Projeto Memórias do Comércio de Bauru
Entrevista de Juraci dos Reis Vanin
Entrevistada por Cláudia Leonor e Wiliam Carneiro
MCHV_023
Bauru, 08 de fevereiro de 2021
Então, Dona Juraci, obrigada por ter aceitado o convite. Eu vou pedir pra senhora falar o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R- Tá ok. Meu nome é Juraci dos Reis Vanin. A data do nascimento, como é que é? 1951, vinte e quatro de janeiro.
P/1- Opa. E a senhora nasceu aqui em Bauru, Dona Juraci?
R- Não. Eu sou de Promissão.
P/1- Ah, de Promissão. E o nome dos seus pais? Em que eles trabalhavam?
R- José dos Reis. Maria da Silva Reis. Era trabalhador rural.
P/1- Vocês moravam, no campo? Como era?
R- A gente morava no campo. No sítio.
P/1- É?
R- É.
P/1- E a senhora tem irmãos, assim?
R- Tenho. Tem uma frota. (risos). Nós éramos em dez.
P/1- Em dez?
R- Dez irmãos. Eu sou a terceira.
P/1- Uma turminha boa, né?
R- É, uma turma boa. (riso). Eu falo.
P/1- Dona Juraci, o que a senhora lembra, assim, de quando a senhora morava no sítio? Qual o nome do sítio? Como era assim o cotidiano, ali?
R- Olha, Cláudia, o cotidiano era... eu nasci no município de Promissão, bairro Saudade. Depois viemos pra uma fazenda, Santa Isabel, município de Penápolis. E ali foi onde eu só saí casada de lá. (risos)
P/1- E como eram as brincadeiras com essa irmandade tão grande?
R- Eu era... tinha dois mais velhos do que eu e eu era a terceira. Todos os que vieram depois de mim eram minhas bonecas, meu bebês. Era cuidar deles, de tudo, de banho, comida, tudo.
P/1- Muita coisa, né?
R- Com certeza.
P/1- Então, Dona Juraci, a senhora estava falando, então, que a senhora ficou um tempo em Promissão e depois foram pra fazenda em Penápolis, é isso?
R- Sim. Fazenda Santa Isabel, Penápolis.
P/1- E por que vocês mudaram?
R- Eu saí de lá casada, Claudia. Eu só saí de lá... depois, a minha família, daí dez anos - perdi o pai nesse meio de tempo - vieram pra Bauru.
P/1- Aí que eles deixaram o campo?
R- Aí, sim, deixou o campo. E partimos aqui pra Bauru. Porque eu casei e vim pro Bauru.
P/1- Entendi. E, nessa época, lá na fazenda, vocês moravam na colônia? Como era?
R- Era uma colônia de trinta casas.
P/1- Nossa!
R- É. Era uma colônia. Era cafezal, é? O meu pai era meeiro. E os filhos todos ajudavam. Menos eu, não fui pra roça. Mas a minha mãe ia. E eu cuidava dos irmãos, como eu falei pra você.
P/1- Que eram suas bonecas.
R- Eram minhas bonecas. Era brincar, tratar, dar banho. E se não fizesse certinho não, a mãe chegava a correia em mim.
P/1- Ah, é?
R- É. A minha mãe não paparicava, não. (risos)
P/1- Eram outros tempos, né, Dona Juraci?
R- Era, eram outros tempos. Completamente diferente de agora.
P/2- Tia, o que é meeiro?
P/1- E, Dona Juraci, lá na colônia tinha escola?
R- Tinha uma escola num sítio vizinho. E eu descia com a minha professora. Ela descia de caminhão. Era caminhão, não era carro. E eu descia, ela dava carona pra mim até a escola.
P/1- Mas o caminhão era da onde, da fazenda?
R- Não. O caminhão vinha de Penápolis, que a professora era de Penápolis. O nome dela é Cleonice.
P/1- E era sala tudo junto, como era? Todos os anos?
R- Era, Claudia. Primeiro, segundo e terceiro ano. O quarto já não tinha naquela fazenda, já era num outro lugar.
P/1- E a senhora conseguiu dar continuidade nos estudos?
R- Não. O meu pai era um caboclo, assim... como é que eu falo pra você? Um caboclo rude. Ele não sabia ler, não sabia escrever. E a professora pediu pra ele: “Deixa ela ir morar comigo, ‘seu’ José. Ela cuida dos meus filhos”. E o grupo, era só atravessar a rua, era o grupo paralelo à casa dela. Ele disse pra ele: “Só sai da minha asa, casada”. E eu queria estudar.
P/1- E assim foi, né?
R- Foi. Eu queria estudar. Eu queria estudar e foi cortado pela raiz.
P/1- Então, mas aí como é que a senhora conheceu o esposo da senhora?
R- (risos) É uma história, Claudia. Eu, com a minha mãe doente. A minha mãe ganhou uma doença depois da última filha. E eu ia levando a minha mãe pra ver um exame. Se desse sério, o exame, era tuberculose. Se confirmasse, ela ia pra Guaiçara ou Campos de Jordão. Eu ia triste. E tomei um ônibus que é daqui de Bauru, ele continua na linha até hoje. E, dentro desse ônibus, estava o cobrador. E o cobrador, a minha mãe viu ele me paquerar e eu não vi, porque eu estava, assim, encabulada que ela podia não estar com a gente, né? E aí foi onde conheceu. E daí ele quis ir na minha casa. Daí um mês, ele foi na minha casa. Por carta. Não tinha telefone, né? Era carta
P/1- Era por carta namoro?
R- Era por carta. Ele foi três, quatro vezes na minha casa. E já casamos. Olha a loucura!
P/1- Mas e a saúde da mãe da senhora? Porque, assim, tuberculose era algo bem sério, né? Ficava internada. A senhora falou em São José dos Campos.
R- Então, mas aí não foi confirmado. O último exame dela foi que eu ia saber nesse dia, o resultado, não confirmou a tuberculose. Só era, assim, ela ficou muito fraca da última filha que ela teve. E ela teve, assim, não chegou a confirmar a tuberculose.
P/1- Graças a Deus, né?
R- Sim. Viveu muitos anos, Cláudia. Muitos anos, ela viveu. É. Muitos anos.
P/1- Agora, a senhora falou uma coisa importante, assim: como era essa dinâmica de morar na fazenda, ir pra cidade, fazia compra? Como era esse ir e vir da cidade pra fazenda?
R- Era assim, Claudia: o meu pai, como ele não sabia ler e escrever, ele fazia as compras, até eu ter uma certa idade, ter os meus quinze, dezesseis anos. Aí ele punha eu pra buscar as coisas na cidade, o que não tinha no sítio. Açúcar, você não tinha no sítio, é lógico sal, uma mistura diferente. No sítio era só carne de vaca. Ou teve uma época que nem tinha isso, uma época muito ferrenha que o meu pai passou na vida, uma seca que deu. E legumes, a gente tirava do próprio sítio. E o meu pai era meeiro. Meeiro, você perguntou, Wiliam? Meeiro é assim, por exemplo: café deu mil sacos, então quinhentos era do patrão, quinhentos era do... como é que fala? Da pessoa, do trabalhador. E ele, como é que fala? De repente, passado um tempo, ele perdeu essa situação. Por uma fraqueza da cabeça dele. Ele quis ir embora pro Paraná. Foi a pior loucura que o meu pai fez na vida.
P/1- Ele queria trabalhar no Paraná?
R- É. Porque falaram que lá, ele “arrastelava” dinheiro. É. Eu tinha quinze anos pra dezesseis.
P/1- Vocês chegaram a ir pra lá?
R- Sim. Ele vendeu os animais que ele tinha. Vendeu os porcos que ele tinha. Vendeu galinha, parecia pedra no quintal. E, de repente, um caminhão encosta na nossa porta e enfia a mudança. Mudança de pessoas de sítio é mudança bem precária, né? É uma coisa bem simples. E entramos nesse caminhão ao meio dia. E chegamos no Paraná duas horas da madrugada. Lá, a minha mãe...
P/1- Que viagem, hein?
R- É. A minha mãe, lá, com o calor que estava no caminhão, desceu, um vento, que aquilo parece que carregava tudo. Minha mãe, no outro dia, foi parar dentro do hospital. Ficou trinta dias dentro do hospital. Bela Vista do Paraíso.
P/1- E vocês foram morar um tempo na fazenda lá, no sítio? Como é que foi isso?
R- Na fazenda, Cláudia. Uma fazenda que não era a fazenda que a gente conhecia cá no estado de São Paulo. Tinha onça uivando no meio do mato. E era cafezal que você não via o fim do café, lá. Eu era pequenininha – era não, eu sou baixinha – um dia fui no café, você ficava doida naquele meio do café. Tudo de triângulo, você andava, você saía no mesmo lugar, sabe? E você escutar a onça uivando do lado. Nós morríamos de medo. Foi um sofrimento. Foram seis meses de sofrimento.
P/1- Nossa! Ficaram seis meses!
R- Seis meses. Sem luz, sem nada. Sem nada. Sem nada. Água longe pra buscar. Foi um verdadeiro... nós não estávamos acostumados com a terra do Paraná, nem não conhecia, ela agarrava no seu pé, você não andava, parecia um tijolo no seu pé.
P/1- Nossa! Mas era terra boa pra plantar, ou não?
R- Aonde a gente estava não era. Não era. Era uma terra vermelha, que era assim... como que eu falo pra você? Parecendo tijolo, esse tijolo vermelho. Só que a gente, pra andar no dia da chuva, todos nós, o pessoal de lá ensinou a nós colocarmos sacola plástica no pé, amarrar, pra andar no meio do barro.
P/1- Nossa!
R- É. E eram cento e sessenta casas.
P/1- A colônia tinha cento e sessenta casas?
R- Cento e sessenta casas.
P/1- E o pessoal se ajudava, assim, na colônia?
R- A gente pegou amizade com alguns, não eram todos. Fizemos amizade, umas pessoas muito boas. A gente não tinha problema lá, assim, com vizinho nenhum. A não ser uma moça, que tinha ciúme de mim, porque o fiscal da fazenda pôs eu pra lavar, ser diarista e lavar as casas, que ia chegar mudança. E essa moça invocou comigo e deu uma tapa em mim. Eu nunca tinha brigado com ninguém, Cláudia. Esse dia, eu falei pra ela assim: “Você não vai dar tapa em mim”. E eu era, toda vida eu fui magrinha, hoje não. Conforme ela deu o tapa em mim de novo, eu a joguei na parede, assim. Uma colega que estava comigo, que era diarista, também entrou no meio. Um irmão meu, andando com aquelas muletas, que eu não sei se você sabe o que é muleta, que a molecada punha pra andar, perna de pau, falava.
P/1- Ahan.
R- O meu irmão, com a perna de pau, deu nas pernas dela, derrubou ela. Chamamos o fiscal da fazenda, que lá era o oposto de onde a gente vivia. O fiscal veio, levou ela presa e eu não. Aí ela ficou com mais raiva de mim, ainda, da colega e do meu irmão. (risos) Ai, eu nunca me esqueço disso.
P/1- Que confusão!
R- Eu nunca briguei com ninguém, Claudia. E essa menina não teve por onde escapar. Ela ia continuar me batendo. Nem meu pai me batia. Por que eu ia apanhar do outro, né? (riso)
P/1- É verdade. Bom, mas daí não teve mais problema, né? Impôs respeito?
R- Impôs respeito, ela respeitava. E um irmão meu, mais velho que eu e está vivo ainda, ele falou pra mim assim: “Eu vou embora de onde nós viemos. E você fica preparada, que eu venho buscar você e a mãe. Se o pai quer ir, o pai vai. Se o pai não quer... vamos voltar pro lugar que nós veio, Penapólis”. Ele partiu do Paraná pra cá. Chegou aqui, falou com o dono da fazenda, que o meu pai trabalhou ali muitos anos. O dono da fazenda falou: “O serviço é de vocês. Só que não é mais a meia, é quarenta por cento”. Aí o meu irmão voltou pra lá. O meu pai não quis vir. O meu pai pegou um caminhão de lá, sem falar nada com ninguém e veio pra Garça. Cafezal de novo. Só que, na entrada, o caminhão tinha que dar três buzinadas, a gente não sabia, o fiscal prendeu o caminhão. É. Chegamos no outro dia, a gente chegou na colônia. Colônia de novo, pra morar. Ficamos dois meses ali, Claudia. Esse meu irmão partiu pra onde a gente morava de novo, falou pro dono da fazenda: “Já vou com o caminhão. Você me libera um caminhão?”. Ele falou sim. Pegou o caminhão, chegou nesse lugar com o caminhão. A mudança saiu de noite, de novo de lá pra cá. E aí o meu pai, quando ele entrou na fazenda de novo, ele falou pra nós: “Eu vou sair daqui morto”. Realmente, Claudia, ele saiu dali só morto. Nunca mais fez mudança pra lugar nenhum.
