Entrevista de Marilda Aparecida Armelin Balan
Entrevistada por Telma Salvador Barbosa e Luiza Gallo
Rafard, 27/09/2022
Projeto: Todo Lugar tem uma História pra Contar - Rafard
Entrevista número: PCSH_HV1364
Realizado por Museu da Pessoa
Transcrito por Selma Paiva
Revisado por Luiza Gallo
P/1 – Bom dia, Marilda.
R – Bom dia.
P/1 – Para iniciarmos gostaria que dissesse seu nome completo, data e local do seu nascimento.
R – Me chamo Marilda Aparecida Armelin Balan, nascida em Rafard, no dia cinco de março de 1956, na Rua Marechal Deodoro da Fonseca. De lá minha mãe, meus pais partiram para a Rua do Engenho, que fica na parte abaixo da Usina de Açúcares Brasiliense de Rafard, que era uma usina de franceses.
P/1 – E qual é o nome dos seus pais, Marilda?
R – Pedro Armelin e Celestina Pollesi Armelin.
P/1 – Fale mais sobre as suas lembranças de infância nos bairros de Rafard.
R – Então, dali, como eu nasci e já fui pra Rua do Engenho, eu tinha uns quinze dias, mais ou menos, mudamos, era vizinha da família de Arlindo Bit e Dona Aparecida Caetano Bit e do outro lado, sendo fundo de quintal da família Guerino Quadros e de lá eu saí criança, bem criança ainda, mas era um lugar muito gostoso de morar, a Rua do Engenho.
P/1 – Você consegue explicar pra gente a localização, mais ou menos, a cidade hoje e onde ela estaria localizada, a Rua do Engenho?
R – Hoje estaria... não tem mais as casas, certo? Todas as ruas ali, que pertenciam à usina estão tomadas por bagaço de cana e também uma parte que ficaria na parte da bomba, que fala, né, eu acho que vai até ali, porque eu não estou tendo tempo de visitar lá, o local, pra ver como que está realmente, mas sei que tudo ali é cana, bagaço. E quando você vai da Rua Maurício Allain e chega até em frente a usina de açúcar, que é a entrada, é uma das entradas, fica no lado direito desta rua, antes de chegar na usina, está o escritório da Raízen. Antigamente era dos franceses, Usina de Açúcar Brasiliense e depois foi vendida para a Ubasa e acredito que foi União São Paulo, que foi a época que eu trabalhei, eu trabalhei quase dez anos lá, no Departamento Pessoal e as ruas ficavam mais abaixo, que ali da usina tinha a linha da maquininha, que passava atrás da estação, existe ainda a estação ferroviária, só que ela não funciona como transporte, de pessoas, de carga, de nada. Antigamente sim, era transporte de pessoas e de cargas e o trem passava ali, que vinha de Piracicaba, falava Ferrovia Sorocabana, que a origem deve ser de Sorocaba e ali passava o trem, que era uma delícia de estar ali, sempre esperando o trem, com pessoas indo e vindo, chegando e partindo, como diz a música, e era muito divertido. Então descendo essa ruinha aí das linhas, eu falo rua porque hoje eu memorizo assim, aí já começava a Rua do Engenho. Tinha a primeira parte, que até você, Telma, morou.
P/1 – Morei, morei lá, no casarão.
R – Lembro de todas as famílias que moraram ali, algumas que anteciparam a minha morada lá pra baixo, eu não sei, então muitos saberão. Aí tem a segunda parte, que ficava descendo, certo? Em linha reta, tinha a segunda parte, que eram as casas da avó do Chico Rebete, Dona Norma Bósio, que os Bósios e Norma Bósio, que era filha do Miguel, moravam no casarão que pertenceu a Júlio Henrique Raffard. Vizinho do Júlio Henrique ou dos Bósios, José Miguel Bósio, que era o jornalista da época, tem um bom tempo que eu o conheci, morava o Guerino Quadros. Pulando a rua, na outra esquina era a família do Aurélio Sotto, ele era massagista do RCA Club.
P/1 – RCA Club era o clube que tinha, de campo?
R – De recreação, de futebol.
P/1 – Ali mesmo, na Rua do Engenho?
R – Tudo é na Rua do Engenho, ali. Tinha eles, e inclusive tinha a Zenaide, foi professora aqui no Grellet, foi professora de uns sítios por aí, que pertencia à Rafard, à usina, bem dizer, porque as fazendas todas pertenciam à usina. E depois delas tinha a família do Osório Cardoso de Oliveira, que eram compadres dos meu pais. A gente vivia um na casa do outro, era, assim, muito legal, tomar café, sabe? E vai, por aí vai. As meninas, minhas amigas, os meninos, fui madrinha de formatura de um e um irmão dele também, do Zé Dumas, foi meu padrinho de baile de debutante e vizinho deles tinha a família Groppo, ‘seu’ Orlando Groppo, Dona Adelina. Depois tinha a família do ‘seu’ Avelino Barros, também tudo conhecido, tudo amizade, muito bom. Depois era a família dos Lirani, ‘seu’ Evaristo e Geni; depois era a família de Bilo e Zé Scrivano; depois era a família do Castorino Di Paula, que inclusive a mãe dele... não! Era ‘seu’ Lazinho de Almeida e Dona Lifonsina, depois era a família do Di Paula. Nessa casa havia uma senhorinha, baixinha e gordinha, muito boa, ela era benzedeira e a gente tinha até medo de entrar lá e ver aquele santuário, que a gente não sabia o que era, não entendia. A gente só sabia da cruz, no caso, da Igreja Católica e Nossa Senhora e quando a gente via aquele pedestal, aquela coisa assim, com tanto santo que tinha, a gente ficava com medo, mas não era nada disso, ela era muito boa, ela benzia, dentre várias coisas, eram várias atividades que ela fazia, pro bem, sem cobrar nada de ninguém. Era uma pessoa boníssima, boníssima mesmo e eu lembro muito dela, muito.
P/1 – Marilda, todas essas pessoas aí moravam na Rua do Engenho, que era conhecido como bairro Bate Pau.
R – Isso.
P/1 – Você sabe nos explicar o porquê do nome Bate Pau para esse bairro, para essa rua?
R – Então, segundo que eu sei, essa rua foram umas famílias que moraram, que antecederam as nossas. Então eu não sei dizer quais eram as famílias. Talvez o Guerino morava, ou a família do ‘seu’ Aurélio Sotto, o ‘seu’ Avelino. Então, eu não sei dizer isso daí. Eu sei que foi Bate Pau porque brigavam muito e chegavam a bater o pau pra bater no outro, mas que eu saiba nunca ninguém bateu realmente, machucar com pau. (risos)
P/1 – História que o povo contava, então?
R – Então, para o pessoal assim, eles zoam muito: “Ah, vocês são lá do Bate Pau”. Tudo bem, somos do Bate Pau, mas e daí? Tudo bom, porque era assim: as crianças brincam e brigam e tem famílias que interferem, que ficam ‘de mal’, por causa das crianças e por aí vai. Mas descendo essa rua, na parte de baixo, voltando ou virando a casa do Castorino, ou voltando a rua, descendo a casa do Aurélio Sotto, eu fui morar nessa casa aí, vizinha dos Bits e do Quadros. Indo pra lá, à esquerda, no caso, tinha ‘seu’ Arlindo Bit, que era um homem que tinha as vacas lá, tinha um poço no quintal dele. A gente brincava muito no poço, mas era tampado e era desativado, mas a gente brincava de cirquinho. Então lá o Ildo Bit e a irmã dele Zilda, que é minha amiga, fazia o cirquinho, então ele punha uma colcha da mãe dele, amarrado lá, aqui e ali e a gente ia cantar, recitar e ele, como gostava de cantar, até hoje ele canta e ele cantava ainda músicas assim, como dizer? Em espanhol. Daí a gente recitava, mas tinha que pagar um palito bom, (risos) então ele formava uma caixa de fósforo: “Vamos lá. Vocês vão ter que pagar hoje, vai ser dois palitos, três palitos” e por aí vai. Aí ele ganhava uma caixinha de fósforo boa, mas ninguém ligava, depois que a gente foi entendendo: “Que danado! Ele queria uma caixinha de fósforo”, mas enfim, era tudo divertimento, tudo brincava e era muito divertido. Eu estou vendo o circo na minha mente. Então, continuando o Arlindo Bit ali, nós brincávamos de circo. Partindo dali, vizinha deles era a família do Castelo, ‘seu’ Junin Castelo. Ele era um poeta, um senhor idoso mesmo que, na época, a gente era criança, ele já era idoso, que seria até tio do Arlindo Bit, que é irmão da mãe dele, da Amabile e a Dona Maria, pessoas boníssimas, eles. ‘Seu’ Junin sempre gostava de declamar, então na frente das nossas casas, todas elas na parte nossa, de baixo, na de cima não, na rua de cima tinha... os seus banheiros eram no quintal e os nossos eram na frente da casa, sendo no segundo quintal da turma da frente. Então, lá era assim: uma casinha, metade era minha, metade era sua família. Era assim que funcionava. E tinha a escada e embaixo descia o esgoto pluvial, de chuva, não esgoto de banheiro, totalmente diferente. Eram feitos todos de tijolos arredondados, como se fosse esses canos de hoje, feito de tijolo. Então a gente sentava na escadinha e ele falava: “Vem aqui, criançada. Sentem aí. Eu vou declamar pra vocês”. Assim que ele falava, baixinho. Eu não lembro as poesias, porque a gente era muito pequeno. Nós aplaudíamos e ele saía todo feliz e ali a gente brincava de passa-anel, de contar história, de cantar, de recitar também e a gente brincava muito na rua, que era tudo terra e a gente brincava de bastão. Os meninos, no caso, mas as meninas também entravam e eu também, que era meio moleca, brincava também de bastão. Lá uma vez ou outra um tomava uma bastãozada na cabeça, (risos) na perna e assim vai. Brincávamos de roda, brincávamos de arco. Tinha um brinquedo, eram os meninos, um arco de ferrinho, assim e tinha um gancho, vamos dizer, era uma haste e tinha uma coisa assim na ponta, que nem um gancho, mesmo. Aí esse gancho ele punha assim na roda e ia rodando e apostava corrida, quem chegava primeiro com o arco sem cair. Essa era a brincadeira.
P/1 – Não podia derrubar o arco.
R – Brincava de pneu. Quem tinha pneu eram as charretes, carroça que tem lá, o pessoal que tinha. Quem tinha charrete era o ‘seu’ Arlindo Bit, Euclides Anacleto acho que Almeida o sobrenome dele, o pai do Chico Rebete, que era o Luizinho Marques, ‘seu’ Luizinho Pagliardi e o ‘seu’ Vitório Ferrareto, que é toda a rua. Eles tinham carroça e tinham charrete e ficavam todas guardadas lá no fim da rua, que era um acampado e cada um tinha a sua garagem, mas naquele tempo falava Mangueira. Falava: “Está guardado na Mangueira”. Bom, então a gente brincava nessa rua, a gente brincava muito de ciranda-cirandinha, de roda-roda, de marré, marré. Não sei se vocês conhecem.
P/1 – Lembro, conheço.
R – Então, as meninas... era assim: umas eram marré pobre, outras marré rica. Então eu sou pobre, pobre de marré, eu sou rica, rica… (risos). Canta a música. (risos) Então sempre falava o ofício de dar a ela, era ser empregada, era ser... carpir, então não gostavam, aí saíam emburradas e iam embora. (risos) “Não quero brincar mais”. E quando era para ser professora, então tudo ficava feliz, porque todo mundo tinha essa convicção de querer estudar para ser professora. Eu também tinha, só que como eu fui ensinada à costura, minha mãe costurava, então ela me ensinou a costurar. Eu era bem menina, eu fazia vestidinho de boneca, eu cheguei a fazer um guarda-roupa com caixa de sapato, os cabides eram caco de pau, assim, de bambu, no caso e pegava os arames lá da cerca, enferrujado mesmo e fazia o cabide, fazia os vestidinhos, pendurava e punha tudo na caixa, furava a caixa, punha o pauzinho lá e punha os cabidinhos. Então minhas amigas tinham inveja, porque só eu que tinha aquele guarda-roupa. Imagina a pobreza, mas uma pobreza feliz, porque a gente criava muito. Então isso daí, a tampa era a porta, então: “Fiz o guarda-roupa” e elas: “Ai”, queriam também. Mas o meu pai também era engenhoso, ele fazia para mim e para as meninas, vassourinha, por que o intuito das mulheres era o quê? Ou era ser professora, ou ia ser mãe, dona de casa. Primeiramente mãe, dona de casa, isso aí. Com a emancipação das mulheres, um pouquinho mais adiante, foram ficando as professoras. Bom, até então eu fui crescendo assim, nesse meio: minha mãe costurando e eu aprendendo. Com doze anos já comecei a fazer meus vestidinhos.
