Projeto Memória Petrobras
Realização Instituto Museu da Pessoa
Entrevista de Sebastião Badaró Fernandes
Entrevistado por Márcia de Paiva
Garoupa, 26 de janeiro de 2005
Código: Petro_CAB 002_UNBC
Transcrito por Écio Gonçalves da Rocha
Revisado por Paola Feltrin Ramos
P/1 – Boa tarde.
...Continuar leitura
Projeto Memória Petrobras
Realização Instituto Museu da Pessoa
Entrevista de Sebastião Badaró Fernandes
Entrevistado por Márcia de Paiva
Garoupa, 26 de janeiro de 2005
Código: Petro_CAB 002_UNBC
Transcrito por Écio Gonçalves da Rocha
Revisado por Paola Feltrin Ramos
P/1 – Boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Gostaria de começar a entrevista pedindo que você nos diga seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Meu nome completo é Sebastião Badaró Fernandes. Nasci na cidade de Natividade, no estado do Rio de Janeiro, no dia 19 de fevereiro de 1963.
P/1 – Você pode contar para gente como foi o seu ingresso na Petrobras?
R – Sim. Meu ingresso na Petrobras foi quando eu tinha ainda 19 anos, faltando um mês e meio, aproximadamente, para fazer os 20 anos. Ingressei no antigo Tedesp, que era Terminais Derivados do Planalto Paulista e lá ingressei no cargo de eletricista trabalhando na cidade de São Caetano do Sul e posteriormente trabalhando na cidade de Barueri, em terminais de derivados de petróleo. Lá eu iniciei minha carreira na empresa. Dois anos depois eu fui concursado, com concurso interno, e passei para um cargo de supervisor que chamava-se contra mestre de elétrica. Hoje não existe mais esse cargo. Daí iniciei minha carreira, fiquei lá em São Paulo quatro anos e de lá eu vim assumir uma vaga de contramestre de elétrica em um cargo de planejamento, em um terminal do antigo Torguá, que hoje está sendo administrado pela Transpetro [Petrobras Transporte S.A.]. Esse terminal era na Ilha D’água, no Rio de Janeiro. Então, eu vim pro Rio de Janeiro, onde eu morava na ocasião e lá fiquei dois anos. Passados esses dois anos, eu fiz uma permuta com o contramestre de elétrica daqui de Garoupa. Ele foi pra minha vaga lá no Torguá, na Ilha D’água, e eu vim para Garoupa.
P/1 – E porque você escolheu vir para Garoupa?
R – Eu já tinha essa ideologia antiga de voltar a embarcar por causa da escala de trabalho. Na ocasião não era a escala que a gente tem hoje, era uma escala de um por um. Você trabalha 14 dias embarcado e folgava 14 dias. Hoje é uma escala um pouco melhor. Vim inicialmente atraído pela escala de trabalho e pela vontade que eu tinha, na ocasião, de não morar mais no Rio de Janeiro e voltar pra minha cidade natal que era Natividade. O que me permitia era realmente um trabalho embarcado no mar com uma escala que me permitisse folgar e morar em um lugar fora do Rio de Janeiro, em uma cidade que eu escolhesse.
P/1 – Você chegou aqui em que ano?
R – Eu cheguei em 1989 aqui em Garoupa, 16 anos atrás.
P/1 – Conta um pouco desse início aqui de Garoupa. Como que foi? O que você achou?
R – Quando eu cheguei aqui em Garoupa, em 1989, o módulo já era esse que a gente conhece hoje. Ele já estava operando há aproximadamente cinco anos, na ocasião. Achei que foi um grande desafio porque, embora tivesse sido em um cargo semelhante no terminal de petróleo, aqui a história era totalmente diferente. Primeiro é a condição no mar, afastado da terra, mais complicado. Para transportar alguma coisa, necessitar de alguma coisa, esse manejo todo, estrutura humana e de material, é muito mais complexo. O confinamento também, que era uma coisa para mim até então desconhecida, a gente foi se adaptando. Mas o que me ajudou muito na ocasião, que a gente vindo lá, era muito jovem, foi justamente a amizade que a gente tinha aqui. A gente tinha um grupo de amigos e colegas de trabalho. O sujeito que aqui chegava e logo se interagia com as pessoas que já estavam aqui trabalhando, tinha uma recepção muito boa, um ambiente de amizade excelente. Isso naturalmente ajudava o sujeito a suportar a solidão, a distância de casa e começar a se adaptar nessa nova vida que eu escolhi para mim, uma vida de trabalhar embarcado.
