uma pessoa conhecida, ou você tem a família que você tem mais um contato, e isso realmente mexe com a comunidade e sempre há essa preocupação.
P/1 – E você falar um pouco como esposa, porque aí é a relação mais próxima. Ele chega a ficar mais de um dia fora no mar, ou ele volta rápido?
R – Quando ele está pescando camarão ele vai e volta todos os dias, mas quando ele está pescando lá fora ou está pescando de rede, alguma coisa, ele já teve dia de levar 12 dias, 15 dias no mar. Porque geralmente quem pesca lá na fora, de fundo, pescaria de fundo, geralmente é esse tempo que leva. E ele sempre pescou muito em Cabo Frio, então ele levava mês pra vir em casa.
P/1 – E aí como é que é, passar um mês?
R – Olha, assim, nos primeiros dias a pessoa fica assim, quando vai, aí a pessoa fica assim: “Poxa”. Aí, quando passam uns cinco dias a pessoa vai se acostumando, quando já vai demorando a pessoa já vai falando: “Ó, você não vem!”. Mas ele parou de pescar lá fora, ele não pretende mais pescar lá fora.
P/1 – Entendi. E tinha algum hábito na sua família? Por exemplo, horário de comer tinha que todo mundo ficar junto, tinha algum costume, você lembra, em casa?
R – Não! Não me lembro, não, nunca teve assim. Pescador não tem muito horário de comer, né? Às vezes, ele sai de madrugada, às vezes chega cedo antes do almoço, às vezes chega depois do almoço, então o pescador em si, a família do pescador, acho que não tem muito esse hábito de sentar todo mundo, se reunir. Chega no final de semana, um domingo, um sábado que está em casa. Aí lá em casa, na minha casa agora, eu falo assim: “Mateus, vai lá e chama o seu pai. Eu estou aguardando ele vir pra almoçar”. Aí, ele sabe que eu só vou almoçar se ele vier, então, para eu não ficar com fome ele vem logo [risos]. É a oportunidade de estar todo mundo assim, de estar eu, Mateus, ele e Ester pra almoçar. Agora, se não for assim ele nem almoça, ele trabalha, vai em um barco, vai em outro, faz uma coisa, faz outra.
P/1 – E de criança como era a rotina na sua casa? Era um pouco o que você falou, não tem muita rotina por causa do pescador... Mas vocês que ficam, por exemplo, os irmãos, vocês iam pra escola, tinha horário pra acordar, não tinha escola, como é que era?
R – Não, tinha escola. A minha mãe sempre teve essa grande preocupação de colocar a gente pra ir pra escola. Isso aí ela nunca deixou de pegar e falar assim: “Eu vou tirar o meu filho”. Só um irmão meu que deixou de estudar pra ele poder trabalhar e ajudar em casa, mas ele ainda conseguiu chegar até a oitava série. Teve um que não gostava de escola, mas mesmo assim, todos lá em casa sabem ler e escrever. Só a minha irmã que é especial que não sabe ler mas ela sabe fazer o nome dela, e isso já é uma grande vitória pra gente, né? Ela sabe fazer o nome dela. Mas essa preocupação da minha mãe do filho estudar, ela sempre teve. Porque hoje em dia a pessoa sem leitura, a gente sabe que é muito difícil no mundo em que nós vivemos agora, é bem complicado uma pessoa que não tem leitura. Então, todos os filhos de mamãe iam pra escola, meus irmãos, e eu também. Lá em casa a única que se formou, assim, que foi até o final dos estudos fui eu que me formei, eu sou professora, e tem agora uma irmã que se formou no ano passado em Psicologia. Ela é psicóloga. Quem tem mais formação sou eu e minha irmã, os outros não terminaram os estudos, mas a minha mãe sempre teve essa grande preocupação.
P/1 – Nurievi, deixa eu te perguntar uma coisa, mas você fica à vontade pra não responder. Você falou bastante da sua irmã especial, com carinho. Como é que é, quais são as dificuldades? Porque uma coisa que todo mundo fala é a ausência de hospitais, de uma estrutura aqui. E como é que é pra cuidar da sua irmã? Como foi ao longo desse tempo.
R – Olha, no início foi muito difícil. Eu posso dizer a você que a minha irmã é um milagre de vida, sabe? Foi um milagre de Deus, mesmo, ela estar hoje entre nós. Ela nasceu, quando ela estava perto de fazer um aninho ela teve uma crise convulsiva. Aí, foi pro hospital, ficou internada, e depois dessa crise ela foi tendo várias crises. Fazia exame, minha mãe correu muito, andou muito com ela, muita dificuldade, minha mãe passou uma temporada em Arraial do Cabo morando lá, fazendo tratamento, e cada dia, cada hora era um remédio. A gente nunca conseguia ver um remédio certo pra ela, porque ela dava crise direto. Depois de muito tempo mesmo mamãe conseguiu tratamento com uma doutora em Campos, que foi a doutora Márcia, foi onde graças a Deus ela conseguiu um medicamento certo pra minha irmã, que é o Depakene, mas ela já tomou vários tipos de remédio. Depois que a minha irmã nasceu a nossa família ficou bem mais ligada, ficou bem mais unida. O meu pai era apaixonado por ela, nossa, meu pai chorava demais quando ela passava mal, todo mundo, né? Já teve dia do meu irmão mais velho, o Tonho, ir parar descalço com a minha mãe, sem camisa, em Campos com ela passando mal. Teve uma vez que aconteceu isso, ela passou mal, então eles foram direto porque nunca teve muita coisa de médico, agora que tem um pouco mais, mas antigamente não tinha isso. Então, uma vez ela passou mal, no desespero porque as crises que ela dava eram muito feias, assim, não era qualquer pessoa que tinha estrutura pra ver, então saía todo mundo desesperado, do jeito que estava, saía. E eu lembro que um dia ele foi parar em Campos descalço, com uma bermudinha e sem camisa. E tinha um ônibus da Viação Gargaú que saía de Campos uma hora da manhã. Precisou um policial vir com ele na rodoviária pra colocar ele dentro do ônibus pra explicar pro motorista que ele não era nenhum bandido, e que ao chegar aqui iria dar o dinheiro da passagem, porque nem tinha, não saiu ninguém, saiu todo mundo assim. Então, eu lembro disso, foi uma coisa muito marcante. Quando minha mãe fala você percebe que ela fica muito emocionada. E também teve um período, que Rosana tem um problema de fígado e passou muito mal, ela foi à beira da morte. Ali foi o desespero da família. Quando minha mãe era mais nova ela era evangélica, aí ela se afastou, no caso quem sempre foi muito religiosa desde pequena, fui eu. Eu sou evangélica, graças a Deus. E quando aconteceu isso com a minha irmã, Deus ia levar ela, ela foi à beira da morte. E meu pai se desesperou, ele sabia que tinha que ter um conserto com ele, e Deus livrou ela da morte pra mostrar que Deus é Deus, ele é Deus do passado, do presente e vai continuar sendo Deus. Por isso que eu falo que ela é um milagre de vida porque o médico falou um dia assim pra minha mãe: “Olha, quando ela crescer, ela pode pegar o cérebro dela”, porque ela tem o cérebro incompleto, ela tem uma falha no cérebro, uma mínima coisa, uma linhazinha assim, se você olhar nos exames que ela fez é uma linha, uma mínima linha, uma mínima coisa. Mas aquela falha fez ela ficar especial. Agora, por qual motivo, a permissão de Deus ela ter ficado especial, isso não incomoda a gente em nada.