P/1 – Pegou gosto, né?
R – Que era estilo baby look que falava, com linha A, que eu entendo melhor hoje. Linha A, linha H e por aí vai.
Bom, então nesse período aí a gente brincava muito e a gente ia também no Barricão. O Barricão era um lugar onde as mulheres mais antigas lavavam as roupas e a água era de todas as nascentes que tinham na região, inclusive das casas da usina, todas as casas tinham quintais, tinham pomares. Então a gente ia brincar no Barricão. O Barricão era o quê? Caía água lá, dia e noite caía água. Imagina quantos lençóis d'água tinham aqui em Rafard! Mas foi, acabaram com tudo, essa é a verdade. Pode cortar, mas eu estou falando, era verdade. Todas as nascentes de água. As casas das usinas maravilhosas, feitas, foram construídas com material da França e Inglaterra, porque junto com o Júlio Henrique veio um inglês e ele era engenheiro. Aí como na época Dom Pedro deu a Carta Magna, naquelas épocas, não no período do Júlio Henrique, ele é filho do Raffard, ele nasceu no Rio de Janeiro, então o pai dele que veio da França, se estabeleceu no Rio de Janeiro. Então o pai dele, que veio da França, se estabeleceu no Rio de Janeiro e quando Dom Pedro deu essa Carta Magna para construir usinas de açúcares, então foi dada e foram escolhidos os lugares e então foi escolhido aqui que, na verdade, não seria a usina aí onde é. Era pra ser na fazenda de Itapeva, por causa das quedas d’água. Então talvez alguém conte essa parte, que eu empolgo pra dizer isso, porque eu fiz parte não dessa época, mas eu sei da história.
Então eu vou voltar no meu tempo: então, lá nesses lençóis d’água caía água lá nessa caixa de água e a mulherada lavava roupa, até que construíram os tanques de lavar roupa, ou vasca, como falavam: “Vai lavar na vasca”. Mas que palavra é essa, que eu não entendo até hoje o que significa? (risos) Vasca que eu sei é um lugar pra lavar roupa. Bom e a gente brincava na água, entrava, porque era que nem se fosse piscina, porque era toda aqueles quadrados, tudo cheio de água, em abundância e ia caindo e formou um riachinho, sabe? A gente denominou de Regão. Descendo o Regão era tudo pasto, do lado direito desse Barricão tinha os tambores de álcool, vários tambores de álcool, porque armazenavam álcool lá e aí a gente ia brincar até ali, abaixo, formava assim: toda aquela água ia atrás dos tambores, lá embaixo, tudo lá e ali crescia muito agrião, que o passarinho transportava semente de lá e de cá, era só agrião. O que nós comemos de agrião daquela água limpíssima e cada um tinha o seu pedaço. Ai se você chegasse, aqui é meu lado e não demarcava com fio, com nada, com pau. Era o ponto, era assim que era demarcado. Então cada um ia catar o seu agrião lá e as mães ficavam contentes, né, lógico. E ali tinha também uma casinha, que era da bomba, fazia parte da bomba, não sei se ela gerava alguma coisa, isso eu não sei dizer. Quem trabalhava ali era ‘seu’ Zé Scrivano. Tanto na de cima, do Barricão, era ele, que até a gente subia a escada e ficava espiando lá em cima aquela enorme piscina d’água, limpíssima e quando ele via a gente subir lá ele quase morria, porque tudo criançada e subia lá, porque a escadinha era assim, né? Não era escada de degrau, era escadinha, vamos supor, de ferro, acho que era, você entendeu? Não tinha segurança. Se escorregar o pé era fatal e ele ficava bravo.
Voltando na rua, então tinha o ‘seu’ Castelo e depois dele tinha a família do Chibarro, ‘seu’ José Anacleto, que era um negro muito bom. Eu vejo aquele homem, era um santo homem. Velho. Para mim era mais velho, porque a gente era bem criança. Ele era muito bom. Aí o filho dele, o Chibarro, a gente tinha medo dele, porque ele era um homem muito enfezado, sabe? Um olhar! Que nem coruja quando fica brava, assim. A gente morria de medo dele e falava que ele parecia uma coisa. (risos) Então a gente tinha medo dele, porque ele era bravo, mas a gente brincava, as crianças, os filhos, as filhas, a ngela, a Marli, o Nenê. E tem mais dois que eu não lembro o nome deles, que nasceram depois. Depois deles tinha a família do Júlio Sofioni e Dona Catarina, eles tinham um filho que falava Teco, ele era aviador, eu não sei, acho que era no Rio de Janeiro. Quando ele vinha, ele tirava foto da gente, que eu tenho foto aqui, ele que tirou. Então ‘seu’ Júlio era, vamos dizer como se fosse hoje, servente escolar ou inspetor de aluno, propriamente dito e ele tomava conta do parquinho, que o parque não tinha no Grellet, na escola do Grellet. Tinha lá no campo da RCA. Atrás onde você morou, Telma, tinha as outras casas, lá atrás tinha a família Estanislau, acho que só, mas que ainda era o Scrivano, irmão do Zé, esqueci o nome dele agora. Depois, descendo mais a rua, era o quintal das suas casas, da sua e Gonçalves e aí tinha o fundo lá, que morava o Estanislau, que era Frango Cheio o apelido dele. Ele era famoso, esse homem, pode anotar. Ele era um homem que tinha dificuldades mentais. Eu não sei se ele foi sempre assim ou se ele ficou assim, eu não sei dizer, eu sei que ele só falava do Repórter Esso e todo mundo tinha que assistir o jornal Repórter Esso, que era acho que sete horas da noite. Tocava a música lá, aí ele parava, ele ficava com a mão no peito, sempre de camisa verde e gravata amarela. Era sempre assim. E ele andava com um farolete. Às vezes ele parava na frente do trem vindo lá, ele parava com o farolete pra parar o trem, que tinha que parar. Eles paravam porque tinha que parar mesmo, mas era perigoso e lá vai a turma toda, correndo e quando a gente via isso, a gente se divertia, porque a gente, até então, não entendia o que era, o que não era, pra nós era engraçado. Mas as mães sempre falavam, porque eu lembro muito da minha mãe, que ela sempre falou: “Não caçoe de ninguém, não fale nada de ninguém”. Quando eu fui maior ainda ela falava: “Não fale nada de política”, quando a gente era mocinha, porque senão seu pai vai preso. (risos)
P/1 – Naquela época era outro regime.
R – Era, mas era melhor do que está hoje, em pontos. Bom, então voltando, ‘seu’ Júlio trabalhava no parquinho da escola e tinha também ‘seu’ Cariocão. Era um senhor negro, altão, fortão, sabe, muito bom também, os dois. ‘Seu’ Júlio tomava conta de lá e o ‘seu’ Cariocão tomava conta do campo e tinha uma família lá da Izaura, que foi vizinha sua também e os filhos dela eram todos grandes e eles queriam ir lá no parquinho e não podia. Então, ‘seu’ Júlio falava: “Não pode!” Eles pulavam a cerca e entravam no parquinho. ‘Seu’ Júlio abria um portão enorme, de madeira, e falava: “Vocês têm que sair, vocês não podem” e aí a mãe deles ia lá brigar, era até hilariante, porque (risos) os grandões queriam brincar junto com os pequeninhos. Até então, depois foi feito o parque no Grellet, mas foi bem depois, que eu lembro, que daí as outras crianças que aproveitaram o parquinho e até hoje. Bom, enfim, daí indo, aí mudou ‘seu’ Luiz Marques, quando o ‘seu’ Sofioni, ‘seu’ Júlio acho que faleceu ou adoeceu, o filho o levou embora, eu sei que ele faleceu.
P/1 – O Júlio Henrique?
R – Não. ‘Seu’ Julio Sofioni. Bom, daí vieram os Rebetes. Era uma numerosa família e eu vivia lá, nossa! Eu vivia em todas as casas, porque eu ajudava a limpar a casa, eu era uma faxineira ótima, então eu ajudava. A única casa que eu não entrei pra limpar foi a do Chibarro, porque ele era muito bravo. (risos) Então aí tinha ‘seu’ Luiz de Assis. ‘Seu’ Luiz de Assis, quando ele morava, a esposa dele morou lá, Dona Natalina, uma mulherzinha brava, mas ela era boa pra gente. Acho que, se eu ajudei a limpar a casa lá, foi uma vez e olha lá! Mas depois eles se separaram e ela foi embora e ele ‘amigou’ com uma mulher lá, Dona Luiza. Dona Luiza era muito engraçada, ela saía e eu conversava com ela assim: “O bem adora ‘chicrória’, eu vou fazer ‘chicrória’ pra ele” e a gente ‘rachava’ de dar risada. Dali, vizinha deles era a família dos Alcebíades, que tinha o Chico Bucheiro - Alcebíades Mendes de Oliveira - que vendia bucho, várias coisas em cestas e as filhas, que ele ficou viúvo cedo e as filhas uma cuida da outra, inclusive tinha a Eliana, que era minha amiguinha e até hoje a gente tem amizade e certa vez ela e Maria Adelina, irmã de Chico Rebete, brincando, eu queria brincar, uma não queria que entrasse e a outra não ‘fazia conta’, no fim não queria que eu entrasse também, aí fiquei brava e por baixo das escadas, onde a água escoava, elas brincavam lá, porque lavava e era tudo de tijolo, ficava limpinho, então brincava ali e quando elas estavam brincando, eu entrei por baixo e tchum, atirei uma pedra nelas. (risos) A Maria Adelina… era pra acertar na Maria Adelina, mas a Eliane bobona pôs o cabeção, acertou nela. Ela tem uma marca aqui até hoje. (risos) E quando a gente se encontra, a gente relembra desse malfadado dia, mas você entendeu, ficou de mal e tudo aquilo. Então me chamavam de Russinha Ruim, porque eu era bem loira. Russinha Ruim. Você faça uma ideia como eu era ruim. (risos) Isso era bullying, seria. Enfim, daí foi babababababa, tudo beleza, passou o tempo e a gente se comunica até hoje, é muito bom.
P/1 – Marilda, você viveu a sua infância no Bairro Bate Pau, na Rua do Engenho. Na sua adolescência e na juventude, você viveu lá também? E se você viveu, você pode descrever pra gente?
R – Um pequeno período da adolescência, então chegando lá eu vivi até 1970, quando deu grande enchente, mas até lá eu vou falar ainda da família da Izaura, que morou ali, vizinha do Alcebíades. Dona Izaura, com a família numerosa também, uma mulher bonita, com os filhos bonitos e inteligentes e brinquei pouco tempo com a Sandra, porque eles logo mudaram de lá, mas tenho amizade com eles até hoje. Depois era a família do Pagliardi ou Pargliardi, como queira, uma numerosa família, ainda morava a Dona Maria, sogra da Dona Carmem e ‘seu’ Luizinho Pagliardi. Ele trabalhava na usina, assim como todos, a maioria trabalhou na usina e ele vendia também, nas horas vagas, pães, frutas e como eu vivia lá com as meninas, eram minhas vizinhas grudadas, Maria Aparecida e Cláudia e tinha os irmãos também, Luciano, Neno, Ademir e o tio Augusto, moravam tudo lá e eu vivia ali, então eu ajudava a limpar a casa direto, aí eu ganhava mexerica, laranja, pães, almoçava lá ou elas vinha almoçar em casa, mas era mais eu que almoçava lá, porque eu vivia ajudando as pessoas, eu cresci ajudando as pessoas, simplesmente ajudando e eles eram muito engraçados e aí nós brincávamos no quintal e vai e vem na casa, a avó delas tinha umas cabras e então eu e Aparecida fazíamos alguma malvadezas (risos) com as cabras. Não vou contar esse período, (risos) porque foi demais. A avó dela, quando viu, saiu correndo atrás de nós com um pau (risos) na mão, um cabo de vassoura, ela saiu: “Ô, suas danadas, vocês fizeram nananã”. Não vou contar, mas o pai dela tinha uma canoa.
