Projeto Belo Horizonte Surpreendente
Depoimento de Isabel Casimira Gasparino
Entrevistada por Lucas Torigoe
Belo Horizonte, 16/09/2019
PCSH_HV818
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Ana Beatriz Cunha
Revisado por Paulo Rodrigues Ferreira
P/1 – Qual é o seu nome inteiro, dona Isabel?
R – Isabel Casimira Gasparino. Eu nasci nesta casa, no bairro Concórdia, em Belo Horizonte, Minas Gerais.
P/1 – Em que ano foi?
R – 1964.
P/1 – Que dia foi?
R – 13 de abril de 1964.
P/1 – E o nome do seu pai inteiro?
R – Antônio Gasparino.
P/1 – Como é a família do seu pai?
R – Minha avó era mãe solteira e era de Pirapora - a cidade se chama Lassance, que era a cidade do meu pai. Minha avó veio de lá, com os filhos pequenos, para morar em Belo Horizonte. O pai de um dos meninos dela era um pouco… Não sei te falar a palavra. Só sei que ela veio embora e deixou o homem para trás.
P/1 – Onde fica essa cidade?
R – Lassance? Em Pirapora.
P/1 – Pirapora?
R – É, Minas.
P/1 – Interior de Minas?
R – Sim.
P/1 – E eles faziam o quê lá? O que o seu pai faz ou fazia?
R – Não sei o que eles faziam, não. Só sei que meu pai, quando veio para cá, trabalhava na rede ferroviária. Ele era ferroviário e trabalhava com conserto de linha do trem. O ofício se chamava "conserva de linha".
P/1 – Ele fazia?
R – Fazia. E as pessoas que moravam na minha rua - que se chamava rua da Balança, no bairro Horto -, eram pessoas que trabalhavam nessa rede ferroviária, que chamava "Central do Brasil". Eles trabalhavam ali, porque se tivesse algum problema, estavam todos juntos para poder fazer o socorro da mina.
P/1 – Então vocês moraram lá um tempo?
R – Moramos lá um tempo, quando meu pai casou com a minha mãe, mas eu nasci no Concórdia. Eu vivi no Concórdia por muito tempo, até uns treze anos, mais ou menos, até que fui morar com a minha mãe no Horto para ajudá-la a cuidar dos meus irmãos, porque ela começou a trabalhar. Então meus irmãos que eram menores, mas estavam em fase de escola, ficaram lá. E os que eram pequenininhos, ficaram aqui com a minha avó.
P/1 – Aqui nesta casa?
R – Aqui nesta casa.
P/1 – O seu pai, como que ele… Ele é vivo?
R – Não, ele foi embora.
P/1 – Quando você era criança, como você lembrava dele? Como ele era?
R – Meu pai?
P/1 – É.
R – Quando eu era criança, ele era bom, era alegre, criativo, gostava de lidar com criação de porco, pato, galinha, de horta, de plantar, roça… Era um pequeno terreno que tinha lá na rua da Balança mesmo, onde ele plantava milho, pé de manga, de abacate, ameixa, bananas variadas (prata, caturra, quarema - que é uma variedade de caturra, uma caturra grandona). Dessa fase, teve uma bananeira que deu um cacho tão grande que meu pai pediu para eu contar - eu contei 300 bananas e ele ainda achou que eu tinha errado a conta. Tinha banana para caramba (risos).
P/1 – Ele plantava?
R – Plantava.
P/1 – Ele plantava muita coisa, então?
R – Plantava. Couve, jiló, cebolinha, salsinha, esses detalhes.
P/1 – E criava os animais também?
R – Criava porco, muito porco. Porco da raça duroc, que era porco que dava carne e gordura, era o porco que usava nessa época.
P/1 – Ele trabalhava então…
R – Ele trabalhava das sete às quatro e meia da tarde. Quando ele chegava em casa, ia cuidar desses porcos e da horta. Antes de trabalhar também, ele cuidava dos porcos e da horta. Quando minha mãe ainda não trabalhava fora, ela ajudava a cuidar dessas coisas, só que minha mãe mesmo não tendo um trabalho registrado, trabalhava como professora, dava aula de reforço para as crianças dessa rua da Balança mesmo, vendia livro… Esses detalhes que ela fazia. Ela vendia ovo, para fazer dinheiro para a gente. Quando ela viu que nós estávamos maiores e que meu pai não tinha a intenção de pagar estudo para a gente, ela começou a trabalhar, porque queria que nós estudássemos um pouco mais.
P/1 – Qual era o nome da sua mãe inteiro?
R – Minha mãe chamava Isabel Casimira das Dores Gasparino.
P/1 – Gasparino?
R – Gasparino. Minha mãe era de Belo Horizonte também. Ela também era uma rainha do congo. Esse título era da mãe dela, Maria Casimira, que foi a primeira rainha do congo de Minas Gerais, que foi um título dado pelo governador de Minas, por causa do aniversário de 400 anos do Rio de Janeiro. O governador do Rio de Janeiro convidou os estados para fazerem manifestações em homenagem ao Rio de Janeiro. Então, cada estado escolheu uma coisa e Minas escolheu a parte religiosa. Dentro da parte religiosa, escolheu o Rosário de Nossa Senhora do… O reinado de Nossa Senhora do Rosário. Eles escolheram uma pessoa para ser essa representante, e, no caso, foi a minha avó que foi a representante. Daí, se criou esse cargo da rainha de Minas, que é uma pessoa que é responsável por orientar as pessoas do Rosário, é uma pessoa… No caso da minha avó, ela era mais velha e tinha muito entendimento, então as pessoas vinham até ela para saber de assuntos do Rosário. Por que ela ficou famosa? Porque quando ela fundou essa Guarda de Moçambique 13 de maio, era uma promessa. Ela fez uma promessa de, por sete anos, levantar a bandeira do Rosário - de Nossa Senhora do Rosário - em prol dos descendentes dela, em prol da libertação dos escravos e por aqueles que morreram escravizados, pelos tatas que morreram no cativeiro. Os tatas são os nossos avós, aqueles que vieram antes dos nossos pais. Ao passar sete anos que findava essa promessa, como mulher, ela não poderia fazer uma promessa sozinha. Ela podia fazer a promessa, mas não podia executar sozinha, porque precisava dos homens, que eram os capitães do Rosário, para poder ajudá-la. Então, ela foi até um capitão desses e pediu ajuda. Esse capitão mobilizou os outros para poder ajudá-la e orientavam o meu tio, que era o filho mais velho dela - tio Efigênio Casimiro -, que tinha 14 anos… Não, 14 anos ele tinha ao término dos sete anos. Eles acharam que deveriam continuar aquele festejo, mas devido à manifestação do Rosário, tinha sido proibido pelo Dom Cabral, que era o bispo da época. Então, para fazer essas coisas, tinha que ter licença, tinha que tirar um alvará e mulher não podia. Ela emancipou o tio Efigênio e ele pôde fazer o registro da Guarda e fazer todos os movimentos que os homens faziam. Junto com os homens que eram os bambas da época, que ajudaram a fundar esse reino. Como a vovó com esse ato… Os bambas do Rosário, da época, que eram as pessoas que dirigiam a Federação dos Congados e Marujos de Minas Gerais, acharam que ela foi muito esperta e deram a ela o título de Bárbara Heliodora do Rosário Mineiro. A Bárbara Heliodora foi uma personagem que participou da Inconfidência Mineira e ela ganhou esse título. Esse título abriu as portas para ela, porque era uma honra ser considerada uma Bárbara Heliodora. Então, eles se renderam à sabedoria - como diz meu filho, à "estratégia" (risos) dela. Ela foi caminhando, caminhando e chegou nesse passo de se tornar rainha. Ela era rainha do Congo da casa dela, da Guarda que ela fundou (Guarda de Moçambique 13 de Maio, Nossa Senhora do Rosário), fundada em 1944. Muitos anos depois, com a partida dela, minha mãe criou também uma Guarda de Congo 13 de maio. Então, hoje, nós somos Guarda de Moçambique e Congo 13 de maio de Nossa Senhora do Rosário. E hoje, eu estou como rainha da Guarda de Moçambique 13 de Maio e do estado de Minas Gerais, porque com a partida de minha mãe, eu fui coroada no lugar dela.
P/1 – Vou querer voltar depois para falar das Guardas, mas antes, deixa eu lhe perguntar da sua mãe.
R – Você tem que perguntar de vovó primeiro.
P/1 – Tá, a sua avó primeiro.
R – É, minha avó veio de Betim - da cidade de Betim, Belo Horizonte, Minas. Ela nasceu em 6 de março de 1906. Aos seis meses de idade ela foi coroada princesa da Guarda de Moçambique de Betim. Quando eles vieram para Belo Horizonte, ela já era uma princesa coroada. Ao passar dos anos, foi que ela retomou esse legado e essa vivência.
P/1 – E o seu avô por parte de mãe?
R – Não, eu não tinha avô. Apesar de que tem uma história depois, que o pai da minha mãe se chamava... João Ferreira, José Ferreira, sei lá. No dia do enterro da minha mãe que descobri que a bisavó dele era Maxacali. Minha mãe sempre falava que ela tinha sangue indígena, que os antepassados dela eram indígenas e eu só ouvia dizer, mas não tinha referência nenhuma. No dia do enterro dela, o sobrinho - filho da irmã - desse seu João - acho que era João mesmo - falou com a gente que a avó dele era uma Maxacali. Foi tão lindo saber de onde que era essa raiz indígena.
P/1 – Você não sabia?
R – Eu não e acho que nem ela. Sabia que era indígena, mas não sabia de qual origem.
P/1 – A sua avó, então, veio com seis meses para cá?
R – Veio. Não sei ao certo com quantos anos ela veio para Belo Horizonte. Sei que com seis meses ela foi coroada rainha do Congo. Aos oito anos, lá em Betim ainda, a família dela tinha devoção à Nossa Senhora da Conceição, então faziam um terço cantado e um ofício de Nossa Senhora da Conceição, no dia 8 de dezembro. Neste dia 8, eles levantaram um cruzeiro nas terras dele, que aí, eles já tinham uma terrinha lá em Betim. Minha avó estava com oito, era muito pequena, e eles mandaram fazer um foguete de 120 tiros. Esse foguete, os homens não tinham coragem de acender (risos). Ele estava amarrado na ponta próxima à mesa e a minha avó, Conceição Moreira - minha bisavó - falou com ela: "Maria, sobe aí e coloca fogo para nós". Os homens ficaram ao redor da mesa cuidando para que ninguém olhasse debaixo da saia da minha avó. Ficaram todos machões e quem olhasse entrava no couro, mas coragem de acender o foguete eles não tinham. Então, ela acendeu esse foguete perigoso, com oito anos de idade. Isso, aqui em casa é tranquilo. A gente acende qualquer foguete, qualquer dia, a qualquer hora e em qualquer lugar, não tem medo nenhum. Porque pensamos: "Nossa Senhora, vovó com oito anos acendeu, por que eu não acendo? Acendo também".
P/1 – Você estava falando agora da sua avó, que acendeu o foguete…
R – É, vovó acendeu o foguete, soltaram, começaram a reza e tal. Por exemplo, ela nasceu em 1906 e começou a soltar o foguete já estava com oito anos. Vamos colocar que seis mais 10, dá 1916, menos dois, dá 14. Em 1914 já fazia esse terço. Até hoje, quantos anos dá?
P/1 – Mais de 100 anos, 105 anos.
R – Pois é, e nunca deixamos de rezar o ______ [18:45] de Nossa Senhora, o Rosário inteiro… Nossa Senhora, é difícil demais. Para quê? Para ter paz, proteção de Nossa Senhora, para poder ser digno das bênçãos de Nossa Senhora. É isso que aprendemos com os nossos tatos, que a fé, a gente aprende. A vovó ensinou para nós a ter fé. Passou para a mamãe e para o tio Efigênio e a mamãe ensinou para a gente. Foi só repassando e eu vou repassando para os outros, que são os nossos seguidores e nossos… Como é que fala depois de nós? Uns são antepassados, e os outros são…
P/1 – Sucessores? Descendentes...