P/1 – Mas aí ela tem alguma...
R – Não, não. Você olha assim pra ela, você vê que ela não é uma pessoa normal, a fisionomia dela, o jeito dela falar. Ela não fala assim solta como a gente, ela fala algumas coisas erradas, tipo criança pequena. Mas ela conversa, ela anda, fala muito, se você parar pra conversar com ela você leva umas duas horas e ela falando direto, entendeu?
P/1 – Hoje em dia ela vive bem aqui?
R – Vive, vive. Ela não vive tão bem porque tem as dificuldades na questão de uma escola especial pra ela, né? Aqui a gente não tem Apae [Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais] nem sei se lá em São Francisco está funcionando ainda, mas aqui a gente não tem uma Apae, uma coisa assim que ela possa estar estudando, estar ali. A minha mãe já passou muitas temporadas no Espírito Santo pra ela poder colocar Rosana na escola, né? Porque lá em Marataízes ela é matriculada numa Apae muito boa. Então ela passou, no ano passado ela levou um período lá e depois veio. Hoje Rosana está sem estudar novamente porque não tem uma Apae. Minha mãe não vai colocar minha irmã daqui pra botar em um ônibus pra São Francisco. Jamais. Ninguém nunca vai ver isso. Se não tiver um carro próprio pra levar ninguém nunca vai ver isso, só se for pra minha mãe dar um “piripaque” [risos], deixar Rosana sozinha sem ninguém. Ela já fica assim falando: “Ah, eu tenho que voltar pra Marataízes pra Rosana poder estudar”. Porque aqui nunca, ninguém, político nenhum se interessou por isso, em querer fazer uma Apae, pelo menos uma sala. Eu não digo construir uma Apae, mas pelo menos uma sala, em uma escola, pra um professor trabalhar com criança especial porque não é só ela que tem, aqui em Barra tem várias crianças. Mas nunca na minha vida eu vi um político se interessar por isso. E muitas vezes isso que é a angústia, a chateação da pessoa da família de saber que poxa, pode, não existe ninguém falar assim: “Ah, não tem uma pessoa especializada”. Eu sei que tem, eu sei que tem pessoas que têm condições, que têm capacidade pra trabalhar com essas crianças. Então não tem porque daqui se falasse: “Ah, São Francisco tem”. Mas olha daqui a São Francisco, você imaginou, todo dia, uma pessoa de 63 anos levar uma pessoa especial de 24 anos todo dia ir pra São Francisco, ir e voltar? Porque se tivesse um carro próprio, um ônibus, uma Kombi, alguma coisa já ficaria mais fácil, né? Então essa é a dificuldade.
P/1 – E Nurievi, deixa eu te perguntar uma coisa. Você falou bastante dessa relação com os irmãos. E como era de infância, as brincadeiras, como vocês se relacionavam? Brincavam de rua, do que os irmãos brincavam?
R – Olha, eu sempre fui o xodó dos meus irmãos, né? Antes da minha irmã nascer, depois ela pegou o meu lugar, mas mesmo assim eu ainda continuei sendo [risos]. Mas a gente brincava muito. O meu irmão, o Tonho, ele sempre foi muito levado, muito arteiro, sempre foi muito bagunceiro. Assim, não de fazer bagunça fora do normal, bagunça mesmo de brincadeira de criança, muito curioso com as coisas. Uma vez ele quebrou a perna em três lugares, aí foi pra Campos pra engessar. Quando ele quebrou foi porque tinha uma árvore, lá embaixo em um lugarzinho onde o pessoal fala de fumega ele foi fazer uma cama em cima árvore e deitou. O que aconteceu? Quebrou e ele caiu com tudo [risos]. Foram correndo chamar mamãe, mamãe tem uma comadre, Elisineia, que ela era muito ligada com mamãe, então ela ia correndo: “Alzira! Ói, Tonho tá todo quebrado!”. Chegou lá, Tonho estava com a perna quebrada em três lugares. Aí, foi pra Campos, engessou, quando veio, em vez de ficar em casa de repouso foi pra cima das pedras roubar goiaba das pedras. Então, ele sempre foi muito assim. E ele era o chefe da turma, né? Se ele falasse: “Vamos brincar de polícia e ladrão”. Todo mundo ia brincar de polícia e ladrão. “Vamos brincar de pique e pega”. Todo mundo ia brincar de pique e pega. Aí, eu lembro uma vez, isso eu nunca me esqueço. Tinha uma vizinha nossa que morava lá, Maria, ela também tinha uma porção de filhos, então juntava aquela criançada toda, como ele era o chefe da turma, juntava aquela criançada toda. A gente começou brincando, e corria pra um lugar e corria pra outro, e mamãe: “Crianças! Parem que vocês vão se machucar! Vocês vão se machucar”, e brigando pra gente parar. E parou. Depois que já estava todo mundo cansado parou de brincar. “Então vamos brincar agora na roda”. Fez uma roda, aí todo mundo: “Vamos brincar de dar balão”. Eu não sei se você sabe, balão é pegar a pessoa assim por traz e jogar, né? Aí, quem foi a cobaia? Quem foi a primeira vítima dele? Fui eu. A primeira e última. Porque quando ele jogou eu caí [risos], bati com o meu braço e quebrei minha clavícula. Aí o osso pulou pra fora [risos]. Aí pronto, eu fiquei assim, eu muito branca, né, eu não sabia se ficava roxa ou se ficava vermelha [risos]. Aí foi uma gritaria, uma choradeira, pronto, fui eu pra Campos de novo, porque tudo era em Campos, né? Foi mamãe comigo pra Campos para engessar a minha clavícula. Aí, eu lembro que botaram uma blusinha de gesso em mim, e eu fiquei assim, toda engessada assim. Aí ele: “Viu, mamãe! Se você tivesse deixado a gente correr não tinha acontecido isso”. Aí pronto. O meu pai bebia, mas ele sempre foi muito ligado à família. Eu lembro que meu pai chorava, e eu lembro que eu tinha achado um esqueleto de um aviãozinho [risos] na beira do rio onde a gente morava. Então eu peguei, só tinha o corpinho do avião porque as asinhas não tinha mais. Eu nunca me esqueci disso. Eu peguei, aí amarrou uma linhazinha pra mim e eu ficava puxando aquele aviãozinho. Achava o máximo, era uma família que a gente não tinha condições de comprar brinquedos. Minha mãe não tinha. Eles trabalhavam já pra sustentar a gente, como iriam comprar brinquedos pra gente? A gente poderia ter um brinquedo se a gente ganhasse de alguém. Aí, eu fui pra Campos. Eu dormia muito no canto da cama com a minha mãe e meu pai, eu só parei de dormir depois que minha irmã nasceu, né? Aí [risos], eu fui, cheguei, quando foi no outro dia, quando eu acordei com o gesso, aí tinha um presente, um envelope assim grandão, quando eu olhei era um avião vermelho com as asas amarelas [risos], que meu pai tinha comprado pra mim. Nossa, aquilo ali foi a felicidade, acho que foi o primeiro presente que eu ganhei. Eu nunca me esqueci disso porque eu precisei quebrar a clavícula pra ganhar um aviãozinho [risos]. Foi uma coisa da minha infância que eu nunca esqueci, de pegar e lembrar desse fato, daquele aviãozinho. Nossa, ficou marcado, eu acho que foi o melhor presente do mundo que eu ganhei naquele dia, foi aquele aviãozinho. Porque o meu pai nunca foi assim de sentar com a gente, de dar um carinho, sabe, de ficar assim...