P/1 – Marilda, você estava falando sobre a canoa. Você pode continuar e descrever com mais detalhes, por favor?
R – Sim. Então, ‘seu’ Luizinho tinha uma canoa e quando ele ia pescar ele dava um jeito de levar até o Regão, aquele Regão famoso e descia pro Rio Capivari, que passava lá pra baixo, mas não era muito longe, não, e eu e as meninas, Aparecida e Cláudia, a gente pegava a canoa, mas era assim: então as enchentes que deram, sempre dava enchente, todo ano dava enchente, nós vivemos no meio de enchente, então vinha até o primeiro quintal. O que significa isso? Nas casas que os franceses projetaram pras famílias tinham o primeiro quintal e você criava galinha, porquinho, babababa, cabra, o que quisesse. Fechando, tinha um outro quintal que fazia jardim, horta. Minha mãe tinha horta, jardim e na minha memória eu tenho as esporinhas, as margaridas e as rainhas margaridas, que devem ser gérberas ou gerberas que fala, a flor, e era encantado, eu vejo o jardim da minha mãe. Ali, numa parte era jardim, na outra parte ela plantava milho, para comer milho cozido, fazer curau. Outras eram só verduras, do lado onde tinha as duas vascas, tinha duas vascas: uma você ensaboava e na outra você passava a roupa. Nesses dois lados aí tinha uma roseira, que dividia quintais e do outro lado tinha uma parreira de uva, dava uva. E antecedendo aos vascas, que eram os tanques de lavar roupa, tinha o banheiro e todos eles tinham banheira feita de mosaicos de um lado, porque era bem grande, era um quadrado, era um quarto, bem dizer e de um lado a minha mãe guardava, em um banco, os mantimentos, que eram tudo em saco: de arroz, de feijão, de açúcar, óleo, que era - se comprava litros de óleo, litros de vidro - colocado com uma bomba, vinha o tambor de óleo comestível, lógico e tinha uma bomba que você enchia as garrafas, ou litro de óleo. Minha mãe guardava tudo lá: vassoura, réstia de alho e de cebola, tudo assim. Então, continuando pro quintal, aí saía lá no pasto, onde eram lugares que vertiam água, por causa daquelas águas que desciam do Barricão, então elas invadiam. Então, ali sempre tinha o quê? Rãs. Meus irmãos caçavam rãs, outros moleques caçavam rãs. O pessoal que vinha de fora, os parentes que vinham de São Paulo, de Campinas, de Jundiaí vinham lá e encomendavam rãs. Meus irmãos caçavam fileiras de rãs, e nós comíamos também. Delícia! Sabor frango a passarinho, só que muito mais gostoso, muito mais sequinho. Rãs de ranário de hoje não é legal, o gosto é bem diferente, ruim, pra mim pelo menos, e nós saboreávamos um monte de rãs e peixes, porque o meu pai também pescava e às vezes o meus irmãos iam, no Rio Capivari, que era mais limpo. Era mais limpo assim: a usina soltava, pelo chuveirisco que tinha nesse pasto, tinha um grande chuveirisco, que eram as saídas de água quente que desciam da usina, espirravam pra cima, numa boa altura, esfriava a água e descia para o Rio Capivari. Nesse córrego, que não era tão pequenininho, descia numa rampa, inclinada mesmo a rampa e a gente ia brincar lá de piscina e quando não estava funcionando, porque era época de safra, você ia nos tubos de cano e soprava, um na cara do outro, que as águas ficavam ali. Olha a dengue, haja dengue! Mas não tinha nada disso, só era enferrujado. Então, se soprasse saía ferrugem em uma e em outra e assim era, brigava, bababa e ia embora ou então a gente descia nessa rampa, com a água, quando estava chuveirisco assim, que estava muito forte, a gente não entrava, porque era forte a descida, mas quando estava mais suave, a gente descia ali e tchu, caía na cachoeirinha, se escondia até atrás da cachoeira e lá formava aquela panela, o Regão, formava aquela panelona, assim. A gente vinha correndo e pulava, todos os meninos e meninas, que eram os irmãos das amigas, meus irmãos, era tudo nós ali e alguns que vinham de outras ruas, daqui de cima, também queriam brincar lá. Às vezes dava algumas encrenquinhas, mas era tudo assim, _______. Enfim, dava as enchentes, enchia tudo e os primeiros quintais enchiam de água. Muitos anos encheram até a escada da cozinha, nas vascas, subiu tudo, mas logo abaixava e, quando subia as enchentes, o rio subia, dava enchente, eu, Aparecida e Cláudia pegávamos a canoa do pai dela e remava, abria a porteirinha lá e saía pro pasto. O pai dela queria morrer. Ele não estava lá, mas as mães gritavam: “Onde que vocês estão, onde que vocês estão?” E nós nem ligávamos. A gente ia e quando muito descia uma na água, segurava no bico da cana e ia indo, outro remava e aquela ia lá, nadando, naquelas águas sujas. Era assim, um barro… não era barro, mas era amarelada, porque saía terra, saia areia. Então, era assim, mas a gente se divertiu muito, muito, muito nisso daí. Até que deu a enchente de 1970, aí as nossas casas encheram até o telhado, só apareceu o telhado e todo mundo teve que mudar, que foi uma enchente muito feia. E quem estava no cinema a gente escutava assim, acho que até eu estava uma vez no cinema, escutava o apito da usina, que era o alarme, aí alarmava, porque subiram as águas, porque até então não estava tão alto as enchentes, aí que começou a mudança, tudo correndo, correndo, correndo, caminhão da prefeitura, usina, tudo ajudava. Quem tinha caminhonete ajudava. O povo se uniu para essa enchente, pra esse momento, que foi bem difícil. Aí tivemos todos que mudar, porque o Doutor Faria, José Soares Faria foi lá ver todas as casas e ele chegou à conclusão que ninguém deveria morar mais lá, porque até então, nas casas que eram perto do campo, que era atrás lá da sua e de outras, também enchia de água. A casa do Rebete, do Bósio, chegou… acho que do Bósio não chegou, porque ela ficava bem alta e lá atrás era uma escadaria, atrás da casa deles, que foi do Júlio Henrique e a casa do meu tio, que era o Quadros, que ele morava nessa outra esquina, encheu mais um pouco, ela era no alto também, então acho que o porão, até a escadinha da rua lá acho que ela chegou. Olha o quanto encheu! Onde eu morei, atrás, ali perto do campo, também encheu de água, só que nós voltamos a morar lá, porque a casa... quer dizer: aí nós ganhamos essa casa, porque até então todo mundo foi morar, ficar o tempo que fosse necessário no refeitório da usina, todas as famílias ficaram lá, as famílias puseram seus guarda-roupas, guarda-comidas, suas cômodas, tudo enfileirado, fechando em círculo ou quadrado pra ficarem ali dentro. Eu e a minha irmã, meu pai não queria que dormisse lá, porque tinha os moços todos da rua, mas era tudo gente tão boa, mas aguçava, né, poderia aguçar. Ou então espiar. Então o meu pai conversou com os compadres, com os conhecidos dele e então eu fui dormir na casa da minha madrinha de batismo, que era Hermes e Terezinha Bragalda e minha irmã foi dormir acho que na casa de Maria do Zuza Pellegrini, que é o Serafim Pellegrini, que nessa época ela não trabalhava lá. É, acho que foi por aí. Então todo mundo ficou ali, até que depois abaixou tudo, o Doutor Farias foi lá e falou que não ia morar lá. Então daí quem mudou para outras casas, porque quem tinha casa de aluguel foi morar na casa, então sobraram casas. Então foi dada pra essas famílias. Outras foram morar em Capivari e assim foi e nós fomos morar perto do campo, que era também Rua do Engenho. Então, voltando ali, ali foi a minha adolescência, bem dizer, daí eu comecei a estudar, eu fui estudar na escola técnica de Capivari, fiz o curso de contabilidade no SEMEC, de 1973 a 1979 eu estudei lá. Então minha adolescência foi ali no campo e foi também na Rua Tietê, que depois nós mudamos de lá, que a casa era melhor, aí o meu pai conseguiu e mudamos para a Rua Tietê e hoje a Rua Tietê só tem a parte de cima, na parte de baixo só está a frente das casas, atrás ela está cheia de bagaço.
P/1 - Essa Rua Tietê é a que dá nova entrada da usina? Nova portaria?
R1 – Isso.
P/2 – Marilda, que histórias, recordações você tem com seus pais? Se você puder contar um pouquinho pra gente o jeitinho deles.
R – Sim. O meu pai era muito conservador, a minha mãe também era, mas mais maleável. O meu pai era um homem muito trabalhador. Então quando ele entrou na usina cortava cana, na fazenda Santa Alice, que meu pai casou [com a] minha mãe e foram morar lá e meu tio Manoel Quadros, que trabalhava na usina, precisava de empregados lá, mais gente, aí ele falou pro meu pai, aí chamou o meu pai, aí o meu pai veio morar no Coqueiro, subindo a Pio XII, onde hoje é a Morada do Sol, em Capivari. De lá ele mudou nessa casa que eu nasci, acho que eu e o meu irmão Cláudio, Beto nasceu ali e depois que nós mudamos lá pra baixo, então as lembranças do meu pai são de lá de baixo, do Bate Pau, da Rua do Engenho. Então o meu pai era um homem enérgico e não tinha diálogo com o meu pai, era o essencial pra ele. Agora com a minha mãe, não. Tudo ela nos ensinou: quanto a se comportar, aonde for, falar. Ela estudou até o segundo ano de escola, depois saiu, porque o pai não [a] deixava estudar. Então fez até o segundo ano, mal-acabado, mas escrevia e lia e então ela ensinou tudo pra gente. A minha mãe era um pouco brava também, mas ela era assim, criativa. Meu pai também era, mas a minha mãe era criativa. Eu tenho o dom do meu pai, mas eu tenho o dom mais da minha mãe, tanto pra costurar, como ela fazia com aqueles matos corriqueiros que tem por aí, que a gente falava birizinho, umas coisas assim tudo peludinho e aquela haste comprida. Então ela pegava aquilo lá e comprava papel crepom, na loja da Dona Cecília Borghesi, tintas que ela tinha lá pra tingimento, lãs, ela vendia tudo de aviamento, essas coisas e mais coisas ainda. Então minha mãe mandava comprar. Ela fazia picadinho com os papéis, bem picadinho, tudo colorido, fazia cola de trigo e água, passava os birizinhos e jogava os papéis. Minha mãe fazia colchões de biri, que é o taboa que falam hoje, que você acha na beira de brejo, que tem aquelas _______, tem toda aquela haste, é uma coisa cilíndrica, assim, sabe? Não sei se vocês chegaram a conhecer. Marrom, caramelo. Ela desfiava tudo aquilo e fazia colchão. O meu colchão era de biri e de palha. A maioria era assim, quem era mais pobre era assim, mas era chacoalhado. Dormia, só que você chacoalhava, punha biri chacoalhado, era fofão, aqueles lençóis tudo limpíssimos, as fronhas, as cobertas, no caso. Você dormia lá, no outro dia era a mesma coisa, tinha que fazer isso aí e quando fomos crescendo ela foi ensinando a gente, então, a fazer isso, só que depois mudou, foi colchão de mola, colchão disso e daquilo, ou então de espuma, tudo renovação, tudo desenvolvimento das coisas, dos móveis. Ela fazia isso daí, fazia toalhinhas pra cristaleira, mas ela tinha um bufê, que eu tenho a parte de baixo dela, que eu passo roupa hoje. O bufê era a parte de baixo, fechada, com a portinha lá e a de cima era tudo de vidro, guardava os copos, as xícaras bonitas. Ela fazia as toalhinhas para aquelas prateleiras, então ela recortava papel de seda, todos os desenhos, dobrava tudo e recortava do jeito dela, aí abria e punha lá, então parecia uma renda. Era muito bonito, eu fiz muito isso aí também (risos) pra brincar, essas coisas, não que eu usasse.
P/2 – Marilda, você estava contando de algumas histórias dos seus pais e eu queria também aproveitar e te perguntar se você lembra do dia que você aprendeu a costurar com a sua mãe, se foi um dia marcante, como foi?