P/1- Não quis mais?
R- Não. Foi uma loucura, né? Ele perdeu os cavalos, ele perdeu as cabeças de vaca que ele tinha, aquele mundo de porco que era porco de raça, ele perdeu tudo, né? Então, ele ficou... aí veio a seca. Foi aonde que a minha mãe já doente, veio a seca. A gente perdeu toda roça de arroz, de milho, de tudo, roça, roça, o normal de um ser humano, os primeiros alimentos, né?
P/1- Ahan.
R- E ele ficou muito ruim. E a minha mãe precisando ir cada mês ou cada quinze dias na cidade, cuidar da doença que eu falei pra você. Ia pra Araçatuba e eu ia com ela. Nesse trajeto foi o que eu falei pra você: eu conheci essa pessoa. E aí, de repente, a minha mãe falou assim: “O moço está olhando em você”. Eu não olhava nele, eu olhava no motorista, que o motorista era lindo. (risos)
P/1- Ai, que ótimo!
R- Pra encurtar a história... pois é. Pra encurtar a história, aí ele mandou uma carta. O moço da agência mandou. O meu irmão foi na cidade. Ele mandou a carta pra mim e eu não queria ler. Tinha que ler, pro meu pai ouvir. Aquela época não é hoje, né? E o meu irmão: “Lê, lê”. E eu li a carta pro meu pai e ele falou assim: “Manda vir. Se eu gostar, bem. Se eu não gostar, vai embora na hora”. Ele partiu de Bauru, lá na fazenda. Hoje, a gente nem se dá direito. É uma pessoa que mudou muito. Ele foi muito bom pra mim, no passado. Mas depois ele mudou muito, passou a beber.
P1- Entendi.
R- E ele está no mundo dele, ainda vivo, aí. Mora aqui na minha frente. E eu moro nos fundos.
P/1- Dona Juraci, mas assim, nessas épocas das fazendas, tinha festa? Assim, São João ou Santo Antônio, arrasta-pé? Como era isso?
R- Tinha. Tinha. As festas de São João, meu pai amava. Meu pai gostava muito da festa do Santo Reis, da Folia do Santo Reis, que hoje é... tem aqui em Bauru, diz que tem, mas não existe mais, né? O meu pai gostava muito. Tinha. Outro falava “baile”, hoje fala “forró”, ele me levava. O meu pai me levava no baile e deixava amanhecer, no baile. A gente falava “baile”, hoje fala “forró”, né? Era muito gostoso. Festa de igreja, Cláudia. As festas de igreja. Porque tinha a missa, depois tinha a festa, comes e bebes, sabe? Era alto falante com músicas, sabe? Muito, muito, muito gostosa. Nos anos 1960 e nos anos 1970, eu já vivi só os anos 1970 pra lá, depois que eu vim embora pra Bauru. Era muito bom, Claudia. Eu tenho saudade. Era muito bom.
P/1- E que música que tocava?
R- Ó, uma que eu não esqueço, tocava mais música, mas eu não esqueço: a Carmen Silva, Adeus Solidão. Roberto Carlos, Te amo, te amo. Jerry Adriani, eu não lembro a música, mas aquilo era uma coisa que (estrondava)_______ (21:35) o mundo inteiro. E tinha mais música. Tinha, assim, o sertanejão Tonico e Tinoco. Mas pra turma que fazia a festa, era mais assim a Jovem Guarda que estava entrando, né? Aquela do... como que ele chama, meu Deus? A Praça, eu esqueci o nome dele agora. Como é que chama?
P/1- O Chico?
R- O Ronnie Von. A Praça.
P/1- O Ronnie Von?
R- É. O Ronnie Von. A Martinha. A Wanderléa. Tudo saía música assim, sabe? Era a turma da Jovem. O Sérgio Reis, com Coração de Papel. Aquilo virava, estrondava o... e a gente amava, né? Porque a gente não saía quase, de casa. Quando era festa da igreja. A igreja está lá até hoje, sabe? Mudou muita coisa, mas a igreja...
P//1- E se dançava assim, roquinho? Ou dançava de rosto colado?
R- Não. O meu pai não deixava, Claudia, dançar de rosto colado, não. Ele ficava lá de olho. Era, tinha assim, as pessoas das fazendas, de outras fazendas vizinhas. Então, tinha (dançava com os gêmeos) _______ (22:37), eu acho que eu nem conheço mais. Chamava Hélio e _______ (22:45) e aí eu dançava com eles. E meu irmão _______ (22:49) jovem da mesma fazenda, a gente dançava, chamado José. E o xote era com um outro rapaz chamado Adelino. Eram os meus parceiros de dançar. O meu pai não deixava pegar qualquer uma pra dançar, não. (risos)
P/1- Esses podia?
R- Ahn? Não entendi.
P/1- Esses podiam? Esses que a senhora falou, o seu pai deixava?
R- Deixava. Porque era tudo conhecido dali. Ele não deixava quando não era da cidade.
P/1- Era conhecido.
R- Era conhecido. _______ (23:23), o ‘seu’ José era bem, segurava bem a rédea. (risos)
P/1- E nessa irmandade toda, assim, quantos eram meninos? Quantas eram meninas, Dona Juraci?
R- Dois mais velhos que eu, homem. Emílio e Manuel. O Emílio já faleceu, vai fazer três anos. O Manuel está vivo. Aí vem eu, mulher. E vem cinco homens. É. Depois de mim veio cinco. Não. Quatro homens. Veio, não é cinco, quatro homens. Depois veio quatro mulheres, comigo cinco. Era uma turma. Era, não. É. Dois já foi embora, né? Então, é uma turma. Quando encontrava, era muito feliz. O meu pai não deixava filho brigar um com outro, não tinha isso. Não tinha confusão entre os irmãos. Até hoje, Claudia, a gente leva um respeito, que um não põe o bico na vida do outro. Dá conselho, mas no seu canto, sabe? A mãe do Wiliam mesmo, aí, a gente, nós nos damos muito bem. Quando junta agora, era cinco irmã, agora é quatro. Junta, você precisa ver a festa que nós fazemos. O Wiliam está aqui.
P/1- Gostoso, né? Está aí.
R- É. Uma delícia. Hoje eu vejo o jovem brigando, que eu não tenho nada a ver com o jovem de hoje, mas a minha família não teve isso. Não via um irmão brigar com outro.
P/1- Entendi. E quando a senhora casou, como foi o seu casamento? Foi na colônia? Foi na capela?
R- Claudia, quando a gente veio do Paraná, a gente pegou na mesma fazenda, uma outra casa. Uma casa, um casarão de sede de fazenda que, no passado, era onde os boiadeiros pousavam e ficavam. Uma casa de doze cômodos. A gente saiu da colônia, quando fomos pro Paraná e voltamos nessa casa. Na mesma fazenda. Só que aí o meu casamento foi em Penapólis, no civil e no religioso. E aí veio pro sítio, aí teve o baile. E teve comes e bebes, né? Mesmo o meu pai sofrendo a situação da perda, que ele tinha perdido as coisas, teve comes e bebes: churrasco e arroz à vontade, eu não sei, eu não lembro nem mais o que teve, sei que teve isso daí. E a minha mãe desmaiou duas vezes, que ela sabia que eu vinha embora pra Bauru, né? Eu ia largar lá. É. A minha mãe desmaiou duas vezes. Uma situação, porque não tinha nenhum filho saído de casa. E eu era a primeira.
P/1- A primeira que casou?
R- No ano 1971. Sim, a primeira que casou. Eu casei em 1971, _______ (26:16) de 1971.
P/1- 1971. Quem fez o vestido da senhora?
R- _______ (26:20) não fui eu, Claudia. Porque o meu pai estava na situação, não tinha dinheiro pra mim, pra comprar o tecido. Eu aluguei de uma colega. Aluguei o vestido. Casei com o vestido, não era o meu sonho, não, mas casei com aquele vestido. Eu tenho a foto, tudo, Claudia.
P/1- Depois eu quero ver. Depois a gente quer pegar emprestado.
R- Tá. Não é álbum, não. É foto que fazia no Foto. Porque antigamente, a pessoa mais humilde não tinha condições de fazer um álbum. Então, ia no Foto, tirava a foto e você tem as fotos aí. Era diferente do mundo de hoje.
P/1- Mas bem antigamente também era assim, né? Hoje que mudou, né?
R- É, mudou.
P/1- Mas ia na hora do casório, tirar a foto? Ou no dia seguinte?
R- Não. No mesmo dia. Saía da igreja, já ia tirar a foto. A igreja matriz lá de Penápolis é São Francisco. E já tinha o Foto na esquina. A gente entrava no Foto e tirava a fotografia.
P/1- E depois foram pro churrasco?
R- Aí fomos. Aí viemos pra casa. Saímos de Penápolis e viemos pra fazenda. Tinha vinte e cinco quilômetros da fazenda à cidade. Aí viemos pro sítio. Amanheceu o forró lá comendo _______ (27:43) (riso). Tinha tanta pessoa pra dormir, dormiram em monte de milho. Porque tinha o lugar... como é que fala? O pátio do despejo, de coisa, de mantimento. As pessoas subiram em monte de milho e dormiu, porque não tinha colchão pra todo mundo. As pessoas conhecidas de lá, que eram de Penápolis, não quiseram ir embora, ficaram lá. Aí, no domingo, quando foi no domingo, era uma hora, não, duas horas, pegamos a Reunidas de lá e viemos pra Bauru. Aí eu fui ver a minha mãe daí dois meses.
P/1- Oi?
R- Eu fui ver a minha mãe daí dois meses. Eu chorava todo dia. Eu tinha marido. Mas não tinha mãe. (risos) Era difícil.
P/1- Com quantos anos a senhora casou, Dona Juraci?
R- Dezenove anos, completo.
P/1- Dezenove anos. Aí a senhora mudou pra Bauru. Já tinha casa? Como foi o começo da vida aqui? Descreve pra gente.
R- Não. Ele alugou casa da gente, dos Rios, em Bauru. E a gente veio morar na vila onde eu estou hoje, mas uma outra rua. E ali ficamos seis meses e aí ele quis ir pro Centro da Bela vista. A gente foi pra Bela Vista. Ele era funcionário, aí já não era mais da Reunidas, era funcionário do Expresso de Prata. Ele saiu da Reunidas e entrou no Expresso de Prata.
P/1- E a Bela Vista era perto, pra ele trabalhar?
R- Era. Ficava mais próximo do Centro. Ficava, não. Fica. _______ (29:23). Não sei nem como chama aquela praça lá. _______ (29:42).
P/1- Era a rodoviária antiga?
R- Era. Ali perto da ferroviária, a rodoviária.
P/1- Era na Praça Machado de Mello, ali, que ele trabalhava?
R- Isso, isso. Ali. Ali que ele trabalhava, saía pra trabalhar.
P/1- Aí, ficava perto a Bela Vista, né?
R- Ficava perto. Eu ia levar almoço pra ele, que ele nunca gostou muito de comida de marmita. Aquela época não era nem marmita, era restaurante. E aí ele pedia pra eu levar comida pra ele. Era pertinho. Eu morava na São Lourenço. Descia um, dois, três, quatro, cinco quarteirões, eu já estava dentro da rodoviária. Era bem próximo. Paralelo ao Fórum. Era paralelo ao Fórum.
P/1-Paralelo ao Fórum. E como a senhora, assim, tomou conta da casa? Assim, como a senhora se organizou?
R- Ah, Claudia, eu já era acostumada com a minha mãe, que eu cuidava da casa e dos irmãos. A minha mãe trabalhava na roça. Pra mim, Claudia, eu só estranhei dormir com um homem. (risos) Eu só estranhei dormir com um homem. O resto eu sabia tudo. (risos)
P/1- Deixa eu ver se o Wiliam quer fazer alguma pergunta. Wiliam?
P/2- Tia, e as comidas? Eu lembro que a minha mãe falava que esperava o final do ano pra comprar groselha, por exemplo.
R- Refrigerante.
P/2- Refrigerante.
R- É. Isso mesmo. O refrigerante _______ (31:29).