P/1 – E ele contava história? História de pesca, história de alto-mar?
R – Ah, ele sempre contava. Ele era assim, meu pai amava muito os filhos dele, mas ele não tinha aquela coisa de estar ali junto, de estar: “Ah meu filho, senta aqui”, de conversar aquela coisa assim, de fazer um carinho, não. Mas se um filho dele ficasse doente e acontecesse alguma coisa, assim, acabava com ele, acabava a estrutura, ele só ficava chorando. Ele era muito sentimental nessa parte, ele tinha muita preocupação com os filhos. Apesar da bebida dele antigamente, ele tinha essa preocupação com os filhos. Ele sempre amou muito os filhos dele, do jeito dele. Não o jeito que alguém falasse assim: “Poxa, Moraes não gostava”. Não. Ele era apaixonado pelos filhos dele, todos eles. E claro que ele tinha assim, depois que a Rosana nasceu, um carinho assim mais especial, mas eu acho que devido ao problema dela todos tinham, até hoje, todos. Não adianta, se alguém tocar, se a gente achar que alguma coisa, aparece todo mundo: “Não!”. Em defesa dela. E até mesmo esse cuidado por ela ser especial. Mas o meu pai também não terminou a vida dele bebendo, ele levou um período, mas depois que ele largou a bebida dele, isso era quando ele era novo, quando os filhos eram pequenos. Mas papai, antes dele morrer, já tinha mais de 18 anos que ele não bebia mais.
P/1 – Agora deixa eu aproveitar pra te perguntar uma coisa. Essa coisa da bebida é muito forte aqui na comunidade? Você percebe que é um problema, é uma questão?
R – É... é uma situação bem complicada, existem muitas pessoas na comunidade que bebem demais. E a gente sabe que a bebida sempre traz uma parte agressiva, por mais que não, mas existe sim uma boa parte da comunidade que tem problema com alcoolismo em Barra.
P/1 – Em geral são os homens?
R – Em geral são os homens.
P/1 – Eu vou voltar pra você. Eu queria que você me contasse agora as primeiras lembranças de escola, de ir pra escola, como é que foi?
R – Ih, chorava demais! [risos] Meu Deus, chorava muito, gente, na escola. Eu lembro, se não me falha a memória, a minha primeira professora, eu acho que foi Ilka. Mas eu chorava demais. Eu nunca fui assim: “Nossa, sou apaixonada pelos estudos!”, mas sempre estudei, eu nunca perdi série, eu sempre passei. Só teve uma vez que eu fiquei de recuperação em Geografia, eu quase matei o professor também, né? Porque eu falei pra ele que se eu perdesse que ele ia ver só porque eu perdi por um décimo, ele me levou pra recuperação por um décimo. Aí, eu falei pra ele, eu briguei com ele: “Se você fizer eu perder, o senhor vai ver só” [risos]. Ele até deu a matéria pra estudar e na prova de recuperação eu tirei 84, foi na sétima série. Fiquei toda boba em casa, quando eu cheguei. Mas assim, lá em casa, meus irmãos sempre foram muito estudiosos, nunca perderam série.
P/1 – A escola era um lugar especial, um lugar onde vocês brincavam mais, um lugar de tranquilidade?
R – Era um lugar tranquilo, às vezes era tranquilo, às vezes dava vontade de não ir pra escola. Quando a minha irmã Rosana fazia tratamento, que a minha mãe ficava mais fora, o meu irmão trabalhava aqui na Barra de carpinteiro, então, às vezes quando eu não queria ir pra escola, eu ia pra casa da minha tia Lúcia [risos]. Tipo, eu entrava às onze horas na escola, ele chegava em casa às onze e meia pra almoçar. Eu saía, ia pra casa da minha tia, fiz isso várias vezes [risos], aí quando eu via assim, meio-dia e meia, quando ele voltava pro serviço, eu voltava pra casa. Ele achava que eu estava na escola [risos], mas eu não estava. Eu estava na casa da minha tia porque eu não queria ir pra escola, mas mesmo assim, eu nunca perdi.
P/1 – A escola em si já tinha o prédio, era pequena, como é que era a escola?
R – Não. A escola era o Ana Nunes, não tinha todas aquelas salas, né? Porque agora acho que fizeram mais duas salas, não me lembro.
P/1 – Mas já era essa escola?
R – Era, mas não era desse jeito. Antigamente não tinha ar condicionado na escola, não tinha ventilador, depois de algum tempo que teve ventilador. As salas não eram forradas. Hoje, em vista do que a gente estudou, hoje a escola tá de luxo, né? [risos].
P/1 – E você falou sobre professores marcantes, falou sobre o professor de Geografia. Teve mais algum professor que foi marcante pra você? Que você fala: “Pô, não esqueço esse professor”.
R – Tem, eu tenho. Duas professoras. Eu não posso menosprezar os outros, né, mas eu tive duas professoras no ginásio, no magistério, que foram marcantes pra gente. Eu tenho certeza que foi pra turma. Uma é Deonita. Nossa, aquela mulher é especial pra gente, nossa turma, sinceramente, eu acho que cada aluno que se formou, porque se eu não estou enganada, eu acho que a última turma que se formou em magistério foi a minha, em 97.
P/1 – O magistério era aqui na Barra ainda?
R – Isso, era aqui na Barra ainda, em 1997. Acho que foi a última turma que se formou. Então, ela foi assim, uma professora que marcou a nossa turma. A turma em geral era apaixonada por ela, e ela também era apaixonada pela gente.
P/1 – Ela é daqui da Barra também?
R – Ela é daqui da Barra, ela é filha de seu Daniel Ferro. Eu não sei se vocês já ouviram falar nesse homem, era um senhor que tinha um cartório aqui na Barra de muitos anos. Ela era filha dele. E foi uma professora que marcou muito nosso final do magistério, ela e a Cleide. A Cleide também é uma professora especial, ela vai dar aula, ela passa uma paz, uma tranquilidade pra você, que ela é muito calminha. E a nossa turma, quando a gente se formou, eu acho que eram uns seis meninos só, o resto era tudo menina. Então, ela passava uma paz, ela era muito calma, uma tranquilidade.
P/1 – E curiosidade, o que te levou a fazer magistério, Nurievi?
R – Falta de opção.
P/1 – Falta de opção? Você tinha vontade de ser professora, não tinha...
R – Não. Não. Eu não tinha vontade de ser professora.
P/1 – Quando você fala nas opções, quais eram as opções que tinham pra um adolescente?
R – Só professor mesmo, não tinha outra opção de profissão aqui na Barra. Ou você se formava em professora ou você ia parar de estudar porque não tinha outro curso, outra formação. Muitas pessoas se formaram em outras especialidades porque eram pessoas que tinham melhores condições de vida aqui em Barra e saíam, iam pra Campos, iam pra outros lugares pra morar. Mas isso era quem tinha condições, não a gente, filhos de pescadores, porque isso você não ia ver aqui. O filho do pescador, das famílias mais sacrificadas, a opção era professor. Não que eu não goste da profissão, eu já trabalhei como professora, eu já fui professora do Pet...