R – É, descendentes. Isso mesmo, nossos descendentes. Porque se a história não for falada - falada e contada - ela sai do plano, perde a função, perde o porquê de fazer isso. Por que faz aquilo; por que repete-se uma reza; por que faz uma festa há tantos anos… 300 anos depois da Abolição ainda se faz festa pela Abolição, apesar de saber que foi uma Abolição fictícia. Mesmo sendo fictícia, ela teve o valor do dia de ser, daquelas pessoas que estavam escravizadas, daquelas pessoas que estavam no tronco e que eram propriedades de outras pessoas. Aquilo, para eles, teve um sentido no momento. Até então, chegou-se à conclusão, com o passar do tempo, de que aquilo era uma ilusão. Mas a minha avó amava a princesa Isabel, achava que ela fez e refez. Ela teve o papel dela. Qualquer ação feita por mulher há 100 anos você tem que colocar num altar porque elas pagavam caro demais por qualquer ousadia, na visão dos outros. Quando eles vieram para Belo Horizonte ficaram… Um outro detalhe: o bairro em que minha avó nasceu, em Betim, chama-se bairro Angola. É um bairro onde tinha grande concentração de escravizados de Angola, então, depois… Como é que fala? Depois de alforriados, eles ficavam nesse bairro. Depois, a minha avó e a família dela vieram para Belo Horizonte, no bairro Barroca, que é a área nobre de Belo Horizonte. Dentro dessa área nobre, a Prefeitura chegou à conclusão de que tinha que tirar essas pessoas de lá. Então, eles arrumaram outros lugares para que essas pessoas viessem. Aí, eles concordaram em vir para essa região, por isso que o bairro se chama Concórdia. Era uma vila Concórdia e hoje é bairro Concórdia. Por isso, a grande concentração de pessoas de matriz africana nesse bairro, que tem pessoas de umbanda, de candomblé, do Rosário, de samba, de tudo, tudo de manifestação africana tem nesse bairro. Nesse bairro, e ao redor dele, porque há pessoas também que… O bairro circunda Belo Horizonte, então, é em torno da Avenida do Contorno. Tinha essas pessoas que eram da Lagoinha, que era da Pedreira Pedro Lopes, de onde tirava as pedras para construir a Avenida do Contorno, e eram pessoas que moravam lá e no entorno. Por isso que… Essa Lagoinha era muito grande. Depois, quando eles quiseram quebrar esse elo de negritude, foram dividindo a Pedreira e mudando os nomes, ao passo de ficar a Lagoinha só com um pedaço pequenininho. Porém, até então, o bairro Aparecida, o bairro do Bom Jesus, Esperança… O entorno era todo Pedreira.
P/1 – Qual era o bairro a que sua avó chegou, em Belo Horizonte, que você falou que era um bairro nobre?
R – Barroca. Era uma área enorme. É uma área enorme de Belo Horizonte.
P/1 – É dentro do Contorno?
R – Fica próximo ao Contorno, ali para o lado da Pio XII, da Avenida Amazonas, é aquela parte.
P/1 – Ela contou... Você sabe como foi essa história que eles saíram de lá? Você falou que teve um acordo, é isso?
R – É, teve um acordo e eles vieram todos para este bairro do lado de cá, mas eles compraram esses lotes para cá, pagaram facilitado, porém, eles deram um local para eles saírem de lá, mas não foi dado o lote. Foi dado um local onde eles pudessem pagar, então, quem tinha mais dinheiro foi pegando as partes de cima. Quem tinha, menos… No caso da minha avó, especificamente, ela escolheu esse lote porque era uma mulher sozinha, com dois meninos, então ela ficava mais protegida nesse pedacinho para cá. Porque tinha a casa de esquina e outras casas para baixo, se alguém quisesse atacar ou fazer alguma coisa, tinha vizinho na frente e proteção dos lados.
P/1 – Sua avó veio para cá, então?
R – Veio para cá.
P/1 – Para onde nós estamos?
R – Para onde nós estamos. Fez uma casinha pequena, que quem ajudou a fazer foi o pai do tio Efigênio, que não sei quem era também. Só que, na realidade, eram pessoas com quem ela trabalhava e que vieram a se tornar - não sei em que circunstâncias, e não vem ao caso - mas ela veio a ter o filho com esse homem que era português. Segundo ela, ele tinha uma loja no Mercado Central e comprou esse lote para ela. Quando o tio tinha um ano, eles se mudaram para cá, para este local. Minha mãe também já nasceu aqui.
P/1 – Então, nasceu sua mãe e todos os seus tios, ou quase todos nasceram aqui?
R – Não, só tenho… São dois só.
P/1 – Só são dois.
R – Só dois. Com a minha avó, só dois, que é o tio Efigênio, que é o mais velho e se mudou para cá quando tinha um ano, e minha mãe já nasceu nesta casa.
P/1 – E o nome da sua mãe foi em homenagem, então…
R – Isabel?
P/1 – É.
R – Homenagem à Princesa Isabel sim, porque minha avó era apaixonada. E eu me chamo Isabel também (risos), porque meu pai era apaixonado pela minha mãe, aí colocou esse nome. Na realidade também, o primeiro parto da minha mãe foi de gêmeos - Regina e Reginaldo. A Regina foi embora quando tinha 12 dias e minha mãe ficou muito triste porque, naquela época, não sabia que estava esperando gêmeos. Só se sabia o sexo e quantos meninos tinha, na hora de nascer. Nasceu o primeiro, passou um pouco, nasceu o segundo. O segundo passou da hora de nascer, por isso que veio a óbito. Minha mãe ficou muito chateada com isso e passado um ano, um ano e um mês, eu cheguei e eles ficaram muito felizes, porque era uma outra menina. Meu pai ficou apaixonado comigo, a coisa mais linda. Eu nasci no dia 13 de abril, no dia 13 de maio era a festa do Rosário e eu fui coroada princesa do Rosário com um mês de nascida. Desde sempre eu sou… Hoje eu sou rainha, mas sou princesa sempre, sempre fui princesa, nasci princesa.
P/1 – Você sabe como é que seu pai e sua mãe se conheceram?
R – Sei. Quando começaram as festas do Rosário, passado um tempo, minha avó veio para… Minha avó se chamava Margarida Bezerra Roque. Eles estavam em BH há não sei quanto tempo e estavam nesta região aqui, porque alugaram uma casa por aqui. Quando a Guarda passou em cortejo, a minha tia estava vendo e falou: "Nossa, que moça bonita. Ela vai ser minha cunhada". E foi mesmo. Eles conheceram minha avó, vieram para cá, ajudaram minha avó… Meu pai trabalhava de pedreiro também por si, de sobrevivência, e ajudou a minha avó a construir mais um pouquinho da casa, os puxadinhos que foram aparecendo, à medida que as coisas foram melhorando… Meu pai ajudou a construir vários cômodos aqui e casaram.
P/1 – Você, então, tem só o Reginaldo de irmão?
R – Não, Reginaldo é o primeiro. Depois do Reginaldo, tem… Nós somos seis. Tem o Reginaldo, ______ [29:52], Antônio Casimira das Dores Gasparino, antes dele tem a Margarida Casimira Gasparino, que é depois de mim, depois do Antônio tem a Rosimeire Aparecida Gasparino, depois dela tem o Ricardo, que é o mais novo e… Ricardo Casimira Gasparino, que é o capitão da Guarda. O Reginaldo é o rei, o Antônio também é capitão e a Margarida é vice-rainha. A outra é princesa só, mas não seguiu. Quem segue e ajuda a gente são os filhos dela, meus sobrinhos.
P/1 – Agora, como era a rua da Balança?
R – Ah…
P/1 – Como era essa rua?
R – A rua da Balança se chamava assim porque era a rua onde pesavam os bois, e aí se chamava, também, de "boiadeira". Porque pesava os bois para colocar no vagão para transportar para outros lugares. Tinha esse curralzão, que chamava-se "boiadeira" e eles ficavam lá guardados enquanto ia pesando para colocar no vagão para mandar para onde tinha que mandar. O transporte era feito por trem de ferro.
P/1 – E era perto da sua casa?
R – Perto, ao ladinho. Uma coisa interessante era o barulho do trem de ferro, a maria-fumaça fazia aquele barulhão assim. O bom é que a gente acostuma com o barulho. Então, quando você acorda de noite com o barulho do trem buzinando, você sabe exatamente que horas são. É um barulho que você ouve, mas nem… Normal, nem mexe, fica tranquilo demais, acostuma.
P/1 – Sente saudades desse barulho?
R – Não, não sinto saudades de nada. Eu aproveito tudo que tenho que aproveitar, vivo tudo que tenho que viver e não sinto saudade de nada, porque aprendi muito cedo que toda vez que a gente não vive o que tem que viver, ficamos: "Aquele tempo é que era bom". "Nossa, por que não aproveitei aquele tempo?". Então, desde criança, eu aproveito muito, faço tudo que tenho que fazer e aí, não tenho saudade. Já é plano cumprido, mas era muito bom, eu brincava muito, todo mundo saía na rua, de tarde, para brincar. Os pais dos nossos amigos eram os colegas de trabalho do meu pai, então, o meu primeiro marido era afilhado do meu pai. Um afilhado do outro, um compadre do outro, um tapando a sem-vergonhice do outro. Porque, antigamente, se usava: "safado, sem vergonha de uma figa". Hoje é que não se usa mais, mas, antigamente, os homens que não eram assim, eles colocavam apelidos neles, chamavam de coisas pejorativas, não é? Os homens de hoje podem chamar do que for, que eles sabem o que são, mas, antigamente, não era dessa forma.
P/1 – O que mais tinha nessa rua e na região, que você gostava?
R – Tinha o rio Arruda, no fundo das nossas casas, e tinha a Prainha do rio Arruda. Depois do rio Arruda, tinha o barranco de terra, que era cheio de plantas, bananeiras, muitas bananeiras, muitas folhas de chá, esses detalhes assim.
P/1 – Vocês subiam lá e tomavam banho no rio Arruda?
R – Não, Nossa Senhora. A gente descia lá. Íamos na parte baixa e descíamos nessa Prainha. Já teve tempo de eu descer com meu primo lá, com a enxada e pá, porque nós queríamos tapar o rio Arruda. Passamos dias e dias tapando, jogando areia no rio Arruda (risos). Até que minha tia descobriu a gente tapando o rio (risos). Ah, meu Deus do céu, nós trabalhamos tanto nesse intuito, porque a gente queria que tivesse mais um espaço para termos onde caminhar. A tia descobriu, xingou a gente e mandou levarmos as ferramentas lá para cima. Só que não entrávamos nunca, sabíamos que era uma água contaminada. Meu pai atravessava de um lado para outro porque tinha pressa, vinha de outro bairro, o bairro Esplanada. De lá para o bairro Horto tinha uma ponte, que se chamava "ponte balança". Um raio quebrou essa ponte e ela caiu. E aí, para ir ao bairro Esplanada, tinha que dar uma volta muito grande. Meu pai tirava a roupa e atravessava (risos). Eu também, quando arrumava briga do outro lado do rio, olha, na volta, nadava naquele rio. Já pescamos também, meu pai pescava, pescava e jogava fora, só pelo prazer de pescar. Meu pai também era caçador, caçava lá na terra dele, que ele chamava de Sertão. Caçava onça, inhambu… O que mais ele fazia? Pescava, trazia peixe também e andava pelo "Sertão" afora, era caçador nas férias.
P/1 – A sua mãe, então, ficava mais em casa um tempo, mas já sabia ensinar as pessoas, já sabia várias coisas?