P/2- Está ouvindo, Claudia?
P/1- Estou, pode falar.
R- O refrigerante, Wiliam, era só fim de ano. A gente não tinha refrigerante. Ninguém... a gente não foi criado... era com suco de limão, suco de laranja. Não tinha na fazenda, nessa que nós _______ (31:59), não tinha energia. Então, era assim, fim do ano que tinha. A gente não via a hora de chegar fim de ano, pra nós termos refrigerante. Meu pai gostava de carne, coisa _______ (32:11) na casa da minha mãe. Mas refrigerante não tinha.
P/1- E também a questão da cama, né? A minha mãe fala que era de palha, não tinha o colchão.
R- É. Era colchão de palha. Colchão de palha.
P/1- Tinha que fazer o colchão, então?
R- Você tinha que fazer um saco, né? Assim, medir o tamanho da cama. Comprava, às vezes, saco mesmo, aquele saco branco. Agarrava quatro sacos, um no outro. Era assim que fazia. E fazia as boquinhas, assim, alargava a boquinha pra você enfiar a mão e mexer a palha. No caso, tinha abertura pra você pôr a palha. E aí, depois, você mexia, pra estar fofinha todos os dias.
P/2- Todo dia tinha que ficar arrumando.
R- Todo dia tinha que arrumar. Não eram esses colchões que você hoje deita ali e não tem que mexer. (riso) Era o oposto.
P2- E eu lembro que a minha mãe fala que eu tenho o cabelo duro, né?
R- É.
P/2- Então, tia, a gente estava falando do refrigerante, né?
R- Sim.
P/2- Não era todo dia, não era toda hora que dava pra comprar.
R- Não. Era só fim de ano. Só era pro Natal. Aí a gente, o meu pai comprava, no caso, na época, era um fardo, né? Ele trazia e a gente tomava ali, à vontade. E acabou aquilo lá, acabou. Só no outro ano de novo. E quando tinham essas festas, que caíam, geralmente, no mês de setembro, a gente ia. Mas, às vezes, não tinha um tostão pra comprar o refrigerante lá na festa. Eu, como sempre, com o negócio de costura, de arrumar alguma coisa, além de costurar, ainda eu fazia remendo pras pessoas ali do sítio, tinha, às vezes, condição e comprava um refrigerante, um pra mi, um pras meninas, pra Neiva, pra Cida. Quando não, comprava e trazia pra casa, pra elas tomarem. Do contrário não tinha.
P/2- E como era a casa lá? Nas fazendas, assim? Era de madeira? Como era?
R- A do Paraná era madeira, a gente estranhou muito. A da fazenda, onde eu machuquei, o meu irmão, esse meu irmão machucou o umbigo, era casa de barro. Depois viemos pra casa que está nessa fazenda que eu saí de lá, casada, da Fazenda Santa Isabel, era de tijolo. Aonde nós pulamos, na mesma fazenda pra outra casa, era de tijolo também. E no Paraná era casa de madeira. Uma casa até boa, bem acabadinha, mas era de madeira. E a gente estranhou muito porque, quando era criança, que morou nessa casa de barro, que eu lembro. Mas a sua mãe... não, a sua mãe nem existia. Os mais velhos _______ (40:00), casa de barro. Era feita de bambu e barro.
P/2- A minha mãe conta que tinha um porão na casa, um porão embaixo, uma coisa assim.
R- Essa é da Fazenda Santa Isabel. Ela era de assoalho e tinha um porão embaixo. E o meu pai andou fechando, o que ele podia, ele fechava. Mas teve lugar que eles _______ (40:24) brincar lá embaixo, até brincava lá embaixo. A parte da cozinha. A parte da sala não dava. Era mais baixa a parte da sala.
P/2- E como era esse ir na cidade mais próxima? Todo mundo ia todo dia ou não?
R- Não. Não. Não. Lá era assim: o Emílio e o Mané, que eram os dois mais velhos, lá, cada final de semana eles iam, tinha o baile. A gente fala baile. Eles iam nos bailes nas fazendas, próximo dali. E, às vezes, ia até Penápolis também. Tinha uma fazenda bem próxima de Penápolis chamada - está lá até hoje, Fazenda Torrezan. E eles iam no baile ali. E aí, do contrário, pra ir mesmo na cidade, era só mais eu. E depois que o meu pai ganhou confiança de eu andar com a minha mãe, porque eu tinha dó dele, porque ele não sabia ler. Ele não sabia o nome da Reunidas que vinha pra Bauru, de lá pra cá. Daqui pra lá, ela desce, você pegava na Rondon, que ela passa lá até hoje. Entra, lá dentro não tinha problema, descia em Penápolis. Aí ele ganhou minha confiança. Eu que ia, lá não era mercado, era armazém, fazia compra do que não tinha no sítio e trazia pra casa. Descia até a rodoviária, pegava o ônibus e vinha pra casa. Eu chorava, que eu não queria carregar saco. Não era sacola, era saco. (risos) E aí eu descia pra casa. Chegava no ponto, tinha que andar. Nessa última casa que nós moramos, na Rondon, lá na casa, eu acho que tinhas uns três quilômetros. E eu ia pelo meio do cafezal. Naquela época não tinha tanta coisa errada assim, então você podia andar tranquilo. Não tinha problema de falar: “Alguém fez isso, fez aquilo”, não. Daí, é o que falei pra você: eu saí dali casada. Aí, nessa fazenda mesmo, que eu estou falando, nasceu a Cida, a tia Cida, nasceu a sua mãe, nasceu a Kátia e nasceu a Lene. Ali, você vê, foram quatro que nasceram nesse lugar. Foi onde que o meu pai que, quando ele voltou do Paraná, falou: “Eu só saio daqui morto”. Daí alguns anos, bem anos depois, ele veio a falecer. Não quis mudar mais. Aqui está sem imagem, Wiliam.
P/2- Está sem imagem?
R- Está.
P/2- Será que caiu?
R- Não sei. Está assim, aquela letra.
P/2- A senhora disse também, da outra vez que eu vim e conversei, que o vô sabia falar um pouco de japonês.
R- Sabia.
P/2- Como era isso?
R- Isso aí eu era bem menina. Eu devia ter uns seis, sete anos. Eu não estava na escola ainda, eu devia ter uns seis anos. Ele morou na fazenda de um japonês e era muito bom, esse japonês. E ele cuidava de café também. O negócio do seu vô era café. E aí o japonês o ensinou a falar japonês. Era um caboclo, mineiro, que aprendeu a falar japonês, não todas as coisas, toda a língua do japonês, mas ele falava muita coisa em japonês. E a gente gostava muito dele. A minha mãe levava o almoço pra ele, pro meu pai, na roça. Eu era muito pequena, ainda não ia. E aí a japonesa ia em sequência, levar. Chegava lá, ela gritava: “Zé Reis (mulher!)_______ (44:07), eu vim trazer comida pra você”. Era comida japonesa. Ela aprendeu a comer a comida japonesa. E falava japonês. A gente nunca aprendeu, a gente não entendia o que ele falava, mas ele falava japonês.
P/2- E era diferente essa comida? A senhora chegou a ver, alguma vez?
R- Ah, tinha aquele - eu não sei. Eu nunca comi. Mas hoje o povão come por aí - doce de feijão, ia no almoço, que eu não sei como é isso. A comida, eu acho que hoje é esse yakissoba, que era macarrão com caldo, né? Só que aquele época tinha um outro nome, não falava isso. E as carnes deles, feita com caldo de, não sei era shoyo, na época, era um treco marrom. Eu não comia. Eu não era muito de comer. Mas ele viveu, o meu pai, eu acho que morou nessa fazenda uns três anos. Foi aonde morreu o meu irmão, que com nove meses veio a falecer, com pneumonia dupla. Ele gritou, de umas três horas da tarde... a minha mãe, nessa época, não ia pra roça, lavava roupa dos peões da fazenda. E ele gritou das três horas até as cinco da manhã. Não tinha condução pra levar pro município de Promissão. Não tinha condução pra levar em Promissão. Na época, por gasolina. Foi na fazenda, não tinha gasolina, do japonês, não tinha gasolina. Foi na fazenda vizinha, não tinha gasolina. E ele tinha uma dor que ele gritava. Ele era grandão, sabe? Ele gritava e não parava de gritar. A minha mãe queria que eu fizesse ele calar. Minha mãe me bateu, porque tinha que calar meu irmão, ele não calava, porque ele tinha dor. Quando foi cinco horas da madrugada, ele morreu. Aí, quando levou pra Promissão... lá no passado, a gente falava jardineira, né? Não era Reunidas ou ônibus, era jardineira. A jardineira passou às sete horas da manhã. Meu pai foi com ele morto nos braços. Chegou lá em Promissão, verificaram que era pneumonia. Dupla.
P/2- Só depois que faleceu, que teve o diagnóstico?
R- Sim. Meu irmão, foi.
P/2- Minha mãe falou que chegou a ir na farmácia? Alguma coisa assim? Ou não?
R- Ele, levaram ele na farmácia? Não. Não chegou a levar, porque não deu tempo. Não tinha condução. E eu lembro que eu chorava muito por causa desse irmão. Ele era branquinho, né? E era gordo, eu não aguentava catá-lo. Por isso que eu falo, que eu devia ter uns seis anos, de cinco pra seis anos. Eu não o pegava, eu não o tirava. A minha mãe fazia... no passado não tinha carrinho. Quer dizer, tinha pras pessoas de dinheiro. Mas a gente que era muito humilde, não tinha carrinho. Ela fazia um buraco no chão, punha palha, forrava com tecido velho e ali eu sentava e ficava com ele. Enquanto ela estivesse lavando roupa, eu tinha que ficar cuidando dele ali. E ele não dava trabalho. Mas esse dia ele gritou, ele começou a chorar era umas três horas da tarde e foi até as cinco. Cinco horas, dez pra cinco, ele faleceu.
P/2- E eram comuns essas doenças, né?
R- A pneumonia era. E mesmo que a minha mãe forrava aquele buraco de palha, a friagem passava. A gente acredita que foi a friagem que deu a lesão no pulmão, porque a pneumonia é pulmão, né? Ele não estava gripado, na época. Então, _______ (47:24) pneumonia dupla.
P/2- E como era o nome dele?
R- Ele chamava Luis. A minha mãe nem sabia o nome dele. Nós viemos saber depois que ele foi embora, que eu aprendi ler. Era Luis Jesuíno. A gente não sabia o nome dele, porque o meu pai registrava, do jeito que o escrivão fazia, ele não sabia ler, vinha pra casa. Bem anos depois, um ano, dois anos depois que eu comece a aprender ler, que eu li pra ele: “Ah, pai, ele não chama Jesuíno. É Luis. Luis, na frente”. Meu pai e minha mãe não sabiam ler. Os meus dois irmãos mais velhos também não sabiam ler. Não sabem até hoje, quase.
P/2- Na época, também não era comum que as pessoas soubessem ler, né?
R- Não. Porque o meu pai tinha uma cabeça... a gente até não respondia pra ele. Mas por que o pai nunca estudou na escola? Ele respondeu pra nós, com lágrima no olho: “Meu pai morreu quando eu tinha sete anos”. O pai dele era desmatador, mexia com mata. Ele cortou a árvore, ela pendeu pra um lado e caiu em cima dele, do outro lado. A mãe dele não tinha, porque quando ele nasceu, a mãe dele morreu. As coisas, antigamente, eram muito difíceis do que hoje. Era no sítio que tinha os filhos. Como a minha mãe teve todos os filhos dela. Nunca foi pro hospital, era no sítio. Quando a sua mãe nasceu, não. Quando a tia Cida nasceu, você não escutava um ai dela. Nós na sala - eu e meus dois irmãos e já tinha o Reis, tinha o João - não escutava um ai dela. De jeito nenhum. Em sequência. Cada dois anos, tinha um filho. Não tinha remédio aquela época. Tinha remédio, mas ela não sabia buscar. Então, era cada _______ (49:21), cada dois anos colocava um filho no mundo.
P/2- E o vô também, a minha mãe fala que ele era muito inteligente, que ele conseguia fazer a conta, enquanto o dono da fazenda estava fazendo a conta. Como era isso, também?