P/1 – Mas acha que pode dar opção.
R – Isso. Eu já trabalhei em creche, mas eu posso te falar que a profissão de professora não é a profissão dos meus sonhos. “Nossa, era isso que eu queria fazer da minha vida”. Não. Eu não vou mentir, não, sabe? Não era. Eu me formei professora mesmo por falta de opção, eu não tenho opção, então eu vou ter uma profissão que é professora. E eu já exerci a profissão.
P/1 – E você sabe por que acabou o magistério em 1997?
R – Eu não sei muito bem, não. Agora magistério só tem em São Francisco, pra cá não tem mais. Agora é o ensino médio, formação geral, que eles falam.
P/1 – Aí a adolescência, como foi a adolescência aqui na cidade Nurievi? Vocês tinham lugar pra sair? Ou ainda era muito difícil, como é que foi? Você já trabalhava?
R – Já, eu já trabalhava. Na minha adolescência, a maioria do meu material de escola quem comprava era eu. Porque minha irmã tinha problema, o dinheiro da família era praticamente pra gastar com ela em médico e tudo. Eu sempre fui muito independente. Eu sempre gostei de trabalhar, eu sempre gostei de ter o meu dinheiro, sabe? Eu nunca gostei muito de depender de papai, e mamãe, eu nunca gostei. Eu sempre tive isso comigo. Até hoje, né? Eu não gosto de depender do meu marido. Eu gosto de ter o meu dinheiro, eu gosto de trabalhar e ter a minhas coisas, entendeu? Se precisar comprar alguma coisa não para eu falar: “Ah, eu quero comprar isso. Me dá um dinheiro para eu comprar isso?”. Não é pra mim essas coisas, isso aí não...
P/1 – E o que você fazia na adolescência?
R – Eu já trabalhei em casa de família, eu já trabalhei limpando peixe em frigorífico, já limpei muito peixe em frigorífico, muita peruá, já limpei muito camarão. E quando eu não trabalhava no frigorífico eu trabalhava em casa de família, foi onde eu sempre comprei meu material. Mas também nunca me envergonhei de falar que eu já trabalhei em casa de família, nunca. Pra mim, se eu parasse pra falar, isso era uma honra. Antes eu trabalhei, hoje, eu posso ter uma profissão porque foi devido a eu trabalhar nas casas de família e limpando peixe que hoje eu tenho uma profissão.
P/1 – E Nurievi, você falou do seu marido. Agora, eu queria saber como é que você conheceu o marido.
R – [risos] Ah, ele, Neném, ele é uma pessoa muito especial pra mim. Teve um período na minha vida que eu passei por uma dificuldade muito grande, mas Deus colocou ele no meu caminho pra mostrar que nem tudo o que acontece na vida da gente acontece por acaso, sempre tem a permissão de Deus. Ele sempre foi muito amigo do meu irmão, muito. Ele sempre fazia muito barquinho, eles dois, então eles ficavam lá. Mas eu sempre fui muito amiga dele, eu nunca tive interesse nenhum nele, nem outros interesses a não ser de amizade. Só que ele olhava pra mim com outro interesse [risos], com outros olhos. Eu não sei se eu era patetinha, eu não sei [risos], pra não perceber [risos)] mas eu sempre fui amiga dele. Então, eu lembro uma vez, eu estava até comentando com as meninas que eu conheci ele, como ele era muito lá de casa, tinha tudo a profissão de carpinteiro, essas coisas, mas desde novo ele sempre gostou muito de pescar. Aí, uma vez ele chegou assim perto de mim, eu não me lembro mais, ele que refrescou a minha memória. Eu estava passeando assim na rua, aí ele chegou perto de mim e perguntou se eu queria namorar ele, coisa de adolescente. Aí, eu falei assim: “Ai. Ah, vou pensar”. Mas esse pensar, demorou dez anos e eu esqueci de dar a resposta. Eu esqueci, nem me lembrava mais disso, gente, pra mim, isso nunca tinha acontecido [risos]. Então, ele ficou aguardando. Aí, ele casou, casou assim em termos, se juntou com uma mulher lá, teve um filho. Porque eu sempre gostei muito de não me prender às pessoas, sempre gostei de ter amizade, poder sair, ter liberdade. Então, a minha mãe sempre deixava eu sair pros lugares porque apesar de desde nova eu ser da igreja, eu saí muita com a igreja, minha mãe sempre me deu esse crédito de confiança, eu sempre saí. Eu acho que de todos os meus irmãos, quem teve mais liberdade lá em casa pra sair fui eu, porque meus irmãos não eram de ter liberdade, eles eram todos rapazes, mas se minha mãe determinasse a hora pra chegar em casa eles chegavam aquela hora, entendeu? Eu sempre tive liberdade pra sair com o pessoal da igreja.
P/1 – Agora, você falou que seu marido te pediu em namoro. Quando você reencontrou ele?
R – [risos]. Tá, aí depois o que aconteceu? Passou, ele teve um bebezinho, o Mateus, que hoje mora com a gente. Eu passei um período fora, em Marataízes, com minha mãe morando lá. Aí, tá, mas ele sempre teve aquela amizade. Quando foi um dia, ele começou a ir na igreja, depois ele passou a ser membro, fazer parte da igreja. Ele foi, pegou e ficava muito lá em casa devido à amizade que ele tinha com meu irmão, mas outro interesse dele também, né? [risos] Aí, um dia ele me chamou pra conversar. Ele foi e falou. Mas eu sempre fui muito fechada pra essas coisas, eu sempre queria pular fora, não gostava de tocar em assunto assim. E um dia ele foi e falou. E eu: “Ahhh”. Ele perguntou o que eu achava da nossa amizade, o que eu via. Eu falei assim: “Ah, eu vejo você como meu amigo, né, Neném, poxa eu tenho você como meu amigo”. Aí, ele falou assim: “Mas eu não quero ser só seu amigo” [risos]. Aí, eu dei uma de inocente: “Não? Você quer ser o quê?” [risos]. Ele foi e falou. Ele conversou: “Poxa, já tem um tempão que eu gosto de você e você não liga”. Eu falei: “Ah menino, eu achei que você gostava de mim por amizade”. Ele foi e falou: “Vou te fazer uma pergunta novamente” “Que pergunta?”. Ele falou: “Você lembra...”. Não, aí ele foi, me perguntou e falou assim: “Poxa, eu quero que você seja minha namorada”. E eu: “Ah? Desde quando você me perguntou isso?”. Ele falou: “Poxa, você lembra lá...”. Começou a refrescar minha memória e eu: “Ai caramba!”. Só que eu esqueci, não me lembrava mais, mas aí ele começou falando e eu falei: “Puxa vida, realmente”. Eu falei: “Vou pensar”. Aí, ele falou assim: “Vou ter que aguardar mais dez anos?” [risos]. Aí eu falei: “Nãoooo!” [risos]. Depois, aí ele sempre estava ali insistindo. Eu tinha uma colega, a Stefani, hoje ela não mora mais na Barra, mas ela foi e falou assim com ele: “Neném, se você não tomar a iniciativa você vai levar mais dez anos aguardando a resposta dela”. Então, ele que praticamente tomou a iniciativa. Nós começamos a namorar. Nós não chegamos a ficar noivo, entendeu? Nós namoramos por um período e depois nós decidimos assim, conversamos que a gente ia casar, a gente foi no cartório. Tudo com a permissão dos nossos pais, estou resumindo senão eu vou ficar aqui o dia inteiro [risos]. Aí, nós colocamos os papéis no cartório para os proclamas, tudo direitinho, e depois teve o nosso casamento. Foi muito difícil, sabe, o nosso casamento porque os papéis do nosso casamento levaram quase um ano pra chegar. Deu um problema seríssimo, eu nem sei [risos]. Deu um problema seríssimo, foi muito complicado, a gente ia lá, procurava e nada. Foi assim que eu conheci ele, mas ele sempre foi muito amigo.