R – É, minha mãe sabia ler e ensinava as crianças, os meninos da rua mesmo. Ensinava o "para casa" e eles davam dinheiro, davam uma dúzia de ovo, davam uma espiga de milho, um porquinho, essas coisas assim, que são coisas para casa mesmo. Depois, ela voltou a estudar e começou a trabalhar fixo. Quando ela saiu do trabalho ali, ia na casa das moças fazer unha, fazia faxina também e foi vencendo, vencendo, vencendo. Minha mãe se formou na Cruz Vermelha como enfermeira, com 60 anos. Muito lindo, você não acha?
P/1 – Uhum.
R – Muito lindo. Meu filho estava nascendo, ela me ajudava a cuidar do menino e ia para a escola. Ela trabalhava na Prefeitura e a Prefeitura deu essa chance para quem era enfermeira sem título, sem diploma, eles iam dar esse diploma. Porque iam trabalhando, aprendendo e ficavam. Ela foi e encarou esses três anos de Cruz Vermelha. Cruz Vermelha é apertado, não é? E ela venceu. Ficou bem feliz de ter conseguido se formar. Já com 60 anos, ela tinha ânimo de estudar. Minha mãe era guerreira demais e o que ela podia fazer para dar bom exemplo, ela não deixava a peteca cair. E o que acho bonito também, que lembro da minha avó e fiquei sabendo há poucos tempos, é que a irmã do meu pai estava com 89 anos, morrendo… Ia morrer naquele dia. Fui lá visitar a tia e ela me contou tantas coisas. Dentro dessas coisas, ela contou que a vovó tomava conta das crianças para as mães trabalharem e minha avó arrancava a orelha das crianças, porque eles tinham tanto medo dela que ela não precisava nem chegar perto que eles faziam tudo que ela queria, por saber que ela era muito braba. Para os meninos ficarem um pouco quietos, ela fazia peças teatrais com eles, ensaiava peças. Eu perguntei para ela: "Tia, mas quem ensinava à vovó essas peças?" E ela respondeu: "Ah, ela tirava da cabeça dela". Nessa peça dela, os personagens tinham roupa de papel crepom e no teatro dela tinha até cortina de papel crepom vermelho. Ela pedia aos pais das crianças, das quais ela tomava conta, pedia aos patrões, às pessoas que vinham vender, às pessoas que vinham conversar com ela e se aconselhar… Ela também era parteira e tinha muitos afilhados. Essas pessoas traziam as coisas de que ela precisava, na medida do possível, e ajudavam-na nessa festa de confraternização, que era aqui em casa também. Fazia essa festona, essa alegria toda, comia o que tinha, o que dava para comer com todo mundo junto e… Acho muito lindo.
P/1 – A sua mãe cantava?
R – Cantava, gostava muito de cantar. A vovó também cantava muito. Depois, quando a mamãe se tornou rainha… Porque minha avó foi embora e ela se tornou rainha do congo... O povo do Rosário, os irmãos do Rosário, têm cantos fúnebres, despedidas, funeral de despedida. E aí, às vezes, ela falava assim comigo: "Ô, canta aquela". Eu pensava: "Que aquela, mamãe?" Eu estava me desmanchando de chorar, ela falava: "Aquela assim". E cantava. Canta despedida, canta chegada, canta nascimento, ida, canta tudo que tem que cantar, um povo muito alegre. A mamãe sempre dizia que quando morre alguém, a gente que fazer o que tem que fazer. Morreu? Morreu, cumpriu, acabou. E se a gente deixar de fazer as coisas que a gente fazia por causa da tristeza e da falta daquela pessoa, no próximo ano a gente não faz de novo e assim deixa de fazer. Depois de um tempo, tem um ano, dois, dez, vinte e você não faz mais. Então, você não pode deixar de fazer, mesmo triste, desde o primeiro ano em que a pessoa foi embora.
P/1 – Ela cantava na casa de vocês?
R – Cantava, cantava Clara Nunes, cantava Elizeth Cardoso, Agnaldo Rayol, Roberto Carlos… Aquele do vozeirão, Nelson Gonçalves. Cantava, cantava música de Carnaval, ela adorava Carnaval. Falava para mim: "Belinha, eu olho o menino para você em qualquer lugar e em qualquer dia, só no Carnaval que não olho (risos). No Carnaval, você não me peça isso, que eu não faço".
P/1 – E era legal o Carnaval na época? Você gostava de ir?
R – Gostava, levava em clube, levava para cidades do interior, para o Carnaval do interior, Sete Lagoas com os amigos dela, na Praça da… Na Avenida Afonso Pena tinha desfile de carnaval, tinha blocos caricatos e ela nos levava para assistir. Minha mãe gostava muito disso.
P/1 – E você gostava também?
R – Gostava, Nossa, gostava e gosto. Gosto demais. Aqui, nós somos todos festeiros, somos todos fogueteiros. Adoro uma algazarra, adoro uma alegria.
P/1 – Mas quando você era criança, como é que era o Carnaval? Para quem não conhece aqui em Belo Horizonte... O que tinha para fazer…?
R – Tinha marchinha e ficava cantando na beira das casas, na rua, ou mesmo num salão, salão de escolas, no centro da cidade… Ia fantasiadinha ou vestidinha, tranquila, e era isso. Não tinha muita…
P/1 – Tinha um bloco específico a que vocês iam?
R – Tinha não. Não tinha isso. Nós íamos ver as escolas de samba de Belo Horizonte, na avenida Afonso Pena. Tinha as arquibancadas, a gente sentava lá e ficava vendo, mas no normal ficava em casa mesmo, colocava música de Carnaval… Tinha muito menino, muita gente, os meninos da comunidade que vinham também, e por aqui mesmo… A gente não sai daqui para ir fazer festa em lugar nenhum, isso é muito raro. A festa é aqui mesmo. Ligou o rádio, já junta gente. Juntava, não é?
P/1 – Na época, era rádio vitrola?
R – Rádio e vitrola. No mais também, às vezes cantava muito, batia palma, fazia batuque, que minha avó gostava, cantava, tinha desafio para o outro, que hoje se chama duelo de rap, não o que se fala. Antigamente, tinha desafio, e aí cantava uma coisa e dava a resposta, cantava outra e dava resposta. Umas respostas eram engraçadas, outras respostas eram marretadas, mas era isso que tinha aqui.
P/1 – Você se lembra da sua mãe? Como é que ela ensinava a vocês em casa? Como que era ela ensinando vocês?
R – Não ensinava, não. A gente aprendia vendo com os outros meninos que chegavam, os que já eram mais velhos e mais novos. A gente via as coisas acontecendo e iam acontecendo. Se fizesse alguma coisa errada que ela não gostava, ela chamava e dizia: "Não faz isso, que não é assim". Minha mãe perguntava para mim, por exemplo, se a pessoa chamasse dizendo que tinha feito isso e isso ou se alguma vizinha falasse que eu tinha feito alguma coisa, na frente da vizinha: "Bela, você fez isso?" Eu dizia: "Fiz". "Por que você fez isso?" Mas ela não esperava a resposta, só falava para a pessoa que iria nos corrigir e nos trazia para casa. Quando chegava em casa, ela perguntava: "Por que você fez isso? Você sabe que isso está errado". "Sei". "Por que você fez?" Mas ela não corrigia a gente perto dos outros para eles verem. Ela não nos dava um beliscão para a pessoa ficar feliz porque a gente estava apanhando, minha mãe não gostava disso. Se ela tivesse que pisar no pescoço da gente, pisava, mas não para alguém ficar satisfeito.
P/1 – Você fazia muita coisa?
R – Nossa Senhora. Ai, eu era muito criativa (risos). Todo dia apanhava, mas cada dia por uma coisa. Isso durou pouco tempo, porque logo… Quando o Ricardo nasceu, eu tinha cinco anos. Eu me lembro de lavar fralda do Ricardo - a primeira fralda que ele tirou lembro que fui eu que lavei -, de dar mamadeira, de trocar fralda dele, de olhá-lo. Os outros todos que eram acima de mim, exceto o Reginaldo, lembro de cuidar deles bem pequena, de ajudar, dar mamadeira, ficar com eles para calarem a boca, dar um remédio, de brincar com eles para poder acalmar, tomar junto comigo dando banho neles… Essas coisas. Então, eu não tive muito tempo para graça, porque logo já…
P/1 – Estava trabalhando bastante logo?
R – Sempre, sempre. Minha mãe trabalhava demais e a gente junto já lá. Porque quando apanhava essas rocinhas do meu pai, essas plantinhas... Por exemplo, pé de milho, que colhia o milho, ia juntar para fazer mingau, pamonha, então tinha que ajudar a pegar, tirar da palha… Isso tudo era serviço de menino. Quando matava o porco, uns iam destrinchar o porco, outros iam cortar certa carne para fazer a linguiça, outros iam preparar o tempero para as carnes e para a linguiça e eu ia ajudar a ‘dindinha’ a lavar as tripas. Então, ficava por conta de lavar o que se chamava "miúdos". Eu ia virar tripa ao contrário, ajudar a desgarrar as tripas, limpar, lavar, colocar de molho no vinagre ou limão com fubá, para tirar o limo das tripas, separar as tripas para fazer o chouriço - que a vovó gostava e todo mundo gostava. Era isso. Uns iam para a parte de picar, guardar, limpar, fritar, temperar… Minha mãe era perfeita para temperar um pernil, maravilhosa para temperar. Ela temperava um pernil que ficava salgadinho até no osso. Esse trabalho de temperar pernil, é um trabalho artesanal. Você faz o tempero, fura até no osso, e coloca o tempero. Vai no outro, furando centímetro por centímetro, milímetro por milímetro, até chegar em cima. Quando chega em cima, você começa no outro, que toda parte desse pernil que você vai pegar vai estar temperadinha. Toda parte, do início ao fim. Minha mãe ficava por conta dessas partes aí.
P/1 – O que mais que ela cozinhava que você gostava?
R – Doce de laranja. Tanto minha avó quanto minha mãe gostavam muito disso e como aqui em casa vivia cheio de gente, quando era safra de laranja as pessoas traziam para ela laranja ou ela ia na roça de alguém buscar, ou alguém convidava ela para ir benzer, ou mesmo dar um passeio, que era raro… Vinha trazendo as coisas, esses ‘trens’… Esse doce de laranja que mamãe e vovó faziam, maravilhoso, faziam e colocavam nas compoteiras, mas esse doce durava um ano, durava até a outra safra, porque não tinha laranja o ano inteiro. Tinha uma safra, o pé dava aquele ‘trem’, você apanhava tudo, dividia tudo e vinham as mulheres. Quando tinha mais laranja, vinham mais pessoas, faziam, fim da tarde dividiam e a vovó tinha as vasilhas certas, potes, as compoteiras de colocar esse doce com calda, guardado e fechadíssimo. À medida que acabava um, pegava o outro quando a visita chegava. Tinha um queijo, mas se não tivesse queijo… Porque era coisa rara ter queijo, era uma casa pobre, pobre mesmo. Então, tinha a vez da goiaba, tinha da laranja, das bananas, deixa eu ver… Milho. Quando ia na roça, trazia as folhas de fazer chá, de fazer banho, alecrim, esses ‘trens’ que têm no mato a fora, no cerrado. jabuticaba para fazer o licor, que a mamãe fazia esse licor também. Num ano, bebia da safra antiga e naquele ano, fazia e guardava para beber no ano que vem. Então, tinha licor o ano todo e não estragava como estraga hoje. Hoje, eu não sei o que acontece, não sei se é o mesmo tanto de açúcar ou se era muito açúcar o que fazia conservar, não sei.
P/1 – Isso tudo que você falou, ela fazia e também a sua avó?