R – Sim, claro que foi marcante, porque de lá pra cá eu fui desenvolvendo a minha criatividade, eu criei bastante coisas, não assim à venda, mas assim na minha vida e também alguns trabalhos que eu fiz. Vamos dizer assim: o último trabalho que eu fiz foi um vestido junino, com as bonecas à volta toda, uma ciranda de bonecas e aí eu coloquei uma menina pra ir dançar na escolinha dela, foi esse ano e então essas bonequinhas eram o quê? O noivo com a noiva, os pais dele e os pais dela e as amigas, como se fosse a festa de casamento. Então é essa a razão daquele vestido. Então, assim, ou eu alugo, mas era assim: eu emprestava, como toda a minha criação dos vestidos juninos, eu dançava e ficava guardado, até que um dia muitas - na terceira idade, quando eu entrei - queriam o vestido, então eu falei: “Olha, então eu vou alugar”. Era baratinho, porque todas querem aquele, querem aquele, querem aquele, não dava. Eu falei: “Eu vou alugar”. Quem queria mesmo ficava, alugava e quem não queria alugado ficava sem. Mas eu não poderia, eu não me sentia bem. Dou pra essa e pra essa e pra aquelas não, então eu não me sentia bem com isso. As minhas criatividades foram empregadas assim. Tem uns projetos que eu quero fazer de trabalho, expor e vender. Tem uma coisa assim, que inclusive eu estou vendo, acho que depois que eu postei o meu vestido com a ciranda lá, apareceram muitas coisas no Instagram, coisas que eu tenho o meu pensamento de criar. Então, bateu ali, inclusive minha professora de faculdade postou ela com a amiga dela, que fez uma coleção para bonecas. Então eu já imediatamente me identifiquei, eu falei com a minha professora Daniella Romanato: “Daniella” - a ideia que ela expôs, fez – “eu tenho as minhas ideias” e ela falou: “Então faça, porque você é criativa e você fez belos trabalhos na faculdade”.
Então, voltando, lá, quando a minha mãe fazia essas toalhinhas, ela também pegava os papéis de crepom e tingia os biris, tingia algum tecido pra fazer os negocinhos dela lá. Então, era toda cheia de toalhinha aqui, toalhinha ali, que hoje eu não uso toalhinha nenhuma. (risos) Era muito gostoso. Pra aprender a costurar eu fazia a roupinha das minhas bonecas. Então, eu falava: “Mãe, como que faz?” e ela falava: “Vem aqui que eu vou ensinar”. Eu era pequena mesmo, eu tinha uns seis anos, por aí, que eu fazia. Aí com sete anos eu fui pegando mais. Eu aprendi a fazer tricô com a minha prima e cheguei a fazer luva de tricô. Minha prima Célia que ensinou, ensinou a bordar. Então eu fui aprendendo todas essas coisas nessas idades e a minha mãe sempre lá. Quando eu tinha uns onze pra doze anos, eu queria meus vestidinhos, já não mais de menininha, então ela falou: “Então vamos lá, vamos cortar”. E a minha mãe tirava no dividendo, que tinha naquele tempo, que era assim: onde comprava, no armazém que era cooperativa, que tinha a cooperativa aqui, era um armazém que você comprava de tudo, tinha a loja também. Algum pessoal vai explicar ou já explicou. Tinha a loja lá em cima, então a minha mãe comprava tecidos, roupas, lá, algumas roupas, porque ela fazia tudo. Ficava um dividendo, eu não sei explicar bem isso. Toda família tinha um dividendo que eles dividiam. Era, vamos supor, como se fosse um abono, eu acho. Restava lá um lucro e eles dividiam, acho que é isso, para as famílias. Então minha mãe tirava os tecidos, aí ela fazia as camisas dos meus irmãos, roupa pra gente. Então tinha uns tecidos lá e um dia eu peguei um tecido, era branco de estrelinhas verdes e era só isso, a estrelinha, verde escurinho. Eu peguei aquele vestido e falei: “Vou fazer esse daqui” e fui cortar, aí minha mãe interveio: “Por que você pegou esse pano? Esse daí é da sua irmã”, ela ficou brava e tal. Aí eu falei: “Mas eu quero esse daqui pra fazer o meu vestido” e aí ela me ensinou, que foi esse vestido baby look branco, de estrelinha verde, uma prega aqui no meio, central, com libite. Libite é um recorte aqui, cavado, decotadinho e só, curtinho, mas aqui, que depois eu usava aqui, escondido do meu pai, (risos) porque não podia usar batom, vermelho nem pensar, esmalte vermelho. Eu saí do Bate Pau em 1970, com quatorze anos, que foi em fevereiro, depois em março eu já fiz... não, eu fiz quatorze anos em março de 1970, que daí teve meu baile de debutante, em novembro, porque eu fiz baile de debutante. As pobres, as paupérrimas foram debutar, (risos) eu fui também. Então, esse vestido eu não fiz, porque eu já trabalhava na fábrica. De lá pra cá eu sempre costurei, sempre fui envolvida em costura, mas antes de eu trabalhar em fábrica, eu costurava sutiã em casa. Minha mãe tinha duas máquinas de costura, uma dela e uma da minha irmã, que era levada como enxoval. As mulheres, naquela época, algumas tinham que levar a máquina de costura no enxoval, tinham que saber costurar e aí eu costurava sutiã lá, minha irmã também costurava, depois ela entrou pra trabalhar na casa de família, acho que foi... bom, foi da minha irmã, isso aí é outra história e eu fiquei ali, até que eu fui fazer faxina na casa de Dona Cotinha, que era a mãe de Vitória Chiarini, que tinha fábrica de sutiã também, só que aqui em Rafard tinha várias fábricas de sutiã. Tinha a Tita Marretto, Dona Maria Fontolan e Vitorinha Chiarini. Eu fui trabalhar na fábrica deles e a minha irmã depois foi trabalhar nessa fábrica da Maria Fontolan. Eu fui trabalhar com a Dona Cotinha, ela falou: “Marilda, por que você não vai trabalhar na fábrica? Meu filho está precisando”, mas nessa época eu tinha doze anos, só que antes de eu ir trabalhar até de sutiã… eu vou voltar a história: eu fui trabalhar de empregada doméstica com dez anos pra onze, na casa de Betinha Colombo, a poetisa de Rafard. Bernadete Colombo Valadez. Ela foi minha madrinha de casamento. Os pais dela eram compadre e comadre dos meus pais, que tinham crismado o meu irmão. Então, era tudo assim, família. Eu saía da escola e parava na casa dela, almoçava, aí eu arrumava a cozinha, limpava a cozinha, aí eu ia limpar a casa, lavar banheiro e tudo. No outro dia não lavava banheiro, nada disso, eu passava roupa, dava uma ajeitada na casa e passava roupa, lençóis abertos, não era nada dobrado, sem rugas, sem dobras. Era assim. Queimei o braço duas faixas, assim. Tem até um pouquinho ainda a marca e outra vez, limpando a casa, eu limpava mesmo, eu fui limpar as duas luminárias, do lado do espelho, enfiei um paninho lá (risos) e tomei o maior choque. (risos) Aí socorreram, porque nossa, mas não fez nada, eu só levei aquele choque e desligou lá, pronto, mas essa era a minha vida de adolescente. E ia passear, aonde? No Cine Paratodos, no Cine Polytheama. Uma vez, duas no ano, ia nos bailinhos, que nem eu fui madrinha do Josi, eu tinha doze pra treze anos. Foi em 1972. É, eu tinha uns doze anos, era muito novinha. Já parecia um mulherão. E aí eu fui, dali é que eu estudava, nessa época que eu estava de empregada, eu saía da casa dela cinco horas da tarde e ainda eu ia no armazém, comprar as coisas pra casa, depois que eu ia embora. Ganhava “quatro contos” na época, eu não esqueço isso. E daí lá a Bernadete me ensinou a bordar, eu sei bastante bordado, eu ajudei a bordar o enxoval dela, maravilhoso, aquele enxoval rico de bordado, tudo à mão. Tem coisa que ela me ensinou, que eu tenho até hoje lá em casa. Eu vou achar um crochê que ela ensinou a fazer crivo. Muita saudade dela. E assim sucessivamente eu fui... como se diz?... subindo de posto. A subida de posto minha era a fábrica do sutiã, depois da fábrica do sutiã, eu entrei lá em 1972, eu trabalhei lá e eu saí em 1976. Não, minto. Eu fui registrada em 1972. Eu entrei lá em 1967. Saí em 1976, que entrei pra trabalhar na prefeitura, que foi assim: me escolheram pra trabalhar lá, fui. Quem me chamou… o tempo era o Ricardo Albiero... Hermano Albiero que era o prefeito, no lugar do Braz Félix e daí a Sonia Assalin... Sonia Albiero que foi me chamar e daí eu fui trabalhar, trabalhei só o período que mudou de prefeito, mandou tudo embora, então, mas tudo bem, valeu a pena, por quê? Porque eu aprendi várias coisas. De lá eu saí...
P/2 – O que você aprendeu?
R – Coisas assim de escritório, coisas que eu nunca imaginava que teria: registro de coisas da prefeitura, que eu nem lembro bem o que é, isso eu não lembro muito, mas aí quando eu saí de lá, que mandou embora, eu fui trabalhar na fábrica de Capivari, que é a minha adolescência, que foi da irmã do meu marido. Eu o namorava e ela tinha fábrica de costuras, eu fui trabalhar lá, fiquei dois anos e uns meses. Saí de lá porque entrei na Gráfica Colnaghi, escritório da Gráfica Colnaghi, em Capivari. Saí da gráfica, fiquei acho que seis meses lá, aprendi também muita coisa: a fazer conta de cartões, sabe os cartões que põe na máquina, lá? Fazia manualmente, contar as horas. Ainda eu lembro que era uma empresa empreiteira de - o nome dele eu não lembro, mas eu estou vendo a cara do homem - pedreiro, essas coisas. De lá eu saí, que eu fui chamada na usina, por quê? Aqui na União São Paulo. Porque eu sempre sonhei trabalhar na usina, eu passava a minha vida inteira, eu subia aí pra ir pra escola, e depois pra trabalhar na fábrica. Então, eu saía dali e eu passava e eu falava: “Um dia eu vou trabalhar aqui, um dia eu vou trabalhar aqui”. Então é tanta convicção que eu entrei pra trabalhar lá, mas isso foi em 1979, foi dia - deixa eu lembrar bem - 25 de julho de 1979 e saí em janeiro de 1988 e foi pós falecimento da minha filha, e meu filho minha mãe olhava, mas ela ficou doente também, muito atacada de todo o processo que houve e aí eu saí. Então eu trabalhei lá quase dez anos, no escritório da usina, no Departamento Pessoal, fazia apontamentos. Então coisas que eu aprendi no Colnaghi eu não utilizei na usina, mas eu sabia fazer. Inclusive tinha um que trabalhava lá e ele falava assim: “Como que faz o recolhimento do INSS? Como que faz o de fundo de garantia? Como que faz o não sei o quê? Bababa”. Eu falei o que eu sabia e o que eu fazia lá, aí ele falava que não, que estava errado, que não era bem assim, eu falei: “Bom, cada firma faz dentro da lei, mas do seu jeito, aqui é diferente”, eu respondi isso pra ele. E um dia também que eu achei marcante, porque já estava com uns vinte e poucos anos, mas era bem jovem e eu fui chamada de burra e eu senti, senti assim, sabe, pensei: “Não, eu não sou burra, eu tenho minha inteligência”. Tanto é que provei isso em uma reunião na sala - um tempo depois, um bom tempo depois - de reunião nossa, ali, rápida, que teria que fazer o seguinte: quem trabalhou horas extras durante a semana ganha o domingo e quem faltou perde o domingo, que é o DSR, o RSR, repouso semanal remunerado. Quem trabalhou horas extras ganha o acréscimo, porque ia ganhar o acréscimo das horas no domingo também. Aí saiu a pergunta e eu falei: “E quem faltar?” Eu levantei. Então quem me chamou de burra não perguntou, mas eu falei: “Então quem trabalhou, ganhou as horas extras, ganha no DSR?” “Ganha, porque ele trabalhou, mesmo que ele falte ou vá doente e não apresente atestado, mas ele ganha o acréscimo”. Aí o meu chefe falou: “Muito bem exposto”. Então a gente não pode ficar dentro de uma concha, porque alguém chamou você de burra, chamou você de lerda, chamou você disso e daquilo. Você vai evoluir, no momento certo você tem a resposta. Não precisa se alterar, não precisa. Bom, mas eu vou voltar um pouco lá na infância, pode ser?