R- Ele não sabia ler. Mas ele era rápido na numeração. Por exemplo: você dava uma quantidade lá, no sítio eram sacas de café, sacas de feijão, né? Então, não era quilo. Mas falava tanto, ele somava tudo antes da pessoa que estava com a caneta lá, que não existia celular, né? A caneta lá, fazendo a conta, ele dava a conta pra pessoa. Ele era inteligente, o meu pai. Eu acho que, de casa, não veio nenhum com a mente rápida assim. Nenhum. Ele tinha uma mente bem rápida, pra quem não sabia ler.
P/2- E também a minha mãe conta que o sobrenome Reis, né? Ele era criança, órfão, veio de Minas Gerais pra São Paulo, uma coisa assim.
R- Ele veio. A gente nunca ficou sabendo o sobrenome do meu pai. Ele veio com um tio dele lá de Minas. No passado, quem nem hoje é ir pro Estados Unidos, era difícil, naquela época era difícil pra vir pro estado de São Paulo. Aí esse tio dele que tem o sobrenome Reis, pra passar não sei onde do mundo aí, lá de Minas pra cá, foi que pegou o sobrenome do tio dele e foi Reis. O sobrenome do meu pai nós nunca ficamos sabendo. Esse senhor morava em Penápolis, esse que era o tio dele. E aí ficou Reis. A gente não sabe de onde que é a origem, como era o nome do meu pai, o sobrenome.
P/2- Então a gente usa, hoje, o nome Reis no nome, mas na verdade...
R- Não sabemos da origem do sobrenome do meu pai.
P/2- É de outra família, no caso?
R- É de um tio dele. Eu acho que devia ser alguma coisa parecida, por aí. Porque se ele era tio, né? Eu não sei se era irmão do pai dele, se era irmão da mãe dele. Eu não sei, a gente nunca perguntou. O pai não deixava a gente conversar com as pessoas assim, né? Quando vinha em casa, era ele conversando. Nós tudo lá pro nosso canto. Não embolava o meio de campo, não. Então, a gente nunca conseguiu descobrir. A primeira que aprendeu ler foi eu, da família. Como o meu pai não sabia ler, ele, na época, eram os dois mais velho, a minha mãe falava pra ele: “José”, ela o chamava, bonitinho: “José, põe o Emílio e o Manuel na escola” “Não. Filho meu não vai aprender ler”. Meu pai era um caboclo, nesse sentido, ignorante. Aí, quando eu vim, porque chegou a minha vez, eu tinha sete aninhos, eu lembro que foi numa missa de uma pessoa que tinha falecido na fazenda, a minha mãe foi na missa, de propósito. Minha mãe era esperta. Era calada, mas era esperta. Ela foi até a escola. Saiu do velório, foi até a escola e falou com a professora. Isso aí eu lembro direitinho. Aí ela falou pra minha mãe: “Dona Maria, a senhora está com a certidão dela aí?”. Minha mãe falou: “Não. Não está” “Então manda amanhã. Ela pediu pro meu pai: “Leva lá a certidão, porque lá na escola, eu não sei por que é, quer a certidão dela. E do João”. Aí ele levou e me levou junto. Foi aí que eu fiquei sabendo o meu nome, porque nós não sabíamos o nome nosso, não sabia ler. Ninguém sabia ler. Foi aí que ele falou assim: “O nome dela é Iraci, Dona Alaíde”. Ela falou assim: “Não, ‘seu’ José. Não é Iraci”. Naquela hora eu detestei o meu nome. Eu não tinha sete anos completo. Ela falou: “É Juraci”. Eu agarrei na perna do meu pai, eu falei: “Eu não quero. Não quero. Não quero”, né? Mas assim, aquele “não quero” sem ser grossa. Ela falou: “Não tem jeito”. Aí ela falou: “’Seu’ José, eu vou matricular ela na escola” “Não. Filho meu não vai na escola” “Não, ‘seu’ José. Elas vão vir na escola, sim. Precisa, ‘seu’ José”. Eu agradeço à minha mãe que eu tive estudo, um mínimo de estudo, né e o meu irmão teve estudo. E os outros foram tendo o mesmo grau de estudo que eu tive, o terceiro ano. Porque no quarto foi que ele me barrou ir pra Penápolis, porque não tinha ali na região. E eu parei no tempo aí. Eu queria estudar até... eu queria ser diretora. E eu era, porque eu era muito rápida. Amava História, amava as matérias. Eu passava naquela época, hoje não tem mais, era em primeiro lugar. Eu ganhava presente, fim de ano. É, eu ganhava presente. A professora falava pro meu pai: “Ela é inteligente”. Mas não é o de hoje. Lá no passado (eles cortavam)_______ (53:52) certos gostos (que os filhos poderiam ter)_______ (53:54), né? E ainda, quando essa Dona Cleonice me pediu pra ele, ela falou: “Eu a trago todo final de semana, ‘seu’ José” - isso com o ônibus passando na nossa porta, né? “ela fica lá” “Não” Ele não tinha uma cabeça pra frente, o meu pai, né? Era inteligente, mas pra certas coisas, não. Então, eu admirava o jeito do meu pai, mas eu chorei, porque eu queria estudar. Então, hoje eu falo... apesar de que o estudo que eu tive lá no passado, terceiro ano, servia pra dar aula aqui hoje, certas coisas de escola.
P/2- A senhora fez o Magistério?
R- Entendeu? Porque hoje não aprende o que a gente aprendia lá no passado. Era uma escola bem puxada. Eu não sei. É diferente. É diferente. Eu vejo certas coisas com a minha neta, as pessoas. É o oposto.
P/2- E a escola? A senhora falou que gostava das matérias, de História. Como era a convivência dentro da escola?
R- Não tinha briga, Wiliam. Era uma união de alunos. Na época, eu não lembro a quantidade de alunos, mas era uma sala bem ampla, cheia. Não tinha uma briga no meio dos alunos. Não tinha confusão no meio dos alunos. Nessa escola que eu comecei a estudar, que não tem um ano, um ano, meu irmão me levou aonde eu comecei o primeiro ano. Eu chorei a hora que cheguei no lugar. A sala de aula está lá. H oje com material rta_______ (55:47), eu chorei que nem criança. Veio a dona da fazenda ali. Não da fazenda onde a gente morava, lá a casa, que eu tinha vontade de entrar pra ver. Porque eles _______ (55:57) era laranja, _______ (55:59). Hoje, ainda tem o curral dos gados. Nova fazenda, que tem pessoas novas, né? Mas os pés de laranjas, onde era laranjal _______ (56:12). Tem uma jaqueira da época que eu estudei, está lá de pé ainda, que eu falei: “Meu Deus, quantos anos”. Era muito, sei lá, diferente. É o que eu falo: eu tenho saudade, não era como hoje. Saudade daquela época lá. Tinha as dificuldades, mas tinha as horas boas.
P/2- E pra buscar a água no poço, era longe?
R- Era. Na colônia aonde a gente morou, nessa mesma fazenda, tinha poço. Só que a água pra beber do poço, não prestava. Tinha que ir numa mina. Eu acho que a mina tinha uma base de um quilometro da casa da minha mãe. Descer era bom, mas subir com a água nas costas, não, não era bom, não, sabe? A gente tinha que pegar, era uma lata no ombro e um balde na mão.
P/1- Nossa!
P/2- Dois?
R- Dois. Pra poder compensar a descida lá embaixo. Aonde a sua tia Kátia brincava com a sua mãe, era poço. Mas era longe. Também a base de uns oitocentos metros. E o poço, você via o fundo dele só no meio-dia, que o sol batia nele, você via lá. E quando a sua mãe soltou ______ (57:22), não sei como chama aquilo, soltou, pegou na cabeça da Kátia, quase que ela pulou dentro do poço. E se pulasse morria, porque não tinha volta, era muito fundo.
P/1- Nossa!
R- É. Lá era terrível, esse poço. E só tinha aquela água. Quando eu casei, um ano, um ano depois, a sua mãe fala que aquele poço secou. E aí tinha que buscar água na fazenda vizinha.
P/2- E era muito mais longe?
R- Longe! Um dia que a gente for pra lá pra Penápolis, pra Avanhandava, eu vou falar pra alguém entrar com o carro lá, pra mostrar aonde era a casa, o poço, tem como falar pra você onde ele era. Porque tem uma moita de bambu que o meu pai plantou bambu ali, ela está lá enorme, a moita de bambu. Então, você sabe aonde é a localização, aonde é o poço. Hoje é só cana. Acabou o cafezal. É cana na fazenda inteira.
P/2- Ah, ainda hoje está lá, então, esse poço?
R- Está lá, a moita de bambu está lá. O poço, eu não sei se aterrou. A gente ficou com medo de ir. Era muito fundo. E chegar lá perto, a terra, a cana, tinha plantado aqueles dias, muita terra. O meu irmão falou: “O carro não entra lá. E eu não vou descer nessa terra”. Óia, que era do meio do mato, com medo de descer na terra! (riso) Aí, a gente sabe o lugar por causa da moita de bambu. A hora que a gente entra pra entrada de Avanhandava, sai de Avanhandava, da estrada de Avanhandava, você vê a moita de bambu lá, que é próximo.
P/2- E também a mãe fala muito do ‘seu’ Oscar, Tonhinzinho, quem eram?
R- Vizinho desse sítio. Vizinho do sítio. Se você chegar nesse lugar, era um sitiante que cultivava verduras, legumes pra ir pra Penápolis. Era um sitiante muito bom, eu conhecia todos os filhos dele. Ali, a gente conhecia todo mundo, sabe, da fazenda. Eram sítio, assim, tiros de sítio. Era desse Oscar. Depois vinha da... ai, meu Deus, estava com o nome dela na boca da.... o sobrenome deles... tinha o ‘seu’ Oscar, tinha a moça que eu aluguei o vestido. Eu esqueci o nome dela, agora. E aí tinha a tal da família que a gente foi colega delas, as moças que chamavam Noêmia e... não, Noêmia, não. Era Neiva e Nelma. O nome das minhas irmãs é dessas moças. Era gente sitiante também, onde fica localizado, todo mundo tinha... tinha, não, tem pedaço de sítio, ali naquela região. Só que a fazenda que nós morávamos chamava Santa Isabel. E os sítios, eu não sei nem os nomes dos sítios, porque a gente não sabia os nomes dos sítios. A que eu morava era fazenda. Era, não. É, está lá até hoje, é fazenda. Ela é enorme. E o sítio, então, tinha desse Oscar, tinha da... ai, não lembro o nome dela agora, da dona do sítio. Que era a escola onde eu terminei o terceiro ano. Não. Eu comecei a fazer o quarto ano. A professora não pode ir mais, a gente perdeu o ano de escola, né? Foi onde que essa outra que deu o primeiro, o segundo ano pra mim, terceiro, pediu pra eu ir pra Penápolis e o pai não deixou. Era muito sítio ali, sabe? Esse ‘seu’ Oscar. Eu não lembro o nome dos outros dois, dos outros três, tiras de sítio. Está lá até hoje, eu não sei se foi vendido. Esse meu irmão daqui, o Reis, me levou lá pra ver. Eu pedia pra minha irmã, ela não levou. Aí ele, de repente, com o carro, entrando por Avanhandava, ele virou e entrou pra fazenda aonde a gente morava. Aí ele chorou e eu chorei, porque é saudade, né? Acabou aqueles pés de... tinha pé de limão, tinha pé de jaca, amora. Cana, tinha assim pra gente chupar cana ou fazer, que nem meu pai fazia garapa, né? Mas não tinha canavial, que nem está lá hoje _______ (1:11:11). E era gado, não era coisa assim. É, o lugar era... a gente não tem fotos, porque a gente não tinha máquina de tirar foto, né? Então, mudou bastante.
P/2- E, tia, a minha tia Leninha, que é a falecida tia Leninha, que ela faleceu há algum tempo, a Nelma, o nome dela, né? Nelma Lucilene, né?
R- É. Nelma Lucilene.
P/2- Ela, quando era criança, ela teve a ponta do dedo cortado. Como é que foi isso? A senhora lembra?