R – Vovó fazia e mamãe ajudava. Depois, vovó foi embora e a gente ajudava a mamãe a fazer. Depois, foi ficando escasso, foi mudando o sentido, porque a vovó ficava em casa a maioria do tempo, já mamãe não ficava em casa a maioria do tempo porque tinha que trabalhar fora. Por isso que a vovó cuidava dos meus irmãos mais novos. Depois também, a mamãe precisava juntar dinheiro para comprar um lote, aí minha avó e meu tio ajudaram minha mãe a pagar esse lote. Então, os meninos ficavam um pouco aqui, porque dividia e minha mãe não precisava fazer despesa, porque nesse ponto já tinha separado do meu pai. Meu pai já tinha embora. A mamãe comprou esse lote e eles foram ajudando-a a pagar.
P/1 – Qual é a sua primeira lembrança do Rosário? Você ainda tem as primeiras lembranças?
R – Lembro desde que eu era vestidinha de princesa. Lembro que as pessoas chegavam e todas elas me cumprimentavam, que eu era a princesa, com o devido respeito, achando bonitinho que eu era muito pequenininha e olhuda, coitada. Eles achavam aquilo bonito. Eu me portava como princesa, realmente, e muito espertinha, de olho nas coisas todas. Reginaldo também era príncipe, mas era chorão. A vida desse menino não tem uma foto de criança dele sem chorar, Nossa, dengoso demais, Nossa Senhora. Eu lembro disso, das Guardas chegando, da gente ajudando a passar grude na bandeirinha para poder passar no cordão para enfeitar a casa, ajudando a passar cola no papel de seda para fazer florzinha - que a vovó fazia muita flor - fazia bordado no papel, que é dobrar o papel de seda e ir fazendo recortes no papel. Quando você abre o papel, ele está todo bordado, com recortes. A vovó fazia super bem. Fazia para forrar prateleira, para forrar mesa, fazia detalhes para ficar bonitinho, não é? Ah, tem uma coisa também que era muito interessante. Quando começou a existir leite pasteurizado, o leite era no saquinho. Mas essas mulheres ficaram loucas com esse saquinho do leite, porque plástico era difícil, não era o que é hoje. E aí eles aproveitavam, todo mundo cortava o saco de leite, lavava e deixava de cabeça para baixo, para fazer artesanato. Fazia cortina de porta, de janela, de banheiro, tapetinho de enfeite… Com essas bolsas de comprar, essas bolsas igual se faz hoje, sacolas de supermercado… Faziam com isso. Nossas, elas ficavam loucas com aquilo porque até então passava uma carroça ou um carro com um homem com… Chamava de vaquinha também. Com leite nesse tambor, pegava o leite, colocava e vinha com ele para casa. Depois que apareceu o leite pasteurizado é que vinha nesse saquinho.
P/1 – Como é que era sua roupinha de princesa?
R – Ah, era uma roupinha azul clarinha, era um tecido de malha, tipo jersey, que chamava na época. Ela tinha muitas anáguas por baixo, então, ela ficava bem rodadinha. E era um vestido, que quando eu era bem pequeninha, vinha no meu pé e quando ele serviu (risos) em mim, chegou a ficar em cima do meu joelhinho, para baixo um pouquinho. Ele era um vestido de alcinha e princesa não podia mostrar os braços, tinha que ficar bem tapadinho, então ele tinha um casaquinho de veludo de manga curta. Enquanto esse colete serviu em mim, essa roupa foi minha. Daí para frente passou para a minha irmã menor e compraram outra roupa para mim. Nossa coroinha também não era igual à coroa dos adultos, era de flor, branquinha, e de tecido, que alguém tinha comprado na loja e pôs na gente. Depois, quando fiquei maiorzinha, meu pai fez a minha coroa de princesa, que era a coroa de ponta de lágrimas, que era o padrão de coroas desta casa. A lágrima foi escolhida como símbolo de singeleza, simplicidade. Eles faziam essa coroa - os artesãos, que eram: o meu pai; meu avô; meus tios, irmãos do meu pai; tios da minha avó; os nossos padrinhos… Aqui em casa, padrinho de um é padrinho de todo mundo. Faziam essas coroas, não é? Meu pai fez a minha. E era pintado de tinta esmalte prata, que é o padrão até hoje.
P/1 – Você falou que era importante, precisava conversar sobre o centro, não é?
R – Ah, a minha avó era de umbanda e esse centro que ela frequentava recebeu a ordem de transferir o centro para a casa dela. Ele foi fundado em 1933, lá em Santa Teresa, na rua Rio das Velhas. E aí, o guia e orientador dela, orientador da casa, mandou que fosse transferido para cá. Só que ninguém avisou a vovó disso. Quando bateu à porta, a vovó saiu para atender o portão e eles chegaram com tudo do outro lugar para cá. A vovó falou: "Mas, como eu vou…? Eu tenho essa casa que tem um cômodo, como vou fazer isso?" Aí, a recomendação da entidade era que eles se juntassem e fizessem o Congado de São Sebastião. As pessoas que foram se reunindo e juntando, que vinham benzer e conversar com ela, começaram a ajudar a vovó. Eles trouxeram as telhas, trouxeram a madeira, reuniram os pedreiros amigos e foram levantando, levantando e chegou nesse ponto que está agora. Ela era muito responsável com as entidades, com os pretos velhos, os caboclos, os guias de luz. Ela gostava muito de caridade, de fazer, e sabia que aquilo fazia a diferença para ela e para outras pessoas. Então, aqui em casa, são duas entidades em uma só sede: é o Centro Espírita São Sebastião - centro de umbanda - e a Guarda de Moçambique Congo 13 de Maio de Nossa Senhora do Rosário. Eles existem em tempos diferentes. A festa do Rosário, em si, é do dia 1° ao dia 13 de maio, aproximadamente. Então, o mês de maio todo é o mês da festa do Rosário. Do dia 1° ao dia 9 sai o boi da manta pelas ruas do bairro Concórdia, anunciando a proximidade da festa. Esse anúncio é convidando as pessoas para vir nos ajudar, vir participar, os devotos e os simpatizantes da festa do Rosário. O boi sai cantando, chamando, dançando, correndo atrás das crianças e fazendo alegro. Esse boi foi agregado à festa do Rosário desta casa alguns anos depois que tinha se transformado em Guarda de Moçambique 13 de Maio. É… Para poder arrumar fundos e coisas para fazer a festa do Rosário, então, era para ajudar mesmo a angariar fundos para a festa do Rosário. A data de aniversário do centro espírita São Sebastião é 20 de janeiro; comemora-se o aniversário nesse dia. No dia 23 de abril é a festa do Ogum. Depois disso, vem a festa de São João, que é festejada pelo Rosário, que é depois da festa do Rosário. Depois da festa de São João, vem a festa de Cosme e Damião, pela qual ficamos apaixonados e a gente faz com todo amor e carinho. Depois da festa de Cosme e Damião, a próxima já é a festa do Rosário, que é a festa do dia 8 de dezembro. É a festa de rezar o Rosário de Nossa Senhora, o ofício de Nossa Senhora e o terço cantado da família de minha avó, que são os Moreiras. Então, é uma festa do centro, uma festa do Rosário, outra festa do centro, outra festa do Rosário. É bem dividido, cada qual na sua situação, porque são coisas distintas. Minha mãe sabia dessa distinção, meu tio também fazia questão, minha avó também e hoje, eu continuo levando nessa situação, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Eles são juntos, mas não são misturados.
P/1 – Agora, para quem não sabe, como é que começou a devoção ao Rosário? Qual a história da Nossa Senhora do Rosário e das Guardas? Como é isso?
R – Bom, eu posso falar da Guarda daqui de casa. Conta-se que, no mar da costa da África, apareceu uma senhora sobre as águas e as águas estavam cobertas de flores. Aí, fala: "Ao ver Nossa Senhora saindo das águas coberta de flor, oh, foi na beira do mar que o negro chorou, oh". Essa divindade… Porque eles sabiam que iria aparecer uma protetora dos negros e sabiam que ela viria do mar, então, quando viram essa senhora sobre as águas, eles sabiam que era a Nossa Senhora que vinha em socorro. Eles foram cantando, cantando, cantando; segundo consta, os brancos se achavam donos dessa divindade e era uma aparição de pele clara. Eles foram, cantaram, cantaram e a Santa não saía das águas. Ela saía das águas, mas quando chegava na terra, que eles viravam para levá-la para a igreja ou algo do tipo, ela voltava para o mar. Eles tiveram a ideia de cantar, ela veio para a terra, fizeram uma roda, ela ficou no meio, fizeram fogo no meio daquela praia e ela ficou ali. Eles foram tocando, tocando e ela foi ficando. Quando eles saíam e davam as costas para ela, eles viam que ela iria retornar para o mar. Foi nesse instante que eles tiveram a ideia de colocar alça nos seus instrumentos, que até então eram instrumentos chamados de "candombe", os tambus. Colocaram alça nesses tambus, vieram tocando e Nossa Senhora veio com eles. Ela foi ficando com eles e veio em cima de um tambor. Esse é o conto da nossa história de Nossa Senhora dos negros, mas existem outros contos que falam que enquanto os negros preparavam essa fogueira para envolver Nossa Senhora, os índios foram cortando caminho de onde eles iam passar, porque fizeram um local para ela na mata. Só que é de outra região que tem essa conversa; o pessoal do Rosário fala dessa forma. Por que o povo moçambiqueiro é um povo que conseguiu que ela saísse das águas? Porque é o povo detentor da dança sagrada, que é a dança moçamba. Eles dançam, cantam e louvam com sua dança. Esse é o povo moçambiqueiro.
P/1 – Por que tem a Guarda de Moçambique e a Guarda do Congado? Qual a diferença das duas?
R – Porque são nações diferentes. Quem é do Congado é o povo do Congo. Os outros são: o povo de Nossa Senhora do Rosário; o vilão; a marujada; os catopês; os moçambiques… Eles são o povo de Nossa Senhora, mas não são do Congo. Então, toda manifestação… Toda manifestação não, quase todas e a maioria, porque de região para região muda. Os negros são regionais, eles não ficaram em uma região só e não eram vindos de uma região só. Eles têm a sua própria nacionalidade. Apesar deles terem vindo num barco só, cada um tem a sua origem. Então, se você olhar, por exemplo, Nossa Senhora é a bola e as Guardas são as equipes que têm a bola como referência. Por exemplo, se for futebol é uma bola com peso tal e tamanho tal. Se for vôlei, é uma bola peso tal, com tamanho tal. Se for ponto ping, é uma bola tal, com peso tal. Então, diferem o tamanho e o peso, mas não difere a figura, que é Nossa Senhora. Outra coisa: por exemplo, para você saber o que estou dizendo de naturalidade e de nação, todos os componentes da seleção brasileira são cariocas? São paulistas? Estou falando de todos. São mineiros? Não. Quando eles são da seleção brasileira representam uma nação, são todos brasileiros, mas cada um deles tem a sua naturalidade, tem a sua peculiaridade, tem a sua essência da sua terra. Ele pode estar num hotel maravilhoso, comendo as coisas da terra dele. Não é assim? Então é isso, Nossa Senhora é a bola e os grupos, são as equipes. Cada um tem a sua nação, tem seu jeito de cantar, seu modo de fazer e uma fé só.
P/1 – E como é o modo de fazer do Congo e o modo de fazer de Moçambique?
R – São ritmos diferentes, são ritmos... Por exemplo, um samba partido-alto, é samba; um samba canção, é samba; um samba enredo, é samba; um samba de roda, é samba; mas pelo ritmo é que você sabe quem é o quê e de onde é cada qual. A característica do povo de Moçambique é turbante para frente, que significa os povos que vieram de Angola, a gunga no tornozelo - que são aquelas latinhas, chocalhos, recipientes com sementes duras dentro para fazer o som, o tilintar do som, acompanhar a caixa. Os moçambiqueiros também usam bastão como comando. O povo do Congo usa a espada, porque é um povo guerreiro, de luta e é um povo de exército… Como posso dizer? Exército de coroa, de proteger reis, um exército de elite. É um esquadro potente. E o Congo é um país potente em todo, em tecnologia, em mineração… Esses povos que foram capturados para vir do Congo para serem mineiros, para essa região… É um povo que foi pego para ser mineiro, porque ele já tinha a ideia de como fazer, já sabia como tirar diamante, já sabia como tirar ouro, porque era o que ele fazia lá, com outras características, com outra função, com outro assunto.