P/1 – E você não teve um trote quando entrou? Tinha alguma brincadeira?
R – Na ocasião ainda tinha. O sujeito entrava, era banho de água, às vezes até uma água meio oleosa, às vezes banho em lugares mais fechados da plataforma, como o próprio dilúvio da plataforma. Esse é um banho mais sinistro. Sempre tinha trote. Além de outros trotes que eu já não peguei. O pessoal mais antigo que fazia, era negócio de pulmão, o sujeito se sujava todo de talco. Esse já não peguei, estava meio fora de moda.
P/1 – Como que era?
R – Era um trote que tinha com o pessoal da instrumentação, o sujeito era chamado para fazer um teste de esforço pulmonar, o cara soprava e aquilo vinha na testa, sujava o cara.
P/1 – Vinha cheio de talco?
R – Vinha cheio de talco. Outras brincadeiras que existiam eram de chave para apertar jaqueta. O sujeito ás vezes chegando novo... não foi o meu caso, eu já estava vindo do ambiente Petrobras. Mas chegava naquela época muita gente jovem para trabalhar na empresa. O cara mandava ele pegar uma chave para apertar a jaqueta. Chegava lá o cara dava uma chave enorme, um brinco enorme para o sujeito, ele para baixo sem saber o que ia fazer. Na verdade aquilo era uma brincadeira, um trote. O cara ficava passeando com aquela chave o dia inteiro. Ia em uma pessoa, a pessoa mandava para outra, ficava aquela molecagem. Era saudável, legal,
divertido.
P/1 – Nessa época que você chegou aqui, o que se falava de águas profundas, de todo esse projeto da Petrobras?
R – Na época que nós chegamos, começou
a sondar essa coisa de águas profundas. Já em 1989, tinha expectativa da descoberta do óleo em regiões mais profundas. Isso batia em todo mundo como um desafio extremo porque a gente já estava aqui conhecendo uma coisa, trabalhando em uma lâmina d’água daqui de Garoupa de 120 metros. Já era uma coisa muito moderna para o Brasil. Isso era o desafio, era a maneira de enxergar que a empresa estava muito além, em termos de tecnologia, estava em um crescimento notório. É a impressão inicial que eu, particularmente, tive dessa coisa de águas profundas, ver que a empresa estava muito além do que nós mesmos que trabalhávamos na empresa pudéssemos imaginar. E a empresa realmente mostrou isso. Hoje já está se falando em águas ultra-profundas.
P/1 – O que você acha que mudou ao longo desses anos, aqui em Garoupa?
R – Mudou primeiramente
o ambiente, porque houve um período muito grande da empresa sem contratação. As pessoas naturalmente envelheceram. Quando a empresa retomou a contratação, houve um gap muito grande, uma distância muito grande entre as pessoas que foram contratadas na minha época, antes de mim um pouco, para esses novos que estão chegando. Nessa relação humana, nesse período de aproximadamente dez anos sem a empresa contratar ninguém. A empresa praticamente não contratava ninguém desde 1990. Voltou a contratar dois anos e pouco atrás.
Houve esse choque, ficou todo mundo muito velho, de gerações passadas e veio esse povo novinho agora, numa geração atual, da geração que está presente. Com essa dinâmica que está hoje no mundo da informação, esses meninos são muito diferentes dos
mais velhos, como eu, que já estamos todos na faixa de 40 e poucos anos. É inegável que há um choque, porque a cultura foi outra para a geração deles e para a nossa também. Outra mudança que houve foi a mudança técnica. No nosso caso, por exemplo, já tinha uma plataforma que, para a ocasião que ela foi projetada, na década de 1980, o projeto iniciou no final da década de 1970, era um projeto muito moderno, de segurança da plataforma, da lógica de segurança e de proteção contra fogo, contra vazamento de gás e tudo mais. Era muito moderno, mas só que isso foi engolido no decorrer do tempo e veio a nova tecnologia para os projetos novos, mas também para nós que já tínhamos a tecnologia, que já estava desatualizada. Veio um upgrade para plataforma, que foi a automação da plataforma, era bem automático. E vieram os painéis, que são os _____.
P/1 – ________?