R- É nessa casa, que eu estou falando pra você, que a gente, toda a colônia, a mesma fazenda, veio pra essa casa. Um casarão de doze cômodos, né? E a Kátia tinha mania de coco macaúba, esses coqueiros no meio dos matos, né? Catava os cocos. E aí chegava lá, quando ele está seco, você o arrebenta, tem a castanha dentro. E aí a Kátia estava arrebentando o bendito do coco com um pedaço de... um machado. Com cabo pequenininho, ela mal aguentava com o machado. E a gente pra dentro, fazendo o serviço. De repente, escuta o grito. Diz que a Kátia contou. Quando ela pôs o coco pra arrebentar, a Leninha: “Não. Não”. A gente chamava ela de Leninha, né? “Não. Não. Não. Tira daí”. Levou a mãozinha, daí ela desceu o machado, assim. Pendurou a ponta do dedo dela. Esse dedo dela, nessa junta aqui. Aí, aquilo virou aquela gritadeira e sangue descendo. E ela era pequenininha, tinha dois aninhos. Aí o meu pai catou e veio com a minha mãe, veio pra Penápolis. Descemos até a Rondon, catamos um ônibus e ela nos gritos, só, fomos pra Penápolis. Lá eu a segurei, porque não tinha enfermeira, pro médico acabar de aprontar a pontinha do dedo dela. E deu anestesia no lugar, ela chorou muito, né? E eu _______ (1:03:02) segurando. Aí saímos, passamos a noite - que não tinha ônibus pra voltar pra trás - na casa de um conhecido. No outro dia, cedo, pegamos de lá pra cá a Reunidas e viemos embora. E pra andar, isso que eu falo pra você, tinha a base de uns 800 a um quilômetro pra andar, depois de descer do ônibus.
P/2- Teve uma geada também. A senhora lembra disso?
R- Uma chuva de granizo.
P/2- Chuva de granizo?
R- Quase matou a sua mãe. Ela ficou... então, nessa mesma casa, o meu pai cuidava de uma horta na beira do rio. E elas foram. E o meu pai tinha... e tinha formiga. Lá no sítio tem. Você, eu não sei se você vai chegar a conhecer essa peça, chamava (calaforme? 01:03:44). É um negócio que você colocava veneno dentro dele, com a boca dele de ferro e bombeava assim, né? Então saía _______ (1:03:50) formiga e matava as formigas. E o Reis e o Zé, tinha ido fazer esse serviço. E a sua mãe e a Kátia tinham ido eu não sei se lavar roupa ou ajudar eles lá na horta, na beira do rio. E, de repente, começou a virar o tempo de chuva. E elas, como diz o outro, é um pó pra subir, não é uma _______ (1:04:17). E as duas, a Neiva e ela, vieram, o meu irmão saiu correndo, subiu o top e elas ficaram pra trás. E a chuva, em seqüência, desceu, a chuva de granizo. Quase matou elas. Ela, diz que chegou na porta da mãe, a sua mãe caiu. A minha mãe a catou. E a Kátia estava mais pra trás, foram encontrar com a Kátia, pra pegá-la. O vento e a chuva de granizo não deixavam elas chegarem em casa. Quase morreu, a sua mãe. A Kátia não, mas a sua mãe.
P/2- Ela me conta, mesmo.
R- É. Foi um sofrimento doido.
P/2- E destruiu o café também? Ou não?
R- A chuva de granizo, na época, destruiu todo o café. Derrubou todo o café em grão. O meu pai perdeu. E a horta lá, também acabou. Porque a chuva de granizo, quando vem, destrói tudo. E ainda aqueles relâmpagos. Geralmente, a chuva de granizo vem com bastante relâmpago, né? E essa história aí, tem essa e tem a do meu irmão, que ele tem até hoje, um furo, o seu tio Zé, aqui do lado, assim. _______ (1:05:19) a formiga de novo e pondo o veneno na formiga, né? Ele pôs o bendito do bico na cerca e deu o relâmpago e ele caiu. E o Reis, que lá é _______ (1:05:31), subiu correndo o top de novo e o outro ficou caído lá. Meu pai foi buscar. Porque ele ficou três dias desacordado.
P/2- Mas caiu um relâmpago, nele?
R- Caiu uma faísca. Correu pela cerca e pegou no bico desse fole, que era ferro. E ele estava com ele na cerca, o derrubou.
P/2- Nossa!
R- É E ele tinha um furinho nas costas assim, na época dessa situação.
P/2- Ficou _______ (1:05:57), então?
R- Ficou. Ficou. E meu pai queria levá-lo na cidade. Ele ficou roxinho. Ele não morreu, não sei como. Era uma luta. Tinha uns problemas o sítio, sim.
P/2- E aí, a gente já falou um pouco da sua vinda pra Bauru, né? Veio por causa que o vô faleceu, né? Como é que foi isso? Como é que foi essa questão da vinda de todo mundo?
R- A vinda foi assim, eu casei, eu vim pra Bauru. Aí, a Lene, você vê, quando eu casei, a Lene tinha três aninhos, três pra quatro, a caçula. E o pai ficou no sítio. “Vamos, pai, pra Bauru?” “Não. Não vou. Daqui eu só saio morto”. Em sequência a (sua tia Lene)_______ (1:06:37) fica doente, que ela vai pra escola e... cortaram essa árvore, agora não está lá mais. Era uma árvore dessas, que só tem galho em cima. E a coleguinha subia e passava, a gente falava piroqueta, enfia o corpo dentro das mãos e pula de pé. E a menina fez e foi bem sucedida. E a Leninha fez e caiu em cima do galho, da raiz da árvore. E ficou desacordada a tarde inteira. A menina entrou em pânico, a coleguinha de escola, jogou Ki-suco na cara dela lá, sei lá como foi a história, ela voltou. Aí ela escondeu da minha mãe, uma semana que ela não aguentava ir pra escola, não falou que caiu. E ela entrava nas moitas e (com medo)_______ (1:07:22) pro gado pisar nela. E entrava lá nas moitas de _______ (1:07:25) e ficava alojada ali, até a hora de voltar pra escola. Quando a professora viu que ela não ia uma semana, ela mandou um bilhete pra coleguinha trazer pra minha mãe. Mas a coleguinha _______ (1:07:37) o bilhete,que a minha mãe não lia. A coleguinha leu, porque a Nelma Lucilene não estava indo na escola. Aí a minha mãe a apertou. Ela chorando, onde ela ganhou o problema de coração. Chorando, ela já tinha falta de ar, de todo o jeito. O meu pai a pegou, levou pra Penápolis. Lá em Penápolis, o médico examinou e falou assim: “’Seu’ José, ela tem que ir pra Bauru”. Não. “Ela tem que ir pra São Paulo. Lá vai dar jeito na sua filha”. Ele disse, de novo: “As minhas filhas só saem de casa, casadas”. Nesse meio tempo, na semana seguinte, ele foi buscar um bendito de um queijo - porque a minha mãe fazia queijo, mas na época estava sem leite – na fazenda. Tinha que atravessar a bendita da Rondon, está lá até hoje, a fazenda está lá, a sede da fazenda está lá, umas duas casas, mas a sede está lá. Ele foi buscar. E o animal não queria ir. A sua mãe, o meu irmão, tudo tentou. Era uma égua muito mansinha, ela não queria ir. Dizem que o animal vê as coisas, eu não sei. E aí, forçaram a égua a ir. Ele foi, não jantou, tomou banho e foi buscar o bendito do queijo e vender banda de gado que ele comprava. O pai mandava matar, ele comprava lá na fazenda, mandava matar e vinha pra casa já o boi, só era arrancar os pedaços. Ele falou, então, falou pra minha mãe: “Ó, Maria. Eu vou, já trago o queijo e o doce da menina, que era da Leninha. E já ofereço boi pra eles, cada um, o pedaço que quer”. E o meu pai não tirava um centavo de ninguém. Mesmo quando ele tinha quebra no gado, quando mata, quebra, ele não pegava um centavo de ninguém. E foi. Ele não queria atravessar a pista, o animal refugava. E ele não judiava de animal. Aí esse dia ele deu com ela, com o arreio, uma égua muito linda. Deu nela, ela atravessou o asfalto, pra descer. E você vai lá, quero que você vai lá, um dia, você vai conosco, você vai ver, está lá. Está lá. Você sobe tudo isso aqui. Lá em cima é o trevo de Avanhandava. Você desce tudo, paralelo ao asfalto. O mesmo que você subiu, porque não tem outra travessia, animal. Porque bicicleta, a pessoa vai jogando a bicicleta por cima da cerca e passa, né? E ele desceu. Quando ele chegou na fazenda, ofereceu a carne, trouxe pra pessoa, pegou o queijo, pegou o doce pra ela. E ele vinha vindo embora. Quando ela foi atravessar o asfalto, a (dona)_______ (1:10:07) que morava na colônia, que existia a colônia ainda, a empurrou, porque o animal não queria atravessar o asfalto. Ela refugava e dava coice. Atravessou, não andou duzentos quilômetros. Daqui pra lá, de Bauru pra lá, vinha vindo um carro. Eu não gosto desse carro até hoje. Se me der de presente, eu não quero. Maverick, era o carro do ano. E o cara falou pra polícia, né, que atrás desse carro vinha vindo um carro de polícia. Mas antigamente não era rastreado como hoje é. E ele falou pro policial, o seu tio Flauzino o ouviu falar: “Eu vinha correndo a duzentos por hora”. O carro, era uma descida. Caminhão, ônibus, tudo solta na banguela, daqui pra lá. Soltava, hoje não pode, né? E o carro, diz que acelerou e desligou.
P/1- Nossa!