P/1 – Como que é dividida a Guarda? Quais as funções que tem lá?
R – Bom, o Moçambique é um Moçambique tradicional. Então, o Moçambique Tradicional é onde só os homens dançam. As mulheres, apoiam na estrutura, fazem a comida, arrumam a casa, arrumam as fardas, os enfeites, as ornamentações, as rezas, essas coisas… E tem as partes dos homens do Rosário, que têm os sacramentos e mandamentos, que têm algumas coisas que são de homem, só os homens sabem. O que acontecia com a minha avó? Ela era mulher, então, as coisas que eram de mulher ela fazia e as coisas que eram de homem, mesmo o tio Efigênio sendo novo os homens do entorno, que ajudaram a vovó a fundar o reino dela, ficaram na incumbência de ajudar o tio Efigênio. Essa incumbência das pessoas do Rosário… As pessoas se apresentam para fazer aquilo para a gente. Você não vai lá e: "Pode ir". É como se fosse um mandado espiritual. A pessoa sente e sabe que tem obrigação de cuidar de mim, de me ajudar, de me orientar, de saber se estou bem, se não estou, como estou fazendo, o que deixei de fazer, se rezo isso ou rezo aquilo, se faço isso ou faço aquilo, se não estou fazendo e o porquê; se não sei fazer, vem e me ensina, entendeu? Esses ensinamentos vão do outro que quer aprender, porque ele se põe pronto a ensinar. Se você não estiver pronto para receber, ele fica na dele. Então, esses critérios… As mulheres fazem a comida, mas os homens também ajudam, carregam panela, carregam o saco, descascam as batatas e não sei o quê e coisas variadas que o homem puder fazer, mas é mais ou menos isso. O povo do Rosário é um povo versátil demais, porque é um ofício difícil de fazer e tem que sair. A gente não deixa a peteca cair, sabemos que temos que fazer. Você vai ficar sem dormir, se tiver que ficar sem comer você vai ficar, você vai fazer o que tiver que fazer, mas a corda não arrebenta na sua mão. Você faz o possível para que tudo fique perfeito, dentro da nossa normalidade. Às vezes, eu falo que o negro tem três heranças: a infidelidade, que ele aprendeu com o opressor; a desconfiança, que ele aprendeu com o opressor; a traição, que ele aprendeu com o opressor - esses três primeiros são um só. A beleza - a dele é mais bonita que a de todos, mais linda de todos, a casa dele é a mais maravilhosa das casas. E a fé, que não tem como você medir a fé do outro, mas beleza, "o meu é mais bonito", "meu Moçambique é mais bonito", "minhas raízes são mais bonitas", "minha casa, minha bandeirinha é mais bonita", "meu tudo é mais bonito do que o outro, porque foi o meu melhor, foi o que eu dei conta de fazer, foi o meu 100%”. Então, o meu 100% é o meu 100%, não tem como você fazer menos do que acredita. Isso tudo é ensinado, nossos avós nos ensinaram, é por isso que não caímos, porque a gente sabe que dá conta e a gente sabe que tem ajudante. Deus Jesus, Maria santíssima e Nossa Senhora do Rosário mandam o entorno para nos ajudar na nossa caminhada. Se não for, é outro; se não for um, é outro; se não for um, é outro. Vai chegar gente. Nossa Senhora providencia a comida para a festa. A primeira bandeira da vovó, ela fez arroz, tutu, farofa, repolho refogado e dobradinha, porque dobradinha era uma carne barata – porque, às vezes, comprava a carne e, às vezes, comprava muito barato. As vizinhas, as coleguinhas, os afilhados trouxeram as coisas e a vovó fez para tantas pessoas essa comida e a comida deu para todas as pessoas. Era um almoço que as pessoas almoçaram, jantaram e ainda sobrou para levar para casa. E isso nunca deixou de acontecer nesta casa, nunca. A mamãe sempre falava: "Minha Guarda não é de exibição, minha Guarda é uma Guarda de tradição e fé, de louvação". Então, se tiver cinco pessoas, nós saímos e fazemos o nosso trabalho. Se tiver vinte, nós saímos também, mas se não tiver, sai com quem tiver.
P/1 – Agora, como é que funciona esse negócio de capitão, capitão-mor?
R – Ah, tá. Atualmente aqui em casa, o capitão-mor e o capitão-regente estão divididos entre os dois irmãos que trabalham no Rosário, que são os dois do meio: o Antônio e o Ricardo. O Ricardo era o regente e o tio Efigênio era o mor. O tio Efigênio foi embora e ficaram o Ricardo e o Antônio (Toninho), de mor e regente. Eles dividem essa função de comando, de ajustes de ensinamento. Um faz uma coisa e outro faz outra, um ensina canto e outro ensina ritmo, os dois ensinam a fazer instrumento, cada um com sua peculiaridade, cada um com seu jeito. Um costura da direita para a esquerda, outro costura da esquerda para a direita, e assim vai. No final, dá muito certo. Eu sou a rainha, eu providencio a comida das festas. Tanto da festa do centro, como da festa da casa - como manter a casa com água e luz, essas coisas assim, manutenção da sede. Eles me ajudam nisso, que fazem uma festinha, um movimento para fazer um dinheirinho, os meus irmãos e os irmãos do Rosário, porque passou do portão para dentro é irmão do Rosário. Esse trajeto de ser do Rosário independe de ser sanguíneo ou não. No 13 de maio, os reis, as pessoas coroadas mandam pelo tempo de coroas que elas têm. No meu caso, não tem ninguém hoje mais velho de coroa do que eu, porque eu me criei com um mês. Então, isso são estratégias que os donos de reinos fazem para manter a direção na família, mas isso independe. Se eu não quiser, outro irmão pode ser, e se eu também não quiser e outro irmão não quiser, pode ser o mais velho coroado da Guarda, que é irmão - irmão do Rosário. Assim que funciona. Tem os dançantes, que são as pessoas que cantam, dançam e fazem as contradanças. Tem as pessoas que fazem a divulgação, que chamávamos de parceiros, hoje chamamos parceiros. A vovó chamava assim, então continuamos. É isso. Cada um faz uma coisa. Um varre a rua, um enfeita a rua, o mesmo varre e enfeita… Eu faço a comida, arrumo a roupa, costuro, faço ornamentação… Outro vem e me ajuda na costura, me ajuda na ornamentação, e assim por diante.
P/1 – Por que as cores são essas?
R – Da nossa casa?
P/1 – Da sua casa e das Guardas.
R – As cores são escolhidas pelos reinos. Cada casa tem a sua cor de devoção. As cores do povo do Rosário são azul, cor de rosa e branco, mas existem pessoas que têm uma devoção por um outro santo. A Guarda é de Nossa Senhora do Rosário. Por exemplo: Guarda de Moçambique São Sebastião do Reino de Nossa Senhora do Rosário; Guarda de Moçambique São Benedito do Reino de Nossa Senhora do Rosário… Nossa Senhora que comanda, mas a Guarda é do São Benedito. Aqui em casa é Guarda de Moçambique 13 de maio. A Guarda e o reino são de Nossa Senhora, que é um conjunto só. A nossa cor é roxo, que é a cor que simboliza a cor de Angola da época em que eles vieram escravizados, e é a cor de evolução, cor de caminhar, purificar, de se melhorar, automelhorar. O branco… Também tem aquela parte que o negro, quando foi trazido, não pertencia a nada, ele não podia ser enterrado de uma cor porque ele não era daquela irmandade, não podia da outra porque não era de outra. E aí, ele foi e escolheu o branco como cor dele, de fazer sua manifestação e seus funerais. É a cor da revolta, porque se ele quisesse uma outra cor, mesmo tendo tecido branco, ele punha da cor que quisesse. Com a terra, ele fazia outra cor que quisesse; com folha, ele fazia outra cor se assim achasse. Então, é o branco que usa por opção, porque ele não pertencia a nenhum outro grupo daqueles religiosos que havia. As pessoas eram carmelitas, eram de São Francisco, eram não sei das quantas que pertencia àquela irmandade, que enterrava… A outra enterrava de azul… De preto. Os negros enterravam de branco.
P/1 – Como é então a festa do 13 de maio aqui, quais são as etapas? Você falou que tem vários dias…
R – Ah, tá. O primeiro dia é a reza dos ancestrais. Aí, junta todos que já tiveram pessoas que já passaram por aqui e vem todo mundo, porque todo mundo já sabe que o primeiro dia é a reza dos ancestrais, dos nossos antepassados. Vem, faz a reza, reza por todos os nossos. Cada um reza pelo seu, pelo que lembra e pelos que não lembra, reza o ofício de Nossa Senhora, reza o terço e aí canta para o boi ir para a rua. O boi conta a história da festa a história da casa e sai primeiro no terreiro contando as histórias e falando que se não ajudar, vai matar o boi, porque o boi dá muita despesa, porque o boi é muito caro, porque o boi come muito, precisa de dinheiro para alimentar o boi, porque senão mata o boi. E ninguém quer deixar o boi morrer. Ai, vai dando dinheiro, vai trazendo as comidas e vai trazendo as coisas que precisa para a festa. Nesse momento, o boi sai para a rua, para fazer o trajeto dele. Do dia dois em diante… Bom, nesse primeiro dia nós rezamos todos juntos. Do dia dois em diante, eu faço a abertura, o boi vai para a rua e as mulheres, os velhos e outras pessoas ficam aqui rezando, simbolizando aqueles escravos que fugiam e aquele povo que ficava na senzala rezando para eles para dar tudo certo. Então, os reis ficam aqui, os mais velhos. Alguns que são mais novos e dão conta, vão atrás do boi, conversar, buscar, explicar. Os que não dão conta ficam aqui rezando até ele voltar, porque eles saem oito horas e chegam às dez da noite. De 20 horas às 22 horas, todos os dias, até que… O dia que antecede o ápice da festa é o domingo próximo ao dia 13. Levanta a bandeira na sexta, no sábado é a festa, no domingo encerra. Se o dia 12 for na segunda-feira, na sexta é a bandeira, no sábado e domingo festa, e encerra na segunda, e assim vai.
P/1 – O que é o boi?
R – O boi foi uma inteligência, porque a vovó não sabia como fazer para arrumar dinheiro para ajudar. Tinha um senhor, chamado Edson Tomás, que foi também consagrado capitão-mor de Belo Horizonte, nesse assunto que eu te disse que era do Rio de Janeiro, 400 anos do Rio de Janeiro. Na realidade, eles formaram uma Guarda para poder ir à apresentação do Rio de Janeiro. Esse moço era de Oliveira e tinha brigado na cidade dele com as pessoas do Rosário de lá. Ele foi para São Paulo. Quando ele foi para São Paulo, ele conheceu um Moçambique diferente do que era na terra dele. Quando ele veio de lá, ele já veio com novas ideias e, dentro dessas ideias, ele falou com a vovó que na terra dele tinha um boi e que o boi era para fazer dinheiro para angariar fundos e para ser o embaixador da festa do Rosário, para convidar pessoas para contar histórias de Nossa Senhora para o povo. Ele deu a ideia de fazer o boi e fizeram - ele, junto com o capitão da época, que era o capitão Wilson das Chagas. Ele ajudava o Edson, que era esse outro capitão.
P/1 – Vocês levantam a bandeira aqui mesmo?
R – Tudo acontece aqui. Aqui em casa levanta a bandeira e o boi sai. Nos outros lugares, eles levantam a bandeira uns 15 ou 20 dias antes, avisando a proximidade da festa, mas aqui em casa, não. Quando levanta a bandeira, começa a festa.