P/1 – E faz quanto tempo já que vocês estão juntos?
R – Dia 27 de maio agora faz oito anos que a gente se casou. Graças a Deus, eu posso falar assim que Neném foi um presente de Deus na minha vida, entendeu? Ele é apaixonado pela filha dele, por Ester, a gente tem uma menina de cinco anos, a Ester. É a coisa mais linda do mundo, tá? [risos] Não tem criança mais linda do que a minha filha [risos].
P/1 – Como é ser mãe pra você?
R – Ser mãe pra mim é muito interessante porque eu nunca quis ser mãe, eu nunca quis ser mãe. Eu sempre achei que se eu fosse mãe um dia que eu ia morrer na hora do parto [risos]. Eu tinha isso comigo, eu tinha pavor. E eu tenho um problema de ansiedade muito grande. Para eu ter que aguardar uma criança nascer nove meses pra mim era o fim, era um absurdo. Tanto é que quando eu engravidei, eu fui ficar sabendo que eu estava grávida eu já ia completar quatro meses. Foi incrível. Minha irmã fala assim com minha mãe que Deus deu a filha de acordo comigo, que Ester foi super calma. Ester bebê recém-nascido nunca acordou de madrugada, eu nunca tive problema com ela de madrugada, porque as pessoas dizem que ser mãe é padecer no paraíso, né? É acordar de madrugada, cuidar de filho, é dar mamar. Gente, eu nunca tive problema com a Ester, ela dormia a noite toda. Então, quando eu fiquei sabendo que eu estava grávida foi até muito engraçado porque o médico tinha mandado eu fazer uns exames, eu fiz uma porção de exame e não tinha acusado nada. Depois eu fui em um outro médico aí acusou. Ele perguntou por que eu tava fazendo os exames, eu falei que eu não tava muito bem em termos, eu tava bem, só que tinha dado uma infecção. Ele foi e falou assim: “A sua infecção é um bebezinho”. Eu falei: “Ahhhh?” [risos]. Aí foi, eu já estava com quatro meses. Eu tinha essa preocupação, tanto é que eu ficava apavorada só em achar que...
P/1 – Pudesse acontecer alguma coisa.
R – É, quando eu fosse ganhar, fazer uma cesárea. Meu Deus, acho que eu morria! A pessoa saber que eu ia levar uma injeção, cortar minha barriga e nada. Tanto que a minha opção foi ter normal. E eu falo uma coisa pra você, não me arrependo de ter tido normal. Então, eu nunca me imaginava sendo mãe. A minha irmã falou pra minha mãe um dia, quando Ester nasceu, ela ligou porque eu também não tive leite, Ester levou quase 24 horas pra mamar porque a doutora não quis deixar dar o leite na seringa e no copinho pra ela, e eu não tive leite. Então minha irmã ligou chorando e falou: “Mãeeee, Ester é de acordo com Nurievi!” “Calma, Deus deu a filha de acordo com ela”. Então, hoje se você me perguntar se eu quero ter mais filho, eu vou te responder assim: “Eu, Nurievi, não pretendo mais, a não ser que seja da vontade de Deus”. Agora, para eu parar, me preparar, parar pra tomar um remédio, você nunca vai ouvir isso da minha boca, eu não pretendo. Não que eu tenha arrependimento de ter tido ela, porque filhos são bênçãos de Deus, então graças a Deus que eu tenho minha filha. Assim, minha gravidez foi tranquila, eu nunca tive enjoo, eu nunca senti nada, nunca tive vontade de comer nada. A única coisa que eu tive vontade de comer, já pertinho de ganhar, porque ela é do dia primeiro de janeiro, né? Foi uva. Sempre que passava um carro vendendo uva aqui [risos], nossa, o homem ficava falando: “Olha a uva, olha a uva!”. Foi a única coisa. Aí, meu irmão saiu pra ver a uva, para eu poder chupar. Foi a única coisa, nunca tive enjoo nem nada. Então, eu dou graças a Deus pela minha família.
P/1 – E Nurievi, eu queria falar agora um pouco mais sobre a colônia. Primeiro, eu queria que você explicasse o que é esse espaço, pra quem não conhece. Primeiro, contasse como você conheceu, como você veio parar aqui.
R – Ah, tá. A minha trajetória na pesca foi o seguinte. Apesar de já fazer parte da pesca de outro modo, de ser família de pescador, de ser filha, irmã, esposa, sobrinha... Aqui na Barra uma vez formaram uma Associação dos Pescadores, hoje ela está inativa, ela não funciona mais, mas teve. Então, eles precisavam de uma pessoa pra trabalhar. E lá na hora citaram meu nome, aí o rapaz que era o presidente veio me chamar para eu ir trabalhar. Eu fui, comecei. Só que eu comecei trabalhando na associação, mas eu sempre fazia, ajudava, fazia serviços pra colônia, que não era o Lauro, era outro presidente, então sempre fazia, a gente tinha essa parceria. Não os dois presidentes, porque os dois presidentes não tinham muita parceria, mas eu até tinha parceria com o presidente da colônia. Aí funcionou por um período e depois parou, por questões de política.
P/1 – Explica pra quem não sabe qual é a diferença, o que a colônia faz e o que a associação fazia?
R – A associação trabalha em prol da comunidade, da localidade, aqui em Barra. E uma colônia trabalha pelo município todo. Por quê? Só pode ter uma colônia no município, não pode ter outro. Associação você pode ter várias, pode formar uma aqui, pode formar uma em Lagoa Feia, pode formar mais do que uma aqui, mas é em prol da comunidade. E a colônia não, a colônia é em prol do município, da parte costeira onde há pescadores e onde a colônia atua.
P/1 – E você falou que a associação está inativa hoje, como é que foi a trajetória dessa associação aqui de Barra até ela parar de funcionar, como foi isso?
R – Política.
P/1 – Política?
R – Política. A associação começou, mas também se tivesse um pouco de força de vontade de determinadas pessoas...
P/1 – Tinha muita gente envolvida, os pescadores?
R – Tinha uma porção de gente envolvida, mas eu lembro que depois teve uma eleição e o que aconteceu depois? O prefeito mandou cortar o meu pagamento porque eu recebia pela prefeitura, e o presidente da associação não se incomodou de pegar e procurar, eu ainda trabalhei três meses de graça pra associação, depois parou. Eu falei que não ia mais trabalhar, ele também não se incomodou mais de pegar, tocar pra frente, de procurar alguma coisa e parou de funcionar, então não existe mais.
P/1 – Você definiu de um jeito legal, né? Que a associação trabalha em prol da comunidade. Você percebia, durante o tempo que ela existiu se tinha união, se conseguiu começar algum trabalho?
R – Pouco.