R- E era um pedaço muito grande, pro carro rodar mesmo. E o meu pai vinha vindo. Não sabe o que aconteceu? O animal, acha que pulou no asfalto, bateu. O animal morreu esvaindo em sangue, bateu no peito do animal. O carro não amassou um dedo. E o meu pai voou do outro lado do asfalto. Ele caiu, quebrou essas duas partes aqui nele, assim, ó, um furo aqui. Quebrou o queixo e a perna dele virou ao contrário. E o meu irmão, quando escutou a freada do carro... se você for lá, até hoje você ouve quando o carro sobe o top e solta. Não pode, hoje, mas nego ainda faz. É um lugar alto, onde a minha mãe morava. Ele chegou na casa da mãe, ele falou: “Mãe, aconteceu alguma coisa com o meu pai. Vou de volta correndo, jogando a bicicleta pela cerca...” - era café ainda – “e vou chegar no asfalto lá”. Quando ele chegou, estava um policial com o meu pai no braço e falou: “Acabou de falecer”. O meu irmão, simplesmente, não falou que era filho, nem nada. Pegou a bicicleta, correu lá no hospital, atrás, indo aqui pra Bauru. Eu acho que dá uns oito quilômetros. Ele disse que não importava, se o carro ia matá-lo, se não ia matar, no meio da pista. Chegou na fazenda seguinte que o meu irmão morava, o Mané, seu tio Mané e foi no dono da fazenda e falou pra ele: “O meu pai faleceu”. E eles tudo, ali, se conheciam, né? O dono da fazenda pegou a caminhonete e falou pro meu irmão: “Põe a bicicleta dentro e vamos embora”. Chegou lá, o meu pai já não estava no asfalto mais, já tinha partido pra Penápolis. Aí, chegou em Penápolis, já estava na... não era o necrotério, já estava na mesa lá, pros médicos fazerem a autópsia. O meu irmão ficou doido, não chorou. Nesse sentido aí. O meu pai foi na sexta. No sábado, o meu pai foi enterrado. No domingo, a minha irmã, a Nelma, estava morrendo. Diz que ele tinha falado, na quinta-feira: “Minha filha de Bauru, (vai dar jeito)_______ (1:12:58) na caçula”. E eu cheguei, eu não pude sentir que era a morte do meu pai. No domingo mesmo, a gente falou, na segunda, porque você não ia achar médico certo, na cidade. Na segunda, a gente partiu pra Penápolis. Eu a carregando nos braços, pegamos o ônibus. Chegamos eu e o meu irmão, o seu tio Flauzino. Chegamos em Penápolis, o médico que tinha feito a consulta nela. O meu pai tinha pagado, eu falei: “Vou pagar de novo”. Eu falei pro médico: “Eu nunca _______ (1:13:33)”. Eu falei pro doutor: “Por favor, fala o que a minha irmã tem. Eu não quero que o senhor mente nada”. Ele a examinou. Quando ele a pôs na cama pra examinar, ela virava na cama, de ar, pra frente. Simplesmente, ele examinou, falou: “Ela tem que ir pra São Paulo”. Eu falei: “Não, Doutor. São Paulo, não. Não tem outro lugar?” “Bauru ou Ribeirão Preto”. Eu falei: “Eu moro em Bauru” “Então, eu vou interná-la, porque ela não aguenta uma viagem”. Eu falei: “Mas o que ela tem?”. Ele falou: “Ela tem as duas válvulas, a mitral e a o aorta, fechadas. Ela sofreu algum acidente?”. Eu falei sim, mas não entrei em detalhe. Viemos embora pra casa. Aquela noite ela já ficou em Penápolis. Foi no outro dia, não sei se era dez horas, se era uma hora, peguei a Reunidas pra Bauru. Vim em Bauru, rodei nesse INS. Lá, o médico instruiu, não conseguia trazê-la pra internar. Porque eu tinha um filho, eu tinha o Adamek, já, não podia pôr no INS com a minha família. O meu irmão, que mora em Iacanga, o INS não liberava pra por ele na INS dele. Eu fui oito dias no INS. Até que uma senhora, que eu desejei que Deus a abençoasse, falou: “Eu não agüento mais ver essa moça aqui chorando todo dia. Por que você não faz o papel pra ela?”. Fez, foi lá pra dentro, fez o papel, falou: “Agora você leva no Fórum, pro juiz assinar”. No Fórum, eu tinha uma freguesa de costura, trabalhava justo com o juiz. Aí quando ela me viu lá, ela catou o papel e falou: “Leva uma semana pra assinar. Mas ele vai assinar agora”. Peguei o papel assinado, arrumamos uma Kombi com um conhecido nosso e partimos pra Penápolis, direto pra Penápolis. Chegamos em Penápolis, falamos com a portaria, deu alta. A pegamos, passamos na minha mãe, no sítio, né? A minha mãe chorando, que não queria que ela viesse embora. O desespero, porque tinha perdido o pai. E eu a trouxe pra Bauru. Aqui, chegou e internou dentro da Beneficência. Ficou um mês dentro da Beneficência. O Doutor Afrânio deu alta pra ela morrer em casa. E aí, quando eu vi ambulância rodando, eu já morava aqui, nesse meio de tempo eu não morava em Bela Vista, eu morava aqui no Godoy. Aí a ambulância rodando aí, eu saí, era cerca, não tinha nada fechado, era tudo aberto, saí na cerca, olhei. Aí ela fez assim com a mãozinha pra mim, de dentro da ambulância, tentando achar o lugar aqui. Aí entrou. Dez horas, ela chegou. Dez horas da noite, eu tive que levá-la de novo. É, foi uma vida, a vida da Leninha. Tudo por causa de quê? De uma brincadeira, um tombo, né? E aí eu já costurava. Aí ela pediu um negócio de costura, Claudia. Eu aprendi a costura lá, eu era criança ainda. Já volto aí. A minha mãe me batia, pra eu aprender a costura. Tinha que fazer o que ela fazia, ela sabia costurar. E eu fazia, chorava que nem doida, porque eu tinha dificuldade. Não é que nem... depois eu aprendi o traçado. Era tudo assim, na medida da roupa. Mas eu comecei, eu tinha, acredito que uns sete anos, na costura. Pra morrer o assunto, até hoje, Claudia, eu mexo com costura. Não igual era. Hoje eu mexo menos, né? Já tenho problema de coluna e aí, por tudo, já não aguento mais sentar na máquina cedo e ir até dez horas da noite. Não tem mais isso. Mas continuo com as minhas máquinas aqui, de costura. Mas voltando ao assunto da Nelma. Ela ficou trinta dias dentro do Base. Todo dia eu ia visitá-la. Eu não tinha dinheiro do ônibus, eu ia à pé. Eu falo: hoje eu tenho dificuldade com as minhas pernas. Mas era a pé. E a minha família ficou lá no sítio. Aí, quando eu podia ir, eu ia, que não tinha telefone. Ia lá visitar. “Vai pra (lá)_______ (1:17:27). Vai pra Bauru, meu irmão. Vai pra Bauru.” Aonde que a sua mãe teve que ficar aí na roça, trabalhar, a Kátia trabalhar e a Cida trabalhar. Passado um tempo, eu consegui trazer a Cida, pra ajudar o (arranjo de cuidar da Lene)_______ (1:17:42). Aí as outras, tudo choravam e não queriam ficar no sítio. O meu pai morreu, todos tiveram que trabalhar na enxada. E eu não cheguei a trabalhar na enxada. Mas aí foi onde que lá, depois de dez anos, foi que eu, de tanto falar com o meu irmão, foi que ele resolveu vir pra Bauru. E acertou tudo. Acertamos um caminhão daqui, pra buscar a mudança lá. Foi que vieram pra cá e mudaram no Vista Alegre. Eu arrumei casa de aluguel, tudo, tudo, tudo. A sua mãe chegou aqui, lá do sítio e trabalhou lá na Everest, né? E a Kátia trabalhou também na Everest. E a Cida trabalhava com essa senhora, que era freguesa minha de costura, a Magali, que me ajudou no Fórum lá, com o juiz. E depois a Cida entrou no Pastifício Terra Branca. E a vida, assim, está até hoje. A sua mãe não trabalha mais, a sua mãe casou, não trabalha. A Cida, que casou, continuou trabalhando. Hoje ela está parada, já aposentou. E a Kátia ficou com esquizofrenia, viu, Claudia? Eu tenho uma irmã, por causa de um amor por um marido, perdeu a razão. Ela não tem (razão)_______ (1:18:55) que nem tem a gente. Você olha nela, você vê. O marido traiu ela e ela entrou num casulo e nunca mais saiu.
P/1- Uma depressão profunda.
R- Sim. Já esteve internada umas três vezes. Ela anda pra rua. Ela fala com vozes. Ela grita. Trata com psiquiatra, tudo, mas nunca mais ela é o que ela era. E a minha mãe, né, veio, ficou aqui. Viveu dez anos aqui, vivendo em Bauru. Depois, você vê, em 1996, ela partiu também. Ela não tinha nada, deu um infarto fulminante, foi embora. E aí a família veio em _______ (1:19:35), né? O Wiliam quer mais alguma pergunta?
P/2- Então, eu ia perguntar, no caso, quais são os lugares que a senhora trabalhou, aqui em Bauru, como costureira. A senhora falou que fez um curso.
R- Quando eu casei, a primeira coisa que o, hoje, ex-marido, perguntou: “Você quer fazer o corte e costura, que a sua mãe te ensinou o bruto?” E eu falei sim. Fiz o corte e costura, com duas professoras que tinha aqui na... ai, meu Deus! Na rua... como é que chama essa rua que sobe? Antônio Alves. Eu morava na Bela Vista, lá perto do Fórum. E eu descia até elas, fazia o meu corte e costura. Aí, dois meses, três meses, o meu ex-marido, na época marido, foi lá perguntar pra elas, elas falaram pra ele: “É a melhor pessoa que tem aqui pra aprender costura. Ela tem uma mão tão perfeita, que ela não entorta o (ponto)_______ (1:20:27)”. Eu fiz o curso oito meses. Não pude pagar o meu diploma. E ele não pagou. Era o curso da época, né? E ele não pagou. E aí eu comecei a costurar. _______ (1:20:40) costurei, casa, costurava. Eu só saí de casa pra trabalhar fora, por causa de decepção com ele. Ele me maltratava muito em casa, maltratava os clientes. Depois que ele pôs bar, largou de trabalhar em ônibus. Ele pôs bar e ele maltratava muito os clientes que vinham na minha casa, ele tocava as pessoas. É tanto que eu te levo pra uma pessoa daqui, se você quiser, Wiliam, ela vai falar pra você o que ela sofreu aqui dentro da minha casa. Ela fala: “Eu amo você. Mas eu não vou na sua casa. Ele humilhou a senhora”. Ela fala “mão de fada”: “Você tem as mãos de fada”. Aí, eu trabalhei numa boutique, a Portable, hoje é fechada, né?
P/1- Quem era dona da Portable?
R- A Lucilene. A família dela é gente dos Capra. Lá, como fala? Perto do Tatu.
P/1- E onde ficava a loja, Dona Juraci?
R- Na quadra dezoito da Duque de Caxias. Centro comercial. Naquela época era todo bambambã ali. Eram todas as lojas que funcionavam. Eu trabalhei ali. Eu trabalhei quatro anos pra ele, na minha casa, Claudia. Eu que ensinei alta costura pra ele. E aí, quando foi que o meu ex-marido os humilhava muito, trazia roupa, no caso, hoje e era pra pegar amanhã à tarde. E eu tinha que estar com a roupa pronta. Aí, de tanto ele maltratar, ele falou pra mim, ele me chamava, até hoje aonde ele me encontra, se ele me encontrar, ele não fala o meu nome, ele chama de Bela. Isso gerou uma confusão com colegas, sabe? Porque era Bela pra cá, Bela pra lá. Ele é Pierre e ela, Lucilene. E aí eu fui. Ele falou: “Vai trabalhar com ele na loja”. Que ele estava com um destaque, na época, lá na quadra dezoito da Duque de Caxias. E eu fui trabalhar pra sair de dentro de casa, que eu não aguentava tanta humilhação. Eu fui trabalhar. Eu já tinha a minha filha com cinco aninhos, a Vivian. Eu levava a Vivian. Eu falei: “Eu tenho que trazer a minha filha”. Eu levava a Vivian. Entrava às sete e saía, fim de ano saia às onze. Ele vinha trazer em casa.
P/1- Nossa!
R- É. Ele vinha trazer em casa. E no outro dia, às sete, tinha que estar lá.
P/1- Mas era uma loja de roupa sob encomenda?
R- Sim. Era. Costurava pro Lions, pra turma do Lions, costurava pra Dinda, aquela que tem, eu não sei se ela tem até hoje, negócio de cuidar de cachorro lá, eu não sei como fala.
P/1- Pet shop?
R- Isso. Isso. Se eu não me engano ela estava lá, até esses tempos atrás, a Dinda. A gente costurava pra aquela turminha daquela alta ali da cidade. Está todo mundo ali. E aí...
P/1- A quadra dezoito é depois do viaduto, então?
R- Isso. Depois do viaduto. Isso mesmo. Ela era, assim, um centro comercial, bastante loja. Está lá. Eu passei esses dias, vi lá, tudo fechado. Nada aberto.
P/1- Está tudo fechado. Estava tudo fechado.
R- A gente trabalhou...
P/1- Quais eram as outras lojas que tinha ali, Dona Juraci?
R- Tinha uma lavanderia. Tinha uma loja que eu não sei como chamava, era de calça jeans, de marca. Tinha uma camisaria, ali. Tinha um restaurante, que era primeiro, nós éramos a segunda loja, subindo da Duque pra cima, pro lado da Rondon. Nós éramos a primeira loja, passando o restaurante. Que tinha a primeira loja, coisa de comida ali, né? E nós éramos a segunda. E aí ia indo: a lavanderia, a camisaria e seguia. Não sei quantas lojas tem ali, que eu nunca contei. Eu trabalhei ali, saí dali. Eu saí, logo daí seis meses ele fechou a loja. Ele falava pras outras, as outras duas, que foi eu levando, né, que eu era o braço direito. E começou a surgir confusão de ciúmes. Porque tudo, eu tanto servia pro corte, não me gabando, como servia pras máquinas. E ela servia pra uma coisa e não servia pra outra. Aí uma delas picou três peças de roupa de gente do Lions. Eram tudo aquelas senhoras chiques. E aí jogou no cesto de roupa minha. E ele chegou em mim e pôs a minha mãe em mim e falou: “Bela” - mostrou a roupa - “você fez isso?”. Eu só olhei nele, falei: “Eu trabalhei pra você, quatro anos dentro da minha casa. Eu ia estragar roupa? Se eu estragar, eu não preciso esconder. Nunca estraguei uma peça”. Tudo picada. E ele foi até as outras duas. Não discutiu, porque ele não discutia. Simplesmente, eu falei pra ele: “Eu vou embora” - chorando, ainda eu respondi pra ele - “eu não quero fazer confusão pra ninguém” “Não, Bela. Você não”. Eu falei: “Eu vou embora. Não vou trabalhar no meio de confusão. Eu trabalho honestamente”. Quem aprovava a roupa, quem tirava defeito das roupas, tudo era eu. Gerou um clima de ciúmes, sabe? Uma ciumeira que não tinha jeito _______ (1:25:46). E eu falei: “Eu vou sair”. E ele falou: “Me dá prazo de trinta dias”. Dei o prazo de trinta dias e saí. E vim pra casa. Aí não fiquei muito tempo em casa, Cláudia. Aí uma amiga, que era freguesa de costura minha, abriu uma loja de costura e falou: “Eu quero você, a pilota da minha loja”. E na mesma rua minha aqui, a dois quarteirões pra frente. Eu trabalhei com ela quatro anos também. Dalmax, era, na época. Eu trabalhei com ela. Aí, graças a Deus, ali não tinha ninguém com tal da inveja, que eu não gosto nem dessa palavra. Trabalhei ali, era tudo amiga, a dona, a sócia da dona, a overloquista. E aí era costura social, de novo. E trabalhei quatro anos. Também, às vezes, chegava em casa onze horas da noite.