P/1 – Vocês fazem bebida também?
R – Não, faz suco, muito café, rios de café e chás, chás de folhas, erva cidreira, pitanga, esses chás.
P/1 – Agora, nessa festa, o que você gosta mais de cantar? Tem alguma música que você goste de cantar mais?
R – Rainha não canta, mas dentro dessa atualidade, às vezes quando vou para uma palestra, vou a uma escola e vou falar do povo negro e contar as coisas, eu canto alguma coisa para poder abrilhantar a conversa, para amenizar e ficar mais alegre. Eu gosto muito de cantar o canto da travessia, que eles cantam que vieram de Angola: "Ô, ê, Angola, minha gunga vem de lá, minha gunga. Correr o mundo, correr o mar. Correr o mundo e correr o mar". Que ele veio de lá, atravessou o mar e hoje ele está aqui. Eles cantam e eu acho muito lindo esse canto. Tem um canto também em que eles falam que devido a essa repressão toda do bispo proibir a festa do Rosário… E a festa do Rosário aconteceu sempre, com permissão ou sem permissão. Eles vinham, prendiam os instrumentos, a polícia vinha… Essas coisas assim. Eles contam que Belmiro, que era o pai de Edson, uma vez foi fazer a festa dele e eles prenderam-no para não fazer a festa, e aí ele cantou assim da cadeia lá, vendo a lua: "Eu não matei, eu não roubei, eu não fiz nada. Eu não matei, eu não roubei, eu não fiz nada. O povo está dizendo que hoje é dia do meu jurado, vou pedir à virgem santa para ser a minha advogada. Vou pedir à virgem santa para ser a minha advogada". Esse canto, cada Guarda coloca o seu santo de devoção. Pede a São Benedito, pede aos santos do povo negro, que são Santa Efigênia, Santa Rosária, São Benedito, e eu acho um canto muito lindo. Agora, aqui em casa, eles cantam um bonito também, que também é de um rapaz que aprendeu com um dos nossos parceiros do Rosário, que se chama "Guarda de Moçambique Três Coroas". É assim: "A semente do meu manacá estourou e caiu na Angola. A semente do meu manacá, estourou e caiu na Angola. Ora, tem que adubar, ora tem que dar flor, ora tem que colher a semente, a semente do meu manacá. Ora tem que plantar, ora tem que dar flor, ora tem que colher a semente do meu manacá". Esses cantos, antigos, esses cantos de manacá, de adubar, são cantos em que você não pode mudar a pronúncia da "fluor" para flor, porque muda a rima e muda o que os nossos ancestrais nos ensinaram. Eles não falavam "fluor" porque não sabiam falar flor, eles sabiam falar flor, mas eram bilíngues, por isso a dificuldade de falar certas palavras, que é a mesma dificuldade que um estrangeiro tem de falar a nossa língua. As pessoas… Os nossos opressores achavam que eles não falavam porque eram ignorantes, não conseguiam falar, mas conseguiam, sim, só que eram bilíngues. Eles tinham o idioma deles, que chamavam de "dialeto", mas não é dialeto, é linguagem.
P/1 – Vamos falar do filme então. O que aconteceu?
R – Ah! No avião… Dentro do avião, começou uma turbulência. Foi uma hora e meia de turbulência, balançava, balançava, balançava e eu pensava: "Meu Deus, por que esse avião balança tanto? Fiquei pensando: "Será que vou morrer de acidente de avião?" Falei: "Ah não vou. Que bobagem é essa, viajar de avião para morrer? Coisa boba". E fiquei pensando qual o sentido daquela tempestade, daquele avião balançar tanto, olhei para o canto e vi que tinha uma janela aberta. Nessa janela aberta, eu observei que a chuva estava caindo muito forte, mas a chuva não caía assim, caía de lado, formando ondas. Eu achei muito interessante aquela água caindo e batendo no avião como se fosse onda. No que eu percebia aquela água batendo como onda, entendi que aquele avião era um navio aéreo, era o navio… Era reverso, a travessia reversa. Eu vim pelo Atlântico num navio e retornei para Angola em outro navio, que era o navio aéreo. Eu achei esse negócio tão lindo e quando percebi que aquilo era um navio que estava me trazendo de volta para Angola, fiquei pensando e ouvi a voz falando comigo assim: "Nós estamos no navio e viemos escoltar a senhora de volta para Angola, estávamos esperando a senhora para retomar". Eu falei: "Me esperando?" "É". "Ora, mas por que vocês não voltaram antes? Por que me esperar tantos anos, tanto tempo?" E aí eles disseram: "Era o nosso compromisso, nós nos comprometemos de só retornar para a nossa terra, quando a senhora retornasse, nós somos a sua escolta". Eu tornei a perguntar: "Vocês ficaram me esperando esse tempo inteiro?" "Sim, era o nosso compromisso, mas nós não vamos retornar com a senhora de lá, o nosso compromisso era a escolta de volta". Eu falei: "Muito bem, e eu vou ficar sozinha?" "Não, outros serão designados para sua escolta". Eu achei isso um carinho…Meu coração até dói. Eu achei isso um carinho tão bonito, tão perfeito, achei assim, um cuidado da espiritualidade, um cuidado da ancestralidade comigo, conosco. Eu me senti muito especial de saber que não estava sozinha, achei aquilo maravilhoso, maravilhoso, maravilhoso. Dali, começaram as respostas às coisas, ás perguntas que eu tinha, os vazios da mente de não saber o porquê e de perguntar e não ter resposta, porque não tinha quem respondesse. Cada um tem a sua resposta e esta viagem foi a minha resposta, a resposta que foi dada para mim, minha. Eu achei muito lindo. Quando desci em Angola, que cheguei no Porto… Chegamos, resolvemos as coisas até chegar no Porto de Angola, que era de onde tínhamos saído. Você pergunta para mim: "Mas por que você fala "a gente"?" Porque fomos nós, se não fui eu, foram eles; se não foram eles, fui eu. Achei maravilhoso aquilo, aquele cuidado… Eles se despediram de mim e eu fui cuidar de fazer as filmagens nos lugares e, dentro desse avião, aconteceram os compromissos. Porque o moço que estava sentado na cadeira da frente falou para o meu irmão: "Que bom que nós estamos viajando juntos, eu estava com uma saudade de você, tem muito tempo que não o encontro". Ele falou: "Mas eu nunca viajei com você, é a primeira viagem internacional que eu faço". E nisso, eles foram conversando. Esse homem foi a chave que abriu todas as portas que nós precisávamos na África. Quando ele desceu, ligou para o Secretário de Cultura e já resolveu tudo. Quando acordamos de manhã, o Secretário, a pessoa responsável pelo museu, já estava lá nos esperando para nos apresentar aos locais onde foram as lutas, as guerras, os embates, as montanhas… Foi maravilhoso e tudo arranjado pela espiritualidade, muito lindo, muito lindo mesmo. Foi uma travessia fantástica, eu não imaginava nunca passar por isso quando entrei naquele avião, nunca. Não tem onde eu inventar, eu pensar numa história magnífica desse jeito. Eu cheguei de lá toda cheia, toda metida, me achando, porque eu não andava sozinha. Eu já sabia que não andava, mas agora tinha certeza absoluta de que não estamos sozinhos, temos quem cuide de nós, as pessoas, as divindades, a força maior, a coroa maior, estão sempre ali andando ao lado da gente.
P/1 – O que você viu lá em _______ [01:41:17] Angola...?
R – Vi esse Porto de Angola, a parte que batiza os negros para poder… Porque as pessoas que não eram cristãs, não eram batizadas, não eram consideradas gente. Esse é um dos primeiros contrapontos na palavra, porque eles eram batizados para se tornar gente e eram escravizados porque não eram gente. Como é que é isso? Quando eles passavam ao redor daquela árvore do esquecimento faziam com que os negros dessem a volta ao redor para esquecer aquela vida, esquecer quem eles eram. Muitos até acreditavam que tinham esquecido, até entrar naquele navio tumbeiro - porque aquilo era uma tumba marítima. Eles entraram ali e muitos pensaram até esquecer, mas não esqueceram, porque até hoje a manifestação está dentro de nós, dentro do nosso coração. E mesmo aqueles que não aprendem com o seu próprio avô, aprendem com o avô do outro.
P/1 – Tinha uma árvore ali?
R – Tinha uma árvore, que se chamava "árvore do esquecimento". Então, eles passavam as pessoas ao redor dessa árvore e batizavam a pessoa para ela esquecer. E aí, ela perdia o nome de origem dela e passava a se chamar João, Joaquim, José, etc - que eram os nomes católicos.
P/1 – E o que mais? Você disse que foi nas montanhas…
R – Ah, as montanhas, nas pegadas da… Tem a pedra lisa da montanha que tem a pegada da rainha Nzinga e do rei Ngola Kiluanji, que era o tio dela. O pé do homem era uma coisa, desse jeito assim. Eu perguntei para o guia porque aquelas pegadas ficaram ali naquela rocha e ele disse que é porque eles eram pessoas sobrenaturais, que eram pessoas que tinham poderes diferenciados de humanos, que eles eram preparados para aquela guerra e não tinham tempo de andar, eles davam um passo aqui e outro lá, eles voavam. Eu pensei: "Nossa, só vi isso em filme japonês, mas, na realidade, nosso povo era um povo diferenciado desde lá, e ainda é diferenciado". Tem um canto do Serginho Pererê que fala disso: "É de lei, é de Vera, é de sonho, é de luar, preto velho o canto canta, faz a estrela brilhar. E a lua canta junto com o negro no gongá, ô ô ô. Vou andando entre os espinhos, sem sequer me arranhar, pois meu velho abre caminho ou me leva pelo ar, ô ô ô". Esse canto e esse acontecimento de Angola - do avião - são coisas totalmente separadas e totalmente conectadas, porque dentro dessa passagem que eu tive dessa história dentro do avião e ouvindo essa canção depois, fiz um paralelo só, por causa dessa história que eles pisavam aqui e pisavam lá: "Meu velho abre caminho ou me leva pelo ar". Então, se você não voar, você tem quem lhe carregue para você voar, e isso é muito lindo.
P/1 – Me conta um pouquinho… Esse filme era um projeto do quê?
R – É um projeto que a ______ [01:46:57] fez para poder levar a mamãe à África. Por quê? Porque o povo da capoeira, quando a mamãe chegava, cantava para ela, "E lê lê lê ô, a Rainha Nzinga chegou, a Rainha Nzinga chegou, a Rainha Nzinga chegou". A mamãe dançava ali no meio deles e sentava. Por isso que o nome do filme é: "A rainha Nzinga chegou". Por essa música que deu a vontade na menina de fazer esse projeto para ajudar a levar a mamãe. A mamãe tinha muita vontade de conhecer a África, os países africanos, ir um pouquinho na Angola, tomar banho naquele mar, aquelas coisas todas, então ela foi na frente, foi primeiro. A princípio, pensou que iria acabar o projeto, mas não tinha como parar. Mamãe não queria que parasse nada, mamãe gostava de: "começou, faz até o fim". Ela era dessas. Nós pegamos o projeto e fomos fazendo a duras penas, porque a mamãe foi embora em junho e a viagem foi em julho, Nossa, triste demais. Fomos fazendo o que a gente dava conta. A gente dava crise de choro, a gente dava crise de tristeza, mas fomos firmes, porque todo mundo é humano. A gente dava aquela baqueada e, de repente, firmava novamente. Fomos pedindo proteção, fomos… O filme foi se fazendo, à medida que o guia ia apresentando para a gente os lugares, nós íamos fazendo as perguntas e muitas perguntas já eram de nossas cabeças de muito tempo, que tínhamos vontade de saber. Fomos perguntando o que era verdade e o que não era, os cantos… Os nossos tatos tiveram a sutileza de colocar palavras africanas nos cantos em Português, então, mesmo que a gente não soubesse o significado daquela palavra, a gente sabia que era sagrado, a gente sabe que é sagrado. É como quando você vai em outra matriz, que estão cantando em outra linguagem africana. Você pode não entender nenhuma palavra, que sabe que é tudo sagrado. Então, você não canta fora de hora, não canta fora do contexto, você canta pedindo ajuda, pedindo proteção, invocando quem pode te ajudar, que é zambi, que é o nome de Deus.