P/1 – Pode.
R1 – Lá, depois da minha casa, depois do Pacapim, do Luiz Pagliardi, o chamavam de Pacapim não sei porque, acho que era por causa de muito passarinho que ele tinha e aí éramos nós, que daí você entrou com a pergunta: “Como era a relação com os seus pais?” Então era assim: meu pai rígido. Se passasse batom ele ficava bravo e mandava tirar, vermelho então nem pensar: “Tira essa coisa feia da boca, pode tirar isso”, mas a gente nem passava, era raríssimo um tom mais fortinho de batom. Minissaia também não, mas eu usava minissaia, mas não era essa minissaia aqui. Eu tenho uma cicatriz aqui, de furúnculo, porque nós tivemos muito furúnculo na infância. Então ele fazia tomar sal amargo, tudo que ele mandava fazer, tomar remédio e comer, a gente tinha que obedecer. Então como eu estava falando do meu pai, nosso relacionamento era muito restrito, mas ele trabalhava na usina, como eu já tinha dito, lá da fazenda veio morar na usina, na casa da usina, que foi quando eu nasci e nós mudamos para lá e de lá ele ficou, aposentou e de lá ele fez a casa dele, em três anos, que é na Paul Madon.
P/1 – Rua Paul Madon?
R – Rua Paul Madon. Mas ele era assim: todo mês ele recebia o salário dele, ele gostava de tomar umas pinguinhas e ele ia no bar do Nhô João, que era na esquina, subindo a estação. De um lado era a casa do Zabé, ‘seu’ Zé Abel, falava Zabé e do outro lado era o bar do Nhô João. Lá tinha diversos doces, bebida, era restaurante também, o único. Aí meu pai recebia o pagamento, às vezes ele ia tomar uma pinguinha lá e comprava pra gente um pacote de doces. Então era restrito isso, porque nem sempre dava pra comprar. Então, ele comprava um pacotão de doces diversos: cocada branca, rosa e preta, que falava, na época; suspirão com aquelas bolinhas; doce de batata, sequilho, esses doces. Aqueles copinhos de waffer, com os docinhos dentro. Fazia o pacote e levava em casa, então era uma festa aquilo lá. No fim de ano a gente comia verdura do quintal, galinha, ovos, pata, minha mãe criava, criava cabrita também, tinha dois cabritinhos, a coisa mais linda e comprava o mais necessário, era isso. Minha mãe fazia os doces, sonhos, doce de abóbora, mamão e laranja cidra e fazia os pudins, que era caçarola italiana, que até muito antes dela ficar doente fazia, sonhos enormes. Ovo de Páscoa ela fez uma vez o ovo de Páscoa que era uma bola, feita que nem beijinho, só que ela pôs Toddy, já existia o Toddy na época e fez as bolas e lá era ovo de Páscoa, que a gente nem sabia o que era, mas não sei aonde nós vimos e ficamos aguçadas, então ela fez os ovos de Páscoa. Ela também fazia macarrão, várias comidas, mas tudo simples, gente: molho de tomate ela fazia com os tomates. Então nós fomos aprendendo muita coisa desse tipo assim com a minha mãe, mais com a minha mãe.
Bom, vizinha do meu pai tinha a família do Vitório Ferrareto, que era muito amigo do meu pai, queria muito bem. Eu vivia lá na casa deles, olhava as criançadas que vinham de Santos e de Itu, que eram as netas e netos da Dona Ercília Ferrareto e depois eu fui pra praia, com dez anos, fui conhecer lá, fiquei um mês na praia de Santos e na praia de Camburiú, porque lá também tinha essa praia, que fica em Itanhaém e ia passear em Itu. Tudo de trem, saía seis horas da manhã, chegava às nove e meia da noite lá em Santos. Então tiveram esses pequenos passeios. Pra mim foram enormes, na época, muito bom. Ele tinha carroça e charrete e ele emprestava pra gente ir na fazenda Bela Vista, onde o meu nonno morava, que pertencia à usina de Rafard e a gente ia, ou ia a pé, daqui lá, que é lá perto, indo pra Piracicaba, perto de Mombuca. Entrando pra cá era Mombuca, esquerda e direita descia pra Fazenda Bela Vista e lá a gente ficava domingo, sábado à noite, domingo o dia inteiro e vinha à tarde, à pé, pelo Coqueiro, onde era cheio de árvores, ipês amarelos e roxos, maravilhosos, lado a lado. Acabaram com tudo. E daí a gente vinha embora toda contente, porque ia brava, porque não queríamos ir, porque a gente era mais ‘mocica’, então não queria ir na fazenda. A gente vinha toda feliz na estrada, cantando, correndo, era uma delícia e às vezes ia com a carroça do ‘seu’ Ferrareto, que eles eram muito bons também, então tudo se aproveitava. E depois que mudamos de lá, com a enchente, em 1970, mudamos lá perto do campo e também foi muito divertido morar lá, com a vizinhança que tinha, que era a rua, retrocedendo do Bate Pau, que pertencia ______ ali, que tinha vocês; tinha a família do Scrivano; a da Isaura, não lembro agora o nome dela, da mãe; tinha o Gonçalves; tinha a família de Celi Bedendo; depois tinha a família do Antunes, que inclusive um filho deles morreu eletrocutado na ponte que tinha da balança, na usina, ele caiu lá embaixo e morreu; e depois tinha a família da Marina... ai, como chamava? Vera Marina e depois tinha a família do Zequita, que eram amigas minhas também, todas elas e depois tinha uma outra família, que era do… ai, essa aí eu não estou lembrando e depois tinha a família de Celina - que era cabelereira nossa – Ribeiro. Daí, na outra esquina era o avô de Chico Rebete. Descendo a rua do campo lá tinha a família Reles, que era na esquina; nós que mudamos, só que antes era a família Lorenzon; depois era a família do La Piazza; depois a família do Honora, que era a Sueli Honora, aquele casão. Descendo pra frente da rua era a família Ricomini; a família Batagin; a família de Taina Honora; Dona Angelina e da Benzica e Lambeu Bragion. Lambeu não sei por que o apelido dele era Lambeu. Na esquina lá era minha prima, meu tio Manoel Quadros e indo a rua antigamente era o Ferrareto que morava lá, irmão daquele Ferrareto vizinho meu, que é Anis Ferrareto. Depois que eles mudaram de lá, quem mudou ali foi a família Sanches e depois tinha a Amabile Castelo. Era uma senhora idosa, benzia também e vivia lamuriando que não estava bem, mas vão falar acho que dela, alguém vai falar, não vai?
P/1 – Acredito que sim.
R – Ela fazia os bailinhos dela em um quadrado, atrás da casa sua e do lado da casa de Sueli Honora, pegava essa casas aí: sua, Estanilau e era um quadrado o salão, não sei o que tinha ali antigamente. No nosso tempo que era criança, menina, mocinha, fazia festa junina. Depois tinha um descampado e ela fazia fogueira e ela fazia a festa junina ali, mas só era gente adulto, criança não e falavam mal, falavam que lá era um lugar de folia, de coisas assim, eu não vou entrar em detalhe. E depois ela fazia festa junina, ela se vestia a caráter, de noiva, o marido dela de noivo, pegavam o trem em Capivari, desciam aqui, deixavam na estação e pegavam a charrete toda enfeitada e vinham até o salão. Nessa época a gente até ia ver. Era muito lindo, divertidíssimo, que era a avó de Ildo e Zilda Bit.
Rafard, 28/09/2022
[Parte 2]
P/1 – Marilda, primeiramente quero agradecer pelo segundo dia de entrevista, por estar colaborando com esta história de vida do Museu da Pessoa, mas eu gostaria que você falasse sobre o seu casamento, como você conheceu seu esposo.
R – Sim. Eu agradeço também por estar aqui novamente, é uma satisfação. Eu conheci meu marido estudando na escola técnica de Capivari, no MEC... no SEMEC. Então eu lá na classe e os meus amigos conversando e tudo bem, bababa, toda aquela coisa de amizade da escola, muito boa, e aí um dia o Claudio Maschietto me disse: “Marilda, se eu apresentar um primo meu, você conversa com ele?” Aí eu falei: “Converso, mas ele tem que se apresentar, não precisa de intermediários” e foi assim. Daí um dia, eu saindo para ir embora, porque eu pegava o ônibus às seis e meia da tarde e voltava conforme o horário das aulas, terminava ou não, ou faltava um professor, então a gente chegava quase meia-noite e eu, nessas saídas pra ir embora pegar o ônibus, que tinha folgado uma aula, esse Cláudio foi atrás de mim e chamou o Odailton. Um moço lindo, lindo, lindo (risos) e aí ele me apresentou o primo, digamos assim, que não era primo. Daí ficamos conversando, só que como eu tinha que pegar ônibus, então eu: “Tchau” e fui embora. Aí nos dias seguintes a gente foi conversando, fomos dar uma volta até a praça, mas ele lá e eu aqui (risos) e aí fomos conversando e foi o entrosamento e começamos a namorar, na escola técnica. Esse período durou onze anos, entre namoro e noivado, aí nos casamos, em 1984, aí dois anos tivemos a nossa primeira filha, a Júlia, que já citei pra vocês o histórico, né? Foi um casamento muito feliz, com todos os problemas caminhando juntos, que estamos até hoje, e daí a Júlia nasceu, logo eu também fiquei grávida do meu filho Felipe, ela tinha um ano e quatro meses quando ele nasceu e foi tudo maravilhoso. Eu trabalhava na União São Paulo, no Departamento Pessoal e estava tudo indo maravilhosamente bem, até o dia fatídico do acidente da minha filha, onde ela veio a falecer e eu fiquei com o Felipe, mas nesse período eu ia fazer até uma cirurgia de laqueadura, para não ter mais filhos, para ser só os dois e o meu médico me disse, antes do parto: “Pense bem, que eu deixo você decidir”. Aí eu decidi por não fazer. E ainda ele me disse: “Nós não sabemos o que pode acontecer no futuro”. E tudo aconteceu, minha filha foi e aí fiquei com o Felipe, foi muito bom, porque eu amava os meus filhos e amo e fui vivendo a minha vida, da melhor maneira possível, mas era impossível não passar todo aquele drama, aquelas dores muito profundas, mas eu fui superando. Aí eu fiquei grávida do Henrique, o Felipe fez dois anos, dali uns dois meses eu tive o Henrique também, que foi uma benção, mas eu esperava outra menina, eu queria, desejava outra menina, mas Deus mandou outro menino e eu não acreditava nem no ultrassom. O meu marido viajava, ele tinha um caminhão de transporte junto com o irmão dele, então ele ficava muito afastado da gente. Então eu atravessei todo esse caminho, a minha travessia foi mais sozinha com os meus filhos, mas não que quando ele viesse, voltava, ele não participava. Sim, participava, mas era pouco tempo. E aí eu com a minha família, a minha família sempre interagiu junto comigo, sempre ali apoiando, ajudando, especialmente a minha irmã Neusa, mas a falta é inevitável, mas foi assim, fomos superando. Aí do Henrique, Henrique com dois anos, ele fez dois anos, aí nasceu o Tiago, que foi quase no mesmo dia, que foi 22 de fevereiro e ele 25 de fevereiro. E foi também uma bênção, porque era um bebê muito... todos eles saudáveis, minhas gravidezes foram ótimas, nunca passei mal, nada, nada e foi assim, foram crescendo comigo, praticamente sozinha com os meus filhos, mas eu levei os meus filhos em tudo que eu pude levar: no clube de campo, aprenderam a nadar, os levava em circo, em parques, andava de ônibus, passeava no Jardim de Capivari, comprava pipoca, comprava algum doce, sorvete e sempre foi assim. Em festa de peão, aqui no campo. E foi muito bom, eles viveram uma infância feliz, mesmo sem o pai totalmente presente. Mas eu repito: ele foi presente quando ele estava.