R – Isso, é tudo informatizado. Isso levou a gente a um acompanhamento na tecnologia moderna. Era uma coisa que você estava habituado, hoje é tudo microprocessado. A relação do operador, por exemplo, hoje com controlador de pressão, de temperatura, é uma coisa ultra-moderna em relação às anteriores, que era tudo pneumático. Teve que haver essa adaptação pela necessidade da empresa de melhoria da própria tecnologia, tanto nos projetos novos, que a gente sabe que já vêm com esses pacotes, quanto nas antigas como a nossa, que sofreram essa modificação para poder atualizar e a gente continuar com uma sobrevida maior, utilizando a instalação da plataforma por mais tempo.
P/1 – Você tem alguma história
interessante que você gostaria de contar?
R – Uma história engraçada?
P/1 – O que você quiser, alguma história que você tenha guardado ou que tenha te marcado, que você acha engraçado.
R – Às vezes é difícil lembrar, foram muitos anos. Tem uma história aqui da época dos trotes, coisa muito antiga, não sei se o Valter mencionou alguma coisa, sobre o negócio da baleia?
P/1 – Não.
R – A baleia foi o seguinte: aqui antigamente tinha um grupo de engenheiros, ficava em uma sala em frente a essa e lá existia um engenheiro por nome de Uzeda, muito brincalhão, muito moleque com aquelas coisas do trote que tinha naquela ocasião, ele era muito ligado ao trote. Ele inventou um trote numa cadeira com um pé danificado, chamava uma pessoa, o sujeito chegava ali, ele mandava sentar: “Não, senta aí que eu quero falar para você.” Ele era um cara muito bem quisto, todo mundo conhecia o cara e a pessoa sentava e caia da cadeira. Quando caía já tinha uma turma aqui espalhada estrategicamente pelos corredores e tal, que vinha para pegar o cara, dar a pontuação do tombo, se o tombo foi nota dez, nota nove, nota oito, aquela coisa, aquela molecagem. Só que o que aconteceu? Ele foi mexer com o pessoal que era mais intelectualizado da plataforma, de instrumentação. Os caras se reuniram e bolaram um trote para o cara, para dar o troco no tal Uzeda. O trote foi da seguinte forma: o Uzeda estava ali na salinha dele, pegou e chamou um cara, uma outra pessoa, essa pessoa já estava no ambiente do pessoal de manutenção em conjunto com o pessoal da instrumentação para fazer o tal trote. Aí a pessoa foi chamada para ver: “Ah, chega aqui na minha sala”, para sentar na tal da cadeira e cair. O cara já se comunicou com o pessoal da manutenção. “Pô, está me chamando, a hora é agora”. Espalharam o povo aqui estrategicamente pelo final do corredor, em um lugar bem em cima da porta. A porta já dava para o costado, para o mar. Ficou um cara lá em cima com uma água meio suja, de formação de petróleo. Quando ele passou aqui para sentar, já estava tudo ensaiado, o outro cara do corredor mais à frente falou assim: “Fulano, vem cá ver, vem rápido, rápido. Vem ver a baleia”. Aí o Uzeda dentro da sala falou: “O que?” Aí o outro falou: “É a baleia, peraí, eu já volto. Eu vou ver a baleia”. O Uzeda saiu correndo da sala, ultrapassou o tal cara e chegou na frente na porta, quando ele chegou lá no costado da plataforma ele ficou: “Quedê? Quedê? Quedê?” Tomou um belo banho, depois dessa brincadeira, veio a molecagem. Toda hora o telefone tocava para o cara: “E a baleia?” A vida dele virou um inferno, pelo menos naquele embarque.
P/1 –
Você é filiado ao sindicato?
R – Sou.
P/1 – Você se filiou quando?
R – A muitos anos atrás, quando eu trabalhava lá no Torguá ainda, no SindiPetro-RJ [Sindicato Unificado dos Petroleiros do Estado do Rio de Janeiro] e aqui depois, com a formação do NF [Sindicato Unificado dos Petroleiros do Norte Fluminense], migrei para o NF.
P/1 – Você teve alguma participação?
R – Tive algumas participações não oficiais no sindicato, mas em ocasiões que a gente viveu no passado, de greve, tudo. Mas não diretamente no sindicato. Nunca tive cargo em uma relação mais oficial com o sindicato.
P/1 – E você acha que tem uma conquista do sindicato?
R – Uma das grandes conquistas nossas foi a escala de 14 por 21, que é um dia de trabalho por um dia e meio de folga. Isso foi um grande feito para a gente na época. Foi apoiado na Constituição de 1988. A gente já vinha naquela saturação da escala um por um, que é uma escala realmente muito complicada, difícil.