P/1 – Você pode dar um exemplo de como é que eles…
R – Por exemplo, quando ele fala: "É Angola, minha gunga vem de lá, minha gunga vem de lá, correr o mundo, correr o mar; correr o mundo, correr o mar". Quando ele fala "minha gunga vem de lá", está falando "meu povo". Quando ele fala, por exemplo... Deixa eu lembrar uma palavra que tenha "gongar"... Não estou lembrando, mas, por exemplo, uma palavra que tenha "gongar", é casa. Então, "minha gunga, meu gongar", estou dizendo, "meu lugar, meu espaço". Então, dependendo do canto que você faz, ele está dizendo que está rezando, que está pedindo proteção. Em outro lugar, ele está dizendo que estamos todos juntos dentro de uma casa de proteção. O canto fala isso, vou lembrar um canto que fale… Depois eu lembro.
P/1 – Vocês foram e ficaram 26 dias lá, é isso?
R – É, em torno de 26 dias.
P/1 – Como foi conhecer o povo que já estava lá?
R – O povo que estava lá não tem a mínima ideia do que é o reinado de Nossa Senhora do Rosário. Não tem nada que comprove isso lá. Eles ficam abismados e pensando de onde saiu e por que saiu isso, mas também nós ficamos muito ao redor de Luanda, naquelas cidades próximas. Nós não fomos muito para o interior. Também tem aquela questão de pessoas que não falam o que sabem, também tem a repressão. Eu não vi nada… Eles ficaram muito interessados em ver as nossas gungas, mas na realidade, no museu, tinha as mesmas gungas. As nossas são de latas, de esferas de alumínio, mas a deles eram de cambucas de árvore, de cabaças pequenas, os apitos de bambu, matérias de árvores, de coisas da Natureza. Então, é um povo que cultua a Natureza, que cultiva a Natureza, trabalha com a Natureza e que canta para a lua, canta para o sol, que canta para o mar, para a Rainha do mar: "Ajudai-me, rainha do mar; ajudai-me, rainha do mar, que manda na terra e que manda no ar; ajudai-me, rainha do mar; ajudai-me, rainha do mar, ajudai-me, rainha do mar, que manda na terra e que manda no ar; ajudai-me, rainha do ar". E que canta… "Ô céu sereno, ô céu azulado. Ô céu sereno, ô céu azulado, estava na beira da praia quando eu vi marinheiro chorar, estava na beira da praia quando vi marinheiro chorar". Ele chorava de saudade da terra dele. "Ô céu maravilhoso, ô céu azulado". Mas ele estava na beira daquele mar, com o seu trajeto. E o mar que o povo de Angola tanto canta é a sua calunga, de onde eles vieram. O que é a calunga? O cemitério. Porque eles iam morrendo e sendo jogados ao mar. O túmulo deles era no mar. Por isso que eles cantam do mar, porque eles vieram de lá. O povo do Congo dança no balanço do mar. Está dentro da gente esse balanço de vinda de tragédia e de alegria, de chegar em um outro lugar e conseguir sobreviver.
P/1 – Como é que são os tambores lá? Como é que eles são feitos?
R – São feitos de… Bom, os tambôs, que são os candombes, são feitos de árvores, troncos de árvores tombadas, aquelas árvores que caíram, os negros velhos iam lá, pegavam a árvore… Porque é muito mais rápido você pegar a árvore que já está tombada do que meter machado nela. Ele ia trabalhando por dentro, até chegar no pé. Hoje, para as caixas do Moçambique e do Congo, são compradas madeiras apropriadas que fazem o arco, prega com prego, passa cordão no couro, coloca o aro de madeira no couro, vai costurando, encaixa e faz de acordo com o tamanho do cilindro da madeira. Põe o couro e vai passando as cordas, puxa o couro… Aqui em casa, nós aprendemos que as caixas não podem ficar em pé, com o couro para cima ou com o couro no chão. Porque o couro no chão esfria e perde o som. Então, a caixa não pode ficar em pé, ela fica deitada, porque se esfriar um, esfria o outro. Na hora de tocar, a temperatura está igual.
P/1 – Me conta como é a festa de Nossa Senhora do Rosário, porque você falou como era a de 13 de maio, certo? Como é que vocês dividem a festa de Nossa Senhora?
R – "Vocês" quem?
P/1 – A casa.
R – Não, eu não entendi a pergunta.
P/1 – Vocês também fazem uma festa, além da…
R – Faz a festa do Rosário, que é a 13 de maio, só essa.
P/1 – Ah, tá, entendi.
R – Faz do dia 1° ao dia 30. Começa fazendo o terço e saindo com o boi. Acabou o boi, levanta a bandeira e começa a festa em si. Terminou a festa em si, daí a duas semana vai descer a bandeira e acabou.
P/1 – Entendi. E me conta uma coisa, vamos voltar para o que a gente estava falando da sua infância… Você foi crescendo, então, como princesa.
R – Princesa. Depois disso, eu ficava… Bom, eu comecei a trabalhar na área alimentar, de copeira. Aprendi coisas de fazer comidas, maneiras de fazer. Eu era amiga da encarregada e ela me passou para trabalhar na cozinha, eu trabalhava de ajudante de cozinha, então eu via como eles faziam as coisas de modo mais fácil. Eu aprendi um meio de fazer muita comida com a nossa experiência, do jeito que a gente tinha, as panelas, o fogão a lenha… Do jeito industrial mais fácil de fazer. Aprendi nesses trabalhos como picar; modos de higienização, que vão mudando com o tempo porque precisam de adequação; aprendi a costurar um pouco e ajudava a mamãe a fazer os saiotes, os turbantes; fazer terço aprendi também, aprendi a tecer o terço. Eu até ensino o povo a fazer o terço e o Rosário, dou aula disso, de ensinar cada um a fazer o seu terço. Cada um que você ensina a fazer o terço, em cada bolinha que ele põe e cada conta de lágrima é um pedido dele, então, é crucial que a própria pessoa faça o seu terço, o seu Rosário, porque ela vai pondo as energias das coisas de que precisa. Então, cada... Paz, saúde, prosperidade, felicidade, harmonia, fidelidade, amor, esses ‘trens’ bons todos que têm na vida vão sendo colocados ali. É igual bandeirinha do tempo, cada bandeirinha que você prende no cordão você pede alguma coisa: bom senso, sabedoria, alegria, firmeza, destreza mental, saúde, felicidade, harmonia, alegria… Por aí vai. Quando já falou tudo, você começa a repetir, porque é muita bandeirinha.
P/1 – Antes de continuar, você explica para a gente o que é cada uma das coisas que a senhora está usando agora?
R – Esse aqui simboliza uma caixa, que foi a Rainha do Congo, a Rainha lá do quilombo dos Arturos que me deu essa caixinha e eu acho muito lindo, ela fez com muito carinho. Esse colar é um que ganhei lá na África, em Angola, eu coloco porque gosto de lembrar de Angola. Esses aqui são rosários, os rosários que são a arma do cristão contra o inimigo. Esse rosário é de lágrima, mas ele é isso aqui mesmo, só que é enfeitado, de pontas industrializadas, mas é isso, que é a arma do cristão contra o inimigo. Você coloca isso atravessado, que simboliza o povo que veio do outro lado de além mar, e é isso, minha arma, meu escudo. Quando vou para a luta, tenho que ir armada e minha arma é isso. Esse caxixizinho aqui, que simboliza o povo de Angola, são os capoeiristas angoleiros. Não é bonitinho também? Eu gosto de colocar esses ‘trenzinhos’.
P/1 – Como é que foi depois? Você estava trabalhando…
R – É, aí eu trabalhei nessa empresa de fazer comida e servir café e ajudava mamãe na cozinha. Eu já ajudava antes, mas aí, ajudava… A mamãe fazia as coisas e depois, quando comecei a trabalhar lá, fiquei melhor ainda. Eu ensinava algumas dicas à mamãe, umas coisas de fazer mais fácil e rápido, sem ser fora da tradição. Nós íamos fazendo… Eu era costureira, cozinheira, arrumadeira… Eu sou boa mesmo em fazer as costuras, ajudar na costura, fazer a roupa do boi. Eu sou costureira de boi e costurar para boi é ótimo, porque ele não reclama. Tudo que faz, ele fica bonito, fica feliz demais, cada vez mais lindo. Os rosários eu faço também, e só.
P/1 – Bastante coisa.
R – Nossa Senhora! E as palestras! Vou às escolas falar do nosso povo, falar da nossa luta, o porquê da intolerância religiosa, o porquê do racismo, o que é racismo reverso… Tudo. Ensinar nosso povo a lutar. Nesse momento atual brasileiro por que estamos passando, temos que preparar os guerreiros, porque vamos embora. Esses meninos que estão passando por isso agora, estão passando para serem preparados para as guerras futuras. Não se para de guerrear, é uma guerra contra um sistema, uma guerra contra o oculto, e sempre lutando. Sempre com Nossa Senhora no comando, com a fé de Nossa Senhora, Jesus Cristo, e caminhando. Caminhando e confiando em Jesus, confiando em Zambi.
P/1 – Você casou?
R – Casei, menino, duas vezes. No primeiro casamento, eu tive um filho que se chama Shelton. É um menino lindíssimo, maravilhoso, puxou a mim de tão lindo que é. Ele se chama Shelton, porque tinha uma pessoa na minha escola que se chamava assim e era um rapaz muito novo, que me ajudava a estudar na hora do recreio. Eu achava muito lindo um rapaz novo ficar perdendo tempo para ajudar velha a estudar. O menino me ensinava várias coisas de Matemática, que eu era tenebrosa… Logaritmo, me dá até coceira de falar isso. Eu achei o nome bonito e coloquei. Perguntei a ele como que era, ele descreveu por que se chamava assim, disse que a mãe dele tinha escolhido. Depois fiz uma pesquisa e soube que era o nome do goleiro da seleção inglesa campeã do mundo de futebol, e que "Shell" significa concha, concha de petróleo, concha de ouro negro. Eu achei que ficou maravilhoso. Depois, passado um tempo, arrumei um outro marido, maravilhoso também, muito bom, muito legal, foi muito bom, só que eu só tive um menino.
P/1 – Quantos anos?
R – Fez 22 anos. É o meu Shelton, meu cristal.
P/1 – Ele participa do…
R – Participa, mas não é com ênfase. Eu acredito que só dele estar próximo, já vai estar aprendendo, porque quando eu precisar dele pegar o cargo… Ele é um príncipe, é o meu príncipe de Aruanda, maravilhoso. Ele vai saber a hora em que chegar a hora dele. Ele é o quarto reinado, a quarta geração do povo do Rosário. Só que o Rosário dele, o reinado dele, vai ser um reinado que só tem compromisso com a fé, ele não tem compromisso com a ancestralidade, não vai ter compromisso com vovó, com mamãe, com bisa, com nada. É tão difícil de você levar um Rosário, um reinado, que se ele pegar essa incumbência para seguir, vai fazer do jeito que der conta, o melhor dele. O melhor dele é o que puder fazer, do jeito que ele der conta… Um Moçambique ser só de mulher, se vai ser mulher e homem, homem e menino, menino e homem, criança e jovem… Ele não vai ter essa preocupação. Ele vai caminhar com quem quiser dar a mão a ele, vai caminhar com quem puder.
P/1 – E tudo bem?