P/1 – Foi muito rápido. Quanto tempo durou a associação?
R – Aí, eu não me lembro, não. Mas não teve tanto assim...
P/1 – Mais de um ano?
R – Eu acho que mais ou menos isso. A associação se formou numa época de muita turbulência, foi quando aqueles navios sísmicos começaram vir, que o pessoal falava que era o chupa cabra. Nossa, era uma confusão danada! Era um briguento .Quando o pessoal das empresas vinham, meu Deus, parecia que iam matar todo mundo. Então, começou nesse período. Aí, eu fui conhecendo várias pessoas, depois teve um projeto que se formou que era um grupo de 12 pessoas que foi o Mosaico da Petrobrás, o projeto da Petrobrás, então era assim, 11 homens e uma mulher, o pessoal falava que era a bendita fruta entre os homens [risos], era só eu, então parecia que todo mundo tinha esse cuidado comigo porque era só eu, o resto era tudo homem, então, eu comecei tendo conhecimento. Aí, a associação parou, eu fui, peguei. Assim, parou e eu sempre continuei, por exemplo, o presidente da colônia me ligava, precisava de alguma coisa, eu sempre peguei e sempre falava assim, sempre que ele precisava de alguma coisa na Barra eu ajudava eles. Eu parei de trabalhar na associação, mas eu comecei a fazer um serviço voluntário, eu sempre fazia. Porque se dependesse de alguém, porque agora tem mais facilidade, mas pra sair daqui e o pescador ir lá em Gargaú era muito complicado porque Gargaú não é tão pertinho. Barra e Gargaú ficam nos extremos, né? Barra fica aqui na divisa com Espírito Santo, Gargaú é lá já pegando pra ir... Então são os dois finais do município, praticamente. De quem vem de lá é o começo e aqui é o final, e quem vem do Espírito Santo pra cá, a Barra é o começo do município, e Gargaú já é quase o final, né? Então, era muito complicado, era muito longe pra poder ir. Quando ele pedia alguma coisa eu sempre fazia esse trabalho, nunca ganhei nada pela colônia. Da parte deles lá, na antiga gestão. Aí, depois eles falaram assim que iriam montar uma capatazia porque agora é núcleo.
P/1 – Explica o que é uma capatazia, pra quem não sabe.
R – A capatazia é uma filial da colônia. Tipo assim, tem uma empresa, que tem uma sede lá em São Paulo, mas ela tem outras empresas por aqui que é a filial, é tipo isso. Tem a colônia, como é só uma por município, então não pode montar outra colônia aqui na Barra, a não ser que Barra Itabapoana se emancipasse e virasse município, entendeu? Mas não pode...
[corte no áudio]
P/1 – Nurievi, você estava falando da capatazia, né? Você estava explicando pra mim que ela é como se fosse uma filial.
R – Isso.
P/1 – E aí, você falou do serviço voluntário, que você começou, e quando você realmente veio pra começar a trabalhar de fato?
R – Aí, no caso, eu falei que teria uma aqui, na qual eu que trabalho aqui como administradora, tem a Luciene que me ajuda, e tem a Diviane, que é em Guaxindiba. Então são dois núcleos, e uma sede que é em Gargaú. Aí formou, falaram que iriam formar há muito tempo, que ia formar a capatazia, que ia formar, e formar e formar. Aí saiu a gestão e nada, e eu sempre fazendo esse serviço voluntário. Depois que teve a nova diretoria, a nova gestão, que entrou o Lauro, que é o presidente, o José Geraldo, entrou a Diviane como tesoureira, que eles começaram a se reunir pra montar a capatazia aqui em Barra, que é essa daqui. Porque também foi um projeto da Devon, que comprou a sede aqui, foi um projeto que fizeram. Eu não participei do projeto, mas eu acho, se não estou enganada, eles tiraram o segundo lugar do projeto, e conseguiram. Aí, compramos esse espaço, que hoje funciona aqui, e Guaxindiba e a mobília toda que foi essa empresa que conseguiu, através de um projeto que eles fizeram e conseguiram isso. Depois que começou a funcionar aqui nessa nova gestão foi onde eu comecei a ter um salário, a receber, porque antes não tinha. E também as pessoas anteriores não se incomodavam nem em dar uma gratificação à pessoa. Mas eu fazia isso não por eles lá na colônia, pela gestão anterior, porque é totalmente diferente a gestão que tem agora e a anterior. Agora a gente, eu posso dizer assim, e eu tenho certeza que se você fizer essa pergunta a Lauro e Diviane, eles vão responder a mesma coisa que eu estou respondendo. Hoje nós somos uma equipe, nós temos uma parceria. Porque eu acho que nada funciona se você não tiver uma parceria, nada funciona sozinho. Lauro é o presidente geral, mas dependendo de determinadas coisas ele fala: “Olha, eu vou conversar com Nurievi e com Diviane”. É muito engraçado que ele fala assim, ele não esconde de ninguém. Ele fala assim: “Essas duas são minhas secretárias de peso, são meus braços fortes” [risos]. Ele fica todo bobo assim falando. Mas realmente, a gente tem uma parceria, a gente tem a nossa hora de falar sério, a gente tem a nossa hora de brincar, a gente tem a hora de resolver os assuntos, mas eu já trabalhei em vários lugares e eu posso dizer que hoje eu tenho parceiros, eu tenho amigos e eu tenho uma equipe que trabalha junto na colônia.
P/1 – E Nurievi, o que a capatazia faz hoje pros pescadores? Que tipo de serviços, como vocês auxiliam os pescadores, como é que é?
R – A questão do seguro desemprego, que é o defeso do pescador. Antes de ter os núcleos, os pescadores teriam que ir todos pra Gargaú, e tinha vez que eles não conseguiam dar entrada no dia, eles tinham que sair de madrugada pra ir pra lá e dar entrada no defeso lá. Se fosse pra fazer um documento, a renovação de um documento pra tirar uma carteira de pesca, ou um documento de barco, eles teriam que ir pra lá, se era um curso da Marinha pra tirar a caderneta POP, eles teriam que ir pra Gargaú. Definindo, tudo era em Gargaú, por isso que era difícil. Agora não, eles resolvem, se eles têm que resolver um problema de documento, uma renovação de um documento é aqui. O curso da Marinha é aqui.
P/1 – Você falou sobre essa carteira de pescador. Então, o que me faz ser pescador, a profissão? O que me reconhece e me dá direito? É a carteira?
R – É a carteira.
P/1 – Como é que funciona essa carteira?
R – Se você é um pescador, mas se não tem um documento provando que é um pescador, perante o governo, perante uma lei você não tem como provar que você tem uma profissão. Porque o pescador artesanal é uma profissão, tanto é que na carteirinha vem assim: Carteira de Pescador Profissional. É uma profissão, e eu não vejo como não ser uma profissão, pra mim é uma profissão. Porque aqui em Barra a maioria das pessoas tem a profissão de pescador. Então, essa carteira vem do Ministério da Pesca. Antes, fazia sem precisar levar os pescadores, depois passou a ser você ter que levar os pescadores no Rio, era muito complicado porque você tinha que sair daqui às cinco horas da manhã, e chegava em casa nove, dez, onze horas, isso quando não tinha trânsito, mas teve vez que eu e a Diviane chegamos em casa duas horas da manhã com pescadores pra lá e tirar documento. Hoje não, hoje mudou a lei, mudaram muitas coisas. Hoje o pescador tira o documento aqui na Capatazia, não precisa ir em Gargaú, não precisa ir ao Rio. Hoje já tira aqui, o pessoal de Barra, Lagoa Feia, o pessoal das comunidades vizinhas tiram aqui, Guaxindiba o pessoal tira lá em Guaxindiba, e a gente faz o malote ou a gente leva no Rio, ou encaminha por Sedex.