Então foi tudo bem, mesmo com todos os processos que a gente teve que passar emocionalmente, mas fomos superando e eu sempre trabalhando, mas nesse período da Júlia eu trabalhei ainda mais um tempo na União São Paulo, onde eu pedi demissão, em janeiro, não aceitaram, mandaram conversar com o gerente, mandou me chamar e conversar pra eu não sair, porque era melhor eu trabalhar e procurar uma psicóloga. Eu procurei, mas bem depois, muitos anos depois. E aí, nesse período eu tive que ir em psicóloga, levar o meu filho Felipe, porque ele estava um pouco agressivo. Do Henrique já não, mas ele também teve umas coisinhas lá. Assim, nada grave, nada de psicóloga, nada, mas foi superado. E o Tiago, como eu já citei, ele bloqueou a fala. Então, foram períodos difíceis, mas superados, com a benção de Deus e por mim mesma, porque eu quis sair daquilo, eu não quis permanecer naquilo, porque foram longos anos difíceis. Assim como nossa família, como o todo, todos os problemas familiares e fomos superando, então tanto que nesse período eu tive uma depressão, após uns cinco anos, mais de cinco anos eu tive uma depressão, onde eu procurei a psicóloga e fui. E aí eu fui também desenvolvendo todo esse processo emocional e melhorei muito. E aí eu fui convidada por Betinha Colombo, Bernadete Colombo Valadez, que era a poetisa da cidade, minha madrinha de casamento, para fazer parte do Coral Doce Terra e também participar das danças e quadrilhas juninas. E fui, pedi pro meu marido e ele autorizou, digamos assim, eu iria do mesmo jeito, (risos) mas por respeito e tudo, ela fez esse convite e ele permitiu e eu participei todos os anos, até que entrei na terceira idade, no Grupo da Terceira Idade, participo da coreografia, da dança, que tem tanto aqui como fora, nos jogos regionais, que se diz e participo hoje também da coreografia, faço academia, minha saúde é boa, mas tem sempre que procurar ver alguns probleminhas que vão surgindo durante a idade e a gente vai vivendo, da melhor forma possível.
O meu maior sonho, voltando um pouco disso daí, eu fui fazer até faculdade de Moda, em 2008 e isso foi assim: uma paquera do meu filho foi em casa, no fim de ano e, conversando com ela, ela disse que desenhava bastante coisa. Eu falei: “O quê?” Ela falou: “Eu desenho roupas”. Eu falei: “Por que você não vai estudar, fazer uma faculdade de Moda?” Ela falou que não tinha condições e não sabia costurar. Aí eu propus para ela: “O que eu posso ajudar você, o que eu puder fazer, eu vou ajudar. O que eu posso fazer, no momento, é ensinar você nas costuras e não cobro nada. Eu tenho as máquinas, tudo e você viria o dia que você pudesse”. Aí ela falou assim: “Eu vou pensar”. Aí com essa ideia dela, ela expor os seus desejos, me alertou, aí eu falei: “Por que eu não vou fazer?” Aí, sabe, foi um comentário entre eu meu filho e o meu marido e eles falaram, o meu marido: “Se você acha que deve fazer, quer fazer, vá, né?” E foi assim, no ímpeto. Já consegui informações com umas meninas que estudavam e aí elas me informaram todo o procedimento, chamei o meu irmão, me levou até a CEUNSP em Salto e lá fiz a matrícula. Fiz a inscrição. Eu tive que fazer a matrícula em outro dia. Nesse dia foi o meu sobrinho que levou e daí foi tudo concluído. Eu fiz também a prova. A prova não foi... como se diz? Foi uma prova dissertativa, onde eu escolhi um texto, de um a dez, número cinco, onde eu tinha conversado tudo isso com a entrevistadora, a que fez a prova e ela falou: “Coloca tudo que você falou para mim” e aí eu coloquei. Ela deu essa dica, já, mas elas falaram que eu ia colocar tudo aquilo mesmo. O que eu falei pra ela era o que realmente eu queria. E aí eu comecei a estudar, que foi no dia dois de fevereiro, se eu não me engano, de 2008. E entrei, com o coração doendo (risos) de deixar os meus filhos, moços já, mas eu ia chorando no ônibus. Pegava o ônibus seis horas da tarde e voltava quase meia-noite, em casa.
P/2 – Qual é o nome do curso, Marilda?
R – O nome do curso é Tecnologia em Designer de Moda. Mas lá você não aprende só a desenhar croquis, a roupa, não. Lá a gente tinha várias matérias, inclusive a História da Cultura e da Arte. Então aí entrou os assuntos, quando foi o meu TA foi a cultura, vamos dizer que seja, porque foi inspirado, tudo, nas olimpíadas da China. Então lá a gente teve que trabalhar em cima disso aí, dentro do que foi apresentado pra gente: o campo onde foi a festividade, as cidades, alguns pontos da China, porque ela não era totalmente aberta ainda, né? Então o tema foi esse daí. Eu fiz o meu TA inspirado nas sombrinhas chinesas. Não as sombrinhas fabricadas, de adornos. Nas sombrinhas de planta, que tem uma planta que parece muito com as sombrinhas, porque as sombrinhas chinesas ornamentais foram inspiradas nessa planta. Não lembro o nome, porque é um nome científico lá, eu não lembro. Bom, enfim, eu fiz o meu TA em cima disso.
P/2 – O que é TA?
R – É Trabalho... ai, meu Deus!
P/2 – Acadêmico?
R – Acadêmico, isso. É um trabalho acadêmico feito no ano em que você fez a primeira etapa. Aí eu fiz o vestido em linha reta, com o pelerine plissado. E a gente tinha que colocar também sobre artesanato e o artesanato nós aprendemos com a Toninha Quagliato, que ela ir dar aula de sábado, depois que a gente chegava da faculdade, na minha casa, no porão onde eu trabalho. E as alunas que eram do grupo, cada grupo ia aprender um artesanato ou, se soubesse, ia aplicar na sua roupa. Então nós fomos lá. Eles vinham em casa, chegavam uma e pouco da tarde, almoçava ou não, já preparava lá o lugar e eu fazia café, um bolo pra elas e a Toninha vinha e ensinava. Nós temos o planejamento. Eu poderia trazer, né? O planejamento dos bordados, que era em fitas e o bordado em fios de linha, que é um tipo de acabamento que se aplica junto. E nesse vestido do TA eu apliquei as flores de fitas no decote, na barra e na gola do pelerine plissado. Teve o desfile, nós temos também foto do desfile. É filmagem que tem. Quem tirou foto... eu não tenho, porque eu nem levei máquina, não sei por quê. Então foi muito lindo o desfile de todas essas meninas, os meninos que fizeram. Aí, em 2009, continuando o curso, que tinha aulas de criação, que você inspirava em alguma coisa, você tinha que fazer... achar figuras em revistas e aplicar. Então você tinha que fazer o briefing, tinha que fazer o bodyboard, tinha que fazer o release de toda essa criação, porque não é só você desenhar e fazer lá: “Pronto, eu fiz”. Não. E fomos aprendendo também os desenhos. O meu, as minhas cabeças eram uma forma de lula, parecia um ET meus desenhos, (risos) até que eu fui amadurecendo, mas eu não sou técnica no desenho, eu desenho chapadinho o modelo da roupa, mas eu sei desenhar o croqui, certo? E foi muito trabalhoso, mas valeu a pena. E aí em 2009 teve a inspiração que foi o nosso TCC, Trabalho de Conclusão de Curso, que foi inspirado nas obras da Tarsila de Amaral, porque ela sendo nossa conterrânea, então nós fizemos o trabalho inspirado, que foi eu e a Marilia Piazza e o trabalho foi extraído de algumas obras da Tarsila, então extraímos do Abaporu, do quadro A Negra, do quadro A Boneca, do quadro O Lago e creio que só esses e aí fizemos o quê? As estampas inspiradas no Ovo do Urutu, eu desenhei as estampas e pedi para uma moça que pintava e daí fizemos as outras peças, que foram em forma do Ovo do Urutu, que seria os vazados, aplicados em pontos estratégicos nas roupas. Eu tenho algumas peças e a minha amiga Marilia tem outras, guardadas. E tem o meu book criativo, que demonstra todo esse trabalho que é feito para a conclusão do curso. E aí também teve desfile e o desfile foi maravilhoso e a música que acompanhou o meu desfile foi Brasil com S, porque sempre põem Brasil com Z, que é errado, o Brasil se escreve com S, seja onde for. Então teve a conclusão do curso e teve a formatura e foi tudo maravilhoso, porque o meu sonho é ter o meu ateliê, que até hoje não concretizei, que está começado no alicerce, só, porque até então, onde seria o meu ateliê era na esquina, porque eu queria um lugar visível para expor os meus manequins com as minhas criações, só que não foi possível, que então eu tive que transformar o meu ateliê na minha casa própria. Eu tive que fazer umas modificações, que estão terminando agora, ainda faltam várias coisas, mas está terminando. Procuro, estou querendo mudar até o fim do ano e depois, posteriormente, dar continuidade e fazer o meu ateliê, porque até então vai permanecer no lugar que está, no porão da casa ao lado, porque não tem condições de levar todas as minhas coisas pra casa, não cabe, de maneira nenhuma. Então fica assim: eu fico na esperança de conseguir concluir, que não será uma coisa tão exuberante, mas que dê pra eu trabalhar melhor, em um lugar mais bonitinho, no caso, todo equipado e prosseguir o meu caminho, até onde Deus quiser. Então eu acho que, se tiverem mais alguma pergunta, pode fazer.
P/2 – Sim. Marilda, depois da União São Paulo, que outros trabalhos... você fez outros trabalhos?
R – Quando eu saí da usina, porque eu tive que sair mesmo, porque a minha mãe estava doente, porque ela que ‘olhava’ a minha filha e ‘olhava’ o Felipe, então eu voltei a trabalhar, mas isso, eu fiquei quase um mês na minha casa, depois que a minha filha faleceu e o chefe meu, do Departamento Pessoal, ligou, Paulo Cereser ligou e disse: “Marilda, volta a trabalhar”. Aí eu falei: “Paulo, eu não sei se eu volto”. Ele falou: “Volta, você precisa trabalhar e também por outro motivo: aqui vai dar como abandono de emprego, então eu estou alertando, eu quero que você volte, porque vai ser melhor para você e você vai ter uma vida melhor, assim: mesmo que você sofra certas coisas, vai ser melhor pra você trabalhar, porque não convém você ficar só em casa”, porque nesse período eu andava com o álbum da minha filha embaixo do braço e era uma coisa assim, difícil. Até um dia uma amiga minha, Ilza, eu não sei se ela ia indo na minha casa me visitar, ou se ela ia passando na frente, escutou o meu choro, aí ela pediu licença e entrou, me chamou, me chamou, me chamou e ainda ela ficou assim, exclamando: “Marilda, o que é isso? Marilda!” Ela me abraçou e disse, que eu nunca esqueci: “Marilda, você tem outras vidas que precisam de você: esse menino que está aí, o seu marido, os seus pais, a sua família, então viva pra eles, pra você e pra eles, em especial pro seu filho”. Então foi uma coisa muito gratificante, que penetrou em mim. Então eu tenho esses dizeres dela, da Ilza. Até quando eu encontro com ela, eu falo: “Ilza, você falou isso pra mim”. Ela falou: “Marilda, eu não lembro”. Porque ela passou também por muitos problemas, então nem tudo vai lembrar, e eu falei: “Jamais esquecerei”. Ela agradeceu por eu lembrar desse conselho que ela deu. E foi muito bom. Então eu costurava em casa porque, mesmo trabalhando na União São Paulo, as minhas amigas de lá queriam que eu fizesse algumas roupas para elas, então eu fazia. À noite eu só tinha o Felipe e eu punha a minha máquina de costura na cozinha. Depois eu mudei pro hall. Então ficava uma sujeira de linhas, de coisas. Eu falei: “Não, eu vou deixar tudo lá no porão”, onde eu passei pro porão, onde é a lavanderia e tem um outro cômodo, só que é apertado, não dá para expandir, mas está muito bom. E eu continuei costurando. Então, quando eu saí da usina, eu comecei a falar pra uma, pra outra, as outras foram passando pra outras, até o dia que eu fiz o meu cartão de visitas, que era rosa, não é azul, porque ele é azul e branco hoje devido as cores que têm na nossa bandeira de Rafard e também da França, porque o meu cartão de visita é Village de France, em homenagem ao fundador, Júlio Henrique Raffard, que fundou a usina e depois o povoamento foi todo feito por italianos, eles que povoaram aqui e também no meio tem os portugueses, os espanhóis, têm turcos. Então a minha homenagem à Rafard, à Júlio Henrique, é o meu cartão de visita do meu ateliê, que é a marca. Vamos dizer assim: as etiquetas ainda não fiz, porque eu determinei uma marca, que ainda eu estou definindo se vai ser essa mesmo, que eu penso em colocar a minha etiqueta pra colocar em todas as roupas que eu fizer, mesmo que sejam encomendadas ou que eu crie alguma coisa, minha etiqueta vai ser essa, provavelmente: “Arte em Movimento”. Por que Arte em Movimento? Porque é um nome comum, que qualquer coisa de arte é movimento, mas pegar um tecido e transformar em uma roupa comum, uma roupa mais extraordinária, de festa, uma fantasia é uma arte e isso quem falou pra mim foi o marido da Valéria, que eu fiz uma roupa pra ela, de madrinha de casamento, que ele falou pra mim isso, a gente estava num consultório médico, em um ambulatório médico, em Piracicaba e ele disse: “Marilda, você fez uma obra de arte naquele tecido da Valéria, ficou maravilhoso” e o vestido era em tons rosas, bem suave e ela amou o vestido, que ficou pra irmã dela, a Lurdinha. Então aquilo lá ficou também gravado na minha mente, então por que não colocar? Aí o meu filho Henrique, que é mais entrosado comigo neste aspecto, todos eles me apoiam e gostam, tudo que eu faço eles ficam muito admirados, já tira foto, já posta e aí ele falou: “Mamãe, está ótimo esse nome”, mas eu estou ainda a definir se será mesmo, certo? Então eu estou aguardando o processo da minha vida, de continuar e fazer o meu ateliê e convidar as pessoas que também participaram da minha vida e que me apoiaram, mesmo com palavras e pela amizade, convidar até para conhecer, seja o que for e assim prosseguir meu caminho, até o dia que Deus permitir.