Aquilo foi um feito que marcou e marca a gente até hoje. Foi um feito
inesquecível. O sindicato estava por trás daquilo. O pleito na ocasião era uma folga de um dia de trabalho por dois de folga, era um desejo, um anseio que nós tínhamos. Não alcançamos, mas alcançamos a de um por um e meio. Isso eu considero uma coisa de destaque que houve porque acho que foi insuperável para nós aqui da Bacia de Campos, que trabalhamos embarcado.
P/1 – Você já está acostumado com a vida de embarcado hoje?
R – Estou bem acostumado.
P/1 – Como é
essa vida?
R – Quando eu cheguei aqui tinha uma brincadeira que dizia que você estava embarcado. Chega um novinho, querendo saber se ia se adaptar ou não. Tinha um rapaz aqui, Caetano, ele sempre falava assim: “Não, rapaz, você fica tranquilo. Vida de embarcado é assim mesmo: no início é ruim, mas com o passar dos anos, ela vai piorando.” Mas isso não é bem verdade. Acredito que a gente vai adaptando um pouco mais, vai envelhecendo, os seus anseios da vida vão modificando com a idade. E a idade vai tendendo a ter uma certa calma com certas coisas e
às vezes um estressezinho a mais com outras coisas. Tolera pouco algumas coisas e tolera mais outras coisas. Uma das coisas que eu tenho observado, em mim pelo menos, é tolerar mais esse confinamento, essa distância de casa, com esse ritmo de trabalho. Agora estou falando por mim, é particular. Eu não gostaria de trabalhar em terra. Eu gosto de trabalhar embarcado.
P/1 – O que você gosta de fazer aqui nas suas horas de descanso?
R – O que eu gosto, o que eu procuro fazer, é uma caminhada. Às vezes não é possível por causa da própria necessidade do trabalho.
P/1 – E conta para a gente aonde você anda.
R – Eu caminho no heliponto, mas isso depende da condição do vento, tem dias que realmente não dá. Outra opção de caminhada, quando o vento está muito ruim, é na quadra. Mas a quadra quase sempre está ocupada, a não ser em um horário, por exemplo, você está trabalhando à noite, de manhã você vai lá e a quadra está vazia. Mas no horário normal, trabalha de dia, vai lá de noite tem gente
jogando bola, você não tem como usar.
P/1 – Você joga bola?
R – Não. Eu gosto mesmo é da minha caminhada, é necessário para mim e é o que eu procuro fazer. Às vezes relaxo um pouco, mas sempre tento voltar na caminhada.
P/1 – É o calçadão lá.
R – É, o calçadão nosso é o heliponto. É o lugar mais propício.
P/1 – Agora, eu queria perguntar o
que você achou dessa iniciativa do sindicato de fazer o projeto memória e se você gostou de participar.
R – Gostei de participar, achei importante. E por ser Garoupa, tem uma relação com a gente muito grande do amor pela plataforma. A gente tem muito essa coisa aqui. Não sei se você teve a oportunidade de conversar e observar isso nas pessoas. A gente acaba tendo um zelo muito grande, não sei se pela convivência, se pela história da plataforma, pela própria história da Bacia de Campos. É o primeiro poço, ele é produtor de petróleo até hoje. Essas coisas, elas dão uma mexidinha com a gente. Pelo menos comigo e acredito que com muita gente aqui. É um orgulho muito grande e eu achei interessante. Até quis participar, me chamaram lá, embora eu não fosse o cara que está desde o início da plataforma, estou só a 16 anos na plataforma. Mas achei interessante por causa dessa coisa da plataforma de Garoupa. Hoje você anda aí, vai fazer um curso em Macaé,
acha um monte de gente que já trabalhou aqui. Às vezes o cara é até um gerente de uma plataforma nova. Quer dizer, a gente exportou a mão de obra. A minha mão de obra foi feita aqui. E assim foram feitas várias mãos de obras e foram exportadas para outras unidades da Petrobras, para outras plataformas, outros navios. Ela merece uma homenagem como está sendo feita aqui em Garoupa. Eu achei muito interessante, procurei valorizar muito.
P/1 – Está certo, Badaró. Eu queria agradecer a sua participação.
R – Tá bom.
P/1 – Obrigada.
R – Eu que agradeço.
---------Fim da Entrevista---------Recolher