P/1 – E qual a importância que você acha de reconhecer uma profissão, de ter a documentação, de ter a carteirinha? Qual a importância pro pescador?
R – Olha, em questão pro pescador é muito importante porque todo profissional que trabalha de carteira assinada, ou que paga o INSS [Instituto Nacional do seguro Social], tem um direito a aposentadoria. E o pescador tem esse direito. Ele tendo 60 anos e 15 anos de contribuição pela colônia dá o direito dele aposentar como segurado especial. Porque o pescador que é documentado passa a ser segurado especial do INSS, ele não paga todo mês como um autônomo paga, ele paga por ano. Geralmente eles pagam na época do período do defeso, porque precisa, então eles pagam por ano. Isso aí já é uma grande coisa pro pescador porque a gente sabe que o pescador, quando chega aos 60 anos pescando, ele já está bem cansado. Porque a pescaria machuca muito o ser humano, entendeu? Todas as profissões, cada um tem um modo de viver, mas eu tiro pela minha família, a pescaria maltrata o ser humano. Pescador tem que sair de madrugada pra pescar, com sol, com chuva, ventando ou não, a não ser que esteja uma tempestade que não dê pra sair, o mar fica bravo. A maresia acaba muito com a pele da pessoa. Tem a questão do câncer de pele que tem pescadores, muitos pescadores, que pescam, pescam, mas não se cuidam, como é, botar o chapéu, passar um protetor. Ele não tem aquela coisa assim. Às vezes, eles chegam cansados, aí vão dormir. Então, é uma profissão que é bem dolorida, mas...
P/1 – E quando você entrega a carteirinha pra eles dizendo que ele é um profissional, como eles reagem já? O que eles percebem?
R – [risos] Eu vou ter direito a receber o defeso? [risos] Eles perguntam isso. E também dá direito, tem o defeso da piracema que é de quatro meses, tem o defeso do camarão, que agora estamos no período que são três meses, tem o do caranguejo, que são dois meses.
P1 – Defeso é o quê? É o período que não pode...
R – Que não pode pescar, que não pode pegar, que não pode ter a caça do caranguejo. Tem esse período que o governo dá o direito deles receberem este seguro desemprego, que no caso é o defeso deles. Então, é muito importante o pescador estar com a colônia em dia, estar com suas contribuições, porque se ele precisar de alguma coisa do INSS, não vou dizer que a gente vai dar o benefício pra ele, entendeu? Mas a gente encaminha porque a gente só faz o encaminhamento, faz os documentos todos certinhos e encaminha eles pro INSS. Porque é muito complicado um pescador conseguir um benefício do INSS, sabe? Nossa, é muito difícil. Eles tentam segurar da melhor forma possível. Mas a gente sabe que tem pescadores que têm necessidade, a gente faz o máximo pra ajudar. Às vezes um pescador está precisando de uma ajuda.
P/1 – Isso que eu queria te perguntar agora como é que é a sua relação pessoal com os pescadores daqui? Você tem muitas amizades, se dá bem? O que você percebe? Eles acabam tendo você como uma referência?
R – Tem alguns pescadores que eu tenho vínculo de amizade muito grande. Tem aquela questão, Deus não agradou a todos, eu também não posso agradar. Tem aqueles que são bem complicados, tem os que chegam e acham que podem falar tudo o que quiser falar e a pessoa é obrigada a ouvir. Mas não é assim, eu te respeito e você me respeita, e você tem que saber o seu limite e eu tenho que saber o meu limite. Então, quando há esse limite de respeito, quando há esse respeito, a gente se dá superbem. Mas tirando isso, 90% são... Tem pessoas que chegam do mar e falam assim: “Ah, vim aqui só pra te ver”. Entendeu? Isso aí é uma coisa gratificante. Tem muitos pescadores que quase nem vêm na colônia, vêm mesmo em época de defeso, essas coisas. O que não era pra acontecer, era pro pescador estar vindo sempre na colônia. O pescador deveria vir pelo menos uma vez por mês, uma vez na semana, de 15 em 15 dias aqui na colônia: “Tem alguma coisa, não tem?”. Mas eu tenho uma relação boa.
P/1 – A comunicação aqui é uma dificuldade? Você se comunicar com os pescadores.
R – Em relação lá fora, no mar?
P/1 – Não, mesmo aqui na comunidade.
R – É assim, por exemplo, se precisa de uma coisa de emergência, se for preciso a gente sair na casa deles avisando a um, avisando a outro: “Olha, tem uma reunião, tá acontecendo isso, tem que ir lá na colônia”. A gente faz isso, a gente sai, a gente vai de porta em porta, não vai em todas porque sair na porta de todo mundo é complicado, mas eu já aviso um, o outro já vai avisando. Ou a gente trabalha com “moto som” pra passar pra anunciar. Porque uma rádio de comunicação a gente ainda não tem, né? A gente tá em projeto pra colocar essa rádio de comunicação. Quando for instalada essa rádio vai ser um sonho meu realizado, eu posso falar assim, eu posso sair da colônia que eu realizei um sonho, que é essa rádio. Eu já briguei muito. Eu já chorei. Eu já derramei lágrimas por causa dessa rádio, entendeu? Eu já briguei com pessoas de outra comunidade por causa dessa comunidade porque eles queriam tirar daqui. Então, quando colocar essa radio aqui vai ser um sonho realizado e eu vou te dizer uma coisa, vai ser um benefício muito grande para as famílias dos pescadores, até mesmo pros pescadores. Porque muitas vezes acontece alguma coisa e precisa entrar de imediato em contato com o pescador lá fora, até mesmo em caso de morte. Já aconteceu isso, e a gente não ter como ligar, ter que pedir auxílio a uma empresa, a uma plataforma. Já aconteceu isso, entendeu? De ter de ligar pra plataforma Petrobrás pra poder pegar o pescador lá fora pra poder entrar em contato com o pescador pra poder trazer porque o pai dele tinha falecido. Então, com uma rádio vai ajudar muito com um pedido de socorro, uma coisa assim, então vai ser muito importante essa rádio pra comunidade.
P/1 – E Nurievi, isso que você está falando, o que você acha que ainda tem que mudar na comunidade? Já estou encaminhando pro final da entrevista, queria que você fizesse uma análise. O que você acha que falta, o que tem que mudar?