P/2 – Marilda, tem alguma peça que você fez, de roupa, que tem alguma história muito marcante, muito significativa, para você?
R – Bom, pra mim… eu fiz tantas peças e acho que uma das peças foi esta que eu tinha citado já, da Valéria, onde o marido dela falou bem assim: “Você fez uma obra de arte”. Aí eu disse: “Por que você diz isso?” Ele falou: “Porque pegar um tecido e transformar numa peça dessa que você fez para a minha esposa é uma obra de arte”. Então daí eu tive a ideia de fazer na etiqueta “Arte em Movimento”, aplicar na minha etiqueta, mas não está definido. Então essa é uma peça que marcou. Tem tantas, que as meninas… tem uma noiva, aliás duas noivas, mas a primeira foi a mais importante. Ela se chama Telma, ela me ligou e disse que tinha um vestido pra eu arrumar, se eu arrumava. Aí eu falei: “Sim. É um vestido de festa?” “É”. Eu falei: “Então você vem daqui uns quinze dias, porque eu vou viajar, eu vou poder fazer só depois”. Ela falou: “Ai, pelo amor de Deus!”, mas ela chorava no telefone: “Eu posso ir aí agora?” Eu falei: “Pode, venha”. Ela falou: “Eu vou estar aí logo, logo”. Ela veio, trouxe o vestido. O vestido de noiva dela, gente, era de chorar! Eu e ela choramos juntas, porque não é possível alguém fazer, por mais malfeito que seja, digamos assim, aquele estado do vestido de noiva, que é um sonho enorme da pessoa, é um emocional que aflora na pessoa. Aí eu falei: “Vamos lá! Eu vou desmanchar esse vestido inteirinho”. Eu desmanchei inteirinho o vestido, porque era muito horroroso. Aí ela falou: “Mais vai dar tempo?” Eu falei: “Vai. Enquanto eu estou viajando, vai ficar aí, mas enquanto eu estou aqui, eu vou desmanchando. Quando eu voltar você vai… eu já vou montar e você vai provar todos os dias”. E foi o que aconteceu. Estava marcado certinho pra viajar, que eu fui em Porto Seguro, e fiz isso aí: desmanchei o vestido, deixei lá certinho. Quando eu voltei, comecei a montar. “Venha provar o vestido”. E sempre à tarde pra noitinha e ela vinha provar o vestido, e aí foi assim: uma sucessão de provas e cada vez ela se encantava mais. Isso é o que mais marcou na minha vida, foi o vestido de noiva da Telma. Tenho foto dela também e não trouxe a foto. (risos). Quando eu desmanchei, eu não tirei foto, e onde ela fez o vestido, ela tirou foto lá, mas não passaram pra ela. Então ela queria expor o antes e o depois, mas não deu e eu também não lembrei, porque o tempo era curto, eu tinha o trabalho da Maria Luiza e os meus trabalhos, então era muita coisa e eu fiz o vestido. Ela tirou foto do casamento, assim ela na rua, com o vestido esvoaçando, assim, tirou foto do vestido pendurado. Ela ficou muitíssimo feliz. Esse foi um. Fiz também a foto, o vestido de uma noiva que era a filha da Valéria, que o meu ateliê é aquele quartinho, um aperto de, vamos dizer, dois metros por um e pouco. Eu estendi um cobertor velho, de passar roupa, no chão, pendurei os vestidos, que era tudo cheio de varais ali no meu ateliê, pra eu pendurar. Pendurei o vestido e estiquei a calda, estiquei a saia, preso nesse cobertor. Quando ela entrou e viu o vestido, ela teve um piripaque, como diz. Ela falou: “Ai, vou desmaiar”. Eu falei: “Não vai, não”. Aparecida, ela chama. Ela ficou muito feliz de ver o vestido de noiva, mas não foi reforma, eu o fiz inteiro. Aí a tia dela, a Lurdinha, bordou, porque não dava tempo também pra eu bordar. Ela quis bordar, ter o toque dela. Foi muito, também, feliz essa noiva. E o terceiro foi a sobrinha da Telma. Ela trouxe o vestido também, que era um saco. A moça apresentava uma silhueta gordinha, baixinha, mas cintura, quadril, bumbum. Então dava pra explorar mais o trabalho do vestido. Ele fez um saco malfeito. Ela tinha cinco metros de tecido, onde ele aproveitou aquilo pra pôr uma saia daqui pra lá, abrindo. Eu falei pra ela: “Eu vou desmanchar inteiro” “Faça como você quiser, eu confio em você”. Eu falei: “Então está ótimo. Se você confia, é isso que eu preciso”. Desmanchei inteirinho o vestido e fiz. Prendi também. Quando ela viu, ela chorou, a expressão dela era mão no rosto. Tenho foto do vestido, dele lá, desmanchado, só preciso procurar no meu (risos) computador e aí ela ficou muito feliz também. Fiz a cauda como ela queria, porque era de chorar também, tanto tecido, tanta renda que eu recortei, apliquei, ficou muito lindo também. Não era um vestido, como se diz, fantástico, mas ficou um vestido muito bonito. O gosto dela. Então tudo isso daí foi muito importante pra mim. Foi emocionante. Então esses três vestidos. O que mais marcou foi o da Telma, porque era uma choradeira só, entre eu e ela e estão felizes e isso é importante. Até todo ano ela manda, eu costuro muita roupa para ela. Agora que ela está um pouco parada, porque o marido operou, ela também teve uns problemas, foi operada recentemente e ela falava: “Todo ano eu vou fazer um vestido de noiva”. Falei: “Vai casar todo ano?” Ela falou: “Ai, Marilda, de tanto que eu gosto, eu gosto de ser feliz. Então, pra mim, essa época, esse dia é muito importante”. Então foram os mais. Aí, tirando esses, tem tantos que eu nem lembro, mas assim: os vestidos de quadrilha, de dança junina, o meu vestido que eu fiz inspirada na Copa o pessoal ficou muito encantado, porque eu sabia todos os nomes, de todos os países apresentados nas bandeiras, explicado no vestido, que eu tenho aí também. E o último que eu fiz eu fui no cruzeiro do Roberto Carlos, no carnaval, à noite e foi até engraçado, porque nesse dia o show do Roberto era às onze horas da noite e o carnaval coincidia. O que eu fiz? Eu fui até o carnaval com o vestido da Copa e lá me enfiei no meio, porque as amigas não iam, ficaram se arrumando e eu me arrumei e fui no carnaval, no deck dezesseis, que era lá em cima e lá o carnaval, beirando piscina, tudo assim, lindo e maravilhoso e as mulheres que eu fiquei, eu cheguei e falei: “Posso ficar com vocês?” “Claro que pode”. Eu nunca vi na minha vida, mas elas ficaram encantadas com o meu vestido da Copa e olhavam bandeira por bandeira e esse chapéu na cabeça, que eu fiz uma touca tipo nadador, com um tule nas cores da bandeira do Brasil, pondo um meio branco, o azul, o amarelo e o verde. Então ficou aquele chapéu que, digamos assim, inspirado nos das rainhas lá, da rainha Elizabeth, das princesas, das duquesas, inspirados neles, lá. Ficou muito lindo. E elas ficaram muito assim: “Onde você comprou?” Eu falei: “Eu que fiz” “Você que fez?” Aí eu falei que eu era costureira, que eu tinha feito curso de estilista. “Você é estilista?” Eu falei: “Não. Eu fiz curso de estilista, mas propriamente dito eu não pratico de estilista, né? Eu modelo, corto e costuro. Algumas coisas crio, que nem esse vestido”. E ficaram todas felizes, tiramos fotos, tudo, fui fotografada pela fotógrafa do Roberto Carlos, da revista Roberto Carlos, RC, que está lá gravado, em 2014, que eu nem tinha visto, quem viu foi uma das amigas que falou: “Marilda, eu vi, você está na revista lá, na foto”. Eu fiquei feliz, lógico, aí eu desci correndo e falei: “Tchau, porque hoje eu estou de Cinderela. Meia-noite eu tenho que estar no show do Roberto Carlos”. (risos) E desci e, quando eu fui entrar no elevador, foi até engraçado, porque no elevador entrou uns comissários do navio, lá, com aquelas roupas, branca e azul marinho, assim, com os quepes e tinha umas mulheres e eu apertava no décimo primeiro andar e não descia e eu apertava e não parava, subia e descia. Eu falei: “Ai, meu Deus! Eu vou atrasar para ir no show do Roberto”. Aí tinha uma mulher lá, ela falou assim: “Mas vai assim que você está maravilhosa”. Eu falei: “Não” “Tenho certeza que o Roberto Carlos vai ver você, vá assim”. Eu falei: “Seja como for, o Roberto Carlos não vai me ver, nem que eu fantasie de luzes”, porque eu estava lá em cima, no camarote lá em cima, lá atrás, porque eu não tinha condições de pagar pra ir lá na frente, nas primeiras cadeiras, mas foi ótimo, visão maravilhosa de lá de cima, ver o show do Roberto. E os comandantes que estavam no elevador, eu entrei e a porta fechou. Eu falei: “Segure a porta!” E um dos deles que estava no elevador comigo segurou, aí veio a recepcionista, que ela recebe a gente pra entrar ali, fechou a porta, sentei, então foi até engraçado. E eles, quando me viram com a roupa, falaram: “Essa roupa é da Copa, né? É muito criativo”. Aí eu gostei, né, porque realmente reconheceram e gostaram, então aí assisti o show do Roberto, que foi maravilhoso, fui com a roupa normal, vestido azul, que eu acabei de bordar lá dentro (risos) da cabine. Eu tinha que acabar de bordar umas rendas e aplicar na manguinha, aqui. É um vestido lindo, eu tenho. Adorei também esse vestido, azul claro, de renda bordada na barra, na manga, sabe? Amaram o vestido, que quando me viram, as meninas: “Ahhhh, que maravilhoso o seu vestido!” e era curto, elas foram com longo. Eu não. Então eu ia diferente delas, porque eu sou assim, eu não quero ir tudo igual, sabe? Não é questão de ser, querer ser mais que elas ou outras. Não, mas eu sou eu, eu quero ser eu. E elas amaram também. Bom, terminou o show, fomos lá assistir outras coisas e acho que nós fomos num bar, porque tem discoteca, tem tudo isso aí. Aí teve a noite do branco e azul, teve a festa do... como que eles falam? Que volta ao passado, tem uma palavra exata.
P/1 – Flashback?
R – Não. É...
P/1 – Retrospectiva?
R – Não. Ai, meu Deus, como chama, que eles falam esse nome?
P/1 – Retrô?