P/1- Nossa!
R- Depois disso daí, eu não trabalhei mais fora. Já ajeitei serviço pra trabalhar só em conserto, nos Altos da Cidade. Ah, não! Trabalhei pra uma senhora também, nos Altos da Cidade, pra fazer vestido de balé. Ali perto do... eu não sei a rua. É perto do Sesi, pra cima do Sesi. Eu trabalhei, eu acho que dois anos, fazendo roupa de balé, com ela.
P/1- Ali na Quintino Bocaiúva? Ali?
R- Isso. Por aí. É. Trabalhei ali. Não sei o nome. Ali, eu não lembro o nome. Ela fazia. Sei que ela me deixava nas máquinas e ia entregar os vestidos de balé. E eu montava aqueles vestidos. Ela levava pra pessoa provar e chegar pra terminar. O macaquinho, a sainha, tudo. Tudo. Até a boina, ela fazia. Mas a boina era ela que fazia. Aquelas coisas que põe na cabeça, pra entrar na piscina _______ (1:27:37). Eu trabalhei ali. Depois eu fiquei em casa, Cláudia. Eu não quis trabalhar mais fora. Esse ano mesmo, me ofereceram pra eu trabalhar nos Altos da Cidade, só de reforma. Eu falei: “Não quero”. Eu estou cansada, né, Cláudia? Muitos anos. Eu comecei a minha vida na cozinha com sete anos, na máquina com sete anos. Tem hora que eu falo: “Eu não quero cozinhar mais a vida inteira. Eu vou _______ (1:28:00) comida. Faz comida” “Não, quero comer a sua comida”. Eu falei: “Eu quero tempero diferente”. (risos)
P/1- Enjoa, né?
R- É. Enjoa. Você cansa, né? E eu tenho um filho...
P/1- Enjoa.
R- Pode falar.
P/1- Pode falar.
R- Eu tenho um filho que um dia sim, um não, ele trabalha das sete às sete. Tenho que fazer a marmita dele, não tem pra onde correr. E tem a filha e a neta que comem comida comigo também.
P/1- Tem que ser. Agora, a senhora trabalhou tanto nessas confecções sob medida, né? Assim, como a moda foi mudando, Dona Juraci? De tecido, de tendência, assim?
R- Quando eu comecei lá nos anos, foi em 1972, eu comecei o traçado da costura, era muito assim, na época era a seda javanesa, o tecido, seda javanesa. O linho, o linho mesmo, tinha muita roupa de linho. E tinha a viscose, não eram as de hoje, porque elas não encolhiam. Tinha o chiffon, que hoje nem vê mais, esse nome desse tecido. E tinha o que mais, mesmo? O crepe.
P/1- Tafetá?
R- Tafetá, tinha. Eu fazia tanta roupa de tafetá! E eu costurava de noiva. As minhas irmãs, de noiva, fui eu que fiz os vestidos das minhas irmãs, sabe? Tudo o que vinha, as roupas sociais, eu estava pronta pra fazer. E tinha mais tecido que eu não lembro o nome. Mas tinha, assim, hoje, não tem metade do nome dos tecidos que tinha antigamente. E os modelos, eu assinava Figurino, a Manequim. Eu assinei mais de trinta anos, sabe?
P/1- A senhora desenhava, então?
R- Não. Desenhar eu não desenhava, que eu não fiz a arte do desenho. Mas era o figurino. O que está no figurino, eu passava no papel e passava no tecido. _______ (1:29:54).
P/1- Pegava o molde e fazia?
R- É. Fazia. Pegava lá. Até hoje, a medida da pessoa, o modelo que ela quer, eu passo no molde. Do molde, eu passo no tecido.
P/1- É bem artesanal, né?
R- É bem artesanal. É tudo arrematado na mão. Hoje, muitos que é só na máquina. Mas antigamente era tudo na mão. Cada modelo, que eu vou falar pra você!
P/1- É. E Dona Juraci, o pessoal levava o corte, já, do tecido?
R- Sim, levava. Eu cheguei a querer abrir um tecido meu, mas o ex-marido fez um escândalo, fez parar. Eu era muito assim, Cláudia. Eu vou fazer o gesto, você vai ver. Eu era muito assim, falava as coisas pra mim, eu só fazia assim, ó. Eu não chacoalhava assim. Hoje eu não sou assim, mais. Mas eu não chacoalhava assim.
P/1- Hoje mudou. Mas de onde o pessoal comprava os tecidos, a senhora sabe? Assim, a senhora tinha preferência, indicava?
R- Não. Era Tanger, A Tropical e como que chama a outra, meu Deus? São José, São Jorge.
P/1- Casa Síria? São José? Bazar São Jorge?
R- Sim. Comprava ali no Bazar São Jorge. Mas mais era na Tropical. A Tropical tinha uma desenhista que desenhava o modelo, ela já punha o meu endereço - na época, foi que eu comprei o meu telefone de linha - e punha meu telefone. E vinha pra minha casa. Chamava Rose.
P/1- Que beleza. Ahn?
R- É. Ela chamava Rose, essa desenhista da Tropical. E aí vinha a Tanger, né? A Tanger tinha muito tecido. Eu aprendi a fazer calça de homem, camisa. Tudo isso eu não aprendi no traçado. Eu aprendi depois.
P/1- O que a senhora mais gostava de fazer?
R- Ai, eu amava fazer os vestidos, né? Porque cada modelo eu enchia os meus olhos. (risos) Os vestidos. Até hoje eu gosto muito de fazer vestido. Podia ser o modelo que fosse: babado, sem babado. Aquele __________ (01:31:59) na máquina, que fecha o ponto na máquina e você trabalha. Ai, eram quilômetros de tecido que eu fazia ali, de metro, metro, metro. Eu não tinha preguiça.
P/1- E tinha aquele plissado?
R- O plissado, tinha uma pessoa... ahn?
P/1- O plissado foi muito moda, uma época, né?
R- Foi. Tinha o plissado, mas a gente, eu tinha uma - a gente ia descobrindo, né? - pessoa aqui atrás da rodoviária. Como é que chama aquela avenida ali? É... ai, meu Deus.
P/1- Na Nuno de Assis?
R- Não. Não existia nem a Nuno ainda. Não. Existia, sim. Era atrás... como chama? Guadalajara. Guadalajara, uma coisa assim. A gente tinha uma pessoa que plissava pra nós. A pessoa comprava o tecido, a gente dava o endereço, a pessoa levava e vinha plissado pra gente trabalhar.
P/1- Porque tinha que ser uma fôrma, né?
R- É. Diz que era uma máquina. Eu mesmo nunca fui ver. Mas a minha colega que levava muita roupa lá, ela ia lá. Essa que teve a fábrica depois, a Dalmax. Ela levava e trazia a roupa plissada pra gente trabalhar, o tecido, né? 2)
P/1- Ahan. Seda tinha bastante?
R- Ah, seda. As nervuras que estão voltando de novo. Aquelas preguinhas fininhas, prega maior, eu trabalhei muito. As blusas com aquelas mangas que faziam assim, toda enviesando assim, ó, fiz muita blusa assim, sabe? Linda. A frente toda, a gente fala “nervura”, né, as nervuras. Era muito lindo. Muito lindo. A roupa era muito trabalhada, viu, Cláudia? Não é igual hoje, não.
P/1- Muito trabalhada, né? Era artesanal mesmo.
R- Sim. Muita _______ (1:33:44)
P/1- Teve aquela época que usou ombreira.
R- Sim. Os blazers de ombreira, os vestidos de ombreia. Tudo isso eu trabalhei muito, Cláudia, Muito. Se não tivesse ombreira, não era roupa. (risos)
P/1- Hoje nem usa mais, né?
R- Não. Ninguém quer. Se tem alguma coisa, pede pra gente tirar.
P/1- Agora, teve alguma moda assim que a senhora detestou? Assim, que a senhora falava: “Deus me livre”?
R- Teve. No tafetá. Fazer o tafetá e drapear na sua própria mão. Ô. Você faz aqui, ele estufa ali; você faz lá, ele estufa do outro lado. Aquilo lá era horrível pra fazer.
P/1- Porque é um pano meio duro, né? Armado.
R- Ele é.
P/1- Encorpado, né?
R- Ele é bom pra godê franzido. Mas pra drapear, aquele drapeado que o povo gosta, assim, ah não, aquilo lá era horroroso. Não era horroroso, aquilo lá eu detestava. (riso)
P/1- E teve, assim... vestido de noiva, a senhora fazia?
R- Fazia. O que você chegasse em mim, eu estava fazendo. Até terno, eu fiz. Hoje eu não quero fazer mais.
P/1- Terno é difícil, hein?
R- É. O blazer, eu demorava dois dias e meio, pra fazer um blazer. A calça saía rápido. Mas o blazer, não. Muito demorado. É tanto que vieram esses tempos atrás, aqui, pedir pra mim, eu falei: “Não faço mais, não. Não”. É muito trabalhado.
P/1- Nossa! Deve ser, mesmo.
R – O blazer é muito cheio de bolso. É bolso no forro. É bolso fora. É bolso por dentro. É bolso aqui em cima. Você demora muito tempo nos bolsos. Não. Não dá. E gasta muita energia, porque tudo você tem que por entretela, pra ficar firminho.
P/1- Pra ficar firme.
R- É. Aham.
P/1- Dona Juraci, mas assim, hoje, o que mudou mais? O pessoal compra muita roupa pronta, né?
R- Muita roupa pronta. Eu ainda tenho o cliente que compra lá o tecido, escolhe o modelo e vem pra eu fazer. Mas é muito, assim, é roupa pronta pra você apertar. Às vezes, que nem teve uma freguesa que compra, está justinha, pede pra pôr um detalhe de renda nela, sabe, pra acrescentar, ela tem o braço muito gordo, pra pôr uma renda assim, separando, pra aumentar e vira detalhe. Mas é roupa... porque a Tanger, você vê, fechou, de tecido.
P/1- É.
R- Tem A Tropical. Uma loja aí pra cima do DAE, eu não sei nem como é que chama. E tem a São Jorge, que você falou. E uma, a Empório Brasil, tem tecido. Só. Não tem mais. Antigamente, era Riachuelo, Pernambucanas, tudo tinha.
P/1- Todo mundo tinha, né?
R- É.
P/1- O que eu acho super interessante, que eu acho que é assim, o pessoal sabia calcular quanto vai pra fazer uma saia, sabe assim?
R- A maioria vem pedir pra costureira. A maioria: “Quanto vai?”. Você tem que saber. “Eu quero um godê duplo”, você tem que dar a metragem. Então, é raro. Ou a moça da loja dá.
P/1- Mas tem um conhecimento aí, né?
R- Tem. Tem.
P/1- Tem que ser bom de matemática.
R- É. Eu já estou, que nem eu falei, a gente vai ficando, como diz o outro, mais velho, você não vai tendo aquela cabeça que você tinha, mais. Eu não parei de tudo de costura porque, se eu parar, eu tenho cisma da minha cabeça fechar. Tem vizinha aqui com mal de Alzheimer. Não é que eu tenho medo, mas eu falo: “Fecha a mente”. Porque a costura é uma matemática: tem que subir, tem que aumentar, tem que diminuir, sabe? Às vezes, você tem que pôr uma conta aí subtraindo, diminuindo. Olha, tem que ter a cabeça bem firme pra _______ (1:37:58) costura.
P/1- É um conhecimento enorme, eu acho. E o molde? Como vocês interpretam o molde? Porque vocês sempre veem aquelas revistas, né, com molde, assim. Parece grego, pra gente que não conhece.
R- Ali, você tem que pegar a numeração, Cláudia. É por número. Você chega, você aproveita... apesar que, às vezes, você tem duas, três peças pra fazer. Se você pegar o molde, sai um molde só naquilo que vem emaranhado lá. Aí você tem que pegar a sua caneta, o seu esquadro, a sua fita e desenhar. Você fazer a punho.
P/1- Fazer, já faz em cima do tecido?
R- Não. Faz no papel, pra passar no tecido.
P/1- Faz no papel.
R- É. Pra passar pro papel, você confere pedacinho por pedacinho. Ai, ai, ai, o gato! Ele quer alguma coisa aqui. O que você quer? Você viu?