R – Eu acho que falta o governo olhar mais pro lado do pescador. Porque a gente luta, a gente procura fazer o máximo pra ajudar o pescador, entendeu? Mas tem as nossas dificuldades, as nossas limitações. Eu lembro que teve uma coisa que aconteceu que eu não tinha ido na reunião, mas a Diviane tinha ido, e lá tinham falado que iam conseguir um retro pro município, mas só quem poderia fazer isso era o Secretário de Agricultura e Pesca. Ela foi e perguntou: “Mas eu não posso? Tem colônia, tem o CNPJ, tem tudo direitinho”. Ele falou: “Não, só pode ser via prefeitura”. Então, parece que só tinha dois dias pra fazer. Ela chegou pro secretário, ela veio desesperada porque a gente tem barcos grandes aqui que precisam de um trator e não é qualquer trator, tem que ser uma retro [retroescavadeira] pra puxar alguma coisa assim. E ela foi na secretaria, chegou lá e falou com o secretário, ele falou: “Deixa aí que eu vou pedir”. Ela falou: “Mas o senhor vai esquecer” “Não, eu não vou esquecer, eu vou pedir”. O que aconteceu? Ele falou: “Deixa aí que a minha secretária vai fazer o pedido”. Ela falou: “Não, eu posso fazer agora pro senhor”, ela se ofereceu pra fazer, “Eu faço pro senhor, é só o senhor entrar aqui no sistema e me dar o número da matrícula do senhor e eu faço”. Ele falou: “Não”. Quando passou no outro dia, que ela foi lá, ele falou pra ela que tinha esquecido. Então, o que fez? Nós perdemos uma máquina dessa, que ia ajudar muito o pescador por quê? Por má vontade. Porque pra mim não foi esquecimento, foi má vontade mesmo, entendeu? Então, eu espero que esse governo que tomou posse agora olhe com mais carinho pro pescador, porque a gente faz, se tiver de brigar em bons termos, pra tentar buscar as coisas pro pescador, mas muitas vezes eles só querem colher do pescador, mas é raro dar alguma coisa em troca. A gente consegue as coisas com as empresas devido aos planos de compensação, a gente tem um laboratório de informática aqui, a gente tem esse espaço aqui que foi de empresa, a gente tem mobília que foi de empresa. A gente tem uma grande parceira que é uma empresa, que é a Petrobrás, em questão assim, quando a gente precisa de carro pra levar um pescador ao Rio, um curso da Marinha, tudo eles ajudam a gente, entendeu? É uma das empresas, é a grande parceira nossa. Eles sempre ajudam a gente, a gente sabe que tem os impactos, mas se não fosse a parceria que a gente tem com eles seria difícil porque às vezes na semana a gente vai pra Macaé, vai pro Rio, vai pra um lugar, vai pra outro, e se não tivesse essa parceria, eu posso dizer que seria muito complicado. E hoje o pescador, qualquer coisa que ele queira resolver, ele não precisa sair pra um lugar, ele tem os locais dele, tem o local aqui, ele não sai daqui. A gente leva os documentos deles, eles preparam tudo aqui e a gente leva pra Macaé, pra São João da Barra, que agora tem a capitania em São João da Barra, pro Rio. Então a gente resolve isso pra eles. Eu acho que a capatazia colocada aqui em Barra e Guaxindiba foi uma coisa assim... Até mesmo se você perguntar aos pescadores, eles vão falar que foi uma coisa de grande benefício pra eles porque eles não tinham isso. E só foi colocada aqui em Barra depois que a nova gestão entrou porque se dependesse da anterior não teria.
P/1 – E Nurievi, já estou chegando mais pro final. Você já falou um sonho institucional que você tem pela colônia. E sonho pessoal seu, você tem algum sonho?
R – [risos] Meu, pessoal? Sei! Um carro [risos]. Eu pretendo, eu tenho um sonho, entendeu? Eu quero, se Deus quiser até o final do ano eu vou realizar esse sonho.
P/1 – Tá certo. E só pra encerrar queria perguntar como foi contar um pouco dessa história, como você se sentiu, como foi a entrevista?
R – Foi bem, foi tranquila. É importante, né? Eu acho que é muito gratificante a gente ter uma coisa marcada, falar da família, falar da vida profissional, das dificuldades. Porque, às vezes, as pessoas que vêm de fora olham assim: “Ah, é tranquilo”, mas nunca pararam pra perguntar como foi sua vida no passado, entendeu? É importante, eu acho legal a gente às vezes resgatar, parar pra conversar com alguém, contar um pouco da história de vida, porque muitas vezes as pessoas acham que a vida da gente é assim: “Ah não, hoje tá bem”. Mas não é, nós passamos por muitas dificuldades. Eu tive dificuldades na minha vida, no início do meu casamento teve muita dificuldade porque quando eu fiz um mês de casada foi na época que meu pai faleceu. Então, a nossa família ficou muito desestruturada, ficou cada um pra um canto. Eu fui pra Cabo Frio, passei uma temporada lá. Essa questão do meu pai, a família se desestruturou muito, entendeu? Minha mãe, nós. Mas, graças a Deus que hoje nós estamos firmes, unidos, mais do que nunca. Claro, né [risos] que irmão sempre tem diferença. Mas a gente tá um pouco espalhado, um está em Marataízes, outro está em Macaé, mas a gente tem aquela ligação, família, a gente é muito família, entendeu? A gente pode estar separado agora, mas se: “Olha, precisa vir, tá acontecendo isso”. Vem todo mundo, se une. Eu acho assim, os filhos de mamãe, todos, são apaixonados por ela, entendeu? A nossa mãe também por nós. Então, hoje, como a gente não tem o nosso pai, eu falo assim que a minha mãe é o nosso esteio da família. Eu não gosto nem de pensar de um dia eu ter de perder minha mãe, sabe? Mas, tirando isso é muito importante, é interessante a pessoa falar um pouco assim da vida da gente, da família da gente, da profissão. E eu gosto. Essa profissão que eu gosto, eu gosto de mexer com papel, eu gosto de estar lidando, eu gosto dessas coisas. É isso que eu gosto de fazer, apesar de vez em quando ter problemas, que isso encontra em todo lugar! Mas eu me sinto realizada, eu me sinto bem fazendo esse serviço. É muito bom quando você pega, ajuda o próximo, e alguém chega pra você e fala assim: “Caramba, eu consegui aquilo! Obrigado!”. É muito satisfatório. A gente teve um amigo que é um pescador, e ele não está mais entre nós, ele partiu, teve um problema de câncer. Nossa, ele foi um amigão nosso, entendeu? Da colônia, a gente tem esse carinho pelo pescador. Se você está com uma dificuldade, está precisando de alguma coisa: “Ó, você me procura, o que eu vou te ajudar na colônia Barra não precisa ficar sabendo, sou eu que tenho que dar satisfação ao presidente e à tesoureira quando eu for fechar as contas do mês, não é a comunidade em si que vai ficar sabendo, sou eu”. Então, tem pescadores que chegam, teve gente que falou assim: “Aqui na colônia vocês fazem papel de psicólogo, de assistente social” [risos]. Tem pessoas que chegam e confiam, porque a partir do momento que eu chego pra você e conto uma coisa particular, é porque eu estou depositando uma confiança em você, então você tem que transmitir isso pra mim, que eu posso confiar em você. Então, muitas das vezes acontece, é muito importante, é muito bom quando você ouve assim: “Poxa, obrigado, você me ajudou e eu consegui isso”, entendeu? Isso deixa a gente, levanta a auto estima da pessoa, deixa a gente feliz da vida com isso. E eu fico feliz. Quando eu olho assim, que eu vejo que é um pescador, eu fico: “Caramba! A carteira de fulano chegou!”. É muito bom você fazer isso. Nem sempre você é reconhecido pelo trabalho que faz, mas o pouco que reconhece é muito satisfatório isso.
P/1 – Tá certo, Nurievi. Eu queria te agradecer, obrigado!
R – Muito obrigada! Se precisar [risos].
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