R – E tudo bem. Eu já coloquei isso na minha cabeça muito bem colocado, no meu coração, que o dia que for embora, não quero pensar nisso, quero ficar só lá chupando manga no céu, comendo algodão doce nas nuvens, não quero ficar preocupada com isso. Eu falo isso para ele. Se ele quiser seguir o Rosário, vai seguir e com a liberdade de fazer do jeito que ele der conta. Eu tenho certeza que ele não deixa cair.
P/1 – O que ele está fazendo agora? Estudando…
R – Estuda no Senai, ele faz… Não sei explicar, mas é coisa de computação, que é o que ele gosta.
P/1 – Como é que foi o dia em que ele nasceu?
R – Maravilhoso. Bom, primeiro, difícil foi eu querer esperá-lo, eu não queria. Eu achava que gente pobre não podia ter filho e não precisava. Pensava: "Nossa, a gente passa por tantas coisas, tantas coisas, que a gente, pobre não tem que ter filho". Nessa empresa em que eu trabalhava, chamada Emater – MG. Extensão rural. Maravilhosa, as pessoas gostavam de mim, conversavam comigo e a psicóloga disse que eu tinha algum defeito na mente, que eu tinha algum probleminha e que tinha que conversar. Fui lá conversar com ela, conversou, explicou, explicou, explicou, falou, falou… Depois, eu fui me convencendo e o meu primeiro marido casou sabendo que eu não queria ter filho mas casou também ciente de que eu poderia mudar de ideia. Falei: "Bom, aí é com você, se eu não mudar, tudo bem". E eu mudei. Graças a Deus que eu mudei de ideia, que foi um presente de Deus. Os médicos, meus amigos que trabalhavam lá… O médico falou, "Belzinha, você está com uma cara de grávida". Falei: "Será, doutor?" "Tá". E estava grávida mesmo. No dia em que ele foi nascer também, esperei para nascer normal e não nascia de jeito nenhum. A doutora falou: "Belzinha, vamos fazer uma cesárea, porque esse menino está com o ombro muito largo, ele não vai passar. Dei oito dias para ele nascer naturalmente e ele não quis". Foi, fez a cesariana, chegou meio-dia, lindo e maravilhoso, um menino branco, que fiquei preocupada demais: "Gente, mas esse menino cor de macarrão é meu menino, é meu negão?" Ela falou: "É, esse é seu negão, e fica tranquila que a cor chega nele". Não chegou muito, mas é o meu negão. Um menino "pezudo", que era o maior pé que tinha naquela maternidade. Até hoje o pé dele é grandão, 44. Um cabeção também que fiquei preocupada, falei: "Mas que menino cabeçudo, meu Deus". Coitado, só vi defeito no menino (risos). Ele foi crescendo, a cabeça foi… Eu falava para ele: "Mamãe, por que essa cabeça tão grande?" "Ah, filhinho, é porque você é muito inteligente, por isso tem que caber muita coisa nessa cabeça". Foi passando o tempo e ele começou a chorar porque a cabeça dele tinha ficado pequenininha e que ele não ia mais ser inteligente. Eu falei: "Não, meu filho, você continua inteligente, só que sua inteligência agora virou um chip, ficou pequenininha e agora está tudo no chip". "Ah, é mesmo, mamãe?" E aceitou. Depois, o pé que era maior que ele, falei: "Meu filho, homem bonito é homem de pé grande". "É mesmo, mamãe?" "É". E ele sabe, até hoje, que bonito é homem de pé grande. Eu ia falando as coisas, ele ia acreditando e ia ficando feliz. Por quê? Porque com essas coisas, se não acharmos um modo de ficar feliz do jeito que somos, com o que temos, a gente vai ser infeliz. Ninguém vai cortar o pé, não vai. Quem é cabeçudo, não tem como. A cabeça ficou pequena, o que posso fazer, não é? Então, tem que ensinar a ficar feliz do jeito que ele é, lindo, preto, branco, azul, loiro, olho azul, olho claro… Não interessa. Cor de macarrão? Não interessa.
P/1 – O que você sonha? Você sonha bastante?
R – Bom, eu já tive vários sonhos, mas o meu sonho hoje é terminar essa construção, que era o sonho de minha avó, o sonho de meu tio e o sonho da mamãe. A mamãe lutou quatro anos para conseguir o dinheiro para fazer essa reforma. Quando a reforma começou, ela já tinha ido embora, então, eu faço questão absoluta de manter o projeto como ela queria. Claro que com a partida dela tem as demandas, tem quem quer e quem não quer. Porque ela queria… Ela era o voto de minerva.
P/1 – Você falou que sua mãe foi o voto de minerva…
R – Era o voto de minerva. Foram feitas reuniões e mais reuniões para fazer um projeto que adequasse. Porque, na realidade, a casa é nossa, que virou esse palácio. O medo da minha mãe é deixar tombar, essas coisas que o governo faz, e no final das contas a gente perder o local de morar, que era o que a vovó não queria. Não se sabe onde termina a casa e onde começa o Rosário. Então, essa construção nova, separar algumas coisas, lhe dá a oportunidade de, se você não quiser atender ninguém, que você possa estar lá no seu cantinho, quietinho, sem que ninguém o veja... Mesmo o Jardim Sagrado, que vai ser feito em cima dos banheiros, que são as palavras de poder que usa na umbanda, que usa os chás para o povo do Rosário mesmo, para a comunidade e para a vida em si. As plantas, as folhas, as ervas são para nos ajudar, independente de religião e independente de ser matriz africana ou não ser. As pessoas têm que ter alquimia, têm que saber como se mexe com a planta, tem que saber como se tira uma dor de cabeça com a planta, com um copo d'água ou com o que for. O mundo de hoje pede que você saiba se defender dessa forma. Não é médico daqui e dali, com uma dor de barriga de menino, que sai correndo para passar a noite com o menino na friagem, esperando o doutor. Isso, com uma casca ou um negócio qualquer você resolve. A gente tem que lembrar o nosso povo disso. O nosso povo e todo povo, porque nosso povo é um só. Meu povo é quem me dá a mão, aquele que estende a mão para mim, é meu povo.
P/1 – E como é esse projeto, então? Para dividir aqui com casa… O que vai ter?
R – Não, aqui é capela. Dentro desta capela vão fazer os painéis, nas paredes, com as coisas do Rosário. Um painel para recados, a sala para fazer palestras, para poder fazer oficinas, tanto de instrumento quanto de canto, como de Arte e culinária. Um fogão a lenha bem equipado para ensinar as meninas da comunidade a fazer muita comida ou pouca comida, ganhar dinheiro fazendo comida, porque é trabalho. Você fazer uma comida, meu filho… Eu vou em vários lugares fazer comida, que eles me tratam… É uma honra saber fazer uma comida gostosa e as pessoas foram desaprendendo a fazer, não gostar, aprenderam a comer industrializado, achar que o melhor é aquilo. O melhor tempero é o nosso, com nosso alhinho socado, pouco sal, cebolinha se quiser, com o temperinho da horta que tiver, cada dia saindo com o gosto mais gostoso, é o nosso tempero. Esse que é o bom, a pressão não sobe, o papá fica gostoso, o paladar refinado fica contente, essas coisinhas. Fazer a própria roupinha. Hoje voltou, porque antes comprava uma roupa, era usada uma vez e jogava fora. Não está mais nesse tempo, não é? Então, a pessoa saber fazer uma blusa, saber fazer uma calcinha, uma saia, um short para os meninos… Porque as costureiras, antigamente, costuravam para os meninos ficarem dentro de casa, short, blusinha, vestidinho, um crochê. Essas coisas que a gente ensina e quer ensinar aqui nesta casa, nessas oficinas, são de autosobrevivência, é se virar, ficar bonito com a sua própria mão, fazer o seu melhor.
P/1 – Seu sonho é terminar esse projeto?!
R – Meu sonho hoje é terminar esse projeto, conseguir viver com o dinheiro de ser mestre de cultura popular, ir aos lugares e ser bem remunerada. Bem remunerada que digo, é de não ter que me preocupar. Se a remuneração for eles me darem um saco de arroz, um pacote disso, um pacote daquilo, é dinheiro. Não vou precisar sair de casa para comprar e já economizei o tempo, o ônibus e o carro. Essas coisas. Eu já aprendi que a gente não precisa de muita coisa para viver bem e ser feliz. O meu sonho hoje é ser muito feliz, gostar de mim, me tratar bem, fazer bem ao meu entorno, fazer o possível para o meu entorno estar feliz como estou, ser feliz como sou, respeitar a Deus, de ter no coração essa essência dos nossos tátas… Meu sonho é esse. Que meu filho consiga se formar e seja bem sucedido no que ele escolher para fazer, porque o que ele escolher é o que o ajudarei a fazer, a ser. Na caminhada de minha avó e de minha mãe, que é uma só, elas plantaram; minha avó foi raiz e tronco, minha mãe foi fruto e eu sou semente; semente é para semear. A semente que você semeia e vira uma árvore, você não come o fruto dela sozinho, você é obrigado a distribuir e dividir. Você pode vender, mas não vende toda; se você for comer, não come toda; se plantar uma horta, não come toda. Se lançar dois pés de couve na sua casa, sua família toda come, se você plantar três, tem que dar couve para os outros. É isso o que eu quero, quero muito isso, que o meu entorno tenha alimento espiritual, tenha alimento material, que tenha destreza mental, que faça o que quer fazer, que ele saiba que é inteligente e consegue fazer o que quiser. Quando estava na escola, eu achava que era burra, eu não entendia Matemática e hoje sei que era porque tinha uma dificuldade de entender e também quem me ensinava tinha dificuldade de me ensinar. Então, não era só eu que tinha dificuldade. Hoje eu falo comigo mesma: "Eu não tenho dificuldade, eu aprendo o que quiser e ensino o que eu aprender, para quem quiser". Esse é que é o meu sonho, esse é que é o meu ser interior, é o meu gostar. Eu gosto de ajudar.
P/1 – Tem alguma coisa que você ainda gostaria de falar para terminarmos e que eu não perguntei para você?
R – Bom, gostaria de falar a respeito de família, a respeito das pessoas que Jesus e Nossa Senhora colocam no nosso caminho, que os nossos irmãos são as pessoas que estão ao nosso lado, caminhando conosco, que a nossa mãe é aquela pessoa mais velha que está ali ajudando a gente, e se a mãe da gente for embora, não vamos ficar só, porque a mãe de alguém vai nos adotar, que a gente vai adotar filho de outro… E aí, a gente está preparado para receber, porque você se prepara para receber e doar o que recebeu, então, você vai ter muitos irmãos, muitos pais, muitos tios, muitos primos, muitos amigos. Amigos que são irmãos, irmãos que são amigos… É isso. Há pessoas que se tornam seu familiar porque querem seu bem, sem nada em troca; simplesmente para lhe ver feliz. É isso.
P/1 – Como é que foi contar um pouquinho da sua…
R – Foi muito bom, achei perfeito. Eu não sabia muito o que ia falar, mas achei... A condução foi bem suave, bem tranquila, que foi uma fala que resolve, fiquei feliz de falar das coisas de criança, que também não foi só luta, teve coisa boa. E falar da luta de vovó, que não foi em vão, ela ensinou. Às vezes, naquele tempo, eu nem percebia que era aquilo tudo. Na realidade, ela não estava ensinando por ensinar, ela estava vivendo a vida dela. Ela estava fazendo o que podia, o que dava conta naquele momento, o que ela deu conta naquele momento me faz hoje entrar numa Universidade para falar com um professor, me faz viajar para falar com professores e educar pessoas, com o simples ato dela ter vivido o que queria viver, o ato dela ser, querer ser boa e louvar Nossa Senhora.
P/1 – Obrigado, foi um prazer.
R – O prazer foi meu. Uma honra estar participando desse projeto maravilhoso e saber que dentro de um museu essa palavra vai ser muito propagada, não é? Você coloca lá embaixo que quem quiser ajudar e ser irmão do Rosário, pode vir para cá. Eba!
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