P/1- Que graça!
P/2- O gato veio participar.
R- É. O gato veio. Eu falo que é o xodó da vovó. Da mamãe. (risos) Meu Deus do céu!
P/1- (risos) Que graça!
R- Veio ver o que eu estou fazendo.
P/1- Dona Juraci e, assim, a senhora morou, quando a senhora chegou aqui, a senhora morava na Bela Vista, né?
R- Sim.
P/1- Como era o bairro, quando a senhora chegou aqui? Descreve pra gente.
R- O bairro no Bela vista? Ou onde eu morei...
P/1- A Bela Vista.
R- Ah, era um bairro calmo, gostoso. Ali próximo ao Fórum. Não tem uma delegacia, hoje, que tem ali? Eu morei paralela aquele terreno, era um terreno da delegacia. Era na São Lourenço. Ai, era gostoso, Claudia. Eu morava assim: a dona na frente, eu morava no meio e tinha outra família nos fundos. Mas ninguém tinha briga, não tinha confusão. Era uma delícia. Era uma paz total. Muito gostoso. A cidade bem próxima dali. A gente ia de “SP2”, nem ônibus, naquela época, a situação ali, tinha. Era muito gostoso. O Bela Vista era bem calmo.
P/1- Era um bairro bem residencial?
R- Era. Era gostoso morar ali. Ali morava mais, eu falava que tinha mais gente de dinheiro, que morava ali. Mas tinha uns pobres no meio. (risos) Era gostoso.
P/1- Imagina! Dona Juraci e, assim, o que vocês faziam na hora de lazer? Onde vocês passeavam? Onde vocês iam?
R- Aqui, casada?
P/1- É. Já casada.
R- A gente ia muito...
P/1- Quando a senhora morava na Bela Vista? Ia no Centro?
R- Ia pro Centro. Às vezes, a gente ia lá, naquela época existia a Pizzaria Vila Rica, a gente, às vezes, ia lá. Que era da Vila Rica.
P/1- Era famosa, né?
R- Era. E passear, passear assim, viajar, que ele ia mais, porque ia na casa da família dele, Marília, ia à Pederneiras, que a mãe dele morava em Pederneiras. Rio Claro, tinha o irmão dele. A gente ia visitar. As folgas dele, a gente procurava conciliar nesse sentido aí. As outras vezes ia na minha mãe, lá no sítio. A gente ia lá na mãe, ficava três, quatro dias. E depois a coisa foi encolhendo, eu falo: “Encolheu”. (risos)
P/1- E a senhora morou na Bela Vista até quando?
R- Eu morei três anos, quatros anos na Bela vista. Em 1972. Eu saí da Bela Vista em 1976, eu saí da Bela Vista. Aí eu vim. Ele deu a louca de ir pro sítio, lá em Santelmo. Não sei se você conhece Santelmo, perto de Pederneiras.
P/1-. Santelmo é Pederneiras, né?
R- Sim. Fomos pra lá. Eu não queria. Mas eu disse pra você que eu era que nem só um burrinho balançando a cabeça, que sim. Fomos pra lá. Ficamos um ano. Eu já tinha o meu filho, né? Porque eu demorei três anos pra ter o meu filho. Aí eu já tinha o meu filho, com cinco meses. Fomos pra lá, ficamos lá um ano, um ano e pouco. Ele comprou uma casa lá. Saiu do Expresso de Prata, ele era cobrador do Expresso de Prata. E aí viemos pra Bauru. Só que aí, eu vim pro Bela Vista de novo, na Padre Anchieta. Não no _______ (1:42:14) mais, na Padre Anchieta, perto do colégio... como chama o colégio ali, meu Deus? Esqueci o nome dele. É não sei o que lá de Anchieta, também. Vim ali na Padre Anchieta. Da Padre Anchieta, mudamos. Aí nós compramos esse terreno onde eu moro hoje, aqui perto da Faculdade Anhanguera.
P/1- Ah, tá.
R- Não tinha luz, não tinha água, não tinha nada. Com a cara e com a coragem.
P/1- Que ano era isso?
R- Aonde é? Então, aqui perto...
P/1- Não. Que ano?
R- Que ano? Foi 1977.
P/1- Não tinha nada?
R- Nada. Era só mato. Não tinha luz. Não tinha nada aqui.
P/1- E como vocês acessavam? Já tinha aquele pedaço da Nações?
R- Não. Ali tudo não tinha nada de Nações. Não tinha nada dessa Nações Norte que passa aqui próximo de mim, também. Não tinha nada disso, Claudia. Não tinha nada disso.
P/1- E como vocês iam pra casa? Qual era o caminho, assim?
R- O caminho, a gente passava por dentro do Rio Bauru, pra subir até onde eu moro. A Anhanguera era puro barranco, puro barroca. Onde é a Anhanguera aí, sabe? Tinha uns pés de manga, assim, paralelo onde o povo descia. Tinha uma mina. Não tinha nada disso hoje, é cidade tudo. Era só mato. Você via mato pra lá, mato pra cá. Não tinha.
P/2- Tia, mas tinha uma ponte pra passar no Rio Bauru? Como era?
R- Não. A gente passava... tinha ponte que tem até hoje ali na baixada, que eu falo baixada, que fala baixada (baixada do Silvino)_______ (1:43:52), que pega lá, agora, a Nuno de Assis e pega a Nações. E pra gente vir pra nós, era passar dentro do Rio Bauru. Ele era rasinho, a gente tirava o chinelo, punha a patinha na água e subia do outro lado. (riso)
P/2- Pisava, mesmo?
R- Pisava mesmo. Não tinha esse tanto de esgoto, que tinha, você via a água branquinha. Mas e eu não queria vir pra cá _______ (1:44:21), né? Mas comprou o terreno, era meu, né?
P/1- Era de vocês. Aí vocês construíram?
R- Construiu. Mas aí ele entrou com a situação do bar, Claudia. Onde que eu tenho prédio na frente. Onde eu estou aqui, era uma área só. A minha filha fez a cozinha. E pra trás aqui, era um açougue. E da onde eu estou aqui na cozinha, era um açougue. E do lado era o bar dele. Mas ele passou a beber junto com os clientes.
P/1- Aí não deu certo.
R- Não. Não deu certo, porque ele brigava muito. E os clientes, ele xingava muito, os clientes foram afastando, né? Mesmo assim, ele teve o bar quatro anos. Aí ele fez a edícula lá no fundo pra mim. Eu moro numa edícula. Tudo o que eu falava pra ele, ele falava que não ia fazer e não fazia mesmo. E ele mora, hoje... ele largou de mim, na época, foi embora, viver com as mulheres que ele queria. Hoje, ele mora aqui na frente, do lado, que é paralelo, são quatro cômodos, são cinco cômodos que tem aqui na frente. Ele mora do lado. Eu moro nos fundos. E a filha mora do outro lado, onde eu estou aqui, agora.
P/1- Aí a senhora teve uma menina também?
R- Tive. Depois de dez anos que eu morava aqui, já, eu tive uma filha. Eu não tinha mais filhos. Eu falava que eu não ia ter mais filho. Mas, de repente, eu falo que ele, bêbado, pingou ela dentro de mim. (risos)
P/1- Como chamam os filhos da senhora, Dona Juraci?
R- Ele chama Luis Adamek dos Reis Vanin. E ela chama Vivian do Reis Vanin.
P/1- E eles estudam? O que eles fazem?
R- Não. Ele não estudou. Ele fez até o terceiro colegial. E já começou a trabalhar. Porque, na época, o pai exigia que ele trabalhasse. Começou a trabalhar e abandonou a escola. Ela não quis estudar, fez até o terceiro colegial. E hoje, ela arrepende. E ela está com trinta e cinco anos e ela fala, ainda diz que quer ver se faz uma faculdade de coisa de enfermagem. Mas ela não quis, também, estudar. E eu lutei, que eu falava: “Pelo menos vamos tentar de todo jeito, né? Vê se ganha meia bolsa, a gente paga o resto”. Não. Ela não quis. E hoje ele tem uma filha, que eu tenho uma neta só, de quinze anos. Está aqui dormindo.
P/1- Quinze anos?
R- Dormindo, não. Está lá na cama.
P/1- Que beleza!
R- É. Ela é uma neta linda. É o que eu falo, é meu xodó. Ela que quis o gato, o gato é dela.
P/1- Eu imagino. (risos) É dela?
R- É dela. É. É dela. Eu não queria gato. Ela me conquistou com gato: “Não, vó. Eu quero gato”. Está o gato aí. Então, a vida paralisou. Porque eu, meus filhos, eu falo, eu queria que eles estudassem. Mas não. Não quis. O menino foi trabalhar, né, que ele falava que o menino tinha que trabalhar, pra ajudar em casa. Parou. Até hoje, é trabalhador, eu falo, é uma jamantinha trabalhando. E ela também trabalha. Ela cuida de idoso.
P/1- Ah, tá.
R- Tem prática de escritório também, que trabalhou numa coisa de advogados. Ela trabalhou na Sat Engenharia. Hoje, ela fez o curso de idoso, só está cuidando de idoso. Só que eu falei pra ela: “Você tem que caminhar. Não é parar”. Eu já tenho uma idade avançada, né, Claudia. Não é dois anos mais, não.
P/1- A senhora hoje trabalha? Ou já parou de tudo?
R- Não. Ainda trabalho. Hoje mesmo, eu já arrumei quatro peças. Trouxeram pra apertar perna de calça.
P/1- Faz coisa menor.
R- É. Eu operei da vista, Claudia. Eu não estou podendo costurar, ainda, não. Mas eu sou teimosa. Você pode ver que eu estou com óculos de sol dentro de casa, eu não aguento a claridade.
P/1- É. (risos)
R- É. Eu não aguento claridade no meu olho. Semana que vem que eu vou pôr os óculos que o médico passou pra mim. Eu operei os dois olhos.
P/1- Ah, tá. Foi catarata?
R- Catarata.
P/1- Entendi.
R- Nos dois olhos. E agora, o óculos eu mandei fazer. Vai ficar pronto só dia dezoito.
P/1- Tá bom. Wiliam, tem mais alguma pergunta?
P/2- Tia, eu estou cuidando do gato, agora.
(risos)
P/1- A gente está conversando há quase duas horas, Dona Juraci. Tem alguma coisa que a gente não perguntou, que a senhora quer deixar registrado?
R- Não. Eu acho que você perguntou tudo, Claudia.
P/1- Foi bom, né?
R- Você acha que você tem alguma coisa mais pra perguntar? Pode perguntar.
P/1- Eu tenho uma última pergunta só, pra gente encerrar. É uma pergunta de praxe que a gente faz. A senhora está aqui com a gente, a senhora contou a sua trajetória de vida, desde a fazenda lá em Penápolis, a história da família, o casamento e principalmente do ramo de confecção feminina, né, porque é o projeto Memórias do Comércio. O que a senhora achou, assim, de ter passado esse tempo com a gente, ter deixado registrado a sua história pra um museu? Como é que isso se _______ (1:49:25)?
R- Ah, foi muito bom, Claudia. Eu tenho que agradecer vocês. Foi muito bom. Agradecer o Wiliam. Ele gosta de história. Eu também gosto. (risos) E eu estou parada no tempo, Claudia. Uma por causa da minha idade, eu tenho uma limitação pra tomar um ônibus. Eu vou pra qualquer lugar, ele que me leva de carro, sabe? Depois que eu enfartei, eu tenho uma limitação na minha perna. Mas eu amei. Obrigada, por você... vem. Eu sei que você é ocupada, mas vem uma hora aqui, conhecer o lugar meu aqui, vem tomar um café.
P/1- Vamos, sim.
R- Se nós não temos um pãozinho na casa, um bolinho da massa de pão, sabe? Ou faz uma outra coisa. Passa um pedaço da tarde com a gente, tá?
P/1- A gente vai se ver, sim. E se Deus quiser, logo, logo, né?
R- Tá bom. Eu agradeço. Que nessa pandemia nós não podemos ver.
P/1- Não. Então, assim, pra gente finalizar oficialmente, né? Eu agradeço a senhora ter participado do projeto, ter passado esse tempo com a gente, tá? Agradeço imensamente em nome do Museu da Pessoa, do Sesc São Paulo e do Sesc Bauru, a senhora ter colaborado com o nosso projeto. Foi muito boa a entrevista.
R- Obrigada, Claudia. Eu que agradeço, tá?
P/1- Eu vou só pedir pro Rodrigo desligar o gravador agora.
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