R – Não é essa palavra, mas digamos: foi anos sessenta, setenta. É re... nossa, deu um branco! E aí volta aos anos sessenta e então cada um ia a caráter. Eu fui com um vestido azul, que eu amei também, godê, com um buquê de flores de tecido que eu fiz, colares de pérola, cabelo Chanel e o brinquinho de lacinho, lindo. Essa foto ficou bonita. Depois teve revival, chama “Revival: anos sessenta, setenta”. Aí eu usei em um baile aqui também, que teve, o vestido, a foto ficou muito bonita. Então, sabe, lá todo mundo com os oclinhos e tudo, cada um no seu estilo, dentro do contexto proposto. E também conheci uma amiga lá, Maria Cristina, que é do Rio de Janeiro, mas morava no sul e mora nos Estados Unidos e a gente se conversa pelo zap, ou pelo Face. Então foi assim: muito divertido, muito boas essas viagens.
P/1 – Marilda, hoje você revendo toda a sua trajetória, lá desde o comecinho, o que você, Marilda Armelin, tem pra dizer sobre os seus sonhos, sobre a busca dos sonhos e para suas clientes atuais e futuras, porque eu acredito muito no seu ateliê e logo, logo. (risos)
R – Então, os meus sonhos são muitos: ter minha casa, ter os meus filhos, tudo, isso foi uma trajetória importante, casar. Eu sempre quis casar, ter meus filhos e também ter a minha casa, porque eu pago aluguel até hoje, são 35 anos que eu moro nessa casa, que não foi vendida e depois, quando passou a herança, ele ofereceu pra gente comprar, mas não foi possível e eu comecei fazendo ateliê no meu terreno, ali do lado, que também foi muito sacrifício comprar, mas enfim o temos. Aí eu fiz a planta, que foi meu sonho, eu mesma desenhei a planta e mandei fazer, que é o correto, o engenheiro foi desenvolvendo isso eu mandei uma carta para o programa do Luciano Huck, Mandando Bem, que quem, no fim, principiou foi a minha cunhada Cintia, por quê? Porque eu estou escrevendo a história da minha vida e até digitei. Escrevo no caderno, depois eu digito e eu contei pra minha cunhada, porque a gente é muito amiga e aí ela falou: “Ahhh, por que você não manda no Luciano Huck?” E eu falei: “Eu não, imagina, né?” E aí ela ficou quieta, comunicou pro Henrique e puxou tudo pro computador dela, ou ele enviou, eu não sei bem como que faz isso e aí ela pegou e mandou, ela montou tudo, e inclusive eu levei o envelope no correio. Quando abriu tinha um bilhete pra não deixar eu ver o que era, que era dela e ela não tinha tempo de levar no correio, deu o dinheiro e eu levei. E foi mandado pro Luciano Huck. Mas, nesse período, eu fui entrevistada na Rádio Alternativa aqui... não, Rádio FM Rafard, de Chico Rebete e lá eu falei que muitas pessoas assinariam o abaixo assinado, pra algo mais no contexto da minha história, de quererem me ajudar e foi feito e foi impresso, meu filho fez tudo lá, que eu nem sabia mexer muito no computador, não sei muito até hoje e ele fez, imprimiu e minha cunhada com ele lá fizeram as coisas. Uma amiga minha falou também, duas amiguinhas... amiguinhas porque eram minha freguesas, mas é conhecida a mãe e tudo, o pai era amigo meu de infância, de juventude e aí elas falaram: “Marilda, nós vamos mandar uma carta para o Luciano Huck”, mas ficou nessa incógnita e então aí eu comentei essas coisas com a minha cunhada e com elas mesmas, com a Larissa e a Clarissa, aí elas falaram assim: “Marilda, escreva a sua história que depois a gente vê”. E foi feito, mas como uma mudou para fora daqui, a outra estudava fora e tudo mais, então eu fui escrevendo e foi lá arquivado e minha cunhada puxou e aconteceu isso daí e daí os abaixo-assinados, que elas falaram: “Nós vamos fazer o abaixo-assinado pra você”, mas isso num dia, daí começou a fazer o abaixo-assinado, então eu tenho muitas assinaturas, eu não sei se chega a mil, mas chega bastante assinatura, com RG e tudo, cada pessoa que assinou seu nome e foi mandado pro programa do Luciano Huck, que eu tenho o cartão de recebimento de lá, do Rio de Janeiro, mas ficou assim, incógnita, por quê? Porque nesse mesmo ano parece que o programa cessou, porque até quando eu pensei em escrever, tudo, estava assim meio parado o programa e daí recomeçaram e esse ano que foi mandado, em 2012, parou o programa. Eu acho que foi por aí, 2012, é, foi isso aí. Então ficou parado esse processo aí, então não sei lá e aí eu tenho tudo guardado, tudo arquivado lá a minha história e tem... como se diz? Imprimido, eu tenho imprimido e está aí. Então esse era um sonho meu. Até eu mandei assim: “Eu acho que eu mereço ganhar, (risos), mas assim como todas”, porque todo mundo quer ganhar uma coisa, né? E realmente eu quis e coloquei isso: eu pretendo ganhar, não sei se será eu, enfim, mas o meu sonho continuou, de fazer meu ateliê, trabalhar em um lugar mais bonito, mais limpo, mais arejado, porque onde eu trabalho é o porão da casa, é um lugar baixo, tem umidade. É o tanque de lavar a roupa, é a máquina, passa a roupa, é apertado, não tem como eu expandir, para eu criar, para eu receber melhor. Então para minhas clientes, eu falo sempre. Quantos anos ela fala: “Marilda, seu ateliê está pronto!” e eu falo: “Não vai ser mais meu ateliê, eu vou morar lá, porque o dono quer a casa”. Queria, porque até então não vendeu e nós continuamos lá, que fica ao lado de onde eu moro: o meu ateliê é na esquina, que é um sobrado, que vai ser a minha casa e pretendo fazer na parte de trás, que já está todo o alicerce feito do que seria a minha casa toda, que seria tudo garagem, mas eu vou fazer a minha sala das máquinas, a minha recepção, o meu banheiro, a minha sala de prova, toda espelhada, esse é meu sonho, pra quem for provar a roupa ver os lados, a frente e atrás, e a minha lavanderia, que não dá pra eu construir hoje, porque não tem condições financeiras, então eu quero propor um lugar melhor para as minhas freguesas e elas todas estão vibrando, estavam já vibrando de saber que eu ia ali, mas como eu vou morar, então falam: “Mas você vai construir pra lá” “Vou”. Eu não desisto, desistir jamais. Então eu prossigo isso, até onde Deus deixar eu trabalhar, eu vou trabalhar e eu trabalho muito, porque tudo o que eu faço, tudo é através do meu trabalho: eu viajo, eu danço, eu faço academia, compro roupas, coisas pra casa, para os meus filhos, para meu marido. Não que eles não tenham o seu dinheiro, porque eles trabalham, meu marido também, mas é bastante coisa e pra construir também você tem que pagar, né? Todo mês você tem que pagar. E tudo isso eu faço com muita alegria, porque eu quero viver, eu não quero ‘passar’. A minha passagem eu quero que seja - especialmente para os meus filhos, lógico - registrada na memória deles, e assim como seria registrada essa história minha no futuro aí, para todos os demais.
Então, o meu sonho maior é concretizar a minha casa, ter meu ateliê e mudar e trabalhar nela e continuar viajando, porque o meu sonho é grande, eu não sonho pequeno, porque eu sonho em viajar. Os meus maiores sonhos são viagens. Viajar para Machu Picchu, porque é uma inspiração aquela montanha, é uma coisa divina. Conhecer o Egito também, que é outra. Conhecer o México, que tem também as pirâmides. Isso me atrai, eu não sei porque, eu acho que eu vivi naquelas épocas. E também conhecer a Itália, a França e a Espanha, que são dos meus antecedentes e eu vou concretizar, porque isso... seja a idade que for. Aí meu filho fala assim: “Mamãe, onde você vai com [o Grupo] da Terceira Idade? Tem que ir um ônibus, dois ônibus, porque um leva vocês e o outro leva a maca, médico, a enfermagem, todo o equipamento” e não precisa nada disso. Aí eu falo, retorno pra eles: “Não precisa nada disso, porque só de passear ninguém fica doente, mas houve casos que a pessoa chegou a falecer no lugar de passeio, problema do coração e outras, teve até um tipo de AVC, mas foi aneurisma, sorte que chegou em Capivari e já foi direto pra Santa Casa, então não teve maiores consequências, mas acontece, mas de alguém passar mal, assim, foi só num cruzeiro que fomos e lá algumas idosas passaram mal, porque o balançar do navio foi (risos) forte. Eu não passei mal, (risos) mas muita gente passou, mas é assim: aquela coisa pode acontecer com qualquer um, não precisa ser de idade. Então esses são os meus sonhos e o sonho para os meus filhos é esse, o legado meu, que eu passo para os meus filhos: que eles tenham a vida deles, que eles procurem fazer o melhor, viver o melhor, ter suas famílias, porque todos eles querem ter as suas famílias, porque isso vem da gente, e trabalhem sempre para o bem, para o melhor, porque daqui a gente não vai levar nada, só vai deixar o legado do quê? E eu acredito assim: que tudo que a gente faz de bem é recebido, e nós não levamos nada, só o nosso espírito talvez volte e se você fez tanta maldade, seu espírito vai pagar novamente e se você fez de bem, você vai receber sempre o bem.
P/2 – Eu queria saber como foi, pra você, fazer essa ‘costura’ hoje, um pouco diferente do que você está acostumada, mas essa ‘costura’ de histórias e memórias e dividir um pouco do seu caminhar com a gente. Ontem e hoje, né?
R – Pra mim sempre foi uma sucessão de conquistas, porque eu comecei fazendo vestidinho de boneca e faço vestidinho de boneca, tanto que eu tenho um vestido aí que eu fiz a ciranda das amigas, no caso, mas no sentido dentro do contexto da festa junina, as histórias que se contam é o casamento nos bairros mais distantes da cidade, que se diz... como seria a palavra? Não é os rebaldes. Não se usa o termo no sítio, nas fazendas, não. Na parte... não é da agricultura... como que a gente diz? Na parte...
P/1 – Na comunidade?
R – Não. A gente usa esse termo assim: na parte da lavoura, na parte da cidade, mas não é esse termo que deve ser usado, mas assim: essas festividades juninas vêm de histórias, que eu saiba vem de portugueses, vem de franceses. Todas essas danças que vieram, italianas, então tem todo esse contexto e esse junino dentro desse contexto, que a origem eu não sei se é de portugueses, mas creio que sim, porque a maioria do nosso povo é formado por brasileiros mais portugueses, então acredito que toda essa história venha aí. Então seria o pessoal que moram fora das cidades e que faziam esse casamento, que minha mãe contava que as festas que elas faziam era dentro de um ______, era um rancho coberto de palha, de folhas de, vamos dizer, _____, de coqueiro, de palha e faziam a festa lá. Então, surgiu essa dança de caipiras. Este termo caipira é usado para esse pessoal, mas hoje a gente não diz assim: “Essas caipiradas”. Não, que seria até um tipo de bullying.
Então, como você perguntou, pra mim é imensamente satisfatório estar revelando a minha história à vocês, porque eu estava escrevendo, já, isso, estou escrevendo ainda, porque tem partes que eu vou relembrando e daí eu volto lá e escrevo no caderno, daí eu faço a colocação onde que falta esse relato, então eu vou voltando, mas foi muito bom, porque eu vou apresentar esse livro para minha família, para os meus netos. Para os meus filhos, lógico e para os meus netos e bisnetos e vai. Então eu acho que, além dessa entrevista, desse projeto seu, de história da pessoa, do Museu da Pessoa, vai ser importante também, porque não vai ser só assim: o que vai estar aí é o que vai estar lá também e algumas coisas que eu esqueci e que não estão aí (risos) e que eu vou relembrando, né? Conforme eu estou falando com vocês, eu vou relembrando muitas coisas e é muito bom pra mim, muito gratificante. Eu adorei estar aqui, vocês estão de parabéns com esse projeto. Que vá evoluindo e que vá sempre, cada vez melhor e sempre, e obrigada. Mais alguma? (risos)
P/2 – Querida, muito obrigada, de coração, por esses dois dias!
R – Obrigada, mesmo!
P/2 – Por tanta dedicação e se abrir assim com a gente e relembrar de passagens um pouco emocionantes, mas obrigada mesmo por dividir! Foi muito gostoso passar esses dois dias.
R – Eu que agradeço a oportunidade! Muito obrigada pra Telma, pra Luiza e pro Alisson.
P/1 – Abrir as portas do seu coração às memórias.
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